R$ 28,00 Arte Gabriela lucena “Sem rumo” - 2021
#001
Edição #001 - outubro 2021
carta ao leitor
tram·po | n. m.: trabalho, serviço, emprego. “Estou precisando de um trampo para pagar as contas!” A TRAMPO é para quem tem consciência da desigualdade empregada sobre a nossa sociedade e possui a disposição de gerar um impacto significativo e positivo no mundo; é para quem quer alimentar conhecimentos de cultura e empreendedorismo para suprimir e conquistar esses desejos. Hoje em dia muitos jovens e artistas da periferia estão prontos para contar as suas experiências e produzir para o mundo, mas lidam com o desemprego e a falta de incentivo à Indústria Criativa. Devemos muito a eles e talvez nem saibamos por quê. A arte nos faz imaginar saídas, novos jeitos de conviver, de mudar, e muitos artistas estão perdendo oportunidades e talentos por falta de visibilidade. E talvez esses talentos só estejam do outro lado de um muro que você nunca pensou em atravessar ou nunca soube como. E é por isso que estamos aqui. Queremos mostrar os dois lados de uma mesma moeda – os dois lados do muro. Com a TRAMPO, te convidamos a prestigiar a arte de quem é cria da periferia, refletir sobre o fato de que tá osso pra muita gente e acompanhar a gota de suor frio que escorre enquanto a gente desenrola uma história carregada de fatos e sentimentos. Viemos te mostrar que os dois lados dessa moeda não são opostos, mas complementares.Porque a Trampo não fica em cima do muro.
Julia
Giulia Escola Superior de Propaganda e Marketing Graduação em Design Turma DSG3A 2021.2
Tamylin
Projeto III Marise De Chirico Marketing Estratégico Neusa Santos Finanças Alexandre Ripamonti Produção Gráfica Mara Martha Cor, Percepção e Tendências Paula Csillag Ergonomia Auresnede Pires e Matheus Pássaro Projeto Editorial e Gráfico Giulia Coelho Júlia Di Martino Tamylin Ayumi
Colaboradores
EUSTÁQUIO NEVES Fotógrafo autodidata e artísta multimídia, brasileiro. Busca uma estética negra na fotografia. DJONGA Rapper, escritor, historiador e compositor. Influente pela lírica marginalizada e pelas críticas sociais.
ELISA CARARETO Artista visual e ilustradora, brasileira. Em 2019 recebeu o prêmio FNLIJ como ilustradora revelação. DAVID AMEN Cria do Complexo do Alemão, jornalista, grafiteiro, ilustrador e editor de vídeos.
MARCOS MELLO Designer, tipógrafo e letterpress printer. Professor de Design e sócio diretor da Oficina Tipográfica de São Paulo.
TIARAJU PABLO D’ANDREA Sociólogo, brasileiro. produção social do espaço urbano; segregação sócioespacial; preconceito social e produção artística de bairros periféricos
JOÃO PINHEIRO Autor, roteirista, ilustrador e quadrinista, brasileiro.
O QUE VEM POR AI
CRIA 12
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Chave Eustaquio Neves Criando e ocupando espaços nas artes
Artistas da periferia espalham cultura pelas grandes cidades do país
Devemos muito aos artistas de periferia
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Memória em fogo na periferia
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Encosta Qual as novidades?
TÁ OSSO 52
A dificuldade para encontrar vagas nas periferias
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“O preconceito pesa muito para jovens periféricos quando vão entrar no mundo do trabalho”
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Robin Hood do Rap, Djonga fala das origens na Zona Leste
Deixa Falar Os negócios da quebrada
Vai existir o “novo normal” na periferia?
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GF lança plano para acabar com pobreza das favelas
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Se Liga! Coluna Assinada
DESENROLA 98 104
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Um breve histórico sobre o surgimento das favelas
Favela é Resitêcia em sua Essência
A pobreza brasileira tem cor e é preta
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Atura ou Surta Farol de Quebrada
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Poema
Foto rátao diniz
EUSTÁQUIO NEVES: COMO UM ARQUEÓLOGO O fotógrafo atua como um arqueólogo, trabalhando questões étnicas, religiosas, sociais em imagens submetidas a um sofisticado processo de manipulação por
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Luciana Veras
obras
Estáquio Neves
chave
Eustáquio Neves, obra do museu Afro Brasil, 2015
fotógrafo e artista visual mineiro Eustáquio Neves. Nascido em 1955, na pequenina Juatuba, José Eustáquio Neves de Paula já morou em Belo Horizonte, São Paulo e Londres, viveu em um povoado de 240 habitantes chamado Extração e tempo é o maior te- hoje reside em Diamantina. Se souro de que um ho- houvesse seguido o roteiro para mem pode dispor, o o qual parecia destinado, seria tempo é nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é nosso bem de maior grandeza; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo prover igualmente todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo”. Assim transcorre uma passagem de Lavoura arcaica, escrito por Raduan Nassar em 1975, que bem poderia servir de epígrafe para a obra do
O TEMPO É NOSSO BEM DE MAIOR GRANDEZA
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Eustáquio Neves, coleção Os dilemas são outros, 2019
químico industrial. Mas largou a profissão para se dedicar à fotografia. Nesse mergulho artístico rastreia as evidências da passagem das horas, dos anos, das décadas. “Tempo é primordial. Ao longo da minha carreira, fui aprendendo isso. Quando você o respeita, tudo flui de uma forma natural”, situa. Neves olha, conversa e trabalha como um arqueólogo. “No meu trabalho, faço uma interpretação do mundo à minha volta, com vários recortes. A partir deles, tento criar uma narrativa com pequenas fábulas e vários tempos, já que uso diversos negativos. De alguma forma, quero contar aquela experiência visual de vivência com o que está no meu entorno”. Por exemplo, na série Arturos (1993-1997), em que observou uma comunidade em Contagem (mg) em que homens negros revivem ritos afro durante a festividade de Nossa
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Senhora Aparecida do Rosário, propondo um olhar delicado sobre o sincretismo religioso no Brasil. A mesma sutileza é percebida nas fotografias que compõem Futebol (1997), um dos seus trabalhos mais notórios. Nelas, o artista visual busca não glamorizar uma “pelada” e, sim, enxergar o fenômeno agregador por trás do esporte nacional. “Havia um lugar por onde eu passava todo dia de metrô em Belo Horizonte e sempre via as pessoas jogando bola, até que um dia me chamou a atenção ao ponto de querer registrá-las. Não sou uma pessoa ligada ao futebol, mas sei que é um esporte que socialmente agrupa as pessoas de diferentes classes, independentemente de dinheiro. Quis olhar para o futebol por esse viés”, relembra. Em “O tempo em camadas”, exposição com as séries Objetivação do corpo (1999), Máscara
da punição (2004) e Dead horse (2009), no Recife, percebia-se a experimentação dos negativos para ampliar o horizonte narrativo de cada obra e revelar tanto do processo como do próprio artista. Máscara da punição, por exemplo, surgiu de uma fotografia antiga da sua mãe, manipulada de modo a exibir o artefato que cobria a boca dos escravos acusados de roubar mantimentos. O mesmo se deu no conjunto imagético de Valongo: Cartas ao mar, mostrado ao longo de 2015 no Rio de Janeiro e no Museu Afro Brasil, em São Paulo. Em uma alusão aos navios negreiros vindos da África, foi criado a partir de uma pesquisa que o fotógrafo fez nos arquivos públicos e na zona portuária da capital carioca. Durante séculos, o Cais do Valongo foi o principal porto de chegada dos escravos – há estimativas de que mais
chave
SIMBOLIZA UMA REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA ARTE de dois milhões de africanos desembarcaram ali. Eles eram negros como Eustáquio Neves; suas vidas e mortes, até hoje, tendem a ser desconsideradas na historiografia oficial brasileira. Para o artista, contudo, a sobreposição de memórias nessas imagens específicas – interferências como carimbos e texturas de tinta dão ao espectador múltipla oferta de significados. “Cabe à arte sempre questionar e sempre trazer mudanças com seu questionamento. O que faço hoje só existe por conta de Arthur Bispo do Rosário”, revela, como referência o artista negro e pobre, falecido em 1989, que, ao transitar entre a genialidade e a loucura, redefiniu parâmetros na contemporanedade brasileira. Como nas peças manufaturadas por Bispo do Rosário, as experiências de Eustáquio Neves estão contidos nas suas imagens. “Meu trabalho é autobiográfico. São minhas origens, de onde venho, como vim parar aqui. Afinal, por que estou aqui?”, arremata.
Eustáquio Neves, coleção Os dilemas são outros, 2019
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CRIANDO E OCUPANDO ESPAÇOS NAS ARTES Foi através da arte que Linoca encontrou mais um espaço a ser ocupado por
Fabiano Moreira
ilustrações
Linoca Souza
A Linoca Souza, 2020
o circular no centro da cidade, Linoca passou a refletir sobre seu lugar no mundo. Em uma reflexão sobre espaços à nível geográfico, social e étnico, a jovem que morava entre o Capão Redondo e Campo Limpo, bairros da periferia de São Paulo, passou por um processo de entendimento sobre si e sobre a necessidade de se expressar. Aline Bispo, conhecida como Linoca Souza, é artista visual, ilustradora e curadora – atualmente é responsável pelo acervo artístico de ilustrações de artistas negras do Instituto Ibirapitanga. O grafitti foi o primeiro meio
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Ilustração de Linoca Souza, 2020
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de expressão artístico que Linoca mergulhou e que se relaciona com seu período de movimento, circulação e ocupação de espaços da cidade, mas hoje ela encontra na ilustração e, mais recentemente, na pintura, novos canais de arte e suas obras agora circulam dentro de casas, bibliotecas, transportes públicos, praças e ruas – onde quer que o acesso à internet chegue. O processo de criar sempre esteve presente na minha vida. Minha mãe trabalhava em casa com costura, então sempre tive muitas revistas de de moda e manequins, então ficava brincando com tecido, montando minhas bonecas e, por ser filha única, era um universo muito individual em que eu tinha a necessidade de criar meus universos e espaços.
Linoca Souza, 2020
O GRAFITTI FOI MUITO ESPECIAL PARA MIM
Quando fui ficando mais velha, fui estudar no centro da cidade e esse processo de sair da minha casa e ir para outro lugar tão distante fez com que eu começasse a pensar sobre o porquê eu precisava me deslocar tanto para chegar no curso. Esse processo de entendimento foi muito importante para pensar em como expressar isso para o mundo e dividir esses questionamentos de porque tudo é longe, porque o ônibus pra gente é sempre tão cheio e entender o cotidiano da cidade. O grafitti foi muito especial para mim, onde conheci outras pessoas e descobri a possibilidade de desenhar e me expressar para o mundo. Na comunicação visual eu comecei a estudar ilustração, tive acesso a outros processos técnicos e vi que poderia também me expressar dentro dos meios digitais. Eu sou muito agradecida pelas oportunidades e por ter pessoas próximas que me ajudaram a entendê-las, mas tem uma série
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de barreiras que estão na vida de que vem do mesmo bairro que eu ou da mesma realidade social. Quando penso na realidade da minha família, têm vários fatores. Quando penso na minha trajetória, vejo em diversos momentos, desde coisas que algumas pessoas fingem que são brincadeiras até situações que passam pelo machismo, pelo racismo e por questões sociais. Eu sou grata por conseguir atingir diversas pessoas com meu trabalho, mas é um processo cotidiano, porque essas alfinetadas – essas violências – acontecem o tempo todo e quando não é com a gente, é com o outro. Então temos que ficar atentas para apoiar e estender nossa mão quando isso acontecer.
TODOS VOCÊS IRÃO ME RESPEITAR A PARTIR DE HOJE Linoca Souza, 2020
Na coluna da Djamila Ribeiro (semanal na Folha de São Paulo), eu tenho que ler o texto antes para poder ilustrar. Então é um processo de criação e reflexão contínuo. Ela (Djamila) traz referências nos textos que me fazem pensar, buscar, pesquisar…. Algumas vezes é muito marcante, e eu falo “isso mexeu muito comigo!”. Os outros trabalhos, como a capa do Sula (de Toni Morisson), e o livro da Lélia (Por um feminismo afro-latino-americano), foram uma honra de produzir, poque são pessoas que já estavam na minha história. Por isso, encaro com muita responsabilidade porque eu sei que vai chegar em outras pessoas. Linoca ilustrou a capa de Por um feminismo afro-latino-americano, publicado em 2020, livro que reúne em um só volume um panorama amplo da obra de Lélia Gonzalez. A capa da nova edição de Sula, da estadunidense Toni Morrison, também é trabalho da artista, assim como a capa de Torto Arado, de Itamar Vieira, no qual Linoca conta ter uma relação muito íntima com a história.
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A minha mãe me inspira muito e as vezes eu relaciono as histórias em que trabalho com a dela. Tudo isso me inspira para que eu continue minhas pesquisas. Tudo que eu leio vou fazendo anotações para usar no futuro. Com a internet, pessoas que não conseguem outros espaços estão criando seus próprios espaços. Para Linoca, o fato de a maioria de suas obras possuírem um rosto não identificado vai além da estética e perpassa pela identidade: “Muitas pessoas podem ver aquela mesma figura e se identificar, então, não necessariamente tem um traço que vá remeter a uma única pessoa. Ao
Linoca Souza, 2020
mesmo tempo que aquela figura é uma só, ela passa a ser várias”, conta. Tem públicos que não acessam museus e galerias – inclusive por medo. Então abrir espaços e levar seu semelhante a uma exposição, por exemplo, faz com que essa pessoa saiba que ela pode ocupar esse lugar. A internet faz isso: ela mostra que seu semelhante está falando sobre você, sobre questões que dizem a seu respeito e que você pode abrir seu celular e ver, da sua casa ou do seu trabalho. É importante que em algum momento exista uma intersecção entre levar o público da internet para os museus. Precisamos de mais pessoas pretas produzindo artes e podendo seguir por essas encruzilhadas sem medo de ser quem são. Como referência, a minha mãe, a história das mulheres da minha família e meu avô. No mundo artístico, sempre vou falar da Rosana Paulino, uma artista fundamental para ser estudada e ouvida. Ela foi a primeira artista negra a se tornar doutora e o trabalho dela é muito bonito e representativo.
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ilustração willian Santiago
Artistas da periferia espalham cultura pelas grandes cidades Na literatura, na música e nas artes visuais, jovens da periferia contam as suas experiências por
Profissão Repórter
ilustrações
Willian Santiago
O Ilustração de Willian Santiago, Kalemba
repórter Caco Barcellos conta a história de Wallace “Pato”, um pintor autodidata que retrata rostos nordestinos nos muros das periferias do Rio de Janeiro. Em suas palavras: “Eu acho que o Brasil nem seria o Brasil sem o Nordeste. Nós não temos acesso a arte aqui como um cara que nasce na Zona Sul tem, é muito diferente. Meu espaço é a rua, o muro”. Em São Paulo, nossa equipe também conheceu Eric, um artista que largou o emprego para tentar vender desenhos em semáforos e é a alegria de quem passa por
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Ilustração e rapport para a identidade do curso de moda SenacRJ 2019
um cruzamento importante da cidade. “Dizem que é a ironia do palhaço triste. A pessoa que mais tira sorriso das pessoas, no fim é uma das mais tristes”. A repórter Danielle Zampollo mostra a história de autores da periferia que constantemente conquistam sucesso internacional. No Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, vive uma revelação da literatura brasileira, o jovem Geovani Martins, que já teve sua obra de estreia traduzida para nove países. “Os temas que eu pretendo tratar nascem muito de coisas que acontecem nas Bruna MC tem nove anos e o seu primeiro ruas. No livro ‘Sol na Cabeça’ clip na internet foi visto milhares de pessoas. um dos personagens mora aqui.” “O rap é uma parte da edução que a mãe dá”. Em suas músicas ela conta da dificultade da mãe para conseguir emprego na Bahia. Os repórteres Iury e Ed são fundadores do coletivo Base 071, um canal comunitário que conta a história de rappers de Salvador e divulga clipes e shows. Os dois participaram da segunda edição do projeto GloboLab: Profissão Repórter, que contou com 20 estudantes de jornalismo de sete estados diferentes. MC Dark é um dos rappers retratados na reportagem de Iury e Ed. Dark passou um ano preso e depois de se tornar um rapper conhecido, voltou para as cadeias baianas para gravar um clipe e levar sua mensagem. Alguns dias após a equipe do Profissão Repórter gravar a reportagem com o MC enquanto ele gravava uma nova música para o seu álbum, ele foi denunciado por agressão contra a ex-namorada e a ex-sogra.
O MEU ESPAÇO É A RUA, O MURO
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ilustração Willian santiagos
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ilustração willian santiago
Ilustração para o Apple Music “Great Classics of Brazilian samba”
A agressão virou notícia em Salvador e gerou um boletim de ocorrência contra o rapper. Depois de ter shows cancelados, Dark decidiu falar pela primeira vez sobre a agressão eu desenho muita coisa triste assim, mas eu na casa de um amigo. “Primeiramente, eu queria pedir não desculpa, porque desculpa é pouco. Eu queria pedir perdão para os amantes do rap de mensagem e a todas as mulheres. Eu errei, cometi mais um crime, mas errar é humano. A violência está muito presente na minha vida e aí agiram com violência comigo e eu simplesmente revidei de forma desproporcional”. O rap nordestino é também tema da reportagem de Guilherme Belarmino. Ele foi a Fortaleza e encontrou Jardson, egresso da Febem que encontrou na arte uma saída e, graças a ela, hoje consegue circular com liberdade em uma cidade dividida pela guerra de facções rivais nos bairros. “Eu quero quebrar o estereótipo de bandido, agressivo, violento, marginal”, conta. Na adolescência, ele foi apreendido por tráfico de droga, começou a ler em um centro sócioeducativo e agora tenta ser uma influência positiva para outros jovens.
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FOTOGRAFIA NATE BELL
Grafite por Starley Bonfim
Devemos muito aos artistas das periferias Mesmo não sendo considerado um serviço essencial, o setor cultural nunca foi tão necessário quanto durante a pandemia por
Tamiris Gomes
A Grafite de Starley Bonfim, um dos organizadores do festival Origraffes. O artista foi um dos selecionados no Edital Arte na Rua
arte nos faz imaginar saídas, novos jeitos de conviver, de mudar. Tem tido poder até de curar e é um direito, mas ainda precisa de apoio para existir. Além de apoio, os artistas precisam estar vivos e protegidos. Esta semana, continuamos perdendo vidas para uma doença cuja vacina já existe. Paulo Gustavo, ator e humorista lgbt, foi uma dessas pessoas. Além dos riscos da exposição à Covid-19 e das incertezas sobre o futuro, nas periferias da capital, músicos, cantores, produtores, atores, poetas, artistas em geral e difusores
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FOTOGRAFIA ROBERTA CARVALHO
DEVEMOS MUITO AOS ARTISTAS
Grafite em viaduto no centro de são paulo, artista desconhecido
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culturais foram e estão sendo extremamente afetados pela ausência dos palcos, teatros e outros espaços culturais. Com ou sem coronavírus, as bordas da cidade já sofriam com a discrepância do acesso à cultura. Imagine agora. Para termos uma ideia, dados do Mapa da Desigualdade de 2020 apontam que as regiões periféricas possui menos centros culturais, casas e espaços de cultura, museus, cinemas, salas de shows e concertos e acervos de livros do que em áreas centrais e mais ricas.
“Algumas coisas que são normais para artistas que possuem mais dinheiro ou mesmo moram em bairros centrais representam desafios à carreira de artistas menores, longe dos grandes centros”, aponta Lucas Veloso, repórter correspondente da Agência Mural em Guaianases, na zona leste. Julia Reis, jornalista de cultura e fundadora da Brasa Mag – revista digital sobre hip hop, feita por 25 mulheres negras de diversas regiões do Brasil – aposta que haverá uma
efervescência de atividades e produções culturais pós-pandemia. “A cultura é algo que tem extrema importância para o povo brasileiro. Ela entretém, denuncia, acolhe e te faz refletir. Antes disso, ela também tinha o poder de unir as ruas e isso faz muita falta na relação interpessoal. Devemos muito aos artistas.”
FOTOGRAFIA ROBERTA CARVALHO
Pintura em muro no bairro de Pinheiros, na Zona Sul de São Paulo. A arte celebra a beleza negra e a feminilidade
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FOTOGRAFIA LÉO LIMA
Memória em foco na Periferia Projeto Fotografia, Periferia e Memória reúne fotógrafos em oficinas oferecidas pelo Brasil por
Ana Luísa Vasconcelos
S Léo Lima, fotografia para a coletânea #Frente; Festival Carioca de Fotografia Popular Emergente
eja em álbuns de família, em exposições fotográficas, em veículos de notícias ou nos livros de história, a fotografia se mostra uma das maiores responsáveis pela manutenção da memória. Hoje, não só historiadores e jornalistas têm a possibilidade de manter a história viva: cada dono de uma câmera ou de um celular tem nas suas mãos um instrumento de captura de imagens. Com quadros fotográficos de seus companheiros de profissão ornamentando as paredes de casa, Dante Gastaldoni, idealizador do projeto, se mostra satisfeito de
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ilustração LUIZ BALTAR ilustração LUIZ BALTAR
Luiz Baltar, Série “ANOMIA” 2016 a 2020
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orquestrar um grupo que se completa nas aulas oferecidas. Ao todo, já são cerca de vinte fotógrafos participantes das oficinas ministradas em diversas capitais brasileiras, cada um com uma área temática distinta na fotografia. Grande parte desses oficineiros já foram alunos de Dante ou de João Roberto Ripper, respectivamente professor/coordenador e criador da Escola de Fotógrafos Populares (efp) da Maré, iniciada em 2004. Desde a saída de ambos, em 2013, o grupo continuou unido, buscando ampliar as aulas que eram dadas na Maré para nível nacional. Quatro anos após seu início, as oficinas já percorreram 14 estados do país e, por meio de apoios de empresas privadas ou órgãos públicos, ministraram aulas gratuitas ou por valor simbólico para mais de
ME FAVELIZEI !!!!
500 alunos, com o foco voltado para as periferias. Entre goles de café, Dante conta como foi feliz em participar de iniciativas que levaram a favela para a universidade e vice-versa. Segundo ele, sua maior alegria nessa função mista de professor e mentor é ver que, anos depois do primeiro contato de estudantes com a câmera, muitos tornaram-se fotógrafos que expõe seu trabalho internacionalmente e tem uma produção única e original. Com orgulho, se emociona ao admitir: “Me favelizei”, assume. Dante explica que na Maré e, posteriormente, em outras favelas, sentiu um envolvimento diferente do que já havia presenciado como professor: “As pessoas abraçam a fotografia como uma bóia de salvação, um projeto de vida. Se jogam de cabeça. Eles começam a te cobrar e se doar
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num padrão que é diferente da universidade”, diz. “A função da fotografia é expressar a verdade das pessoas fotografadas. Dentro dela, dependendo do sentido que você colocar, a foto pode ser usada de forma positiva ou pejorativa. A gente quer mostrar o real das pessoas e ouvir suas verdades”, explica Elizângela Leite, formada em Pedagogia. Ex-aluno da escola da Maré e formado em Comunicação Social na uff, Fábio Caffé completa enfatizando a importância na troca com o fotografado como pilar da fotografia humana: “No Fotografia, Periferia e Memória
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Léo Lima Fotografia para a coletânea #Frente; Festival Carioca de Fotografia Popular Emergente
passamos a visão de que a fotografia deve ser compartilhada, feita para que as pessoas se sintam representadas. É um processo de coautoria em que o fotografado também é parte ativa de toda essa criação.”, afirma. Segundo o idealizador do projeto, a cada ano que passava parecia que já não haveria mais espaço para esse tema e, surpreendentemente, ele acabava se renovando em um novo estado ou com outra configuração. Dante diz que atualmente acredita no contrário: “Esse projeto está só começando e existe uma potência nele. Eu estou a todos os momentos sendo contemplado por coisas deslumbrantes, só preciso mostrar”. Encantado com o material que chega ao seu conhecimento, ele está trabalhando ostensivamente na criação de acervos, para que os fotógrafos sejam vistos mesmo nas oficinas em que não comparecerem. Perguntado sobre o impacto desse trabalho nas pessoas e na sociedade, Dante responde de forma simples: “Em mim foi maior que nas pessoas, com toda certeza. Em Juiz de Fora, por exemplo, me deparei com discursos lindos e uma roda de slam e poesias. Saí de lá chorando.”, relata com seriedade.
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FOTOGRAFIA LÉO LIMA
Sintonia Kondzilla•Guilherme Quintella•Felipe Braga
Narrada do ponto de vista de três personagens diferentes, a história de Sintonia explora a interconexão da música, tráfico de drogas e religião em São Paulo. Doni, Nando e Rita cresceram juntos na mesma favela, onde foram influenciados pelo fascínio do funk, das drogas e da igreja. @sintonia
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Irmandade Pedro Morelli
Cristina, uma honesta e dedicada advogada, descobre que o irmão desaparecido há anos está preso por ser líder de uma facção criminosa. Ela então é obrigada pela polícia a trabalhar como informante. Mas, a medida que se infiltra na facção, a moça começa a questionar seus valores sobre a lei e a justiça. @irmandadenetflix
encosta
M8 - Quando a morte socorre a vida Jeferson De
Maurício começa a estudar na renomada Universidade Federal de Medicina. Em sua primeira aula de anatomia, ele conhece M8, o cadáver que servirá de estudo para os estudantes. Durante o semestre, o mistério da identidade de M8 só pode ser achado depois que ele enfrentar suas próprias angústias. @m8ofilme
Banksy: Guerra e Spray Banksy•Mckenna•Paul
Guerra e spray reúne o melhor de seus trabalhos e expõe alguns de seus pensamentos nas palavras do próprio Banksy. Além das obras criadas para as ruas, o livro inclui também intervenções que o artista fez em locais privados, como museus de Nova York e o zoológico de Barcelona. @banksy
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Mano a Mano Mano Brown
Conduzido pelo cantor Mano Brown, o podcast “Mano a Mano” tem novos episódios toda quinta-feira. Ao todo, são 16 episódios e cada um deles traz uma conversa com personalidades do esporte até política, da música à religião. #ManoaMano @manobrown
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Papo de Segunda Fabio Porchat•Emicida•Cico Bosco•João Vicente
Toda semana Fabio Porchat, Emicida, Chico Bosco e João Vicente debatem os assuntos da atualidade. São quatro pontos de vista por vezes conflitantes, ora solidários, mas sempre divertidos. #PapoDeSegundaGNT @gnt
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werther santana/estadão-2019
A dificuldade para encontrar vagas nas periferias Todos os distritos periféricos estão abaixo da média de empregos formais, que faz com que os moradores se vejam reféns do desemprego e/ou de trabalhos sem registro por
Giacomo Vicenzo
Marcelo Rocha conhecido como DJ Bota, 2019
professora de ensino infantil, Caroline Santos, 31, é um dos poucos exemplos de Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, que trabalha perto de onde mora. “Trabalho a menos 10 minutos de caminhada de casa e o trajeto é plano. Saio de casa e vou andando tranquilamente”, conta. Conseguir trabalhar por ali, porém, é uma missão quase impossível. O distrito é o local com menor índice de postos de emprego em toda a capital. São 0,24 vagas formais para cada 10 moradores de acordo com o Mapa da Desigualdade 2018.
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A falta de oportunidades leva boa parte dos 200 mil habitantes para longas jornadas no transporte público. Moradores da zona leste gastam 1h52 diariamente, com o deslocamento até o trabalho ou local de estudo, de acordo com a pesquisa “Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana na Cidade”. Trabalhar e morar no mesmo bairro segue como um privilégio para poucos paulistanos. De acordo com o estudo Mapa da Desigualdade 2018, a média de toda capital é de 6,74 empregos formais para cada 10 pessoas. A região com mais facilidade é a Barra Funda, com 59,24 postos.
Barbara Terra, da Nós por Nós por André Lucas; 2019
DISTRITOS PERIFÉRICOS ESTÃO ABAIXO DA MÉDIA DE EMPREGOS Ou seja, há cinco vezes mais oportunidades do que moradores na região. Depois vem a região da Sé, no centro, com 46 oportunidades a cada 10 pessoas. Nos extremos das periferias essa média de ocupação formal por habitantes cai. Assim como Cidade Tiradentes, há distritos com menos de uma vaga para cada dez habitantes, casos do Jardim Helena, São Rafael, Vila Curuçá e Artur Alvim, na zona leste, Capão Redondo, Parelheiros e Jardim Ângela, na zona sul, Brasilândia, Anhanguera e Tremembé, na zona norte. Todos os distritos periféricos estão abaixo da média de empregos formais da capital,
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ANDRÉ LUCAS/ESTADÃO
o que faz com que os moradores se vejam reféns do desemprego ou de trabalhos sem registro, caso queiram ficar perto de casa. O sociólogo Fábio Mariano Borges explica que nas periferias existe uma concentração de vagas em micro e pequenas empresas, além de empregos informais. “A chance de carreira é baixa, então irá ocorrer uma migração da periferia para o centro”, explica Borges que é doutor em sociologia do consumo na puc-sp (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). “Poder trabalhar perto de casa é um privilégio em uma cidade com trânsito caótico, as pessoas já chegam para trabalhar cansadas após o trajeto casa/serviço. A qualidade de vida em poder trabalhar próximo Em Heliópolis, dentro da maior ao emprego é muito melhor”, explica. favela de sp, localizada na zona sul, a restrição de conexões de internet na comunidade fez com que cerca de 12 operadoras locais entrassem na disputa pelos clientes. Essa foi a chance para que Fernando Barbosa, 21, técnico e instalador conseguisse uma vaga na região, depois de ter trabalhado em outros bairros da capital.
A CHANCE DE CARREIRA É MUITO BAIXA
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FOTOGRAFIA LEIGHANN BLACKWOOD
“O preconceito pesa muito para jovens periféricos quando vão entrar no mundo do trabalho” Participante do projeto Chama na Solução Rio de Janeiro, José Wallison criou com outros jovens a iniciativa Empresa Poética por
Ricardo Gonçalves
fotos
UNICEF Brasil
omo jovem negro, de periferia, eu sei o quão difícil é ocupar um lugar de protagonismo e ter o poder de fazer escolhas”. Essa foi a grande motivação para o José Wallison Souza de Nascimento, 18 anos, se inscrever no projeto Chama na Solução Rio de Janeiro, iniciado no final de 2019 pelo unicef em parceira técnica com o Cedaps. O projeto tem como objetivo desenvolver com jovens e adolescentes soluções criativas para aproximar a juventude da periferia do mundo do trabalho. “A gente vê adolescentes do lugar onde a gente mora, que até estudaram com você
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Foto de Fábio Caffé para o projeto Chama na Solução; UNICEF Brasil
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FOTOGRAFIA UNICEF BRASIL
no colégio, mas não tiveram muitas escolhas, acabarem no tráfico de drogas para sustentar a família. Eles não conseguiram ingressar em trabalhos e foram rejeitados, porque não completaram o grau de escolaridade exigido pelo mercado”, conta Wallison. Mais uma razão para ele querer participar do Chama na Solução e buscar estratégias para que mais jovens das favelas tenham acesso a oportunidades de renda e trabalho. Durante o projeto, Wallison e seu grupo idealizaram a Empresa Poética. A proposta é desenvolver atividades que simulem processos seletivos mais humanizados e que destaquem qualidades geralmente ignoradas
NÃO FAZ O PERFIL DA MINHA EMPRESA “O preconceito pesa para jovens periféricos quando vão entrar no mundo do trabalho. Muitas empresas ainda olham para nós, adolescentes periféricos, e repetem: “não faz o perfil da minha empresa” ou “não vai agregar muito” e escolhem uma pessoa branca, de uma classe econômica superior”, descreve Wallison. O processo criativo da Empresa Poética surgiu nos encontros da Jornada de Criação, do projeto Chama na Solução. Wallison conta que seu grupo é formado por jovens negros, periféricos, que não conseguiram ingressar no mundo do trabalho. “Nós pretendíamos fazer um trabalho muito legal pessoalmente. Trabalharíamos a expressão pelo teatro e pela arte. Com a crise do covidvírus, a proposta foi muito impactada porque precisávamos desse calor de estar juntos com os jovens”. O projeto foi então adaptado da seguinte forma: o grupo criou uma página no Instagram (@empresapoetica) e um site em que vão colocar os mesmos conteúdos que teriam nas oficinais presenciais. Ao mesmo tempo, a Empresa Poética já começou a fazer lives com profissionais das áreas abordadas.
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Foto por Daniel Assis, Cortesia do artista
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Robin Hood do rap, Djonga fala das origens na zona Leste “Ô, mãe, olha como me olham. Ô, mãe. Eles me pedem foto. Do fundo da Leste, eu cumpri a promessa” por
Redação
fotos
Daniel Assis
onsiderado atualmente o maior cantor de rap mineiro da música nacional, Djonga mistura manifestação cultural e traços da sua origem em versos que têm conquistado multidões. O cantor, que também é conhecido, de modo mais íntimo, como Gustavo Pereira, de 24 anos, traduz em suas músicas o amor que tem pela periferia da capital mineira, onde foi criado, nas ruas dos bairros São Lucas e Santa Efigênia, região Leste de bh. “Tudo que eu aprendi de errado e de certo, veio de lá, sacou? Foi nossa parada mesmo.
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JÁ QUE VOCÊS ACHAM QUE EU SOU LADRÃO, ENTÃO ESTOU ROUBANDO A CENA
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Eu amo aquele lugar e vou morrer lá”, conta o rapper. Em entrevista ao repórter Renato Rios Neto, o cantor abriu o coração e falou das origens ao sucesso (ouça acima). “Céu é o limite? Que céu, pô. Mais ainda. Tem mais. Universo, sei lá, outra galáxia”. O mais recente álbum de Djonga chama-se “Ladrão”. O cantor explica, no entanto, que o nome não é apologia ao crime e sim uma mensagem à comunidade, amigos e família. Ele, inclusive, se intitula Robin Hood do Rap. “Juntei essa coisa do estereótipo, do ladrão, com esse lance do resgate às origens. Já que vocês acham que eu sou ladrão, então o que eu estou fazendo é roubar a cena e chamar a atenção mesmo, tá ligado? É um lance mais Robin Hood do que esse ladrão do senso comum”, detalha.
“Eu, como negro, de uma região mais humilde de bh, sempre sou encarado nas ruas por estereótipos. Quando estou passando, a moça esconde a bolsa. O cara fica com medo e fecha o vidro do carro, como se eu fosse um ladrão. Então, eu cresci com esse estereótipo. E isso é um drama em um país preconceituoso como é o Brasil”, completa. No dia em que o disco novo foi lançado, o cantor foi o assunto mais comentado no Trends Topics nacionais do Twitter. Nos versos das canções, Djonga transparece a ligação que tem com a periferia de Belo Horizonte. “Eu subi muito, deu tudo muito certo e eu vejo que muita gente fica famosa, ganha uma grana e esquece as origens. Esquece-se de onde veio. Penso que esses lances de resgate das origens, de estar próximo de quem você, é sempre muito importante.” “Parece que eu tô tirando, mas na real tô te chamando para ser sócio”. As letras da canção Hat-Trick, do novo álbum, tradu-
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zem bem o que Djonga quer para o futuro da economia da periferia. “A minha ideia é termos autonomia. Eu ganhei uma grana considerável. Graças a Deus e ao meu suor. E eu não posso, simplesmente, pegar essa grana e gastar com carro, festa, zoeira e é só isso. Poder eu até posso, mas é muito mais interessante eu investir e dividir. Vamos ter pé no chão e fazer a coisa certa. Porque vamos ter filhos e filhas e esses menores são os que vão colher os frutos”, explica. “É o seguinte: se a gente se matar, se a gente for para a boca e fazer esses bagulhos o que vai acontecer é que nós vamos fazer o que o sistema quer que façamos. Para o sistema é interessante ter mais um de nós, simplesmente, como soldado dele. E quando eu estou dizendo sistema, eu estou falando dos caras que estão em Brasília, engravatados”, explana. “Para eles, é muito da hora ter o máximo de soldados possíveis, que são as pessoas
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QUEM MORRE É VOCÊ, NÃO É O CARA QUE ESTÁ EM BRASÍLIA que seguram a bucha, porque na hora que roda, quem vai para a cadeia é você. O que eles querem de você é que você roube”, completa. “Eu me sinto uma pessoa privilegiada demais por ter tido uma presença masculina na minha vida. Eu acho que, inclusive, isso é uma coisa que fez muita falta para muitos dos meus amigos”, relata sobre o pai, Ronaldo Marques. “Meu pai é um dos caras mais batalhadores e honestos que eu conheço. Todo mundo que conhece, gosta. Meu pai lá no bairro é ídolo. . Meu pai é isso. Eu estou mais aqui na Itatiaia porque quero que meu pai me ouça, sacou?”, conclui. “Filho é para o mundo, e eu quero que ele faça as escolhas dele e que ele seja feliz”.
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Foto rátao diniz
Os negócios da quebrada Entrevista com empresário Celso Athayde: fundador da Central Única das Favelas (cufa) e do Favela Holding por
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Karina Lignelli
deixa falar
pedro reis
E
u trabalho com movimento social há diversos anos. Só a cufa existe há 17. Por experiência própria, vimos que era preciso criar perspectivas e alternativas para gerar renda, além de só formar e qualificar pessoas que normalmente vão para o mercado de trabalho. E se você se refere a qualquer movimento social que atue para sociabilizar e incluir, está falando de emprego, trabalho e renda em algum meio, seja em que área for. Por isso, resolvemos ousar mais depois desses anos todos. Como fazer o favelado sair em
grande escala da sua condição de figura coadjuvante econômica para protagonista. Por isso, resolvemos criar o Favela Holding. Foi uma saída para o morador de favela se tornar o executivo dessa holding, que mantém a cufa mas sem nenhum conflito entre comercial e capital. Fomos a primeira organização social do mundo a gerar uma holding, porque uma coisa é existirem alguns negócios surgidos na favela. Em resumo, todas as envolvidas têm como finalidade o desenvolvimento econômico das favelas e seus habitantes.
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Fale mais sobre o inFavela e objetivo de mirar as classes C, D e E: Quando se fala em agência de propaganda e marketing especializada nesse território (de favelas), tinha que existir alguma dentro do perfil de desenvolvimento desses lugares e pessoas. Junto com a espm, conseguimos formar moradores desses locais para trabalharem nessa agência, pensando nesses negócios com uma inteligência diferenciada para que as empresas de fora tenham acesso a esse território com outro olhar. E para que esses consumidores tenham senso crítico mais apurado, a ponto de comprar produtos só das empresas que têm respeito por eles e por sua luta, que tenham uma exigência maior sobre que é oferecido por
pedro reis
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elas... Ou até que o morador da informação maior para aplicar favela se torne o dono da loja – isso nos futuros negócios. caso do Favela Shopping. Essa é uma vocação natural do morador das favelas: se viEsse empreendedorismo surgiu rar diante das dificuldades. Só como um movimento associado que esse “se virar” passou a ter à ascensão das classes C, D e E? outro nome: “empreender”. E Há um pouco de tudo. Nos últi- desse jeito melhorou a vida das mos 12 anos houve redução da pessoas, pois é feito de maneira desigualdade social. Por isso consciente e mais sólida. hoje existe um avanço na disExiste um novo empreendedotribuição de renda, ainda muito rismo nas favelas – o que é uma longe do ideal, mas que provo- grande novidade na relação das cou uma discussão maior. grandes marcas e corporações, As classes C, D e E pulsaram, inclusive internacionais, e como e isso fez com que surgissem elas passam a ter acesso ao dinesse meio muito mais empre- nheiro do favelado. endedores do que dinheiro disÉ a exigência pelo protagonisponível. A partir de um aumen- mo: o homem do asfalto, milionáto da receita não só individual, rio, para de enxergar o favelado mas familiar, esse morador de como cobrador ou mão de obra favela não só passa a arriscar barata, mas como a outra ponmais, mas tem quantidade de ta de uma relação sustentável.
Leo Pinheiro
deixa falar Existe alguma diferença entre o empreendedorismo “tradicional” e o de favelas? Nesse primeiro momento, não há informações sobre o empreendedorismo da favela para dar escala. O que se sabe é que o empreendedor da favela é um empreendedor em formação, e o do asfalto é mais profissional. A favela é um novo ambiente de estudo, e lá os negócios quebram mais por falta de conhecimento. Para diminuir essa diferença entre asfalto e favela é que decidimos levar grandes empresas para dar um grau de formação e qualificação que atendam às necessidades dessas pessoas.
ANTES ELES TINHAM UM SONHO AGORA TÊM OPORTUNIDADES Celso Athayde, fundador da Cufa
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Leo Pinheiro
1ª edição do evento “Cufa nos Bairros: Hip hop”
E entre as favelas do Rio e de São Paulo? Os potenciais são diferentes? Eu diria que a diferença é o sotaque. Mas é a claro que a Rocinha é diferente de Paraisópolis, ou da Cidade de Deus. Porque depende da facção criminosa que comanda, da liderança comunitária, das organizações que existem lá dento, da força e do conceito da associação de moradores, da conscientização política daquele ambiente, da localização geográfica.
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Uma favela do Morumbi ou de Copacabana tem mais acesso à informação do que a da Baixada Fluminense. Mas independente disso, a periferia é muito parecida. Por isso fazemos uma interface com a onu, dialogando com vários outros países. As diferenças são pequenas: o que existe é a necessidade de o favelado ter oportunidade no asfalto. Fala-se muito em meritocracia, mas as pessoas não terão os mesmo méritos se não tiverem as mesmas oportunidades.
Eu mesmo morei na rua dos quatro aos doze anos, depois num abrigo público e por último na favela. Se uma pessoa como eu tiver oportunidade, aí se fala em meritocracia. Mas também fala-se em exceções, desenvolvidas e criadas por um lado específico da sociedade. A favela não joga a toalha nunca: por isso crescemos, empreendemos e alcançamos lugares que nunca imaginamos.
deixa falar
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Vai existir o “novo normal” na periferia? Moradora da periferia reflete sobre a expressão “novo normal” e como isso é uma contradição na periferia por
Jéssica Moreira
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Delaney Turner
atual “novo normal” é o termo ou modo como uma parcela da sociedade tem falado sobre os hábitos que as sociedades que estão saindo do isolamento agora estão adquirindo. Ou, então, como alguns especialistas estão enxergando o mundo para em um futuro pós pandemia. Não podemos negar as inúmeras mudanças que estão por vir, é verdade. Mas será que elas serão benéficas para todos? Segundo Censo da Educação Básica de 2019, o Brasil possui quase 48 milhões de
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estudantes (47.874.246), nas redes pública e privada, sendo que a maioria (81%) dos estudantes da educação básica estão na rede pública. Mas será que existirá um “novo normal” nas salas de nossas periferias? Empresários falam em novo normal do trabalho, o famoso “home office”. Falam até que isso será a “forma de trabalhar do futuro”. Dados do ibge mostram que o Brasil iniciou o ano de 2020 com 11,9 milhões de desempregados. Outro dado aponta que o país tem mais de 38 milhões de pessoas no Segundo a Pesquisa Naciotrabalho informal. Milhares desses núme- nal por Amostras de Domicíros representam mulheres. lio (pnad) Contínua, do ibge, o trabalho doméstico chegou a 6,3 milhões de pessoas; é esse trabalho que sustenta diversas famílias. São 11 milhões de mães solo no país, sendo que 57% vivem em vulnerabilidade extrema. Não existirá novo normal para essas mulheres. Não pode existir esse “novo normal” quando a estrutura de um país é construída a partir da desigualdade social, racial e territorial. Não me venham construir uma nova sociedade remendada.
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FOTOGRAFIA LANE SILVIA/CLAUDIA
AQUI O NORMAL É O DESEMPREGO
Still do filme: Braços Vazios Daiana Rocha ES - Brasil 2018
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Meu povo é o mais afetado pela Covid-19, além de estarmos historicamente nas margens, nós, negros e negras, também estamos mais expostos às doenças crônicas como diabetes e pressão alta. De 11 a 26 de abril, o número de pessoas negras que morreram de Covid-19 subiu de 180 para 930. “Para cada morte em Moema, localizada, na zona sul, quatro morrem na Brasilândia, zona norte de sp”, aponta um trecho da matéria, que mostra a disparidade entre os bairros nobres e periféricos da capital de São Paulo. Na Brasilândia, 50% da população é negra.
NÃO ME VENHAM FALAR DE UM NOVO NORMAL Não temos acesso a serviços básicos de saneamento básico, pois sempre estivemos esquecidos nos rincões. Aqui, o normal é o desemprego, a fome e omissão do Estado, presente apenas nas mãos que matam, diariamente, nossos jovens negros.
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FOTOGRAFIA ricardo Dangelo
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GF lança plano para acabar com pobreza das favelas Numa “corrida social x corrida espacial”, a Gerando Falcões lança plano de ação que usa “ciência de foguete” para colocar a pobreza no museu por
Carolina Huertas
Segundo OCDE, o brasileiro da ponta demora, no mínimo, nove gerações para sair da pobreza extrema.
Gerando Falcões apresentou o programa Favela-X, um plano com ações para transformar a pobreza da favela em peça de museu antes de Elon Musk chegar a Marte com a Space-X. A ong quer implementar soluções que impactem a vida de mais de 14 milhões de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social. Segundo pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (ocde), o brasileiro da ponta demora, no mínimo, nove gerações para sair da pobreza extrema. Levando em
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FOTOGRAFIA UNICEF BRASIL
conta que cada geração dura 25 anos, uma família demora, no mínimo, 225 anos para sair da pobreza. E para diminuir o impacto e acelerar a transformação, o projeto une as ações da gf e aposta em três iniciativas: o lançamento de uma plataforma para doações recorrentes e as missões Favela Inovação e Favela 3D. Com as doações recorrentes, o doador poderá contribuir mensalmente, com uma quantia que puder, para ajudar os projetos de combate à pobreza. Já o Favela 3D, quer transformar as favelas em favelas 3D – dignas, digitais e desenvolvidas – por meio de um amplo networking e uma coalização entre ações do governo, investidores e terceiro setor.
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Imagem: Reprodução Internet. Reprodução Internet.
TRANSFORMAR AS FAVELAS É MUITO MAIS BARATO DO QUE COLONIZAR MARTE
“Desde o início da nossa atuação, há 10 anos, nós dialogamos com as classes mais altas, não apenas em busca de recursos, mas também para adquirir conhecimento em gestão. Porém, precisamos do apoio de uma rede consolidada e duradoura. A contribuição recorrente tem como objetivo chamar a atenção para essa luta, que vai exigir esforços de todos nós”, explica o ceo e fundador da Gerando Falcões, Edu Lyra. No entanto, a missão Favela Inovação conta com a Falcons University, uma universidade de aceleração de talentos e desenvolvimento de líderes sociais para serem ferramentas e canal de soluções, através de
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FOTOGRAFIA ricardo Dangelo
Edu Lyra: sua ambição é criar a maior rede de ONGs do mundo e mudar o destino de milhares de jovens da periferia
FOTOGRAFIA UIG via Getty Images
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conhecimentos em gestão, inovação, recursos humanos, uso de dados, captação de recursos, finanças e negócios sociais e desenvolvimento das habilidades socioemocionais, para que possam aplicar em suas localidades os programas da ong. E também projetos de inovação e sustentabilidade, como o co-branding, que gera negócios para as empresas e garante receitas recorrentes para os programas e um consumo de impacto social nas favelas, e o Corona no Paredão, que já arrecadou cerca de R$ 65 milhões e entregou mais de 431 mil cestas básicas, impactando mais de um milhão de pessoas pelo Brasil. “Enquanto Elon Musk participa de uma corrida para ver quem domina o espaço primeiro, nós estamos em uma corrida social, para acabar com a desigualdade e colocar
a pobreza no museu. O Favela–X vem para fazer da corrida social uma realidade, por meio da educação, da capacitação, da liderança, de unidades aceleradas e projetos de transformação sistêmica das favelas. Uma coisa eu garanto: transformar as favelas é muito mais barato do que colonizar Marte”, finaliza Lyra. O projeto de ampliação dos impactos gf com um plano de ação, conta com um vídeo que foi divulgado em suas redes e apresenta a proposta, convidando os interessados na mudança a contribuir. A ação terá também com parceria de influenciadores até o final do ano.
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LANA SOUZA
ilustrações elisa
Carareto
Qual a diferença entre aproveitar oportunidade e ter poder de escolha? Andei pensando sobre isso um tempo atrás e gostaria de compartilhar essas reflexões. É claro que as duas opções podem e devem ser utilizadas, a questão mesmo está em não ter acesso a uma delas. Dizer “não” para uma oportunidade que nos aparece, não pode ser considerado inconsequência, absurdo, irresponsabilidade. Esse “não” deveria ser encarado como maturidade e poder de escolha, poder de entender a sua própria vida e saber o que é o melhor para si. Imagine uma adolescente de 17 anos, com o Ensino Médio recém concluído, entrando no mercado de trabalho, sem experiência. O que ela fará nessa fase da vida? A resposta realista: trabalhar como operadora de telemarketing. Foi a oportuni-
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dade que apareceu. Ela foi lá e aproveitou, mas não teve escolha. Ser operadora de telemarketing não é o problema, ser a única opção na vida dessa jovem, sim. Essa jovem foi crescendo e seguindo a mesma ideia de “agarrar as oportunidades” fez de tudo, até curso de estética. Mas sempre gostou mesmo das oportunidades ligadas a comunicação, até faculdade ela conseguiu fazer. Veja, ela fez faculdade porque apareceu a oportunidade, mas também porque era um desejo dela. Essa jovem sou eu. Hoje jornalista de formação e apaixonada por contar histórias. Ao longo da minha vida tive muito apoio das pessoas que estão ao meu redor, tive uma rede incrível que sempre me fortaleceu e mostrou o potencial que
existia dentro de mim. Isso foi essencial para que eu aprendesse que poderia conhecer muitas coisas e isso me daria poder de escolha. Isso fez eu chegar em um momento e decidir me tornar youtuber. Aquela jovem de 17 anos que só teve como opção trabalhar em uma profissão que não era a que ela almejava hoje enxerga que fazer vídeos para o Youtube é um escolha possível, um experimento pessoal que pode ser muito legal e pode mostrar para outras jovens que apesar de muitos atravessamentos, de racismo, machismo, preconceito de classe, é possível ampliar horizontes e se permitir experimentar novas possibilidades.
SE LIGA!
NINA DA HORA Carareto
elisa Carareto
ilustrações elisa
Na periferia aprendemos a hackear as oportunidades Tecnologia não é só digital, rede social, computador. É todo artefato que altera o meio que está inserido. Está associada à filosofia, ao pensamento que está por trás dela. Fui criada em uma família de mulheres negras, minha mãe era professora de Língua Portuguesa e sempre teve a educação como referência. Meu interesse por tecnologia fez a minha mãe se matricular em um curso de informática para que eu pudesse assistir às aulas ainda pequena. Comecei a programar com 12 anos. Eu não tinha computador em casa, eu ficava na casa da minha tia por uma hora, porque minha mãe não deixava mais que isso. Aproveitei muita coisa que tinha disponível. Só quando fui para a universidade, para a zona
sul, andei de metrô. Hoje eu vejo que muita coisa, robótica, Arduino, poderia ter acelerado meu aprendizado. São coisas estruturais e básicas. Você consegue investir tempo em outras descobertas, não em conseguir a estrutura. Mas eu não mudaria nada do que eu passei. Na periferia a gente aprende a hackear as oportunidades que aparecem. Pode sair qualquer coisa dali, cada território pensa e se comunica de forma diferente. Eu aprendi a hackear sem ter computador. Quem não tem essa preocupação é muito previsível, só segue o que está posto, o padrão. Quando acontece um problema, meus colegas [universitários] já entram em desespero. Para nós [da periferia] não é um problema,
é uma oportunidade. É diferente de quem sempre teve tudo. Se tivesse sido diferente, não estaria fazendo o que eu faço hoje. Paralelamente às experiências acadêmicas, criei dois projetos com objetivo de ajudar na comunicação e no ensino de conceitos da computação em uma linguagem acessível e com materiais do dia a dia. A educação é o que ajuda o Ser Humano. O que eu aprendo e consigo é para sempre compartilhar, é uma premissa. Não devemos estudar para manter na nossas cabeças, não jogar para o mundo. Não tem como criar conteúdo se não fizer em de maneira coletiva. Um ciclo que se fecha em uma pessoa só, só impacta ela mesma. ‘Favela venceu’ para uma pessoa só, não é assim.
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JÉSSICA MOREIRA
ilustrações elisa
Carareto
Economia do cuidado e mulheres negras Se você viveu na década de 90, provavelmente viu aquele desenhos “Os Jetsons“, que mostrava uma família do futuro. A animação trazia uma realidade super tecnológica e, nela, quem cuidava das tarefas domésticas era uma robô. Isso mesmo, uma robô, no feminino. Curioso né? Pensar que até no imaginário de um futuro tecnológico, quem é responsável pelas tarefas de cuidado é uma figura feminina… Cozinhar, lavar, passar, amamentar…. Essas atividades, entre várias outras, são invisíveis para a sociedade, mas são elas que garantem o crescimento da economia de qualquer país do mundo. Esse trabalho não visto equivale a pelo menos 11% do PIB, que é a soma de todas as riquezas do país.
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O cuidado proposto principalmente por mulheres gera mais riqueza ao país do que a indústria de transformação e a agropecuária, como mostra a ong Think Olga (2020). Ou seja, o mundo e toda a economia tradicional não se suportariam sem o trabalho cotidiano dessas mulheres. Mesmo assim, essas atividades são desvalorizadas e não remuneradas, o que no Brasil se conecta muito ao resquício da escravidão e ao machismo enraizado em nossa sociedade. A pandemia fez com que serviços essenciais de cuidado se tornassem visíveis aos olhos de muitas pessoas pela primeira vez na vida. Para algumas, o isolamento trouxe a experiência inédita de lidar com os cuidados das crianças, idosos ou pessoas
doentes, e com atividades domésticas de forma intensa, 24 horas por dia, 7 dias por semana . A crise sanitária também acentuou as desigualdades sociais e a doença trazida por gente rica, atingiu principalmente mulheres que trabalham cuidando de outras famílias. A primeira pessoa a morrer por coronavírus no Rio de Janeiro foi uma empregada doméstica, Cleonice Gonçalves, uma mulher negra de 63 anos, cuja patroa contraiu a covid-19 após uma viagem à Itália, mas não dispensou a funcionária. Isso faz a gente parar para refletir sobre como o trabalho de cuidado das mulheres negras, dentro e fora de casa, move toda a sociedade: no passado, no presente e no futuro.
SE LIGA!
ROSA FLOR Carareto
elisa Carareto
ilustrações elisa
Uma mulher preta em movimento Entre 16 e 17 anos me olhava no espelho e não reconhecia, não sabia exatamente quem era a pessoa refletida. Naquele momento, a pergunta, olhando nos olhos do reflexo: Quem é tu? Aquele cabelo alisado, o nãoser na família onde entendia que era a minha, o estranhamento me levou a muitos questionamentos e, a partir daquele momento, às inúmeras transições que comecei a viver. A grande primeira questão foi a respeito de qual curso superior fazer, eu não queria conflitos com as pessoas da família onde eu vivia, principalmente, porque me lembravam constantemente do quão incapaz, intelectualmente, eu era, e, por muito tempo, infelizmente, acreditei cegamente nisso.
Ao fim, me formei em 2020 e, com isso, todas as inseguranças e medos, sem compreender a princípio o quê me causava tanto medo e como sair do lugar foi o grande impulso para buscar quem era eu e o que sou hoje. A emoção me trouxe à memória minha família biológica, a trajetória das mulheres da minha família, e me conectei com a importância de buscar curar a menina que não teve uma família para se encontrar e se curar. Toda essa trajetória tem me conduzido a um lugar de Cura do meu Ser, Negra, Mulher, brasileira, de forma individual e ao mesmo tempo de Cura Coletiva de Mulheres Pretas, Mulheres Indígenas e Homens Indígenas. Não tem sido fácil me permitir ser o Tamanho da Mulher
que posso ser, não com pouca luta, mas com muita confiança de quem quero me tornar. Uma Mulher Preta em Movimento, compreendendo e também desenvolvendo o Encontro para consigo e a possibilidade de dar a mão a quem quer e procura Comunic-Ação Consigo mesma, para construir novas narrativas O Cuidado com meu Corpo, compreendo-o como um Templo Sagrado, conhecendo suas possibilidades de recuperação física e emocional pelo autoconhecimento e pela ruptura com o medo paralisador de sentir mais dores do que as já conhecidas, permitir-se ser vulnerável e pedir ajuda, são alguns processos de meu autocuidado, e assim aprendo outras vivências e realidades das quais pertenço.
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Um breve histórico sobre o surgimento das favelas A reforma do prefeito Passos no Rio de Janeiro, no fim do século 19, explica muito sobre o surgimento das primeiras favelas do Brasil por
Anthony Ling
Favela do Cimento, na Radial Leste em São Paulo, março de 2018.
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Patrick Mreyen
reforma feita pelo Prefeito Passos no Rio de Janeiro (que é considerado o “Haussman à la carioca”), na transição entre o século 19 ao 20, explica claramente sobre o surgimento das primeiras favelas no Brasil. Do livro “Evolução Urbana do Rio de Janeiro” de Mauricio de Almeida Abreu. “Em nome da higiene e da estética, [Passos] declarou guerra aos quiosques da cidade e proibiu a venda de vários produtos por ambulantes, atingindo, por conseguinte, as fontes de renda de grande número de pes-
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soas.. Proibiu ainda o exercício de mendicância e demoliu uma série de cortiços, que já haviam sido proibidos de sofrer reparos por lei municipal em 10/2/1903.”. “A Reforma Passos […] representa também o primeiro exemplo de intervenção estatal maciça sobre o urbano, reorganizado agora sob novas bases econômicas e ideológicas, que não mais condiziam com a presença de pobres na área mais valorizada da cidade. De fato, o alargamento das ruas centrais e abertura de novas artérias, que atravessaram preferencialmente as velhas freguesias artesanais e industriais, ‘destruiu quarteirões de cortiços,
ATINGINDO AS FONTES DE RENDA DE GRANDE NÚMERO DE PESSOAS habitados pelos proletários, e os armazéns e trapiches dos bairros marítimos, numa extensão de aproximadamente 13 ha’. Grande parte da população foi, então, forçada a morar com outras famílias, a pagar aluguéis altos (devido à diminuição da oferta de habitações) ou a mudar-se para os subúrbios [leia-se periferias, atualmente], já que pouquíssimas foram as habitações populares construídas pelo Estado em substituição às que foram destruídas.” “É a partir daí que os morros situados no centro da cidade (Providência São Carlos, Santo Antônio e outros), até então pouco habitados, passam a ser rapidamente ocupados, dando origem a uma forma de habitação popular que marcaria profundamente a feição da cidade neste século — a favela.”
Favelas no Rio de Janeiro sob perspectiva, 2019.
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“O menino” por Patrick Mreyen Favela Heliópolis Zona Sul de São Paulo, novembro de 2018.
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O livro também explica que o Estado incentivava o mercado de construção a construir habitações populares dando isenção de tarifas (um conceito semelhante ao “Minha Casa, Minha Vida”). Porém estes ainda eram uma alternativa mais cara do que os cortiços, então proibidos, que abrigavam grande maioria das pessoas pelo motivo óbvio de serem de uma qualidade inferior em uma cidade com uma grande população pobre. Nada muito diferente do que escrevi em post de 2010. Apesar de cortiços serem moradias de baixa qualidade, riqueza não se cria através do canetaço de uma lei ou de uma grande “limpeza” urbana.
QUALIDADE INFERIOR EM UMA CIDADE COM UMA GRANDE POPULAÇÃO POBRE
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Favela é resistência em sua essência A criminalização da pobreza e da negritude marcam a formação das favelas do Rio de Janeiro e de sua estigmatização por
Paulo Gabriel
Foto tirada por Lucas Lundau em p&b sobre as dificuldades de se viver na favela
dos
Santos
ão só a favela é observada como algo pejorativo, mas também tudo o que nasce dentro dela, a cultura, forma de resistência, tudo que a identifique ou represente. Um dos filhos mais perseguidos e estigmatizados da cultura preta favelada nasceu, na segunda metade do século XIX no Recôncavo Baiano. Nasceu o que viria a ser uma das maiores influências culturais das favelas cariocas: o Samba. Estilo musical marcadamente africano, se popularizou
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Ministério da Cultura do Brasil
ilustração uendel nunes
parte de um projeto colonial, culturalmente embranquecido, que impera até hoje, como vemos com a atual criminalização do funk. No entanto, nem mesmo o Estado e a moral no Rio de Janeiro no início do branca da elite conseguiram impedir que século XX, após a migração de o samba florescesse. Era comum que as ronegros libertos vindos da Bahia das de samba acontecessem em terreiros e para a capital do país. outros locais sagrados para o Candomblé e Herança cultural da diáspo- para a Umbanda, ou em casas de Mães de ra africana, as rodas de samba Santo e de famosas Baianas, como Tia Ciata. eram tidas como ilegais, e, além Esses espaços de culto foram fundamentais de proibidas, eram consideradas para a sobrevivência e o desenvolvimento do “imorais”, sinônimos de vadiagem. samba, cuja identidade cultural resguarda O racismo contra a cultura e as inegáveis traços de ordem religiosa. Alguns religiões afro-brasileiras fazem inclusive chamam o samba de música de
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David Amen
Arte colagem por David Amen sobre a diversidade periferica e suas lutas
Foto: Lucas Lundau
NEM MESMO O ESTADO E A MORAL BRANCA DA ELITECONSEGUIRAM IMPEDIR QUE O SAMBA FLORESCESSE
Nascida em 1854, Tia Ciata arregimentava encontros que mesclavam culinária, música e religiosidade
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Lucas Lundau ilustração uendel nunes
O FAVELADO E O PRETO ERAM POTENCIAIS Orixá. As percussões, os tambores e os chocalhos não mentem: o samba é de terreiro. O samba representava também diversão e laços de solidariedade, era uma forma de incluir na comunidade aqueles que haviam chegado recentemente ao Rio de Janeiro. A trajetória do samba até chegar na importância que assume nos dias de hoje como um dos principais aspectos culturais do Brasil foi árdua e demorada. O que era visto com maus olhos, só na década de 1920 começou a ser visto de forma mais positiva, quando o samba deixa de ser perseguido e se torna o principal estilo de música carnavalesca, assumindo o lugar de outros ritmos tocados no carnaval como as marchinhas, o maxixe e a polka. Após a repercussão do primeiro samba gravado da história,“Pelo
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Telephone”, composto por Donga e Mauro de Almeida, lançado em 1917, o samba nunca mais deixaria de ser a música do carnaval. Décadas depois, assim como o samba, outro gênero musical preto altamente identificado com as favelas e periferias toma o Rio de Janeiro: o funk. Chegando na década de 1970, o funk veio dos Estados Unidos para o Brasil durante a ditadura militar, em uma época de forte repressão e censura a manifestações culturais consideradas subversivas à sociedade e à cultura estabelecidas, brancas. Mobilização cultural negra, seja através do funk, do charme ou do movimento da Black music causava medo às elites e ao regime, pela possível propagação de mensagens de libertação racial e de luta anti-sistema. O favelado e o preto eram potenciais revolucionários, para o regime militar. Contudo, ao longo das décadas no Brasil, o funk vai se afastando da raiz estadunidense e vai ganhando identidade própria com letras que expressam a complexa realidade das favelas e de seus moradores. Letras que não representam nem as vivências e nem os padrões morais da elite, mas que retratam a vida, os desejos e a rotina “do outro”.
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IStock Cory Megan Levens
ilustração uendel Créditos nunes
brasil247.com - Obvious
Ilustração feita por Cory Megan Levens em nankim, 2019
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Para esta parcela da sociedade, as favelas e tudo o que vem delas só podem ser entendidos a partir da lógica de um lugar de violência e de pobreza cultural. Narrativa perpetuada pela grande mídia. Todavia, moradores de favela e de periferias, cujas realidades servem de enredo para os funks, reafirmam o quanto o funk representa. Para Teresa Cristina, 40, moradora do Complexo do Lins, “o funk é de uma importância, é de uma riqueza cultural! E tira muitas pessoas da marginalidade, dá oportunidade por meio da dança, da música, podendo atuar como MC, como dançarino. Na minha opinião é positivo o movimento dos bailes, lá a gente se diverte, onde eu cresci frequentando.” Para os moradores das favelas, os bailes funks são locais de lazer, de cultura e de possibilidades. Durante as festas, muitos jovens têm contato direto com potências artísticas e oportunidades claras de desenvolvimento: o funk é sobretudo um instrumento transformador de vidas, mostrando a ascensão financeira e pessoal na prática através da música e da dança para os jovens dessas comunidades.
O funk, assim como o samba, tem uma importância muito grande para a cultura da favela. A visão deles como um instrumento transformador de vidas faz com que sejam influências na maneira de se vestir, falar e agir. Para os mais jovens, o estilo do funkeiro é a representação da mudança de vida, da ascensão social. Para os mais velhos, o samba carrega toda a malandragem e molejo que se é preciso ter para lidar com as dificuldades da vida. São escrevivências musicais das favelas, vivências faveladas musicadas.
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A pobreza brasileira tem cor e é preta Diversos dados mostram que, no Brasil, existe racismo, sim. Precisamos, negros e brancos, combater efetivamente esse problema tão antigo por
Retrato de Carolina Maria de Jesus.
Beatriz Carmo
fotos
Audálio Dantas
tualmente, vemos que as favelas brasileiras são fragmentos do período da pós escravidão. Os negros foram excluídos e expulsos da sociedade pela ausência de políticas públicas efetivas que permitissem sua verdadeira inserção no convívio social. A pobreza nunca foi somente questão de classe. Gênero e raça sempre a envolveram. Os olhos se acostumaram a ver pessoas não negras ocupando lugares de poder, mas os donos desses olhos insistem em não questionar o fato de que 54% da população
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brasileira é negra (segundo o ibge) e que não vivem em uma sociedade representativa, não são protagonistas de campanhas publicitárias, não ocupam cargos bem remunerados e estão cada vez mais longe dos centros urbanos, em diversas questões. A cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil, conforme cpi do Senado sobre o Assassinato de Jovens. Fillipe dos Anjos, secretário geral da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, diz que diariamente ocorrem genocídios da juventude negra e favelada em razão da ausência de reconhecimento por parte do Estado, mas ao mesmo tempo vem aumentando conforme o cenário de crise e atuação da polícia em suas operações. Conforme apontado pela bbc Brasil, dos 30 mil jovens assassinados no Brasil, 77% são negros. Está na hora da população brasileira deixar de se espantar com as notícias internacionais e perceberem como sobrevivem as pessoas nas favelas das nossas cidades. Ser negro no Brasil é algo extremamente particular, cada um tem suas vivências e percepções. O autoconhecimento da negritude tem implicações sem volta no intelecto de uma pessoa negra, a militância requer força e coragem de se reestruturar diariamente.
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Contudo, buscamos resgatar o orgulho negro em cada um para que consigam resgatar forças e em conjunto mudar os números aqui apresentados. É necessário que pessoas não negras compreendam a necessidade de sua ação nesse momento. A sociedade brasileira considera uma ofensa ser declarada racista, mas pior é continuar agindo como se esses dados não fossem expressivos. Não sentir na pele não exime ninguém da responsabilidade de agir afirmativamente. Faz parte da conduta de um cidadão que vive em uma sociedade pluriétnica almejar o cumprimento da democracia, principalmente se a mesma for racial. Não é luta de alguns, mas, sim, de todos.
SER NEGRO NO BRASIL É ALGO EXTREMAMENTE PARTICULAR
FOTO PARA “O QUARTO DE DESPEJO”
Ruth de Souza e Carolina Maria de Jesus na Favela do Canindé para foto do livro “O Quarto de Despejo”
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FAROL DE QUEBRADA
Por João Pinheiro
Estamos em isolamento desde 19 de março.
Sair pra rua, só quando não tem jeito. Para ir no mercado, farmácia ou resolver alguma pendenga pros coroas.
Moramos no jardim Brasília, distrito da Cidade Líder, zona leste de São Paulo. A Cidade Líder é migrante, negra, mestiça, pobre, operária, precária, faz a fezinha no bicho, dança funk, faz macumba, reza. Vou me sentar na laje, olhar a rua, os ônibus passarem, desenhar um pouco.
Não tem ninguém pela periferia, depois de É tudo caótico nesse governo e as informações das algumas semanas da pandemia, as mortes pelo “autoridades”chegam embaralhadas, por isso banco covid já começava ter rosto, CEP, saudade. que a quarentena é uma ilusão de classe média. Na prática não existe isolamento da população. Pelo menos não na periferia.
Gente que voltou a só comer carne de galinha aos domingos e olhe lá, que rala pra pagar o aluguel, pega trem lotado. Ansiosos, na aflição e sem dinheiro.
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Na pressão, o bairro sai todo pra rua, até quem não precisa, vai escorar o cotovelo no balcão do botequim, no disse que disse, cada um bota fé no santo que quer.
Aqui na Cidade Líder já teve mais sol, mais luz, mais pipa no céu, mais agitação. Carrinho de rolimã... Deixa pra lá , cada um tem seu tempo.
atura ou surta Ultimamente o pessoal anda agoniado esperando a renda emergencial do governo que não chega.
Eu falo, “corre atrás que isso não é nada dado. É dinheiro nosso que eles ficam regulando.” Ninguém passa fome porque o povo é solidário. Se vira, se ajuda.
Tem muito vagau, mas o grosso é gente que teme perder o emprego. Homem adulto, mulher e filhos miúdos que saem pra catar papel em família, vender água no farol, caçar privilégio na escravidão moderna. As lutas sempre vieram em grande quantidade e de uma vez. Cada leva é uma sequência de chutes e porradas que cê nem consegue ver quem tá batendo. De tanto apanhar na cara, o peão se revolta. Mas se revolta no inverso. Pra dentro. Fica um bolo interno comendo a alma. Uma luta inglória, como disse o poeta. (Aldir Blanc)
Como tive que interromper as caminhadas semanais pelo bairro, vou pra laje e fico que nem um farol olhando para as coisas do alto. Agora é só sobrevivência. Trancados em agonia, vamos no arrasto, em suspenso, num limbo.
Um farol que não é visto. Um farol que não serve pra orientar ninguém. Aqui na Cidade Líder já teve mais sol, mais luz, mais pipa no céu. Rachão na quadra da escola. Roda de samba. Depois karaokê na entrada da madrugada. Deixa pra lá. Cada um tem seu tempo. 119