zint edição #18: little mix
nov. 2018
e di to ri al
Gente, eu me sinto como a Cleópatra, Joan of Arc, Rainha de Copas! Novembro chega com tudo na medida que a Edição #18 figura, em disparada, como a maior publicação da revista. Na Capa, trazemos as nossas queridas Little Mix, que lançam o álbum LM5. Nos Highlights, ainda temos a temporada final de House of Cards, comemoração da carreira de Spike Lee, e o novo filme da franquia Animais Fantásticos! Tá achando pouco? Pois bem, ainda temos MUITA representatividade negra, e como exemplo te damos Karol Conká, Negra Li e Baco Exu do Blues. Também, falamos sobre As Meninas Superpoderosas e Mickey Mouse, que estão de aniversário! E claro que trazamos nossas críticas de Bohemian Rhapsody e Podres de Ricos! Além de muitas outras coisas, é claro... Temos três palavrinhas novas pra você aprender no nosso Guia do Entretenimento. E te lembramos que em dezembro, pro Calendário Cultural, temos a esperada estreia de Aquaman e O Retorno de Mary Poppins. E teremos álbum novo do Zayn, um novo filme do Deadpool e até a estreia de Fireflyers, nova série de George R. R. Martin (sim, o mesmo criador de Game of Thrones!). Ufa! Já estamos todos tontos com tanto coisa? Sim. Uma boa leitura e Excelsior! <3
O QUê A ZINT TEM?
como uma publicação digital, as possibilidades de interações são promissoras. usando a plataforma ao nosso alcance, a revista sempre vem acompanhada de interatividade. aproveitamos de todos esses recursos e você pode usufruir de tudo sem muito mistério. »
paleta de cores;
para ficar fácil diferenciar as áreas de cobertura, cada uma delas possuem suas próprias cores, que ficam visíveis nas barras laterais da revista
vídeo;
stories;
com uma revista de Cultura & Entretenimento, estamos sempre escrevendo sobre algo que possui um trailer ou um videoclipe, por exemplo. o ícone do Youtube é sempre visível para encontrar esse conteúdo audivisual. ao clicar na imagem, uma janela com o player será aberto e você poderá assistir ao vídeo!
se você está pelo app Issuu, é possível ler as principais matérias da Edição em versão “Stories”. na parte superior direita você pode ver um ícone de barras; basta clicar nele para ser levado para a área onde o conteúdo está em um formato de texto corrido
playlists;
links;
algumas das nossas matérias vem acompanhadas playlists. quando isso acontece, eles são encontradas ao final da respectiva matéria. ainda, nas páginas finais de cada publicação, você pode encontrar todas as listas, com ícones para ouvi-las no Deezer, Spotify e Youtube
além do conteúdo audiovisual principal, as matérias contém outros tipos de links, como para páginas da internet, ou até mesmo outros vídeos e áudios. toda vez que essa identificação visual aparecer saiba que ela corresponde a um link. é só clicar!
rodapé;
o easter-egg da revista. no rodapé de cada página de matéria, no mesmo lugar da paginação, o zint.online sublinhado também é um link. neste caso, ele leva para a versão correspondente da matéria no site, em formato blog
colabs da edição a cada publicação, o nosso time de colaboradores muda um pouco
joão
vics
criador da revista; editor de conteúdo
criador da revista; diretor de arte
17 colaboradores participam dessa edição, com matérias sobre música, televisão, especial, filmes, indicação e ilustração, além de nove novas playlists!
clique aqui para ver todos nossos colabs
agnes nobre
bruna curi
alisson millo
carolina cassese
cecília torquati
giovana silvestri
guilherme luis
jader theophilo
joão dicker
juliana almeida
melissa vitoriano
rayanne candido
stephanie torres
vics
vitor roberto
vitória c. rocho
vitória silva
agenda cultural as principais datas de estreias e lançamentos de dezembro [veja o calendário completo clicando aqui]
01
03
nightflyers
berlin station
06
06
a vida em si
o beijo no asfalto
estreia da 1ªT
05
The Marvelous Mrs. Maisel
estreia da 3ªT
estreia da 2ªT
06
06
O Ódio que Você Semeia
o chamado do mal 07
Super Smash Bros. Ultimate nintendo switch
07
dogs of berlin estreia da 1ªT
09
13
counterpart
aquaman
estreia da 2ªT
13
13
collete
máquinas mortais
14
fuller house estreia da 4ªT
14
17
tidelands
ICARUS FALLS
estreia da 1ªT
ZAYN
20
20
O Retorno de Mary Poppins
bumblebee
21
27
marvel’s runaways
a pé ele não vai longe
com quem será?
27
30
estreia da 2ªT
era uma vez um deadpool
27
orville
estreia da 2ªT
guia do en tre te ni men to
não é todo mundo que está imerso no mundo do entretenimento, podendo ficar sem entender alguns (ou vários) dos termos utilizados na área. por essa e outras, mês a mês, nos prontificamos a trazer três palavras, traduzidas, explicadas e exemplificadas
veja o dicionário completo
série antológica uma série antológia consite em um estilo de narração singular. a cada temporada, as histórias e personagens mudam, podendo ou não ter aspectos que convergem entre as narrativas e/ou ligações. American Horror Story é um perfeito exemplo de uma série antológica com aspectos que convergem, com a oitava temporada contando com ligações entre as três primeiras temporadas e a quinta. Por outro lado, American Crime Story segue o mesmo estilo de narração, mas não possui ligação entre suas temporadas (a primeira explorou o julgado e O.J. Simpson, enquanto a segunda focava no assassinato de Gianni Versace).
flashback um flashback constitui um retorno ao passado. são aquelas sequências de cenas que, muitas vezes, são ilustradas como um personagem relembrando de algo que aconteceu, seja ontem ou vinte anos atrás.
streaming o streaming são serviços especializados em exibir algo através da internet. estes podem ser conteúdos audiovisuais ou apenas em áudio. basicamente, eles dependem da internet para que possam ser carregados e exibidos. O Spotify, Deezer e Apple Music são alguns streaming de música. Para séries e filmes, o Spotify e a Amazon Prime são exemplos.
CONTEÚDO música 16
Little Mix vics & Stephanie Torres p.26
p.38
p.56
Karol Conká
Baco Exu do Blues
Mumford & Sons
Jader Theophilo
Jader Theophilo
João Dicker
p.30
p.42
p.58
Imagine Dragons
Alec Benjamin
Negra Li
Viória C. Rocho
vics
Jader Theophilo
p.34
p.50
p.62
Greta Van Fleet
Sabrina Carpenter
Mariah Carey
Alisson Millo
Agnes Nobre
vics
televisão 70
p.74
Segurança em Jogo Carolina Cassese p.76
The Man in the High Castle Melissa Vitoriano p.80
The Sinner
House of Cards Juliana Almeida
Carolina Cassese p.82
As Meninas Superpoderosas Giovana Silvestri
NA EDIÇÃO
Spike Lee João Dicker
ESPECIAL 90
p.106
Mickey Mouse Bruna Curi
Filmes 118
p.126
Bohemian Rhapsody Vitória Silva p.130
Podres de Ricos Bruna Curi p.134
Negritudes Brasileiras Jader Theophilo p.138
Todas as Canções de Amor Bruna Curi p.140
O Legítimo Rei Rayanne Candido p.142
Coldplay
Animais Fantásticos
Agnes Nobre p.146
O Quebra Nozes e os Quatro Reinos
Guilherme Luis
Bruna Curi
Indicação
ilustrações
p.152
p.160
Álbuns sobre a negritude no Brasil
Ceciliator
Jader Theophilo
Cecilia Torquati
playlists
p.172
p.166
Sankofa Vitor Santos
Todas as nossas listas musicais [ +9 ]
[
música
]
MIX DE
PODER FEMININO
por vics por stephanie torres diagramação vics
h Há cerca de vinte anos o cenário musical era muito diferente. O final da década de 90 e o início dos anos 2000 é marcado pelo auge de grupos musicais que apostavam em passos de danças e músicas chicletes. Nos Estados Unidos, *NSYNC, Backstreet Boys, TLC e Destiny's Child arrebatavam as paradas musicais com alguns dos singles mais memoráveis da história da música pop. Seguindo a mesma linha, na Europa, esses nomes eram acompanhados pelos próprios grupos locais de grande sucesso, como o Take That, Westlife, Girls Aloud e as Spice Girls. Todas essa bandas reinaram por um período de tempo até, eventualmente, acabarem ou entrarem em hiatus inderteminados, abrindo uma novo estágio na música, que acabou limitando um sucesso sólido mundial para outros que apostassem na mesma fórmula. Levou mais de uma década até um grupo atingir os topos das paradas mundiais – mas isso estava praticamente limitado a boybands, como o One Direction, o 5 Seconds of Summer e, brevemente,
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o The Wanted. Grupos femininos não iam muito longe, até mesmo dentro do próprio mercado, com exceção do Fifth Harmony, que mesmo com uma força significativa, não conseguiram colocar uma única música (ou álbum) no topo da Billboard. No Reino Unido, no entanto, a história corria diferente para quatro garotas que, em 2011, formavam o LITTLE MIX. Os nomes de Jade Thirlwall, Jesy Nelson, Leigh-Anne Pinnock e Perrie Edwards começaram a ganhar reconhecimento quando as garotas, individualmente, audicionaram para o The X Factor, sendo eliminadas na fase Bootcamp, apenas para serem reunidas em um grupo para seguir para as Judge's House. Na época, sob o nome Rhythmix, as meninas rapidamente subiram no gosto do público, o que acabou levando elas a serem o primeiro e único grupo a ganhar uma edição da famosa competição, já sob o nome Little Mix. Como de costume, a primeira música lançada pelo ganhador do reality show é o Winner's Single, que consiste na faixa escolhida pelo artista para performar na Final do programa. Para as garotas, esta foi Cannonball, originalmente lançada pelo cantor Damien Rice. A chegada da música na parada britânica, a UK Singles Charts, garantiu o primeiro #1 da carreira do grupo.
TÍTULOS E CERTIFICADOS Sendo as ganhadoras do reality e com um contrato sob tutela da Syco, selo de Simon Cowell, o Little Mix deu início aos trabalhos logo em 2012, quando veio o primeiro single do primeiro álbum do grupo. Wings, uma faixa bem pautada no brit pop, atingiu o topo da UK Singles Chart, enquanto o disco DNA alcançou a terceira posição da UK Albums Chart. A carreira das meninas passa então a colher bons frutos, onde, dos 20 singles lançados por elas até hoje, apenas sete não entraram no Top 10 – mas gravitaram em torno da posição, com o menor pico sendo o #16. Com o álbum, as Little Mix se tornaram o primeiro grupo, desde o The Pussycat Dolls, a alcançar o Top 5 da parada norte-americana Billboard 200, além de ter o
maior debut de um álbum de estreia de uma girlband britânica, que pertencia as Spice Girls (intocado desde 1997, quando elas alcançaram a sexta posição). Lançado em 2013, Salute, o segundo álbum, atingiu a quarta posição do UK Albums, enquanto o sucessor, Get Weird, de 2015, conseguiu chegar na segunda posição. Este último foi o disco que garantiu o terceiro single #1 ao grupo, com Black Magic. Mas foi com o Glory Days,
o quarto projeto das meninas, que elas se viram no topo das paradas. Lançado em 2016, o disco e o seu carro-chefe, Shout Out to My Ex, foram direto para o #1, fazendo delas um dos grupos mais bem sucedidos do mercado britânico, unindo-se com as Spice Girls e as Girls Aloud, duas das maiores girlbands do Reino Unido.
DA ESQUERDA PRA DIREITA:
LEIGH-ANNE, JESY, PERRIE E JADE
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O Glory Days ainda garantiu à elas o maior tempo em #1 por uma girlband (cinco semanas não-consecutivas) desde que as Spices passaram 15 semanas no topo com o primeiro disco, em 1996. As cinco ínterpretes do hit mundial Wannabe também retinham o recorde de maior vendagem em uma primeira semana (este, em 1997), "roubado" pelas Mix com o disco (foram 90,000 unidades comercializadas). Ainda, o álbum possui o maior tempo da história que uma girlband ficou no Top 40 da UK Albums Charts, com 69 semanas. A título de curiosidade, o Top 40 é um título-herança da época das jukebox, cujas as mais antigas só suportavam 40 discos – assim, esse Top é importante por considerar que aquelas 40 músicas ou álbuns são as mais influentes e as mais tocadas do momento – independente
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da posição. Com excessão do Word Up!, uma faixa beneficente lançada em 2014 em parceria com o evento esportivo Sport Relief, cada um dos outros 19 singles lançados pelo grupo receberam pelo menos uma certificação mínima da BPI, a Associação britânica que representa as gravadores e distribuidoras, sendo a responsável por entregar os famosos certificados de Prata, Ouro, Platina e Diamante. Destes, a maior certificação recebia por elas, no Reino Unido, é o Platina Dupla (1,2 milhão de cópias vendidas), para Black Magic e Shout Out to My Ex. Donas de um sucesso estrondoso, que garantiu à
elas um Brit Awards (o Grammy britânico) de Melhor Single Britânico, por Shout Out to My Ex, as meninas do Little Mix retornam em 2018 com uma nova era. Buscando ser a maior girlband da história e sob tutela do quinto álbum, LM5, elas prometem tomar controle de suas carreiras de uma vez por toda e entregar um projeto que seja importante em um nível quase que celular, promovendo auto-aceitação, auto-afirmação, auto-respeito e empoderamento, em meio a muita música de qualidade.
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LM5 // por stephanie torres Em tempos de redes sociais onde o relacionamento celebridade-fã é mais próximo do que nunca, não é preciso que um artista anuncie seu próximo trabalho para gerar expectativa sobre ele. Na verdade, cada vez mais são os próprios fãs começam a cobrar do ídolo material inédito – e elaborar diversas teorias sobre o projeto, além de reunir todas as informações sobre, desde as micros até as macros. Para facilitar essa rede de informação, a internet criou uma forma de nomear um álbum antes mesmo que seu nome oficial fosse divulgado, consistindo nas iniciais do nome do artista (grupo ou banda) mais o número do álbum que será lançado. Assim, o quinto disco das Little Mix, ainda na sua concepção, começou a ser chamado de LM5 pelos fãs. E nada melhor para se aproximar do público do que adotar o nome dado
por ele. Assim, o LM5, que debutou em #3 na UK Albums Charts, acabou se tornando o nome oficial do novo trabalho das meninas. E dar um título quase homônimo ao álbum é justo, uma vez que a coletânea de músicas traz mais personalidade ao grupo do que nunca. Levantar a bandeira do girl power, estabelecido mundialmente pelas Spice Girls na década de 90, sempre foi uma das principais características do quarteto, e o LM5 apresenta empoderamento feminino em várias facetas.
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Na primeira faixa, The National Manthem, uma introdução de 29 segundos feito a cappella, Perrie, Jesy, Jade e Leigh-Ann já mostram ao que vieram. Harmonia perfeita e vocais poderosos dão vida a um hino de adoração a mulheres, sendo um pequeno resumo do que está por vir. Nas faixas seguintes, Little Mix inova e traz uma grande influência do hip-hop, tanto com colaborações como Nicki Minaj, em Woman Like Me, e Sharaya J, em Strip, quanto nas vozes das próprias
integrantes. Essa é uma clara tentativa de conquistar mais espaço no mercado norte-americano e repetir o sucesso que o grupo faz no Reino Unido em escala mundial. A estratégia, porém, dividiu os críticos (no Metacritic, a nota é 64/100), mesmo tendo agradado aos fãs. Mas o que não é dúvida para ninguém é o talento das quatro mulheres britânicas. Os vocais e harmonias não deixam a desejar em nenhum momento. Tanto individualmente quanto em conjuntos, todas brilham e são capazes de
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PARA O ÁLBUM, AS MENINAS GRAVARAM O CLIPE DE “STRIP”. NO VÍDEO, EM UM DETERMINADO MOMENTO, ELAS APARECEM NUAS, COM OS CORPOS MARCADOS POR DIVERSOS INSULTOS DIRECIONADOS À ELAS OU À MULHERES NO GERAL. ENTRE AS PALAVRAS É POSSÍVEL LER “GORDA”, “FEIA”, “IMATURA”, “VADIA”, “SEM TALENTO”, “CHEIA DE CELULITE”, “COMUM”, “INSIGNIFICANTE” E “FRACA”.
deixar quem está ouvindo totalmente envolvido nas canções. As faixas mais emocionais como Told You So e The Cure são capazes de emocionar, enquanto as mais animadas como Joana Of Arc e Wasabi deixam qualquer um com vontade de se mexer, sempre deixando perceptível a qualidade vocal das meninas.
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Porém, o mais legal do LM5 é a mensagem que ele apresenta. O feminismo é o tema central que percorre todas as músicas, mas é bem interessante como as letras exploram lados diferentes desse empoderamento. Enquanto Joana Of Arc, por exemplo, é um hino que exala confiança quando Jade e Jesy declaram “Eu
não preciso de um homem / Se eu estou te amando é porque eu posso / Eu não quero seu dinheiro / Eu coloco minha própria pedra na minha mão”, em Woman Like Me Leigh-Ann canta “Insegura, mas eu estou trabalhando nisso”, com elas se questionando se alguém poderia se apaixonar por uma mulher como elas. (Mas cá entre nós garotas, vocês ainda tem dúvida alguma dúvida disso?).
Em Wasabi, as meninas respondem às criticas e as fofocas sobre elas de uma forma bem diretamente e irônica. Em Motivate elas exploram sua sexualidade de forma aberta e explicita. Love A Girl Right e Told You So falam de sororidade e amizade feminina de uma forma bem sensível e bonita. Em Monster In Me e Notice elas tratam sobre relacionamentos amorosos complicados. The Cure fala de superação enquanto Strip é aquele hino sobre autoaceitação. Woman’s World, faixa que está na versão deluxe do álbum, resume tudo explanado no álbum de uma forma simples e direta. Após
passar todo o disco se autoafirmando e trazendo poder e força ao sexo feminino, elas quebram um pouco a expectativa do título da música (que traduz-se como "Mundo das Mulheres" e pode passar a ideia de uma música que fala de um mundo dominado pelas mulheres) denunciando todas as dificuldade que sofrem no mundo apenas por serem mulheres, almejando um dia não trabalharem o dobro para ganhar a metade dos homens. No refrão, elas cantam: "Se nunca te falaram o que você tem que ser / O que você tem que vestir, como você tem de falar / Se você nunca teve que gritar para ser ouvida / Você não viveu no mundo
das mulheres / E se você não vê que isso precisa mudar / Só quer o corpo e não o cérebro / Se você acha que é assim que as coisas funcionam / Você não viver em um mundo de mulheres, não". Com essa mensagem, Little Mix apresenta um álbum em que cada uma das integrantes tem o seu espaço de voz, podendo cantar sobre suas respectivas inseguranças e se libertar das amarras que lhe são impostas. Mesmo que o disco possua defeitos, nada pode apagar sua importância e o talento das meninas, tendo grande chance de dar a Leigh-Ann, Jade, Jesy e Perrie o reconhecimento que elas merecem. //
PLAYLIST TEMÁTICA
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AMBULANTE:
diagramação VICS
por JADER THEOPHILO
O casamento entre Karol Conká e Boss in Drama
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“Quer falar em superação? / Muito prazer, sou a própria / Uma em um milhão / Original sem cópia”. É com esses versos que a
OUÇA O ÁLBUM
rapper curitibana KAROL CONKA quebra o hiato de cinco anos sem lançar álbuns; Kaça é o primeiro single de seu mais novo álbum, intitulado AMBULANTE. O trabalho aparenta ser uma sequência natural do primeiro compilado de estúdio, Batuk Freak, lançado em 2013, mas apresentando uma sonoridade atual e certeira, produzida pelo DJ Boss in Drama, com versos que refletem questões sociais, amores e autoafirmação. Embora diversos singles tenham sido lançados mais recentemente, foi com a música Tombei, de 2014, que Karol atingiu o mainstream. E junto com as faixas É o Poder, Maracutaia, Farofei, Lalá e Cabeça de Nego, as expectativas dos fãs aumentaram ainda mais pelo próximo disco da cantora. Tudo isso criou o cenário para que a artista pudesse ousar tanto no seu som quanto na estética, assinada por Alma Negrot, artista performática carioca.
Com Kaça, a artista abre o álbum com uma música extremamente dançante e pronta para ganhar as pistas, contrastando bem o seu ritmo com versos ácidos, cantados com uma certa urgência. O vídeoclipe da canção, dirigido por J.Brivilati, impacta desde a primeira cena: um desconforto é causado por um ruído que se confunde à uma briga encenada entre pai e filha, interpretados pelo ator Emerson Natividade e pela dançarina Natasha Vergílio. Porém, nesse caso, a figura paterna representa mais do que um progenitor, trata-se de amarras e opressões. Tudo isso é quebrado com a chegada de uma entidade, Karol, que dá força a garota.
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A música Bem Sucedida traz Conka consciente de suas conquistas, mas sem deixar de lado o tom crítico presente em suas rimas. “Eu vim de baixo, nem por isso me rebaixo / Sigo assumindo cachos / Do meu jeito, eu me encaixo / Sem pressa vou dar mais um passo”. A produção surpreende, ainda, ao usar o sample do sucesso baiano Piriri Pompom como parte essencial do refrão. Vida que Vale também reforça a Karol trabalhadora, que vai atrás de seus objetos. Dessa vez, os sintetizadores criam um clima pop e os versos servem de inspiração: “Minhas frases mudam
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vidas / Porque eu pus minha vida em cada frase / Eu escrevo pra cicatrizar feridas / Eles acharam que era só uma fase”. Trabalhando a liberdade individual e seguindo em sua defesa pela diversidade, Vogue do Gueto é uma das canções chicletes do álbum. Além disso, apresenta sample da música Blow, lançada por Beyoncé em 2013, sendo uma aposta interessante para o terceiro ou quarto single. Em Dominatrix e Suíte a rapper decide falar de sexo, algo que já fez outras vezes em seu repertório. No entanto, na primeira, os versos tratam de um prazer mais sadomasoquista e tem grande
potencial para bombar nas noites brasileiras. Já no segundo caso, a batida trap deve funcionar melhor nos shows da cantora do que em boates e festas. Saudade é a canção destaque do álbum. Mostra a “sofrência amorosa” junto a um reggae pop e clama para se tonar um single. De acordo com Boss in Drama, a música foi composta por Karol em cinco minutos, enquanto ele tocava alguns acordes no teclado – algo que revela a sintonia da dupla. O clima melancólico segue em Desapego, mas mostrando um “seguir em frente” e funciona como música de transição para a sedutora Fumacê. Na faixa, os vocais exploram um lado mais melódico em um romântico R&B. Você Falou é a parte final do material e a que mais lembra o álbum anterior, possivelmente pelo uso de instrumentos de percussão aliado a levada Soul. Uma boa conclusão ao trabalho que, apesar de misturar ritmos, mostra absoluta coesão e funciona tanto como pacote fechado quanto em faixas isoladas. Tudo isso poderá ser conferido na nova turnê da cantora que passa a ter dois formatos: um show com banda completa e outro acompanhada pelo DJ Hadji. //
PLAYLIST TEMÁTICA
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Imagine Dragons
cada vez mais longe de suas origens por
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VITÓRIA C. ROCHO
o terceiro single que precedeu o álbum, Dan Reynolds canta em um refrão forte e desafiador “Eu estive me perguntando quando você vai ver que eu não estou pra venda / Eu estive me questionando quando você vai ver que eu não uma parte da sua máquina”. Bem, Dan, parece que vocês fazem parte do sistema, sim.
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diagramação
Imagine Dragons teve um crescimento explosivo e pouco visto nas bandas atuais, surpreendendo ainda mais ao se manter tanto tempo nas paradas de sucesso. Claro, os quatro rapazes de Las Vegas estão no seu auge e não param de produzir. Antes mesmo de fazer o último show pelo Evolve Tour, eles não perderam tempo e
VICS
lançaram seu quarto disco. Origins chegou como o "álbum irmão" de Evolve; uma espécie de continuação, um fechamento do ciclo musical da banda. As críticas estão entre medianas e positivas, como se o lançamento demonstrasse o crescimento proposto no último trabalho, mas que ainda não atingiu seu objetivo de desconstrução sonora e significação lírica.
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EVOLUINDO Natural é de longe a música mais forte do álbum. Dramático e cheio de raiva, o primeiro single é um olhar honesto e doloroso para a realidade da empatia. É difícil enfrentar o mundo com positividade o tempo todo e, às vezes, tudo o que você realmente pode fazer é deixar as emoções de lado e seguir em frente. Fazendo um paralelo ao estilo sonoro de Beliver, Natural certamente será a música pela qual Origins será lembrado. Bad Liar soa como um mecanismo de cópia para Reynolds durante esse período difícil de separação. O mesmo vale para as Boomerang, Birds e Cool Out – esse último poderia facilmente ter sido uma criação de The Chainsmokers. As quatro músicas são ear candies, com letras sobre relacionamento falidos e que destoam do estilo no qual Imagine Dragons fez seu nome.
Na Edição #11, nós falamos sobre o show do Imagine Dragons, no Lollapalooza 2018, em São Paulo. Para ler a matéria, basta clicar aqui!
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DA ESQUERDA PRA DIREITA, OS INTEGRANTES DO IMAGINE DRAGONS: DANIEL WAYNE SERMON (VIOLONCELO), DAN PLATZMAN (BATERIA), DAN REYNOLDS (VOZ E GUITARRA) E BEN MCKEE (BAIXO)
Machine, assim como Thunder, traz uma letra sobre quebrar padrões e ir contra o sistema, sendo bem construída dentro do álbum. Como terceiro single,
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prometeu um Imagine Dragons mais sonoramente maduro e deixou a impressão errada. Porém, o grande destaque da música é o instrumental. Depois
dos poderosos e gritados vocais de Reynolds, as guitarras rugem no refrão e Wayne ganha destaque com um som é positivamente turbulento. Quando West Coast começa, durante 16 segundo temos a impressão de estar ouvir uma suave e envolvente melodia que poderia ser do The Lumineers ou qualquer outra banda indie folk da atualidade.
Foge bastante do que os fãs estão acostumados e muitos criticaram a mudança desavisada. Por outro lado, a música traz uma positividade pouco aparente no álbum e tê-la em uma playlist de viagem parece perfeitamente adequado. As composições que servem como tema e trilha sonoras para filmes não é nenhuma novidade para o grupo. Depois de Jogos Vorazes: Em Chamas (2013), Transformers: A Era da Extinção (2014) e Como Eu Era Antes de Você (2016), nada mais justo do que adicionar mais uma animação à lista cinematográfica da banda. Zero, do vindouro Wifi Ralph: Quebrando a Internet (2018), é uma faixa de pop-rock contagiante e poderosa que visa encorajar e capacitar quem se sente um outcast. Digital é caótico e incontido, entre um vai e vem de gêneros, a batida dubstep deixa a faixa aparentemente deslocada dentro de Origins, Porém, a música carrega o que pode ser o melhor refrão entre todas do álbum “Nós somos a face do futuro / Nós somos a batida digital [...] Nós não queremos mudanças / Nós apenas queremos mudar tudo”. O eletrônico cede lugar desajeitadamente a mais um indie-pop aos moldes de The Chainsmokers em Only. Esta, por sua vez, é seguido pela suavidade de Stuck em uma letra romântica que parece completar a faixa anterior. Já Love é como uma celebração à diversidade, comunidade e compaixão. Burn Out e Real Life finalizam o álbum deixando uma impressão de constância que aparece somente nas últimas músicas. E essa
conclusão contrasta com a abertura explosiva e fria de Natural. O álbum como um todo parece confuso, sem um fio para ligar as 15 faixas, mas com músicas extremamente bem produzidas e com fortes mensagens quando assimiladas independentemente. Bullet in a Gun, por exemplo, divide opiniões e deixa um ar de ame ou odeie. Para alguns, uma mistura de elementos que deu errado. Para outros, a maior e melhor surpresa do álbum. Carregando um discurso que aborda a mente fechada e o feedback odioso que os artistas costumam encontrar quando seu trabalho mais recente não é considerado original o suficiente ou mainstream demais, Imagine Dragons podem usar a própria música como tréplica aos críticos de Origins. //
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A fumaça negra que sinaliza o rock por
ALISSON MILLO
diagramação
VICS
O rock não está morto. Mas talvez respire por aparelhos. Ou, mais talvez ainda, tenha apenas saído do mainstream, tal como nos primórdios de sua criação. Bandas como Queen (fica inclusive, como recomendação, o filme Bohemian Rhapsody), The Beatles, The Rolling Stones e Led Zeppelin estabeleceram padrões que beiram o inalcançável, além de que não existem mais bandas capazes de unir todas as tribos, como o Nirvana conseguiu. Mas a nova geração ainda produz música de qualidade que, embora não tenha muito espaço nas mídias tradicionais, não deixa a desejar.
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OS INTEGRANTES DO GRETA VAN FLEET, DA ESQUERDA PRA DIREITA: SAMUEL KISZKA, JOSH KISZKA, JACOB KISZKA E DANIEL WAGNER
Formado em 2012, o grupo Greta Van Fleet lançou seu primeiro álbum, Anthem Of The Peaceful Army, apenas recentemente, em outubro de 2018. Mesmo assim, no entanto, o disco foi cercado de todo o hype por grande parte do público roqueiro por ver na banda a salvação para o estilo. Essa antecipação e essa esperança depositada se devem aos dois EPs que os garotos de Michigan gravaram e a
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atenção que eles chamaram por resgatarem a vibe dos anos de ouro do rock. Os irmãos Josh (vocal), Jake (guitarra) e Sam Kiszka (baixo), juntamente com o baterista Danny Wagner, conseguiram, em pouco tempo, ganhar a alcunha de “novo Led Zeppelin”, principalmente pelo timbre de Josh, que se assemelha muito ao de Robert Plant. Um título imponente e igualmente preocupante para quatro jovens de uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos, cujo último censo aponta menos de cinco mil habitantes. E jovens no sentido literal da palavra, não apenas de pouco tempo de banda. Os mais velhos são os gêmeos Josh e Jake, que nasceram em 1996. O elogio é imponente, uma vez que lembrar uma das maiores bandas da
OUÇA O ÁLBUM
história da música é um grande feito, ao passo que é preocupante pelo estigma e pela pressão que se cria em torno do grupo. O rótulo de “novo alguma coisa” geralmente é o atestado de morte para qualquer coisa/pessoa em busca de se firmar e se consolidar como algo próprio. E o alto nível que eles mesmo mostraram em nos seus EPs Black Smoke Rising e From The Fires, somado ainda a exigência criada de que mantenha o padrão de uma banda lendária, cria um peso muito grande e desnecessário para quem está apenas começando. O novo álbum, Anthem Of The Peaceful Army foi muito mal visto a princípio, vítima desse estigma. A coletânea não deixa em nada a desejar aos dois trabalhos anteriores, mas a voz de Josh e o estilo musical da banda remetem a Led Zeppelin, sendo o suficiente para acusá-los de ser uma cópia ou de estarem plagiando uma banda que eles têm como influência. Mais que isso, pelo título de “novo Led”, quem esperava uma obra prima como Stairway to Heaven logo de cara ficou decepcionado e desistiu de dar uma chance a quem está apenas
começando. Considerada por muitos a melhor música de todos os tempos, o memorável single foi lançado apenas no quarto disco da veterana banda. Foi necessária muita maturação para que ela fosse escrita e gravada. Cobrar isso de quatro iniciantes é de uma maldade sem tamanho. O lado positivo, entretanto, é que eles aparentemente não se deixam levar por essa comparação nem se abatem muito com as críticas e acusações. Greta Van Fleet não é a salvação do rock, muito menos da música. Nem rock nem música precisam de salvação. Precisam apenas de gente nova e talentosa afim de mostrar trabalho e disposta a ousar, nem que seja ousar a redescobrir o que estava adormecido. //
Apple Music Deezer
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Baco é Blues e Jesus também por
JADER THEOPHILO
diagramação
VICS
Baco Exu do Blues lança o álbum "BLUESMAN" apostando pesado no Blues, cantando versos sobre romance, autoafirmação e negritude.
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“ Tudo que quando era preto era do demônio e depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues. ” É assim que o rapper baiano, de 22 anos, Diogo Moncorvo, mais conhecido como BACO EXU DO BLUES, inicia seu novo álbum, BLUESMAN. O material, marcado pelo passeio entre a vivência, romance, autoafirmação, raiva, negritude e saúde mental dos negros, dá a densidade necessária a obra do artista. Quem lembra de Baco ganhando a cena do rap, em 2016, com a música Sulicídio, em parceria com o rapper pernambucano Diomedes Chinaski, talvez entenda melhor a importância de um álbum tão bem produzido como esse. Na faixa citada, os artistas escancararam os preconceitos que as produções culturais nordestinas, especialmente o rap, enfrentam no restante do Brasil. Em seguida, Baco deu ao mundo o seu álbum de estreia Esú, um material que lhe rendeu bons frutos, prêmios e o hit Te Amo Disgraça. Todo esse caminho ajudou na construção do novo disco. No entanto, antes do lançamento, o público pôde escutar outras canções do artista. Estes são os casos das faixas Facção Carinhosa, Sinfonia do Adeus, a trinca Banho de Sol, Tardes que Nunca Acabam e Última Noite, além de Lovesong, que serviu para apresentar ao público o novo artista de seu selo, Shan Luango.
Como de costume em seus trabalhos, o rapper traz uma imagem para representar cada música. Em Esú, as fotografias ficaram por conta de Mario Cravo Neto. Para BLUESMAN, Helen Salomão é a fotógrafa responsável por traduzir as canções em imagem. Porém, a capa do disco ficou por conta de João Wainer, conversando bem com o restante dos materiais trabalhados. O registro mostra um homem negro tocando guitarra dentro do Carandiru, que na época era o maior presidio da América Latina. BLUESMAN continua extrapolando os limites de um álbum convencional de rap ao ganhar um curta-metragem, de oito minutos, desenvolvido em parceria com o Coala Festival e a agência AKQA. Dirigido por Douglas Bernardt e disponibilizado no Youtube, Baco conta em sua conta no Instagram que o filme é uma parte dele, apra seus fãs: “Espero que vocês me entendam e se não entender só sinta”. A faixa-título começa com um sample da musica Mannish Boy, grande sucesso do blues, interpretado por Muddy Waters em 1955. Aliado a isso, a letra apresenta o conceito do novo álbum. “Eu sou o primeiro ritmo a formar pretos ricos / O primeiro ritmo que tornou pretos livres / Anel no dedo, em cada um dos cinco / Vento na minha cara, eu me sinto vivo / A partir de agora considero tudo Blues / O samba é Blues, o rock é Blues, o jazz é Blues, o funk é Blues, o soul é Blues, eu sou Exu do Blues / Tudo que quando era preto era do demônio e depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues / Jesus é Blues”, é tudo que Baco diz sobre a canção. E não precisa dizer mais nada.
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A faixa Queima a Minha Pele traz a parceria com o cantor Tim Bernardes. A música começou a ser composta pelo refrão, mais tarde ganhou a melodia, os beats e só depois os versos ganharam vida. “Ela foi feita com urgência, ela precisava ser feita e foi concluída nos 45 do segundo tempo. Quando escuto essa música sinto a dor do Blues, sem necessariamente estar ouvindo Blues”, revela Baco. Com um forte potencial para se tornar um hit, Me Desculpa Jay Z é a canção que fala sobre relacionamento, fraquezas e inseguranças. Interessante dizer que, inicialmente, a música se chamaria Blues da Bipolaridade, por todos os caminhos descritos na letra. Já a sequência, Minotauro de Borges, mostra Baco em seu estado de autoafirmação, endeusado pelo seu povo. Além disso, o uso da percussão permite uma aproximação maior com as produções de Esú. De acordo com o rapper “essa música é sobre a lógica da monstruosidade em um jogo de velar e revelar o monstro”. Kanye West da Bahia talvez seja a canção mais ousada, em termos de produção. Há uma mistura de ritmos que nos conduz de melodias caribenhas à beats que nos remetem ao próprio Kanye West. Além disso, a música que tem participação de Bibi 40
Caetano e do próprio produtor DKVPZ, é certeira no discurso antirracista. “Rodeado de polemicas em sua volta o Kanye é uma pessoa que não se rotula a nada e isso em sua essência é ser bluesman”, conta. Outra faixa que tem tudo para se tornar para um hit é Flamigos. Além de apresentar solos de guitarra de Tim Bernardes, a música conta com a importante colaboração de Tuyo, trio curitibano de R&B e folk futurista. Em Girassóis de Van Gogh a conturbada relação amorosa tratada em Queima a Minha Pele é retomada. Mas se engana quem pensa que isso deixa o álbum cansativo, as gravações conseguem se diferenciar bastante entre si, tanto na letra quanto nos arranjos. “Essa música é sobre a pintura de Van Gogh 12 girassóis em uma jarra e o que ela me transmitiu. A procura pela cor perfeita a obsessão de ter que retratar de forma rápida algo que pode “murchar” a qualquer momento me trouxe um sentimento de não estar sozinho. Eu imagino que cada girassol estava apontado pra ele enquanto ele pintava e o fato de na tela eles estarem em posições diferentes faz um mapa dos ângulos que foram pintados gosto de acreditar que o pintor se viu como o sol em cada traço da tela e sua obra o perseguiu assim como as flores fazem”, comenta o rapper.
No já mencionado curta BLUESMAN, é traçado uma relação entre o povo negro e a prata. Uma forma de simbolizar a desvalorização de um povo menosprezado e tratado como minoria social, mesmo sendo maioria quantitativa – algo que ele assemelha com a relação entre prata e ouro. Tudo isso é mostrado na canção Preto e Prata. A última faixa do disco se chama B.B. King, referência ao maior nome do Blues no mundo, amarrando, ou libertando, todo o trabalho feito até aqui. É o resumo do que significa ser Bluesman aos olhos de Baco Exu. “Não sou legível / Não sou entendível / Sou meu próprio deus / Sou meu próprio santo / Meu próprio poeta / Me olhe como uma tela preta, de um único pintor / Só eu posso fazer minha arte / Só eu posso me descrever / Vocês não têm esse direito / Não sou obrigado a ser o que vocês esperam! / Somos muito mais! / Se você não se enquadra ao que esperam… / Você é um Bluesman”, diz a canção. Vale ressaltar que depois de tudo isso, Baco já está trabalhando em um próximo álbum. O projeto, focado em samba, será em parceria com Pretinho da Serrinha. //
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Narrado para você: as histórias de Alec Benjamin
texto e diagramação:
vics
assumindo que você
Assumindo que você já tenha parado de fazer algo para escutar um álbum, alguma vez você já parou para processar o conteúdo lírico das músicas? Seja sim ou seja não, este é, eu diria, o principal bônus ao se aventurar nas produções de ALEC BENJAMIN. Alec Benjamin é um cantor de 24 anos de Phoenix, Arizona, nos Estados Unidos. Apostando em uma estética meio anos 90 e dono de uma cara de neném e um timbre de voz peculiar (ele já tuitou uma vez que "sim, a voz dele é fina" mas que "não, ele não é uma mulher"), o artista é relativamente novo na indústria. Em 2014, aos 20 anos, Alec tinha um contrato com a Columbia Records, mas acabou sendo dispensado pela gravadora em 2016, antes mesmo que pudesse lançar um álbum. O infortúnio, embora desencorajador, apenas acabou levando-o a voltar a fazer shows nas ruas (ele conta que foram cerca de 165 em seis meses) e distribuir cartões de visitas nas portas de grandes shows de outros artistas, como Troye Sivan e Shawn Mendes, em busca de um público disposto a ouvi-lo. Foi apenas em 2018 que Benjamin conseguiu uma outra
oportunidade, dessa vez assinando com a Atlantic Records. Sob o novo selo, o cantor lançou um novo single, que logo tranformou-se no carro-chefe de seu primeiro álbum – ou mixtape, como ele chama. Embora Alec não possa ser encaixado perfeitamente em um gênero musical específico, ele nasce de uma ideia objetiva: Benjamin não se considera um artista, mas sim um narrador. Compositor de suas próprias faixas, ele tem muito bem lapidado o conceito de que as pessoas possuem pelo menos uma música que elas rotulam como a sua música, ao que atribuem a memórias e sentimentos positivos ou negativos ligados diretamente à momentos de suas respectivas vidas. Assim, cada uma de suas composições parecem terem sido escritas para se encaixarem perfeitamente nessa ideia, mas de uma forma muito natural e íntima.
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could you find a way to let me down slowly, a little sympathy i hope you can show me
IMAGEM PROMOCIONAL DO ÁLBUM, CLICADA POR ALEX CURRIE
Tendo isto em mente, NARRATED FOR YOU é este projeto. Traduzindo-se literalmente para "Narrado Para Você", o álbum de estreia de Alec Benjamin entrega exatamente o que propõe seu título. Cada um das doze faixas contam pequenas historinhas, que ganham vida narradas na melodiosa voz do cantor. Com início, meio, fim e uma moral, elas funcionam sozinhas, para contar rápidos contos, e também em um quadro maior, se conectando a deter-
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minados aspectos da vida pessoal de Alec. Por vezes gravitando em um espectro melancólico e até obscuro, embora realísticas, o disco é aberto por If We Have Each Other. A música, decidada a sua irmã, é separada em três partes. A primeira, conta a história de uma garota que engravida aos 19 anos. Na segunda, ele fala sobre a
família, para então entrar na terceira parte, em que ele fala que seus pais estão ficando velho, mas ele é grato pela irmã ainda estar lá ("Eu tenho 23 e meus pais estão ficando velhos / Eu sei que eles não tem para sempre e eu tenho medo de ficar sozinho / Então eu sou agradecido pela minha irmã, mesmo que a gente brigue as vezes / Quando o colegial não foi fácil, ela é a razão de eu ter sobrevivido / Eu sei que ela nunca me deixaria, e eu odeio ver ela chorando / Então eu escrevi esse verso para dizer a ela que eu estou sempre do lado dela").
Water Fountain é sobre um garoto que se apaixona por uma garota e tem seus sentimentos correspondidos, mas não se sente pronto para um relacionamento. Com o passar do tempo, ele continua apaixonado por ela, mas ela já seguiu em frente e está namorando outros caras ("Eu deveria ter construído uma casa com uma fonte para nós / Naquele momento em que ela me disse estar apaixonada / Tão jovem, eu era tão jovem"). Annabelle's Homework trabalha a narrativa de um garoto que é apaixonado por uma menina chamada Annabelle, fazendo tudo por ela (até seu dever de casa) em busca de ser correspondido. Eventualmente, ele percebe que nunca terá uma chance e tem seu coração partido ("Não importa quantos trabalhos eu escreva / O final da equação não será você e eu / E agora eu sou apenas outro que foi ferido / Fazendo o dever da Annabelle"). A música ganhou um leve buzz ao ser reconhecida por John Mayer em seu story do Instagram, onde ele elogia a letra ("Assim que é feito!") e o talento de Alec como liricista ("Isso é escrever músicas. Isso é arte"), logo em se-
guida dizendo que compôr não consiste em apenas transmitir seus sentimentos para uma música, mas possibilitar àquele que houve se colocar como o personagem, sentindo não só o que o compositor sentiu naquela hora mas também atribuindo sua própria carga e história emocional para a faixa. Na quarta faixa da mixtape, o artista canta sobre um término. Let Me Down Slowly é a primeira faixa lançada sob o contrato com a Atlantic, sendo o
primeiro single do Narrated For You. A letra, baseada no primeiro relacionamento de Benjamin, quando o cantor foi pra faculdade, narra a história de um homem que sente sua amada se distanciando dele ("Esta noite está fria no reino / Eu posso sentir você desaparecer"). Sentindo FOTO DE ALEX CURRIE
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PARA O GENIUS, SITE DE DATABASE MUSICAL, ALEC BENJAMIN DESMEMBRA O SINGLE LET ME DOWN SLOWLY, EXPLICANDO O PROCESSO E CONTEÚDO LÍRICO DA MÚSICA
FOTO DE ALEX CURRIE
que isso resultará no fim do relacionamento, o narrador pede à sua amada que ela não seja tão cruel na hora de terminar as coisas: "Você poderia encontrar um jeito de terminar comigo aos poucos? / Espero que você possa ter um pouco de simpatia". Para o site Genius, o cantor explica que escreveu a música não só tendo em vista sua fragilidade, mas também pensando o quanto é ruim ser dispensado e não entender o que levou a pessoa a tomar essa decisão, sendo bastante consumidor ficar remoendo tentando descobrir quais teriam sido esses motivos. Falando sobre se apaixonar perdidamente por alguém, em Swin ele canta "Eu vou nadar até você
me amar / Esperar que seu coração me resgate", uma música que escrita ao lado de uma de suas melhores amigas. Boy in the Bubble é sobre um garoto que sofre de bullying, cantada a partir da observação da pessoa que pratica o bullying. Alec conta para a Billboard que a ideia veio da possibilidade de enxergar isso de outra forma, já que muitas vezes a gente não entende o que pode estar acontecendo na vida dessa pessoa. Assim, no terceiro verso ele canta "São 6h48, ele está indo pra casa / Com sangue nas mãos do meu nariz quebrado / Mas como todos os outros dias, ele estava com medo / De voltar para sua casa porque seu pai estava lá / Enterrando seus problemas no whiskey / Procurando por problema
/ Não há desculpa para o que ele fez / Mas ele estava lidando com muito / Porque seu pai estava bêbado desde que ele era uma criança / E eu espero que um dia ele tenha coragem de dizer a ele / ‘Abaixe o copo de whiskey e a fivela do cinto nessa bolha quebrada’" . Steve, atual faixa favorita do que vos escreve, toma liberdade poética sobre a história bíblica do Jardim Éden, colocando um quarto personagem no mix. Steve é um cara que "estava passando" pelo Jardim quando viu a Cobra oferecer à Adão o Fruto Proíbido. Vendo a cena, ele interfere, dizendo "Adão, não seja enganado pela Cobra / Não arrisque tudo pelo sabor / Que desperdício / Ter tudo e entregar de mão beijada". zint.online | 47
Gotta Be a Reason contempla o universo ("Precisa ter um motivo para o quão eu estou na Terra / Precisa ter um motivo para a poeira e a sujeira / A mudança das estações nunca mudaram minha dor / Qual é o ponto?"), mostrando que mesmo que envelheçamos, continuamos a nos questionar sobre coisas da vida. Preocupado com a vida que um amigo estava tomando, Alec escreve Outrunning Karma sobre um garoto que está duelando contra o universo, tendo dobrar as coisas ao seu favor ("Ele FOTO DE ALEX CURRIE
nunca vai conseguir / Todas as pessoas que ele abandonou / O karma sempre vai chegar para suas mentiras"). If I Killed Someone For You, outra favorita pessoal, mergulha em uma realidade obscura, narrando os eventos de um cara que está fugindo da polícia por ter matado alguém. Tentando se esconder, ele pede a ajuda de sua amada e questiona se ela continuaria amando ele se ele tiver feito essas atrocidades. No final da música, em um plot twist, ele revela "Você
precisa entender que eu matei a eu mesmo / Mudando o que eu era por aquilo que você queria que eu fosse / Eu segui suas direções, fiz tudo que você pediu / Espero que isso te faça feliz, porque não há volta". Death of a Hero (também elogiada por Mayer) é sobre crescer, perceber que não somos mais crianças. Usando a imagem de um Super Homem memorizando linhas e fazendo coisas questionáveis com seus poderes, ele percebe que virou um adulto ("Naquela noite eu coloquei a minha
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infância em um túmulo / E enterrei tudo dentro de mim / Naquela noite eu vi tudo além da magia / Agora eu testemunhei a morte de um herói"). O álbum então é fechado com 1994, uma música correspondente àquele período de coming out of age, em que determinados eventos acontecem que o transformam no que ele é hoje ("Eu vi no noticiário um dia quando as Torres caíram / Setembro não é mais aquele lugar / Agora me diga o que você quer ser quando crescer porque você cresce muito rápido / Eu vou cortar meu cabelo e colocar meus jeans e nunca mais aparecer na aula / Esteja pronto porque é hora de partir, então faça as malas / E seja aquilo que você quer ser"). Ao longo de toda a mixtape, o violão é o principal companheiro de Alec Benjamin, que com uma voz leve conquista seu público facilmente logo em uma primeira reprodução. A produção de suas músicas são simples, mas eficazes, e ainda traz de forma perceptível, em duas vertentes, a influência e admiração que o cantor tem com o rapper Eminem.
No primeiro caso, é possivel ouvir ao longo do álbum Alec cantando versos rápidos (como em Boy in the Bubble), embora nunca pise propriamente nos gêneros de rap e hip-hop. No segundo, o rapper funciona como o ponto em que o cantor decide escrever suas próprias músicas (também influenciado por Mayer), por admirar a capacidade que Marshall tem em contar histórias em seus raps – Stan é sua faixa favorita, ao qual ele atribui como "a melhor história já contada em uma música".
Como um primeiro álbum, que estreou em #20 na Billboard Heatseekers Albums (parada musical estadunidense só com artistas novos e/ou em ascensão), Narrated For You já deixa muito claro quem é Alec Benjamin. Ele é exatamente aquilo que John Mayer diz que compositores são, também sendo aquilo que ele diz ser: um narrador que usa da música para dar vida a contos sobre suas histórias pessoais, mas que podem ser sobre qualquer pessoa que se aventure no álbum. //
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De olhos abertos para a evolução de SABRINA CARPENTER
por
AGNES NOBRE
diagramação
VICS
A
trajetória da Disney é marcada por revelar jovens talentos da música e da atuação em seus programas infantis e para o público jovem-adulto. Dentre nomes como Miley Cyrus, Selena Gomez e Demi Lovato, temos atualmente uma nova artista que resulta da criação tutelar do estúdio de Mickey Mouse: SABRINA CARPENTER. Apesar de ter contato com a música desde bem nova, a artista começou sua atividade na emissora ao ficar em terceira posição do concurso The Next Miley Cyrus Project, ganhando espaço e dublando animações como Princesinha Sofia (2013), além de pequenas participações em séries de outras emissoras. Em Garota Conhece o Mundo (20142017), continuação de
O Mundo é dos Jovens (1993-2000), Sabrina viveu seu primeiro papel importante como Maya Hart, confidente e melhor amiga de Riley Matthews. A rebeldia de sua personagem acabou ganhando maior atenção do público, que também amava a irreverência, carisma e humor da personagem que saiu de coadjuvante para coprotagonista. Quando a série chegou ao final, Sabrina continuou atuando em alguns filmes, mas se permitiu dividir com o mundo o seu talento musical. Em 2015, na sua primeira era, Eyes Wide Open, a cantora se mostrou uma garotinha sonhadora, característica que lembra bastante as canções de Hannah Montana – sendo exatamente o que a Disney tanto procurava ao criar o projeto em busca da nova Miley. O álbum de estreia de Sabrina carrega músicas com letras motivadoras, típicas de quem está vivendo a adolescência e suas descobertas. Apesar de muito nova, ela sempre esbanjou talento. Já no segundo álbum, EVOLution (2016), sem largar o encanto e a pegada
adolescente, Sabrina se apresenta um pouco mais madura e deu ao projeto uma característica mais subjetiva, já que começou a participar da composição das músicas. É perceptível em suas canções, amores, desamores e críticas sociais. O álbum foi um grande destaque e a trouxe um pouco mais visível para o mundo, passando pelo Brasil em 2017 abrindo shows da Ariana Grande durante a turnê de Dangerous Woman. Hoje em dia, sua carreira é bem balanceada entre a música e o universo cinematográfico. A jovem protagonizará The Short History of the Long Road, longa-metragem previsto para lançar em 2019, e participou de O Ódio Que Você Semeia (2018), filme protagonizado por Amandla Stenberg que estreia no Brasil em dezembro. Fora isso, Carpenter se mantem focada em divulgar seu projeto mais recente.
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ACT I Quando anunciou seu novo projeto, Sabrina lançou um trailer que se passa dentro de um museu, em que ela caminha entre as obras, olhando uma por uma. De repente, aparece numa sala clara, andando entre as estatuas sem cores, cruzando olhares com elas, num elegante vestido vermelho. Por fim, é revelado que ela é uma obra do museu, em cima de um patamar, dando a entender que Singular se trata completamente de uma obra sobre ela – e esta é a singularidade do disco. SINGULAR: ACT I chegou para o público no dia 9 de novembro, cujo título levanta a probabilidade de um segundo ato para completar a obra que contem apenas oito faixas. A coletânea traz a ideia de teatralidade e classe, misturando o contemporâneo e o clássico. A composição, musical e visual, são bastante pessoais e singulares, fazendo jus ao nome. A artista participou do processo de criação de todas as composições, dando aspecto completamente autêntico, independente e sincero para o projeto. A pegada visual é bastante madura, já não se vê mais a garotinha sonhadora da Disney, e sim uma menina se transforman52| zint.online
do em mulher e mostrando ao mundo um pouco de quem tem se tornado. Sua vontade é de se apaixonar, mesmo sabendo os riscos que o amor proporciona. Terninho e gravata, vestido chique e cores vibrantes caracterizam o primeiro ato como elegante. O conceito remete os museus europeus, com estatuas renascentistas aparecendo no encarte e no clipe do lead single Almost Love, lançados em julho. De cara, a primeira faixa do disco, entrega
qual seria a singularidade do álbum. O pop dançante e animado rendeu uma coreografia para o vídeo oficial, algo incomum nos projetos de Sabrina. Almost Love fala sobre uma relação sem compromisso, sem preocupações que poderia ser amor. A segunda faixa do álbum é Paris, com uma letra cantada de forma suave, falando sobre o amor da artista pela capital francesa, em um clima de paixão e a capacidade inerente de despertar amores
i just want that hand hold, with the sweat in the metal running down, or when i feel alone and i'm feeling gone uou can touch it a lil', hit me underneath the covers color where your body weed and real take you to Bahamas, sleeping through the sun soaking on that silence, now I'm in the air telling you baby to listen, not just wanna keep you in, wanna keep you in, babe wanna feel your skin, wanna feel it in right
hold tight, de sabrina carpenter
que a cidade proporciona, mesmo que a artista esteja lutando contra o sentimento. Carpenter surpreende com o trecho falado em francês, reforçando a pegada europeia que o álbum carrega. A música é a segunda divulgada, com um vídeo não oficial para os propósitos de divulgação. Na sequência, Hold Tight conta com o featuring de UHMEER, rapper que iniciou a carreira recentemente e é amigo próximo de Sabrina, frutos da série Garota Conhece o Mundo. A canção tem ritmo e letra sensuais, outra característica inédita para Carpenter, mais uma vez mostrando seu amadurecimento não só como artista, mas como mulher.
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Sue Me, a quarta faixa e atual single, é uma das mais amadas pelos fãs. A música ganhou um vídeo vertical disponível em preto e branco na plataforma Spotify, onde Sabrina aparece de terno e gravata. A letra é totalmente auto astral e remete ao amor próprio e superação do fim de um relacionamento, onde ela diz "Me processe por estar tão bonita esta noite" e quebra os padrões ao escolher uma roupa caracterizada como masculino pela sociedade. Quebrando o ritmo, Prfct é a mais lenta, trazendo uma letra que reforça a ideia de querer encontrar um amor e lidar com seus altos e baixos. Ela se contradiz, falando como pode ser perfeito e imperfeito ao mesmo tempo ter alguém para amar. Bad Time volta com a batida mais agitada que compõe Act I, mas com uma essência pautada no desapego, em que a artista deixa a sensibilidade de lado, e mostra que também pode ser indiferente – dessa vez não tem lugar para a paixão.
Mona Lisa, a penúltima faixa do álbum, volta com a vontade de descobrir um amor e com uma cantora pronta para isso, mas dessa vez ela não quer perder tempo, estando impaciente. Por último, Diamonds Are Forever é uma surpresa agradável relembrando as baladas dos anos 60. A oitava faixa é um ótimo encerramento para o primeiro ato, sendo um hino para a autoestima onde ela compara seu valor e raridade com as características de um diamante, e que nada pode comprá-la. Por trás de todo o conceito, é perceptível que Sabrina é apenas uma jovem como qualquer outra. Ela nos entrega suas multifaces mostrando um pouco de cada sentimento, sua sensibilidade, o descaso, paixão e impaciência. Deixou para trás a ideia de que a vida é como um conto de fadas, mas permanece sonhando e exibe seu lado humano. A artista talvez não seja a Miley Cyrus que a Disney procurou, mas nos provou que é talentosa, versátil e, porque não, uma ótima Sabrina Carpenter. //
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JOÃO DICKER d iagramação
Q
uando o MUMFORD & SONS lançou Wilder Mind em 2015, o quarteto surpreendeu o público e o cenário musical com uma guinada que leva o estilo da banda para uma pegada mais voltada para o pop rock, mas ainda mantendo a identidade de um folk hipster que os consagrou. Sua influência para bandas que estouraram nos últimos anos, como o The Lumineers, veio justamente desta capacidade que o grupo têm em combinar estilos ao folk, como o rock ou o country. Agora, com o lançamento de DELTA, o quarteto britânico dá
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mais um passo na mudança apresentada em Wilder Mind, caminhando para uma investida mais pop e pasteurizada de sua música, mas que ainda resguarda alguns respiros de originalidade. Apesar de ser a coletânea que mais se distancia da identidade apresentada em Sigh No More (2009) e Babel (2012), Delta ainda apresenta algumas faixas que trazem a essência do quarteto. Curiosamente, Guiding Light e If I Say, reveladas antecipadamente como campanha de divulgação da coletânea, são as duas que mais conseguem
equilibrar a pegada folk com os sons da guitarra elétrica e o teclado crescente de Ben Lovett. O resultado ao experienciar o álbum completo é uma sensação de surpresa, uma vez que a expectativa criada pelas duas músicas promocionais era a de uma sequência na linha de Wilder Mind, combinando com equilíbrio o folk e o rock – o que vemos, no entanto, pode ser uma perda de frescor no próprio trabalho. Wild Heart beira uma versão acústica do que o álbum procura apresentar, mas o vocalista carrega a canção com emoção e leveza que combinam com a musicalidade do teclado agudo e das cordas de apoio.
VICS
Do folk ao rock: as duas caras de Mumford & Sons
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Não que as novas canções não funcionem ou representem uma mudança total no que o grupo britânico vinha fazendo, mas é curioso perceber que, em uma carreira sustentada por quatro álbuns até então, fica fácil de dividir as criações em dois grupos de identidades claras. Essa divisão é também sentida no próprio Delta, que soa como o resultado de uma indecisão entre a despedida das origens do grupo, o resgate de uma identidade ou a manutenção de uma combinação mais palpável. Se por um lado Guiding Light, If I Say, Beloved e October Skies trazem traços do Mumford & Sons de início da carreira (com cordas do banjo de Winston Marshall e a potente voz rouca do vocalista e guitarrista Marcus Mumford), as faixas Slip Away, Forever, Rose of Sharon e Darkness Visible, mergulham nas cordas do baixo de Ted Dwane e sons crescente de uma guitarra do pop rock, lembrando o trabalho mais pasteurizado do que grupos como o Coldplay fazem. Woman é a composição que mais segue uma pegada pop, com uma estrutura mais batida e comum dentro do que se vê na indústria musical atualmente, destoando do restante do que o álbum apresenta. Fechando a coletânea, a homônima Delta se justifica como a representação do que é esse novo trabalho. Com um re-
frão em que a voz rouca de Marcus cresce sobre a melodia elétrica da guitarra, a canção simboliza a tentativa de aproximação do status rockstar que bandas como Coldpaly e U2 possuem. O refrão de Delta, inclusive, lembra muito With or Without You, do grupo capitaneado por Bono. É como se o quarteto tivesse decidido mergulhar ainda mais no que havia sido iniciado em faixas como Believe e The Wolf, presentes em Wilder Mind. De uma maneira curiosa, o terceiro verso de Delta é o que melhor resume a música título símbolo do novo álbum. "E eu te encontro no Delta / O que está por trás, eu posso ver claramente / Mas isso além, isso está além de mim". Ao afirmar que conseguem ver claramente o que fizeram no passado, mas que ainda há incertezas do que pode vir no futuro, Mumford & Sons se esquecem do presente e da parte mais importante do que o Delta deveria ser: o encontro de sons e das duas identidades que a banda parece construir. //
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Negra Li, a Rainha de Sabá JADER THEOPHILO diagramação VICS por
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eis anos após o lançamento do seu último álbum, NEGRA LI, um dos maiores nomes do rap nacional, retoma e exalta suas origens em seu novo e incrível disco RAÍZES. O trabalho, produzido por Caio Paiva, Duani, Gustah e Pedro Lotto, traz um passeio coerente entre ritmos que misturam o pop, reggae, R&B e o beat do rap. Além disso, as letras mostram Li extremamente afinada à suas bandeiras e totalmente consciente do lugar que ocupa na música.
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A artista, que chamou a atenção do grande público na segunda metade dos anos 1990 ao participar do grupo de rap RZO (Rapaziada da Zona Oeste), ganhou ainda mais destaque nacionalmente em sua carreira solo. Dona de hits memoráveis que marcam sua trajetória, como Você Vai Estar na Minha e 1 Minuto, parceria com D’Black, mostra, agora, o trabalho mais consistente da carreira. Composto por 11 músicas, o material, lançado pela White Monkey Recordings, começa com a música Venha, soando exatamente como um convite para esse novo projeto. A faixa traz referências de grandes nomes da música e um rap auto afirmativo. Além disso, há inserção do samba, em uma música com bastante swing. Raízes, a canção que dá nome ao álbum, é o segundo registro do material e já ganhou um clipe em parceria com o cantor Rael. A produção enaltece a cultura negra e a ancestralidade da artista, do começo ao fim. Vale destacar que a faixa traz versos que lembram o sucesso Olhos
Coloridos, composta por Macau, em 1974, e eternizada na voz de Sandra de Sá, em 1982. Mina mostra Negra Li em um R&B ensolarado, cheio de poder e mensagens de autoestima, principalmente, para mulheres negras. Esse ritmo segue ganhando espaço no disco, com a romântica parceria com o cantor Gaab, em Uma Dança – cujo potencial para se tornar um dos grandes hits do próximo ano é forte. Nos remetendo às músicas lançadas por ela nos anos 2000, a contagiante Sexta chega preparando o terreno para a provocante parceria com Seu Jorge em Eclipse Lunar, além da agitada Malandro Chora. Esta última, escolhida como primeiro single, ganhou um clipe cheio de colorido e coreografia.
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Se Rihanna fosse lançar uma balada em português, Meu Juízo seria o escolha perfeita. A construção musical desse R&B nos lembra as últimas produções da cantora barbadiana e, apesar de não ter um refrão chiclete, pode funcionar muito bem como single e/ ou trilha de alguma produção televisiva. Enquanto isso, o dueto com Cynthia Luz, Somos Iguais, faz uma bela homenagem à Marielle Franco, vereadora pelo estado do Rio de Janei-
ro assassinada a tiros em março de 2018. “A voz não se cala, estamos cientes. Marielle, presente”, cantam as artistas. Mãos Pequenas é uma homenagem aos próprios filhos e uma celebração à maternidade. A faixa tem a produção mais sobrea do disco e contrasta muito com a última
música do compilado. Nossos Sonhos fecha o álbum com mensagem positiva, em um reggae tímido, que amarra a produção de forma pontual. É importante saber que mesmo em um momento político tão complicado, artistas como Negra Li continuam produzindo o melhor de sua arte. Com Raízes, a cantora dá ao público a possibilidade de refletir sobre questões que afetam a vida de toda a sociedade – de maneira leve, mas enfática. //
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Cuidado!:
Mariah Carey na sua melhor forma! 62| zint.online
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iva. No melhor ou na pior das interpretações, esta é a principal palavra para descrever MARIAH CAREY. Dona de uma carreira sólida, a cantora está no mercado musical há quase 30 anos, tendo início em 1990 quando ela debutou com o aclamado single Vision of Love, o primeiro de uma sucessão de #1. Com mais de 200 milhões de álbuns vendidos no mundo inteiro, Carey carrega alguns dos títulos mais interessantes da área. Ela é capaz de alcançar vocalmente cinco oitavas (para título de curiosidade, é conside-
rado excepcional o cantor que consegue ultrapassar três), o que dá a ela a famosa assinatura vocal conhecida como registro de apito, que lembra muito o som emitido por golfinhos (provavelmente um presente genético de sua mãe, cantora de ópera). Não só isso, ela é a primeira e única artista solo feminina a possuir 18 de seus singles no topo da Billboard Hot 100, empatando com Elvis Presley e perdendo para os The Beatles. Méritos estes garantiram à cantora cinco gramofones (de 34 indicações) do Grammy Awards e o crédito de inspiração para diversos dos maiores nomes da música.
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ANOS 2000 Com 14 álbuns nas costas, Mariah Carey termina o ano de 2018 lançando o seu disco de número 15, lançado na mesma época em que a cantora retorna naturalmente para os charts, graças ao hino natalino atemporal All I Want for Christmas Is You. A música, lançada em 1994, não só deu à ela o título de Rainha do Natal, mas é a faixa oficial da festividade, retornando as paradas musicais todo final de ano desde o seu lançamento original. Embora Carey esteja presente nos charts estadunidenses ano após ano, a cantora sofreu um pouco com a 64| zint.online
virada do século e viu sua carreira derrapar comercialmente na medida que ia se aproximando de 2010. O ano de 2005 é marcado pelo estrondoso sucesso mundial do The Emancipation of Mimi, considerado um dos álbuns mais famosos e influentes de sua carreira (e da música), sendo o lar de hits como It's Like That e We Belong Together. É graças ao disco que Mariah Carey ganhou três de seus cinco Grammy, levando o gramofone de Melhor Álbum de R&B Contemporâneo além de Melhor Música R&B e Melhor Performance Vocal de uma Cantora R&B para We Belong Together. O sucessor, E=MC² (2008), também conseguiu colher bons frutos e trouxe o último single #1 de sua carreira, com Touch My Body. Os discos posteriores, no entanto, passaram por lançamentos complicados.
Memoirs of An Imperfect Angel (2009) teve uma respostas moderada do público, com o carro chefe Obsessed atingindo a posição #7 na Hot 100, mas o Merry Christmas II You (2010) e o Me. I Am Mariah... The Elusive Chanteuse (2014) foram um fracasso, com a maior parte dos singles atingindo posições bem baixas ou até mesmo falhando em entrar na lista da Billboard. Do último álbum (2014), #Beautiful, com participação de Miguel, foi a única música a ultrapassar a casa dos 80 e ter um pico na posição 15.
OUÇA O ÁLBUM
PROCEDA COM CUIDADO CAUTION chegou as lojas físicas e digitais no dia 16 de novembro, rapidamente tornando-se o álbum mais bem aclamado da cantora neste milênio. No Metacritic, plataforma que reune as críticas especializadas, o disco possui a nota 82/100 – para parâmetros de comparação, o Emancipation possui 64. No mesmo site, o público ranqueia Caution uma nota de 9.0, também a maior da cantora até aqui. No disco, que debutou em #5 na Billboard 200, Carey volta a discutir histórias de desilusões amorosas, coração quebrado e, finalmente, superação. Talvez como uma resposta aos recentes acontecimentos de sua vida (em 2016, ela se divorciou do pai de seu casal de gêmeos, esteve brevemente noiva de um bilionário australiano em 2017 e hoje se encontra namorando um de seus dançarinos), a cantora inicia o seu disco com GTFO, uma música em que ela fala sobre ter seu amor não apreciado e mandando o cara em questão ir pastar. O single pro-
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mocional foi o primeiro lançado pela cantora para abrir a nova era. A narrativa segue com With You, primeiro single oficial, em que a artista canta sobre ainda estar com o pé atrás no quesito amor, mas ter encontrado alguém que talvez mereça seu tempo– e por quem ela acaba se apaixonando. Caution, a faixa-título e a preferida daquele que vos escreve, dá continuidade a essa história, com Carey pedindo ao seu amado que ele proceda com cuidado, para não
quebrar o seu pobre coração. Por outro lado, A No No, quarta faixa, a cantora brinca com sonoros Não de diferentes tons e até mesmo línguas para dar um fora. Não dá pra entender? Ela não está interessada, cara! Não é Não. Caution é uma deliciosa lembrança do que Mariah costumava ser em seus momentos de absoluta glória. O disco, embora traga uma sonoridade bem atual e coloque ela em um novo patamar, também relembra seus projetos
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antigos. Portrait, por exemplo, destoa do álbum de forma positiva, uma vez que a produção lembra muito as poderosas baladas do início de sua carreira. A crítica ainda levanta que o disco pode ser facilmente comparado, em liricidade e produção, ao The Emancipation of Mimi, sendo o seu lançamento mais relevante desde o mesmo. Mariah, que é creditada como a principal propulsora da cultura de featurings entre cantoras pop e rappers, não quebra este título, trazendo três participações para álbum. Ty Dolla $ign auxilia a cantora no single The Distance, uma faixa em que ela celebra seu atual amor ao mesmo tempo em que manda um recado malicioso para aqueles que não acreditaram que o relacionamento poderia durar. Blood Orange e Slick Rick emprestam seu versos em Giving Me Life, onde ela faz uso do meme de mesmo título para narrar um amor que a faz evocar o espírito de Norma Jean, nome de batismo de Marilyn Monroe, personalidade que Carey atribui como seu espírito animal e tem completa admiração e amor – Mariah é dona do piano de cauda que
uma vez foi da atriz. Por fim, Gunna é a participação de Stay Long Love You, que traz um interessante instrumental minimalista. São apenas 10 faixas, pautadas quase apenas em baladas ou semi-baladas, onde ela trabalha sua voz, seu alcance vocal (o whistle está lá, em With You) e seu talento como compositora. Mesmo assim, em Caution, a artista, que é responsável por compor e produzir todas as músicas de seu repertório, traz um poderoso time para co-compor e co-produzir ao seu lado, a exemplo de DJ Mustard, Poo Bear, seu amigo de longa data Jermaine Dupri (responsável por diversos de seus maiores sucessos), Timbaland e até mesmo o DJ Skrillex. Produtores musicais que, juntos, trabalharam com basicamente todos os artistas pop norte-americanos. Mariah Carey prova, com o Caution, que apesar de não estar mais em uma fase de sua carreira que lhe entrega hits após hits, ela continua produzindo um material de qualidade. Sua voz continua tão forte quanto antes, assim como o seu talento como compositora. E não há nada nem ninguém que possa falar o contrário. //
PLAYLIST TEMÁTICA
Deezer
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Youtube 67
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televisĂŁo
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CHEGA DE DOR por
JULIANA ALMEIDA
diagramação
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VICS
House of Cards lança sua última temporada e mostra como se faz uma saída triunfal.
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aseada na obra homônima de Michael Dobbs, House of Cards foi por muitos anos um dos carros chefes da Netflix. Lançada em 2013, a série conta a história de Francis Underwood, que ao ter um cargo recusado no governo do presidente eleito, utiliza as mais perversas artimanhas para alcançar o poder dentro da residência mais famosa do mundo. No decorrer dos anos, assistimos Frank e Claire Underwood abrirem caminho para o cargo da presidência dos Estados Unidos, passando por cima de todos que tentam impedi-los de cumprir seus planos, e até deixando cadáveres para trás se necessário. Por cinco temporadas, Kevin Spacey e Robin Wright dividiram as telas como co-protagonistas, se tornando um dos casais mais famosos, amados e odiados da política. Porém, em 2017, após diversas acusações de assédio, Spacey teve seus laços com o projeto cortados, deixando muitos fãs preocupados com o que aconteceria. Ao se pronunciar sobre o assunto, a Netflix anunciou que a série contaria com uma sexta e última temporada sem a participação do ator. Claire Underwood, personagem de Robin, tomaria as rédeas da história e se tornaria protagonista de seu próprio governo. Felizmente, nas últimas temporadas, a personagem já ia se encaminhando para seu mais novo posto de poder, deixando a resolução dos produtores de torná-la o centro da série muito bem estruturada e conveniente, fazendo com que a mudança não fosse brusca e desconfortável para aqueles que acompanhavam o enredo desde o começo.
A CASA DE CARTAS DE LADY MACBETH A sexta temporada começa três meses após a renúncia de Francis, com a presidente ouvindo ameaças de morte, mostrando logo de início que o mandato não será fácil. Claire, no entanto, volta a se mostrar como uma mulher forte e destemida, não se deixando intimidar. Apesar disso, no decorrer dos episódios, é possível ver as ameaças se tornarem mais reais e próximas, sendo de forma tão intensa que começamos a temer pela vida da protagonista. O ex-presidente já não se encontra mais a vista, e logo é explicado o destino que recebeu. Mesmo assim, o personagem é mencionado várias vezes durante a temporada, fazendo com que Claire tenha que lidar com as promessas e os crimes cometidos por seu marido que podem fazer com que sua casa de cartas venha a ruir. Ainda assim, com a quebra da quarta parede, a mulher não deixa de nos provocar: “Sente falta do Francis?”, ela indaga, nos mostrando que ele está no passado e será ela quem dará as ordens agora. O tempo todo observamos a personagem ser subestimada, tendo diversas vezes o seu gênero utilizado como contra argumento a suas decisões. Entretanto, Claire sabe reverter à situação, usando o ambiente machista a seu favor, mesmo que isso signifique ser temporariamente mal vista por seus eleitores. Mais estrategista do que nunca, Underwood apresenta uma incrível capacidade de manipulação, antes vista apenas no próprio Frank. A perversidade da personagem chega a níveis tão elevados que beira a loucura, fazendo aqueles que estão ao seu redor compararem-na
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a Lady MacBeth, a rainha louca que acaba atormentada pelas ações que fez seu marido tomar na tragédia clássica de Shakespeare. Sem escrúpulos algum, ela joga buscando a vitória, não importa o que isso venha a lhe custar. A loucura, entretanto, está próxima a outro personagem. Nesta temporada, Doug Stamper (Michael Kelly) ganha uma notoriedade maior, se tornando um verdadeiro problema para Claire. Buscando honrar o nome do antigo chefe de qualquer maneira, Doug tem movimentos calculados e ao mesmo tempo confusos, deixando sempre quem o assiste perdido. Mesmo quando ocorrem diálogos abertos, os telespectadores continuam de fora, acreditando e desacreditando na devoção do personagem, tendo dúvidas até sua decisão final.
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O ÚLTIMO ATO PRESIDENCIAL Durante toda a temporada, o medo de que Claire falhe em carregar a série sozinha se torna mais presente enquanto vemos os planos da personagem serem frustrados repetidamente. Todavia, quem assistiu House of Cards com muita atenção sabe muito bem que até mesmo atrás das falhas existe uma motivação. Desta vez não poderia ser diferente. Como era de se imaginar, a protagonista levou seus planos até a cena final, onde nos surpreendemos com revelações impactantes. Com apenas oito episódios, cinco a menos que as temporadas anteriores, os produtores tiveram que se preocupar em distribuir a história de forma coerente, tarefa essa que cumpriram muito bem. A passagem de tempo, no entanto,
se torna confusa entre um capítulo e outro, de forma que não sabemos o que ocorreu neste meio tempo. Ainda assim, isso não atrapalhou diretamente no desenvolver do enredo, mas deixou levemente a sensação de que perdemos algumas decisões no decorrer dos acontecimentos. Nesta temporada, Robin Wright nos mostrou sua melhor atuação, e com um tempo maior de tela vemos que todos os anos admirando a atriz não foram em vão. Claire Hale Underwood é uma personagem redonda e bem construída, feita perfeitamente para ser interpretada por Wright, que a veste muito bem. É frequente esquecermo-nos durante os episódios que se tratar de uma mulher ficcional, o que torna tudo mais interessante e ao mesmo tempo assustador. Além da excelente atuação, a atriz nos mostrou mais uma vez sua incrível capacidade em dirigir. Tomando para si o fardo da direção do último episódio
da série, ela faz com que quem a assiste fique na ponta do sofá até o último instante, que, ao acabar, libera uma enorme necessidade de mais. Entretanto, quem espera grandes resoluções nesta temporada talvez acabe decepcionado, já que os produtores e roteiristas não tiveram como prioridade atar as pontas soltas que restaram das outras temporadas, deixando algumas das sub-tramas esquecidas. A casa de cartas construída a anos teve seu fim, a última ação da presidente Underwood foi nos mostrar como fazer uma saída triunfal de uma das maiores e mais importantes séries já produzida pela e para a Netflix, sem perder a classe e a compostura presidencial. //
ASSISTA
HOUSE OF CARDS NA NETLIX.
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Reviravoltas e interesses em jogo por
CAROLINA CASSESE
diagramação
VICS
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dealizada pela BBC, SEGURANÇA EM JOGO é uma série britânica composta por seis episódios com cerca de uma hora de duração. A produção mais assistida na Inglaterra desde Downton Abbey (2010 2015) é um thriller centrado na história de David Budd (Richard Madden), um veterano de guerra encarregado da proteção de Julia Montague (Keeley Hawes), a Secretária de Estado da Inglaterra. Uma das cenas mais marcantes da série acontece logo nos primeiros vinte minutos do episódio inicial. Budd está em uma viagem de trem com seus filhos, em Londres, quando observa uma movimentação estranha. Logo percebe que caberá a ele a missão de evitar um ataque terrorista na embarcação. A sequência é descrita como “hipnotizante” por boa
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parte da crítica – de fato, é difícil desgrudar os olhos da tela. Por conta de seu bom desempenho, Budd é promovido e, portanto, se torna oficialmente o guarda-costas de uma das políticas mais conservadoras do país. O protagonista discorda veementemente dos valores e posicionamentos de Montague, ao mesmo tempo que não consegue negar sua atração por ela, o que cria uma relação conflituosa
entre os personagens. O vínculo entre os dois ultrapassa a esfera afetiva e é bem-sucedido em abordar questões éticas e morais. Criada e roteirizada por Jed Mercurio, a produção apresenta uma trama que prende a atenção e tira o fôlego do espectador, ao mesmo tempo que discute o terrorismo de maneira complexa, sem maniqueísmos e obviedades. A série suscita a seguinte questão: seria possível rotular apenas
os países do oriente como “terroristas”, desconsiderando os males que a Europa e os EUA já causaram no resto do mundo? No entanto, é claro que a visão do tema continua sendo ocidentalizada. Fãs de tramas de ação definitivamente irão amar Segurança em Jogo, mas aqueles que não gostam tanto do gênero (caso da pessoa que vos escreve) também ficarão com os olhos grudados na tela, especialmente por conta da construção do personagem principal, muito bem interpretado por Richard Madden – o Robb Stark de Game of Thrones. Ex-combatente no Vietnã, Budd sofre de Estresse Pós-Traumático e se sente na obrigação de manter constantemente seu espírito combativo. Logo nos primeiros episódios, aconselha seu filho: “homem não chora”. No final da série, é perceptível que o protagonista deixa de lado a imagem de um homem inabalável e está disposto a cuidar de sua saúde mental, sem medo de chorar. Outros personagens também são construídos com complexidade, como a ambiciosa Julia Montague, que apresen-
ta muitas facetas: primeiro, parece completamente detestável, logo depois se redime (até pisar na bola novamente). O ritmo dos seis episódios é dinâmico, o que torna bastante prazerosa (e fácil) a tarefa de maratonar a produção britânica. O último capítulo se conecta de maneira surpreendente com o primeiro e, diga-se de passagem, se os primeiros vinte minutos da série são tensos, os últimos minutos também não poupam o espectador de apreensão. Segurança em Jogo pouco falha em termos de representatividade: na trama, muitas mulheres ocupam cargos de poder (com imensa naturalidade) e estão praticamente em paridade com os homens. A direção acertada de Thomas Vincent e John Strickland, sempre em diálogo com a narrativa, constrói uma atmosfera fria e impessoal para a cidade de Londres. Repleta de conspirações e reviravoltas, a série consegue retratar bem os muitos interesses do jogo político, além de suscitar reflexões sobre o direito à privacidade (vale tudo a fim de impedir possíveis ataques terroristas?) e surpreender o espectador com um final eletrizante e muito bem amarrado. //
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SEGURANÇA EM JOGO NA NETLIX.
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THE MAN IN THE
HIGH CASTLE: AINDA BEM QUE NÃO ACONTECEU
por
MELISSA VITORIANO diagramação
VICS
NOTA DA COLAB: ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS.
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iversas produções audiovisuais têm como tema principal a Segunda Guerra Mundial, narrando os acontecimentos e desfechos do período histórico. Aproveitando da mesma época e inspirada no livro de Phillip K. Dick de mesmo nome, THE MAN IN THE HIGH CASTLE é uma produção original da Amazon Studios, criada por
Frank Spotnitz. Na narrativa, conhecemos uma diferente versão da História, onde Estados Unidos perdeu a guerra e foi dividido pelo Império Japonês e o Império Alemão, os então vitoriosos da Segunda Guerra Mundial.
A trama, que se passa em 1962, mostra uma realidade alternativa onde Alemanha e Japão são as duas grandes potências mundiais, impondo suas ideologias sobre o resto do mundo. Com Adolf Hitler (Wolf Muser) se mantendo como führer absoluto do Reich, comandando a região chamada Grande Reich Nazista nos EUA, a parte oeste, chamado Estados Japoneses do Pacífico, fica sob o governo do Império nipônico, separados pela chamada Zona Neutra. A história da série gira em torno da descoberta de filmes que mostram uma outra versão do desfecho da Segunda Guerra Mundial, onde a então aliança nazista e nipônica era derrotada pelos Estados Unidos. Embora grande parte do material se encontre sob o domínio do Füher, que os mantém guardado para evitar que o público tome conhecimento deles, um grupo de oposição busca levá-los a um homem conhecido como O Homem do Castelo Alto (nome este que também dá tradução ao título da série/livro), que ao que tudo indica poderia transformar esses filmes em uma poderosa arma contra o Reich, que ocasionalmente possa levar a tão esperada derrota da aliança do Eixo.
PRIMEIRA TEMPORADA Diante desse pano de fundo, temos Juliana Crain (Alexa Davalos). A protagonista vive em São Francisco, região dominada pelos japoneses, tendo o primeiro contato direto com o material após sua meia-irmã Trudy (Conor Leslie) lhe entregar o filme e pedir que ela o mantenha em segurança. Junto à fita, Juliana encontra um bilhete indicando que Trudy deveria se encontrar com os membros da Resistência (grupo de oposição ao então governo) na Zona Neutra, partindo para o local em busca de entender o envolvimento de sua irmã em um movimento tão perigoso. Do outro lado do país, Joe Blake (Luke Kleintank), que vive em Nova York, é um espião nazista que em missão deve ir à Zona Neutra. Em certo momento os dois personagens se encontram e passam a se ajudar em situações críticas, resultando em uma certa aproximação entre eles. Enquanto isso, em São Francisco, Frank Frink (Rupert Evans), o noivo de Juliana, passa a ser interrogado pelo Kempeitai (a polícia militar japonesa) que sabe o que Juliana possui sob domínio. Encarregados de
JULIANA E JOE
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JOHN SMITH E SUA ESPOSA, HELEN. NO FUNDO, A LEBENSBORN NICOLE DÖRMER
encontrar a personagem, o grupo interroga e tortura Frank, que além de ser noivo da então foragida é descendente de judeus, grupo perseguido pelos Impérios durante a Guerra. SEGUNDA TEMPORADA No segundo ano da série, o enredo é focado no Grande Reich Nazista, mais especificamente Nova York – uma região próspera e que segue à risca a ideologia de que a raça ariana é superior e imponente. A temporada dá protagonismo na família e ações do Obergruppenführer John Smith (Rufus Sewell), capitão do Império Nazista norte-americano, um estrategista e uma das principais peças no governo. Devido acontecimentos da temporada anterior, Juliana Crain pede asilo ao Grande Reich e é recebida sob proteção do Obergruppenführer. Ciente das ações de Juliana, John a mantém por perto com segundas intenções. Joe, por sua vez, retorna à Alema78 | zint.online
nha após algumas revirtavoltas, tendo cumprido sua missão como espião no Reich estadunidense e acreditando que Juliana está morta. Na mesma linha de viradas, o Ministro do Comércio do Império Nipônico, Nobusuke Tagomi (Cary-Hiroyuki Tagawa), descobre que é capaz de “viajar” para uma realidade em que os Estados Unidos venceram a guerra, gerando mais expectativas sobre o que isso pode resultar na série – e entrando no viés de ficção-científica da história de Phillip K. Dick. TERCEIRA TEMPORADA A terceira temporada estreou no dia 5 de outubro de 2018, contando com dez episódios onde a trama explora ainda mais os filmes e o destino dos personagens. Logo no início da temporada é mostrado que o Império Nipônico possui bombas atômicas capazes de servir como uma ameaça ao Império Nazista, caso os alemãs decidam mudar o aparente cenário de paz que vivem
com os japoneses. Na Alemanha, Joe Blake passa por um processo de “reeducação” cujo objetivo é garantir sua total fidelidade, consequência do descobrimento de que seu pai é um traidor do Füher. John Smith, que se mantem como um dos principais personagens, é promovido ao cargo de Oberstgruppenführer após a traição do pai de Joe, mas descobre problemas que ameaçam a sobrevivência de sua família. Sendo a peça de maior importância na série, Juliana passa a ganhar lembranças que incrementam o conteúdo das fitas e, com a ajuda de Tagomi, tenta chegar a uma possível explicação para os acontecimentos mostrados nos filmes. Em uma confraternização entre representantes dos dois Impérios, Juliana e Joe se reencontram, levando a uma reaproximação dos dois, já que o nazista possui informação de grande importância para a Resistência. Contando com outros núcleos relevantes para o enredo da série, a tempo-
rada valoriza bastante seu conteúdo e abrange novas histórias, como a perseguição e discriminação à grupos específicos (como os judeus), que ganham destaque ao decorrer da trama. Tratando-se de uma série distópica, é tomado todo cuidado possível para não deixar laços mal feitos pelo caminho. A produção da terceira temporada aposta em mais cenas de ação e mergulha de cabeça em seu teor de ficção-científica, explorando a existência dos Viajantes (pessoas naturalmente capazes de viajar entre as realidades) e o peso e ameaça que esse fato representa para o Eixo. A série também explora mais de seus personagens secundários e volta a abordar temas que as outras duas temporadas tinham deixado de lado. The Man in The High Castle estreou no ano de 2015 e todos seus episódios estão disponíveis na plataforma Amazon Prime. Por contar com um enredo diferente dos mais conhecidos atualmente, a série pode ser considerada uma produção inovadora que mostra a possibilidade de criar um ótimo conteúdo em cenários inimagináveis, preservando a boa qualidade de enredo e mantendo o interesse do público. Além disso, nos dá a chance de pensar o rumo que um desfecho diferente para a Segunda Guerra Mundial poderia levar nossa sociedade. Já pensou viver em um regime autoritário, opressor e sem liberdade de expressão? Deus nos free! //
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O HOMEM DO CASTELO ALTO NA PRIME VIDEO.
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OS PECADOS DE
JULIAN Por quê? Essa é a principal pergunta a ser respondida em The Sinner, série disponível na Netflix. Na primeira temporada, a questão era descobrir o que levou Cora (Jessica Biel) a matar um desconhecido na praia com sete facadas. Por meio de flashbacks, o espectador conhece o passado da personagem e, a partir do sétimo episódio, começa a compreender suas razões. A segunda rodada da produção, disponível no serviço de streaming, também revela, logo no primeiro capítulo, a identidade do assassino e de suas vítimas. O 80 | zint.online
POR CAROLINA CASSESE DIAGRAMAÇÃO VICS
que o espectador precisa desvendar desta vez é o que motivou Julian (Elisha Henig), um garoto de 11 anos, a matar os próprios pais. The Sinner é uma série antológica – temporadas com tramas independentes e alguns elementos em comum. O drama de Cora Tanetti, portanto, foi todo resolvido na primeira rodada. Para solucionar o caso do garoto que assassinou os pais, o detetive
Harry Ambrose (Bill Pullman) está de volta, dessa vez acompanhado da policial Heather Novack (Natalie Paul). A dupla adentra no ocorrido, que fica mais complexo a cada episódio, especialmente a partir do momento que a personagem Vera (Carrie Coon) aparece alegando ser a verdadeira mãe de Julian. Os arcos pessoais dos investigadores se entre-
laçam com algumas pistas do assassinato, já que os dois são nativos da pequena cidade onde o crime aconteceu. Essa proximidade é decisiva para a resolução do caso. Esse novo ano supera seu antecessor, especialmente no que diz respeito ao ritmo. A trama de Cora é mais lenta, enquanto a história de Julian é dinâmica e apresenta revelações bem dosadas para cada episódio. Se na primeira rodada a presença de Jessica Biel (que agora é produtora-executiva da produção) arrematava o espectador, os novos capítulo de The Sinner também contam com ótimas atuações. Carrie Coon (do seriado Fargo) desempenha seu papel com maestria, construindo uma personagem dúbia, intensa e apaixonada. Da mesma maneira, o detetive de Bill Pullman garante cenas excelentes. Elisha Henig também não decepciona e consegue passar toda a intensidade de uma criança atordoada. Um dos principais elos que une as duas temporadas é a culpa. Ao investigar o caso de Cora, Ambrose descobre que ela teve uma educação extremamente rígida,
com uma mãe que a culpabilizava pela doença de sua irmã mais nova, Phoebe (Nadia Alexander). Cora introjetou esse sentimento e se puniu em diferentes momentos da vida. O personagem Julian também é dominado pelo remorso. Em determinada cena, chega a questionar: “Quando você para de se sentir culpado? Quando isso acaba?”. O detetive Ambrose, que também lida com seus próprios arrependimentos, aconselha: “Se eu fosse você, confrontaria esse sentimento. Porque, se deixar, ele vai te destruir”. Tanto na primeira quanto na segunda temporada, a série é extremamente eficiente em adentrar na mente do assassino. Se as motivações são deixadas de lado em muitas tramas de mistério, no caso de The Sinner elas aparecem em primeiro plano. As duas rodadas também têm em comum o flerte com o misticismo e com a dicotomia entre “sagrado” e “profano”. Não há somente um pecador. O clima de tensão é crescente e, principalmente a partir do quinto episódio, é difícil desgrudar os olhos da tela. Em todos os capítulos, a direção de fotografia não deixa a desejar. A resolução do crime surpreende, especialmente com seus detalhes (o destino de um personagem em especial, depois que descobrimos o que o mesmo enfrentou, provavelmente irá partir seu coração), ao passo que a história é muito bem concluída e eficiente em abordar temas morais e conflitos internos. //
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THE SINNER NA NETLIX.
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Açúcar, tempero e muita crítica social por
GIOVANA SILVESTRI diagramação VICS
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Florzinha (Catherine Cavadini), Lindinha (Tara Strong) e Docinho (Elizabeth Daily) terminam o ano de 2018 comemorando o aniversário de 20 anos! Um dos desenhos mais queridos pela geração que nasceu na década de 1990, a animação conta a história das três irmãs acidentalmente criadas em laboratório pelo Professor Utônio (Tom Kane) e que enfrentam, até hoje, o crime, as forças do mal, os padrões de gênero, o patriarcado e todo tipo de preconceito. AS MENINAS SUPERPODEROSAS estreou em novembro de 1998 e seu último episódio foi lançado em março de 2005. Sucesso de público e de crítica, com 78 episódios exibidos, a série foi indicada a seis Emmy Awards e nove Annie Awards (o Oscar da animação), não terminando sua trajetória aí. O reboot de mesmo nome estreou em 2016 e é transmitido até hoje pelo Cartoon Network – e as duas versões estão disponíveis na Netflix. Ainda, a franquia conta com dois curtas, um longa-metragem, um especial de Natal e outro comemorando a primeira década, além de um anime e uma série de jogos, sem mencionar os diversos produtos e brinquedos licenciados. O desenho conseguiu, nestes últimos anos, direcionar seu conteúdo para temas de problemáticas sociais, como transgeneridade e racismo. A história e as personagens mantiveram suas ideias progressistas de 1998, quando começaram a consolidar seu conteúdo feminista com a quebra de padrões de gêneros. Logo em sua criação o desenho animado apresentava um teor inovador. O idealizador, Craig McCracken, pensou em um desenho para o
público adulto chamado Whoopass Stew, estrelado pelas Whoopass Girls, que em vez de possuírem o ingrediente extra Elemento X, teriam uma lata de whoop-ass (substância perigosa encontrada embalada dentro das latas). Mas, nos anos 90, a ideia não foi aceita e posteriormente adaptada para o público infantil, não perdendo sua inovação. A quebra dos padrões de gêneros é desenvolvida sutilmente durante os diálogos e também nas características e histórias dos personagens. Em um determinado episódio da série, um personagem vestido de super-herói tenta ensinar os papeis de cada gênero. Tentando dizer que lugar de mulher é na cozinha e de homem é trabalhando, ele tenta exemplificar seu ponto de vista com uma série de perguntas, mas apenas acaba irritado por sua visão ser completamente destruída pela existência de uma família do século 21 – mesmo a série tendo início em 1998. O mais interessante do diálogo é ver, ao final, que a Lindinha, a Superpoderosa mais feminina das três garotas, é a responsável por fazer os trabalhos manuais e pesados da casa.
– “Existem algumas funções desempenhadas só por homens ou por mulheres, certo? Vejam sua família, por exemplo. Quem trabalha fora e sustenta a casa?”, ele questiona. – “Nosso pai”, respondem as meninas. – “Exato! E quem cozinha?” – “Papai!” – “Quem lava as roupas? Quem lava a louça? Quem faz bolo?” – “Papai”, respondem novamente. – "Então quem corta a grama do quintal e lava o carro?", ele pergunta, irritado. – "A Lindinha!", elas respondem em um satisfatório unissom.
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Os personagens principais também moldam quebras de padrões de gênero enquanto explicitam o forte teor feminismo do programa. Docinho representa as “garotas molecas” (tomboy), meninas que não seguem os padrões e tem gostos geralmente ligados ao gênero masculino, enquanto Florzinha e Lindinhas gostam de seguir mais o "padrão feminino", sendo delicadas, gentis e meigas. O Professor é um dedicado e carinhoso pai solteiro, mas quebra a estrutura tradicional com a qual a sociedade está acostumada, não só por fazer o papel de pai e mãe (provedor da casa e dono de casa), mas diversas vezes se transvertindo e usando maquiagem – mesmo que em algumas dessas vezes seja apenas para a felicidade de suas meninas. Ainda, em vários episódios, as Superpoderosas se disfarçam de homens, enquanto os homens da série usam roupas femininas. Lindinha é uma das persona-
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gens que adora se vestir de garoto, fazendo diversos cosplay do Prefeito (Tom Kenny). Em suas aventuras em roupas de mulher, o Professor era constantemente visto imitando a senhorita Sara Belo (Jennifer Hale), esposa do Prefeito e uma mulher que era apresentada como dona de uma beleza sem igual, embora sua personagem seja sempre mostrada em tela cortada na altura do pescoço, nunca tendo seu rosto revelado (só uma vez, brevemente) – apenas seu grande cabelão ruivo.
Na mesma linha estão os vilões. Um ícone de representatividade, quebra de padrões e crítica social é o vilão Ele (Tom Kane), uma versão animada de Lúcifer, o próprio Demônio, deus do inferno, o capiroto. O maior e mais poderosos vilão do desenho é um diabo crossdresser com uma voz andrógena, cujo figurino consiste em uma saia de balé, bota salto-alto até as coxas e maquiagem. A Femme Fatale (Grey Griffin), por sua vez, é uma personagem criada dentro do imaginário da "mulher dos sonhos", com seus longos cabelos loiros lisos e seios fartos – mas, ainda sim, uma vilã, cuja arma toma o formato do símbolo do gênero feminino. Questionando o sistema patriarcal que molda os super-heróis, em uma cena ela conversa com as meninas declarando que as super-heroínas não recebem tanta visibilidade quanto as suas contra-partes masculinas, com Lindinha tentando contra-argumentar falando sobre a Supergirl e a Batgirl. A Femme Fatale, no entanto, problematiza a justificativa ainda
mais: “Elas não passam de uma versão feminina dos super-heróis. Além de você mesma, quem você conhece que é uma super-heroína por esforço próprio?”. Outro exemplo de progressividade em ideias é a história d'Os Meninos Desordeiros (Durão, Fortão e Explosão), uma versão masculina e maligna das Superpoderosas. No desenho, os meninos possuem dois pais, que são os vilões centrais da trama: o Macaco Louco e o Ele – e nenhum personagem vê estranheza ou tem problema com isso. Todo o contexto criado pel'As Meninas Superpoderosas subverte e insere uma nova perspectiva social: os homens como o “sexo frágil”. As garotas descobrem durante a série que os homens são preocupados demais com sua masculinidade. “Toda vez que a masculinidade deles é ameaçada, eles se encolhem em tamanho”, comenta Florzinha. Essa “masculinidade” é representada com os Meninos Desordeiros literalmente encolhendo toda vez que eles faziam algo afeminado. No final do dia, toda a cidade (e principalmente os homens) precisavam e dependia das Meninas Superpo-
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derosas para praticamente tudo. E é um "tudo" quase que literalmente, com inúmeras cenas em que as garotas são chamadas pelo Prefeito para abrir um pote de pickles, ou por outros personagens para realizar tarefas ridiculamente fáceis do cotidiano, como conseguir abrir a porta do banheiro, alcançar o papel higiênico ou o controle remoto. O reboot da série, criado também por Craig McCracken, mantem todo o conteúdo social-política da série, apenas embalada em uma nova abertura e visual gráfico. Empolgada, Daniela Vieira, diretora de Conteúdo do Cartoon Network, comenta: “O traço está mais leve e a animação mais moderna. As histórias estão superatuais e representam as meninas de hoje, que são conectadas, informadas e independentes.” Em 2016, o episódio Chifre, doce chifre (S01E05)
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retrata a questão da identidade de gênero com um personagem novo: um pônei que sente ser, no fundo, um unicórnio. Durante a narrativa, Lindinha conhece Donny, um cavalo falante que usa um chifre de unicórnio falso na cabeça, relatando que embora não possa ter um chife “no meu coração eu sei que eu sou um lindo unicórnio!”. Para ser aquilo que sempre se identificou, o unicórnio recebe a ajuda de Lindinha. O personagem passa, então, por um procedimento de “transmogrificador”, para que seu corpo possa corresponder a sua identidade. Mas as coisas não
saem como o esperado e Donny se transforma em um monstro vermelho com dois chifres, ficando aterrorizado. Para tudo acabar bem, As Meninas Superpoderosas conseguem a ajuda do chamado Quartel General do Pelotão da Aliança da Coalizão dos Unicórnios e descobrem que Donny sempre foi um unicórnio por dentro e não importa qual seja a sua aparência exterior. O episódio
termina com um coração animado com unicórnios e um arco-íris. O episódio foi criticado por trazer um tema muito complexo para um público tão jovem, mas desde quando a série já não faz isso? Em entrevista ao jornal LA Times, o produtor executivo do programa, Nick Jennings, comenta:
“
Basicamente, quando tudo começa, ele é um pônei, mas quer ser um unicórnio. Ele tem que passar por uma transformação para se tornar um unicórnio, então passamos todo um episódio perguntando "O quê você é por dentro? O quê você é por fora? Como você se identifica? Como as pessoas veem você?". Há muito subtexto nisso. Eu não acho que ninguém é jovem demais para começar a discutir essas questões, pensar sobre essas coisas.
Em 2017, foi a hora d'As Meninas Superpoderosas combaterem o preconceito. Durante As Meninas Superpoderosas: O Poder das Quatro (S02E24), um especial dividido em cinco episódio, conhecemos Estrelinha, a quarta Superpoderosa e a primeira integrante negra do grupo. No episódio, o Professor conta as meninas que elas têm uma irmã mais velha, criada com o Elemento W, mais instável e anterior ao Elemento X. A história explica que Utônio pensou ter perdido Estrelinha em uma explosão, mas na verdade ela estava invisível em outra dimensão e conseguiu sair dela neste episódio, quando Lindinha corria risco de vida. Assim, as garotas saem na aventura para reaver a irmã perdida. É incrível perceber como um desenho descontraído e infantil consegue atribuir em sua narrativa novas perspectivas de mundo que combatem tanto o patriarcado, quanto as questões de gênero e o preconceito. Sem contar como essas questões, desde 1998, não causaram terror nas crianças de todo o mundo, não fizeram ninguém "virar" LGBTQ+ e nem deu fim aos homens cis héteros, mas apenas teve o efeito contrário ao encantar com seus personagens e histórias tão únicos dentro do universo da animação. As Meninas Superpoderosas começaram no final da década de 1990 com uma narrativa simples: três meninas com superpoderes que combateriam o crime e as forças do mal, mas atravessaram os anos 2000 entrando pra história ao marcar uma geração e criticar padrões, preconceitos e estruturas sociais. //
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AS MENINAS SUPERPODEROSAS NA NETLIX.
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spike lee
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Dis joint is based I upon some fo I real, fo real shit por
JOÃO DICKER
N
diagramação
VICS
ada mais justo do que em novembro, mês da Consciência Negra, estrear nos cinemas brasileiros Inflitrado na Klan, filme que marca o retorno de SPIKE LEE a sua melhor forma. O trabalho do diretor marcou época na década de 80 por seus filmes subversivos e representativos de uma cultura negra urbana muito particular. Isso cunhou Lee como um mestre do cinema social e racial nos Estados Unidos, também marcado pelo seu posicionamento engajado como figura pública, transformando-o em um nome relevante do movimento de contracultural. Se no mundo contemporâneo filmes como Moonlight (2016), Corra! (2017), Ponto Cego (2018) e o vindouro Sorry to Bother You (2018), ou até mesmo séries de TV como Kee & Peele (2012 - 2015) e Dear White People (2017), tem marcado época por trazerem representatividade e instigarem transformações estruturais importantes para Hollywood, todas essas produções são influenciadas pelo cinema pungente de Spike Lee.
É verdade que a atuação de cineastas e realizadores negros na indústria já existia desde os anos 40 do século passado. No entanto, todas essas produções originadas por ótimos diretores e protagonizadas por atores e atrizes excelentes eram condicionadas pela própria indústria à uma circulação e exibição nichada, marginalizando as produções para as salas de cinemas dos bairros e guetos afro-americanos. É importante ressaltar, também, que o cinema negro tem um período muito próspero na década de 70, resultado do movimento por direitos civis e do movimento de contracultura. Esta é uma época marcada pelo Blaxploitation, fenômeno cinematográfico pautado
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por um cinema autoral e ideológico, em uma resposta ao segregacionismo social da época em "filmes feitos por negros para negros". É justamente a filmografia de Spike Lee que tira essas produções de um espaço de consumo e exibição marginalizado pela indústria e os eleva ao status de sucesso de público e crítica, consagrando-se em diversos dos mais prestigiados festivais de cinema do mundo. Spike tem um papel imprescindível na popularização do cinema negro não só em um sentido social, cultural e artístico, mas também em uma esfera produtiva, levando diversos espectadores para filmes que seguiam um traço autoral claro e meios de produção independentes. GÊNIO DE ORIGENS URBANAS Nascido em Atlanta, na Geórgia, um Lee ainda criança acompanhou sua família para uma mudança de ares, quando tinha apenas três anos. Assim, cresceu e
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firmou raízes no Brooklyn, em Nova York. Filho de uma mãe professora de Artes e de um pai músico de jazz, sua trajetória sempre foi marcada pelo contato com arte e cultura, levando-o a estudar na Tisch, a famosa Escola de Artes da Universiadade de Nova York (NYU) – mesmo centro estudantil em que nomes como Martin Scorsese, Jim Jarmusch e Joel Coen estudaram. Logo em seus primeiros curtas-metragens experimentais é possível perceber a assinatura que o diretor construiria e afirmaria ao longo de sua carreira. Em The Answer (1980), segundo curta que dirigiu, o diretor apresenta a jornada de um roteirista negro que é contratado para escrever o texto do remake
de O Nascimento de Uma Nação (1915), de D.W.Griffith, longa que apesar de sua inegável importância para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica é tido como "o filme mais polêmico da história do cinema". Tal classificação é justa e branda, devido ao racismo contundente existente na forma como os negros são retratados no filme, em atuações caricatas e absurdas de atores brancos com uso de black face (uma
prática que consiste em pessoas brancas pintarem seus rosto de preto, fazendo sátira aos negros) além de uma ostensiva e nojenta exaltação da Klu Klux Klan em seu enredo. Em uma conversa com Pharrell Williams, para o Reserve Channel (canal no Youtube), Spike conta que a sua motivação para a produção de The Answer veio, justamente, do seu incomodo perante a forma com que O Nascimento de Uma
AO LADO DE TRACY CAMILLA JOHNS, A ESTRELA DO FILME, SPIKE LEE POSA NOS BASTIDORES DE “ELA QUER TUDO”
Nação era apresentando dentro da história do cinema. Inclusive, compartilha que após a exibição de seu curta em um festival estudantil de cinema, ele quase chegou a ser expulso da faculdade por abordar a condescendência que o mundo sempre tratou a problemática e preconceituosa forma com que Griffith construiu seu filme. Passados três anos de toda a polêmica com a NYU, Spike lançou como sua tese de mestrado o filme independente Joe's Bed-Stuy Barbershop: We Cut Heads (1983), que se tornou o primeiro
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filme estudantil a ser exibido no Lincoln's Center New Directors New Films Festival, promovido pelo prestigiado centro de companhia de artes de Nova York. Com uma trama focada em uma barbearia no Brooklyn, que funciona como ponto de encontro para jogos de azar e apostas, ao mesmo tempo que é um espaço para os moradores do bairro se encontrarem e conversarem trivialidades, o longa já apresenta a atenção que o diretor dá para temáticas urbanas envolvendo a cultura negra e a ocupação
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urbana da população afro-americana nos EUA. SALTO NA INDÚSTRIA É no final da década de 80 e nos primórdios dos anos 90 que Spike Lee se consolida como um dos principais cineastas de sua geração. Em 1986, ele estreou na direção de um longa-metragem distribuído por um estúdio com Ela Quer Tudo, um filme que marca sua carreira não só por apresentar seu traço autoral ao público mainstream, mas também por trazer
uma prerrogativa ousada e confrontadora para a época. Quando lançado, a produção foi considerada uma película que confrontava o senso comum no que diz respeito à sexualidade da mulher negra, uma vez que seu enredo apresenta Nola Darling (Tracy Camilla Johns), uma jovem negra que experimentava sua sexualidade abertamente, saindo com três homens ao mesmo tempo. Apesar de ter lançado School Daze em 1988, é só no ano seguinte que Spike cravaria seu nome na indústria com o arrebatador Faça A Coisa Certa (1989), filme que consolidava a identidade confrontadora, engajada, autoral e corajosa enquanto cineasta. Uma das maiores virtudes do longa é que, mesmo passados quase 30 anos de sua estreia, o filme em questão ainda é extremamente atual e contemporâneo, não só envelhecendo muito bem enquanto obra cinematográfica, mas também como um um manifesto social poderoso e urgente. O engajamento social aqui, como todo filme do cineasta, está na estrutura da narrativa que apresenta um longo e
excessivamente quente dia em Bedford-Stuyevesant, bairro do Brooklyn. Diferentemente do que se via no cinema da época, em que os filmes apresentavam um Brooklyn marginalizado, violento e pautado por tiros e drogas, Spike trouxe as telas a realidade social de um bairro habitado por pessoas comuns, que assim como nós, tem rotinas, trabalhos e relações afetivas, construídas em um senso de comunidade forte. A partir do clima quente naquele espaço urbano, o diretor transforma a região em um micro-cosmo, aproveitando do calor crescente como o estopim da panela de pressão que eram (e mesmo que com singelas mudanças, continuam sendo até hoje) as tensões sociais nos Estados Unidos. A sensação de desconforto que Spike traduz inerentemente em seus longas é muito bem transmitida por meio de uma narrativa inteligente, ácida e a partir do olhar particular e intimo que o diretor tem para esses conflitos, evidenciando o preconceito latente e estrutural na sociedade, sentido na
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SPIKE LEE CONTRACENA COM DENZEL WASHINGTON EM “MALCOLM X”
própria ocupação urbana das cidades norte-americanas. Para amplificar o desconforto, vêm a perfeita recriação do sentimento de calor, seja nas atuações de um elenco afiado ou dá ótima fotografia de Ernest Dickson, mas também na maneira com que o diretor conduz a narrativa em um ritmo crescente de acontecimentos imprevisíveis que enervam o espectador até um estopim impactante. Passados quase 30 anos, Faça A Coisa Certa se edifica cada vez mais como um filme inteligente que propõem ao espectador caminhos e ferramentas para uma discussão importante e atemporal. Também, o trabalho de seu diretor tem se perpetuado ao longo dos anos, tornando-se, na próxima década, ainda mais produtivo para o cinema negro.
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ALTA PRODUTIVIDADE Na sequência de um dos seus mais emblemáticos longas, Spike adentra a década de 90 com inúmeras produções para as telonas, com filmes como Mais e Melhores Blues (1990), Febre da Selva (1991), Garota 6 (1996) e o Verão de Sam (1999). Mesmo com alguns se destacando mais do que outros, todos eles reafirmam a essência provocativa e reveladora do diretor, além de assegurar que em um sistema de produção de quase um filme por ano, Spike continuava a manter uma áurea de longas independente em suas produções do mainstream. Na mesma época, o cineasta mostra sua genialidade para diferentes formas de direção, passando a comandar documentários, clipes musicais, especiais de comédia para a TV e, claro, continuando a realizar curtas-metragens. Dentre os mais marcantes, pode-se apontar o documentário Quatro Meninas - Uma
História Real (1997), que conta a história de um chocante atentado racial na história dos EUA, em que quatro jovens negras foram brutalmente assassinadas em um ataque a uma igreja do Alabama. No segmento musical, Spike dirigiu as duas versões do conhecido clipe de They Don't Care About Us, de Michael Jackson, cujo original é filmado no Rio de Janeiro e uma segunda versão gravada dentro de uma cadeia, com detentos de verdade. Ainda, comandou o vídeo de Sunless Saturday, de Fishbone, e o clipe de Revolution, do Arrested Development, que faz parte da trilha sonora original de Malcolm X. Apesar de uma década de muitos lançamentos, Malcolm X (1992) se destaca entre os demais por ser uma das mais impressionantes cinebiografias da história, que assim como seu protagonista e seu diretor é carregada de personalidade. O esmero com que o cineasta consegue abarcar as distintas fases da vida do protagonista, marcada por experiências e vivências fortes e transformadoras, fazem da produção um recorte muito coeso do que foi a vida de uma das figuras negras mais marcantes da história dos EUA. O filme acompanha a infância de Malcolm e passa por seu período na cadeia, onde tem a guinada em sua vida, que o motivaria a se tornar a figura impactante, contestadora e contestável que foi. Sendo tão comparado a imagem oposta de Martin Luther King, acompanhamos a jornada intensa por um olhar que combina com perfeição momentos de comédia, documentário e drama. É um trabalho de condução de ritmo e tom muito preciso do diretor. Se Spike tem seus méritos na concepção da visão e retrato da figura, o ainda jovem Denzel Washington é o responsável por apresentar "a figura Malcolm X" que pode ser vista em vídeos e gravações de discursos e passe-
atas, ao mesmo tempo que constrói o personagem em seus momentos antes da fama e nas fases obscuras da vida. É uma concepção de personagem e atuação com camadas, profundidade e que trazem mais folego à projeção, além de sustentar ainda mais a figura social construída. Um trabalho impecável que lhe rendeu uma indicação a Melhor Ator no Oscar daquele ano. Tudo se torna ainda mais bonito e carregado de sentimentos com a deslumbrante fotografia de Ernest Dickson. Enquanto ela pinta as cenas passadas no Harlem urbano com tons quentes, as sequências na prisão ganham tonalidades mais claras e cruas, trazendo uma estética mais burocrática e fria para esta parte do longa. E sem perder a identidade, a fotografia se transforma em uma iluminação mais documental quando vamos nos aproximando do terceiro ato, quase que em uma mudança de formato do olhar para acompanhar o período em que o protagonista se transforma na figura pública emblemática. O mais surpreendente de Malcolm X é que Lee consegue transformar uma cinebiografia em um retrato íntimo e verdadeiro, capaz de capturar a personalidade de um personagem marcante para a história de um país e, principalmente, para um povo específico, em um recorte universal do que essa figura foi. Ao apresentar as bases e motivações de Malcolm, o diretor consegue criar um filme que, ao mesmo tempo que evidencia o discurso poderoso, impactante e ideológico do protagonista (e porque não o seu próprio), também cria uma relação de compreensão e justificativa para aqueles que talvez não enxergariam a humanidade e o sentido naquela figura e, mais importante, no discurso perpetuado. É mais um trabalho arrebatador da vasta filmografia do cineasta.
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NOVO MILÊNIO Na virada para os anos 2000, Spike continua mostrando sua versatilidade enquanto diretor e realizador, dirigindo o especial de comédia The Original King's of Comedy (2000), que registra as apresentações de quatro importantes e hilários comediantes negros: Cedric The Entertainer, Steve Harvey, D.L.Hughley e Bernie Mac. Dentre os documentários, Jim Brown: All American (2000) e A Huey P. Newton Story (2001) marcam seu trabalho no formato, enquanto nos filmes de ficção o diretor entregava mais uma produção impactante e que balançava com as estruturas sociais, dessa vez atacando também a própria indústria de Hollywood. Spike começa o novo milênio chutando a porta com a estreia de A Hora do Show. No meio de uma filmografia já robusta e de um traço autoral consolidado, o longa chega como mais uma demonstração da coragem do diretor em como escolher as representações que usa para falar sobre a temática social desejada. Dessa vez, o olhar se volta para as estruturas de Hollywood, apresentando a jornada de um jovem negro roteirista de televisão que ainda não teve nenhum de seus textos escolhidos para serem produzidos no canal. A partir da eminente demissão, o jovem escreve uma comédia escrachada, inspirando-se na época em que os personagens negros eram vividos por atores brancos que cometiam o ridículo black face. De forma sarcástica, a comédia se torna um sucesso de audiência que acaba desencadeando uma série de discussões e repercussões, construindo o cenário para que Spike volte a enfiar o dedo nas feridas raciais da indústria televisiva, do cinema e, consequentemente, da sociedade. Uma das maiores virtudes de A Hora do Show é o sarcasmo e a acidez do discurso que o cineasta imprime, trazendo camadas para uma crítica que demonstra
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a podridão interna de um sistema que tem suas estruturas muito enraizadas, sendo difícil de ser combatido também por dentro. Se a comédia da trama é pautada pela sátira e pelo cinismo auto-referente, o longa de Spike opta por transformar essa possibilidade de meta-linguagem em uma demonstração dos preconceitos e descriminações vividas na realidade. Essa proposta se torna ainda mais latente pensando que na atualidade presenciamos o movimento de boicote #OscarsSoWhite e com as recentes mudanças na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para tentar corrigir justamente as estruturas errôneas que o diretor apontava em seu filme. Nada mais digno do que o diretor não comparecer a cerimônia de entrega do Oscar de 2016, como forma de protesto, mesmo tendo sido homenageado com um Oscar Honorário pela sua contribuição para o cinema naquela mesma ocasião. POSTER DE “A HORA DO SHOW”
Nos próximos anos, é passível de dizer que o diretor não viveu seus melhores anos como realizador, tendo altos e baixos em filmes que mesmo sem impactarem como outro de sua filmografia, em momento algum perderam sua identidade confrontadora e provocante, fosse nas temáticas, discursos ou propostas enquanto obra cinematográfica. A Última Noite (2002), Elas Me Odeiam, Mas Me Querem (2004), Código das Ruas (2004), Passing Strange (2009), Da Sweet Blood of Jesus (2014) e o remake do coreano Oldboy: Dias de Vingança (2013) são considerados por muitos como películas em que o cineasta não conseguiu reproduzir sua genialidade corriqueira, entregando filmes que dividiram público e crítica, mas que nunca foram elevados a um patamar especial. Contudo, neste mesmo período, Spike também deu vida a produções que se destacaram. O Plano Perfeito (2005) é provavelmente o filme mais mainstream do diretor, tido até mesmo como uma investida no ramo mais comercial da indústria – mas passando longe de
uma crítica negativa. Nessa tentativa de fazer um filme mais acessível ao público, Spike mostra como sabe tratar de temáticas sociais de maneiras sutis, não só com sua corriqueira identidade impactante. Revigorando toda uma gama de filmes de policiais e assaltos a bancos, O Plano Perfeito encontra espaço para falar da seletividade policial e da truculência motivada por estruturas violentas na sociedade e em suas principais instituições. Em 2012, o diretor traz as telas um filme curioso em sua filmografia. Pautado pela artificialidade em sua construção, vista principalmente nos cenários e nas atuações engessadas, Verão em Red Hook (2012) pode ser a primeira vista um filme complicado, mas a partir de um olhar mais sensível se transforma em uma das produções mais complexas de Lee. Ao voltar seus olhos para o bairro Red Hook, no Brooklyn, o diretor traz uma representação atualizada do condado de Nova Iorque antes muito bem explorado em seus longas, como Faça A Coisa Certa. A relação de proximidade fica ainda mais profunda,
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possibilitando até comparações, quando pensamos nas adaptações que o diretor faz para falar de um Brooklyn que outrora quente pelas tensões sociais de ocupação urbana, hoje vive em uma comunidade mais articulada e estruturada. De qualquer forma, o diretor recorre novamente ao artifício de sucesso que utilizou no filme de 89 (em que uma reviravolta no cotidiano das pessoas causa efeitos sérios na dinâmica social representada, mexendo com o status quo) para escancarar que esse mesmo bairro aparentemente organizado, não está tão articulado assim. Explorando do formato de documentário, Kobe Doin' Work (2009) propõem um dos olhares mais crus e interessantes em Kobe Bryant, um dos maiores jogadores de basquete da história da NBA, a liga nacional de basquete dos EUA. Conhecido no mundo todo, figura midiática que vale milhões e com uma história pessoal interessante, Kobe é apresentando de outra forma aqui. O que importa realmente é o jogador, o comportamento dentro de quadra, suas decisões enquanto atleta, seus direcionamentos para os colegas e sua onipresença e qualidade inquestionáveis na hora de jogar basquete. É uma proposição interessante para um documentário esportivo, que em
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sua maioria é trabalho na emoção e paixão do que envolve o esporte, os investimentos milionários que passam por esse mercado e o glamour da vida de atleta. É quase como se Spike quisesse representar o lado operário de Kobe Bryant, em uma desconstrução da figura pública e apresentação do atleta. Um recorte muito interessante para um documentário Outro destaque do período é Chi-Raq (2015), um musical satírico contemporâneo focado em falar sobre violência, armas e a sexualização da sociedade. Explorando de todo seu know-how na direção de videoclipes e de seu bom domínio da teatralidade existente em números musicais, o diretor surpreende com um filme cheio de ritmo, vida e, como de costume, acidez nas críticas e discursos. Este seja, talvez, o filme mais irreverente do diretor desde A Hora do Show, propondo intencionalmente um cinismo e sátira como meio de diálogo a respeito de temas tabus ou polêmicos. Uma conversa que Spike Lee se deleita ao nos apresentar com música, humor e irreverência.
SPIKE LEE NO TAPETE VERMELHO DO FESTIVAL DE CANNES
NEW FILM, OLD SPIKE Mesmo que Chi-Raq e Verão em Red Hook sejam filmes muito interessantes, ambas as produções sofreram com distribuições, chegando a passar em poucas salas de cinema ou, como no caso do Brasil, serem destinados diretamente para TV ou DVD. Esse relativo tempo de afastamento das telonas foi marcado também pelos recorrentes posicionamentos públicos do cineasta, sempre muito engajado, principalmente no já citado episódio dos protestos pela falta de representatividade nos indicados das edições do Oscar de 2015 e 2016. Todo esse contexto foi potencializado pela conjuntura social contemporânea, com a extrema direita crescendo em países de vários continentes, além de nações importantes estarem elegendo líderes que propagam ideologias preocupantes e agressivas aos direitos civis e as liberdades individuais humanas, atacando principalmente as minorias.
Os efeitos desses acontecimentos dentro da sociedade civil estado-unidense construiu uma conjuntura propicia para que Spike Lee encontrasse a história perfeita para retornar a direção de um longa-metragem, apresentando um filme visceral, realizado com maestria pelo cineasta, que carrega um discurso crucial e impactante para as relações sociais, políticas e culturais da atualidade. Desde que foi coroado no Festival de Cannes com o Grand Prix, prêmio mais importante além da Palma de Ouro (reconhecimento máximo do festival), INFLITRADO NA KLAN passou a carregar uma enorme expectativa até sua estreia. Com a chegada da película aos cinemas brasileiros, fica a felicidade de presenciar o retorno do diretor a sua melhor forma, dando vida a uma obra tão expressiva, interessante e rica quanto seus melhores trabalhos, como Faça A Coisa Certa e Malcolm X. zint.online | 101
Ao abrir o longa com a frase "Dis joint is based upon some fo’ real, fo’ real shit", a versão mais Spike Lee possível para o corriqueiro "baseado em fatos reais", o diretor já nos apresenta toda a essência de Inflitrado na Klan: uma produção bem humorada, sarcástica e ácida que em momento algum esquece do peso e da realidade existente na sua trama e no seu discurso. O roteiro, assinado pelo diretor em colaboração com Kevin Willmott, David Rabinovitz e Charlie Wachtel, adapta o livro Black Klansman: Race, Hate, and the Undercover Investigation of a Lifetime, de Ron Stalworth. A trama, tão real quanto absurda, apresenta a história do primeiro policial negro da Polícia de Colorado Springs, responsável por comandar uma investigação em que se infiltrou em uma célula da Ku Klux Klan. Para obter sucesso na missão, Ron Stalworth (vi-
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vido no longa por John David Washington) se afiliou à organização pelo telefone e manteve contato frequente com os integrantes da célula, enquanto seu parceiro de investigação, Flip Zimmerman (Adam Driver) comparecia aos encontros e se relacionava em pele e osso com os supremacistas brancos racistas da Klan. O texto do longa é, também, muito inteligente na forma como constrói as tensões sociais do contexto em que representa e as estuda com humor e sarcasmo. Se por um lado temos a Ku Klux Klan com suas ideologias enfadonhas, do outro existe uma organização estudantil de jovens negros que reivindica os direito civis e dão força ao Movimento Black Power. Há também o desenvolvimento de um tema pautado na histeria coletiva e na popula-
SPIKE LEE COM TOPHER GRACE E ADAM DRIVER DURANTE AS GRAVAÇÕES DE “INFILTRADO NA KLAN”
rização de discursos e retóricas ideológicas, seja na bonita sequência do início do longa em que o orador do movimento negro dialoga efusivamente com os estudantes admirados, ou nos discursos comedidos e calmos de David Duke (Topher Grace). É uma contraposição de abordagens interessante que evidencia a necessidade de energia e luta para que as minorias consigam conquistar seus direitos e espaços na sociedade, enquanto o preconceito velado ou escancarado pode existir da forma mais singela e natural possível que as respostas no comportamento alheio serão tranquilas. A contraposição de ideias também é trabalhada em um dos momentos mais interessantes do longa, em que Spike retorna ao começo de sua carreira para, assim como fez em seu curta The Answer, explorar de O Nascimento de Uma Nação novamente. Em uma das sequências mais fortes do filme, o diretor utiliza da montagem paralela, consagrada por D.W.Griffith e que consiste na alternância de planos de duas sequências para criar um novo significado a estes acontecimentos, para desnudar a aceitação coletiva do preconceito como veneno social. Se por um lado acompanhamos a célula da Klan vibrando e celebrando ao assistirem a O Nascimento de Uma Nação, por outro acompanhamos o clima lamentoso e intimista em que um ancião negro conta aos jovens estudantes a triste história do linchamento e condenação de um negro, em um espaço recheado de brancos. É um momento forte da película, em que o tom leve e bem humorado dá lugar a seriedade e drama, principalmente quando conseguimos lembrar com facilidade de linchamentos sociais e ataques a minorias que aconteceram nos últimos meses, em diversos países, incluindo o Brasil. O clima cômico e bem humorado que permeia durante quase toda a projeção, juntamente com a história que por vezes parece irreal devido a estupidez dos integrantes da Klan, ganham raízes na realidade com as atuações. John David Washington é intenso a todo momento, transmitindo a frustração, raiva e tristeza ao enfrentar o sistema racis-
ta (seja a sociedade, a KKK ou as próprias estruturas do departamento de polícia). Adam Driver dá profundidade ao seu personagem, transmitindo o peso da desconstrução que o policial branco passa ao se infiltrar na célula e passar a ter contato direto com o ódio e preconceito destilados nos encontros, ao mesmo tempo que passa a entender melhor a sensação de fazer parte de uma minoria ao precisar esconder sua relação com o judaísmo. Topher Grace entrega um David Duke político, comedido e sereno, agregando na construção da figura preconceituosa e nojenta do homem que é, mas que sempre soube como se comportar perante o público e a sociedade para se fazer ser ouvido. Todo esmero com que Spike trabalha a temática e desenvolve sua narrativa também é vista na criação dos anos 70, seja na ótima direção de arte, nos figurinos, cenários e maquiagens, ou na fotografia de Chase Irvin, Essa recriação da atmosfera setentista pode, em algum momento, fazer com que o espectador enxergue nos discursos preconceituosos absurdos uma conversa atrasada ou não atual. Contudo, o diretor usa de sua acidez para em comentários sutis, mas igualmente poderosos, fazer marcações que apontam diretamente para a figura de Donald Trump e para a atual conjuntura sócio-política do país. E só de olharmos para o contexto que vivemos no Brasil, torna-se impossível não reconhecer as semelhanças entre o que Lee fala sobre os EUA e o que vemos acontecer no nosso dia a dia. Não custa lembrar que o mesmo David Duke, líder da Ku Klux Klan, é o homem que elogiou publicamente Jair Bolsonaro, futuro presidente do Brasil. Como se as atualizações sutis para a contemporaneidade não bastassem no roteiro, o diretor ainda reserva um desfecho tão impactante quanto toda sua carreira como cineasta. Inflitrado na Klan é uma obra prima do cinema, que com a identidade confrontadora, cômica e genial de Spike Lee se assume como uma comédia política histórica, real e muito necessária. // zint.online | 103
mickey mouse
OS 90 ANOS DE
Mickey por
Bruna Curi
diagramação
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VICS
“Eu só espero que nós nunca percamos de vista uma coisa: que tudo começou por um rato”
É
É praticamente impossível encontrar alguém no planeta Terra que não tenha ouvido falar a respeito do MICKEY MOUSE, do Walt Disney ou da Disney. Porém, se você acha que o Mickey foi o primeiro “personagem-símbolo" da empresa, você está muito enganado. Na verdade, o personagem que teve um papel importante nos primórdios do estúdio foi o Oswald the Lucky Rabbit (Osvaldo, o Coelho Sortudo, em tradução livre). A criatura surgiu na década de 20 com o objetivo de concorrer com o Gato Félix, um verdadeiro sucesso da época. Contudo, em 1928, a Disney perdeu para a Universal Studios os direitos autorais sobre Oswald. Foi nesse momento que Walt Disney precisou pensar em um novo personagem para o estúdio, dando vida ao famoso ratinho Mickey. O personagem fez sua estreia no cinema através do desenho Steamboat Willie, lançado em 18 de novembro de 1928. A animação mostrava as peripécias de Mickey, um ajudante no navio a vapor “Willie” e que sonhava ser capitão. Na época em que foi lançado, Steamboat Willie também marcou época por ter sido o primeiro desenho animado sonoro. Contudo, muita coisa mudou do Mickey de 1928 para o atual. Inicialmente, Walt pretendia chamar o personagem de Mortimer, mas esse nome era pesado e não combinava com a estética do desenho. A escolha do nome veio, então, de uma sugestão de Lillian Bounds, a esposa do criador. Além disso, em seus primórdios, Mickey bebia e fumava, e na medida que o carismático ratinho ia aumentando sua popularidade, Walt precisou mudar a personalidade do personagem e torná-lo politicamente correto em 1930.
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A ESTREIA DE MICKEY MOUSE EM “STEAMBOAT WILLIE”
Além do nome, roupas e personalidade, seu dublador também sofreu mudanças. Inicialmente, entre 1928 e 1946, o ratinho era dublado pelo próprio Walt Disney, sendo seguido por James G. MacDonald e, atualmente, Bret Iwan. O design do Mickey também foi sendo reformulado ao longo dos anos, e com um rabo e focinho menores, o ratinho ganhou uma aparência mais jovial. Além disso, independente do ângulo que você olhe para ele, suas orelhas sempre vão ter o mesmo tamanho e formato. Atualmente, o Mickey possui versões em 2D, 3D e até mesmo para os games. FILMES EM PRETO & BRANCO O sucesso do ratinho foi tão grande que não demorou muito para que ele participasse de outras produções. O desenho The Opry House (1929) começa com a abertura de um teatro enquanto o Mickey está varrendo o local, enquanto ela finge que sua vassoura é um instru-
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mento musical e parceiro de dança. Nesse momento, ele é confrontado por um frequentador do show. A banda assume a performance e em sequência, Mickey Mouse se torna a grande estrela do show. A animação foi, também, a primeira vez em que o personagem usou as suas inigualáveis luvas brancas. O desenho When the Cat's Away (1929) foi um remake de Alice Rattled by Rats. Algo que chama atenção desta animação é a aparição bastante incomum do Mickey e da Minnie.
Embora os dois personagens ainda mantivessem suas características, eles foram retratados do tamanho de ratos comuns, vivendo em comunidade junto de outros ratos. The Barnyard Battle (1929) foi o único desenho a mostrar Mickey como um soldado, e também o primeiro a colocá-lo em combate. E em The Karnival Kid (1929), foi a primeira vez que Mickey falou. Antes desse desenho, ele apenas assobiava, ria e grunhia. E suas primeira palavras foram: "Cachorro-quente! Cachorro-quente",
que falava enquanto tentava vender cachorros-quentes em um carnaval. Em 1932, durante o quinto Oscar, Mickey recebeu sua primeira indicação por Pai de Órfãos (1931). Além disso, Walt Disney também recebeu um prêmio honorário da Academia pela criação do Mickey Mouse. FILMES COLORIDOS A primeira vez que o Mickey apareceu em cores foi no desfile dos indicados ao Oscar em 1932, mas o filme criado para a cerimônia não foi liberado ao público. Dessa forma, o primeiro filme oficial em cores do Mickey foi lançado em 1935, com o Mickey, o Maestro. A história conta sobre um concerto musical que Mickey Mouse participava em um parque. Eles são aplaudidos e elogiados por terem tocado músicas de Zampa, de Louis Joseph Ferdinand Hérold. Em seguida, começam a abertura de William Tell, de Gioacchino Rossini. O fato do Walt Disney dar cor ao Mickey e mudar algumas de suas feições colocou o personagem no topo das paradas novamente, aumentando sua fama.
Anos mais tarde, em 1994, o The Band Concert foi eleito o terceiro maior cartoon de todos os tempos, em uma pesquisa realizada com os profissionais de animação da época. Durante a segunda metade da década de 30, o personagem Pateta foi reintroduzido como uma série popular. Não demorou muito tempo para que Mickey, Pato Donald e Pateta formarem um trio amado e aclamado pelo público, protagonizando diversos filmes juntos como, por exemplo, A Brigada do Mickey (1935), Caçadores
de Alces (1937), Relojoeiros das Alturas (1937), Os Fantasmas Solitários (1937), O Barco do Mickey (1938) e O Trailer de Mickey (1938). Foi somente em 1940 que Mickey apareceu em seu primeiro longa-metragem: Fantasia. Na película, o ratinho faz o papel de aprendiz de um poderoso feiticeiro. Ele não se encontra muito disposto a fazer suas tarefas, e para facilitar as coisas decide colocar o chapéu mágico do feiticeiro, depois que o mesmo vai dormir. Com o acessório, Mickey lança um feitiço em uma vassoura, fazendo ela ganhar vida para executar a tarefa mais cansativa: encher um poço fundo usando dois baldes de água. Em um primeiro momento, o plano parece funcionar, mas não demora para a situação sair do controle e o poço transbordar. Mickey fica desesperado, uma vez que é incapaz de controlar a vassoura, que quase inundou o castelo. No fim, o feiticeiro acorda e consegue controlar a situação. Para a época, o filme apresentou uma estética cinematográfica incrível. Ao mesmo tempo em que é um
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trabalho voltado para o público infantil, também incorpora músicas clássicas de compositores inesquecíveis como O Aprendiz de Feiticeiro, de Paul Dukas, A Sagração da Primavera, de Igor Stravinski, Sinfonia Pastoral, de Beethoven, Dança das Horas, de Amilcare Ponchielli, Uma Noite no Monte Calvo, de Mussorgsky, e Ave Maria, de Franz Schubert. Fantasia é um espetáculo audiovisual de primeira classe, além de conter uma boa dose de magia que deixa todo mundo encantado. Porém, apesar do filme ter sido bem recebido pela crítica, a popularidade do Mickey começou a cair em 1940. O ratinho mais famoso do mundo, no entanto, continuou fazendo aparições em curtas de animação até 1943, chegando a ganhar seu único Oscar por Me Dê uma Pata (1941). Entre 1946 a 1952, Mickey voltou a aparecer em curtas de animação. A última edição regular de filmes Mickey Mouse chegou ao fim em 1953, com o curta The Simple Things. Nessa história, Mickey e Pluto (seu cachorro) decidem ir pescar e são importunados por um bando de gaivotas. TELEVISÃO E MAIS FILMES Se antigamente Mickey era conhecido por seus trabalhos no cinema, durante a década de 50 a popularidade do personagem aumentou com suas aparições na televisão, principalmente, no Clube do Mickey Mouse. Dessa maneira, diversos de seus curtas-metragens foram relançados em formato de séries de TV. Em 1983, o personagem retornou à animação teatral com O Conto 110| zint.online
WALT DISNEY POSA COM UM IMPRESSO DE UMA DAS PRIMEIRAS VERSÕES DO MICKEY MOUSE
de Natal do Mickey, uma adaptação de Noite de Natal, de Charles Dickens, onde interpreta o papel de Bob Chatchit. Em 1990, Mickey fez uma participação no especial Os Muppets, no Walt Disney World. Aqui, ele encontra Kermit o Sapo, embora já estivesse estabelecido que dois seriam velhos amigos. Desde a década de 70, os Muppets sempre fizeram diversas referências ao personagem, tendo sido adquiridos em 2004 pela Walt Disney Company.
Entre 1999 e 2004, Mickey apareceu em diversos longas como Aconteceu no Natal do Mickey (1999); Mickey, Donald e Pateta: Os Três Mosqueteiros (2004) e Aconteceu De Novo no Natal do Mickey (2004). É Hora de Viajar, seu curta-
A ANIMAÇÃO “FANTASIA” É UMA DAS MAIS CONHECIDAS E MEMORÁVEIS DO REPERTÓRIO MIDIÁTICO DO PERSONAGEM zint.online | 111
-metragem mais recente, foi lançado em 2013. Na trama, Mickey, Minnie e seus amigos Horácio e Clarabela decidem aproveitar um passeio musical de carroça. Mas o que era para ser um dia tranquilo acaba se transformando em uma grande confusão quando Bafo de Onça aparece e tenta jogá-los para fora da estrada. Durante os anos, inúmeras séries com o personagem-símbolo
AO LADO DE SEUS MELHORES AMIGOS PATO DONALD E PATETA (E SEU CACHORRO PLUTO), MICKEY INGRESSOU EM DEZENAS DE AVENTURAS, ALGUMAS INSPIRADAS EM FAMOSAS HISTÓRIAS
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da Disney foram feitas, como As Aventuras de Mickey e Donald (19992000), o O Point do Mickey (2001-2003), o A Casa do Mickey Mouse (2006-2016) e
Mickey: Aventuras sobre Rodas (2017-). Em junho de 2013, o Disney Channel passou a transmitir novos curtas do personagem, que tem em média três minutos. O animador
Paul Rudish está à frente do projeto, incorporando elementos da década de 30 com um leve toque contemporâneo. Em agosto de 2018, a ABC anunciou um especial de duas horas, transmitido em horário nobre, para homenagear o icônico personagem em seu aniversário de 90 anos. O programa, que foi ao ar no dia 4 de novembro, contou com vídeos curtos nunca antes vistos, além de percorrer toda a trajetória do ratinho e suas evoluções ao longo desses anos. QUADRINHOS Após 15 curtas metragens de sucesso, a primeira aparição de Mickey em um quadrinho foi em 13 de janeiro de 1930, com arte de Ub Iwerks, criação de Winthrop “Win” Smith e trama creditada à própria Disney. Eventualmente, não demorou muito para que a Minnie se integrasse ao elenco das histórias em quadrinhos. Após a saída de Iwerks, a Disney continuou escrevendo histórias em quadrinhos do Mickey Mouse, com arte de Win Smith. Porém, o grande enfoque do estúdio sempre foram as animações e filmes, de forma que Smith não ficou contente com a perspectiva de produzir os quadrinhos. Assim surgiu Floyd
Gottfredson, um funcionário recém-contratado pela Disney. Inicialmente, fazer os quadrinhos seria um trabalho temporário até o retorno as animações, mas Gottfredson ficou de maio de 1930 até novembro de 1975 desempenhando a função. A primeira tira que Gottfredson trabalhou foi Mickey Mouse no Vale da Morte, cujo roteiro começou a ser escrito por Walt Disney e ficou inacabado. Originalmente, essa aventura apenas incluía o Mickey e a Minnie, mas outros personagens acabaram tendo suas primeiras aparições nessa história: Clarabela, Horácio, Bafo
WALT DISNEY NA PRESENÇA DE BALÕES DO MICKEY, ENQUANTO DESENHA ALGUMAS ESBOÇOS DO PERSONAGEM
de Onça, Sylvester Shyster (um advogado corrupto) e Mortimer Mouse. Em seguida, foi produzido Mr. Slicker e os Ladrões de Ovos, que apresentava Marcus Mouse e sua esposa como os pais de Minnie. Enquanto os curtas produzidos pela Disney tinham maior enfoque em comédia, os quadrinhos apresentavam um Mickey mais aventureiro, mesclando ação com aventura. Essa reprodução do Mickey divergia da versão retratada nos zint.online | 113
DESDE O INÍCIO DE SUA CRIAÇÃO, MICKEY TEM MINNIE MOUSE COMO A SUA GRANDE AMADA
curtas, mas, mesmo assim, ele continuou aparecendo dessa forma em histórias em quadrinhos até o início do século 21. Floy Gottfredson deixou suas marcas nas HQs do Mickey, criando histórias como Mickey Mouse Joins the Foreign Legion (1936) e The Gleam (1942). Outro artista que também deixou sua marca foi Paul Murry, da Dell Comics. Ele produziu sua primeira história com Mickey em 1950, mas somente em 1953 que Murry lançou The Last Resort, sua primeira série para Comics e Histórias de Walt Disney. Na Europa, o ratinho se tornou a principal atração de várias HQs, tendo um destaque para: Topolino (Itália, 1932), Le Journal de Mickey (França, 1934), Don Miki (Espanha) e o grego Miky Maous. Além disso, de 1999 a 2001, Mickey foi o personagem principal da série MM Mickey Mouse Mystery Magazine, publi-
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cada na Itália. Já no Brasil, o primeiro personagem a ganhar as histórias em quadrinhos foi o Pato Donald, mas logo o ratinho conquistou o seu espaço. As primeiras HQs de Mickey foram publicadas pela primeira vez na revista O Tico Tico, em 1930. O personagem recebeu o apelido de Ratinho Curioso. Em 1952, ele ganhou sua revista mensal em que era chamado por seu nome americano: Mickey Mouse. WALT DISNEY WOLD Não se pode negar a importância que Mickey teve para os estúdios da Disney, de forma que ele se tornou o mascote oficial da Walt Disney, desempenhando desde então um papel central nos parques da Disney, desde a abertura da Disneyland, na Califórnia, em 1955. Da mesma forma que acontece com outros personagens, no parque ele é retratado por um ator fantasiado e que não costuma falar. O Mickey já participou de várias cerimônias e desfiles, sem contar a popular atividade de fotografias ao lado do ratinho.
Além disso, ele também apresenta algumas atrações específicas nos parques da Disney. O Mickey’s Toontown, que pode ser encontrado na Disneyland e no Tokyo Disneyland, é uma terra temática que recria o bairro onde Mickey mora. Todos os edifícios foram construídos com o estilo de desenho animado, e os hóspedes podem conhecer as casas de Mickey ou da Minnie, o barco do Pato Donald e a garagem do Pateta. O Mickey’s Toontown costuma ser um lugar comum para conhecer os personagens. O Mickey’s PhilharMagic, encontrado no Magic Kingdom, Tokyo Disneyland e Hong Kong Disneyland, é um filme em 4D que apresenta Mickey como um maestro sinfônico. Na Main Street Cinema, na Disneyland, é possível encontrar vários curta-metragens do ratinho que são exibidos em uma base rotativa, sendo uma das atrações o icônico Steamboat Willie. O Mickey Mouse também apresenta um papel fundamental do show Fantasmic!, realizado no final da noite na Disneyland e Disney’s Hollywood Studios, em que o
personagem usa sua roupa de aprendiz de feiticeiro e ajuda a combater as forças malígnas de alguns vilões da Disney. E como se tudo isso não fosse suficiente, ainda é possível encontrar imagens do Mickey em lugares bastante inesperados. Conhecido como Hidden Mickey, esta é uma representação do personagem inserida sutilmente em alguma atração, ou pintados em algum objeto. O mais comum é a formação de três círculos que podem ser percebidos como a silhueta da cabeça e orelhas de Mickey Mouse. Seja em filmes, quadrinhos ou em pequenas e sutis representações, não se pode negar o papel fundamental que Mickey Mouse continua desempenhando para a Disney e o marco da cultura pop que se tornou. O personagem ainda é muito amado e aclamado pelo público, seguindo anos a frente como o símbolo do império de magia de Walt Disney construiu. //
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filmes
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GUILHERME LUIS diagramação VICS por
“Os Crimes de Grindelwald” comete mais crimes que o próprio personagem 118
j.K.
J.K. Rowling é um gênio. O mundo mágico criado pela escritora inglesa encanta milhões de pessoas ao redor do mundo inteiro, tendo marcado toda uma geração que, por anos, foi aos cinemas para assistir às adaptações de Harry Potter. Com a série de livros sendo um sucesso recorde de vendas, os filmes altamente rentáveis, uma linha de produtos licenciados imensa e o parque temático em Orlando, a marca envolta no mundo bruxo se consolidou como uma das principais franquias da cultura pop. Mas do sucesso do menino bruxo todo mundo já sabe. E com a série chegando a novos públicicos, o antigo vê nisso a oportunidade de continuar pedindo que a história, de alguma forma, fosse espandida nos cinemas. A autora, então, atendeu ao chamado e criou o Mundo Bruxo cinematográfico, em um estilo próximo do Universo Cinematográfico da Marvel. Com isso, nascia a nova franquia. Em cinco filmes, Animais Fantásticos vem com o propósito de contar histórias prévias aos acontecimentos vistos nos longas de Harry Potter, explorando, assim, das inúmeras possibilidades do passado do Mundo Bruxo e de sua real extensão em outros países. Lançado em 2016, o primeiro filme da nova leva de películas, Animais Fantásticos e Onde Habitam, vai para a década de 20 acompanhar os primeiros momentos da ameaça Geraldo Grindelwald, um bruxo das trevas cuja única ambição é a dominação dos bruxos sobre os trouxas.
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Na Edição #1, nós falamos sobre os 20 anos de Harry Potter, celebrando a franquia de J.K. Rowling. Para ler a matéria, basta clicar aqui!
EDDIE REDMAYNE VOLTA A PROTAGONIZAR O FILME NO CORPO DO CARISMÁTICO NEWT SCAMANDER. 120 | zint.online
Agora, ANIMAIS FANTÁSTICOS E OS CRIMES DE GRINDELWALD, novo filme da franquia, estreou carregado de polêmicas que surgiram durante toda a sua produção. Primeiramente com a revelação do título, indicando certo protagonismo do vilão e a persistência por parte da Warner e da própria J.K. (que assina o roteiro dos dois filmes) em permanecer com a presença de Johnny Depp no personagem – o ator é acusado de agressão e abuso por sua ex-mulher, a atriz Amber Heard. Depois, com a declaração de que a sexualidade de Dumbledore não seria abordado em toda sua extensão logo nesse filme – J.K. revelou há alguns anos que sempre enxergou Alvo como homossexual, contando que no passado (no caso, presente para o longa) ele era apaixonado pelo seu melhor amigo. Os fãs se indignaram, ficando temerosos de que este arco fosse cortardo apenas por ser um arco gay. OS CRIMES Com a estreia do filme, vemos a trama não perder tempo e logo de cara mostrar Grindelwald fugindo das mãos do Ministério da Magia (mais uma vez) e recrutando seus seguidores. Enquanto isso, Newt (Eddie Redmayne), que está em Londres, recebe uma tarefa de Dumbledore (Jude Law) a ir à Paris encontrar Credence (Ezra Miller) – personagem este que Grindelwald também tem muito interesse. Assim, os personagens apresentados no filme antecessor retornam,
ao mesmo tempo que caras novas são introduzidas. O longa vem para dar sequência à Animais Fantásticos e Onde Habitam, um filme legal, mas com muita cara de começo de história. O problema é que, ao final, Os Crimes de Grindelwald tem uma série de defeitos que gritam alto mais que suas qualidades. O título é um dos primeiros, não fazendo muito sentido. Ok. O nome da franquia é Animais Fantásticos, mas é bom que entendamos que eles não moverão a história mais. Ainda assim, é fácil concordar que J.K. consegue encaixá-los bem na história, seja com os velhos e queridos (Pelú-
cio, você é demais!) ou com os novos, ajudando ou atrapalhando a trama de alguma forma. Por outro lado, o subtítulo pode ser descartado, uma vez que o vilão não comete crime nenhum nesse filme – a não ser o de fugir! Parece que a película é vendida para
dar a entender que a ascensão de um grande bruxo das trevas seria totalmente mostrada aqui, o que não acontece. São só os primeiros passos. E é nisso que o filme erra, persistindo em mostrá-los sem desenvolver a história propriamente.
1. JUDE LAW DÁ VIDA A UM ALVO DUMBLEDORE MAIS JOVEM, MESMO NÃO TENDO MUITO TEMPO EM TELA 2. CARREGANDO O NOME DE SEU PERSONAGEM NO TÍTULO DO FILME, JOHNNY DEPP É O VILÃO GERALDO GRINDELWALD.
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NA IMAGEM, ALVO DUMBLEDORE, CREDENCE BAREBONE E NAGINI, RESPECTIVAMENTE OS ATORES JUDE LAW, EZRA MILLER E CLAUDIA KIM.
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Dito isso, o maior defeito do longa está em seu roteiro. Confuso, cheio demais, complexo em algumas explicações... causando a constante sensação de “não entendi”. Não só pela cena final, que é um grande plot twist, mas de diversas cenas ao longo do filme. Como tal personagem parou em tal lugar? Por que ele fez aquilo? Por que ela queria isso? Como fizeram tal coisa? São muitas perguntas, até mesmo para um fã que entende muito desse mundo. E a grande massa, que não se lembra ou não se importa com sobrenomes (coisa na qual esse filme se apoia muito), ligações com Harry Potter, locações conhecidas, feitiços específicos, termos que só quem é muito fã vai entender, como fica? O filme não é feito para o chamado "público-médio", por se basear demais em coisas que só os fãs sabem. O roteiro é inconsistente em como trata seus personagens, que ou são muito bem tratados pela história ou são completamente irrelevantes. Newt, Dumbledore e Grindelwald fazem parte do primerio círculo, trazendo as melhores atuações do elenco. Eddie Redmayne está ainda mais perfeito no personagem, e seu protagonismo leva a trama pra frente, apesar de se facilitar em certas “facilidades” e “convenções” que denotam um roteiro preguiçoso. Jude Law está bem como Dumbledore, sendo carismático, charmoso e com relances da inteligência do professor, apesar de não ser tão bem explorado durante a projeção. Fica
NA IMAGEM, LETA LESTRANGE, TESEU SCAMANDER, TINA GOLDSTEIN E NEWT SCAMANDER, RESPECTIVAMENTE OS ATORES ZOË KRAVITZ, CALLUM TURNER, KATHERINE WATERSTON E EDDIE REDMAYNE.
o gosto de "quero ver mais" e a ansiedade para presenciar o personagem se transformar na figura imponente que Michael Gambon interpretou na franquia Harry Potter. Já Johnny Depp surpreende por, simplesmente, deixar de ser Jack Sparrow em algum filme. Ainda assim, tem pouco tempo de tela pra se tornar o maior destaque do filme. Seu vilão é interessante, amedrontador, e tem um discurso convincente até. Sua cena final é muito boa e deixa gostinho de quero mais. Queenie (Alison Sudol), Jacob (Dan Fogler) e Tina (Katherine Waterston) são meros coadjuvantes numa história que não lhes cabe mais. São todos postos em Londres por motivos bobos, com um tempo de tela consideravelmente reduzido em relação ao filme anterior. Queenie e Jacob têm um arco interessante até, mas Tina, agora auror, é irrelevante para a trama. Uma pena, já que tinha tido tanto carisma no primeiro filme. Credence volta sem grandes explicações. Rowling não se preocupa em dizer como ele sobreviveu, como foi parar em Londres, nem nada. Ele simplesmente está vivo e lidemos com isso. O filme é quase todo sobre sua jornada. Credence é o Sol da trama, com todos os outros personagens girando ao seu redor. Porém, seu objetivo de “descobrir sua verdadeira identidade” soa tão boba para uma história tão grande e complexa. O fato de todos os personagens saberem disso e se empenharem zint.online | 123
NA IMAGEM, JACOB KOWALSKI, QUEENIE GOLDSTEIN E GERALDO GRINDELWALD, RESPECTIVAMENTE OS ATORES DAN FOGLER, ALISON SUDOL E JOHNNY DEPP.
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nessa busca só piora. Nagini (Claudia Kim), sua companheira, não serve para nada: é puro fan-service e uma promessa para o futuro. Os outros novos personagens servem para a história em momentos muito específicos, mas carecem de maior desenvolvimento. Leta Lestrange (Zoë Kravitz) é a melhor deles, protagonizando um flashback interessantíssimo em Hogwarts (um fan-service, é claro, mas pelo menos um bom!), e se destaca na trama conforme a história se aproxima do final. Teseus Scamander (Callum Turner), irmão de Newt, tem pouquíssima importância pra narrativa e Yusuf Kama (William Nadylam) é o maior desperdício do roteiro, sendo um personagem vazio, sem porquê nem pra quê, com tempo de tela exagerado. Serve para uma reviravolta do final e só. Visualmente, o filme é esplendoroso. Efeitos especiais perfeitos, animais fantásticos com peso e textura, 3D que funciona, feitiços... tudo on point. Esse filme também serve para resgatar uma coisa de Harry Potter que o primeiro Animais Fantásticos não tinha: a magia sendo usada para coisas comuns do dia a dia. Ou seja, a câmera está acompanhando um personagem, mas no canto da tela tem magia acontecendo: um pano limpando uma janela sozinha, uma criança levitando, um bule de café levitando. Pequenas coisas que fazem o mundo bruxo parecer muito mais real e palpável. Com direção de David Yates (responsável
pelos últimos seis filmes), o filme não tem problemas técnicos. Algo que gerou confusão em muita gente são os closes de câmera dado nos rostos dos personagens, logo no início do filme, se perdendo com o tempo. Fica estranho porque parece um teste solto que não foi corrigido. De resto, no entanto, a direção está boa. Os Crimes de Grindelwald, portanto, gera mais dúvidas do que as responde. Seu final polêmico chateia mais por parecer que o filme todo se passa apenas para essa cena em específico do que por movimentar a história em si. J.K. Rowling mexer com sua história cânone é um perigo e ela faz isso mais de uma vez nessa história. Contudo, resta aguardar. A revelação final só terá sido ruim se sua explicação também for. Rowling é extremamente criativa, e apesar de não enxergamos soluções críveis para o que ela criou aqui, ainda há esperanças. Agora, na franquia Animais Fantásticos, muita coisa tem que ser revista. Com
grandes indícios de um terceiro filme se passando no Brasil, a história precisa tomar corpo e parar de andar a passos lentos. Um filme não pode mais depender do próximo para “fazer sentido como um todo”. Cada filme deve ter a sua história fechada e, ainda assim, contar uma grande história quando unidos, como era com Harry Potter. Ou J.K. deve ser substituída no roteiro, ou dividi-lo com alguém que entenda mais de cinema e não seja a pessoa que tem todas as respostas na própria cabeça – e não as revela ao público. A expectativa ainda é grande, porém. Tomara que a franquia se encontre e faça jus ao universo de que provem. //
NO QUE SE REFERE AOS ANIMAIS FANTÁSTICOS, PELÚCIO VOLTA A BRILHAR, ENQUANTO CONHECEMOS OUTRA CRIATURA PARA NOS APAIXONARMOS: ZOUWU.
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BOHEMIAN RHAPSODY: A HISTÓRIA DE FREDDIE MERCURY por
vitória silva
diagramação
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vics
Bohemian Rhapsody conta a história da lendária banda de rock Queen, dando um grande foco para o arco de Freddie Mercury. Brian May, Roger Taylor, John Deacon e Freddie Mercury. Quatro rapazes. Uma banda. E o sonho de se consagrarem no mundo da música. Um sonho que se tornou realidade e fez com que eles entrassem para história.
Uma história que finalmente chega às telas de cinema. O filme BOHEMIAN RHAPSODY, lançado dia 1 de novembro, tem a pretensão de contar o histórico de uma das bandas mais excêntricas e cultuadas do mundo do rock: a banda QUEEN.
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DA ESQUERDA PRA DIREITA:
JOHN DEACON (JOSEPH MAZZELLO), ROGER TAYLOR (BEN HARDY), FREDDIE MERCURY (RAMI MALEK) E BRIAN MAY (GWILYM LEE).
A cinebiografia se inicia com a formação do grupo, quando o guitarrista Brian May (Gwilym Lee), e o baterista Roger Taylor (Ben Hardy), ainda pertenciam a uma banda chamada Smile. Após a saída do seu vocalista, acabam conhecendo Freddie Mercury (Rami Malek) e, assim, iniciam sua trajetória em grupo. Logo neste início já é possível identificar algumas falhas na produção. Os primeiros passos da banda são mostrados em cenas extremamente curtas e rápidas, que levanta diversos questionamentos que não são respondidos até o final do filme. Tudo ocorre de maneira um tanto inacabada até o momento do estrelato do Queen, com o lançamento do
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álbum A Night At The Opera. E, então, a trama volta de vez os holofotes para o seu verdadeiro protagonista: Freddie Mercury. Mesmo com Roger Taylor e Brian May na produção, Bohemian Rhapsody foca exclusivamente em contar a história de seu vocalista. Desde o início, apenas sua família é apresentada, assim como seus relacionamentos amorosos e seu casamento com Mary Austin (Lucy Boynton). Os demais integrantes da banda não recebem nem um toque de profundidade sobre suas vidas pessoais, e, no caso do baixista John Deacon (Joseph Mazzello), acabamos até sem saber como foi sua entrada para a banda. Além disso, alguns pontos interessantes sobre a vida de Freddie, e que com certeza eram motivo de curiosidade do público, não foram nem um pouco destacados. A começar por sua sexualidade, que foi uma grande polêmica na época, mas é tratada de forma superficial no filme. E, se por um
lado seu relacionamento com Mary Austin é bem desenvolvido, o mesmo não acontece com Jim Hutton (Aaron Mccusker), que, apesar de ter acompanhado o cantor até sua morte, foi deixado de lado pelo roteiro da adaptação. Todavia, a dose extrema de Freddie Mercury não acaba por desgastar qualquer espectador em função da brilhante atuação de Rami Malek. Conhecido por protagonizar a série Mr. Robot (2015–), Malek incorporou por completo todos os trejeitos do vocalista, desde sua fala até o jeito de se portar no palco, que são potencializados pela ótima caracterização de figurino e maquiagem. É ele que acaba por sustentar todas as cenas, conseguindo atrair toda atenção ao dar a sensação de que Mercury está diante de nossos olhos. O longa em si também tem seus pontos positivos. Apesar de algumas complicações no início das filmagens, que resultaram na demissão do diretor Bryan Singer e na contratação de Dexter Fletcher, não é possível perceber nenhuma quebra no olhar cinematográfico. O filme possui uma continuidade e trilha sonora impecável, com os melhores sucessos da banda, como Killer Queen, We Are The Champions e, é claro, a icônica Bohemian Rhapsody. Além disso, a reprodução de alguns dos maiores shows do
Queen, como o na primeira edição do Rock in Rio, nos transmite para dentro da tela de cinema, dando a sensação de ter feito parte daquele momento. E, deixando de lado a carga dramática do declínio de Freddie Mercury e descoberta de sua doença, Bohemian Rhapsody consegue acabar de forma bem animadora, com o show da banda londrina no Live Aid, considerado um dos maiores concertos de rock da história. Com isso, pode se dizer que o longa conseguiu agradar as expectativas de alguns fãs ansiosos, que puderam ver, ou reviver, alguns dos melhores momentos da banda. É uma boa produção, que consegue entreter e emocionar ao mesmo tempo mas, infelizmente, não cumpre com o que foi prometido. Ainda esperamos um filme que mostre a verdadeira história da banda Queen, e não apenas a de Freddie Mercury. //
RELEMBRANDO
Assista ao Live Aid do Queen.
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PODER, TRADIÇÃO E
REPRESENTATIVIDADE por
Bruna Curi
E
diagramação
xistem três palavras que podem definir o filme PODRES DE RICOS, lançado no dia 25 de outubro: poder, tradição e representatividade. Baseado no livro Asiáticos Podres de Ricos, escrito por Kevin Kwan, o longa vai levar o público a uma viagem cultural por Singapura, mostrando a forte tradição que existe entre os orientais.
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VICS
A trama da película é focada em Rachel Chu (Constance Wu), uma professora de economia bem sucedida que viaja junto de seu namorado Nick Young (Henry Golding) para Singapura, com o objetivo de conhecer os Young e participar do casamento do melhor amigo de Nick. Conhecer a família de seu namorado é uma pressão e tanto, mas fica ainda pior quando Rachel descobre que eles são podres de rico
e uma espécie de realeza em Singapura, com a matriarca da casa sendo extremamente tradicional à cultura. Rachel, por outro lado, não tem nenhum parente importante ou conhecido, tendo sido criada por sua mãe, que há anos emigrou da China para os Estados Unidos, fazendo dela sino-americana. O que era para ser uma viagem tranquila e relaxante para o casal, acaba se transformando em uma série de problemas. Rachel é atacada por Eleanor Young (Michelle Yeoh), a mãe de seu namorado, uma mulher que acredita que seu filho pode encontrar alguém melhor e de seu próprio nível, e pela ex-namorada de Nick, que tenta amedrontar Rachel de todas as formas. Além do dinhei-
ro, que é um fator importante na relação, também há questão das tradições. Por mais que Rachel seja filha de uma chinesa, a sua forma de agir e pensar é bem diferente das mulheres orientais: ela é independente e segue suas paixões, se distanciando das mulheres orientais, que criam os seus filhos para seguirem um caminho já trilhado e não por um sentimento. O tradicionalismo dos orientais, muito presente na família Young, é tão forte que chega-se a afirmar durante a trama: “Se as tradições não forem passadas para frente, elas morrerão”.
RACHEL CONHECE ELEANOR YOUNG, A MÃE DE SEU NAMORADO, NICK
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O dinheiro, a cultura e as tradições vão se tornar um grande obstáculo a ser superado por Rachel e Nick. E, talvez, o amor entre os dois não seja forte o bastante para superar essas diferenças tão gritantes. Os dois são colocados diante de um grande dilema: amor ou família. Caso Nick escolha ficar com Rachel, isso vai significar uma ruptura com sua família; e se ele abrir mão de seu amor por conta de sua família, é provável que ele fique amargurado por tal decisão pelo resto de sua vida. Inclusive, essas barreiras não afetam somente Rachel e Nick. Astrid (Gemma Chan), prima de Nick, sofre com os mesmos problemas com o seu marido, Michael (Pierre Png). Os Young não o consideram bom o suficiente para Astrid, e acreditam que ela poderia ter conseguido alguém melhor, de forma que o casal discute constantemente por esse motivo. REPRESENTATIVIDADE É possível perceber que cada vez mais a representatividade está se tornando um fator importante nos
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DA ESQUERDA PRA DIREITA: PEIK LIN GOH (AWKWAFINA), OLIVE T’SIEN (NICO SANTOS) E RACHEL.
filmes, como se pode observar em Pantera Negra (2018). O mesmo acontece com Podres de Ricos, uma vez que seu elenco é composto apenas por atores asiáticos ou sino-americano. A última produção desse porte aconteceu em 1993, em O Clube da Felicidade e da Sorte, de Wayne Wang. Em 2012, de acordo com os dados da pesquisa divulgados pelos Centro de Pesquisa Pew, a população asiática atingiu um recorde de 18,2 milhões de habitantes nos Estados Unidos. Dessa forma, é importante que as produções culturais abordam essa parcela da população, porém não de forma estereotipada. Em uma entrevista publicada na revista Galileu, a atriz Constance Wu falou sobre a importância dessa representatividade presente no filme:
“Acho que o que é tão especial nesse filme é que as pessoas que viveram essas histórias são as que irão contá-las. Jon Chu (o diretor) teve a experiência de ser um homem asiático-americano, Adele Lim (roteirista) é asiática-americana… Acho que é mais do que uma simples conversinha, porque nós não estamos só falando de diversidade para ser politicamente correto, nós estamos falando de representatividade. E isso não tem nada a ver com diversidade, tem mais a ver com contar a história de uma cultura que é diferente daquela dominante.”
Tudo em Podres de Ricos é construído para aproximar o espectador da cultura Oriental, inclusive demonstrando a diferença de pensamento e comportamento em relação ao mundo Ocidental. O filme emerge na cultura local de Singapura mostrando um pouco da culinária local. Apesar da cidade ser reconhecida por seu modernismo, Singapura é famosa por seus centros de comida, os Hawker Centers e alguns pontos turísticos
importante. Além disso, a trilha sonora do filme adaptou músicas conhecidas para versões em chinês, uma forma de estabelecer uma conexão mais profunda com a audiência. A película foi dirigida por Jon M. Chu, que conseguiu transformar uma história clichê em uma comédia romântica irresistível, uma das melhores lançadas neste ano. Contribuiu muito para esse sucesso o ótimo roteiro, que desenvolveu muito bem os personagens, inclusive os secundários. Constance Wu brilhou ao interpretar Rachel, uma personagem super inteligente, independente e que enfrenta todas as situações de cabeça erguida. Outro grande destaque é Awkwafina, que interpreta Peik Lin Go, sendo a grande responsável pelos momentos de humor e descontração. No geral, Podres de Ricos é uma comédia romântica gostosa que foge do convencional ao aprofundar na cultura asiática e em suas tradições. Pode ser facilmente considerado como uma das melhores comédias românticas lançadas até então, além de apresentar uma grande representatividade. //
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O D E B ATE R ACIAL A U M CLIQU E por JADER THEOPHILO diagramação VICS
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P P
esquisa, conscientização, reflexão e ensinamentos. Esses são alguns dos termos que podemos atribuir ao documentário NEGRITUDES BRASILEIRAS, lançado no último dia 12 de novembro, por uma das maiores youtubers da atualidade, Nátaly Neri, em parceria com o coletivo Gleba do Pêssego. Disponível gratuitamente no canal Afros e Afins, o documentário faz parte de uma campanha que tem Neri como embaixadora: a Creators for Change é uma iniciativa global que visa apoiar criadores que estimulam o debate sobre questões sociais e promovem tolerância e empatia em seus conteúdos. “O objetivo fundamental desse documentário é fomentar debates, fazer algumas pontes e nos munir de mais informações”, revela Nátaly, em seu Instagram. Ter uma produção que discute as facetas do racismo em uma plataforma tão popular se torna cada vez mais importante, principalmente se considerarmos os dados alarmantes que marcam e interferem a trajetória de pessoas negras no Brasil. Um deles é o Atlas da Violência 2018, documento elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro
A TAXA DE HOMICÍDIOS DE NEGROS CRESCEU
23,1%
de Segurança Pública. Nesse estudo, é possível identificar que a violência contra jovens negros segue aumentando – em 2016 a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%, enquanto a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%, no mesmo período. Apesar de apresentar algumas estáticas em sua produção, Nátaly consegue captar questões sensíveis para algumas pessoas. Com diversas entrevistas que alternam entre si, Negritudes Brasileiras aborda temas fortes de forma delicada, como o processo de reconhecimento e percepção da negritude e a afetividade da mulher negra. Sobre esse último, vale lembrar que o Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que mais da metade das mulheres negras (52,52%) não viviam em união, independente do estado civil.
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Agindo de maneira estrutural, as falas de alguns especialistas servem de fio condutor para algumas discussões apresentadas do documentário. Assim, Negritudes Brasileiras traz a escritora, ativista, arquiteta e intelectual Joice Berth, a professora de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do grupo Intelectuais Negras Giovana Xavier, a redatora do BuzzFeed Aline Ramos e o escritor e colunista do Muito Interessante e da Vice, Alê Santos. A estética trabalhada no documentário, assinada por Gleba de Pêssego, dialoga bem com o conteúdo já conhecido do canal Afros e Afins. O uso de tons terrosos nas roupas dos entrevistados e nos véus que compõem o cenário algumas vezes dão um ar de
“MINHA MÃE PERCEBEU QUE EU FUI LOGO ATRÁS QUE ELE [PAI] ACABOU DE FUMAR. QUANDO ELA CHEGOU, EU ESTAVA COM A BITUCA INDO ENCOSTAR NO BRAÇO... EU TENTANDO RESPONDER PRA MINHA MÃE ‘LEMBRA QUANDO EU CAÍ E RALEI O JOELHO? QUANDO EU TIREI A CASQUINHA, VI QUE EU FICAVA BRANCA. ENTÃO EU QUERIA SER BRANCA QUE NEM VOCÊ, MEU PAI E MINHA IRMÃZINHA’.” – DEPOIMENTO EM NEGRITUDES BRASILEIRAS
Fashion Film, que fica ainda mais intenso nas inserções de imagens com grupos de pessoas negras. Tudo isso é apresentado em um galpão com plantas cuidadosamente posicionadas. No filme, os convidados também refletem sobre a política de miscigenação pela qual o país passou após a abolição da escravatura e os impactos nos dias atuais, apontando essa questão como um dos contribuintes para a construção do mito da democracia racial brasileira. Outro ponto levantando em alguns depoimentos é a importância da representatividade e como reconhecimento de si por meio do outro pode ser feito através da arte. Talvez seja, também, por representar tantas pessoas que esse documentário seja tão importante no Youtube. //
NEGRITUDES BRASILEIRAS DISPONÍVEL PARA STREAMING NO YOUTUBE. 2018; 59 min; Documentário 137
Bruna Curi diagramação VICS por
É
impossível negar o poder que a música tem em transformar o mundo, em tocar vidas. Quem nunca escutou uma música e se emocionou? Quem nunca foi marcado por uma canção? Essa é a premissa do filme TODAS AS CANÇÕES DE AMOR, lançado em novembro e produzido por Joana Mariani. No longa somos apresentados a Chico (Bruno Gagliasso) e Ana (Marina Ruy Barbosa), um casal de recém-casados que se mudam para um apartamento no centro. Enquanto arrumam suas coisas, eles encontram uma fita cassete esquecida, com uma etiqueta “Todas as Canções de Amor” e uma dedicatória “de Clarice para Daniel”. Essa mixtape desperta curiosidade em ambos, principalmente Ana, que é escritora e que começa
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Eu sei que vou te amar
a imaginar como teria sido a relação entre esse casal. Clarice (Luiza Mariani) e Daniel (Júlio Andrade) viveram nesse mesmo apartamento há anos, e a julgar pelas músicas da fita cassete, a relação deles parecia estar chegando ao fim, ao contrário de Chico e Ana que ainda estão descobrindo as maravilhas e os desafios da vida a dois. Ana fica sem entender a contradição da mixtape: em alguns momentos parece que a relação está extremamente desgastada, chegando ao fim, mas em outros a sensação é de que Clarice fez uma declaração de amor ao seu amado. Dessa forma, a história desses casais se mesclam: o presente e o passado se misturam graças a uma antiga fita cassete. Porém, existe certa dúvida sobre a veracidade do relacionamento entre Clarice e Daniel. Será que eles viveram tudo aquilo, ou tudo era apenas frutos da imaginação de Ana? À medida em que ela vai escreven-
do a história desse casal instigante, as músicas da mixtape também acabam refletindo em seu relacionamento com Chico. O relacionamento de Chico e Ana acaba entrando em risco. Chico se sente incomodado com toda a intensidade que Ana investe ao escrever o romance, uma vez que ela não se dedica da mesma forma na relação dos dois e parece não se importar com os pequenos gestos e detalhes do dia a dia. Esse é um conflito com o qual o telespectador pode se identificar, pois em alguns momentos da relação temos a impressão de que o outro não está tão envolvido, ou não retribui da mesma intensidade. Isso faz parte dos altos e baixos do amor. A responsável por essa montagem, do presente para o passado, foi Letícia Giffoni. A transição foi feita com uma grande naturalidade e fluidez. Além disso, o ritmo das cenas
combina muito bem com as músicas. Outro ponto positivo é a fotografia de Gustavo Hadba.Utilizando um tom meio alaranjado (do pôr do sol ou das luzes artificiais que refletem nas janelas), ele consegue criar uma atmosfera bastante intimista e nostálgica. A música é parte importante do enredo do filme, sendo responsáveis pelo elo estabelecido entre os personagens, e é Maria Gadú que fica responsável pela direção musical. A trilha sonora é composta por grandes nomes da música brasileira como, por exemplo, Chico Buarque, Gil-
berto Gil, Rita Lee, Marisa Monte e Lulu Santos. Tem de tudo um pouco. Além disso, a própria Maria Gadú dá vida a uma nova versão de Eu Sei Que Vou te Amar, clássica canção de Vinicius de Moraes e Tom Jobim. O filme é o primeiro trabalho de ficção de Mariani, e o resultado não poderia ter sido melhor. Por mais que o enredo não aparente ser extraordinário, a película conta uma história bastante envolvente de dois casais. Com ótimos atores, diálogos bem construídos e uma ótima trilha sonora, a película é gostosa
de assistir. Em tempos de intolerância, como estamos passando no Brasil, é importante ressaltar coisas boas e positivas como o amor, e Todas as Canções de Amor resgata e celebra esse sentimento. Com certeza, trata-se de uma das melhores produções nacionais deste ano. // zint.online | 139
por RAYANNE CANDIDO diagramação VICS
A DISPUTA ÉPICA PELO TRONO ESCOCÊS
Q
uando o rei escocês, Alexandre III, faleceu sem deixar nenhum herdeiro homem, se iniciou uma disputa pelo trono que se encontrava vago. Eduardo I (Stephen Dillane), rei da Inglaterra, foi convocado para ser o árbitro de sucessão e mediar a disputa entre as casas pelo trono escocês, porém, ele se aproveitou da oportunidade e obrigou os escoceses a nomeá-lo Lorde Regente do reino. LEGÍTIMO REI, a nova trama da Netflix, retorna ao passado para tratar dos acontecimentos que sucederam essa nomeação e levaram à conflituosa primeira guerra de independência da Escócia. A narrativa gira em torno do esquartejamento do grande símbolo da resistência, William Wallace – acontecimento este o estopim para que o povo se rebelasse contra a Inglaterra. Por conta disso, Robert the Bruce (Chris Pine), um dos possíveis sucessores do trono escocês, decide desonrar o juramen-
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to que havia feito a Eduardo I, sendo proclamado rei e liderando uma campanha de guerrilha erguendo um exército rebelde para lutar contra a coroa inglesa pela libertação da Escócia. O exército da Inglaterra era numerosamente maior do que o de Bruce, reduzido a 50 homens devido uma emboscada, o que acaba se tornando um dos pontos que deixa o público envolvido com o desenvolvimento da trajetória do rei foragido, anunciando uma batalha estrondosa. O diretor David Mackenzie nos contempla com as ótimas sequencias de enredo e seguidas por confrontos bem articulados, de forma que o espectador consegue se sentir dentro dos próprios combates e capturando o que há de melhor neles: banho de sangue, lama, suor e muita emoção. Elizabeth de Burgh (Florence Pugh), rainha e esposa de Robert, recebe bastante destaque na trama, com um ótimo desempenho em cena. A conexão entre o casal é um ponto alto da narrati-
“Eu sou o rei dos escoceses e não o rei dessas terras”
va, mesmo com Burgh sendo deixada de lado na segunda parte de Legítimo Rei. A produção conta com uma fotografia magnifica, capaz de transportar o público para o cenário medieval de forma cuidadosa e nos mínimos detalhes. A trilha sonora também não decepciona, sendo bem colocada e cumprindo o seu papel de despertar no espectador o sentimento que cada cena exige. Com o lançamento do longa, inúmeras comparações com o clássico épico Coração Valente (1995) estão sendo traçadas, principalmente pela película de Mel Gibson também tratar dos acontecimentos do mesmo momento histórico. A grande diferença entre os dois filmes é que o de 1995 tem um viés mais único, em uma narrativa que aposta em liberdade criativa e aborda sobre coragem, braveza e valentia. A obra de Mackenzie, por outro lado, se aprofunda na realidade da época, violência e a busca pelo poder. Legítimo Rei é uma obra que surge no momento certo. Além de retratar toda a luta escocesa pela sua independência, aborda a importância da luta das minorias e demonstra que qualquer que seja o momento histórico, o povo há de se unir e lutar para alcançar aquilo que almeja. //
LEGÍTIMO REI DISPONÍVEL PARA STREAMING NA NETFLIX.
2018; 2h01; Ação, Histórico, Drama zint.online | 141
Believe in Love por
AGNES NOBRE
E
m comemoração aos 20 anos de banda, o COLDPLAY decidiu lançar um documentário acompanhando a história da banda. A produção vem um ano após o último show da turnê A Head Full Of Dreams, que aconteceu no dia 15 de novembro de 2017, em Buenos Aires, Argentina. Não apenas um especial de aniversário, o longa é um filme pessoal que mostra a história da banda, sua essência e toda trajetória até
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diagramação
VICS
os dias de hoje, não mostrando apenas as vitórias, mas também os momentos de divergências e desentendimentos. COLDPLAY: A HEAD FULL OF DREAMS, que já está disponível na plataforma Prime Video do Amazon, também será acompanhado pelo lançamento, no dia 7 de dezembro, do DVD oficial da turnê, com registros dos shows em Buenos Aires e São Paulo, cidades que deram início e fim para a era A Head Full Of Dreams.
A banda tomou forma em 1998, quando Chris Martin (vocal), Jonny Buckland (guitarra), Guy Barryman (baixo) e Will Champion (bateria) estavam na faculdade, com o documentário começando a ser produzido na mesma época por Mat Whitecross, amigo da banda e, hoje, diretor. Coldplay: A Head Full of Dreams traz registros da banda desde seus primórdios, com cenas nos quartos da University College London e nos mais simples palcos de casas de show, até os maiores estádios ao redor do mundo. De Starfish até Coldplay. "Nós íamos para a faculdade para formar bandas", conta Jonny. O documentário leva o nome do sétimo e mais recente álbum da banda, além de também dar nome à terceira turnê mais rentável do mundo. A Head Full Of Dreams tem como filosofia amor e positividade, esbanjando toda a essência que
a banda carrega. O projeto tem grande significado para o Coldplay, com eles se mostrando satisfeitos com o resultado e afirmando terem trabalhado muito durante anos para chegar nessa repercussão, depois de muito tempo de pressão e cobrança em cima de si mesmos. O filme mostra o amadurecimento da banda e conta como o perfeccionismo e trabalho árduo de Chris Martin causavam divergências e desgastes nos outros integrantes. Apesar do foco principal ser o trajeto profissional do grupo, em certos momentos é inevitável enxergar como alguns acontecimentos refletem diretamente no comportamento dos artistas e nos seus respectivos projetos musicais, proporcionando crescimento artístico e pessoal para cada um deles. Entre estes estão o falecimento da mãe de Will, o divórcio de Chris e os desentendimentos
PLAYLIST TEMÁTICA
Deezer
Spotify
Youtube zint.online | 143
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com o empresário. Com os integrantes da banda sendo bastante reservados em relação as suas vidas pessoais, o filme nos proporciona uma aproximação maior com as histórias individuais deles, que em determinados momentos são ilustradas pela presença dos filhos. Cada uma das produções do Coldplay ganham certos destaquem ao longo do documentário, o que acaba por tornar impossível exibir essa cronologia sem ressaltar as pessoas que mais importam para eles. Assim, vemos as figuras como Phil Harvey, diretor criativo da banda – e quinto membro. Noel Gallagher também dá as caras, deixando claro que não concorda com a filosofia de amor e positividade acima de tudo, retratada pelo álbum. Não só eles, mas Beyoncé e Gwyneth Paltrow, ex-esposa de Chris Martin, também marcaram presença na produção do álbum. Coldplay: A Head Full of Dreams é um documentário projetados para os fãs, para
"Everything is possible if you never give up and if you believe in love” que eles possam enxergar a banda além dos palcos, mas sem intenção imediata de se divulgar. Aqui, apenas a verdade mais genuína, apontando dificuldades de produzir, de se relacionar e também de conquistar público nos Estados Unidos, além de mostrar a persistência da banda, que nunca olha para trás ou pensa em desistir e se separar. Para quem não tem muita ideia de quem é Coldplay, o filme também funciona para refutar a ideia de que é a banda de Chris Martin, valorizando todos os integrantes, cada qual em sua função, cada um com sua importância. As quase duas horas usadas para reproduzir os 20 anos de Coldplay são mais que suficientes para enxergar um pouco do mundo dos quatro integrantes, suas particularidades, desafios e amadurecimento. Suficientes para entender que a natureza do grupo não se perdeu com o passar do tempo. E que apesar de tanta experiência e reconhecimento, Chris, Jonny, Guy e Will ainda são aqueles universitários de 1998, mas mais maduros. Não o Coldplay de Paradise ou de Fix You, mas o Starfish, com as mentes cheias de sonhos cujo único intuito é de transmitir e acreditar no amor e positividade. //
COLDPLAY: A HEAD FULL OF DREAMS DISPONÍVEL PARA STREAMING NA PRIME VIDEO. 2018; 1h44; Documentário zint.online | 145
A magia do
Quebra Nozes por
Bruna Curi
diagramação
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VICS
A
história do Quebra-Nozes é muito famosa ao redor do mundo, seja por conta do romance O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos (1816), escrito por Ernest Theodor Amadeus Hoffmann, ou pelo cultuado ballet de Tchaikovsky, que estreou em 18 de dezembro de 1892 no Teatro Mariinsky, em St. Petersburg, Rússia. No cinema, o Quebra-Nozes já foi explorado em diversas adaptações ao longo dos anos: Nutcracker Fantasy (1979), O Príncipe Encantado (1990), O Quebra-Nozes (1993),
Barbie em O Quebra-Nozes (2001) e O Quebra-Nozes: A História Que Ninguém Contou (2009). Agora, em novembro, chegou aos cinemas a mais nova adaptação: O QUEBRA-NOZES E OS QUATRO REINOS, dirigido pela dupla Lasse Hallström e Joe Johnston. E como de costume, sob a tutela da Disney, o filme transmite toda a magia e encantamento presente nessa história. A trama se passa na véspera de Natal, em que somos apresentados a Clara (Mackenzie Foy) e sua família. Em tese, o Natal é uma das épocas mais mágicas e alegres do ano, mas esse sentimento de felicidade não predomina na família da jovem garota, que sofre com a morte recente da mãe de Clara. E ao receber os presentes deixados por sua mãe, Clara se surpreende com as escolhas: sua irmã ganha um belíssimo vestido, seu irmão ganha alguns soldadinhos de chumbo, enquanto ela ganha uma caixinha musical, mas sem chave para abrir.
A noite de Natal da família de Clara é comemorada na mansão de Drosselmeyer (Morgan Freeman), o padrinho da menina e personagem essencial para ajudá-la a desvendar o mistério da chave. Ao seguir as pistas do presente escondido por Drosselmeyer, Clara acaba descobrindo um mundo de fantasia completamente deslumbrante, onde ela encontra Phillip Hoffman, o Quebra-Nozes (Jayden Fowora-Knight), e ainda descobre que sua mãe era a rainha do local conhecido Quatro Reinos, de forma que ela é a herdeira de tudo.
AO LADO DO QUEBRA-NOZES, CLARA É APRESENTADA AOS REINOS
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Os Quatros Reinos são formados pelo Reino dos Doces, o Reino das Neves, o Reino das Flores e o Quarto Reino, que é um pouco assustador e misterioso. Clara, instruída por Sugar Plum (Keira Knightley), passa a ter a missão de manter a paz entre os quatro lugares, que é colocado em risco pela ação da temida Mother Ginger (Helen Mirren) e pelo Rei dos Camundongos. De alguns anos para cá, é possível perceber que cada vez mais a Disney vem investindo em live-actions. Só nos últimos cinco anos, o estúdio
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lançou Oz: Mágico e Poderoso (2013), Malévola (2014), Cinderela (2015), Alice Através do Espelho (2016), Mogli: O Menino Lobo (2016), A Bela e a Fera (2017) e Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível (2018) – isso sem contar os que estão sendo previstos para os próximos anos. É possível perceber que a fórmula utilizada nos filmes é um pouco batida, sendo comprovado em O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos, cujo roteiro é falho e repleto de clichês. Por mais que o nome do filme seja O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos, os reinos são
SUGAR PLUM É A PRINCIPAL ALIADA DE CLARA NOS QUATRO REINOS
abordados de maneira rápida, superficial e são pouco explorados. Além disso, não é revelado muito sobre esse mundo mágico, ou sobre como a morte da mãe de Clara afetou a
situação da região. Porém, apesar da falta de detalhes e explicações, a construção visual ficou simplesmente bela e encantadora, que fica a cargo do diretor de arte Guy Hendrix Dyas. Algo que surpreende na trama é a inserção de uma cena de balé, mas que apresenta de forma bem superficial a história da mãe de Clara e os quatro reinos. Essa é uma parte impactante do filme, que rendeu alguns dos planos mais memoráveis do longa. Quando se faz uma adaptação de O Quebra-Nozes, o que não pode faltar é o balé. A protagonista do filme, Mackenzie Foy, conhecida por ter interpretado a filha de Bella e Edward em A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 2 (2012), entrega uma personagem bastante consistente e carismática, mas não vai muito além do roteiro. Apesar de seu grande talento, Helen Mirren não teve muita oportunidade de brilhar no papel de Mother Ginger, diferente do que acontece com a Sugar Plum de Keira Knightley. A caracterização da personagem é simplesmente impecável e a atriz ainda faz um sotaque único e diferente; a ideia que
A ATRIZ HELEN MIRREN DÁ VIDA À VILÃ MOTHER GINGER
passa é que Sugar Plum é tão delicada quanto o seu reino. Em uma entrevista à Entertainment Weekly, Knightley contou um pouco da sua inspiração para compor a personagem: “A única coisa que eu preciso acertar na Fada Plum é açúcar e doce, então talvez a voz precise ir lá em cima e encontrar esse motiff musical. Ela tem a voz aguda, então é bem doce. Isso tudo veio de assistir ao ballet”. Apesar das falhas no roteiro e o uso de uma fórmula que já está um pouco batida, não se pode negar a capacidade que O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos têm de encantar o público. Com cenários deslumbrantes, caracterização impecável e detalhada, a impressão é de que você está presente em um mundo completamente mágico. Trata-se de uma experiência encantadora, perfeita para essa época natalina. //
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INDICAÇÕES
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10 álbuns para explicar a negritude no Brasil A arte pode ser uma das principais formas de manifestação e resistência de um povo. Em um país como o Brasil, em que um jovem negro morre a cada 23 minutos, de acordo com o Mapa da Violência, da Faculdade LatinoAmericana de Ciências Sociais (Flacso), isso não poderia ser diferente. Aproveitando o dia da Consciência Negra (20 de novembro), separamos 10 álbuns nacionais para retratar um pouco do que é ser negro no Brasil.
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jader theophi lo
// Diagramação
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POWER: Veja a nossa Playlist temática! 152| zint.online
Considerado por muitos como um dos grandes destaques do ano de 2017, GALANGA LIVRE, é o primeiro álbum do rapper Rincon Sapiencia, conhecido também como Manicongo. O material apresenta a história de Galanga, homem negro escravizado que, após matar o senhor de engenho, inicia uma fuga. Ao longo de 13 faixas, o disco também reflete a vivencia de pretos no Brasil atual e mostra a versatilidade do artista que passeia por vários ritmos. Vale lembrar que, com exceção da música Amores às Escuras produzida por Gambia Beats, Rincon produziu todas as canções do compilado. Já a coprodução e mixagem ficou por conta de William Magalhães, da Banda Black Rio.
Lançado em 1977, REFAVELA, de GILBERTO GIL, continua sendo um dos álbuns mais importantes para a música brasileira, em especial a música negra. O disco traz uma sonoridade fortemente influenciada por ritmos africanos. Isso porque a ideia de fazer o novo material surgiu durante uma viagem a Nigéria. Na ocasião, o artista se apresentou na segunda edição do Festival Mundial de Arte e Cultura Negra - FESTAC II. Importante dizer que, nesse evento, Gil conheceu o musico, multi-instrumentista e pioneiro do Afrobeat, Fela Kuti. 153
Um mergulho na religiosidade, conflitos, autoafirmação e revolta. Esses são alguns elementos que marcam o álbum de estreia, ESÚ, do rapper baiano BACO EXU DO BLUES. O matéria
lançado, em 2017, traz uma sonoridade com bastante referência africana e nordestina. Além disso, há samples de vários artistas brasileiros como Chico Science e Novos Baianos.
Imagine juntar Alt Niss, Drik Barbosa, Karol de Souza, Mayra Maldjian, Stefanie Roberta, Tássia Reis e Tatiana Bispo em uma única música. Agora pense, todas elas em um grupo e com um álbum prontinho. Foi isso que aconteceu! No estilo cypher, encontro de MC’s em rimas conjuntas, como em rodas de freestyle, o coletivo RIMAS & MELODIAS apresenta um álbum homônimo repleto de conteúdo riquíssimo e reflexões sobre o que é ser mulher, ser artista, ser negra. O trabalho conta com a participação de Djamila Ribeiro, filósofa, escritora e feminista. Já a produção musical é assinada por DIA e GROU e os beats marcantes receberam auxilio de Nauak e Deryck. 154
A mistura cultural, a naturalidade e o talento que XÊNIA FRANÇA apresenta em seu álbum de estreia, XENIA, faz com que a artista seja uma das melhores revelações dos últimos anos. No seu homônimo, lançado em 2017, a cantora mostra toda versatilidade e nos coloca em contato com um pouco de jazz, R&B, samba-rock e elementos da cultura Iorubá. A voz suave e o ritmo contagiante se unem as letras carregadas de referencia, empoderamento, religiosidade e questionamentos. Cabe lembrar a utilização do batá, tambor sagrado da Santeria Cubana, e do Rum, Rumpi e Lé, os três instrumentos de percussão usados no terreiro de religiões afro-brasileiras.
Sendo um dos maiores nomes da música brasileira, ALCIONE marca o país com sua voz inconfundível e em 1982 não foi diferente. Ao lançar o álbum VAMOS ARREPIAR, Marrom cumpre a promessa que deu nome ao disco e desperta múltiplas sensações a todos que o escutam. Com interpretações carregadas de sentimentos, sensibilidade e letras acidas, a cantora traz críticas pontuais. Vale destacar a canção Mister Samba, composta por Cassiano em parceria com Denny King, que apresenta um samba swingado e fala do preconceito que o ritmo viveu. “Cansei de dar amor a quem nunca prezou o meu pandeiro”, canta Alcione. 155
Escolher um único álbum de uma das maiores cantoras do mundo e uma das vozes mais expressivas do ativismo negro na arte não é tarefa fácil. A carreira de ELZA SOARES é marcada por ousadia, resistência e muito talento. Cantando de forma única, o álbum ELZA NEGRA, NEGRA ELZA, lançado em 1980, apresenta 10 faixas e conta com 15 compositores. Além disso, traduz bem a trajetória da artista.
“Alma negra. Minha alma é negra, como o toque do tambor”, canta JAIR RODRIGUES, no álbum ALMA NEGRA, lançado em 2005. O trabalho, que é composto em sua maioria por Samba, apresenta faixas inéditas e conta com composições de grandes ícones da música, como Dona Ivone Lara, Martinho da Vila e Ary Barroso. Alma Negra também extrapola o samba e traz também o jongo e a seresta.
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O álbum de estreia da rapper paulista YZALÚ, é marcado por acidez, suavidade e provocação. Dividido em 12 faixas, produzidas por Marcelo Sanches, MINHA BOSSA É TRETA é certeiro em suas letras e musicalidade. Essa última, ganha ainda mais brilho e elegância com o uso do violão, marca registrada da artista. Outro ponto interessante do disco é uma música inédita do rapper Sabotage, cedida pela família do músico à Yzalú.
Se você é preto no Brasil dificilmente não irá se reconhecer nas letras de BIA FERREIRA. Há urgência, há vivencia, há talento em cada verso. Nas faixa do BIA FERREIRA NO ESTÚDIO SHOWLIVRE é possível
conhecer parte do país que é silenciada diariamente. É uma mulher negra se expressando, por meio da arte, acompanhada de um vilão que dá o ritmo necessário as narrativas expostas. Além da agradável sonoridade, o trabalho de Bia é uma aula para todos. 157
[
ilustração
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ceciliator ilustradora, artista de rua CECILIA TORQUATI 27 anos milão, itália
“Para as peças a seguir, minha inspiração e referências são partes de uma estética dos anos 90, com os filmes de cineasta australiano Baz Luhrmann e a banda norteamericana de rock alternativo Smashing Pumpkins, com os elementos fundamentais do Romântico e as imagens coloridas desses anos. As personalidades são os novos românticos, sendo as vezes os heróis trágicos da nossa época, ícones musicais da moda e estilo de vida.” trabalho dos sonhos:
trabalhar como uma drag queen gostaria de trabalhar com:
Baz Lurhman portfólio:
ceciliatorquati.com 160 | zint.online
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sankofa VITOR SANTOS 19 anos ribeiro bonito inspirações: Mike Azevedo, Cesar Rosolino e Guilherme Freitas trabalho dos sonhos:
trabalhar em uma empresa que receba destaque pelo que faz e tenha um grupo de profissionais disposto a aprender e ajudar gostaria de trabalhar com:
ilustração e concept art para games trabalha atualmente com:
graduando de design na Unesp portfólio:
behance
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S
ankofa é um projeto que visa conscientizar as pessoas sobre a escravidão, racismo e também preconceito, através da imagem. O nome. Sankofa, é inspirado no símbolo africano de um pássaro que voa para frente olhando para trás. O ideograma é da tradição artística do povo Ashanti, do Golfo da Guiné, que se relaciona as ideias de: retornar, olhe para trás, ir ao passado. É formado por três fonemas: San (voltar, retornar), Ko (ir) e Fa (olhar, buscar, pegar). O ícone é associado ao provérbio “Se wo were fi na wo sankofa a yenkyi”, que significa: “não é errado voltar atrás pelo que esqueceste”. Uma interpretação possível seria: “voltar ao passado para ressignificar o presente”. É um dos exemplos mais conhecidos da resistência africana. Os colonizadores até então não o entendiam, mas todos aqueles vindos do continente africano o
identificavam como uma simbologia de luta, de resistência e de preservação de suas histórias. Aya, outro signo africano que representa força e vencer desafios, representa uma semente que, mesmo com todas as dificuldades, consegue gerar uma planta forte. Se um dia você já sofreu preconceito ou se deu conta de estar praticando um Sankofa: olhe ao passado e tente, através do presente, ressignificá-lo, seja empático e faça uma boa ação pelo próximo independente de suas categorias sociais (etnicidade, sexo, raça, orientação sexual, etc) e conscientize seus amigos e familiares. Para todos aqueles que sofrem com preconceito e principalmente racismo todos os dias, Aya: saibam que cada dia é um desafio, não desistam daquilo que vocês buscam. Espero que esse projeto tenha uma participação na sua conscientização. Procure sempre pensar sobre esses temas, pois muitos preconceitos estão inculcados em nossa cultura e as vezes não nos damos conta de praticá-los.
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PLAYLISTS
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play lists
a revista possui suas próprias playlists temáticas, fruto das matérias que produzimos. ao todo, são 39 listas, que você pode usufruir e escutá-las pelo Deezer, Spotify e Youtube!
PARA ACESSAR AS PLAYLISTS, CLIQUE NA IMAGEM CORRESPONDENTE!
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