Rosilene Siray Bicalho
Lúcia Maria Pôrto de Paula
BIOLOGIA
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Lúcia Maria Pôrto de Paula
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Rosilene Siray Bicalho
Professora de Biologia. Doutora em Parasitologia.
Lúcia Maria Pôrto de Paula
Professora de Biologia. Mestra em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre.
LIVRO DO PROFESSOR
BIOLOGIA – Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Copyright © 2021 by Rosilene Siray Bicalho & Lúcia Maria Pôrto de Paula
COLABORADORES
Ana Paula Lima Cerqueira
Professora de Química. Especialista em Gerenciamento de Recursos Hídricos. Mestranda em Educação em Química.
Marcos Antônio Nicácio
Professor de Química. Especialista em Educação Ambiental.
Luiz Carlos de Souza
Professor de Filosofia e Português. Doutor em Literatura de Língua Portuguesa.
EDITOR
Rafael Borges de Andrade
COORDENAÇÃO EDITORIAL, CAPA E PROJETO GRÁFICO
Mário Vinícius Silva
PRODUÇÃO EDITORIAL
Alice Bicalho
ASSISTENTE EDITORIAL
Olívia Almeida
DIAGRAMAÇÃO
Elen Carvalho – Formata
Alexandre Alves
ILUSTRADOR
Carlos Jorge Nunes
PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS
Débora de Castro Barros
REVISÃO DE PROVAS
Cida Ribeiro
ASSISTENTE DE LICENCIAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS
Camila Parreiras
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
B583c Bicalho, Rosilene Siray.
Com viver com ciência / Rosilene Siray Bicalho, Lúcia Maria Pôrto de Paula. - Belo Horizonte, MG : RHJ, 2021. 140 p. : il. ; 20,5cm x 27,5cm.
Inclui índice e bibliografia.
ISBN: 978-65-88618-03-5
1. Formação continuada.
2020-3281
CDD 370
CDU 37
Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949
Índice para catálogo sistemático:
1. Educação 370
2. Educação 37
1ª edição, janeiro de 2021
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem o consentimento por escrito da editora.
Todos os direitos reservados à:
RHJ Livros Ltda.
Rua Helium, 119 – Nova Floresta – Belo Horizonte/MG – CEP: 31140-280
Telefone: (31) 3334-1566 – editorarhj@rhjlivros.com.br – www.rhjlivros.com.br
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2. Professor. 3. BNCC. 4. Ensino Médio. I. Paula, Lúcia Maria Pôrto de. II. Título.Prezado colega, Nossa proposta com este livro é subsidiá-lo para os desafios intrínsecos ao Novo Ensino Médio, conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esse Novo Ensino Médio continua a compor uma sequência histórica de importantes mudanças político-social-econômicas.
Somente em 1942, com a Reforma Gustavo Capanema, o Ensino Médio estruturou-se definitivamente como um curso regular basilar para o Ensino Superior. A partir desse momento, tivemos importantes mudanças político-econômicas, e, em 1961, foi sancionada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), cujo artigo 33 do Título VII diz que “a educação de grau médio, em prosseguimento à ministração na escola primária, destina-se à formação de adolescente”. No período do regime militar, a Lei no 5.692/1971 fixou as diretrizes e bases para o ensino de 1o e 2o graus, indicando escolaridade obrigatória dos 7 aos 14 anos de idade e a generalização do Ensino Profissionalizante para o 2o grau. Com a promulgação da nova Constituição, em 1988, a educação ganha destaque no artigo 205, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, sendo compreendida como um direito de todos e dever do Estado e da família. Em 1996, foi aprovada a segunda LDB, e a Educação Básica ficou dividida em Educação Infantil (desenvolvimento da criança até os seis anos), Ensino Fundamental (duração mínima de oito anos) e Ensino Médio (duração mínima de três anos), Profissionalizante e Superior. Houve também a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
A BNCC, homologada em 14 de dezembro de 20181, propõe uma profunda transformação no Ensino Básico. Que transformação é essa? O que essa transformação exigirá de você, professor, e da equipe gestora? Os PCNs orientavam o professor para o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares e já propunham uma organização por área de conhecimento, porém a organização do currículo ainda era majoritariamente pensada por disciplinas. A BNCC modifica essa estrutura, e o trabalho por área do conhecimento busca atender ao desenvolvimento de competências gerais e específicas. Com isso, modifica-se a relação entre ensino e objetos de conhecimento, exigindo-se que os professores repensem suas práticas a partir da formação das competências e das habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes, e não como nas antigas disciplinas. Haverá a
1 Para ver o histórico da estruturação da BNCC acesse: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico.
necessidade da construção de novas relações de ensino-aprendizagem, estruturadas em áreas de conhecimento.
Socializaremos com você um pouco de nossas experiências como professores do Ensino Médio. As vivências são sempre únicas, mas podemos mostrar, por meio delas, possíveis atuações que fazem diferença no cotidiano.
Acreditamos, com base em nossa prática pedagógica, que o estudo das ciências biológicas não se limita a uma mera apresentação sistemática de conteúdos previstos nos currículos de Ensino Médio.
As ciências biológicas, como um campo do saber, encantam facilmente as pessoas, independentemente de idade, sexo ou posição social. Nossa missão, como educadores, é produzir um pouco desse encantamento e trazer para a sala de aula, e para outros espaços, o mundo intricado, complexo e profundamente bonito da VIDA.
Neste livro, vamos auxiliá-lo na construção e na condução de uma prática pedagógica com base na proposta da BNCC para a área das ciências da natureza. Não podemos dizer que seja uma prática fácil, isso porque nossa formação foi e é disciplinar, situação que está ainda muito longe de ser a ideal. Professores são geralmente levados a apresentar aos estudantes determinados conteúdos de biologia simplesmente porque fazem parte, tradicionalmente, dos currículos dessa disciplina; os estudantes, por sua vez, não veem muito sentido nas aulas simplesmente porque a forma de apresentação dos conteúdos (objetos do conhecimento), em geral, não agrega nenhum significado a suas vidas.
Os estudantes não devem assimilar conteúdos (os objetos do conhecimento) somente como informações, mas atribuir-lhes novos significados, para construir conhecimentos. Assim, tanto para professores quanto para estudantes, em termos pedagógicos, o que se propõe é que a biologia seja parte integrante de suas vidas, dentro e, sobretudo, fora do espaço escolar. Viemos de escolas, do ensino fundamental ao superior, de concepção tradicional. O empacotamento disciplinar e a concepção que o segue são muito fortes e solidificam nossa forma de pensar e de enxergar o entorno. Vamos socializar com você um pouco de nossas vivências no que se refere aos incômodos, às decisões de mudança, à saída da acomodação, às frustrações, aos acertos e aos erros, ao se trabalhar de forma interdisciplinar e por área do conhecimento.
Como nos prepararmos para essa mudança? Você consegue enxergar a inserção do conhecimento de outras áreas em suas discussões? Você considera alguma área do conhecimento mais importante que outra? No momento de discutir a organização curricular de sua escola, você argumentou a favor do aumento do número de aulas de biologia? Você argumentou a favor de aumento da carga horária de outra área do conhecimento? Você argumentou a favor da organização por área e da otimização
das cargas horárias a partir da interação das áreas? Você já assistiu a uma aula de outra área, e vice-versa, e depois debateu com os outros professores? Você já trabalhou em conjunto com professores de outras áreas? De que forma? Devo avaliar o estudante ou o produto entregue por ele? Você acredita que estaria “dando moleza” para seu aluno, caso devolvesse a prova para ele refazer e justificar as questões corrigidas como erradas?
Essas perguntas serão apresentadas e discutidas ao longo do livro. Propusemos trabalhar com alguns Temas Contemporâneos Transversais (TCTs), temas esses que buscam contextualizar o que é ensinado, trazendo aspectos de interesse dos estudantes. Os TCTs não pertencem a nenhuma área em particular e atravessam todas elas; permitem diferentes abordagens, principalmente a inter e a transdisciplinar.
A proposta é que consigamos dialogar com as três áreas do conhecimento que compõem a área das ciências da natureza (biologia, física e química) e com outras áreas, de forma a proporcionar um maior entendimento do tema a ser discutido.
Atualmente, estamos sentindo a necessidade de fazer a conexão entre diversas áreas do conhecimento. Percebemos que, por mais especificidades que tenha uma dessas áreas, ela sempre estará interligada com outras, compondo toda a dinâmica desse imenso ambiente no qual vivemos e criamos.
Vale ressaltar o papel da linguagem como parte integrante de nossas vidas, dentro e, sobretudo, fora da escola, sendo instrumento indispensável tanto para a aquisição e a comunicação de conhecimentos em quaisquer áreas quanto para a participação nas mais diversas áreas sociais de interlocução. Portanto, esperamos que este livro o ajude a trilhar novos caminhos ou a reforçar os já trilhados por você na interdisciplinaridade, que é a cooperação e o diálogo entre as disciplinas em uma ação coordenada. Ou, quem sabe, o auxilie a expandir para a transdisciplinaridade, que, segundo Domingues (2003), procura aproximar campos de conhecimento, buscando unificá-los.
Os autores e os colaboradores
A BNCC propõe que as decisões pedagógicas sejam orientadas para o desenvolvimento de competências e habilidades, devendo os estudantes “saber” e “saber fazer”. Isso significa:
• “saber” – ter os conhecimentos, desenvolver as habilidades, conhecer a existência e desenvolver atitudes e valores.
Mas, sobretudo,
• “saber fazer” – referindo-se a utilizar esses conhecimentos e essas habilidades, vivenciando as atitudes e os valores desenvolvidos.
[…] a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. (BRASIL, 2018, p. 13).
Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (BRASIL, 2018, p. 8).
Para atender a essas orientações e exercer a real função do ato de educar, devemos, em nossa prática pedagógica, colocar nosso estudante na posição de protagonista de seu aprendizado, enquanto assumimos o papel de mediadores.
Para conduzir essa prática, é importante: contextualizar o ensino, valorizar os conhecimentos trazidos pelos estudantes e abrir um campo de investigação. Como fazer isso?
Para que preciso aprender isso? Algum aluno seu já lhe fez essa pergunta? É importante parar e pensar nessa pergunta. Até que ponto as estratégias que utilizamos tornam os conteúdos dos componentes curriculares significativos para nossos estudantes?
No documento da BNCC (BRASIL, 2018, p. 16), consta: “contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identificando estratégias para apresentá-los, representá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-los
significativos, com base na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens estão situadas”.
Vejamos mais de perto tais questões, a partir da análise de alguns verbetes.
Contextualizar: significa observar a realidade local. Como essa realidade local se conecta com questões em escalas municipais, estaduais, nacionais ou internacionais? Qual é o momento importante que a comunidade está vivenciando? Qual é a cultura local que necessita ser resgatada, intensificada ou valorizada? Qual é a situação que seus estudantes ou a escola estão colocando em evidência, seja positiva, seja negativamente? São várias as situações que deixamos passar, sem valorizarmos sua importância para o bem-estar pessoal, social e ambiental e a construção cognitiva dos estudantes. Precisamos estar atentos a questões que estejam provocando mudanças comportamentais em nossos estudantes e/ou na comunidade escolar, questões culturais, situações presentes nas diversas comunidades, inclusive mundiais, que abalam o bem-estar social-político-econômico e ambiental. O contexto está intrinsecamente ligado ao conteúdo trabalhado, de forma que, se você não está conectado com o momento, vai propiciar uma aprendizagem menos efetiva.
Conhecimentos e vivências trazidos pelos estudantes: valorizar os conhecimentos prévios dos estudantes e as vivências que eles trazem é de fundamental importância, para que possamos partir para a discussão e a elaboração de uma proposta contextualizada e motivadora para o aprendizado. Pesquisadores apontam que, para aprender algo, todos nós utilizamos os conhecimentos que já foram previamente ancorados (subsunçores). Indicamos adiante uma leitura que poderá auxiliá-lo no entendimento do que é conhecimento prévio, como diagnosticar esse conhecimento e como, a partir dele, desenvolver as propostas pedagógicas. No segundo
capítulo, daremos exemplos de diagnóstico de alguns desses conhecimentos prévios.
MOREIRA, M. A; CABALLERO, M. C.; RODRIGUEZ, M. L. (org.). Aprendizagem significativa: um conceito subjacente. In: ENCUENTRO INTERNACIONAL SOBRE EL APRENDIZAJE SIGNIFICATIVO, 1997, Burgos. Actas. Burgos, Espanha, 1997. p. 19-44.
Disponível em: https://www.if.ufrgs.br/~moreira/ apsigsubport.pdf. Acesso em: 1º dez. 2020
A aprendizagem significativa é um conceito subjacente a subsunçores, esquemas de assimilação, internalização de instrumentos e signos, construtos pessoais e modelos mentais, significados compartilhados e integração construtiva de pensamentos, sentimentos e ações.
Segundo Vasconcelos, para que ocorra o processo de aprendizagem é preciso que o estudante tenha
capacidade sensorial e motora, além da capacidade de operar mentalmente; ter conhecimento prévio relativo ao objeto de conhecimento; ter acesso ao objeto de conhecimento; querer conhecer o objeto; agir sobre o objeto e expressar-se sobre o objeto. (VASCONCELOS, 2009, apud SAVARIS, 2016)
Por outro lado, para a efetivação desse processo torna-se relevante que os educadores disponham de sensibilidade, diálogo e afetividade, além de proporcionar “ambientes, linguagens e metodologias que não violentem o universo psicossocial do aluno, de forma que ele se reconheça no contexto da aprendizagem”. (FURTADO, 2010 apud SAVARIS, 2016).
Campo para investigação: ter um campo de pesquisa que possa ser estudado minuciosamente e que possa responder aos questionamentos e, ao mesmo tempo, gerar novos – essa é a proposta da BNCC. Ou seja, no lugar de pretender que jovens somente
ouçam ou aprendam o que sabemos, devemos apresentar-lhes o mundo como um campo aberto para a investigação.
Para formar esses jovens como sujeitos críticos, criativos, autônomos e responsáveis, cabe às escolas de Ensino Médio proporcionar experiências e processos que lhes garantam as aprendizagens necessárias para a leitura da realidade, o enfrentamento dos novos desafios da contemporaneidade (sociais, econômicos e ambientais) e a tomada de decisões éticas e fundamentadas. O mundo deve lhes ser apresentado como campo aberto para investigação e intervenção quanto a seus aspectos políticos, sociais, produtivos, ambientais e culturais, de modo que se sintam estimulados a equacionar e resolver questões legadas pelas gerações anteriores – e que se refletem nos contextos atuais –, abrindo-se criativamente para o novo. (BRASIL, 2018, p. 465).
A posteriori selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos complementares, se necessário, para trabalhar com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de origem, suas comunidades, seus grupos de socialização etc. (BRASIL, 2018, p. 17).
Assim, este livro busca auxiliá-lo na condução de sua prática pedagógica segundo as orientações da BNCC.
Neste tópico, orientaremos você utilizando uma abordagem teórico-metodológica com base na concepção construtivista. Durante as reflexões que vamos propor, você atuará como protagonista de seu conhecimento. Infelizmente, não estaremos interagindo frente a frente, mas vamos lhe propor que você faça algumas reflexões em relação a seu conhecimento e comportamento como pessoa, um ser social e um profissional, e proporemos discussões relacionadas com as questões envolvendo os entraves disciplinares, a problematização da interdisciplinaridade e o processo avaliativo. Do segundo capítulo em diante, discutiremos com você alguns exemplos de atividade didática partindo dos TCTs.
(MINIPROJETO DE VIDA PARA OS PROFESSORES)
Apropriando-se do princípio da teoria da Gestalt, que atesta não ser possível ter conhecimento do “todo” por meio de suas partes, pois o todo é maior que a soma de suas partes, e corroborando com Santos (2009, p. 14), para quem “a percepção visual é um fenômeno difícil de explicar, pois é o ponto de contato, ou melhor, a interface entre o mundo físico e o mundo mental, sensível e inteligível”, vamos olhar para a Figura 1.
O QUE VOCÊ VÊ? SERÁ QUE TODOS VEEM A MESMA COISA?
Se mostrarmos essa figura para outras pessoas, provavelmente algumas verão outra imagem, diferente da que você viu, o que é chamado de ilusão de ótica. Assim, da mesma forma, outras pessoas pensam, comportam-se e vivem de maneiras diferentes de você. Isso ocorre porque somos únicos, temos uma história, e mesmo que tenhamos vivenciado as mesmas coisas ou fatos, sua ação sobre cada um de nós é diferente.
E a imagem abaixo? O que é isto? Essa resposta está ligada especificamente a uma percepção visual ou depende de um conhecimento específico?
Você possivelmente está se fazendo essa pergunta, afinal de contas está lendo este livro na condição de professor. Mas é possível separar a pessoa do professor? A forma de pensar, de enxergar seu entorno, de se sensibilizar com o outro, de compreender e se relacionar com o mundo tem a ver com essa pessoa que se formou para ser professor.
Carl G. Jung dizia: “O inconsciente é o grande guia, o amigo e conselheiro do consciente” (JUNG, 1964, p. 12). Olhar para dentro faz despertar.
Este é o convite que fazemos a você a partir de agora: olhar para dentro de si mesmo. Procure fazer isso em um momento de maior tranquilidade, sem estar preocupado com horário ou outra atividade. Reserve alguns minutos para você.
Seria importante ter um caderno para anotar suas reflexões. Posteriormente, você poderá reler tudo o que escreveu, afinal de contas as coisas que acontecem conosco geram mudanças em nossa forma de pensar, agir e enxergar o outro e o mundo.
Essas reflexões poderão auxiliá-lo a pensar ou a repensar seu projeto de vida, incluindo ser professor. E, para que possamos entender o que vem a ser um projeto de vida, convidamos você à leitura a seguir.
A principal ferramenta de trabalho do professor é a sua pessoa, sua cultura, a relação que instaura com os alunos, individual ou coletivamente. Mesmo que a formação esteja centrada nos saberes, na didática, na avaliação, na gestão de classe e nas tecnologias, nunca deve esquecer a pessoa do professor.
(PERRENOUD, 2002, p. 176)
Mas o que é um PROJETO DE VIDA? Literalmente, a palavra “projeto” significa propósito de executar algo. Etimologicamente, a palavra “projeto” deriva do latim projectus, que significa lançar para frente.
Segundo Machado,
[…] cada ser humano, ao nascer, é lançado no mundo, como um jato de vida. Paulatinamente, constitui-se como pessoa, na medida em que desenvolve a capacidade de antecipar ações, de eleger continuamente metas a partir de um quadro de valores historicamente situado, e de lançar-se em busca das mesmas, vivendo, assim, a própria vida como um projeto. (MACHADO, 2006, p.2).
© Arquivo pessoal das autorasSegundo Boutinet (2002 apud SOUSA; ALVES, 2019), a palavra “projeto” é sinônimo de desígnio, intenção, finalidade, objetivo, alvo, planejamento e programa. Projetar algo é comum à espécie humana, e a intenção de projetar vem acompanhada de metas a serem alcançadas. Muitas vezes, planejamos, mas não conseguimos atingir nossa(s) meta(s). Por que isso ocorre?
Para Machado (2006), a ideia de “projeto” apresenta alguns ingredientes fundamentais:
• Referência ao futuro – o projeto consiste na antecipação de uma ação; não se trata de uma previsão do futuro, e, sim, de algo a ser feito nele. Barbie (1994 apud MACHADO, 2006. p. 6) afirma: “o projeto não é uma simples representação do futuro, do amanhã, do possível, de uma ideia; é o futuro a fazer, um amanhã a concretizar, um possível a transformar em real, uma ideia a transformar em acto [sic.]”.
• Abertura para o novo – “não se faz projeto quando só se tem [sic.] certezas, ou quando se está imobilizado por dúvidas. […] a sabedoria do projetar consiste na fixação de metas que podem ser atingidas independentemente dos agentes, ou tão imediatas que sejam suficientes para motivá-los[,] mas também não sejam tão inacessíveis que semeiem a sensação de impotência ou de desamparo”. (MACHADO, 2006 p. 7)
• Caráter indelegável da ação projetada – o projeto deve ser feito pelo sujeito que o projetou. Podemos elaborar projetos com outros, mas não pelos outros. “Assim como não se pode viver pelo outro, não se pode ter projetos por ele. […] no mesmo sentido um professor não pode impacientar-se tanto com o insucesso de seu aluno, ou desejar ajudar com tanto entusiasmo que tente determinar as metas a serem atingidas pelo outro ou realizar as ações projetadas em seu lugar” (MACHADO, 2006, p. 19).
Outros dois pontos importantes defendidos por Machado (2006) é a singularidade de um projeto e a ilusão, essa sendo associada à ideia de imaginação ou fantasia. Quanto à singularidade, por mais que os projetos sejam semelhantes, haverá uma identidade em cada um; já quanto à ilusão, é preciso acreditar, ter esperança.
A pessoa precisa acreditar em si mesma e em sua projeção. “Um professor precisa de ilusão pelos alunos. Precisa acreditar na semeadura, na fecundidade de um trabalho[,] que, sob muitos aspectos, assemelha-se ao de Sísifo, condenado a rolar eternamente morro acima uma pedra que, noite após noite, retorna à base do morro” (MACHADO, 2006, p. 19).
MACHADO, N. J. Educação: projetos e valores. 6. ed. São Paulo: Escrituras, 2006. (Coleção Ensaios Transversais).
Os textos apresentados nessa coletânea oferecem subsídios para uma compreensão mais nítida da importância das ideias de projeto e de valor no universo educacional.
Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/ pluginfile.php/4122951/mod_resource/content/3/ Texto%20do%20Nilson%20Machado%20 %28livro%20completo%29.pdf. Acesso em: 1º dez. 2020.