SE ESTA CASA FOSSE MINHA

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João Paulo Hergesel

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Se esta casa fosse minha...

ilustrações Carlos Caminha


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João Paulo Hergesel

ilustrações Carlos Caminha

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Se esta casa fosse minha...

Belo Horizonte Dezembro de 2021 1ª edição


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Copyright © 2021 by João Paulo Hergesel

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EDITOR Rafael Borges de Andrade

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SUPERVISÃO EDITORIAL Maria Zoé Rios Fonseca de Andrade

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PROJETO GRÁFICO Mário Vinícius Silva

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DIAGRAMAÇÃO Alexandre Alves

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ILUSTRAÇÕES Carlos Caminha

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ASSISTENTE EDITORIAL Palloma Landim

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COPIDESQUE E REVISÃO Isabel Ferrazoli

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REVISÃO DE PROVAS Lílian Oliveira

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CONSELHO EDITORIAL Renata Amaral de Matos Rocha Paula Renata Melo Moreira Maria do Rosário Alves Pereira José Ribamar Lopes Batista Júnior

H545s

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Hergesel, João Paulo

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Se esta casa fosse minha... / João Paulo Hergesel ; ilustrado por Carlos Caminha. - Belo Horizonte : Baobá, 2021. 56 p. : il. ; 20,5cm x 27,5cm. ISBN: 978-65-88968-18-5

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1. Literatura infantil. 2. Memórias. 3. Família. 4. História. I. Caminha, Carlos. II. Título.

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2021-4818

CDD 028.5 CDU 82-93

Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infantil 82-93

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Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949

1ª edição

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem o consentimento por escrito da editora. Todos os direitos reservados à:

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Editora Baobá Ltda. Rua Helium, 115, 3º andar, Nova Floresta – Belo Horizonte/MG – CEP: 31140-280 Telefone: (31) 3334-1566 editorabaoba@editorabaoba.com.br

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Impresso no Brasil Printed in Brazil


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Para Érica de Oliveira, a amiga de infância que acompanha desde sempre minhas criações literárias.


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Sumário

A casa 66 da rua de nome complicado

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A corda remendada

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O buraco na corcova do dromedário

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Se esta casa fosse minha...

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Conhecendo a casa e quem a construiu

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A casa 66 da rua de nome complicado

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Eles chegaram numa tremenda euforia! O menino veio chutando

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a porta, forçando a fechadura e tentando espiar pelo buraco do cupim;

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espantada com o excesso de poeira, a mulher se incomodava com o pó,

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com o cheiro do pó e espalhava pó de cheiro para perfumar a varanda.

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Esqueceram que já passei da terceira idade e sinto dor em cada

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uma das minhas colunas. O homem, percebendo a reação da mulher, deu duas voltas na chave antes de girar a maçaneta.

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– Querida, filho, é aqui que vamos morar! – ele anunciou, respi-

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rando fundo com orgulho e tossindo alguns gramas da poeira que inalou

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sem querer.

– Esta velharia?! – a mulher perguntou, ainda sem acreditar no

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que via. – Isto está uma caçununga de sujo!

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Duvido de que o menino soubesse se caçununga era uma palavra de verdade ou inventada pela mãe; só que ele pareceu gostar e, sem

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perguntar o significado, fez a festa.

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– Caçununga! Esse é o nome da casa nova. Ela tem tanta cara de

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caçununga mesmo, ainda mais as paredes.

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“Caçununga é o mausoléu!”, tive vontade de berrar, mas me con-

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tive. Uma casa refinada, com arquitetura dos anos 1920, não podia ter

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o mesmo nome de uma espécie de vespa. A não ser que fossem vespas

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chiques e charmosas. 7


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Mas quem eu queria enganar? Cada grão de areia usado no con-

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creto que colava meus tijolos sabia que eu era apenas a casa 66 da rua

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de nome complicado. Era a abandonada, a excluída, a rejeitada.

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Essas três características, no entanto, estavam deixando de me

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pertencer. Uma família surgiu para me adotar, e o garoto demonstrava

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estar bem à vontade com isso!

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– Erick Felipe! – a mãe chamou o menino, olhando para cima. –

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Pare de trepar nesse ventila...

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A dor alcançou o moleque antes de a frase da mãe chegar ao fim.

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Se fosse uma corrida, o prêmio seria um analgésico. A hélice em que ele estava se pendurando cansou de ficar perto do teto e resolveu fazer uma

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visita ao chão, levando o menino junto.

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– Tá vendo, Rui?! – a mulher questionava, atônita. – Esta gerin-

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gonça está despencando na nossa cabeça!

– Geringonça, não, mãe! – o menino, empurrando a dor para den-

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tro, corrigia. – O nome dela é Caçununga.

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Caçununga, geringonça... Ninguém tinha respeito por uma senho-

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ra edificada feito eu. Minha escritura de nascimento já era quase cente-

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nária, e eu passei poucas vezes por reforma; não tinha como estar intacta.

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– Florinda, minha flor, minha linda! – o marido dizia, tentando

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amenizar a situação. – Garanto a você que, depois de uma massa corrida

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aqui e uma tintazinha ali, isto vai ficar um brinco.

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Quem entende esses humanos? Primeiro me chamam de vespa;

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depois, de coisa imprestável; e daí resolvem me elogiar, falando que sou

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uma joia. Se eles não entrassem num acordo, era possível que eu enlou-

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quecesse e fizesse algumas portas baterem para assustá-los. Mas a quem quero enganar? A verdade é que eu não era capaz de

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meter medo. Quer dizer, estava apta para isso e já tinha até me fantasiado de casa mal-assombrada numa noite de Carnaval. Mas era só fantasia.

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O que eu gostava mesmo era de apreciar a vida de meus moradores e

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refletir sobre todas elas. O último morador me fez viver muitas emoções.

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Ele era um coroa. Tinha uma cabeça bem careca, mas duas ore-

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lhas cheias de cabelo. Aquela era uma estratégia para manter os insetos longe do ouvido na época do verão e para dormir sem se incomodar

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com os barulhos da rua.

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Os mais próximos tentavam relevar, mas ele sentia que o mun-

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do estava se tornando um lugar amargo. Camargo, ou melhor, Coronel

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Camargo era o nome que usavam para se dirigir a ele. Ninguém se importava com o fato de que seu primeiro nome era Gilson nem de que o

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segundo era Antônio. 9


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Coronel Camargo era solteiro. Foi membro do Exército e se apo-

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sentou do quartel quando o nervo ciático lhe batizou de inválido. Não tinha esposa nem filhos. Os parentes eram todos distantes. Só tinha como

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companhias a solidão e uma perna que puxava mais forte para fazê-lo

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se lembrar de quem era: um inválido.

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Nasci projetada para ser uma casa de família; então, ficava com muitos espaços livres por ter o Coronel Camargo como único morador.

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Um morador que não saía e repetia a si mesmo o quanto era inválido. Eu até queria conversar, mas uma casa não podia interferir nas decisões

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de um coronel.

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Uma vez, enquanto ele cochilava na poltrona, abri as janelas e

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convidei o vento para entrar. Ninguém de carne e osso podia me conhecer por dentro, já que o Coronel Camargo nunca recebia visitas. E o ven-

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to, bagunceiro que só, fez o maior barulhão de corrente de ar pela casa.

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Coronel Camargo acordou e enxugou a baba que escorria pelo queixo.


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Numa atitude rara, o coronel destrancou o portão da frente. Ele

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decidiu sair. Fiquei alguns instantes sozinha, e então o Coronel Camargo voltou com o Hulk, mesmo apelido que havia recebido na guerra. Passei

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a abrigar também um pastor-alemão capa preta.

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Hulk era um desastrado: marcava as paredes com as patas e me

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deixava toda molhada de xixi. O Coronel Camargo já não sentia vontade nem mais de cuidar da limpeza. Ao contrário, resolveu se unir à vontade

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do novo habitante: a sala se tornou uma toalete canina.

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Tudo acabava ficando tão descuidado que eu até considerava falta de respeito para com alguém da minha idade. Juro que, se pudesse,

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eu me mudaria. Cheguei a tentar, numa madrugada, enquanto os dois

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dormiam; mas meu esforço só foi útil para eu me arrumar uma rachadura na cozinha. O Coronel Camargo, infelizmente, não tinha forças

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para me reparar.


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Precisei tomar uma atitude e cismei de irritar o cachorro. Para

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onde Hulk ia, minhas tomadas o acompanhavam como olhos traiçoeiros.

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Se ele chegava perto, tomava um leve choque no focinho, o suficiente para alertá-lo de que ali não era banheiro. Em pouco tempo, começou a

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ficar desconfiado, e o Coronel Camargo pareceu entender que o soldado

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de quatro patas precisava de uma caminhada, de ar puro.

Os dois saíram. Voltaram duas horas depois: Hulk, com tanta ani-

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mação, que a língua nem cabia dentro da boca, e o coronel, sorrindo pela primeira vez desde que havia se mudado em mim. O passeio havia

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deixado o Coronel Camargo bem mais Gilson Antônio. – Hulk, meu amigo, você viu aquela moça na praça? Parece ter

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gostado de mim. Talvez eu não seja tão inválido assim... – o cachorro apenas ofegava, sem concordar nem discordar. – Quer saber? Acho que

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farei uma festa de Carnaval aqui em casa e convidarei o bairro todo. É

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uma chance de vê-la novamente!

Dito isso, começou a arrumação: varre o chão, chacoalha a caixa,

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encaixa o esfregão, esfrega com sabão, sobe o padrão, prende o cão, cai

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o calção, levanta o calção, o nervo ciático tem uma contração, contra a cãibra só medicação, passa o aerossol na perna ainda com o pano na

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mão... E, após horas, dores e muita reclamação, fiquei limpinha.

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– Agora, os enfeites! – Gilson Antônio anunciou, buscando a caixa

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de acessórios que havia comprado naquele dia, talvez mais inspirado

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por um Dia das Bruxas do que pelo Carnaval.

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Para a decoração, os cantos das minhas paredes ganharam teias

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de aranha, que na verdade eram teias de algodão com aranhas de plás-

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tico; as paredes se tornaram camas verticais para caveiras e múmias, 12


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os pregos que as seguravam eram os travesseiros; o teto ficou cheio de

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morcegos de borracha, que, em vez de se alimentarem de “sangue”, de-

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viam mesmo é gostar de látex.

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A noite chegou, e eu era a mais mal-assombrada do bairro. Até

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uma capa preta provisória e improvisada foi posta em cima do meu

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número: passei a ser uma casa sem identidade. Já Hulk, para combinar com sua capa preta natural, ganhou uma máscara de homem-morcego...

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ou de “morcecão”.

Gilson Antônio, que naquela noite se vestiu de Abominável Ho-

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mem das Neves, ficou em pé, atrás da porta principal, munido de muita

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serpentina e confete, aguardando a chegada dos vizinhos, das crianças

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que possivelmente destruiriam os enfeites e da moça que tinha conhecido na pracinha...

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Passaram alguns grupos de crianças; só que ninguém parou. Passaram duas velhinhas simpáticas; olharam para mim, fizeram

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o sinal da cruz com a bengala e seguiram reto. 13


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Passaram também um Rei Momo, dois pierrôs, três sambistas plati-

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nadas e um elfo dançando frevo. Mas ninguém se atreveu a se aproximar.

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Encarei como se eu fosse uma monstra... Vai ver o Hulk também

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intimidava as pessoas. Só que Gilson Antônio parecia não pensar as-

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sim. Assumindo a culpa e, novamente, a postura de Coronel Camargo –

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aposentado, inválido, abominável –, espatifou o frasco de balas no piso.

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Sentou-se na poltrona e amanheceu entre reflexões.

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O sol do dia seguinte manteve o Coronel Camargo petrificado;

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no entanto, a campainha fez o favor de movimentá-lo. Reclamando novamente do desconforto no nervo ciático, levantou-se e foi até o

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portão. Surpreendeu-se com a imagem de uma moça bela, com uma

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mala na mão.

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– Voltarei para minha casa, na Romênia, e quis me despedir – ela explicou. – Depois do nosso encontro na praça, pensei que poderíamos

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nos ver de novo, mas...

– E onde você passou o Carnaval? Por que não veio aqui em casa?

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– Carnaval? Aqui? Eu nem sabia que o Coronel comemorava esse

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tipo de festa.

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Ela não sabia! Coronel Camargo – ou talvez, neste momento, Gil-

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son Antônio – olhou para a estante e viu o pacote ao lado da TV: havia

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se esquecido de entregar os convites. Não foi um possível medo causado por ele ou a imagem de um homem inválido que afastaram as pessoas;

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ninguém de fato sabia que eu estava aberta a visitações.

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Um riso sincero lhe tomou conta, até ele se dar conta. – Romênia? Mas isso fica muito longe... 14


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– Bem, caso um dia você possa me visitar...

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A moça foi embora e deixou o endereço anotado num lencinho

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de papel. Gilson Antônio tratou de fazer telefonemas e atualizar o passa-

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porte. Arrumou as coisas, colocou Hulk numa caixa de transporte para

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animais e saíram de férias.

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Fiquei aguardando o retorno dos dois, mas quem veio depois de

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um mês foi o corretor de imóveis. Pendurou uma placa de “Aluga-se”,

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da qual a chuva só não apagou o hífen.

Do Coronel Gilson Antônio Camargo, só me restaram as teias de

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algodão como lembrança. Brinquedos que, com o tempo, foram substi-

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tuídos por teias reais – que refletiam meu estado emocional: inválida. *** 15


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– Rui! – a mulher gritava, receosa. – Por favor, me diga que aquilo

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não é uma aranha...

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– Florinda, querida, por que você e o Erick Felipe não vão para

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casa? Eu faço as anotações do que será necessário para a reforma, con-

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trato os pedreiros e, dentro de alguns dias, você volta para ver como

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ficou. Que tal?

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A mulher não respondeu. Pegou o filho pelo braço e deixou o

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marido sozinho. Ele colocou a aranha na copa de uma árvore do quintal

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e voltou para tirar fotos e medidas. Fez algumas ligações e me deixou

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sozinha por um tempo. Dessa vez, tempo curto.

Durante um mês, senti cócegas em todo o meu piso com o entra e

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sai de pedreiros, pintores, encanadores, eletricistas, vidraceiros, dedetiboas-vindas e palpites ao Rui.

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zadores, arquitetos, designers... Sem falar dos vizinhos que vinham dar

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Fiquei sem insetos e aracnídeos, sem rachaduras, sem vidros

quebrados e portas amassadas, sem paredes enfraquecidas e chão sujo.

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Recebi um banho de loja de materiais de construção e tive a beleza re-

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novada. Mesmo com quase cem anos, eu me sentia um imóvel recém-

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-inaugurado.

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– E não é que essa dita-cuja ficou bonita mesmo? – Florinda disse.

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– Dita-cuja, não, mãe! – Erick Felipe corrigiu. – Caçununga!

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Rui riu.

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A corda remendada

Um dia depois da mudança, vovó Érica se tornou a primeira visi-

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ta que minha nova família recebeu. Tão centenária quanto eu, ela veio

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delicada, com ruge nas bochechas e um coque segurando os cabelos

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brancos. Trouxe consigo um baú, um varal e uma má notícia.

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O baú era para Erick Felipe. Vinha lacrado e com apenas uma

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instrução que a avó deixou bem claro:

– Você só vai poder abrir quando seus pais resolverem se mudar

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de novo.

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– E o que tem nele?

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– Podemos dizer que é onde eu guardo um filhote de sol.

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O neto não entendeu. Se o sol é de fogo e se tinha um sol no baú

da vovó, era para o baú estar pelando de quente. Mas suas mãos, e as

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da avó também, conseguiam segurar o objeto com muita naturalidade.

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A avó não quis dar mais explicações. Apenas disse que era para Erick Felipe abri-lo somente por motivo de força maior, fosse alguma

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viagem que ela precisasse fazer por um tempo indeterminado, fosse

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uma nova mudança – algo que nem ele, nem ela, nem eu achávamos

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que aconteceria tão cedo.

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– Por enquanto, que tal o guardarmos no céu?

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O pescoço do menino entortou para ver a avó puxar uma escada

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secreta detrás de uma portinha que escondia, em direção ao teto, um

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pequeno aposento. Eu era uma casa sem laje. Embora em mim não 18


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houvesse um espaço digno para chamar de sótão, tinha uma liberdade

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extra entre o forro e o telhado.

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– Colocarei no céu de nuvens de poeira, onde os anjos são ratos.

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Assim ela fez. Depois que desceu, pegou o varal e a má notícia

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para dar à Florinda. Só que a má notícia iria brincar de pique-esconde

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tícia, quando estivesse preparada, iria procurá-lo.

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com Erick: ele se esconderia no quarto, com a porta fechada, e a má no-

Erick Felipe tentava ouvir atrás da porta, mas a madeira era como

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um escudo sonoro. Nem uma sílaba átona conseguia atravessar. Espiou

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pelo buraco da fechadura e tentou uma leitura labial. Fez uma leitura

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lacrimal do choro espontâneo da mãe.

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– Será que ela não gostou do varal? – ele se perguntou baixinho.

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Mas só depois das lágrimas é que o varal foi entregue. Vovó Érica

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se despediu com um abraço tão apertado que Erick até trincou os dentes

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para amenizar a deleitosa dor de um gesto de afeição. 19


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Florinda, com a ajuda de Rui, colocou o varal no quintal. Foi de

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um lado para o outro fazendo zigue-zague com a corda. Depois ficou

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admirando o varal pelado, nada pendurado nele. Nesse momento, pude

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me lembrar de quando um dos meus varais do passado pendurava rou-

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pas típicas de todas as regiões do Brasil.

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Já fui uma república, dessas que juntam estudantes universitários

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de diferentes regiões. No meu caso, reuni gente de várias partes do país.

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Eu era praticamente uma nação completa com cinco habitantes: um do Sul, um do Sudeste, um do Centro-Oeste, um do Nordeste e um do

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Norte do Brasil – e tudo isso sem sair do meu território, no interior de

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São Paulo.

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Mas eles não combinaram essa aproximação; foi a imobiliária que

ajudou a montar essa família nada tradicional. O corretor da época, com

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dificuldade de encontrar um único morador capaz de pagar o aluguel de uma casa valiosa feito eu, decidiu que seria mais fácil alugar por cô-

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modos. Só que ele deu uma cópia da chave para cada um e não contou

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quem encontraria quem.

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Roberto foi o primeiro a se mudar e veio de mala e cuia. Na mala,

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a bombacha, a guaiaca, a bota campeira, a camisa, o chapéu e o lenço; na cuia, a bomba e a erva-mate moída para o chimarrão de todo dia.

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Veio de Esteio, no Rio Grande do Sul, para estudar Engenharia Agrícola

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e aprender a cuidar da água, do solo e das construções na área rural – e

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poder aplicar tudo isso quando voltasse para sua cidade. 21


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Foi em uma tarde ouvindo vanerão no tocador de fitas casse-

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te que o barulho de uma chave virando na minha fechadura principal

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amarrar aquele que pensou ser um ladrão. Mas era Marta.

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chamou sua atenção. Ele pegou um laço de sisal e ficou pronto para

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Marta veio de Itiquira, no Mato Grosso, com uma cuia bem pare-

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cida com a de Roberto, mas feita de chifre de boi e na qual ela gostava de beber o mate gelado, que chamava de tereré. O vestido de algodão

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com estampa de escamas e as botas de couro sintético de jacaré refle-

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tiam bem sua paixão pelo Pantanal e o interesse pelo curso de Moda.

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– Quem é você? Esta casa é minha! – um falou para o outro, nem lembro mais em que ordem.

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Roberto ameaçou chamar a polícia, e Marta disse que ela chama-

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ria primeiro. Antes de disputarem o telefone, no entanto, um resolveu mostrar o contrato de locação ao outro para provar que tinham razão. E

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tinham. Mas só então, nessa leitura atenciosa e desesperada, descobri-

ram, na cláusula de letras pequenas, que não seriam moradores únicos.

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Os dois pensaram em reclamar com a imobiliária, mas o contrato

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já estava assinado e com firma reconhecida em cartório. Entre pagar a

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multa por desistência e fazer amizade, Roberto e Marta preferiram passar a tarde conversando sobre a melhor forma de beber o mate: quente

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ou frio.

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O terceiro foi Erasmo, um carioca, que chegou sorridente. Esse

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veio sem cuia – e também sem mala. Trouxe apenas uma trouxa com

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camisetas de manga curta e bermuda, bem desapegado do que era ma-

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terial. Chegou à nova cidade sabendo que queria estudar Música e con-

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tribuir com a cultura brasileira. 22


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Sem nem uma parcela dessa animação, Leia veio de Juazeiro, na

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Bahia, para estudar Direito. Era bem calada e introspectiva, mas tinha memorizadas várias receitas de acarajé, vatapá, bobó de camarão, entre

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outras delícias baianas. Embora tivesse preferências pelas leis, não ha-

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via como esconder que culinária era seu hobby.

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A última a chegar foi Rosana, que fez uma viagem de ônibus que durou uma semana. Ela veio de Castanhal, no Pará, e passou por diver-

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sas cidades brasileiras, algumas que sequer tinha imaginado conhecer um dia. Tirou fotos com a polaroide que ganhou dos pais após sua for-

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matura no colégio e guardou tudo num álbum especial, que certamente

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mostraria aos colegas de Turismo.

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Os primeiros dias foram bem estressantes. Cada um tinha seu

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próprio jeito de viver, seus próprios horários para dormir e acordar, sua própria privacidade. Tudo isso tiveram de compartilhar com o grupo.

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Mas, depois de um tempo, entenderam que as diferenças precisavam 23


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ser respeitadas e aprenderam a conviver tranquilamente, ano após ano,

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até a formatura, quando puderam voltar a suas cidades.

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Quem não estava nem um pouco tranquilo era Erick Felipe: a má

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notícia o havia encontrado. Para disfarçar a tristeza, foi ver a mãe esten-

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dendo roupa no varal. Assim que ela jogou uma calça jeans, no entanto,

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a corda não suportou o peso e foi com tudo para o chão.

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– Ai, não! Meu varal! – lamentou-se Florinda.

– Não se preocupe, querida – Rui disse. – A gente compra uma

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corda nova.

DA

– Uma corda nova? – Florinda se surpreendeu, em lágrimas. – Você acha que é realmente assim que funciona? O varal arrebenta e

DI

dá, não posso, não consigo!

GO

simplesmente é substituído, jogando a corda velha no lixo?... Não, não

O menino começou a chorar só de ver o choro da mãe e por saber

O_

a verdade: a avó estava bem doente. Rui abraçou a esposa e disse que ia

ÇÃ

ficar tudo bem, eles remendariam a corda, a corda não iria morrer.

GA

Erick Felipe continuou ali, lavando os olhos de dentro para fora, pensando na avó, nos bons momentos que viveu ao lado dela

UL

e na esperança de que ela se curasse. Quando percebeu, sua roupa

DI V

já estava toda molhada com as lágrimas. Bateu um vento leve, e ele

E

sentiu frio.

LD

Cansado de tanto chorar, ele decidiu tirar a roupa encharcada e

IA

pendurar toda aquela tristeza no varal. Depois, decidiu tomar um banho

MA T

ER

para lavar além dos olhos. 24


0 00 00 20 30

P2

30

O buraco na corcova do dromedário

56

Erick Felipe, poucos dias depois da mudança, abandonou os de-

11

senhos animados na televisão da sala e correu para a mãe, que fritava

O

anéis de cebola.

ÇÃ

– Mãe, com quantos paus se faz uma canoa?

LE

– Que eu saiba, com apenas um. Eles escolhem um tronco de ár-

CO

vore, cortam ao meio e fazem um buraco para caberem as pessoas.

DA

Florinda tinha lido isso havia pouco tempo, coisa de uma semana, em um portal de curiosidades que apareceu como anúncio publicitário

GO

enquanto usava as redes sociais.

DI

– E com quantos ossos se faz uma pessoa?

– Duzentos e seis, filho... Já era para você ter aprendido isso na

O_

aula de Ciências, hein? – Ela não enrolava nas respostas.

ÇÃ

– E com quantas gotas de chuva se faz uma garoa?

GA

– Não podem ser muitas, senão vira tempestade. Nem poucas

UL

demais, senão não passa de sereno.

DI V

Era, de fato, uma mulher destemida: tinha argumento para tudo

E

e não tinha medo de nada.

MA T

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LD

– E com quantas palavras se faz uma história boa?

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20

Os olhos de Florinda se arregalaram. Ela não sabia bem como

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responder. Poderia dizer “muitas palavras”, mas ofenderia os microcon-

30

tistas; se respondesse “poucas”, colocaria em dúvida o trabalho dos romancistas. Mas não acho que o filho se preocuparia tanto com essas

56

P2

definições.

11

– Não sei para que esse tipo de pergunta...

O

– É que quero escrever uma história para a vovó Érica. E quero

ÇÃ

que a história seja boa. Eu sei que ela tá doente e que era isso o que eu

LE

não podia ouvir.

CO

– Bem... – começou Florinda, ainda surpresa com a intenção do

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filho –, por que então você mesmo não descobre?


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Mas ele preferiu descobrir a janela, afastando a cortina blecaute,

30

e observou o quintal de terra, em formato de corcova de dromedário.

Uma movimentação no meu lado de fora fez com que a situação do lado

P2

30

de dentro se invertesse: foi a mãe que fez uma pergunta.

56

– Você também viu?

11

– Vi. O que era?

O

– Não sei. Mas parecia... – Florinda fez uma pausa para pensar nos

ÇÃ

nomes de alguns animais – Um rato! Um rato gigante!

LE

Após o grito, começou o ritual de proteção contra o rato: tranca a

CO

porta, fecha a janela, apaga a luz, acende uma vela, corre para um canto

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e canta errado para se distrair: “Atirei o pau no rato-to...”.


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Enquanto mãe e filho se escondiam do ataque do rato gigante, o

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pai chegava para almoçar. A mãe fez shhh! e um sinal para ele se escon-

30

der também.

P2

– O que aconteceu? – Rui perguntou. – Está tendo uma guerra

56

nuclear?

11

– Quase isso! – a mãe exagerou. – Tem um rato gigante no quintal.

ÇÃ

O

Rui achou muito estranho e decidiu espiar através da janela. Florinda e Erick tomaram coragem e foram atrás. Ficaram os seis olhos no

CO

LE

vitral à espreita do bicho.

Mais uma movimentação aconteceu, e Rui acalmou:

DA

– É só um cachorro de rua. Deve ter passado por baixo do portão

GO

e entrado aqui.

DI

Assumindo que tinha sobrado para ele a tarefa de expulsar aquele

que não havia sido convidado, o pai foi até o quintal. Porém, ao chegar

O_

perto do animal, foi recebido com dentes arreganhados e latidos.

ÇÃ

Antes de voltar assustado para a cozinha, teve tempo de ver que

GA

não se tratava exatamente de um cachorro de rua.

UL

– É uma cachorra! Achou um abrigo subterrâneo no nosso quin-

DI V

tal, fez dele uma toca e deu cria bem ali. – É uma cadelona! – a mãe desabafou, passando a mão no telefo-

LD

E

ne. – Vou ligar já para uma ONG vir e levar essa ninhada.

IA

O carro do centro de proteção animal encostou em frente ao meu

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portão e saltaram de lá um veterinário e uma assistente, que acalmaram 28


0 00 00

20

a mãe canina. Os vizinhos saíram de suas casas para acompanhar de

30

perto o que estava acontecendo.

30

– Oh! Que belezinha! – murmurou uma dona de vestido estam-

P2

pado. – Será que eu posso adotar um?

56

– Eu também quero!

11

– Eu também!

ÇÃ

O

– Eu fico com sete!

LE

Assim, cada filhote foi ganhando um dono, todos da mesma rua.

CO

Erick Felipe, que não era bobo nem nada, perguntou se podia ficar com um.

DA

– E com qual você quer ficar? – a mãe perguntou.

GO

– Com a Cadelona. Você já até deu nome para ela.

DI

Mania que o garoto tinha: as coisas engraçadas que a mãe falava

viravam um nome na hora. Mas a mãe mesmo não gostou nadinha da

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ideia.

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– A Cadelona? Mas ela já está grande e velha!

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– Mamãe, se eu fico grande e velho, você deixa de me amar?

30

Florinda não gostava de mostrar insegurança diante das pergun-

P2

tas do filho, mas, naquela situação, ou cedia à resistência de ter um cão,

56

ou cedia em lágrimas.

11

Depois do “tudo bem” da mãe, um veterinário foi chamado e le-

O

vou a Cadelona a um checape clínico: para checar os olhos, olhar os ou-

ÇÃ

vidos, ouvir o coração e... Tomar vacina! No final da tarde, ela já estaria

LE

de volta para seus novos donos.

CO

Os vizinhos foram para as suas casas, os pais entraram e deixaram Erick na companhia apenas da toca vazia no quintal. Um buraco na

DA

corcova do dromedário.

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– Onde será que ele termina? Preciso explorar!

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Correndo para o quarto, o garoto pegou uma mochila e colocou

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nela o que achou de mais importante: uma lanterna, caso ficasse es-

30

curo; alguns envelopes, caso ficasse muito tempo perdido e precisasse

30

escrever uma carta para os pais; e um par de cuecas, porque nunca se

P2

sabe o que pode acontecer com as cuecas que se usa.

56

Como um verdadeiro jovem escoteiro, ele ia adentrando no vazio

11

cada vez mais vazio, para saber até onde o vazio ia. Certo momento,

ÇÃ

O

medrou um pouquinho:

– E se este for um túnel cavado por ladrões que fugiram da

CO

LE

cadeia?

E ele quase acertou. Sim, aquele buraco já tinha abrigado ladrões.

DA

Não ladrões que tentavam fugir da cadeia, mas ladrões que se escondiam com medo de serem presos. Sei disso porque já fui alugada por

GO

uma dupla deles.

DI

***

Eu me lembro bem. Quando os dois chegaram, disseram ao cor-

O_

retor que eram estudantes e precisavam de um lugar para ficarem mais

ÇÃ

próximos da universidade.

GA

– O que vocês estudam? – o corretor perguntou.

UL

– Direito. Sempre em nome da lei e da justiça – o mais velho respondeu.

DI V

Após o contrato de locação ter sido assinado, não demorou muito para que eu me tornasse um depósito de produtos roubados. Frutos do

LD

E

crime organizado por Chuvisco e Chapisco.

IA

Chuvisco era chorão, sempre com medo de ser pego em flagrante

MA T

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e alegando se arrepender das maldades que fazia. Chapisco era mais 31


0 00 00

20

áspero, brigava com a covardia e com Chuvisco, sempre dizendo que

30

tudo ia acabar bem.

30

Houve uma época em que Chuvisco acordava toda madrugada

P2

com algum tipo de pesadelo. Os berros eram tão desesperadores que

56

Chapisco temia que alguém da vizinhança ouvisse e fosse procurar sa-

11

ber o que acontecia de verdade ali dentro.

O

– Chuvisco, acalme-se! Já falei que tudo vai terminar bem.

ÇÃ

– Não dá, Chapisco! A gente anda fazendo muita coisa errada.

LE

Entrar na casa dos outros e pegar televisão, geladeira, ventilador... Isso

CO

não está certo!

DA

– Ei, pare de pensar assim! Você, por acaso, não conhece a história do Curupira? Ele é o protetor das matas e põe um fim na vida de

GO

qualquer um que apareça para caçar. Mas ele deixa a pessoa em paz

DI

quando a caça é para comer. E a gente... A gente caça para comer.

Isso era o que Chapisco dizia. Toda vez que o companheiro surtava,

O_

ele vinha com essa de que roubar era a profissão deles e que todo homem

ÇÃ

que trabalha é um homem honrado. E Chuvisco fazia que acreditava.

GA

Certo dia, depois de trabalharem (à maneira de Chapisco) na casa de uma senhora da rua de cima e pegarem até o porta-retrato dela, Cha-

DI V

UL

pisco anunciou:

– Preciso de um banho.

LD

E

Assim que Chuvisco ouviu a porta do banheiro se fechar, passou

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a mão no telefone e discou o número da polícia. – Alô! Eu queria fazer uma denúncia anônima. 32


0 00 00 20 30 30 P2 56 11 O ÇÃ LE CO DA

A consequência da confissão chegaria em menos de cinco minu-

GO

tos, tempo somente de Chapisco ouvir a sirene da viatura e desligar o

DI

chuveiro.

O_

ter notado e dedurado.

– Não acredito! Como os tiras estão vindo para cá? Alguém deve

ÇÃ

– Chapisco, desculpe, mas eu...

GA

A frase nem precisou se completar para Chuvisco levar um cas-

UL

cudo na cabeça.

DI V

– Seu miolo mole! E agora? – A pausa para o pensamento não durou três segundos. – Já sei: vamos ao quintal!

LD

E

– Quintal? – Tem o buraco que a gente cavou para guardar o dinheiro rouba-

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do do banco. A gente se esconde lá, saca? 33


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Enquanto os dois corriam para os fundos da casa, um policial

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carrancudo metia o pé na minha porta da frente. Fiquei banguela, mas

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foi para o bem.

P2

– Positivo! – disse o policial, no rádio comunicador. – Os objetos

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roubados estão aqui. Mas os organizadores do crime parecem ter fugido.

11

Tive vontade de gritar: “Não. Não fugiram. Estão no quintal. Ve-

O

jam lá”. Só que eu não podia avisar, então, tive uma ideia para ajudar:

ÇÃ

fiz um pequeno movimento, o suficiente para uma lasca de pedregulho

LE

cair no olho de Chuvisco.

CO

O grito espontâneo de dor entregou a localização da dupla de bandidos, e os policiais foram rápidos em algemar e colocar os dois no

DA

camburão. O buraco e eu voltamos a ficar vazios, mas ficamos satisfei-

GO

tos por ter ajudado a salvar a cidade das mãos daquela dupla.

DI

***

Erick Felipe continuava ocupando o vazio do buraco, fazendo movimentos circulares lá dentro, até que finalmente avistou uma luz.

O_

Foi para lá e logo descobriu: a saída era o mesmo lugar por onde havia

ÇÃ

entrado.

GA

– Erick! – Florinda chamou o menino. – Venha logo, que sua ca-

UL

chorrona chegou!

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– Cadelona, mãe! Cadelona...

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Se esta casa fosse minha...

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Indianópolis fazia divisa com Londres à esquerda e com Nova

11

Iorque à direita. Lógico que não era em um mapa nem em um livro de

O

geografia. Aproximações absurdas assim só acontecem em jogo de ta-

ÇÃ

buleiro.

LE

– Vai, mãe! Hipoteca logo a capital da França.

CO

– Calma que ainda tenho dinheiro, tá?

DA

Eu não entendo patavinas desse jogo! Os participantes usam dinheiro falso para comprar partes do mundo que jamais seriam vendidas

GO

e depois pagam para construir casas de plástico. Não dá para morar

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numa casa de plástico, ainda mais tão pequenininhas como aquelas.

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O pai parecia também não entender, tanto que nem jogava. Pre-

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feria ficar sentado no sofá, com o jornal no colo, e assistir ao filho e à

esposa jogando dados e disputando diferentes lugares do mundo numa

P2

30

noite de quinta-feira, sem saírem do tapete da sala.

56

– Vai, mãe! Sua vez...

11

Enquanto a mulher sacudia bem os dados, como se algum deles

O

fosse mostrar um número maior do que seis, o telefone tocou. O pai,

ÇÃ

que não prestava atenção no jogo, levantou-se para atender. O rosto não

CO

– Quem era? – Florinda perguntou.

LE

pareceu confortável com o que as orelhas ouviram.

DA

– Vai, mãe! Avance quatro casas – Erick chamou atenção.

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– Era do hospital – Rui respondeu à esposa.


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Florinda disfarçava a aflição saltando as quatro casas e parando

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em um território que já era do filho.

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– E o que queriam? – a voz de Florinda pareceu mais preocupada. da França...

11

– Querida, a sua mãe... – Rui começou a contar.

56

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– Vai, mãe! Pague logo o aluguel ou vai ter que hipotecar a capital

ÇÃ

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Florinda mascarava a angústia contando as poucas cédulas de cinco e de dez reais que ainda tinha. Parou quando percebeu que não

CO

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conseguiria pagar nem um décimo da dívida.

– Não me diga que ela... – as lágrimas saíam dos olhos de Florin-

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da, mas a voz não conseguia sair da garganta.


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– Sinto muito! – Rui disse, abraçando a esposa e oferecendo seu

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ombro.

30

– Já era, mãe! – Erick, sem notar o que acontecia, tomava o cartão

P2

de Paris da bancada da mãe. – Você perdeu o que tinha de mais valioso.

56

Da forma mais consoladora possível, Rui informou ao filho que

11

o jogo tinha acabado e que não existiriam vencedores naquela rodada.

O

Deixaram o tabuleiro desarrumado no tapete da sala e saíram.

ÇÃ

Em poucas horas, Florinda voltou para trocar de roupa antes de ir

LE

ao velório. Erick esfregava os olhos para esconder as lágrimas que apa-

CO

reciam sem que ele chamasse. O pai achou que fosse sono. – Acho melhor você ficar em casa, descansar um pouco. Eu ligo

DA

para a tia Denise ficar com você, tá bom?

GO

Deu para perceber que o garoto não queria ficar com a tia Deni-

DI

se. Ela era irmã de Rui, e Florinda não gostava dela. Eu nunca soube o

motivo, mas a mãe torcia o nariz toda vez que a cunhada aparecia para

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visitá-los.

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– Tá bom – o garoto consentiu, percebendo que talvez fosse me-

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lhor assim.

30

Denise chegou rápido, acomodou-se no sofá da sala, ligou a te-

P2

levisão e dormiu. Erick não tinha sono. Tinha uma coisa que não sabia

56

explicar o que era nem onde estava, mas batia ora no estômago, ora na

O

11

garganta.

ÇÃ

A televisão sintonizava o canal de compras, mas Erick Felipe não

LE

tinha vontade de apertar qualquer botão do controle remoto. Decidiu,

CO

então, ir para a varanda. Talvez tenha ouvido em algum lugar que as

DA

varandas são ótimas para acalmar pessoas entristecidas. Cadelona sentiu que o amigo precisava de ajuda e veio do quintal

GO

para lhe fazer companhia. Ficou com a cabeça no colo de Erick, enquan-

DI

to o garoto, imóvel, olhava sem ver o outro lado da rua.

– Como deve ser o outro lado da vida?

O_

Ele perguntou, mas a cachorra não respondeu. Mesmo assim, ar-

GA

ÇÃ

riscou continuar a conversa.

– Quando perguntei ao papai o que a vovó Érica tinha, ele me

DI V

pessoas.

UL

falou o nome de um signo. Não sabia que horóscopo fazia mal para as

LD

E

A cachorra só assentiu, esfregando o focinho no joelho dele.

IA

– Eu só queria a vovó Érica aqui, pertinho de mim, para dar o

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último abraço. 39


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Finalmente, a cachorra resolveu se pronunciar com um latido. Foi

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um latido amuado, meio miado, como se estivesse gritando dentro de

30

um baú.

P2

– O baú onde a vovó guarda o sol! Pode ser que ele tenha alguma

56

lembrança dela e pode ser que essa lembrança faça com que eu sinta

11

que ela está mais pertinho de mim.

O

Com cuidado para não acordar tia Denise, ele foi ao quarto buscar

ÇÃ

o que precisava. Amontoou colchões, travesseiros e edredons, até que a

LE

pilha ficasse alta o suficiente para alcançar o alçapão no teto.

CO

– Preciso estar preparado para enfrentar a poeira que não são nuvens e os ratos que não são anjos.

DA

Pensando assim, ele escalou a colina de acolchoados e subiu até

GO

o quase sótão entre o forro e o telhado. Puxou a escada flexível e subiu. Percebeu que o lugar não era tão sujo como imaginava. Viu, num canto,

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o baú e segurou na tranca para abri-lo.

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“E se o sol escapar? Ainda é de noite... Pode dar problema!”

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Mas o pensamento não mudou a decisão do garoto. Os dedos

30

ágeis destrancaram a trava e levantaram a tampa do baú em que a avó

P2

guardava o sol. Erick Felipe encontrou pequenos raios iluminados.

56

Havia a planta original da minha estrutura e muitos outros pro-

11

jetos arquitetônicos e histórias sobre casas e edifícios. Por baixo desses

O

papéis amarelados, tinha vários com traços ainda de criança onde era

LE

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possível ver o nome da artista: Érica.

CO

Somente quando vi a assinatura, relacionei o nome da avó de Erick Felipe com o nome da garotinha que foi minha primeira moradora.

DA

Ela era filha do arquiteto que desenhou minha planta antes de eu ser

GO

construída.

Érica era filha única. Eu me lembro bem da menina de cabelos

DI

cacheados e vestido cor-de-rosa tratada como uma boneca de porcelana pelo pai e pela mãe. Era boa em cálculos, conseguia conjugar verbos

O_

irregulares no pretérito mais-que-perfeito e sabia qual era a capital da

ÇÃ

Mongólia.

GA

Mesmo sendo a queridinha da casa, a menina Érica gostava de

UL

contrariar. Se era de manhã, queria tomar chá de camomila com biscoi-

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tos; se estava na hora de dormir, pedia café e pão com manteiga. Também gostava muito de ler. Vivia uma época em que os livros

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propunham a melhor diversão. Lia todas as histórias, desde viagens ma-

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rítimas até aventuras em outros mundos; mas odiava histórias de prin-

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cesas. 42


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“Que princesa tonta! Caiu na cilada da bruxa e mordeu a maçã

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envenenada”, disse para o livro quando terminou de ler Branca de Neve

30

e os sete anões.

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“Que princesa boba! Tem o pé frouxo e deixou cair o sapatinho

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no meio do baile”, disse para o livro quando terminou de ler Cinderela.

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“Que princesa tola! Cutucou o dedo numa agulha e por isso dor-

O

miu a vida inteira”, disse para o livro quando terminou de ler A Bela

ÇÃ

adormecida.

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– Mas você é uma princesinha muito inteligente! – a mãe disse

CO

uma vez, enquanto costurava o colete de um senhor e a anágua de uma

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senhora.

UL

– Eu não quero ser princesa! – a menina contrariou. – Quero ter

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uma profissão de verdade!

E

A mãe se surpreendeu com a decisão da filha e fez uma proposta.

LD

– Então você pode ser costureira, igual a mim. Por que não me

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ajuda a colocar a linha na agulha? E cuidado para não espetar o dedo,

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senão você dormirá por cem anos. 43


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A menina, no entanto, não queria passar a vida remendado o ras-

30

go dos outros. Queria algo mais empolgante, que pudesse interagir com

30

as pessoas.

P2

– Ou você pode ser pedicura, igual à sua tia Anastácia – a mãe su-

56

geriu. – Só cuidado para não lixar demais os pés das suas clientes, senão

11

eles vão escapar dos sapatinhos.

O

Também não era isso que Érica queria. Ela disse que poderia,

ÇÃ

quem sabe, trabalhar com alguma coisa que pudesse alimentar as pes-

LE

soas. Seria uma profissão importante: todo mundo precisa comer.

CO

– Então você pode ser verdureira, igual à sua avó – a mãe palpitou.

DA

– Só não vai cismar de vender frutas e oferecer maçãs envenenadas, hein? Só que também não era isso que a menina Érica estava planejan-

GO

do. Ela própria, portanto, decidiu escolher a profissão que queria seguir.

DI

– Vou ser arquiteta como o papai! Vou poder desenhar e construir

O_

têm lugar para viver.

casas e depois alugá-las para as pessoas. Vou ajudar as pessoas que não

ÇÃ

– Não seja boba, menina! Arquitetura é coisa para homens bem

GA

instruídos. Mas você pode ser decoradora. Se bem que duvido muito de

UL

que seu marido deixará você trabalhar.

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A menina bufou, bateu o pé e respondeu:

E

– Serei, sim, uma grande arquiteta!

LD

A mãe não gostou da rebeldia e a mandou para o quarto, onde

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passaria a tarde de castigo, pensando nas malcriações que andava fa-

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zendo e nas besteiras que andava falando. 44


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20

Enquanto ouvia, na vitrola, os discos que o pai tinha trazido da

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Europa fazia alguns meses, alimentava o sonho de ser conhecida por suas construções. Passou a desenhar várias plantas de casas, como a

30

imaginação orientava, e escrevia histórias sobre o que aconteceria em

56

P2

cada uma delas.

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– Ai, ai, Casa 66! – ela suspirou, entre um desenho e outro. – O

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que você está achando desses meus projetos?

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Preferi não responder para não causar complicações com a famí-

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lia, mas achei tudo muito supimpa para a época. Quando o pai voltou do trabalho, trouxe consigo uma notícia

LD

E

avassaladora, que inicialmente confidenciou à esposa:

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– Fui chamado para colaborar com a construção de torres na Itália. – Vai trazer novos discos da Europa? 45


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– Melhor ainda! Desta vez, vocês vão comigo!

30

A decisão do pai saiu tão alta que Érica ouviu. Ouviu e soube exa-

30

tamente o que fazer antes da mudança de país: abriu o guarda-roupa,

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pegou um baú de madeira, tirou tudo de lá e guardou seus desenhos e

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histórias, com muita rapidez, para os pais não descobrirem.

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11

– Fiquem bem quietinhos aí que um dia eu volto para buscá-los.

Depois de terem empacotado todas as coisas e carregado os mó-

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veis, os pais foram para o carro. Érica aproveitou os últimos segundos

ÇÃ

sozinha comigo, escondeu o baú debaixo de uma jardineira, para que despedir.

GA

pudesse pegá-lo quando voltasse de viagem, e saiu sem tempo para se

UL

O ronco do motor indicou a partida do carro. No meu jardim, fi-

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cou pregada, pela primeira vez, uma placa de “Aluga-se”.

E

Depois disso, muito tempo se passou para que eu pudesse rece-

LD

ber de volta aquela menina a senhora Érica, e não fui capaz de reconhecê-la. Abrigar Erick Felipe passou a significar muito para mim; eu estava

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abrigando a nova geração de uma mesma família. 46


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20

Erick Felipe percebeu quando o barulho do motor do carro dos

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pais se aproximou. Abraçou o baú e pulou no campo de colchões que

30

tinha cultivado no chão do corredor.

P2

Florinda entrou em mim, um pouco mais confortada. Viu a ba-

56

gunça no corredor e a cunhada dormindo no sofá; mas não conseguiu

11

dar importância a nenhuma dessas coisas. A expressão facial da mulher

O

tornou a ficar triste.

ÇÃ

– Rui, precisamos nos mudar.

LE

A fala foi direta, nítida, sem dupla interpretação. Diante do mari-

CO

do embasbacado, ela explicou:

– Esta casa foi construída pelo meu avô, e minha mãe morou aqui

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quando criança. Sei que agora é minha e futuramente será do Erick, mas

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não vou mais conseguir viver aqui. São muitas lembranças dela.

DI

– Tudo bem, querida. A gente se muda o quanto antes.

Bastou que o dia amanhecesse para que os objetos começassem a

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ser encaixotados e os móveis, desmontados. Em menos de uma semana, tudo já estava carregado no caminhão de mudanças. Os pais esperavam

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apenas Erick Felipe terminar de usar o banheiro para saírem. O garoto aproveitou os últimos segundos sozinho comigo para

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esconder o baú no fundo falso de uma gaveta que ficava no gabinete

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debaixo da pia. Ao sair, antes de bater a porta, disse com uma lágrima cintilando no canto do olho:

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– Até logo, Caçununga! A placa de “Aluga-se” foi colocada novamente no meu jardim. 47


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Conhecendo a casa e quem a construiu

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Um convite

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As páginas de um livro podem ser uma casa onde a gente mora

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durante o tempo da leitura, não é verdade? Quando entramos em uma

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história, é como estar dentro do livro, morando nele, convivendo com

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suas personagens e experimentando suas aventuras e emoções.

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Agora que você já concluiu a leitura, que tal voltar à casa para

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observar mais atentamente cada um de seus cômodos, refletir sobre os

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acontecimentos e as atitudes das personagens, ouvindo novamente a

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voz da narradora inusitada?

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Casa-livro

Esta casa-livro que você habitou ao longo das páginas junto do

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seu professor e da sua turma pertence ao gênero novela, narrativa divi-

dida em capítulos. Cada capítulo apresenta personagens e pequenos en-

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redos que se ligam ao grande fio da história que é contada. Nesse caso,

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o autor escolheu narrar a história a partir do olhar da casa, que assume o

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papel de narrador-personagem ou narrador em primeira pessoa. Você deve ter se perguntado: uma casa narradora? Sem dúvida,

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uma escolha bastante criativa do autor. Ele deu vida a algo inanimado e,

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sob essa perspectiva, levou o leitor a observar aquela senhora centenária não apenas como uma construção de tijolos frios, mas com olhar de

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afeto, já que a casa estabelece laços com os moradores que a habitam.

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Depois de conhecer essa casa, saber de seus sentimentos, você

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deve estar olhando sua casa de um jeito diferente, não é mesmo? E as casas abandonadas que você vê por aí não te levam a lembrar da tristeza

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da casa da história, sentindo-se rejeitada? A novela escrita por João Paulo Hergesel talvez queira abrir os

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olhos do leitor para as construções centenárias que são abandonadas e

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destruídas para dar lugar a prédios altos, muito altos, aparentemente tão

GA

frios em suas janelas de vidro fumê. Você já pensou no que um prédio

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desses diria se pudesse contar sua história? Perceba que, diferentemente das construções de linhas retas, ca-

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racterísticas da modernidade apressada das grandes cidades, a casa cen-

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tenária é cheia de curvas e de detalhes, como mostram as ilustrações de

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Carlos Caminha. Mesmo corroída pelo tempo, é uma casa que convida a entrar, disposta a ser lar. Agora, vamos conhecer um pouco mais sobre o

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autor e o ilustrador por trás desse lar? 50


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João Paulo Hergesel, ou simplesmente

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JP, é escritor e professor. Nascido em Sorocaba,

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hoje reside em Alumínio, São Paulo. É formado

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em Letras, mestre em Comunicação e Cultura e

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doutor em Comunicação. Aos oito anos escre-

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veu seus primeiros versos, e logo depois vieram

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de prêmios literários nacionais e internacionais,

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nis. Por sua produção textual, ele foi vencedor

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os contos, as crônicas e as histórias infantojuve-

LE

como Histórico de Realização em Literatura (Governo do Estado de São

CO

Paulo), Barco a Vapor (Fundação SM) e Ganymédes José (UBE-RJ). Para a construção desta narrativa, o autor teve a brilhante ideia

DA

de transformar uma casa na narradora de suas próprias histórias a partir

GO

de vivências dos moradores que já passaram por ela. JP se inspirou em uma casa onde viveu na infância e que lhe provocava a imaginação sobre

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as famílias que já haviam morado nela no passado. Você já pensou sobre

tudo que pode ter acontecido em uma casa? Ou o que uma casa pode

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pensar de seus moradores?

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Já Carlos Caminha, o ilustrador desta

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obra, nasceu em Caxambu, sul de Minas Gerais,

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e desde criança gosta de desenhar. Estudou na

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Escola de Belas Artes da UFMG, na década de

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1980, e na Escola Guignard, já nos anos 2000.

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Ele trabalha no mercado editorial há muitos

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obras didáticas. Seu estilo vai de traços livres ao

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sos projetos, desde livros infantis e de poesia a

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anos, fazendo ilustrações para os mais diver-

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realismo, e ele varia enormemente as técnicas. Desenvolve ainda um

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trabalho em artes plásticas que tem como principal característica a forte grafite.

GO

O ilustrador conta que o

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expressividade no uso de tintas, sobretudo aquarela, acrílico, nanquim e

mais importante e ponto inicial

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para o trabalho dessa narrativa

visual foi a definição da perso-

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nagem principal, a casa. Depois de muitas pesquisas, Caminha

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buscou em cada ilustração

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instigar o leitor a desenvolver

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sua própria lembrança de casa.

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Você percebeu como ele busca retratar os detalhes e as cores

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com encantamento e beleza

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para suas ilustrações?

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Os moradores

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Ao longo das páginas, você conheceu alguns moradores que vive-

ram na casa após sua construção. Você, leitor, habitou a casa na companhia do Coronel Camargo, cuja amargura estava no próprio nome. Tam-

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bém conviveu com os estudantes de diferentes regiões do Brasil, que

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se encontraram na casa-república e tiveram de aprender a superar as

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dificuldades da convivência entre culturas diferentes. Conheceu a história atrapalhada de dois ladrões e pôde viver dias da rotina da família de

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Erick no que tiveram de recomeço e de fim, como são todos os ciclos: o

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novo lar, a doença da avó, o baú com segredo, a chegada da Cadelona, a

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morte da avó e a nova mudança.

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Erick Felipe foi quem primeiro abriu a porta e conduziu o leitor do

sótão ao buraco no quintal. Foi com ele que a casa e o leitor descobriram

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o segredo que se escondia no baú-herança. 53


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Um baú cheio de sol

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Baús sempre despertam curiosidade. Você deve ter ficado intriga-

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do quando a avó de Erick entrega a ele o baú, não é mesmo? Que segre-

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dos estariam guardados ali? E, como a avó prometera, ele estava mesmo

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cheio de sol! Guardava um tesouro incrível: desvendava a história bonita, que era o nascimento da casa, revelando o tanto de importância que

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ela teve na infância da avó.

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Ao se ver doente, a avó entrega ao neto o tesouro dela, que diz

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da história da família que se mistura à memória da casa construída pelo bisavô de Erick. Assim, o baú que traz o sol segue de mão em mão para

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manter viva e aquecida a história da casa que abrigou o começo da família. Quem sabe um dia Erick também passe o baú cheio de sol às mãos

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de outra criança curiosa e sonhadora.

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Se você fosse guardar alguma coisa em um baú que pudesse atra-

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vessar o tempo e as gerações da sua família, o que guardaria?

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Se esta história fosse minha...

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Sempre há, nas casas em que moramos, algo de que gostamos

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muito – um quintal, uma janela que exibe uma paisagem bonita, um só-

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tão, um quartinho só da gente etc. – e há coisas que mudaríamos se

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pudéssemos. Para algumas mudanças basta botar a mão na massa, no

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pincel e na lata de tinta. Já pensou nisso?

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Também ao morar em um livro, há aspectos da história que ama-

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mos, personagens pelos quais a gente torce e quer ver vencer todos os

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obstáculos, cenas que nos fazem dar risada. E há aqueles momentos da narrativa nos quais nos deparamos com situações difíceis, tristes, como

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acontece nessa história que você acabou de ler.

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E se esta casa-história fosse sua, querido leitor? Já parou para pensar o que você mais curtiu e o que, na sua opinião, precisaria de uma

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demão de tinta? As narrativas de ficção estão aí para isso: para nos levar

a viver histórias que não são nossas e nos permitir experimentar, não

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gostar, amar e até modificar, na nossa imaginação de leitores, aquilo que

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nos incomoda nas histórias. Assim também é na vida real.

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Se a casa fosse toda sua, que histórias ela contaria?

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Toda casa guarda histórias. Cada parede esconde

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anos de memórias afetivas e recordações únicas

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dos antigos moradores. Com a personagem princi-

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pal deste livro, não é diferente: assumindo o posto

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de narradora, a casa 66 da rua de nome complica-

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do, que hoje serve de lar para Erick Felipe e seus pais, revela algumas das situações vividas pelas

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diferentes famílias que um dia nela habitaram.

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entrar sem bater.

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Para conhecer os segredos que a casa revela, basta

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ISBN: 978-65-88968-18-5

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