GODI

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Fábio Ferreira

ilustrações de Diogo Carneiro

b ao bá um menino chamado liberdade

ExECutivo EDitorial

Maria Zoé rios Fonseca de andrade

Mário v inícius Silva

ProDuÇÃo EDitorial

rafael Borges de andrade

iluStraÇÕES

Diogo Carneiro

ProjEto gráFiCo

Mário v inícius Silva

CoPiDESQuE

Bernardo romagnoli Bethonico

Marilene lazzarotti

rEviSÃo

libério Neves

aline Sobreira

Ferreira, Fábio

F383 godi: um menino chamado liberdade / Fábio

Ferreira; ilustrações de Diogo Carneiro. - Belo Horizonte: Baobá, 2018.

72 p.: il.

1. literatura juvenil. i título.

CDD: 808.899282

CDu: 869.0(81)-93

Elaborada por: Maria aparecida Costa Duarte CrB/6-1047

iSBN: 978-85-66653-38-0

2ª edição

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem o consentimento por escrito da editora.

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telefone: (31) 3653-5217

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impresso no Brasil

Printed in Brazil

À minha mãe, por seu amor e sua coragem.

Pés descalços

Por debaixo do pano

Choro na senzala: o nascimento de godi

Conto do leite escravo

as estrelas e a dança de rosalina

um vigia no canavial o cajueiro

godi e seu trabalho sem valia

o príncipe Florêncio

o papagaio dedo-duro

Histórias de vó alzira Cambinda

um pequeno em busca da liberdade

os pés livres de godi

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SuMário

PéS DESCalÇo S

Em uma manhã seca e quente, rosalina – grávida de cinco meses – saiu para lavar as roupas da rica senhora Maria do l ourenço e albuquerque. Com o balaio na cabeça e um cesto na mão, ia se equilibrando pela estrada de chão batido. Era de se admirar. jogava de um lado, de outro, balançava pra frente, pra trás, e nunca aconteceu de cair o jacá. Ela só colocava uma rodilha de pano na cabeça para amortecer e melhor equilibrar o peso da lata cheia d’água.

Dona Maria, como de costume, foi refrescar-se na varanda que dava para o fundo da casa-grande. De onde estava, observava a imensidão das terras de seu esposo e senhor, e os trabalhadores que faziam parte de seu patrimônio. Foi dali que avistou a escrava caminhando em direção ao riacho, passando por uma estreita trilha, até perdê-la de vista.

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ao chegar às margens do córrego, colocou o cesto no chão e, com as duas mãos no balaio, desceu-o da cabeça e começou a separar as roupas pela cor, tipo do tecido e tamanho. Escolheu as primeiras peças e começou a lavar. Cantava canções de sua terra natal para recordar os tempos em que vivia na áfrica e, assim, aliviar o sofrimento.

rosalina nascera numa cidade africana chamada ifé. Fora trazida à força com seus pais, aos dez anos de idade, mesmo depois de proibida a comercialização de pessoas escravizadas para o Brasil. Desde que pisou em terras brasileiras, teve poucas notícias dos seus. tudo o que sabia era que o seu pai fora comprado por uns negociantes da região de São Paulo para o trabalho nas lavouras de café.

Passado algum tempo, Benedita chegou do riacho onde tinha ido lavar as roupas de outra família. Ela não era mais escrava, pois comprara sua alforria. E assim que se aproximou, rosalina pôs os olhos em seus pés e reparou suas modestas chinelas. Ela também queria usar sandálias como aquelas, mas não podia. “onde já se viu escrava calçar os pés?” – dizia sempre dona Maria à rosalina. “Seria o mesmo que calçar gatos e cachorros!” – completava ela.

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Naqueles tempos, andar calçado era somente direito das pessoas livres. o escravizado deveria andar com os pés no chão mesmo. Se fosse pego usando sapatos ou tamancos, era castigado severamente e acusado de tentar enganar as autoridades por fingir-se livre. Muitos, quando escapavam, usavam calçados para que nenhum capitão do mato desconfiasse que haviam fugido da escravidão.

– Chegou cedo, rosalina? – pergunta Benedita.

– E não foi? – responde rosalina.

– o tempo parece que vai virar...

– Parece.

Benedita começa a separar as roupas e percebe que sua amiga está zangada.

– tá de carranca na cara, mulher?

– é nada...

E esse ar de desgosto?

São os pés que estão me doendo muito. Fui lá pros lados do rio das onças alvejar os panos de sinhá l eonora, a mando de dona Maria.

– Naquela lonjura, vixe, minha nossa!

– Por isso os pés estão me doendo que só Deus pra ajudar. E pra ajuntar, o menino danou a chutar dentro da barriga. Parece que quer sair antes da hora. Está

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mostrando como vai ser: um nego danado de valente! –a prosa tá boa, mas vamos terminar logo essa lavagem, Benedita, antes que o tempo vire de vez.

– vamos.

E cantaram juntas até a lavagem acabar.

voltando para casa, rosalina pensava nos pés calçados de Benedita. Era sempre assim: de trabalho a trabalho, da cozinha para a lavagem, da lavagem para a costura e da costura para outros tantos afazeres. Sabia que aquilo não era vida pra ninguém. E tudo isso em troca de nada. Nem ao menos chinelas velhas podia usar. Dona Maria era rígida quanto a isso. “Escravo é escravo, não usa calçado algum. anda descalço engrossando a capa dos pés para aguentar o trabalho!” – repetia ela de vez em quando.

Mas rosalina não aceitava aquela história e sempre pensava no filho que nasceria em breve: “Posso até não andar calçada, mas este, sim, terá com o que calçar os pés”. Cada vez que pensava no filho, tinha suas forças redobradas para enfrentar a dureza daquela vida e seguir em frente.

Naquela noite, rosalina iria satisfazer um pouco a sua vontade de andar calçada. antes de se recolher à senzala – que ficava nos fundos da casa-grande –, pegou

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um lindo par de sapatilhas de dona Maria e levou consigo às escondidas.

as finas e delicadas sapatilhas, feitas de um material caro e adornadas com pérolas e brilhantes, encheramlhe os olhos. Naquele momento vinha-lhe a sensação de andar sem que a sola dos pés tocasse a poeira do chão.

Na apertada senzala, em meio aos outros escravizados que dormiam – muitos deles acorrentados –, andava lenta e silenciosamente de um lado para o outro, sentindo um prazer imenso invadir-lhe o corpo. “é assim que mereço andar!” – dizia ela baixinho. Mesmo assim, um homem foi despertado por essas palavras sussurradas. l evantou discretamente a cabeça para ver do que se tratava e, ao observar rosalina andando, ficou sem entender a cena. até que reparou que ela estava com os pés calçados. “ v ixe, minha nossa!” – pensou o homem, que logo voltou a dormir. Como poderia uma mulher escravizada estar na senzala de pés calçados?

“Só pode ser sonho mesmo” – concluiu ele. E era. Para rosalina significava um sonho do qual não queria mais acordar.

Embora

a fazenda ficasse um pouco afastada da zona urbana, sempre que podia, o casal l ourenço e albuquerque saía para um passeio na cidade.

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