Adriano Messias
ILUSTRAÇÕES DE MARCELO DRUMMOND E MARCONI DRUMMOND
ILUSTRAÇÕES DE MARCELO DRUMMOND E MARCONI DRUMMOND
MARCELO DRUMMOND E MARCONI DRUMMOND
Belo Horizonte Março de 2021
2ª edição
Copyright© 2014 by
Adriano Messias de OliveiraEXECUTIVO EDITORIAL: Maria Zoé Rios Fonseca | Mário Vinícius Silva
PRODUÇÃO EDITORIAL: Rafael Borges de Andrade
PROJETO GRÁFICO ORIGINAL & ILUSTRAÇÃO: Marcelo e Marconi Drummond
ADAPTAÇÃO DE PROJETO GRÁFICO PARA ESTA EDIÇÃO: Editora Baobá
CALIGRAFIA: Marconi Drummond
ASSISTENTE EDITORIAL: Olívia Almeida
DIAGRAMAÇÃO: Alexandre Alves
REVISÃO: Olívia Almeida
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
M585m Messias, Adriano
Maurícia / Adriano Messias ; ilustrado por Marcelo Drummond, Marconi Drummond. - 2. ed. - Belo Horizonte : Baobá, 2021.
140 p. : il. ; 13,5cm x 20,5cm.
ISBN: 978-65-88968-02-4
1. Literatura brasileira. 2. Aventura. 3. Memórias. 4. Aspectos históricos do Brasil holandês. I. Drummond, Marcelo. II. Drummond, Marconi. III. Título.
CDD 869.8992
2021-673
2ª edição
CDU 821.134.3(81)
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura brasileira 869.8992
2. Literatura brasileira 821.134.3(81)
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem o consentimento por escrito da editora.
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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Escrever um romance histórico-juvenil, principalmente tendo nosso país como inspiração, equivale a montar um quebra-cabeça que certamente jamais será visualizado no todo. Muitas “peças” não podem ser recuperadas, outras deverão ser criadas pelo jogador, e há sempre uma insistente lacuna que recobre certas junções, consequência da falta de documentação e de registros da memória. No final, eis a obra ficcionada, como não poderia deixar de ser; incompleta, como todo texto, e alinhavada pela melhor intenção.
Vários personagens mencionados foram pessoas que realmente existiram. Os lugares, datas, modos de vida e muitas expressões e termos idiomáticos que expliquei em notas de rodapé, ao longo do livro, são originais da época em que se passa este romance. Com isso, meu objetivo foi situar o leitor, por meio de uma leitura agradável, em um dos períodos mais profícuos da colonização brasileira: os 24 anos da história holandesa em Pernambuco.
Bem-vindo ao tempo dos flamengos!
12 de março de 1537
Recife surge como uma aldeiazinha de pescadores.
1580 - 1640
União das monarquias ibéricas (Portugal e Espanha).
1597
Nascimento de Tobias em Recife, pai de Joaquim Manuel da Silva, o personagem principal do livro.
1612
Os holandeses estão em Guiné e Mouree, na África, onde estabelecem rotas de comércio.
1618
Nascimento de Joaquim.
1572
Luta dos chamados Países Baixos por autonomia. Eles eram então dominados pela Espanha.
1593
A capitania de Pernambuco é próspera e possui centenas de engenhos de açúcar.
1606
Nascimento da mãe de Joaquim, Maria do Céu, em um vilarejo da região do Minho, Portugal.
1617
Encontro de Tobias (aos 20 anos) com Maria do Céu (aos 12 anos).
1620
Nascimento do irmão de Joaquim, Estêvão.
1623
Nascimento da irmã de Joaquim, Manuela.
1629
Manuela, aos 6 anos, vai para um convento.
1624
A Holanda, pela primeira vez, pretende tomar posse de terras brasileiras: tenta invadir a Bahia, mas os habitantes de lá resistem.
14 de fevereiro de 1630
1630 - 1635
Com o período de lutas mais intensas entre invasores e colonos, os engenhos de açúcar praticamente param de funcionar e muitos negros fogem e formam aldeias próprias, chamadas de quilombos.
Joaquim tem 12 anos e presencia a chegada dos holandeses em Pernambuco. No mesmo ano, conhece Eduwart, um jovem oficial de 25 anos que se tornaria seu amigo e mentor no mundo flamengo. Seu pai tinha então 33 anos e sua mãe, 25. Instala-se a chamada Nova Holanda, em um território que ia de Alagoas ao Maranhão. Os holandeses trouxeram consigo vários índios que tinham recebido uma educação europeia na Holanda.
1630
Fase da conquista e do apogeu do domínio holandês naquela capitania.
1631
Joaquim encontra seu irmão indígena de criação, batizado de Cristiano, aos 3 meses de idade. No dia 24 de novembro, Olinda é incendiada pelos invasores holandeses.
1634
Rendição dos habitantes à invasão holandesa. Decretase liberdade de culto para católicos e judeus, determinada pelos holandeses, que eram calvinistas.
1635
Os brasileiros conhecem e saboreiam os diferentes produtos alimentícios holandeses
1635
Aumento do número de judeus e cristãosnovos na capitania.
1636
Recife é a primeira cidade brasileira a ganhar ares de “cosmopolita”. Para ela, são trazidos mais negros escravos vindos de Guiné, Mouree, Mina e São Paulo de Luanda. Este ano também marca a primeira referência à existência de uma sinagoga no Recife.
Chegada do Conde
Maurício de Nassau a Pernambuco, na condição de governador. Tem início uma fase de prosperidade, crescimento populacional e econômico. Ocorre o primeiro protesto contra os judeus, já numerosos no comércio local. Nassau funda a Cidade Maurícia (Stad Mauritia) na ilha de Antônio Vaz, próxima ao Recife. Todos os terrenos disponíveis para construção no Recife já se acham ocupados.
1639
Ataque da esquadra do Conde da Torre, um nobre português, aos invasores, mas sem sucesso.
1638
Recife passa a ser a capital da capitania, não mais Olinda. São proibidas novas construções na excapital e, até mesmo, a reconstrução de moradias em ruínas. Criam-se, no Recife, taxas para as áreas ocupadas por residências. Os holandeses aumentam o preço do açúcar. Um dos quilombos fundados na região dos Palmares era bastante temido.
1640
D. João IV faz um jogo duplo com os holandeses: mantém um acordo com eles, mas apoia a resistência local. Transplantam-se coqueiros inteiros para os belos jardins de Maurícia. São também cultivados pomares com grandes variedades frutíferas. A vida intelectual, científica e artística é muito incentivada na capitania. Ocorre a expulsão de frades.
1642
Constrói-se, em Maurícia, o palácio Vrijburg para Nassau trabalhar. Surge um importante mercado no Terreiro dos Coqueiros, na entrada da ilha. É construída também a famosa Igreja Francesa.
Terminada uma
importante ponte entre Maurícia e o Recife, a qual fora iniciada em 1641 e paralisada em 1643.
1645/1647/1648
Vitórias brasileiras nas campanhas de libertação contra o domínio holandês. Em 13 de junho de 1645, inicia-se a chamada Insurreição Pernambucana, que se estende até o ano de 1654.
1643
O casarão Boa Vista, no outro lado da ilha, é ocupado pelo Conde como local alternativo de trabalho e moradia. Dá-se início a uma desvalorização das casas e terrenos em Maurícia. Os impostos cobrados são muito altos. Chegam frades capuchinhos à capitania.
Nassau deixa a capital da capitania acompanhado de seu séquito. Inicia-se a decadência do Brasil holandês. 1646
8.000 holandeses no Recife e em Maurícia esperam ajuda da metrópole para a subsistência. Passam fome e estão doentes. São fundados hospitais no Recife e em Maurícia.
1648
Publicação importante sobre a zoologia e a botânica brasileiras, a partir do trabalho de pesquisadores holandeses.
1650
Uma cheia de rio carrega a famosa ponte dos Afogados. Os soldados holandeses que permanecem na capitania estão sempre esfarrapados e famintos.
1653
1661
Os holandeses, enfim, reconhecem a perda de suas possessões no Brasil. É o ano em que Joaquim, o personagem principal deste livro, escreve suas memórias.
1654
Assinatura da rendição holandesa em Campina da Taborda, Pernambuco.
Guerra da Holanda com a Inglaterra.Frans Post, 1612-1680
(Amstelodami : Typographeio Ioannis Blaev, 1645)
Acervo: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin Universidade de São Paulo - USP.
Vista de Mauriciópolis, na ilha de Antônio Vaz, e do Recife, ambos na Capitania de Pernambuco. Estão representados a ponte Maurício e os fortes Ernesto, Wardenburch, Frederich Henrich, São Jorge, do Brum e do Mar. Ao fundo, à direita, observa-se ainda Olinda.
Doze anos não parecia ser muito, mas eu já conhecia bem as agruras dos canaviais naquela época. Se existisse uma engenhoca que pudesse colocar as imagens do mundo em movimento, talvez ela funcionasse em minha cabeça agora, enquanto minha mão esquerda passeia sobre este manuscrito. Hoje estou no ano de 1661 e o tempo passa lentamente ante meus olhos. Vislumbro o ontem, o amado e temido tempo dos flamengos... E, ao me lembrar de tudo, sinto esta enorme vontade de contar. Quase uma irresistível obrigação que me imponho, afinal, muito do que a gente lembra é para narrar...
Em 1634, morávamos eu, meu pai Tobias e minha mãe Maria do Céu no Recife, localidade que existia há quase cem anos. Meu pai, com trinta e três anos, era um homem cansado, impaciente, grisalho nos tufos de cabelos sobre as orelhas, e cheio de falhas nos dentes que apodreciam. Poderia se dizer que era um homem vivido. De qualquer forma, não se vive muito para além dos quarenta anos, em especial nesta terra austral de lutas inglórias, doenças palustres, más
intenções, velhacaria, sol tórrido, e a insistência do facão dos traidores a roubar-nos a vida pelas costas.
Eram as mãos de meu pai calejadas, cobertas por veias altas, com alguns sulcos desaparecendo rumo aos dedos tortos. As unhas sempre negras de terra, os braços e pernas lanhados pelas folhas das canas, dos capins altos, das plantas espinhentas e venenosas. Seu rosto era pesado, parecendo indício de quando iria chover muito e o Capibaribe1 inundaria as terras cultivadas. Como nuvens tempestuosas, suas rugas se dobravam em expressão sisuda. Os pés, apesar de sempre nus, eram cobertos, dos calcanhares às solas e dedões, por uma crosta permanente, cheia de cortes que sangravam todos os dias. Às vezes, hissopo2 com sal em água morna na gamela aliviava as dores, como dizia minha mãe, sempre tão zelosa.
Ah, sim!... Minha mãe era a antítese de meu pai. Portuguesa de nascimento, órfã e miserável minhota3, teve na misericórdia dos jesuítas seu fado: viajar para a colônia, onde faltavam mulheres parideiras, de ancas largas e braços fortes para a labuta. Ela me contara que quase tinha morrido na viagem, ficando muito tempo alojada no porão de uma nau de porte médio. Por semanas ela se estendeu febrilmente sobre o feno que se acumulava fétido sobre as pedras que