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APROFUNDAMENTO
Frans Post e o Brasil do século XVII
Frans Jansroon Post (1612-1680) é considerado o primeiro pintor a retratar paisagens geográficas e humanas do Brasil – especificamente do Nordeste do século XVII. Ele integrava a comitiva de artistas, naturalistas e engenheiros que o Conde de Nassau, então nomeado Governador do Brasil Holandês, havia convidado para conhecer a exótica colônia ultramarina durante um período de sete anos (16371644). E Post tinha especial talento para retratar a cor local.
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Sua formação acadêmica é obscura: sabe-se que nasceu e se educou em Haarlem, na promissora província de Flandres – que, naquela época, contava com muitas agremiações de artistas. Post foi um cronista das imagens: retratou relevos, modos de vida, arquiteturas e feitos militares holandeses no Novo Mundo, vindo a deixar pelo menos dezoito quadros a óleo (de 60 x 90 cm), todos produzidos durante sua experiência no lado de cá do Atlântico. Estes foram presenteados ao rei Luís XIV após a morte de Nassau, sendo que apenas sete podem ser apreciados atualmente.
Mesmo após retornar à Holanda, Frans Post continuou com os temas brasileiros. Para o pesquisador José Roberto Teixeira Leite, o pintor traz certo ineditismo ao apresentar temáticas tropicais, deixando de lado a pintura de caráter religioso, que sempre recebia mais ênfase na época (cf. LEITE, 1988, p. 420). Pode-se afirmar que Post deixou de lado a vertente exótica – o que seria mais esperado de um europeu em terras desconhecidas – para desenhar paisagens em maior conformidade com a realidade que o rodeava.
Ao todo, ele produziu mais de cem quadros, todos a óleo, inspirados nos esboços que levara do Brasil para a Holanda. Em seu trabalho, nota-se o aumento do interesse na fauna e flora, os quais foram ganhando ares de exuberância.
Dentre as características do trabalho de Post, realizado especificamente no Nordeste, ressaltam-se criações panorâmicas e informativas, muito em voga naquela época, em que as linhas baixas no horizonte permitem que os céus apareçam muito abertos, criando um equilíbrio com a vegetação e com os demais motivos pictóricos. Os tons preferidos por ele estão muito mais de acordo com a pintura que se fazia na Holanda – com uma luz difusa –, do que com a fotografia tropical.
Diários em romances
Vários romances têm estrutura de diários. Um dos mais famosos é, sem dúvida, O diário de Anne Frank, escrito pela adolescente judia Anne Frank. Ela narra, no contexto histórico da Segunda Guerra, a perseguição à sua família e a outros judeus na Holanda. Trata-se de um texto forte, contundente, considerado um dos mais importantes do século XX.
No estilo do terror gótico, temos o magistral Drácula, de Bram Stoker, estruturalmente composto como romance epistolar: a história em torno do vampiro aristocrata é tecida por meio de uma série de relatos em diários, cartas e registros de bordo. Ainda no panorama anglófono, temos Pamela, de Samuel Richardson, em que uma empregada de quinze anos, na Inglaterra do século XVIII, descreve seu desespero perante as investidas do filho da patroa.
Outra obra que merece destaque é O romance luminoso, de Mario Levrero, tido como um dos principais romances latino-americanos. Na trama, um homem na faixa dos sessenta anos deseja escrever um livro, mas tem de se confrontar com suas manias, obsessões, fobias, transtornos do sono e hipocondria – enfim, um livro sobre o inenarrável.
Em Precisamos falar sobre o Kevin, Lionel Shriver seduz o leitor com sua personagem Eva, que conta a história do filho, Kevin, por meio de cartas que ela própria envia ao marido. O leitor se torna um espectador dos dramas familiares mediante a leitura daquelas cartas.
A cor púrpura, de Alice Walker, tem como cenário o estado americano da Geórgia em 1906. Celie, jovem negra e semianalfabeta, havia sido afastada dos filhos para ser escrava e “esposa” de um senhor. Então, ela decide escrever cartas, em sua maioria destinadas a Deus, e outras encaminhadas à sua irmã Nettie.
Na literatura nacional, temos títulos como Minha vida de menina, de Helena Morley, que conta, em tom confessional e bem-humorado, a história de uma garota provinciana da cidade mineira de Diamantina, em fins do século XIX. Já Quarto de despejo – Diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, figura entre nossos grandes livros em estilo de diário. Carolina foi uma mulher negra, pobre e semianalfabeta que conseguiu relatar, pela escrita, as durezas e as esperanças da vida. Diário do hospício, obra póstuma de Lima Barreto, narra o breve período em que o autor ficou internado no Hospital Nacional dos Alienados, no Rio de Janeiro. E, do desejo autobiográfico, surgiu
a ficção. Este livro foi a base para o inacabado O cemitério dos vivos, também de Barreto, cujo protagonista igualmente vem a ser internado em um hospício. E Informação ao Crucificado, do grande cronista Carlos Heitor Cony, relembra o período em que o escritor estudou em um seminário. Para isso, ele criou um personagem chamado João Falcão, um jovem cheio de conflitos e prestes a se ordenar.
Todas essas obras podem ser enquadradas no subgênero epistolar, que teve seu auge nos séculos XVIII e XIX. Nele, a história é narrada por meio de cartas, diários ou até mesmo notícias de jornal. Quando se trata de relatos totalmente ficcionais, uma das funções estéticas do romance epistolar vem a ser dar mais realismo ao enredo: é o chamado realismo pseudodocumental. Textos epistolares podem ser monológicos – um só narrador –, como no caso de A Carta, de Pero Vaz de Caminha, dialógicos – com dois personagens em diálogo, a exemplo de As relações perigosas, de Choderlos de Laclos –, e polilógicos, em que diversos personagens dialogam, como se dá em Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso.
No âmbito dos romances epistolares, a especificidade do diário é que ele costuma empregar um único correspondente. Ainda que um romance epistolar seja comumente composto por cartas, ele pode empregar outros modelos e suportes, como os das redes sociais (na forma de chats, postagens, e-mails, etc.). Nos smartphones, são cada vez mais comuns os chat stories, e vários aplicativos oferecem visibilidade para isso, com milhões de leitores espalhados por todo o planeta. As narrativas são contadas por mensagens mediante a interface de um aplicativo genérico.
Os holandeses no Brasil do século XVII: antecedentes históricos
Após a unificação da Espanha, o que se deu em fins do século XV, o país se tornou uma potência. Um dos próximos objetivos seria tentar unificar toda a Península Ibérica incorporando Portugal, mas isso não se daria sem resistência da gente lusitana. Porém, em 1578, o último monarca da dinastia de Avis, o rei Dom Sebastião, desapareceu em uma batalha sem deixar nenhum herdeiro. O único sobrevivente masculino de Avis era o cardeal Dom Henrique, que assumiu a regência do país, mas veio a falecer em 1580. Foi nesse momento que Felipe II, da Espanha, também da linhagem de Avis, viu a oportunidade ideal para ocupar o país vizinho e tomar o trono até 1640. Foram sessenta anos de unificação ibérica.
Nesse contexto, Portugal já era um forte parceiro mercantil dos holandeses, os quais financiavam tanto a produção açucareira na colônia brasileira quanto controlavam a comercialização do produto na Europa. A Espanha, por sua vez, tinha intenções de dominar os Países Baixos, dos quais a Holanda fazia parte. Como reação, sete províncias do Norte dos Países Baixos – nelas incluída a Holanda – criaram, em 1581, a República das Províncias Unidas. A finalidade principal era se fortalecerem e garantirem a autonomia frente aos espanhóis.
A incorporação de Portugal pela Espanha teve também o objetivo de impedir a comercialização holandesa do açúcar proveniente do Brasil. Uma nova reação dos holandeses foi a criação da Companhia das Índias Orientais, em 1602, e, em 1621, da Companhia das Índias Ocidentais.
Porém, para controlarem a produção e a comercialização do açúcar, foi preciso também se apoderarem de parte da colônia lusa. Com uma frota de vinte e seis navios e quinhentos canhões, os holandeses fizeram uma primeira invasão em 1624 atacando Salvador, mas foram expulsos. A segunda investida se deu em Pernambuco seis anos depois, quando foram conquistadas as vilas de Olinda e Recife. O vasto território ocupado ia do Sergipe ao Maranhão e ficou conhecido como Brasil holandês. Para governador, foi nomeado o Conde Maurício de Nassau, que chegou ao Recife em janeiro de 1637. Sua administração durou até 1644.
Em 1640, com o fim do domínio espanhol sobre Portugal, o novo rei português, D. João IV, empreendeu a recuperação da parte do Nordeste que estava em mãos holandesas. Nassau já havia ido embora e os senhores de engenho estavam insatisfeitos com os aumentos dos impostos. Teriam início as guerras de recuperação das terras portuguesas.