SEGREDOS DO SAPATEIRO MÁGICO

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Segredos Segredos ÇÃ O

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Sapateiro SapateiroMágico Mágico LE

Manuel Manuel Filho Filho

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Ilustrações: Ilustrações: RafaRafa Antón Antón


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Manuel Filho

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Segredos do sapateiro mágico

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ilustrações de Rafa Antón

Belo Horizonte Dezembro de 2021 1ª edição


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Copyright © 2021 by MANUEL FILHO EDITOR Rafael Borges de Andrade

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SUPERVISÃO EDITORIAL Maria Zoé Rios Fonseca de Andrade

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GERENTE EDITORIAL Mário Vinícius Silva

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ASSISTENTE EDITORIAL Palloma Landin

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ILUSTRAÇÕES Rafa Antón

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PROJETO GRÁFICO Mário Vinícius Silva DIAGRAMAÇÃO Alexandre Alves

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COPIDESQUE E REVISÃO Isabel Ferrazoli

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REVISÃO DE PROVAS Lílian Oliveira

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CONSELHO EDITORIAL Renata Amaral de Matos Rocha Paula Renata Melo Moreira Maria do Rosário Alves Pereira José Ribamar Lopes Batista Júnior

F481s

Filho, Manuel

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

Segredos do sapateiro mágico / Manuel Filho ; ilustrado por Rafa Antón. - Belo Horizonte : RHJ, 2021. 112 p. : il. ; 20,5cm x 27,5cm.

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ISBN: 978-65-88618-20-2

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1. Literatura infantil. 2. Mistério. 3. Fantasia. 4. Imaginação. I. Antón, Rafa. II. Título. 2021-4812

CDD 028.5 CDU 82-93

Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949 Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infantil 82-93

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Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem o consentimento por escrito da editora.

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Todos os direitos reservados à: RHJ Livros Ltda. Rua Helium, 119 – Nova Floresta – Belo Horizonte/MG CEP: 31140-280 Telefone: (31) 3334-1566 editorarhj@rhjlivros.com.br

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Impresso no Brasil Printed in Brazil


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Para meu querido amigo Gil Vieira Sales

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Sumário

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capítulo 1 – O neto do sapateiro ................................................ 7

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capítulo 2 – Minha vila é esquisita........................................... 10

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capítulo 3 – Uma visita sinistra................................................. 12

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capítulo 4 – Um filho perdido.................................................... 16

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capítulo 5 – O mundo encantado............................................... 19

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capítulo 6 – É chegado o dia...................................................... 22

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capítulo 7 – A história se repete?............................................. 25

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capítulo 8 – O que ela vai pensar?............................................. 29 capítulo 9 – Um amigo?................................................................ 32 capítulo 10 – Um parceiro inesperado...................................... 35

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capítulo 11 – Eu pertenço a este mundo.................................. 38 capítulo 12 – Surge uma pista..................................................... 41 capítulo 13 – Um amigo suspeito................................................ 45 capítulo 14 - O esperado............................................................. 49

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capítulo 15 – A história e a princesa........................................ 52

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capítulo 16 – O fim da história?................................................ 56


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capítulo 17 – Uma proposta irrecusável................................... 59

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capítulo 18 – Aqui também tem isso?......................................... 62

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capítulo 19 – Um garoto muito rico......................................... 67

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capítulo 20 – Ploc!........................................................................ 70

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capítulo 21 – Caindo do céu....................................................... 73

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capítulo 22 – Um pedido esquisito............................................. 76

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capítulo 23 – Um voo terrível.................................................... 79

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capítulo 24 – Uma bota difícil de tirar.................................... 82 capítulo 25 – Finalmente, o passado......................................... 85 capítulo 26 – Um pacto sinistro................................................. 91

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capítulo 27 – O líquido tão poderoso é... ................................. 94 capítulo 28 – Uma nova chance.................................................. 98 capítulo 29 – Outro pedido incorreto?.................................. 101 capítulo 30 – Um abraço compartilhado................................ 105

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paratexto – Para pensar sobre a caminhada.......................... 108


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O neto do sapateiro

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CAPÍTULO 1

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Minha família é bem pequena. Eu e minha mãe, só.

Não cheguei a conhecer meu pai, ele desapareceu há muito tempo,

LE

mas minha mãe acha que ele ainda vai voltar. Ela fala pouco sobre o as-

CO

sunto, porém, com carinho e saudade. A conversa sempre termina com um

DA

pedido para que eu jamais me esqueça de que ele me amava e, com certeza,

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continua me amando.

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– O que você não pode fazer, filho – completava ela, procurando

me deixar bastante assustado –, é se aproximar do seu avô. Nunca, ouviu? Nunca!

O

Era como se o vovô fosse um bicho-papão, um monstro. O pior é que

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eu nem sabia que ainda tinha um. Só tomei conhecimento dele porque, certo dia, um garoto que me achava esquisito se aproximou e disse: – Seu avô é o sapateiro da floresta! Sim, no pequeno vilarejo em que moro, fala-se de um sapateiro an-

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cião, estranho, com péssima fama. As crianças morrem de medo dele, mes-

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mo aquelas que nunca o viram. Vive isolado no meio da floresta e, de tão

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raras suas aparições, a maioria das pessoas nem se lembra de que ele existe. – Mentira sua – respondi. 7


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– É verdade! Ouvi o padeiro comentando que alguém precisava ir vi-

sitá-lo, ver se ele estava bem, pois nem a família se preocupa mais com ele.

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Aquele garoto resolveu me contar tudo o que sabia, se alegrando

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com cada desagrado meu. De acordo com o que ele escutou, meu pai ha-

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via desaparecido em uma noite chuvosa, durante uma visita ao meu avô.

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Depois desse ocorrido, o misterioso sapateiro se isolou de vez. Não falou

ÇÃ O

com ninguém nem aceitou mais encomendas. Meu pai tinha sumido sem deixar uma única pista, como se tivesse se desfeito no ar.

LE

Naquele dia voltei chorando para casa. Outros moleques se reuni-

CO

ram, e, rapidamente, me tornei o neto do sapateiro da floresta.

Quando cheguei, abatido, mamãe quis saber o que tinha acontecido.

DA

Ao ouvir minhas primeiras palavras, o

O

rosto dela mudou de expressão. Man-

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dou que eu ficasse calado, fechou as janelas e cochichou comigo em um

canto. Fiquei com medo. Ela nunca

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tinha agido daquele jeito.

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– Meu filho, me escute – disse

ela. – Nunca se aproxime daquele homem.

– Mas, mãe, por quê? Quem

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é ele? – nem sei se fiz mes-

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mo essas perguntas, pois fiquei

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realmente assustado naquela hora, como se minha casa, de repente, tivesse se tornado um lugar perigoso.

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– Foi por causa dele que seu pai desapareceu; isso é verdade. Vou lhe

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contar tudo. Acho que só assim você ficará protegido. Escute com muita

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calma...

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E ela me contou toda a história... Eu não sentia mais raiva dos garo-

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tos que me provocaram. Se não fosse por eles, talvez nunca descobrisse a verdade. A cada palavra, ia compreendendo mais e mais sobre quem eu era

LE

e o passado da minha família. Quando, finalmente, mamãe terminou, nós

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dois estávamos abraçados, com saudades do papai.

– Entendeu que você não pode se aproximar do seu avô de jeito ne-

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– Prometo, mãe, prometo, sim.

DA

nhum? Diga para mim que jamais vai fazer isso. Ela me beijou aliviada.

Descobrir a história do meu pai despertou algo dentro de mim. Mi-

nha mãe não sabia, mas decidi fazer exatamente o contrário do que havia

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pai estava.

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prometido: iria encontrar meu avô, e ele teria que me dizer onde é que meu

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Minha vila é esquisita

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CAPÍTULO 2

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Nunca saí daqui, deste vilarejo onde moro, por isso não posso

cantinho do mundo deve ser bem diferente.

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compará-lo com outros, mas, pelo que alguns viajantes contam, este

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Em primeiro lugar, minha região é considerada bastante perigosa.

Estamos cercados, ao sul, por uma floresta quase impenetrável e, ao norte,

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por um vulcão. Ninguém se lembra de tê-lo visto soltando lava, então, as

O

pessoas por aqui acham algo bem difícil de acontecer. Com alguma fre-

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quência ocorrem tremores de terra, e isso sempre assusta os viajantes, que

ficam com medo de que o vulcão esteja prestes a explodir. Alguns tremores são tão regulares que os moradores marcam compromissos no momento em que suas camas tremem. É a melhor maneira para não se perder um

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horário: ser atirado dos lençóis direto para o chão.

As ruas são tão estreitas que, em algumas delas, só pode passar uma

pessoa de cada vez. Isso é um pouco incômodo, se for considerado que as

moradias possuem quintais gigantescos. Bastava afastar a casa um pouquinho para trás, e a rua já seria mais larga. Às vezes, quando se caminha por

DI

alguma viela, se escuta exatamente o conteúdo das conversas das pessoas.

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Isso, sim, virou um problema, quer dizer, passou a ser desde que des-

cobri a história da minha família. Eu tinha a impressão de que alguém

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estava sempre cochichando a meu respeito. No início, eu imaginava que 10


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o assunto fosse o desaparecimento do meu pai, porém, comecei a prestar

atenção no que diziam e notei que falavam coisas muito diferentes do que

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eu pensava:

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– Ele é o neto do sapateiro.

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– Esse menino é muito esquisito.

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– Dizem que se parece muito com o avô monstruoso dele. – O pai não vai voltar nunca mais.

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– Por que é que eles não somem também?

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– Eles deveriam ir embora da vila. Acho que trazem azar.

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Fiquei muito triste quando descobri que eu e minha mãe éramos,

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na verdade, muito odiados por toda aquela gente. A primeira decisão ló-

gica seria a de ir embora, fugir dali como tantas pessoas queriam. Mas, ao

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O

mesmo tempo, isso era impossível. Minha mãe ainda esperava o retorno

do meu pai. Afinal, assim como sumiu, ele poderia voltar. Ninguém desaparece no ar, tinha que haver uma explicação.

Eu realmente queria acreditar que meu avô sapateiro poderia me re-

O

velar toda a história. Eu era um bebê quando tudo aconteceu, e agora, que

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havia crescido, ele teria que confiar em mim. Já tinha me decidido por

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procurá-lo, porém, onde encontrar meu avô?


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Uma visita sinistra

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CAPÍTULO 3

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Passei uma semana inteira procurando pistas que me levassem à casa

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do meu avô. Recordar o que a mamãe tinha me dito poucos dias antes

ajudava bastante, mas ela não tinha me dado nenhuma informação sobre

LE

o local em que ele se encontrava.

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Conforme a história, minha família era bastante comum, como as

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demais do vilarejo. Meu avô, viúvo há anos, trabalhava com sapatos aten-

dendo a maior parte da população. Papai era filho único e ajudante dele.

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Um dia, mamãe chegou à sapataria para pedir um conserto e foi atendida

por ele. Pronto, amor à primeira vista. Acabaram se casando, e eu nasci dois anos depois disso. Vovô resolveu ir viver sozinho de uma vez por to-

das num casebre que ele possuía na floresta. Era um refúgio que ele havia

O

construído tão logo se tornou viúvo. Dizia que gostava do silêncio das ár-

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vores, ainda que meu pai preferisse que ele permanecesse na vila.

Meus pais foram morar nos fundos da sapataria, e a vida corria do

mesmo jeito de sempre. De dia, os três trabalhavam juntos e, à noite, meu avô se retirava para a floresta.

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Porém, certa vez, uma coisa esquisita aconteceu. Minha mãe disse

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que se lembrava claramente daquele dia. Era o início da primavera. Uma mulher muito idosa, com uma capa preta que lhe cobria todo o corpo, che-

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gou à sapataria e disse que queria falar com o sapateiro mais antigo da casa. 12


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Imediatamente minha mãe chamou meu avô. Assim que viu a estranha, ele levou um susto. Mandou minha mãe se retirar para a casa dela, trancou

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toda a loja e ficou sozinho com a idosa.

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Pouco tempo depois, a mulher saiu enfurecida e desapareceu pelas

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vielas.

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– Vou para minha casa – disse meu avô apressadamente.

ÇÃ O

– Quem era essa mulher tão... esquisita? – indagou minha mãe. – Não interessa – irritou-se ele, o que deixou minha mãe bastante

LE

assustada. – Ela não deverá voltar mais aqui depois que eu...

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– Depois que o senhor o quê? – preocupou-se meu pai.

DA

– Agora não posso explicar. Fiquem aqui e façam de conta que nada

aconteceu.

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Meu avô deixou a sapataria carregando um pacote muito estranho e

desajeitado. Minha mãe disse que nunca tinha visto nada parecido. Sem

dizer uma única palavra a mais, ele correu em direção à floresta. Meu pai tentou segui-lo, mas minha mãe o impediu.

O

– Nunca vi seu pai tão nervoso – disse ela. – Melhor que ele fique

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sozinho por um tempo. Depois, mais tarde, vamos lhe fazer uma visita.

Era essa a ideia, porém, à noite, uma forte tempestade se formou,

algo nunca visto antes. O vento, intenso como um furacão, parecia querer derrubar as casas.

DI

Meu pai falou para minha mãe:

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– Vou ver meu pai. Depois do que aconteceu hoje, fiquei muito preo-

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cupado com ele.

– Vamos esperar passar essa chuva, e aí... – pediu minha mãe. 13


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– Não! Tenho medo de que aconteça alguma coisa com ele, sozinho

lá na floresta.

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Mamãe me contou que papai se aproximou do berço e falou para ela

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tomar conta de mim, pois eu era a coisa mais preciosa do mundo.

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Ele se agasalhou, colocou uma bota pesada e saiu. A chuva já havia se

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transformado em tempestade. Imensas pedras de gelo começaram a cair,

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fazendo o telhado tremer. Minha mãe ficou apavorada, me pegou, se encolheu num canto e ficamos assim até que tudo terminasse.

LE

Ela não se lembra de quanto tempo a chuva demorou, mas, quando

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acabou, muito havia sido destruído. Ao se sentir segura, abriu a porta e

DA

observou que havia várias pessoas na rua, arrastando coisas quebradas e

– Fogo!

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alguém gritou:

O

tentando tirar pedaços de árvores e detritos do meio da rua. De repente,

Todos olharam em direção à floresta, e, realmente, um grande clarão

provinha de lá. Era assustador imaginar que aquele incêndio pudesse se

O

aproximar da vila. As pessoas começaram a desfazer tudo o que estava amon-

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toado, de forma que nenhuma faísca pudesse iniciar um incêndio no meio

de tantos destroços trazidos pela chuva. Mas minha mãe estava ainda mais preocupada, pois o fogo vinha exatamente da direção da casa do meu avô.

Foi uma noite difícil, com toda a população vigiando e apagando

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qualquer início de chama em telhados ou no mato. Então, uma chuva sua-

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ve começou e colaborou para apagar o incêndio.

Amanheceu, e nenhum sinal do meu pai. Minha mãe esperava que

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ele estivesse seguro com meu avô, e só havia um jeito de ter certeza disso: 14


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indo até lá. Só que ninguém queria ajudá-la. Estavam todos muito preocupados com suas próprias perdas.

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Ela finalmente decidiu ir atrás dele, e isso iria tornar uma situação

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que já estava ruim em algo imensamente pior.


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CAPÍTULO 4

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Um filho perdido ÇÃ O

Sozinha!

Minha mãe resolveu ir sozinha procurar meu pai. Não suportava ima-

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ginar que ele estivesse ferido, abandonado na mata. O caminho até a casa

CO

do meu avô não tinha fama de perigoso, como atualmente, mas depois daquela tempestade não se sabia em que situação estaria. Poderia haver árvo-

DA

res caídas, muita lama, algum animal assustado, perdido ou, pior, com fome.

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Ela me deixou com uma amiga, pois ainda tinha amigos naquela

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época, e prometeu que voltaria logo.

O caminho realmente não se mostrava amigável. Havia destroços,

mas minha mãe conseguiu reconhecê-lo. Ele serpenteava por entre árvo-

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res, como se fosse um labirinto, forrado por pedras de todos os tamanhos

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possíveis. Como ainda era dia, o sol conseguia iluminar um pouco daquela floresta tão fechada.

Com a luminosidade, ficava mais fácil observar por entre os troncos

em busca de uma pessoa caída. Mamãe ficava cada vez mais tensa. Se pa-

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pai tivesse conseguido chegar até a casa do vovô, ele poderia estar seguro,

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porém, isso não a confortava. Talvez estivesse ferido e não conseguisse

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se locomover. Foi assim, especulando e olhando por todos os cantos, que

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chegou ao casebre do vovô.

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Bateu à porta com expectativa. Escutou alguns barulhos estranhos,

mas ninguém apareceu. Quando pensou em forçar a porta, vovô a abriu,

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assustado.

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– Entre rápido. Não fique aí fora parada – disse ele agitado.

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Mamãe obedeceu, e ele fechou a porta rapidamente. Estava tudo

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bastante escuro, e ela levou alguns segundos para se acostumar. Parecia que

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a única luz que havia na casa era a de um fogo que esquentava um caldei-

rão. Ela correu os olhos pelo lugar, mas não viu qualquer sinal de meu pai.

LE

– O Frederico? Ele está por aqui? – perguntou.

CO

Vovô parecia aflito, tentando esconder alguma coisa. Quanto mais

revirava os espaços, mais coisas ele derrubava, aumentando a desordem do

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lugar.

O

– Não – respondeu ele sem prestar muita atenção. – Não vejo o Fre-

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derico desde ontem à tarde quando... – de repente ele parou de falar.

– Agora eu estou realmente preocupada. Ele me disse que vinha para

cá, ver se o senhor estava bem por causa da tempestade.

O

– Estou ótimo – disse ele. – Vá para sua casa e fique por lá, tenho

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certeza de que o Frederico vai voltar.

Minha mãe estranhou que meu avô não demonstrasse nenhuma rea-

ção mais forte. Meu pai era o único filho dele, que ele amava e que, possi-

velmente, estava desaparecido. O que ela esperava era que meu avô saísse

DI

dali e fosse ajudá-la a procurá-lo. Havia alguma coisa estranha, e ele pare-

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cia estar querendo se livrar dela.

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– O senhor está passando bem? – Sim, mas – ele mudou de atitude – e o bebê? Onde está o Tico? 17


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– Na vila, seguro.

– Pois volte agora para casa e fique com ele, ouviu? Tome conta,

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proteja, filhos são as coisas mais preciosas do mundo. Você jamais iria se

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perdoar se qualquer coisa ruim acontecesse com ele.

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– Por que está me dizendo isso? O senhor sabe de alguma coisa que

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eu não sei? Por favor, o Frederico passou por aqui? – foi então que ela viu

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um pé da bota de Frederico perdido em um canto da sala.

– Essa bota é do Frederico. O que foi que aconteceu? Onde ele está?

LE

– É muito difícil de explicar, minha filha – disse meu avô. – Mas

CO

confie em mim. Deixe essa bota comigo e vá para casa. Logo Fred vai vol-

DA

tar para você, para o Tico. Vai demorar um pouco, mas...

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se fosse criança.

O

Foi então que o vovô desmoronou. Sentou e começou a chorar, como – Mas, meu sogro, me diga o que aconteceu – pediu minha mãe, ten-

tando acalmá-lo.

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– Uma coisa terrível, terrível, e foi culpa minha, tudo culpa minha!

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O mundo encantado

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CAPÍTULO 5

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Cansada, surpresa e preocupada, a única palavra que minha mãe con-

seguiu distinguir da estranha história que meu avô lhe contava foi: bruxa.

LE

– Mas que bruxa? – perguntou ela. – Isso não existe.

CO

– Desde que mudei para a floresta, comecei a perceber coisas estra-

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nhas. No início, pensei que fosse minha imaginação, mas, com o tempo, des-

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começaram a falar comigo...

O

cobri que eu vivia num mundo que não era mais o meu. Quando os animais – O senhor está delirando, só pode ser. Por favor, diga logo onde está

o Frederico. Essa bota é dele, tenho certeza. Onde está o outro pé? – impaciente, minha mãe revirou os objetos

O

atrás do outro par, mas não o encontrou.

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aqui.

– Não adianta procurar. A bota não está mais – E onde está?

– No pé dele – meu avô apontou para um velho

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espelho. – Lá, do outro lado do espelho.

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Minha mãe se aproximou do espelho

envelhecido e olhou atrás dele, mas não

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viu nada.

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– Não achei.

– Eu quis dizer que ele está do outro lado do espelho; não, atrás, mas

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dentro do espelho.

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– Chega! – impacientou-se minha mãe. – Não estou aguentando

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mais essa brincadeira. Quero saber onde está o Frederico, AGORA!

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– Eu não sabia, mas este lugar é mágico. Os animais me avisaram.

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– Animais não falam!

Mamãe estava muito irritada. Ela viu um ratinho numa gaiola e ten-

LE

tou conversar com ele:

CO

– Vamos, fale comigo, qualquer coisa! – o rato permaneceu em silên-

DA

cio. – Está vendo? Isso não faz o menor sentido.

– É que isso só acontece uma vez por ano, e a última vez foi justa-

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O

mente ontem, quando o Frederico chegou aqui... durante o furacão – disse

meu avô. – No exato local em que esta casa foi construída, morreu uma fada muito poderosa no início da primavera. Quando isso acontece, um

portal se abre para o Mundo Encantado na data e no local em que ela

O

morreu. Assim, comecei a receber visitas de duendes, fadas e vários outros

VU LG AÇ Ã

seres mágicos. Eles conseguem vir para nosso mundo pelo espelho. – Pelo espelho?

– Sim – prosseguiu vovô. – Como se fosse uma passagem especial.

DI

Uma vez, tentei ir para o outro lado, mas não consegui.

E

– Por quê? – perguntou mamãe.

AL D

– Para ir ao Mundo Encantado, precisamos de algo que pertença ao

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mundo deles. Pouquíssimas coisas ligam nossos mundos, e somente os

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duendes e as fadas conseguem transitar pelos dois sempre que quiserem, independentemente da abertura do portal. No ano passado, um duende

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meio perverso resolveu deixar um negócio precioso comigo, garantindo

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que eu poderia ir para o mundo das fadas com ele. Acontece que eu não

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poderia deixar ninguém pegá-lo, pois seria muito perigoso se caísse em

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mãos erradas. Fiquei ansioso pela chegada do dia em que eu poderia, finalmente, cruzar o espelho. Lembra aquela mulher que apareceu na sapataria?

LE

– Sim, não dá para me esquecer dela.

ÇÃ O

Que vocês acharam meio estranha? – perguntou o vovô.

CO

– Ela é uma bruxa que quer ganhar o poder de entrar e sair do nosso

mundo quando quiser. Raramente bruxas conseguem atravessar o espelho,

DA

mas essa enganou uma fada e conseguiu o poder temporário de cruzá-lo.

O

Ontem, eu a impedi de me tomar o objeto, mas o preço foi muito alto.

_C ÓD IG

Meu querido filho atravessou o portal, e agora temos que esperar a próxima primavera para tentar trazê-lo de volta.

Passaram-se várias primaveras, e meu pai jamais apareceu. Minha

O

mãe passou a ter certeza de que tudo aquilo era mentira. Depois de alguns

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anos, sem notícias do meu pai, ela abandonou o vovô.

Mamãe ainda achava que meu pai iria reaparecer e explicar o que

aconteceu, mas eu não queria esperar mais. Se ele estava preso em algum lugar, eu o tiraria de lá mesmo que tivesse que partir aquele espelho em

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mil pedaços.

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CAPÍTULO 6

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É chegado o dia ÇÃ O

É muito chato saber que seu pai sumiu. Se nos encontrássemos no

meio da vila, isso seria um grande problema, pois eu não teria como reco-

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nhecê-lo. Será que me pareço com ele? Fica difícil afirmar, pois não restou

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nenhuma imagem.

De nenhuma forma, o aniversário do sumiço do meu pai havia che-

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gado. Minha mãe sempre ficava triste nesse dia, falava menos, distraída,

O

provavelmente pensando no que tinha acontecido no passado. Se antes eu

_C ÓD IG

desconhecia os detalhes da história e não tinha como me envolver, agora eu era capaz de compreender.

Depois do desaparecimento do meu pai, ninguém mais se aventu-

O

rou para aqueles lados da floresta com medo de sumir também. Algumas

VU LG AÇ Ã

semanas depois que eu tinha ficado sabendo de tudo, descobri o caminho para a casa do meu avô.

Justamente no dia do aniversário de sumiço do meu pai, fui à floresta

bem cedo e notei que várias partes da mata estavam desgastadas, com ár-

DI

vores derrubadas e caminhos reconstruídos, porém, em um dos lados, ela

E

estava praticamente intocada. Essa foi a minha primeira pista. Antes, eu

AL D

achava que aquela parte da floresta era daquele jeito porque não devia ter

MA TE

RI

nada de interessante por lá, mas agora sabia que era outra a razão. É onde 22


30 20 00 00 0

mora meu avô. Como ninguém mais quis se aproximar daquele lugar, a mata foi se fechando dia a dia. A próxima pista que encontrei veio da his-

30

tória da minha mãe. Ela me disse que havia um caminho sinuoso e cheio

P2

de pedras. Eu me aventurei por aquela floresta meio que me arrastando,

40

pois era realmente difícil penetrá-la. Notei que, sob um manto de folhas

11

secas, havia pedras colocadas tão certinhas que só poderiam pertencer à antiga estrada. Prestei bem atenção em tudo e voltei para casa para pegar

ÇÃ O

umas coisas.

LE

Como eu sabia que mamãe ficaria desatenta pelo resto do dia, en-

CO

tendi que seria fácil sair de casa, de novo, sem levantar suspeitas. Coloquei minhas botas em uma sacola, joguei pela janela e avisei que ia sair.

DA

– Volte logo – disse ela. – Não fique fora até muito tarde. Hoje é um

O

dia estranho, não vá para longe de jeito nenhum.

_C ÓD IG

A voz dela estava trêmula, um pouco diferente. Tive a impressão de

que ela teria pressentido alguma coisa. Saí, peguei a sacola e corri o máxi-

mo que pude, antes que alguém tentasse falar comigo, me impedir, ou sei

O

lá o quê. Só parei de correr quando atingi a entrada da floresta, que eu já

VU LG AÇ Ã

havia deixado sinalizada. Calcei as botas, coloquei-me de pé, respirei fun-

MA TE

RI

AL D

E

DI

do e, finalmente, dei o primeiro passo em direção à casa do meu avô.

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E

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P2

A história se repete?

30

CAPÍTULO 7

11

Andar no meio da floresta com aquela bota estava sendo mais difícil

ÇÃ O

do que eu imaginava. Como minha mãe descrevera, era um labirinto for-

mado por gigantescas árvores. Havia um colchão de folhas e, frequente-

LE

mente, eu era surpreendido pela profundidade. Quando achava que ia pi-

CO

sar no chão, minha perna afundava, quase sumindo por entre galhos secos.

DA

Pelo menos, conseguia ter a certeza de que estava no rumo certo. Na sola da bota, havia um pedaço de metal e, cada vez que ele batia numa das pe-

_C ÓD IG

O

dras que formavam o caminho, produzia um estalo inconfundível: PLIM!

Embora o dia ainda estivesse claro, nuvens ameaçadoras escureciam

o céu. Fiquei com medo de enfrentar uma chuva como a do dia em que meu pai sumiu. Para piorar, acabei afundando nas folhas com uma das

O

botas e não consegui puxá-la para fora de jeito nenhum. Fiz tanto esforço

VU LG AÇ Ã

que, de repente, minha perna inteira escapou e acabei caindo de mau jeito no colchão de folhas.

“Agora, sim”, pensei. Até tentei puxar o par encalhado, mas ele logo foi engolido pela fo-

DI

lhagem. Fiquei com um pé descalço. Só então fiz algo que deveria ter feito

AL D

E

desde o princípio. Peguei um galho bem comprido e passei a enfiá-lo no chão, diante de mim, antes de dar qualquer passo. Se o solo parecesse fir-

MA TE

RI

me, eu avançava.

25


30 20 00 00 0 30 P2 40 11 ÇÃ O LE

CO

Prossegui pelo caminho torcendo para que não escurecesse, mas não

DA

tive sorte. Não só a noite caiu, como as copas das árvores se cruzavam tão

fortemente que praticamente impediam a pouca luz restante de chegar ao

_C ÓD IG

O

solo. Quase não conseguia ver mais nada à minha frente.

Foi então que percebi que não estava mais sozinho. Comecei a escu-

tar barulhos estranhos, como se houvesse muita vida ao meu redor, com vários olhos me enxergando. Tentei acelerar o passo, mas era realmente di-

VU LG AÇ Ã

perderia o equilíbrio.

O

fícil. Com uma perna mais pesada do que a outra, se não tomasse cuidado, Difícil confessar, mas eu estava com um pouquinho de medo. O pior

é que não dava para desistir. Eu não sabia o quanto tinha andado nem

quanto faltava, mas, se minha mãe tinha conseguido chegar à casa do meu

DI

avô num mesmo dia, então não deveria faltar muito.

AL D

E

Assim, no escuro, cutucando as folhas e perdendo o equilíbrio, senti

MA TE

RI

as primeiras gotas da chuva.

“Será que mamãe já está sentindo minha falta?”, pensei. 26


30 20 00 00 0

Provavelmente, ela não só estaria sentindo minha falta, como já devia

estar me procurando. Eu desejava que ela não viesse atrás de mim, pois o

30

caminho estava, com certeza, bem pior daquele que ela havia encontrado

P2

no passado.

40

De repente perdi o equilíbrio e caí. Desta vez, não havia o manto de

11

folhas para me segurar. Eu havia despencado de um lugar para outro. A

ÇÃ O

altura não era grande, mas meu corpo sentiu o impacto quando me esbor-

rachei no chão de pedras. Não havia mais folhas, somente um caminho

LE

limpo.

CO

Avistei, finalmente, uma luz. Era fraca, mas se tornou meu guia.

ser, tinha que ser a casa do meu avô.

DA

Mantive o galho comigo e continuei tateando o chão, confiante. Só podia

O

A luz era tênue e escapava por uma pequena janela. Corri desajeitado

_C ÓD IG

com meu único pé calçado até a porta, bati e esperei. Escutei algum des-

locamento, coisas caindo, então, uma pequena portinhola foi aberta e vi o rosto de um senhor que, certamente, era quem eu procurava.

O

– Vô? – perguntei, na esperança de que ele me reconhecesse.

VU LG AÇ Ã

Ao me ver, a expressão dele se transfigurou. Fechou a portinhola, a

porta inteira se abriu e ele gritou:

MA TE

RI

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E

DI

– Não, de novo, não!

27


E

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ÇÃ O

Meu avô me arrastou para dentro da casa.

11

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P2

O que ela vai pensar?

30

CAPÍTULO 8

fechaduras.

CO

– Não... – respondi. – Acho que não.

LE

– Alguém seguiu você? – perguntou, fechando a porta com várias

de que a porta estava fechada.

DA

– Quem foi que te mandou aqui? – perguntou depois de ter a certeza

O

– Ninguém – falei –, quer dizer... – eu ia começar a explicar o que

_C ÓD IG

tinha acontecido quando outra pergunta veio à minha cabeça: – Mas o senhor sabe quem eu sou?

O

seu...

– E tem como não saber, Tico? Você tem o mesmo olhar e o jeito do

VU LG AÇ Ã

– Meu pai? – interrompi. – Sim, meu neto – ao dizer isso ele voltou a ficar preocupado. – Não

era para você estar aqui. E agora? E agora? – ele andava em círculos.

A casa era um pequeno chalé, todo coberto de palha e iluminado por

DI

um lampião e por uma lareira. Janelas miúdas fechadas e centenas de coi-

AL D

E

sas espalhadas pelos cantos. Claro, também havia vários sapatos.

– Vai mesmo aparecer uma bruxa por aqui? – perguntei, aproximando-

MA TE

RI

me do grande espelho que estava apoiado na parede. 29


30 20 00 00 0

– Não se aproxime desse espelho – gritou ele. – Saia daí agora. Eu não queria ter me aproximado dele, mas me senti atraído.

30

– Desculpe – falei. – Foi sem querer.

P2

– Isso não podia estar acontecendo. Eu precisava estar sozinho para, de

40

novo, tentar trazer seu pai de volta.

11

Meu avô estava preocupado, parecia procurar por alguma coisa. Eu

ÇÃ O

continuava curioso, afinal, era a primeira vez que estava ali. De repente, tro-

pecei em algo estranho. Eu tive a impressão de ser a ponta de um sapato, mas

LE

não consegui ver o resto. Abaixei-me para olhar melhor e percebi que algo

DA

e, de repente, ela apareceu inteira.

CO

parecia cobrir aquele calçado. Tateei e reconheci uma bota. Tratei de puxá-la,

O

Como eu estava com um dos pés descalço, resolvi experimentá-la, em-

_C ÓD IG

bora parecesse maior que o meu número. Achei que minha perna inteira fosse caber dentro dela, mas, ao calçá-la, ela se moldou ao meu pé, ficou do tamanho exato.

O

– Nossa, nunca vi isso acontecer antes.

VU LG AÇ Ã

Meu avô olhou para mim e gritou: – Não calce esta bota, não! Mas já era tarde. Então, o espelho começou a brilhar bastante forte.

Achei estranho, pois ele parecia meio velho.

DI

– Não tire essa bota nunca, entendeu? Nunca... – falou meu avô, desa-

AL D

E

nimado, me deixando em dúvida se era para ficar com ela ou tirá-la. – Ela vai ser muito útil, e você vai estar sempre protegido, aconteça o que

MA TE

RI

acontecer.

30


30 20 00 00 0

– Mas o que é que vai acontec...

– Lembre-se, meu neto, nunca, jamais tire essa bota do seu pé. Ela vai

30

ajudar a trazer seu pai de volta.

P2

– Como assim? – perguntei.

40

– Me desculpe – disse ele. – Você não deveria ter vindo para cá.

11

Escutei um vento muito forte, assustador, e o espelho parecia ter au-

ÇÃ O

mentado de tamanho.

– Vô, o que é isso?

LE

O espelho me sugava, somente a mim. Tentei resistir, segurar em al-

CO

guma coisa, mas não consegui. Meu avô ficava cada vez mais distante; tudo

DA

começou a brilhar. Lembrei de minha mãe. O que ela iria pensar quando

descobrisse que eu havia sumido? Eu estava sendo engolido pela lumino-

MA TE

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

dentro do espelho.

_C ÓD IG

O

sidade. Então, fechei meus olhos e, sem poder fazer mais nada, desapareci

31


30 20 00 00 0

CAPÍTULO 9

11

40

P2

30

Um amigo? ÇÃ O

Foi tudo muito estranho. Mantive os olhos fechados, pois parecia ha-

ver uma forte luz ao meu redor. Mas ficar sem ver nada, sendo sugado para

LE

um lugar desconhecido, não me agradava de jeito nenhum. Abri os olhos,

CO

e a surpresa prosseguiu. O brilho era intenso, mas ele não me feria, como

DA

imaginei que fosse acontecer. Pelo contrário, dava para observar tudo: ima-

gens se refletiam por todos os lados, algumas eram apenas detalhes, outras,

_C ÓD IG

reconhecer.

O

reflexos inteiros de pessoas, plantas e de várias coisas que eu não conseguia Perdido naquele turbilhão, observei melhor a bota que tinha acabado

de calçar na casa do meu avô. Parecia ser muito velha, o couro estava bem

VU LG AÇ Ã

outro pé.

O

desgastado e arranhado em vários lugares. Contrastava muito com a do

De repente, o intenso brilho sumiu e me encontrei em um lugar ilu-

minado por uma luz suave. Eu havia caído sobre um chão úmido coberto

por uma grama fina. Poderia ser o fundo de uma caverna. Observei que,

AL D

E

do sol.

DI

à certa distância, havia uma grande abertura circular de onde vinha a luz

Diante de mim, algo curioso: uma parede brilhante e opaca. Pare-

MA TE

RI

ciam cristais que, juntos, formavam um grande espelho. Cheguei perto 32


30 20 00 00 0

para tocá-la, para ver se eu conseguia encontrar alguma passagem para um

possível retorno, mas foi inútil. Era rígida, sem qualquer sinal de abertura.

30

– Você vai ficar aqui o dia inteiro?

40

comigo. Eu não conseguia ver mais ninguém na caverna.

P2

Achei estranho, mas tive a impressão de que alguém tinha falado

11

– Você não me escutou? – Quem é que está falando? – perguntei.

ÇÃ O

Agora eu tinha mesmo certeza, alguém havia dito algo.

LE

– Oras, tenho que explicar tudo? Olhe para baixo – olhei e levei um

DA

– Nunca ouviu uma bota falar antes?

CO

susto. A bota velha parecia ter criado dois olhos e me encarava fixamente. – Acho que não – respondi, observando que, quando ela queria con-

_C ÓD IG

O

versar, os cadarços se moviam formando uma boca. – Pois agora está! – disse ela.

– E a outra? – olhei curioso para o pé esquerdo, que permanecia

quieto. – Será que ela também não quer dizer alguma coisa?

VU LG AÇ Ã

O

– E desde quando uma bota pode falar? – resmungou a bota nova-

mente.

– Ué, mas você está falando – argumentei. – Ai, ai, ai, tenho que explicar tudo mesmo – reclamou ela. – E desde

DI

quando uma bota comum pode falar?

E

– Ela é uma bota comum? – perguntei, achando as duas bem pareci-

MA TE

RI

AL D

das, apesar de a minha ser mais nova e menos gasta.

33


30 20 00 00 0

– Claro que ela é uma bota comum, feita no mundo dos homens; não

tem nada de especial. Assim que ficar velhinha, vocês a jogarão fora. Acho

30

isso lamentável. Somos tão importantes, e vocês nem notam que existimos.

P2

– É que, quando fica muito velha, às vezes não dá para consertar e...

40

– Velha? – ofendeu-se a bota. – Tenho mais de cinco mil anos e não

11

me sinto nem um pouco velha.

ÇÃ O

– Cinco mil?

– É, pode ser – respondeu ela. – Teve um momento em que parei de

LE

contar.

CO

– Não pode ser, não existe sapato tão... antigo.

DA

– Em primeiro lugar – disse ela bastante ofendida –, não sou um sa-

_C ÓD IG

mais respeito.

O

pato, mas uma bota. E não fui feita no seu mundo, por isso, trate-me com – E de onde você vem?

– Daqui, oras – eu a olhei com cara de incompreensão e ela se adian-

tou. – Ah, já sei, não sabe onde estamos. Eu passei tanto tempo contando

VU LG AÇ Ã

O

tudo para o seu avô e, pelo jeito, vou ter que começar de novo do zero. – Contar o quê?

– Bem, vamos do começo. Prazer, muito prazer. – Prazer – respondi meio sem jeito.

MA TE

RI

AL D

E

DI

– Bem-vindo ao Mundo Encantado. Sou a Bota de Sete Léguas!

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11

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30

Um parceiro inesperado

30 20 00 00 0

CAPÍTULO 10

ÇÃ O

O que é que uma bota falante estava fazendo no meu pé? Essa per-

gunta me perturbava mais do que o orgulho que ela demonstrava em ser a

LE

tal Bota de Sete Léguas.

CO

– E então? – indagou ela. – Vai ficar calado de emoção? Sei que sou

muito famosa, importante, mas você está autorizado a se manifestar.

DA

– Desculpe, eu nunca conheci uma bota de sete léguas antes.

O

– Não existe uma bota de sete léguas, existe “a” Bota de Sete Léguas,

_C ÓD IG

que sou eu! – gritou ela. – Se meu antigo dono ouvisse você falar assim comigo, te devorava imediatamente.

– Mas quem era seu antigo dono?

O

– O gigante comilão, oras. Tão guloso que até devorou as sete filhas,

VU LG AÇ Ã

mas foi sem querer... Ele foi enganado.

– Como é que alguém devora as sete filhas enganado? – espantei-me. – Foi tudo culpa de um tal de Pequeno Polegar. Ele seria devorado

com os irmãos dele, mas, durante a noite, trocou de cama com as meninas,

DI

e o pobre do meu dono acabou devorando as filhas achando que elas fos-

AL D

E

sem os garotos. Depois, me roubaram e fugiram...

MA TE

RI

– E como foi que você foi parar no casebre do meu avô? – É uma longa história, mas vou ter prazer em contá-la... 35


30 20 00 00 0

A bota começou a tagarelar, e notei que seria realmente uma longa

história, pois ela adorava se vangloriar. Seu nome era Bota de Sete Léguas

porque conseguia percorrer rapidamente grandes distâncias. Imaginei que

P2

30

foi por isso que meu avô insistiu para que eu não a tirasse do pé.

40

– Então, quando o gigante comilão correu comigo até o fim do mundo...

11

As aventuras não cessavam. Ela vinha de uma floresta encantada e

ÇÃ O

sentia muita saudade das façanhas que tinha vivido com o tal gigante. Dedisse algo que me envolvia em tudo aquilo.

LE

pois de descrever diversas histórias com seu antigo dono, ela, finalmente,

CO

– Só que você tem uma imensa desvantagem em relação ao gigante e

vários dos meus donos anteriores.

DA

– Qual? – perguntei.

_C ÓD IG

consigo mais correr as sete léguas.

O

– Eu estou sozinha, minha irmã gêmea está perdida por aqui. Não – Então, você é somente uma bota comum, não consegue mais correr... Ela ficou enfurecida e gritou.

O

– Como assim não posso mais correr?

VU LG AÇ Ã

– Você disse que não pode mais correr as sete léguas, então pensei que... – Sim, sete eu não consigo, porque para isso preciso estar com minha

irmã, mas três e meia é muito fácil. Vou te mostrar.

Fiquei sem saber o que iria acontecer e dei uma olhada no espelho na

DI

esperança de voltar para casa, mas, antes que eu pudesse pensar em qual-

AL D

E

quer coisa, senti minha perna direita se mexer. Ela me arrastou em direção à saída da caverna e disparou. Perdi o equilíbrio. Minha outra perna não

MA TE

RI

conseguia acompanhá-la, e eu mal conseguia me manter em pé. 36


30 20 00 00 0 30 P2 40 11 ÇÃ O LE CO DA O _C ÓD IG O VU LG AÇ Ã

Enquanto isso, a saída se aproximava. E assim fomos, cada vez mais

rápido. Quando deixamos a caverna, nem que alguém me preparasse, eu

MA TE

RI

AL D

E

DI

jamais imaginaria ver tudo aquilo que surgiu diante de mim.

37


30 20 00 00 0

CAPÍTULO 11

40

P2

30

Eu pertenço a este mundo 11

Sapatos e sapatos, de todos os tipos: grandes, pequenos, botas, sapa-

ÇÃ O

tilhas. Eu nunca tinha visto tantos e tão diferentes ao mesmo tempo. Por

entre eles, algumas fadas voavam e gnomos carregavam diversos materiais

LE

de lá para cá.

CO

– O que é isso?

DA

– Já te disse! – respondeu a Bota de Sete Léguas. – O Mundo Encan-

tando. Aqui, em particular, é o local onde são fabricados todos os sapatos

_C ÓD IG

O

mágicos que existem.

Estávamos na saída da caverna, no alto de um morro. Era uma vista

realmente privilegiada. Dava para ver todo o vale. Então, era isso que estava além do espelho do meu avô: um mundo encantado.

O

– Agora que você já sabe onde está, acho que podemos terminar o

VU LG AÇ Ã

que viemos fazer por aqui – disse a bota.

“Buscar meu pai”, pensei. A bota tinha razão, eu precisava encontrá-

-lo e voltar em segurança para casa. Minha mãe e meu avô deveriam estar

preocupados. Porém, raciocinei: se meu pai estava fora há tanto tempo, é

DI

porque devia ser bastante difícil sair. Senti medo. Quanto tempo será que

AL D

E

EU iria ficar por ali?...

– Vamos começar logo essa busca. Fico um pouco impaciente por

MA TE

RI

aqui – disse a bota. – Esses sapatos são principiantes... 38


30 20 00 00 0

– Por onde vamos iniciar? Nem sei que caminho seguir.

– Conheço todos os lugares deste mundo. Afinal, foi daqui que eu vim.

30

– Você sabe onde meu pai está?

P2

– Não, mas sei quem poderá nos dizer.

40

– Então, vamos rápido – falei.

11

Novamente voltei a sentir cócegas no meu pé, e a bota acelerou. Logo

ÇÃ O

estávamos deslizando montanha abaixo. Agora eu estava mais tranquilo, pois havia aprendido a me equilibrar melhor. Não pendia mais para trás.

LE

Quando nos aproximávamos dos outros sapatos, eu notava que nos

CO

observavam com curiosidade. Vários deles estavam organizados sobre

DA

uma grama muito fofa; outros, sobre velhos móveis de madeira; alguns

MA TE

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

_C ÓD IG

O

flutuavam.


30 20 00 00 0

As fadas simplesmente me ignoravam. Voavam por entre os pares,

espalhando poeira brilhante e distribuindo cores. Um ou outro gnomo

30

reclamava da Bota de Sete Léguas quando ela, sem querer, pisava nos pés

P2

deles.

40

Não havia exatamente um caminho, ou uma estrada, mas a bota,

11

provavelmente, seguia uma trilha mágica. Algumas vezes eu precisava me

ÇÃ O

abaixar para evitar que algum galho batesse na minha cabeça; certas matas

– Pronto, chegamos! – disse ela.

CO

havia outra solução a não ser confiar nela.

LE

eram bastante fechadas. Eu estava totalmente perdido e, para mim, não

Eu estava tão ocupado em não bater a cabeça que, ao olhar para o

DA

lado, achei que a bota estava realmente querendo me confundir ou se di-

MA TE

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

_C ÓD IG

O

vertir às minhas custas!

40


30 20 00 00 0

CAPÍTULO 12

11

40

P2

30

Surge uma pista ÇÃ O

– O que é isso? Você me trouxe para visitar algum parente seu? –

perguntei, ao ver uma bota gigantesca diante de nós, que parecia até maior

LE

que o casebre do meu avô. Ao seu lado, havia um jardim bem colorido.

CO

Consegui distinguir nela várias janelas, uma porta pequena, perto do

calcanhar, e uma chaminé, no alto, onde seria o cano e de onde saía uma fu-

O

sofrido uma leve inclinação para trás.

DA

macinha. Percebi que parte do solado começava a descolar, e a casa-bota havia

fora e gritou:

_C ÓD IG

Então, uma das janelas se abriu, um pequeno sapo colocou a cabeça para – Essa não! Um humano outra vez!

VU LG AÇ Ã

da casa.

O

Ele fechou a janela, e, em seguida, ouvimos diversos barulhos dentro – Calma – disse a Bota de Sete Léguas se voltando para mim. – É as-

sim mesmo, ele é um pouco estressado, mas acho que vai poder nos ajudar. A porta se abriu, e o sapo apareceu vestindo uma capa de chuva. Em

DI

uma das mãos trazia, aberto, um guarda-chuva cor-de-rosa.

AL D

E

– Quero só ver o que vai cair do céu desta vez. Sempre que aparece

um humano por aqui temos problemas. Ainda não me esqueci daquela

MA TE

RI

casa que caiu do meio de um furacão.

41


30 20 00 00 0

– Isso já faz muito tempo e foi bem longe daqui – reclamou a bota. –

Olha, se você nos ajudar, pode ter certeza de que não vai restar mais nenhum

30

humano por aqui.

40

-chuva e, muito desconfiado, examinando o céu.

P2

– Isso me interessa. Como? – perguntou o sapo, fechando o guarda-

sabe? – perguntou a bota. – Claro...

LE

questionei.

CO

– Como assim, “sente”? –

DA

bota.

– E... Você ainda o sente? – perguntou a

_C ÓD IG

O

Ela pediu que eu ficasse quieto, e nós

dois ficamos observando o sapo. Ele deu

um salto para o jardim e girou a cabeça em diferentes sentidos, como se procurasse por

O

algo.

VU LG AÇ Ã

– E então? – quis saber a bota. –

Este humano veio até aqui para levar o pai dele embora. Se você não conseguir

senti-lo, nossa viagem terá sido em vão.

DI

– Pare de falar comigo – resmungou

AL D

E

o sapo, que começou a dar vários pulos

aleatórios. – Acho que estou sentindo alguma

RI

coisa. O problema é que esse humano novo

MA TE

ÇÃ O

11

– Você sabe que tem outro humano por aqui há bastante tempo, não

42


30 20 00 00 0

que você trouxe está causando interferência. Se você tivesse me avisado que viria, eu teria tentado antes...

30

– Ou fugido. Sei muito bem que não gosta de encontrar humanos

P2

no atual estado em que você se encontra... – comentou a bota de forma

40

enigmática.

11

– Melhor não tocar nesse assunto – reclamou o sapo. – Espere, senti

ÇÃ O

uma vibração muito pequena. Pode ser por duas razões: ou ele está muito distante, ou...

LE

– Ou o quê? – perguntei sem aguentar de ansiedade.

CO

– Ou quase morto – completou o sapo indiferente. – Mas acho que

ainda está vivo, pois eu não teria sentido nada se ele não estivesse mais por

DA

aqui.

O

– E onde ele está? – perguntou a bota. solenemente.

_C ÓD IG

O sapo colocou o dedo dentro da boca, ergueu-o em seguida e disse – No fim do arco-íris.

O

– Você tem certeza? – perguntou a bota.

VU LG AÇ Ã

– Absoluta – dizendo isso, pegou seu guarda-chuva, ajeitou a capa e

retornou à soleira de sua casa. – Se eu fosse você, ia atrás dele agora mes-

mo. O sinal está realmente fraco, e as coisas para aquele lado nunca são tranquilas – em seguida, entrou e bateu a porta.

DI

– Pronto, não temos mais nada a fazer por aqui – disse a Bota de Sete

AL D

E

Léguas. – Vamos embora, acho que sei o caminho que devemos seguir.

– Mas me explique uma coisa – falei. – Como é que esse sapo pode

MA TE

RI

“sentir” um humano?

43


30 20 00 00 0

Depois que saímos da casa-bota e ganhamos alguma distância, ela

me contou o que sabia.

30

– Vou lhe contar o que sei, mas, se nos encontrarmos novamente com

P2

o sapo, você não sabe de nada, certo?

40

– Claro!

11

– Ele não é somente um sapo – disse a bota. – É um príncipe, e hu-

ÇÃ O

mano ainda por cima.

– Como assim? Não entendi!

LE

– Ele era um príncipe, um ser humano muito arrogante. Uma bruxa

CO

colocou um feitiço nele transformando-o em sapo. Somente o beijo de

DA

uma princesa poderá libertá-lo da maldição, mas, até hoje, nenhuma quis beijá-lo. Então, frustrado, ele passou a morar sozinho naquela bota. Disse

_C ÓD IG

O

que se sente seguro lá dentro. Como ele ainda tem um lado humano, pode sentir, com certeza, quando existe algum por aqui.

Fiquei impressionado. Nunca que eu poderia imaginar que um sapo

tão pequeno pudesse ser um príncipe.

O

– Que bom que ele estava por aqui! Agora, é só irmos correndo até

VU LG AÇ Ã

esse arco-íris e encontrar meu pai.

A bota ficou quieta, e eu não achei aquilo um bom sinal. Ela se mo-

via cautelosamente. Fiquei desconfiado de que alguma coisa não estivesse

MA TE

RI

AL D

E

DI

correta e me preparei, mais uma vez, para algum evento extraordinário.

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Um amigo suspeito

30

CAPÍTULO 13

ÇÃ O

Caminhávamos devagar. Eu aproveitava para olhar melhor as coisas

que me cercavam. Só se viam sapatos, vários deles. Até mesmo dentro de

LE

pequenas flores havia pares coloridos.

CO

– Você não sabe para onde ir? – perguntei.

DA

– Não depende de mim – respondeu a bota. – Preciso que apareça

O

um arco-íris, só assim vou saber onde ele termina.

_C ÓD IG

– Quando foi que você viu um arco-íris da última vez? – perguntei. – Não lembro. É muito difícil. Precisamos que chova, ou... – Ou o quê?

O

– Que uma princesa fique feliz; quando isso acontece, sempre apare-

VU LG AÇ Ã

ce um.

– Bem, neste Mundo Encantado dever ser fácil encontrar uma prin-

cesa, não é?

– Até que é – respondeu a bota. – O problema é que devem estar

DI

todas infelizes.

AL D

E

– Como assim? – perguntei. – Quando elas estão aqui, no Mundo Encantado, é porque suas

MA TE

RI

histórias não estão acontecendo. Ninguém está lendo, contando, ouvindo 45


30 20 00 00 0

sobre elas; nada disso. Aí elas só ficam esperando pelas histórias e vivem se lamentando.

30

– Como é que eu vou achar meu pai se não tivermos um mísero arco-íris?

P2

– Acho que sei como resolver isso – disse uma voz estranha.

40

Um gato acenava para mim. Ele também calçava um par de botas. pouco traiçoeiro, interesseiro...

ÇÃ O

11

– Essa não, o Gato de Botas – reclamou Sete Léguas. – Ele é um

acaso, venho escutando a conversa de vocês.

LE

– Pare de me fazer elogios – disse o gato ironicamente. – Eu, por

CO

– Mas como? – perguntei. – A gente estava andando e...

DA

– Sua bota de três léguas e meia

_C ÓD IG

O

está meio lerda hoje; fácil de seguir.

Minha bota ficou muito brava, e

vi que ela iria começar a xingar, então,

-íris?

MA TE

– Você sabe onde tem um arco– Não – respondeu o gato. –

Mas posso fazer uma princesa sorrir.

– Ele deve estar querendo algu-

ma coisa em troca – reclamou minha bota.

– Claro que quero – afirmou o

gato. – Mas é muito simples.

RI

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E

DI

VU LG AÇ Ã

O

para evitar brigas, perguntei.

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30 20 00 00 0

– E o que é? – perguntei.

– Vamos fazer o seguinte – prosseguiu o gato. – Primeiro cumpro a

30

minha parte da promessa, depois, digo o que quero. O que acha?

P2

– Ele não é de confiança – insistiu minha bota.

40

Sete Léguas já tinha me dito que não via um arco-íris há muito tem-

11

po. Se o gato pudesse me ajudar, eu não iria perder aquela chance de jeito

ÇÃ O

nenhum.

– Ok, aceito sua oferta. Faça uma princesa sorrir e eu faço o que você

LE

pedir.

CO

Rapidamente, o gato estendeu a mão e fechamos o acordo. A bota

DA

tentou me impedir, mas já era tarde; eu já tinha dado minha palavra. – Você acaba de cometer um grande erro – reclamou ela. falou o gato.

_C ÓD IG

O

– Vamos logo. Eu também não vejo a hora de fazer o meu pedido – – Está certo – respondi.

– E, se você não se incomodar – disse ele, ajeitando-se sobre minha

VU LG AÇ Ã

O

cabeça –, vou aqui pelo resto do caminho, pois estou um pouco cansado.

– Eu faria você ir a pé – reclamou Sete Léguas. – Pois bem, esperti-

nho, me diga: para onde vamos?

MA TE

RI

AL D

E

DI

– Pode correr para o castelo da bela e querida princesa Cinderela!

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E

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MA TE

O

VU LG AÇ Ã

DI _C ÓD IG O DA

LE

CO

ÇÃ O

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CAPÍTULO 14

11

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30

O esperado ÇÃ O

A bota disparou. Eu quase não conseguia ver a paisagem ao redor. Po-

rém, gostaria que ela tivesse corrido muito mais, pois não foi fácil aguentar vangloriar por qualquer coisa.

DA

Foi um alívio quando a bota falou.

CO

LE

aquele gato em cima da minha cabeça. Ele não parava de tagarelar e se

– Chegamos ao castelo da Cinderela!

_C ÓD IG

O

A parada foi tão brusca que minha visão ficou meio turva. Demorei

um pouco para me acostumar com o ambiente, entretanto, quando isso aconteceu, vi um palácio impressionante. – Nossa, como brilha!

O

– Claro – disse o gato. – É todo feito de cristal!

VU LG AÇ Ã

Era realmente digno de uma princesa de conto de fadas. Uma fina

luz prateada se refletia dele para todos os lados. Um caminho cercado de

flores e fontes coloridas levava até a imensa escadaria do palácio. Cami-

nhamos pelos ladrilhos prateados, e coisas encantadas não paravam de

DI

surgir. Das pequenas flores, nasciam anéis e pequenas joias. Algumas bor-

AL D

E

boletas douradas cruzavam nosso caminho, indo se esconder em arbustos

MA TE

RI

que imitavam a forma de diversos animais.

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30 20 00 00 0

O gato ia à frente, como se conhecesse muito bem todo o trajeto.

Logo estava diante da escadaria e comentou: – Por quê? – perguntei.

40

Ele me olhou com olhar de impaciência e explicou:

P2

30

– Esta escadaria é um grande problema.

11

– Porque foi nela que a princesa perdeu o sapatinho quando deu

ÇÃ O

meia-noite. Todo mundo conhece essa história – completou. – O fato é que ela sempre se lembra disso, o que não é uma boa lembrança.

LE

– Então, vamos subir logo a escada que estou com pressa – disse a

CO

bota disparando degraus acima. Acho que foi de propósito para evitar uma

DA

nova carona ao gato.

– Vocês poderiam ter me esperado – reclamou ele ao nos alcançar. A

_C ÓD IG

O

bota deu um leve sorriso e ficou quieta. O gato bateu na imensa porta de

cristal, que emitiu um som que lembrava o tilintar de milhares de sinos. Para minha surpresa, um pequeno sapatinho de cristal abriu a porta. – O que vocês querem? – perguntou ele.

O

Nunca tinha ouvido uma voz tão grave. Nem parecia ser possível que

VU LG AÇ Ã

um ser tão pequeno emitisse aquele som profundo e rouco. – Queríamos ver a Cinderela – disse o gato.

– Eu também – debochou o sapatinho de cristal. – Ela sumiu. Deu

DI

para andar descalça pela floresta desde que encontrou a Bela Adormecida, que, cá entre nós, deveria ficar somente dormindo. Agora vive falando que

AL D

E

andar descalça é gostoso, e eu e meu par ficamos o dia inteiro no palácio

MA TE

RI

sem ter nada para fazer.

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30 20 00 00 0

– E por que vocês não vão pas-

sear com ela? – perguntei.

30

– Um humano? – disse ele no-

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tando a minha presença. Acho que

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não tinha percebido ainda que ha-

11

via alguém calçando a bota. – Isso é

ÇÃ O

interessante. Podem entrar.

Por dentro, o palácio era ainda

LE

mais lindo. Havia lustres cheios de

CO

cristais. A luz do sol entrava pelo alto

e se refletia por todos os cantos. Imaginei que, mesmo durante a noite, o

DA

local deveria guardar um pouco de tanta luz.

O

O sapatinho nos levou a um imenso salão e pediu que eu me sentas-

_C ÓD IG

se. Seu par apareceu todo contente e disse: – Que alegria, que emoção!

A voz dele era completamente diferente da de seu amigo. Era fina,

O

doce e melodiosa. Somente quando os dois começaram a falar ao mesmo

VU LG AÇ Ã

tempo foi que eu pude entender a razão daquilo. As vozes juntas criavam uma melodia bonita e harmoniosa.

– Você era exatamente quem nós estávamos esperando – comple-

tou ele.

MA TE

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E

DI

Fiquei surpreso, afinal de contas, por que é que eu seria tão esperado?

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A história e a princesa

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CAPÍTULO 15

ÇÃ O

Fazia tempo que eu não era tão bem tratado. Já não sabia há quan-

tas horas eu estava fora de casa. Ou seriam dias? Pensei no meu pai. Será

LE

que o tempo no Mundo Encantado passava da mesma forma que no meu

CO

mundo? Fiquei preocupado. Se eu demorasse muito, poderia retornar e encontrar minha mãe bem idosa. Eu tinha que acelerar aquela história.

DA

Os sapatinhos estavam muito simpáticos e faziam de tudo para me

O

agradar. O gato assistia ao longe, quieto. Parecia estar com sono. voz aguda.

_C ÓD IG

– Será que você poderia nos acompanhar? – pediu o sapatinho de Concordei e os segui pelo palácio. A minha imagem se refletia como

O

se eu estivesse cercado por centenas de espelhos. Até aproveitei para arru-

VU LG AÇ Ã

mar o cabelo, que havia sido bem bagunçado pelo gato.

Os sapatinhos andavam rapidamente, alegres, e foi divertido se-

gui-los. Eles não paravam de tagarelar, e eu ficava cada vez mais curioso

para saber para onde estavam me levando. Então, uma imensa porta se

DI

abriu e vi uma quantidade incrível de livros. Todos impecavelmente ar-

AL D

E

rumados e limpos.

– Chegamos – disse o sapatinho de voz grave. – Agora é só você fazer

MA TE

RI

a sua parte.

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30 20 00 00 0

– E o que é que eu tenho que fazer?

Feito mágica, um dos livros saltou da prateleira e voou delicadamente

30

até as minhas mãos. Eu o peguei, e ele estava ligeiramente frio. Na capa,

P2

em letras prateadas, estava escrito: CINDERELA.

40

– Pronto – disse o sapatinho de voz aguda. – A princesa precisa ficar

ÇÃ O

– E ela vai sorrir? – perguntei animado.

11

feliz, e, quando você começar a ler a história dela, isso vai acontecer. – Temos certeza disso! – responderam os dois sapatinhos.

LE

Abri o livro e comecei a ler, mas fui interrompido quase que imedia-

CO

tamente.

DA

– Você tem que ler em voz alta – disse o sapatinho de voz grave. – Só

assim a princesa vai te escutar. Ela está na floresta, lembra?

_C ÓD IG

O

– Era uma vez, uma pobre moça... – senti que minha voz ecoava

pelos cristais ganhando um som melodioso. Até a Bota de Sete Léguas

pareceu se interessar. Talvez ela também estivesse cansada e aproveitava aquele momento para recuperar as forças. Eu continuei lendo, pois não

VU LG AÇ Ã

interessante.

O

me lembrava de todos os detalhes da história e a estava achando muito Então, de repente, senti que havia mais alguém na sala. Ergui os

olhos e não acreditei no que vi.

– Por favor, não pare de ler – disse a bela jovem parada na entrada da

DI

biblioteca. – Estou adorando ouvir minha história.

AL D

E

Eu realmente havia perdido a fala. A moça era a mais bonita que

MA TE

RI

eu já havia visto na vida. Ela não estava vestida como eu imaginava que

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30 20 00 00 0 30 P2 40 11 ÇÃ O LE CO DA O _C ÓD IG O VU LG AÇ Ã

uma princesa deveria estar: com um vestido caro e uma coroa na cabeça.

Em vez disso, usava uma roupa simples e seus pés estavam sujos de terra. Quando os sapatinhos perceberam que eu havia notado aquilo, se aproxi-

DI

maram rapidamente dela, que os calçou sem demora.

AL D

E

Voltei à leitura, mas a princesa não sorria, parecia até que ia chorar. E,

enquanto isso acontecia, notei algo preocupante. As paredes pareciam ficar

MA TE

RI

mais finas, como se estivessem... sumindo. Era isso mesmo. Quanto mais 54


30 20 00 00 0

triste a princesa ficava, tudo ao redor ia se tornando melancólico. Será que aquilo era uma armadilha?

30

– Princesa, não chore por favor! – pedi. – Eu paro de ler a história e...

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– Não! – gritou o sapatinho de cristal de voz grave. – Continue... Vai

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melhorar.

11

– Você já viu algum conto de fadas terminar mal? – perguntou o outro.

ÇÃ O

Não tinha lido tantos, mas sabia que várias tragédias poderiam suce-

dela, o gigante, não havia tido um final feliz.

LE

der. Eu me lembrei quando a Bota de Sete Léguas me contou que o dono

CO

Pensei em perguntar para o gato o que fazer, mas ele já estava dor-

DA

mindo. Continuei lendo. Felizmente as coisas começaram a melhorar. No início, ela só passava o tempo varrendo o chão e sendo maltratada por

_C ÓD IG

O

três irmãs maldosas e pela madrasta, um verdadeiro monstro. Mas a moça

tinha muitos amigos, inclusive uma fada protetora. E justamente no mo-

mento da história em que ela se preparava para ir a uma festa, percebi que o brilho das paredes do palácio se intensificou.

O

A princesa começou a ficar contente, seu rosto se iluminou. Conti-

VU LG AÇ Ã

nuei a ler e senti ansiedade para terminar logo. Foi então que aconteceu. Assim que li a passagem na qual uma carruagem chegava, a princesa abriu um grande sorriso.

A bota então gritou.

DI

– Olha só aquilo!

MA TE

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E

E, assim como a princesa, eu também fiquei muito contente.

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O fim da história?

30

CAPÍTULO 16

11

O arco-íris surgiu.

ÇÃ O

– Ei, você não vai continuar a ler a história? – perguntou o sapatinho de

LE

voz grave.

CO

Eu havia ficado tão contente com o arco-íris que interrompi a leitura.

O sorriso da princesa, entretanto, permaneceu.

DA

– Temos que ir agora! – disse Sete Léguas.

O

– Mas eu preciso terminar o conto – falei.

_C ÓD IG

– Você que sabe – disse a bota. – O arco não vai ficar lá para sempre. – Como assim? – perguntei. – Agora que eu sei como fazer a princesa

sorrir, posso fazer isso sempre.

O

– Acredite em mim – enfatizou a bota. – Temos que sair daqui agora.

VU LG AÇ Ã

Então, como se o aparecimento do arco fosse total responsabilidade

dele, o gato disse vitorioso.

– Não falei que o arco-íris ia aparecer? – Ei, que tal prosseguir com a leitura? – inquiriu o sapatinho de voz

DI

aguda como se estivesse dando uma ordem.

AL D

E

Eram tantos seres fantásticos falando comigo ao mesmo tempo, que

fiquei confuso. Eu me sentia responsável por todos, afinal, prometi ler o

MA TE

RI

livro, cumprir um pedido do gato e fazer o que a bota dizia. 56


30 20 00 00 0

Olhei para o arco-íris, e ele estava lá fora, cruzando o céu. Tudo o que

eu tinha feito até então era para vê-lo. Sete Léguas tinha razão. Devería-

30

mos partir. A princesa já conhecia o final daquela história, eu não precisava

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ir até o fim.

40

– Lamento, meus amigos – falei. – A história termina aqui.

11

Os dois sapatinhos se olharam nervosos, e o sorriso da princesa desa-

ÇÃ O

pareceu. Ela ficou melancólica novamente. Levei um susto, pois imaginei que o arco-íris também sumiria, mas não, ele ainda estava lá.

LE

– E você realmente acha que nós vamos deixar você ir embora? –

CO

perguntou o sapatinho de voz grave. – Saia do pé dele, bota. Esse humano

DA

é nosso.

Eles pareciam ser tão simpáticos, haviam me tratado tão bem e, de

_C ÓD IG

meçou a se fechar.

O

repente, falavam como se eu fosse um escravo. A porta da biblioteca co– Por que vocês não tentam me tirar? – desafiou a bota.

– Não os provoque – disse o gato. – É melhor lhes obedecer. Garoto,

O

retire a bota senão você ficará preso aqui. Eles possuem as chaves do palácio.

VU LG AÇ Ã

– Exatamente – disse o sapatinho de voz aguda. – Para a princesa viver

feliz, precisamos que você fique aqui para ler o livro sempre que for preciso.

Foi então que vieram as palavras de meu avô em minha cabeça: Não

tire a bota nunca.

DI

– Faça o seguinte – cochichou o gato. – Me dê a bota e eu espero você

MA TE

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AL D

E

chegar até o arco-íris. Eu distraio os sapatinhos para você.

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30 20 00 00 0

Olhei para o arco-íris e tive a impressão de que ele começava a sumir.

Com a bota, eu poderia chegar rapidamente até ele, mas, descalço, não

30

conseguiria ir nem até a escadaria do palácio.

P2

– Não posso – respondi. – Bota, você consegue nos tirar daqui?

40

– Em um segundo – disse ela.

11

Larguei o livro e me preparei, pois eu sabia que a bota ia usar sua ve-

ÇÃ O

locidade máxima. A porta já estava se fechando e tínhamos que ser muito rápidos. O gato percebeu o que iria acontecer e subiu em minha cabeça.

LE

– Nada disso – disse o sapatinho de voz grave. – Vocês não vão conse-

CO

guir escapar.

DA

Foi então que eles tentaram se mover para nos impedir, mas como

estavam calçados nos pés da princesa, não havia nada a fazer. Ela ficou

_C ÓD IG

O

triste, desanimada. A bota acelerou em direção à porta, e senti quando deixei atrás de mim um rastro de vento. Nem percebi quando saímos da biblioteca. De repente, estávamos no salão principal e eu me lembrei. – Mas a porta principal está fechada!

O

A bota não me ouviu. Fechei os olhos, pois achei que não iria sobrar

MA TE

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E

DI

VU LG AÇ Ã

muita coisa de mim quando eu me esborrachasse na porta de cristal.

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CAPÍTULO 17

De repente, paramos!

ÇÃ O

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Uma proposta irrecusável

Levei um susto ainda maior, pois eu estava realmente esperando que

LE

fôssemos nos esborrachar na porta do palácio.

CO

– Rápido, gato, abra a porta – ordenou Sete Léguas.

DA

– Miau! – fez ele. – Quer dizer que vocês ainda precisam de mim... Quando percebi que o gato ia reiniciar seus joguinhos, eu mesmo

_C ÓD IG

O

tentei abrir a porta, mas não consegui.

– Inútil – disse a bota. – Você não é um ser mágico, somente um pode

abrir a porta. Eu não tenho mãos, se tivesse...

– Bem... – prosseguiu o gato. – Por acaso eu tenho.

VU LG AÇ Ã

O

– E o que você quer em troca? – impacientou-se a bota. – Eu bem que poderia fazer um segundo pedido, afinal, vocês estão me

pedindo um SEGUNDO favor... Mas vou me contentar com o primeiro. – Você não fez nada – reclamei. – Fui eu que fiz a princesa sorrir.

DI

Ele ficou bastante ofendido e resmungou:

E

– Mas quem foi que te trouxe até aqui?

MA TE

RI

AL D

– A bota – falei. Ainda mais furioso, ele disse: 59


30 20 00 00 0

– Então, já que vocês são tão perfeitos, vou embora. Abram a porta...

se puderem.

30

O gato começou a se afastar. Constatei que eu deveria convencê-lo,

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e rápido.

40

– O que você quer? – perguntei.

11

– Quero sua bota! – falou o gato.

ÇÃ O

– Mas você também? – reclamei. – Eu não posso te dar a bota! ser escravo eterno de uma princesa vaidosa.

LE

– Então não posso te ajudar – disse o gato. – Daqui a pouco você vai

CO

Quando ouvi isso, tive uma ideia. Realmente eu precisava agradecer

DA

ao gato. Embora ele não resolvesse nada, me dava boas ideias. Os sapatos e

a princesa já estavam muito próximos, e eu pude dizer o que tinha pensado.

_C ÓD IG

O

– Princesa! Eu tenho uma proposta.

– A única que nós aceitamos é que você volte para a biblioteca e leia

o livro – disse o sapatinho de voz grave.

– Não preciso fazer isso – falei. – Se eu ficar aqui, para sempre, lendo

O

o conto, será uma perda de tempo. Posso fazer isso no meu mundo. Mais

VU LG AÇ Ã

pessoas vão conhecer a história, e ela não será mais esquecida. Prometo que vou ler Cinderela por onde quer que eu passe.

Houve um silêncio que me pareceu interminável, mas, de repente, a

princesa abriu um enorme sorriso, que deve ter reforçado o arco-íris ainda

DI

mais, e perguntou:

AL D

E

– Você promete?

MA TE

RI

– Dou a minha palavra – falei. Os sapatinhos conversaram, olharam para mim e disseram: 60


30 20 00 00 0 30 P2 40 11 ÇÃ O LE CO DA O _C ÓD IG O

VU LG AÇ Ã

– Então, você pode sair do palácio! E trate logo de voltar à sua terra. Eu mal podia acreditar. As portas de cristal se abriram. Ao notar

que estávamos livres, o gato veio tentar se aninhar na minha cabeça, mas o impedi. Ele caiu no chão, reclamando muito. Achei bem-feito, pois ele

DI

passou o tempo todo tentando me enganar. Bem que Sete Léguas me avi-

AL D

E

sou. Agora, ele iria ficar sem nada.

A próxima coisa que aconteceu foi que a bota acelerou e, finalmente,

MA TE

RI

seguimos para o arco-íris.

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Aqui também tem isso?

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CAPÍTULO 18

ÇÃ O

“Pai, estou chegando!”

Foi isso que pensei quando avistei o arco-íris. Eu já havia observado

LE

alguns, mas eles sempre estavam distantes, inatingíveis. Sete Léguas se

CO

aproximava dele, e, cada vez mais, eu descobria como ele era largo. Suas cores brilhavam contra o sol, formando um tapete colorido que saía magi-

DA

camente do solo e atravessava o céu por entre as nuvens.

_C ÓD IG

O

– Essa, não – disse a bota. – Fila!

Eu estava tão distraído vendo a beleza do arco que me surpreendi

quando a bota parou de repente. – O que foi? – perguntei.

O

– Fila! Não está vendo?

VU LG AÇ Ã

Só então percebi uma fila imensa de seres mágicos: fadas, unicórnios,

sapatos de todas as cores e tipos, cavalos alados e mais uma longa mistura de asas e chifres.

DI

– Mas o que é isso? – indaguei. – É uma fila para quem quer cruzar o arco-íris, ou você achou que era

AL D

E

só chegar aqui e caminhar sobre ele?

MA TE

RI

– Achei – respondi.

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E

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MA TE

O

VU LG AÇ Ã

DI _C ÓD IG O DA

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30 20 00 00 0

– O problema – disse a bota – é que demora tanto para surgir um, que

todos que têm alguma coisa pendente do outro lado aproveitam a oportuni-

30

dade. Infelizmente poucos irão conseguir atravessar.

P2

Tinha que haver um jeito. Depois de tudo o que ocorreu, eu não podia

40

perder a chance de encontrar meu pai por causa daquele longo problema.

11

– A gente não consegue... furar a fila? – perguntei baixinho para a bota.

ÇÃ O

– Conseguimos! – ela respondeu ironicamente. – Desde que você esteja

com vontade de enfrentar a fúria e os feitiços de milhares de seres mágicos.

LE

Realmente, aquela não era uma boa ideia. Fiquei imaginando se have-

CO

ria algo que eu pudesse fazer. Então, de repente, vi que alguém se aproxima-

O

– Ordem! Ordem! – gritava ele.

DA

va batendo com uma pequena varinha de madeira em quem aguardava.

_C ÓD IG

Era um duende que carregava um pequeno pote de ouro e, com a vari-

nha, deixava todo mundo alinhado. Ele jogava um pó colorido no chão que ia criando uma linha ao longo de quem estava na fila. Bastava alguém estar

O

com um pé, ou pata, fora dela, que levava uma pancadinha da varinha. Ao

VU LG AÇ Ã

mesmo tempo que ele gritava, também fazia uma contagem. Quando perce-

bi que ele se aproximava de mim, tratei de colocar meus pés exatamente no lugar em que achei que a linha fosse passar.

Porém, quando chegou minha vez de ser incluído na contagem, ele or-

DI

denou que eu desse um passo para trás, entrou na minha frente, traçou uma

AL D

E

linha de pó colorido bem atrás dele e sentou-se em seu pote de ouro.

Imediatamente, todos os seres que estavam atrás de mim começaram

MA TE

RI

a reclamar e a gritar.

64


30 20 00 00 0

– Ei, isso não é justo! – gritou uma planta falante que possuía uma

enorme boca.

30

– Tem certeza de que você contou direito? – perguntou um pequeno

P2

dragão alado.

40

O duende parecia realmente não se incomodar com toda aquela bader-

– E alguma vez, por todas as minhas moedas de ouro, eu já me enga-

ÇÃ O

nei?

11

na. Apenas virou-se e falou:

LE

Sem que ninguém dissesse mais uma única palavra, todos se retiraram.

CO

A bota também tentou me puxar, mas resisti. Não estava entendendo o que

DA

se passava. Foi então que o duende se virou para mim e falou:

O

– E você, o que está esperando? Pode ir embora. A fila termina aqui! –

_C ÓD IG

ele apontou para a risca colorida que nos separava e deu um sorriso.

Passei o pé sobre a risca colorida, mas ela não se desfez. Ainda assoprei,

tentei espalhá-la com as mãos, mas nada funcionou.

O

– Um humano! – debochou o duende. – Se não estivesse usando essa

fim.

VU LG AÇ Ã

bota mágica, garanto que você já teria sido expulso daqui há muito tempo.

– Vamos! – disse Sete Léguas. – Quando ele marca o fim da fila, é o – Mas como é que ele sabe que aqui é realmente o fim? – reclamei.

DI

– Por favor, seu... – não sabia como chamá-lo e simplesmente prossegui. –

AL D

E

Será que eu não poderia entrar também?

– E correr o risco de desabar o arco-íris? – resmungou ele. – Vá em-

MA TE

RI

bora. Quem sabe não aparece outro para você qualquer dia desses? 65


30 20 00 00 0

Não seria uma boa ideia voltar para o castelo da Cinderela e tentar

fazê-la sorrir. Além de perder muito tempo, corria o risco de me encontrar

30

com o gato, que poderia me aprontar uma das suas.

P2

– Temos que atravessar agora – falei. – Lembra, bota? O sapo falou

40

que o sinal do meu pai estava fraco, ele pode estar em perigo... – novamen-

11

te tentei convencer o duende: – Você não poderia deixar a gente entrar?

ÇÃ O

– Claro que não. Eu sou o último. Sempre tenho que ser o último –

respondeu o duende.

LE

– Estamos perdendo tempo – disse Sete Léguas. – Ele sempre é o

CO

último.

DA

Foi então que alguma coisa aconteceu. Havia uma agitação que fez com

que o duende descesse de seu pote. Ele não tentou ver o que estava aconte-

_C ÓD IG

embora eu não soubesse a razão.

O

cendo, pois, pelo jeito, não podia sair dali. Precisava realmente ser o último, Sete Léguas também ficou curiosa. – O que está acontecendo? Daqui do chão não consigo enxergar.

O

– Não sei... – foi então que vi alguém saindo da fila.

VU LG AÇ Ã

O duende ficou aflito, não conseguia acreditar que aquilo tinha acon-

MA TE

RI

AL D

E

DI

tecido. E o que veio em seguida o deixou desesperado.

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30 20 00 00 0

11

40

P2

Um garoto muito rico

30

CAPÍTULO 19

Tanta coisa se passou ao mesmo tempo que demorei para compreen-

ÇÃ O

der a importância de tudo. Um pequeno pônei deixou seu lugar para es-

LE

panto do duende.

CO

– Ei, o que você está fazendo? – gritou o duende bastante aflito. Assim que o pônei saltou para um campo verde, a linha colorida do

DA

arco-íris se estendeu e ficou exatamente atrás de mim. Pelo jeito, eu tinha

O

acabado de entrar na fila, e aquilo me deixou extremamente contente.

_C ÓD IG

– Tá vendo? – comentei com Sete Léguas. – Eu disse que valia a pena

esperar!

A bota também parecia muito surpresa.

O

– Mas... eu... juro que nunca vi isso acontecer antes.

VU LG AÇ Ã

O pônei caminhava tranquilamente em direção a um pasto florido.

Demorou para notar os gritos do duende. Quando percebeu, comentou: – Fiquei com fome.

– Como assim? Ficou com fome? Volte já... – só então o duende viu

DI

que a linha colorida havia se deslocado. – Não sou mais o último da fila!

AL D

E

Ele ficou realmente irritado. Começou a gritar, espernear, esbravejar.

MA TE

RI

Para tentar conter aquele acesso de fúria, falei:

– Olha, posso trocar de lugar com você; eu não me incomodo... 67


30 20 00 00 0

Ele tentou fazer a troca imediatamente, até me empurrou sem pedir

licença, mas nem eu nem ele conseguíamos mudar de lugar. Era como se

30

eu estivesse preso atrás dele.

P2

– Saia, saia agora da fila – ele berrou. – Eu tenho que ser o último.

40

– Se sairmos, qualquer outro vai entrar no nosso lugar. Você não vai

11

mais ser o último de jeito nenhum – justificou Sete Léguas.

ÇÃ O

Aquilo era verdade, estávamos cercados por seres que se interessaram

pelo que tinha acontecido. Então, algo me deixou intrigado. A fila andou e,

LE

com ela, o duende, porém o pote de ouro não o acompanhou, ficou parado

CO

diante de mim.

DA

– Ei, você esqueceu algo aqui – falei.

– Não – respondeu ele. – Eu não esqueci, é que...

_C ÓD IG

O

Eu continuava confuso com o pote de ouro, mas Sete Léguas falou: – Parabéns, parece que você acabou de ganhar um pote de ouro. Bastou dizer isso para enfurecer novamente o duende. Ele começou

a me xingar, a gritar e a dizer que o pote de ouro era dele, somente dele e

O

de mais ninguém. Acabei ficando irritado com aquele chilique.

VU LG AÇ Ã

– A única coisa que eu queria era um lugar na fila, se você tivesse me

deixado entrar, acho que nada disso estaria acontecendo. Eu não queria seu

ouro, mas agora parece que ele é meu. Por que você não sai da fila e entra atrás de mim?

DI

Percebi que ele cogitou a ideia, mas, como ele, todos os seres que

AL D

E

observavam a situação estavam esperando pela mesma oportunidade. Se ele saísse, era possível que não conseguisse mais voltar, então, era melhor

MA TE

RI

permanecer ali.

68


30 20 00 00 0

– Sou a maior vergonha da história dos duendes – falou aos prantos. – Esses duendes adoram um drama – resmungou Sete Léguas.

30

– Coitado – falei. – Ele está triste.

P2

– Você já se esqueceu de como ele nos tratou até bem pouco tempo

40

atrás? – continuou ela. – Estava todo valente, agora... Parabéns, você é

11

um garoto rico, muito rico. Isso é ouro puro, você vai poder gastar até no

ÇÃ O

seu mundo.

O duende então parou de chorar e, novamente, entrou em pânico.

LE

– Não! Esse ouro é meu. Eu conheço cada pepita; trabalhei muito

CO

para conseguir cada uma delas...

DA

– Trabalhou ou roubou? – perguntou Sete Léguas.

O

– Ei, bota – reclamei. – Isso é acusação que se faça?

_C ÓD IG

– Conheço esses duendes melhor do que você pensa – disse a bota. –

Não confie nele. Assim que conseguir o que quer, voltará a ser exatamente o que é.

– Não dê ouvidos a essa bota – reclamou o duende. – Se quiser, posso

VU LG AÇ Ã

O

te arranjar uma bem melhor e que fique calada, de preferência.

Eu ia argumentar, mas senti que algo me puxava. Era impossível evitar.

MA TE

RI

AL D

E

DI

Apenas respirei fundo e me preparei para o que estava prestes a acontecer.

69


30 20 00 00 0

CAPÍTULO 20

40

P2

30

Ploc!

11

O arco-íris nos atraía...

ÇÃ O

– Vamos subir!!!! – gritei. Senti um frio na barriga quando percebi

que não estava mais com os pés no chão. Eu deslizava com força para o

LE

alto, e o solo ia ficando cada vez mais distante. Parecia que estávamos

CO

voando...

DA

Eu já havia pensado que andar sobre uma nuvem poderia ser gostoso,

macio, mas nunca imaginei a mesma situação com um arco-íris. De fato,

_C ÓD IG

O

era impossível caminhar sobre ele. Simplesmente deslizávamos de uma faixa colorida para outra. Aos poucos, as nuvens ficaram abaixo de nós, e

era curioso ver como elas mudavam de cor de acordo com a faixa em que pisássemos. Ao nos aproximarmos da borda, éramos devolvidos para o

O

centro, suavemente. Não havia perigo de cair.

VU LG AÇ Ã

A única coisa que não mudava era a ordem da fila. Notei que o duen-

de tentou ficar atrás de mim, mas não conseguiu. Sete Léguas também estava se divertindo. Ela me puxava de um lado para o outro, parecendo saber exatamente o que fazia.

DI

– Se prepare porque agora vem a parte mais emocionante – disse ela.

AL D

E

– Mas o que é que... Então, antes que eu pudesse completar a frase, aconteceu algo real-

MA TE

RI

mente fantástico: começamos a descer. A velocidade ia ficando cada vez 70


30 20 00 00 0

maior, e um vento suave nos envolveu. E não era só isso. Era como se o vento realmente procurasse nos proteger, criando uma bolha de ar ao

30

nosso redor.

P2

O duende não desistia do pote de ouro. Eu até tinha me esquecido

40

dele, para ser bem sincero, mas já havia ficado claro que ele não queria sair

11

de perto de mim. está sumindo!

LE

– Como é que é? – perguntei assustado.

ÇÃ O

– Alguma coisa está errada – gritou a bota, de repente. – O arco-íris

CO

– Olhe para trás e você vai entender – disse a bota.

DA

Quando me virei, levei um susto. As cores estavam ainda mais trans-

_C ÓD IG

– E agora? – gritei.

O

parentes e parecia que não havia nada entre nós e o chão.

A bota tentou acelerar o passo, mas não adiantava. Assim como

ninguém conseguia vir para trás, nós também não conseguíamos ir para

a frente. Vários seres estavam preocupados, mas não havia o que fazer. O

VU LG AÇ Ã

de ouro.

O

único impassível era o duende em suas tentativas para recuperar o pote – Acelerem! – gritei. – Já não estou vendo mais a outra ponta do arco. Ele estava desaparecendo pedaço a pedaço. O efeito do sorriso da

princesa já deveria estar passando.

DI

Agora eu sentia que a bolha de ar também sofria alguma interfe-

AL D

E

rência; não estava mais firme como quando começou a se formar. Ela se

comprimia por todo o meu corpo. Se estourasse, não haveria mais nada

MA TE

RI

para me proteger.

71


30 20 00 00 0 30 P2 40 11 ÇÃ O LE CO DA _C ÓD IG

O

Foi então que escutei o primeiro PLOC! – O que foi isso? – perguntei para a bota. – Você não vai querer saber – respondeu ela. – Claro que quero – falei. – Isso lá são horas de me esconder alguma

VU LG AÇ Ã

O

coisa?

– As bolhas de ar começaram a explodir. “Essa não”, pensei. Só porque eu tinha imaginado aquela tragédia,

ela começou a acontecer. Talvez fosse melhor que eu parasse de pensar, ou

MA TE

RI

AL D

E

DI

melhor, que encontrasse uma maneira de tirar a gente daquela enrascada.

72


30 20 00 00 0

CAPÍTULO 21

11

40

P2

30

Caindo do céu ÇÃ O

Cada bolha que explodia emitia um PLOC, e eles começavam a fi-

car cada vez mais frequentes. Nossa velocidade só aumentava, enquanto

LE

deslizávamos pela curva do arco-íris em direção ao solo. A bolha de ar era

CO

fundamental para amparar nossa queda. O arco ficava cada vez mais transhavia qualquer sinal dele.

DA

parente, e era como se estivéssemos suspensos no ar. Atrás de mim já não

O

Então o inevitável aconteceu. A bolha do duende explodiu, e ele des-

_C ÓD IG

lizou rapidamente em direção ao chão. Eu o perdi de vista. “Os próximos somos nós, não vai ter jeito”, pensei.

A bota não falava nada, acho que já pressentia o desastre. Ela iria

O

sobreviver, era um ser mágico, uma bota, afinal de contas. O máximo que

VU LG AÇ Ã

poderia lhe acontecer seria um arranhão ou algum descolamento. Até pensei que aquela seria a situação de vários seres que despencaram, provavelmente estariam bem. Eu, porém, feito de carne e osso, me esborracharia totalmente.

DI

Então, sem querer acreditar, escutei o PLOC final. Apenas fechei os

AL D

E

olhos, esperando o início da queda. Só que alguma coisa estranha aconteceu. Eu continuava flutuando. Abri os olhos e vi que descia em linha reta

MA TE

RI

para o chão. O arco tinha sumido completamente. 73


– Olhe para cima! – disse ela.

30 20 00 00 0

– O que está acontecendo? – perguntei para Sete Léguas.

30

Fiz o que a bota me pediu, mas eu não conseguia ver direito. Girei

P2

a cabeça um pouco e percebi o que se passava. O pote de ouro estava me

40

segurando. De alguma maneira, ele flutuava como se fosse a coisa mais

11

natural do mundo e me levava junto porque uma alça dele tinha ficado

ÇÃ O

presa na minha camisa. Estávamos indo em direção a um pequeno morro

MA TE

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

_C ÓD IG

O

DA

CO

LE

e fiquei aliviado.

74


30 20 00 00 0

Quando nos aproximamos, constatei que não era um morro, mas um

amontoado de seres fantásticos. Encontravam-se presos pelas pernas, chifres,

30

asas, caudas, roupas. Era engraçado. Provavelmente, enquanto caíam, foram

P2

se empilhando um por sobre o outro e, agora, estavam naquela situação.

40

“Melhor assim”, pensei. Ninguém havia se ferido. Finalmente senti

11

meus pés tocarem o solo.

ÇÃ O

– Ufa! – falei.

Imediatamente surgiram gritos e pedidos de ajuda. Os seres mági-

LE

cos me pediram para socorrê-los. Ao desenroscar um, outros dois ou três

CO

também se libertavam. E foi assim até que, preso na galhada de um cervo, encontrei o duende, desesperado para escapar. Quando saiu, foi direto para

DA

o pote de ouro, mas não conseguia tocá-lo.

_C ÓD IG

O

– O que você quer para devolver meu pote de ouro? Em primeiro lugar, pensei: “eu não peguei nada”; em segundo, nem

sabia o que deveria fazer para atendê-lo. Ele insistiu: ouro de volta.

O

– Pode pedir o que você quiser. Faço qualquer coisa para ter meu

VU LG AÇ Ã

Notei que a bota deu um grande sorriso e compreendi que aquilo

MA TE

RI

AL D

E

DI

poderia ser um bom sinal.

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30 20 00 00 0

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P2

Um pedido esquisito

30

CAPÍTULO 22

Estávamos no fim do arco-íris. Se tudo estivesse correto, meu pai se

ÇÃ O

encontraria por ali.

LE

– Então quer dizer que você faria qualquer coisa para ter seu ouro de

CO

volta? – perguntou a bota.

– Sim – respondeu o duende. – Mas só vou obedecer ao seu mestre.

DA

Se não sair da boca dele, não faço. Ele é o dono do pote, não você.

O

Meu pé esquentou, e entendi que Sete Léguas ficou brava com aque-

_C ÓD IG

la resposta.

– Mas ele não sabe como falar com um duende! – reclamou a bota. O duende riu e olhou para mim.

O

– Claro que sabe, é só abrir a boca.

VU LG AÇ Ã

Resolvi perguntar para a bota qual era o problema. – Agora não posso falar mais nada – disse ela. – Sei exatamente como

pedir, mas, se eu te contar, ele vai dizer que o pedido não foi seu e não vai cumprir. Os duendes têm muito poder, eles conhecem portais secretos que

DI

ligam os mundos, entram e saem à vontade. Podem fazer qualquer coisa,

AL D

E

mas não são confiáveis.

MA TE

RI

– Mas eu sei exatamente o que eu quero – respondi. – Então diga – pediu o duende. 76


30 20 00 00 0

– Cuidado com as palavras – falou a bota. – Só queria encontrar meu pai!

30

O duende deu um imenso sorriso e disse:

P2

– Pedido aceito. Você vai encontrar seu pai, e o pote de ouro voltará

40

a ser meu.

11

– Essa não! – reclamou a bota para o duende. – Você trapaceou! te quero deste lugar.

LE

– Você não pediu direito – disse a bota.

ÇÃ O

– Eu falei alguma coisa errada? – perguntei. – Pedi o que eu realmen-

CO

– Eu disse que queria encontrar o meu pai.

DA

– Você deveria ter dito que queria VOLTAR PARA CASA COM

O

SEU PAI, só encontrar é muito pouco, você não tem garantia de nada.

_C ÓD IG

– Foi isso que eu quis dizer, que queria voltar para casa com meu pai. – Não – disse o duende. – Você pediu para encontrar seu pai. E

MA TE

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

isso eu posso fazer.

77


30 20 00 00 0

Com certeza, eu tinha sido enganado, mas agora não havia muito

mais o que fazer. Se ele realmente cumprisse com a palavra, pelo menos eu

30

me encontraria com meu pai.

P2

– Está certo – falei. – E o que é que vai fazer para cumprir sua parte

40

do trato?

11

– Na verdade – riu ele –, nada.

ÇÃ O

A bota rangeu nos meus pés. – Como assim, nada? – reclamei.

LE

– Acho que posso garantir que, muito em breve, você verá seu pai e

CO

o ouro será meu novamente – prosseguiu o duende. – É só você olhar para

DA

trás.

MA TE

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

_C ÓD IG

um novo e gigantesco problema.

O

Quando me virei, constatei que aquele céu escuro só poderia trazer

78


30 20 00 00 0

CAPÍTULO 23

11

40

P2

30

Um voo terrível ÇÃ O

Uma bruxa!

Sim, se eu estava num mundo encantado e já havia encontrado fadas,

LE

duendes, sapos falantes e até uma princesa, era óbvio que, cedo ou tarde,

CO

uma bruxa iria aparecer.

Ela voava em minha direção sentada sobre uma vassoura. Ao redor

DA

dela, tudo era mais escuro. Quando chegamos ao fim do arco-íris, o céu

O

estava claro e o dia quente, mas, de repente, se formava uma tempestade.

_C ÓD IG

– Vamos fugir – disse Sete Léguas. – Pra onde? – perguntei.

Não havia uma floresta, campo, nada. Apenas uma estranha estrada

O

feita de tijolos amarelos.

VU LG AÇ Ã

– Não interessa – disse Sete Léguas. – Vamos apenas tentar escapar. A bota disparou para o lado oposto ao da bruxa, mas não achei aquilo

uma boa ideia. Correr em linha reta não ia nos ajudar a distraí-la. Desta

vez o pote de ouro não me acompanhou; ficou imóvel no lugar onde ter-

DI

minou o arco-íris.

AL D

E

O vento gelado já batia na minha nuca como se milhares de cristais

de gelo tentassem perfurar minha cabeça. Para piorar, a bruxa emitia gritos

MA TE

RI

terríveis.

79


30 20 00 00 0 30 P2 40 11 ÇÃ O LE CO

Senti medo de verdade.

DA

– Irrrracccccrrrraacccccccccccccciiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

_C ÓD IG

O

– Corra, bota, rápido. Acho que ela está muito perto. – Estou tentando, estou tentando, esto... De repente, Sete Léguas parou de falar, e eu me senti mais leve, como

se o chão tivesse sumido embaixo de meus pés. Era bem diferente da sen-

O

sação de correr sobre o arco-íris. A subida foi muito brusca.

VU LG AÇ Ã

A bruxa tinha conseguido me pegar e me deixou pendurado na ponta

da vassoura. Eu balançava muito e achava que iria cair a qualquer momento. Ela gritava nos meus ouvidos, e o vento forte não cessava. – Me solte! – eu gritava. – Me solte!

DI

Não era bem isso o que eu queria dizer. Se ela me soltasse daquela

AL D

E

altura, eu não teria nenhuma história para contar, mas tinha sido a única coisa que me ocorreu. Acho que todo mundo gostaria de escapar de uma

MA TE

RI

bruxa tão horrível.

80


30 20 00 00 0

Por fim, ela principiou a descida. Diante de nós, um imenso castelo

cercado por cinco torres lúgubres. Não consegui perceber qualquer tipo

30

de luz naquele lugar. Que grande diferença do belo castelo iluminado da

P2

Cinderela.

40

Quando nos aproximamos, as enormes e pesadas portas se abriram e,

11

assim que passamos, se fecharam com estrondo. Antes de pousar, a bruxa

ÇÃ O

finalmente atendeu ao meu pedido. Soltou-me, mas de uma altura em que eu pudesse apenas me machucar sem quebrar qualquer osso.

LE

Fiquei feliz ao tocar o chão, embora fosse muito frio e sujo. Ao estar

CO

em terra novamente, tive o impulso de sair correndo, mas a bruxa pousou diante de mim.

DA

Foi então que pude vê-la de frente. Seu olhar era frio, sem vida. Sua

O

presença era intimidadora, e eu perdi completamente a esperança de ten-

_C ÓD IG

tar fugir.

Ela se aproximou, me avaliou completamente e disse: – Eu quero a sua bota. Entregue a bota e você estará livre.

O

Senti meu pé frio, gelado como nunca. Sete Léguas tremia. Ela já

VU LG AÇ Ã

tinha me ajudado tanto, salvado minha vida algumas vezes. Eu que não iria entregá-la a uma bruxa medonha e, provavelmente, com as piores intenções do mundo.

Foi então que me enchi de coragem e disse:

DI

– Se é isso que você quer, então venha pegar!

MA TE

RI

AL D

E

E ela veio.

81


30 20 00 00 0

CAPÍTULO 24

11

40

P2

30

Uma bota difícil de tirar ÇÃ O

– Ora, seu garoto atrevido – berrou ela. – Faça o que eu estou man-

dando ou...

LE

Achei estranho que ela mesma não tirasse a bota do meu pé. Ela era

CO

maior, mais forte e poderosa, bastava querer. Porém, ficava andando ao

meu redor, praguejando e gritando. Percebi que havia algum problema,

DA

alguma coisa que ela não poderia fazer comigo enquanto eu estivesse com

O

a bota. Aquilo foi me dando coragem, e acabei provocando-a.

_C ÓD IG

– Você não consegue tirar a bota do meu pé! Ela, então, parou diante de mim e me encarou com os olhos vermelhos. outra coisa.

O

– Sim, moleque. Eu não posso tirar a bota do seu pé, mas posso fazer

VU LG AÇ Ã

Eu devia ter ficado calado. Se ela tinha conseguido me trazer até

aquele castelo, certamente tinha planos cruéis contra mim.

– Vamos ver se você vai continuar tão valente depois de ficar vários

dias sem água e sem comida.

DI

Ela ergueu a mão e eu, novamente, saí flutuando. Daquela vez tudo

AL D

E

era bastante violento. Ela me girava pelo ar, e meu estômago virou de

cabeça para baixo. A bruxa continuou com o dedo apontado para mim, e

MA TE

RI

descemos uma escadaria escura e fria.

82


30 20 00 00 0

Quanto mais eu gritava, mais ela gargalhava.

Terminamos de descer a escada e eu escutei um som estridente e

30

agudo. Olhei para baixo e vi que uma imensa grade se abria. Ela me atirou

40

escapar, as grades já tinham se fechado novamente.

P2

dentro de uma cela sombria. Antes que eu pudesse me levantar para tentar

calmo.

ÇÃ O

11

– Quer me dar a bota? – perguntou ela num tom de voz bem mais

A expressão dela ficou raivosa e disse:

LE

– Não – respondi apavorado. – Só quero sair daqui.

CO

– Espero que você goste de ficar sozinho, pois vai viver assim durante

DA

um longo tempo.

O

Ela subiu a escadaria e fechou a porta. O ambiente era muito escuro,

_C ÓD IG

mas possuía um leve tom azulado. Depois que meus olhos se acostuma-

ram, consegui enxergar alguma coisa. Achei conveniente que não pudesse ver tudo, pois tinha a impressão de que coisas horríveis me cercavam.

O

– Ela não vai voltar – disse a bota. – Quanto a isso, pode ficar tranquilo.

VU LG AÇ Ã

– Como é que você sabe? – perguntei. Ela ficou em silêncio durante um tempo e disse. – Ela não pode tocar em você... vivo. Mas se esperar você morrer,

poderá me tirar do seu pé.

DI

– Morrer... – falei. – Quer dizer que...

AL D

E

– Isso mesmo. Ela vai te deixar aqui sem água e sem comida até que

você morra. Só então virá me buscar. Ainda bem que você não me tirou;

MA TE

RI

ela te mataria logo em seguida.

83


30 20 00 00 0

A bota se calou e eu também. Pouca coisa se ouvia ao nosso redor.

Talvez o som de uma goteira ao longe, e só. Depois de ficar um pouco

30

naquele silêncio, comecei a colocar meus pensamentos em ordem. Senti

P2

saudade da minha mãe e do meu avô. Ele iria ficar muito decepcionado ao

40

descobrir que eu tinha falhado. Chorei um pouco, mas decidi que não iria

11

desistir. Decidi procurar uma saída. Bati nas paredes, forcei as grades. Não

ÇÃ O

havia nenhuma passagem.

Se pelo menos eu tivesse como correr, faria com que a bota...

LE

Sim... A bota.

CO

Era por causa dela que eu havia chegado até ali, mas também por

Foi então que perguntei:

DA

culpa dela eu estava preso. E, o pior, todo mundo queria tirá-la do meu pé.

MA TE

_C ÓD IG

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

você de mim?

O

– Afinal de contas, por que é que sempre tem alguém querendo tirar

84


30 20 00 00 0

11

40

P2

Finalmente, o passado

30

CAPÍTULO 25

ÇÃ O

– Eu pertencia a um gigante muito malvado, como já te falei, que

adorava devorar crianças. Ele também possuía muito ouro, e, por causa

LE

disso, alguém sempre tentava roubá-lo.

CO

Essa história de ouro estava realmente me aborrecendo. Todo mun-

do que o possuía vivia preocupado e acabava se tornando escravo dele.

DA

Ainda bem que o ouro do duende estava bem longe; eu já tinha proble-

O

mas suficientes.

_C ÓD IG

– Mas, antes disso – prosseguiu a bota –, tive vários outros donos:

homens alados, fadas, príncipes e até bruxas. Quando fiz uma viagem pela Grécia com um antigo bruxo, acabei encontrando o deus Hermes.

O

– Um deus! – me espantei.

VU LG AÇ Ã

– Sim, o deus grego da velocidade. Ele ficou muito irritado quando

viu o bruxo fazendo poções em seu território e o despachou para as profundezas do oceano, de onde nunca mais poderia sair.

– E como é que você não foi junto com ele? – perguntei.

DI

– Porque Hermes percebeu que eu e minha irmã tínhamos sido rou-

AL D

E

badas e possuíamos poderes mágicos. Então, ele fez algo surpreendente.

MA TE

RI

– O quê? – perguntei.

85


30 20 00 00 0

– Nos calçou. Foi somente por um segundo, mas ele nos calçou! E,

quando fez isso, concedeu-nos o presente da velocidade, que acabou se

30

tornando o mais importante de todos.

P2

Fiquei impressionado ao saber que minha bota já tinha sido usada

40

por um deus.

11

– E o que aconteceu depois?

ÇÃ O

– Nos tornamos preciosas e disputadas por vários deuses e seres

mágicos. Não foi fácil, já tive que viver em pântanos, cavernas, lugares

LE

muito quentes, frios...

CO

– Por que você não fugiu dos seus donos malvados?

DA

– Não consigo. Só posso me locomover se alguém me calçar – disse

ela. – Mas acho que o pior de todos os meus donos foi mesmo o gigante

_C ÓD IG

O

que devorava crianças. Quando o Pequeno Polegar nos roubou, eu não gostei, mas, no fim das contas, acabou sendo bom. Ficamos com ele por

muitos e muitos anos, tranquilamente esquecidas num armário, pois

ninguém queria sair daquele vale, que era mesmo muito bonito. Mas, um

O

dia...

VU LG AÇ Ã

– O que aconteceu?

– Um arco-íris apareceu, e, com ele, o duende que estava procu-

rando por tesouros. Ele tinha descoberto que poderosas botas mágicas

viviam escondidas no vale. Claro que acabou enganando os moradores

DI

de lá, nos achou, nos roubou e nos trouxe para o Mundo Encantado.

AL D

E

– Por isso que ele queria vocês de volta – comentei. – Exatamente. O que ele tinha se esquecido é que havia muitos ou-

MA TE

RI

tros seres que continuavam nos procurando. Quando sentiram que está86


30 20 00 00 0

vamos de volta ao Mundo Encantado, perseguiram o duende sem parar, e ele teve que nos esconder num lugar onde ninguém pudesse nos achar.

30

– E que lugar foi esse?

P2

– Oras, na casa de um sapateiro humano.

40

– Meu avô! – falei espantando.

11

– Isso mesmo – respondeu a bota. – O duende falou para ele que

ÇÃ O

lhe daria uma moeda de ouro por ano, desde que jamais contasse para ninguém que estávamos escondidas ali. Seu avô aceitou, mas a vida dele

LE

nunca mais foi a mesma. Alguns monstros ficaram desconfiados das vi-

CO

sitas frequentes do duende e começaram a segui-lo.

DA

Foi então que compreendi como meu avô tinha conseguido viver so-

zinho na floresta por tantos anos. Ele contava com o dinheiro do duende. jeito – falei.

_C ÓD IG

O

– Queriam colocar as mãos, quer dizer, os pés em você de qualquer – Sim, quem conseguisse fazer isso ficaria extremamente poderoso.

VU LG AÇ Ã

– Qual?

O

Mas seu avô tinha um truque.

– Um manto da invisibilidade. Eu vivia escondida com minha irmã.

Mas, um dia, o sapateiro caiu numa armadilha.

– Qual? – foi então que eu entendi por que não tinha conseguido

DI

ver a bota inteira da primeira vez que a encontrei. Ela estava disfarçada.

E

– Ele encontrou um espelho mágico e o levou para o casebre. Acon-

AL D

tece que era o espelho mágico de uma bruxa, que o usava como espião.

MA TE

RI

Um dia, seu avô resolveu nos limpar e retirou o manto. Imediatamente

87


30 20 00 00 0

ela descobriu onde nós estávamos e ficou esperando uma oportunidade para nos pegar.

30

Lembrei da história da bruxa que tinha ido à sapataria do vilarejo.

P2

Ela deveria estar procurando a bota.

40

– Mas por que ela não conseguiu pegar a bota se sabia onde estava?

11

– No momento em que a bruxa atacou, seu pai chegou. Como seu

ÇÃ O

avô sabia que aquilo poderia se tornar muito perigoso nas mãos de uma bruxa, ele atirou minha irmã para seu pai, que a calçou. Parece que seu

LE

pai chegou somente com um par da bota, o outro pé estava descalço. Es-

CO

quisito, isso.

DA

– E o que aconteceu depois? – eu entendi direitinho a história do

pé descalço do meu pai. Não era mesmo difícil perder um calçado na-

_C ÓD IG

O

quela floresta.

– A bruxa ficou enfurecida e tentou me pegar. Seu avô teve tempo

de jogar o manto de invisibilidade em cima de mim, e fiquei escondida. Escutei quando a bruxa disse que iria levar seu pai para o Mundo Encan-

O

tado, como castigo, e iria retirar a bota do pé dele assim que ele morresse.

VU LG AÇ Ã

– Então foi por isso que ela me prendeu – comentei. – Quer mesmo

que eu morra.

– Seu avô já tinha tentado me calçar para tentar achar seu pai, mas

ele nunca conseguia atravessar. A bruxa colocou um feitiço, impedindo-o

DI

de atravessar o espelho comigo no pé. Foi então que você apareceu e me

MA TE

RI

AL D

E

calçou sem querer.

88


30 20 00 00 0

– E aconteceu tudo de novo – falei, entendendo, finalmente, a razão

pela qual meu avô ficou tão desesperado quando eu surgi de repente na casa

30

dele. – Mas – refleti –, se ela capturou meu pai, será que ele está por aqui?

P2

– Não sei – disse a bota. – O príncipe-sapo disse que ele estava fra-

40

co, lembra? Se ele está com minha irmã, significa que não morreu ainda...

11

– Sim, você está certa – disse uma voz, de repente, roubando toda

ÇÃ O

a minha atenção da história. – Eu não morri ainda nem pretendo tão breve. Só estou um pouco cansado.

LE

Olhei para o local de onde vinha a voz, me aproximei da grade e,

CO

quando fiz isso, uma mão se estendeu para mim e disse:

MA TE

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

_C ÓD IG

O

DA

– Filho!

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E

AL D

RI

MA TE

O

VU LG AÇ Ã

DI _C ÓD IG O DA

LE

CO

ÇÃ O

P2

40

11

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30 20 00 00 0


30 20 00 00 0 P2

40

Um pacto sinistro

30

CAPÍTULO 26

11

Quando aquela voz me chamou na escuridão, gelei. A única pessoa

ÇÃ O

que me chamava de filho era minha mãe. – Filho, sou eu, seu pai!

LE

Eu deixei que meus olhos se acostumassem com a silhueta daquele ho-

CO

mem que me observava. Não conseguia enxergá-lo direito e julguei que fosse havia ainda mais coisas acontecendo.

O

– Irmã! – gritou Sete Léguas.

DA

uma armadilha da bruxa, mas, quando senti meu pé se aquecendo, percebi que

_C ÓD IG

– Finalmente nos unimos – respondeu a outra bota. – As duas tenta-

vam se tocar por entre as grades, sem sucesso.

– Preciso sair daqui – falou Sete Léguas para mim.

O

– Também quero – respondi, olhando com firmeza aquele homem e

VU LG AÇ Ã

tentando reconhecer algo familiar nele. Embora fosse estranho estar diante do meu pai, eu queria muito aquele encontro, mas jamais pensei que seria naquelas circunstâncias.

– E vão – disse o homem que se dizia meu pai, mas eu ainda não

DI

conseguia acreditar. – Só precisamos ter calma. Tenho um plano.

AL D

E

– Como você chegou até aqui? – perguntou Sete Léguas à irmã. – Fácil! – respondeu ela. – Quando a bruxa descobriu que havia um novo

MA TE

RI

humano no Mundo Encantado, teve a certeza de que você estaria de volta. 91


30 20 00 00 0

Nós ficamos do lado de fora do castelo, esperando uma oportunidade para entrar. Quando o portão se abriu para ela passar, acelerei o máximo que pude

30

e entrei. Depois, viemos direto para cá, pois já conhecíamos este lugar. Ela já

40

– Vocês também ficaram presos aqui? – perguntei.

P2

tinha feito a mesma coisa comigo e com meu mestre.

11

– Sim – respondeu o homem. – O problema é que nós, humanos, va-

ÇÃ O

mos perdendo nossas forças se ficarmos muito tempo no Mundo Encan-

tado. Não consigo comer as comidas das fadas, é muito difícil. Embora eu

LE

esteja ficando mais fraco a cada dia, pelo menos, naquele momento, ainda

CO

tive forças para escapar.

– Como? – perguntei.

DA

– Afaste-se um pouco – percebi que ele tirou um pequeno frasco do

O

bolso e o destampou. Em seguida, atirou algumas gotas nas grades e, ime-

_C ÓD IG

diatamente, elas derreteram. – Rápido, saiam daí – falou ele.

Não pensei duas vezes. Deixei a cela o mais rápido que pude. Fiquei

impressionado com o poder daquele líquido, mas antes que eu pudesse

O

perguntar qualquer coisa, o homem agarrou na minha mão e disse:

VU LG AÇ Ã

– Não solte minha mão de jeito nenhum. Ela está chegando. Mal ele disse isso, a porta se abriu, e a bruxa surgiu no alto da escada. – Você de novo! – gritou ela. – Desta vez você não me escapa. – É o que você pensa – gritou ele. – Agora, bota! Vamos!

DI

Novamente senti Sete Léguas muito aquecida. Quando percebi, es-

AL D

E

távamos tão próximos da bruxa que eu quase podia sentir a respiração dela. Então, era isso. As duas botas unidas dobravam a velocidade. Passamos tão

MA TE

RI

rápido pela porta entreaberta que a bruxa não pôde fazer nada. 92


30 20 00 00 0

Eu não conseguia me equilibrar. Não estava acostumado com aquela

velocidade, e minha mão começou a escorregar. Acabei me soltando e rolei

30

pelo chão até me esborrachar contra uma parede, com bota e tudo. Quan-

P2

do consegui me erguer, a bruxa, ameaçadora, se preparava para me atacar.

40

– Agora você vai ver!

11

– Não ponha um dedo nele – gritou o homem. – Estou te avisando.

ÇÃ O

Ela estava prestes a me atacar, mas, ao ouvir o homem, interrompeu

o movimento. Ele ameaçava atingi-la com aquele líquido misterioso.

LE

– Nós temos um pacto, lembra? Você me deixa em paz, e eu não des-

CO

truo seu castelo. Esqueça o garoto. – Agora ele faz! É meu filho.

DA

– O menino não faz parte do nosso pacto, somente você – disse ela.

_C ÓD IG

O

O homem, irritado, jogou um pouco do líquido em uma parede, que

logo desmoronou. A bruxa, sentindo-se derrotada, afastou-se.

– Agora – prosseguiu ele – abra o portão, se não quiser que eu o des-

trua também.

VU LG AÇ Ã

O

Ela ergueu as mãos, e o imenso portão se abriu. – Filho, pegue firme na minha mão e vamos embora daqui. Não po-

demos confiar na bruxa, ela é cheia de truques.

Desta vez segurei o mais forte que pude e, tão rápido quanto da pri-

MA TE

RI

AL D

E

DI

meira vez, deixamos aquele castelo horrível para trás.

93


30 20 00 00 0

CAPÍTULO 27

11

40

P2

30

O líquido tão poderoso é... ÇÃ O

Corremos muito. A velocidade era tanta que a paisagem se transfor-

mava em rabiscos coloridos. Era impossível distinguir qualquer coisa. Eu

LE

também não escorregava mais, pois já havia me acostumado. Descobri que

CO

era mais estável correr com duas botas velozes do que com uma só. Logo consegui o equilíbrio e parei de cair de lá para cá.

DA

– Pronto! – disse o homem ao pararmos. – Aqui estamos bem seguros.

O

Não conseguia calcular a distância que percorremos, mas o castelo

_C ÓD IG

da bruxa tinha desaparecido completamente. Havíamos parado sobre uma estrada esquisita formada por tijolos amarelos, que eu já havia visto quando caí do arco-íris. Era um lugar bem bonito, cercado por flores e grandes

O

árvores. A estrada se perdia no horizonte.

VU LG AÇ Ã

– Que lugar é este? – perguntei. Eu ainda achava aquele homem um

estranho. Era difícil chamá-lo de pai.

– Calma, já vou explicar. Mas antes tome um pouco... – e me es-

tendeu o frasco que guardava o líquido usado para vencer a bruxa. Fiquei

DI

desconfiado. Que pai daria ao filho algo tão mortal para beber?

AL D

E

– Mas isso daí parece perigoso – falei.

MA TE

RI

Ele riu e disse:

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30 20 00 00 0

– Você está achando que isto aqui é perigoso? – ele então deu um

breve gole e me ofereceu novamente. – É água, filho, somente água.

30

Estranhei, mas aceitei o frasco. Eu estava realmente com muita sede.

P2

Desde o primeiro momento em que tinha chegado ali não havia comido

40

nem bebido nada. Encostei o frasco com cuidado em minha boca e bebi.

11

– Mas, se é somente água, como foi que...

ÇÃ O

– Ele não sabe mesmo nada de nada? – perguntou a irmã de Sete

Léguas.

LE

– Nada – respondeu minha bota. – Já tive que explicar um montão

MA TE

RI

AL D

E

DI

VU LG AÇ Ã

O

_C ÓD IG

O

DA

CO

de coisas...


30 20 00 00 0

– Quando cheguei aqui, também não sabia de nada, filho... Minha

única sorte foi que eu caí exatamente neste Mundo de Oz.

30

– Oz? – perguntei.

P2

– Sim, quando fui atraído pelo espelho, havia no Mundo Encantado

40

um forte furacão, e eu caí exatamente no meio dele. Achei que seria meu fim.

11

Fiquei rodando, rodando e rodando por muito tempo. Então, de repente, o

ÇÃ O

furacão me levou para outro lado e caí no meio desta terra encantada.

– Foi mesmo muita sorte – disse a irmã de Sete Léguas. – Eu que

LE

não queria ter passado por tudo o que vocês passaram para chegar até aqui.

CO

Fazer uma princesa sorrir? Isso é muito difícil, elas vivem mal-humoradas. Pelo jeito, as botas eram mesmo muito fofoqueiras. Durante aquela

DA

rápida viagem, Sete Léguas já tinha contado toda a nossa aventura à irmã.

_C ÓD IG

O

– E o que é que tem de especial nesta terra encantada? – perguntei. – É um dos poucos lugares encantados que aceita a presença de se-

res humanos. Já houve até um grande mágico que viveu por aqui durante muitos e muitos anos.

O

– Um mágico? – me espantei. – E o que aconteceu com ele?

VU LG AÇ Ã

– Dizem que ele foi embora num balão – falou a irmã de Sete Léguas. As botas não paravam de tagarelar, e era difícil acompanhar tanta

novidade.

– A bruxa estava à minha procura. Ela me perdeu durante o furacão.

DI

Os seres deste local ficaram curiosos comigo. Fazia muito tempo que eles

AL D

E

não viam um humano.

– A última foi uma garota chamada Doroti – disse a irmã de Sete

MA TE

RI

Léguas.

96


30 20 00 00 0

– Todo mundo fala dela por aqui – contou o homem. – A bruxa que-

ria minha bota e conseguiu me capturar, exatamente como fez com você.

30

Ela me trancou no calabouço para eu morrer de sede e fome. Só que eu

P2

tinha, em um dos bolsos do casaco, uma garrafinha de água guardada para

40

emergências. Não é fácil encontrar água por aqui.

11

Sete Léguas nunca havia reclamado de fome ou sede para mim, mes-

ÇÃ O

mo correndo tanto. Vai ver os seres mágicos não precisavam dessas coisas. – E o que aconteceu? – perguntei.

LE

– Sem querer, deixei cair algumas gotas no chão da cela, que derreteu

CO

imediatamente. Percebi que eu era mais poderoso do que imaginava. Foi

DA

assim que a menina Doroti conseguiu vencer uma bruxa.

– Venceu uma bruxa somente com água? – espantei-me.

_C ÓD IG

O

– Sim, exatamente. Depois que usei a estratégia da Doroti, a bruxa

nunca mais mexeu comigo. Ela me deixou em paz, e comecei a buscar uma maneira de ir embora.

– Então vamos logo de uma vez, pai! – eu tinha usado a palavra PAI.

O

Não podia haver mesmo dúvida. Ele estava usando o outro par da bota, era

VU LG AÇ Ã

humano como eu, tinha me salvado e também queria ir embora. Para falar a verdade, eu me achei bastante parecido com ele.

– Eu sei, filho... – disse ele. – Mas existe um problema. – Qual? – perguntei.

DI

Ele abaixou a cabeça, olhou para as botas como que procurando um

AL D

E

jeito de explicar algo muito difícil e, finalmente, falou:

MA TE

RI

– Não há mais como sair daqui. Estamos presos para sempre!

97


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40

Uma nova chance

30

CAPÍTULO 28

ÇÃ O

11

Poucos foram os humanos que realmente estiveram no Mundo Encantado. Todos tinham conseguido retornar, mas as maneiras para que aquilo acontecesse estavam completamente esgotadas.

LE

– E o tal mágico? – perguntei. – Como é que ele foi embora?

DA

CO

– Voando, filho. Os habitantes da cidade das Esmeraldas, que fica aqui pertinho, me contaram que ele se foi num balão. E a Doroti usou um par de sapatinhos mágicos.

_C ÓD IG

O

– Como você já percebeu – falou Sete Léguas. – Nós, calçados, somos fundamentais para que alguém possa se mover entre os mundos. – Como ela foi embora? – perguntei.

O

– Ela calçou os sapatinhos de rubi, bateu três vezes com eles no calcanhar e pediu para voltar para casa – disse meu pai.

VU LG AÇ Ã

– Só isso? – me espantei.

– Sim, filho. Mas eles voltaram ao nosso mundo com ela. Se ainda estivessem por aqui, pelo menos você conseguiria retornar.

DI

– Não entendo. O vovô não ia me mandar para cá se não tivesse um jeito de voltar. Ele me disse que eu tinha que encontrar você e...

MA TE

RI

AL D

E

De repente, me veio um pensamento arriscado. Talvez existisse uma chance. Não sabia se ia dar certo, mas tínhamos que tentar. – O que foi? – perguntou Sete Léguas – Perdeu a voz? 98


30 20 00 00 0

30

– Não – respondi. – Acabei de ter uma ideia. Pai, acho que tem um jeito. Botas, quero que vocês nos levem o mais rápido possível para o fim do arco-íris. Você se lembra onde é, Sete Léguas?

P2

– Claro que lembro, vamos chegar lá rapidinho.

ÇÃ O

11

40

Dei novamente as mãos para meu pai e disparamos em direção ao duende. Quando as botas pararam, aconteceu o que eu tinha imaginado: o duende não conseguia tocar no pote de ouro. Quando nos viu, gritou:

CO

LE

– Você não deve ser humano de verdade! Jogou algum feitiço no MEU pote de ouro. Eu cumpri minha parte, você encontrou seu pai – gritou ele. – Agora, FAÇA A SUA!!!!!!!! Eu sorri, o que o deixou ainda mais enfurecido. Tratei logo de dizer:

DA

– Você não cumpriu sua parte na história.

O

– Como não? Você está aí, com seu pai – falou ele.

_C ÓD IG

– Sim, você disse que eu iria encontrá-lo, mas não foi isso que aconteceu. Foi ELE que me encontrou. O pote de ouro ainda é meu.

VU LG AÇ Ã

O

O duende arrancou o chapéu da cabeça e pisoteou sobre ele, tamanha era a raiva que sentia. Eu, ao contrário, estava muito contente.

MA TE

RI

AL D

E

DI

– É verdade – disse Sete Léguas. – O pote de ouro ainda é seu.

99


30 20 00 00 0

– E posso te devolver – falei para o duende.

30

Imediatamente ele parou de gritar, olhou para mim e perguntou, gentilmente.

P2

– E o que você quer em troca?

11

40

– Que você atenda a um pedido meu, sem nenhum truque, e que cumpra exatamente o que vou pedir.

ÇÃ O

– Concordo, basta pedir e eu atenderei – disse ele sorrindo.

MA TE

RI

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DI

VU LG AÇ Ã

O

_C ÓD IG

O

DA

CO

LE

Agora estava tudo nas minhas mãos. Eu precisava fazer o pedido certo, sem errar qualquer palavra. Só não sabia ainda como.

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Outro pedido incorreto?

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CAPÍTULO 29

11

O duende me encarava com seu sorriso malicioso. Eu tinha que tomar

ÇÃ O

cuidado com o que iria pedir. Qualquer palavra errada poderia complicar minha vida. A bota estava inquieta em meus pés, e meu pai me olhava com

LE

curiosidade. Pelo visto, ele não conhecia aquela possibilidade de retorno.

CO

Então, depois de pensar bastante, respirei fundo e falei:

DA

– Quero que eu e meu pai retornemos para o nosso mundo, para a

casa do meu avô na floresta, em segurança, no dia seguinte ao dia em que

_C ÓD IG

O

eu parti.

Achei que tinha pedido certo. Pedi para voltar ao meu mundo, assim

ele não me mandaria para qualquer lugar. Também deixei claro que era para a casa do meu avô na floresta, assim não corria o risco de ser des-

O

pachado para outra cidade, sei lá. Certamente, me lembrei da época. Do

VU LG AÇ Ã

jeito que o duende era espertinho, ele poderia me enviar para um período diferente, no qual eu nem teria ainda nascido.

Meu pedido devia estar perfeito, já que ele fez cara de decepção. – Está certo – disse ele. – Vou fazer o que você me pede. Quero logo

DI

meu ouro de volta. Basta fechar os olhos, contar até três e, quando os abrir,

AL D

E

estará onde me pediu.

Eu mal podia acreditar que seria tão simples. Desejei que não tivesse

MA TE

RI

nenhum truque. Refleti sobre as palavras dele e pensei. 101


30 20 00 00 0

– Um momento, você disse “basta fechar os olhos” – questionei. –

Mas não disse de quem. Os meus ou os do meu pai?

30

Ele riu e falou.

40

fazer o que pedi, pois preciso do meu ouro com urgência.

P2

– Já está dada a mensagem. Não posso mais alterá-la. Trate logo de

11

Fiquei preocupado. Se meu pai fechasse os olhos comigo, podería-

ÇÃ O

mos ter algum problema, sei lá, se fosse somente eu, a mesma coisa poderia meu desejo fosse a mais simples possível.

LE

acontecer. Eu deveria ter incluído no meu pedido que a tarefa para realizar

CO

Acabei concluindo que, como nós éramos humanos, seria melhor que

magia iria nos tirar daquele lugar.

DA

ambos estivéssemos com os olhos fechados. Não tinha ideia de que tipo de

_C ÓD IG

O

– Pai – falei –, acho melhor fecharmos os olhos juntos. E assim fizemos. Apertei a mão dele e contei: – Um!

Senti algo muito estranho, como se um vendaval se formasse ao nos-

VU LG AÇ Ã

– Dois!

O

so redor. Um certo temor tomou conta de mim, mas prossegui.

Algo ainda mais esquisito aconteceu. Parecia que tudo girava em vol-

ta. Eu ainda sentia a mão do meu pai junto da minha, então, ele ainda es-

tava comigo. Mas, de repente, no meio daquele turbilhão, lembrei de outra

DI

coisa: será que meu pai deveria contar junto comigo?

AL D

E

Essa não! Se eu tivesse cometido algum erro, não teria mais como

consertar, pois já havia contado até dois. Apertei ainda mais a mão do meu

MA TE

RI

pai, me enchi de coragem e falei em voz bem alta. 102


30 20 00 00 0

– Três!

Tudo começou a girar rapidamente e senti uma forte pressão sobre

30

meu corpo. Alguma coisa parecia querer me separar do meu pai, como se

P2

puxasse um para cada lado, mas eu resisti, fiz força. Não iria perdê-lo de

40

jeito nenhum. Também sentia que éramos empurrados de um lado a outro

11

com uma velocidade imensa.

ÇÃ O

Fiquei esperando que aquilo tudo terminasse, que eu sentisse os pés

novamente no chão. Queria um sinal, alguma coisa que me indicasse o fim.

LE

Busquei na memória as palavras do duende. Lembrei que ele me

CO

disse para eu contar até três e abrir os olhos. Entendi que só dependia de

mim. Não havia um tempo definido para ficar preso naquele turbilhão. O

O

ficar naquela situação para sempre.

DA

duende fora mesmo muito malvado. Se eu não controlasse o medo, iria

MA TE

RI

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O

abri os olhos.

_C ÓD IG

Então, me enchi de esperança, torci para que tudo estivesse bem e

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CAPÍTULO 30

11

– Mas o que foi que aconteceu com vocês?

40

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30

Um abraço compartilhado ÇÃ O

A voz era familiar. Eu a escutei no exato momento em que abri os

olhos. Estávamos na casa do meu avô. Sim, eu tinha certeza. Lá estavam o tava fortemente a mão de meu pai.

DA

– Pode me soltar, filho. Chegamos.

CO

LE

espelho, a lareira e toda a bagunça. Olhei para o lado e vi que ainda aper-

Então nos abraçamos bem demorado. Tão logo nos olhamos, eu me

_C ÓD IG

O

recordei da bota. Ela estava muda, assim como sua irmã. A porta da casa de repente se abriu. – Mãe!

Parti em direção a ela e a abracei, emocionado. Ela acariciou meus

VU LG AÇ Ã

O

cabelos, e, como eu já a conhecia muito bem, sabia que iria me dar alguma

bronca por eu ter saído sem avisar e tudo o mais. Porém, o olhar dela estava fixo em meu pai.

Ele também ficou sem palavras. Veio em nossa direção e ficou, por

DI

um momento, observando minha mãe, como se não acreditasse que a esti-

E

vesse vendo novamente.

AL D

– Tereza!

MA TE

RI

Eu estava no meio de um abraço compartilhado. Foi muito bom. 105


30 20 00 00 0

– Está tudo ótimo – disse meu avô. – Mas tirem já essas botas e me

entreguem. Quero guardá-las em um lugar seguro.

30

Fizemos o que ele pediu e, antes de qualquer outra coisa, cobriu o

40

que não se podia enxergar. Era o manto da invisibilidade.

P2

espelho. Vi quando ele se atrapalhou com algo que parecia ser grande, mas

11

– Fechem os olhos! – pediu ele. – Não quero que ninguém mais saiba

ÇÃ O

onde estão essas botas. Já tivemos muita confusão por causa delas.

Antes de fechar os olhos, vi que as botas sorriram para mim. Foi uma

LE

despedida. Assim que os reabri, não havia mais sinal delas. Eu sentiria

CO

saudades de andar tão rápido pelos lugares, mas tenho certeza de que Sete Léguas e a irmã vão adorar ficar escondidas por uns tempos. Espero que

DA

não sejam mais encontradas.

O

E agora? Como seria ter um pai em casa? Será que muita coisa iria

_C ÓD IG

mudar? Eu fiquei com vontade de perguntar tudo a ele, de saber como foi

viver tanto tempo longe da família, se bem que, como descobri, o tempo lá é completamente diferente do nosso.

O

Tudo foi bem difícil e tive medo várias vezes, mas, para ser sincero, o

VU LG AÇ Ã

pior ainda estava por vir: a desconfiança.

Certamente todo mundo ficaria sabendo da minha aventura. Eu

mesmo não conseguiria guardar segredo. Talvez ninguém acreditasse em mim, mas, sempre que eu visse um arco-íris, lembraria do dia mágico em

FIM

MA TE

RI

AL D

E

DI

que fui o último da fila.

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E

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Para pensar sobre a caminhada 40

O livro Segredos do sapateiro mágico é uma narrativa do tipo “novela”,

11

por apresentar características de um texto maior do que um conto e menor

ÇÃ O

do que um de romance, e sua organização é feita em capítulos, nos quais são apresentadas várias personagens em diferentes situações relacionadas

LE

ao fio central da história.

CO

Além disso, esta novela se passa num mundo fantástico, onde as

situações se resolvem por meio da fantasia. Ao ler este livro, você teve

DA

contato com seres mágicos e com um cenário bem diferente, um uni-

_C ÓD IG

personagens de outras histórias.

O

verso encantado em que, na companhia de Tico, você encontrou Foi a partir das narrativas clássicas e especialmente

das histórias que trazem sapatos, como O gato de botas,

O

O pequeno polegar, O mágico de Oz e Cinderela, aventura.

VU LG AÇ Ã

que o escritor Manuel Filho construiu esta O que você achou de encontrar, ou

melhor, reencontrar personagens de outras

DI

histórias? Algumas delas talvez você

E

tenha conhecido pelas vozes de alguém

AL D

da família ou na creche quando ainda nem

MA TE

RI

sabia ler.

108


30 20 00 00 0

Essas narrativas são chamadas clássicas porque atravessaram o tem-

po e seguem encantando novas pessoas. Por isso, muitos autores usam em

30

suas histórias elementos e personagens dessas narrativas clássicas, como autor

Manuel

Filho

40

O

11

nasceu e vive na cidade de São

ÇÃ O

Bernardo, em São Paulo, tem mais de 60 livros publicados para

LE

crianças e jovens, e já recebeu al-

CO

guns prêmios importantes. Em

O

ria que, pela primeira vez, reuniu

DA

parceria com Ziraldo e Mauricio

de Sousa, ele escreveu uma histó-

P2

fez o escritor deste livro. Vamos saber mais sobre ele?

legal, não é mesmo?

_C ÓD IG

os personagens de O Menino Maluquinho e da Turma da Mônica. Muito Leitor de livros, revistas, gibis e histórias em quadrinhos desde a in-

O

fância, para escrever suas histórias, o autor mergulha nas leituras que fez

VU LG AÇ Ã

ao longo da sua vida leitora, nos fatos do cotidiano e nas situações que o assombram.

Para Manuel, viagens por mundos encantados demandam o melhor

de nossa imaginação. Você já percebeu que, em quase todas as histórias

DI

mágicas, os personagens estão buscando por alguma coisa? E acabam se

E

deparando com caminhos dourados, guias misteriosos, atalhos e, claro,

AL D

sapatos. Isso sempre lhe chamou a atenção e ele resolveu brincar com eles

MA TE

RI

nesta história. O autor viaja bastante e já teve alguns bons percalços em 109


30 20 00 00 0

razão da escolha errada de um sapato. Manuel Filho também é cantor e

ator. Já atuou em grandes espetáculos musicais. Para saber um pouquinho

30

das suas criações, ou invenções, visite www.manuelfilho.com.br.

P2

Já as ilustrações de Segredos do sapateiro mágico foram feitas por Rafa

40

Antón, artista que nasceu na Espanha, morou em vários países, e atual-

11

mente vive na cidade de São Paulo, onde trabalha para agências de publici-

ÇÃ O

dade e produtoras de cinema. Ele

adora criar personagens e ilustrar

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livros de literatura. Para ilustrar o

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livro que você acabou de ler, Rafa usou de toda sua experiência com

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livros infantis, criando um universo rico e dando vida aos personagens da história. Ele também já

escreveu e ilustrou um livro unicamente seu, chamado A incrível história do homem que não sonhava, publicado em 2014 pela Sesi-SP Editora.

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Para narrar a trajetória de Tico, Manuel Filho reuniu o mundo

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contemporâneo do personagem com o Mundo Encantado, retratado no

livro com muitos detalhes e cheio de surpresas, levando o leitor a transitar por esses dois universos, numa perigosa corrida contra o tempo. Uma aventura como outras

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que você certamente já conheceu em livros,

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filmes, séries de TV e games.

A história é narrada por Tico em

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primeira pessoa, uma escolha que nos faz 110


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aprofundar na narrativa pelos olhos do personagem, vivendo com ele suas aventuras e sofrendo junto as dores que experimenta ao longo do caminho que percorre em busca do pai. Essa jornada, porém, não é somente para

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vida e da sua família.

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encontrar o pai, ela é também uma tentativa de entender a história da sua Como toda aventura, a vivenciada por Tico provocou curiosidade, expectativa e até medo, não é mesmo? E se Tico não conseguisse ter su-

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cesso na sua jornada? E se ele, assim como o pai, ficasse preso no Mundo

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Encantado?

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Da mesma forma que toda aventura fantástica, portais em espelhos,

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seres mágicos e até alguns talismãs aparecem na narrativa. Podemos dizer 111


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que o próprio livro é um portal de aventuras que o leitor atravessa para ser parceiro de Tico no desvendamento dos mistérios do passado.

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No final, o que podemos perceber? O que acontece com a vida do

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menino? Sua jornada valeu a pena? Será que Tico segue sendo o mesmo

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menino acuado que sofria pela rejeição das outras crianças e pelo segredo

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sobre o sumiço do pai?

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E você, leitor ou leitora, como saiu dessa história? Afinal, a aventura

de Tico pode ser a jornada de qualquer um de nós, não exatamente a de

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encontrar o pai, mas a de buscar soluções para o que nos inquieta.

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Acredita-se que a literatura tem a função de despertar o olhar, esti-

mular a sensibilidade para o mundo que nos cerca. O que você acha? Será

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que a história de Tico provocou em você uma transformação como a vivi-

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da pelo personagem?

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Além da história de Segredos do sapateiro mágico, existem muitas ou-

tras sobre seres mágicos e fantásticos. Você conhece alguma delas? Também há livros que trazem personagens como o Tico, crianças ou jovens

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que se sentem um pouco estranhos em relação aos outros ou que buscam

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saída para situações complicadas em que se veem envolvidos. E, como a

gente disse, este é o bacana da literatura: conhecer diferentes histórias,

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aventuras e toda a magia que os livros podem oferecer.

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Você já procurou saber se o seu sapato está aí na sua casa, debaixo da cama ou dentro do armário? Se tiver

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alguma dúvida, melhor prestar atenção. Ele pode ser

um sapato mágico perdido. E, sendo assim, alguém

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estará atrás dele. Uma princesa? Um ogro? Um gato?

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Foi mais ou menos isso que o Tico, personagem desta

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história, descobriu. Porém, ele não procurava por um sapato, e sim pelo seu pai, que desapareceu durante

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uma terrível tempestade. Abra esta caixa de sapat..., quer dizer, este livro e se prepare para descobrir que

tudo o que você sabia sobre contos de fadas pode mu-

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dar completamente.

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ISBN: 978-65-88618-20-2


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