SENSO INCOMUM 050 - julho 2022

Page 8

METADE DO QUÊ?

"Dar voz às diferenças é uma maneira de amplificar a necessidade de mudança"

50podeserconsideradoumnúmeroque representa a metade de algo a ser alcançadodesde um status a um estado de espírito, ou até mesmo a idade propriamente dita A quinquagésima edição do Senso (in)comum, em especial, marca o retorno às atividades presenciais da 12° turma de Jornalismo na Universidade, após dois anos de encontros e desafiosremotos.

Mais uma vez, é preciso refletir sobre asociedadeemquevivemosequal queremos construir para o futuro. Perceber quem são as pessoas ao nosso redor, é um exercício empático de olhar para outras culturas e vivências, além de compreender que elas também moldam nossos cidadãos. Quando falamos de futuro, é para exercer a nossa liberdadeeexporosideaisquepensamos,afim de fomentar a reflexão dos brasileiros para eleger nossos representantes. Em ano de eleiçõeseCopadoMundo,umacoisanãopode faltar: consciência.

Mesmo que não pareça, há esperança, ainda mais quando a educação - mesmo com o desmonte - resiste e desenvolve cientistas que buscam até curar o câncer. Em contrapartida, alguns insistem em relutar contra a ciência e fazem uso de dispositivos que colocam em risco a própria saúde, mas, seria essa uma escolha racional? Percebemos, então, que a tecnologia pode ser uma grande aliada e, ao mesmo tempo, a perdição de muitos que asubestimam.

A equipe do Senso (in)comum não só buscadarvisibilidadeàsvozessilenciadasdentro da Universidade, como ressalta a saúde para além da física e reforça o respeito aos limites do corpo e da mente. Também pautamos como a resistência representa um ato democrático e justificávelnocombateàviolência.

Assim, o jornal laboratorial do curso de Jornalismo da UFU pretende continuar sendo um espaço de construção e luta, com

ointuito de transformar o despercebido em informação. E como forma de gritar pelos invisibilizados, prezar pela ciência e torcer para as diversas curas - inclusive a da ignorância - para nós, 50 será o número da denúncia, crítica, exposição e esperança.

O OVO DA SERPENTE

A violência contra movimentos pela terra e moradia no Triângulo Mineiro explicita a estreita relação entre o fascismo e o Estado democrático de direito

“O assassinato de Daniquel é um marco. Pela primeira vez na região, a polícia muda seu papel nos casos de violência contra os militantes. Deixa de ser um agente de negligência, em que reforçava a vulnerabilidade dos movimentos, e de 2016 para cá se torna um agente ativo, promovendo a violência”.

rizar a violência institucional, como nas frequentes tentativas de criminalização da luta pela terra. Nesse cenário, é possível entender a situação como algo singular na história política brasileira

Outro acontecimento recente na região do Triângulo Mineiro aponta para a mesma problemática Em 2013, três lideranças de um movimento camponês foram assassinadas por criminosos em cidade próxima à Uberlândia, em um episódio conhecido por "Chacina de São José dos Cravos''. Se aprofundando no caso, fica explícito que, mesmo em “plena democracia” o Estado agiu de maneira conivente com a violência. Pensar em ambos os casos de maneira conjunta torna possível observar que:

Esta fala, de um dos representantes do MTST de Minas Gerais, se refere ao assassinato de Daniquel de Oliveira, 41 anos. Coordenador da ocupação Fidel Castro, em Uberlândia, foi executado por policiais em março de 2020. Infelizmente, ele não foi o primeiro e não será o último militante violentado em nosso país. Esse tipo de atuação, cotidiana, fez parte de todo o processo de estruturação do Estado brasileiro, sendo explicitada em episódios como este.

A brutalidade do caso ecoa nas movimentações do atual governo, que constantemente faz esforços para milita-

São elas que permitem a operacionalidade deste projeto político quando este se apropria do aparato do Estado.

O Fascismo não é algo externo à nossa democracia. Muito pelo contrário, são suas contradições estruturais que garantem sua existência.

A DISCUSSÃO CONTINUA NO SITE DO SENSO (IN) COMUM. PARA CONFERIR O CONTEÚDO COMPLETO, APONTE SEUDISPOSITIVO PARAOQR CODEABAIXO.

Reitor: Valder Steffen Jr - Diretora da Faced: Geovana Ferreira Melo - Coordenadora do Curso de Jornalismo: Christiane Pitanga - Professores: Ana Cristina Spannenberg, Christiane Pitanga, Gerson de Souza, Nicoli Tassis e Nuno Manna - Jornalista Responsável: Ana Cristina Spannenberg - Editores-Chefes: Angélica Neiva e Brenda Mesquita - Editores: Gabriel Reis e Vinícius Pereira (Ciência e Tecnologia), Isabella Breve e Ulisses Fernandes (Cultura), Felipe Braga e Paulo Félix (Esporte), e Janaina Bernardino e Júlia Vidotti (Política) - Opinativos: Bruna Villela, Isabella Vasconcelos e Leíse Alves Pereira - Checagem: Bernardo Júnior, Giovanna Trovó, Maria Eduarda Marrama, Mariana Palermo, Monique Ferreira e Vitória Caregnato - Foto e Arte: Estela Araújo, Leandro Júnior, Maria Eduarda Koyama e Sarah Aguiar - Revisão: Camila Karen, Ketlen Kelly, Luisa Cardoso, Pedro Bueno, Sabrina Paiva, Sofia Cunha, Vitoria Freitas e Yasmin Mohamad - Redes

e Site: Gabriel Sarreta, Isadora Pinheiro, Maria Eugênia Matos e Milena Mendes - Finalização: Danielle Buiatti e Ricardo Ferreira de Carvalho - www.sensoincomumufu.com POR ULISSES FERNANDES “COERÇÃO COTIDIANA''. FOTO ULISSES FERNANDES
''o Estado Brasileiro, em “plena funcionalidade”, possui as contradições que são apenas radicalizadas pelo fascismo''
Senso nº 50 Julho / 2022 2 EDITORIAL//
DA REDAÇÃO
OPINIÃO//

Com que roupa eu vou?

Em ano de Eleições e Copa do Mundo, usar a camisa da Seleção Brasileira vira dilema

representação de patriotismo. Apoiador do movimento conservador, desde criança considera o uniforme um ícone patriota, assim como o ato de hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional nas escolas. “Uso a camisa da Seleção Brasileira e outros símbolos por amor ao país, mesmo tendo abandonado o futebol porquetudoviroucomércio”.

Já Julia Stocco, estudante de Engenharia Ambiental e Sanitária da UFU, se posiciona contra o atual presidente da República. Desde 2018, ela tem evitado usar a camisa amarela e prefereouniformeazuloubrancoparaaépoca da Copa do Mundo. “Eu sou do Mato Grosso e lá o conservadorismo é predominante. Você vai ao mercado e vê pessoas com a camisa da Seleção com nome de político. Eu não querocorreroriscodesermalvista”,afirma.

Desde 1998, dois eventos que movimentam a sociedade brasileira são realizados no mesmo ano. As últimas seis edições da Copa do Mundo ocorreram menos de quatro meses antes das Eleições Presidenciais. Já o mundial de 2022, realizado no Qatar a partir de 21 de novembro, será depois das eleições, que acontecememoutubro.

A escolha do presidente da República e a possibilidade do hexacampeonato são conectadosporumobjeto:acamisaamareladaSeleção Brasileira. O futebol brasileiro é conhecido ao redor do mundo pela 'amarelinha', que faz parte do Brasil desde a década de 1950, após o famoso Maracanazo. No atual cenário nacional, ganhou outro sentido: o fortalecimento do movimentoconservador.

A conexão da política com o esporte teve o seu auge em território brasileiro durante a Ditadura Civil-Militar. Depois do Golpe de 1964 e a criação do AI-5, em 1968, o país vivia

um dos momentos mais conturbados da história. Em 1970, a seleção conquistou o tricampeonato mundial. Naquela época, a vitória do time foi usada para promover o governo, sendo vista como alienação pela elite intelectual epelosmovimentosdeesquerda.

O jornalista e historiador do futebol, Celso Unzelte, afirma que essa estratégia é usada em vários contextos políticos, em todo o mundo: “A Alemanha, por exemplo, quando sediou a Copa de 1974, ainda estava marcada pela Segunda Guerra Mundial e as pessoas tinham muito mais medo de demonstrar publicamente os símbolos nacionais do que em 2006,quandoopaísvoltouasersede”.

Usar ou não a camisa da Seleção Brasileira?

O eletricista Oracil Fagundes não pretende acompanhar a Copa do Mundo, mas vê os símbolos brasileiros como uma importante

Apesar de compartilhar o mesmo posicionamento político, Glauco Júnior, graduando em Engenharia Civil na UFU, tem uma opinião diferente em relação ao uniforme. Movido pela paixão pelo futebol, ele se nega a abandonar o símbolo e segue usando a amarelinha: “As cores estão relacionadas, primeiro, ao nosso hino, e não a qualquer candidato, conjunturaoupartido”.

Se reapropriar dos símbolos nacionais tem sido uma das preocupações das alas progressistas no Brasil. Para o representante do movimento da Juventude do PT, Lucas Piaia, essa reflexão não pode ficar restrita apenas aos períodos eleitorais ou de Copa do Mundo. “Contamos comoapoiodeumapartedasociedade, o que mostra que existe espaço para, desde já, começarmos a fazer o resgate de símbolos,comoacamisaamarela”.

Seja por paixão, convicções políticas ou ritos supersticiosos, a amarelinha carrega diversos significados que extrapolam grupos e gerações. Para Celso, resgatar a camisa amarela como um símbolo de todos os brasileiros é uma questão temporal: “Na minha infância, eu tinha uma certa rejeição dos símbolos que haviam sido apropriados pelo governo ditatorial. Isso, depois, foi ressignificado, assim comoaconteceucomaAlemanha”. 

Senso n° 50 Julho / 2022 POLÍTICAS INFOGRÁFICO: ISABELLA BREVE/VITORIA FREITAS 3
PRESENÇA DA CAMISA AMARELA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA (UFU) FOTO: VITORIA FREITAS

Acessibilidade é respeito às diferenças

Estudante da UFU relata descaso de professora para atender necessidades asseguradas por lei

fluenciaram no seu direito de existir na universidade. Heloane não escreve devido a sua deficiência, assim, sua monitora Gabriella de Paiva Aguiar é quem auxilia na redação das provas. Tal dinâmica nunca foi um empecilho para que a jovem se desenvolvesse, até se deparar com as lacunas presentes na docência.

ceptivo aos alunos PcDs e relembra que libras é uma disciplina ofertada e facilmente encontrada em projetos da UFU, como o “Falando com as mãos”, aberto à comunidade.

Pessoas com deficiência foram incluídas na Política de Cotas das Universidades Federais apenas em 2016. Hoje, na UFU, há 650 estudantes com deficiência. Entretanto, garantir somente o acesso à universidade não é o suficiente. É necessário promover ao estudante condições de acesso à educação de qualidade e participação política e social dentro do âmbito universitário.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 destinou o Capítulo V para a Educação Especial, pro-

movendo atuações nas instituições de ensino para prover a educação de pessoas com deficiência desde a infância até o ensino superior. Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) foi promulgada para assegurar que o sistema educacional seja inclusivo em todos os níveis. Ainda assim, no espaço educacional superior, nota-se que esse direito não é assegurado integralmente.

É o que relata a estudante de Biologia na UFU, Heolane Rocha, que enfrentou obstáculos que in-

EDITAIS DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL PARA PCDs

PROAE

•Edital de acessibilidade: auxílio mensal (10 parcelas de R$400,00)

•Edital de acessibilidade digital: auxílio único para compra de itens de tecnologia assistiva.

•E-mail de contato: dipae@proae.ufu.br

Serviços oferecidos pela DEPAE

•Atendimento de intérpretes de libras

•Monitoria

•Adaptação de material

•Empréstimos de aparelhos de tecnologia assistiva

Email de contato: depae@prograd.ufu.br

Em uma das cinco disciplinas em que está matriculada, a docente responsável foi resistente na hora de garantir o suporte necessário. “Ela começou a duvidar da gente achando que estávamos trapaceando nas avaliações", narrou Heloane. Gabriella conta que a estudante foi invisibilizada pela professora, se dirigindo apenas à monitora. “Ela ficava olhando para mim enquanto a Helô falava e pedia para eu traduzir o que ela estava falando”.

Já Maria aponta que “o estudante não é da DEPAE, ele é da universidade, como todos os outros”, e que, portanto, é necessário que haja uma rede de apoio organizada da comunidade acadêmica. “A gente precisa criar mecanismos para que as pessoas tenham uma visão menos capacitista. E entendam que ter deficiência é um modo diferente de estar no mundo, não pior”, finaliza. 

A monitoria é a maior demanda que os estudantes com deficiêncialevamàDEPAE.

•Há necessidade em todos os campidaUFU

•Bolsa-auxílio:R$240,00

•12horassemanais

Para ser monitor(a) é necessário se candidatar através dos EditaisdaDEPAE.

Saiba mais em: www.depae.prograd.ufu.br/ editais

Maria Aparecida Satto, coordenadora da Divisão de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial (DEPAE), do campus Pontal, explica que Gabriella foi um instrumento para materializar a resposta da prova, sendo, inclusive, um auxílio assegurado legalmente. Devido à gravidade do ocorrido, a DEPAE entrou em ação e, atualmente, a situação está regularizada.

Anna Paula Leite, coordenadora da DEPAE, do campus Santa Mônica, destaca que a comunidade acadêmica deve buscar promover um ambiente mais re-

''O estudante não é da DEPAE, ele é da universidade!"
MARIA SATTO
HELOANE E GABRIELA NO CAMPUS UMUARAMA/FOTO: ISABELLA VASCONCELOS APESAR DAS DIFICULDADES, A ESTUDANTE SE SENTE ESPERANÇOSA POR UMA UNIVERSIDADE, DE FATO PLURAL/ FOTO: ISABELLA VASCONCELOS
POLÍTICAS Senso n° 50 Julho / 2022
POR ISABELLA VASCONCELOS
4

Entre calabouços e chefões

Para além das fronteiras do lazer, jogos interpretativos exercitam criatividade de universitários

Todos aguardavam ansiosamente o fim da campanha de Dungeons & Dragons. Contavam as horas daquela quinta-feira, incansavelmente. Afinal, o confronto contra Tiamut, o dragão dourado, é um evento imperdível. Foram horas tensas e recheadas de batalhas contra inimigos poderosos. O mestre foi impiedoso: nos conflitos, três aventureiros padeceram e só restou a corajosa paladina. Ela enfrentaria a besta sem ajuda dos companheiros. Respirou fundo, lidou com a tensão como pôde, mesmo assim, o sentimento corroía suas entranhas. Incerta, pegou o dado de 20 lados, fechou os olhos e rolou o objeto na mesa.

A vivência universitária não é tão diferente de uma sessão de RPG - Jogo de Interpretação de Papéis, em tradução livre. Embora os obstáculos no jogo sejam duendes e dragões, o aluno enfrenta problemáticas tão desafiadoras quanto. A pressão gerada pelo dia a dia acadêmico impacta discentes em qualquer instituição de ensino e, no meio desse embate, as atividades pesam na vida pessoal. “Às vezes a gente se pega vivendo no automático para evitar se sentir desconfortável consigo mesmo”, relata Maria Eduarda Bento, estudante de Artes Visuais na UFU. Assim como ela, alunos são pegos pelo acúmulo de estresse, fator que pode levar ao adoecimento mental e, em casos mais graves, ao suicídio.

Segundo dados do “Global Student Survey”, pesquisa realizada no meio universitário em

todo o mundo, 76% dos estudantes de ensino superior no Brasil relataram impactos na saúde mental em 2020 e 2021, durante a pandemia da Covid-19. Contudo, o problema não é recente: desde 2002, o Brasil ocupa a primeira posição do número de suicídios entre alunos universitários, de acordo com estatísticas do Centro de Valorização da Vida.

Michele Falco, psicóloga da Divisão de Saúde da UFU, também acredita que um dos fatores que contribuem para o estresse desse grupo possa ser a própria adaptação à vivência na Universidade. “A própria adaptação à vida universitária, com suas demandas e responsabilidades, pode ser desencadeadora de estresse para os universitários, sobretudo no início da vida acadêmica".

Para além da aventura

Presente de diversas maneiras na rotina dos estudantes, o estresse é capaz de desorganizar cronogramas e dificultar o planejamento futuro. Dificuldades na convivência cotidiana também são apresentadas, inimigos tão poderosos quanto as criaturas do jogo. Uma das magias eficientes contra o chefão invisível é o lazer: “As vivências nos âmbitos pessoal e profissional podem gerar uma sobrecarga e, assim, uma necessidade de autocuidado, a fim de vivenciar outros momentos e se dedicar a outras experiências que lhe fazem sentido, que dão prazer e são, assim, saudáveis”, diz Michele.

Nos caminhos desses calabouços do alívio está o RPG, forma de entretenimento conhecida por seus aspectos interativos. O jogo consiste na interpretação de personagens em uma história narrada pelo mestre, figura capaz de ditar o tom da aventura. Para definir os rumos e ações dos personagens, são utilizados os dados como elemento de incerteza.

Para muitos, o RPG vai além de uma simples atividade de la-

zer. Jefferson Ribeiro, programador e mestre desde 2002, explica como o jogo ajudou nos aspectos pessoais e profissionais de sua vida: “Por seu caráter coletivo, a prática desenvolve no jogador habilidades de comunicação, leitura, criatividade e até mesmo matemáticas". Durante a vivência na Universidade, Jefferson, assim como muitos estudantes, sofreu de consequências negativas em relação à sua saúde mental. Contudo, encontrou no RPG um refúgio da realidade e um alívio para o estresse acumulado: “Quando jogo, sinto que me desligo do mundo atual. O mesmo acontece com outros jogadores”.

“É uma sensação de explorar o que não foi explorado, pensar como alguém que não eu mesma”, aponta Maria Eduarda, também jogadora de RPG. Devido à vida universitária, ela diminuiu a frequência das sessões, mas mantém alta as expectativas.

A natureza coletiva do RPG permite aos jogadores desenvolverem capacidades empáticas sem deixar de lado suas convicções e as características de seus personagens. Cada individualidade forma o coletivo e vice-versa, sem um protagonista fixo na história contada. A abstração também é parte essencial do jogo: desde a criação do personagem utilizado até o fim da campanha, jogadores e mestres são postos à prova, desafiados a usar o máximo de seu potencial criativo. O improviso é incentivado nos tes-

tes, auxiliando na desenvoltura do raciocínio lógico, principalmente do mestre, pego de surpresa pelos rumos da aventura.

Todo calabouço possui armadilhas, e com o RPG não é diferente. As capacidades de absorção no mundo fictício podem levar ao vício neste sentimento de fuga da realidade. “O jogo é uma imersão que leva o jogador para outro mundo e, quando isso acontece, sentimentos fortes podem ser gerados, podendo levar essa sensação para fora daquele momento ”.

Tão nervosa quanto um universitário em dia de prova, ela evitou ao máximo encarar o resultado do dado até ouvir os berros eufóricos dos amigos ao redor da mesa. Criou coragem, respirou fundo e deixou a ansiedade no escanteio. Quando notou o número máximo exposto no dado, abriu um sorriso de orelha a orelha. Para ela, nenhum chefão é imbatível, mesmo dragões dourados ou o pior dos sentimentos. 

Senso nº 50 Julho / 2022
POR PAULO FÉLIX
JOGAR RPG É MUITO MAIS QUE ROLAR DADOS. FOTO: PAULO FÉLIX
5 CULTURA
O ESTRESSE É TÃO INCERTO QUANTO O RESULTADO DA PARTIDA. FOTO: PAULO FÉLIX
“Tudo pode estar ruim, mas durante as quatro horas da sessão, eu consigo olhar para meu interior e relaxar”
MARIA EDUARDA BENTO

Pluralidade

A água fervente escorre pelo coador e atravessa o pó escuro. Instantaneamente, todo o ambiente é tomado por um aroma único que desperta as mais diversas sensações em quem entra em contato com ele. Do outro lado, na xícara, o café está pronto para ser tomado – sem açúcar, como Levy diz preferir. O jovem intercambista, vindo do arquipélago de Cabo Verde, na África, sorri ao afirmar que, hoje, nada o descreveria tão bem quanto o café. Cada aluno que chega à UFU poderia fazer parte do mesmo processo, a diferença é que, para alguns, o amargor do café seria pouco percebido à boca. A Universidade é a produtora, que, em um deslize, pode fazer com que esses alunos evadam do ambiente universitário ou tenham uma experiência pouco saborosa.

Mesmo que prefira o líquido sem açúcar, Márcio Albertino Levy Gomes Teixeira (23), Levy, como é chamado por seus colegas, conta que sua experiência como aluno estrangeiro poderia ter sido mais palatável. Ao chegar na UFU, em 2016, para realizar o curso de Biomedicina, seu primeiro contato com a Universidade teve certo grau de estranhamento.

“Solicitei o calendário acadêmico para preparar minha ida para o Brasil, mas, em seguida, veio a greve na Universidade e o calendário foi mudado em uma semana. Por não ser informado, quando cheguei, fiquei dois meses sem aulas”, conta o estudante.

Mariamou Traore (25), estudante senegalense de Relações Internacionais, chegou na UFU em 2019 e diz que sentiu falta de acolhimento da Universidade durante seu tempo de adaptação: “Quando eu cheguei na UFU, não tinha um monitor que me recebesse.

Tive que andar pela universidade perguntando onde ficava cada coisa.” Da Colômbia, Frank Blanco (28) e Yeyner Carrillo (26), pós-graduandos em Engenharia Mecânica pela UFU, chegaram na Universidade em 2019 e 2021, respectivamente. Em meio ao processo adaptativo, os colombianos também provaram o amargor de se inserir em um novo espaço. Os estrangeiros explicam que, quando precisavam de informações, acabavam sendo encaminhados de um setor a outro, sem saber quem deveria ser responsável por ajudar: “No final, ninguém faz coisa alguma. Devia ter

algo mais claro, até para apresentar e ter um centro específico. Mas eu não conheço e já estou aqui há mais de um ano”, afirma Yeyner.

Os olhos de quem fornece Mas, para quem produz o café, a história parece trazer sabores mais adocicados. Responsáveis pelo acompanhamento administrativo da vinda de estudantes de outros países para Uberlândia, a Diretoria de Relações Internacionais e Interinstitucionais (DRII) garante que há uma atenção minuciosa aos estrangeiros desde o momento em que eles são selecionados.

Em conjunto com a Diretoria de Cultura da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (DICULT/UFU) e a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (PROAE/UFU), são garantidos por parte da Universidade: eventos de integração, auxílio financeiro para alunos baixa renda e assistência psicológica. Ações de acolhimento, como o Programa de Apadrinhamento de Estudantes Estrangeiros, o “Mentor para Integração Global da UFU” (MINGUFU), existe com a intenção de estudantes brasileiros contribuírem com a recepção, a integração e o acompanhamento de estrangeiros que chegam ao país. Mas, então, o que tem deixado o solo tão inóspito?

Em 2019, Levy fez parte de uma comissão em conjunto com a PROAE para melhorar a assistência fornecida aos estudantes vindos de outros países. Foi o único aluno estrangeiro nas reuniões, compostas por professores e técnicos que não conheciam a fundo a realidade vivenciada por eles. Segundo ele, as decisões implementadas não se mostraram muito efetivas.

“Eu fiquei responsável por avaliar editais de diferentes faculdades sobre assistência à intercambistas e dar sugestões de melhorias. Algumas foram

“No final, ninguém faz coisa alguma. Devia ter algo mais claro, até para apresentar e ter um centro específico.”
YEYNER CARRILLO
POR GABRIEL REIS E GIOVANNA ABELHA
Integração de alunos de outros países é um problema para a Universidade
Senso - nº 50 Julho / 2022 ESPECIAL 6

em conflito

acatadas e outras adaptadas no modelo da UFU, mas muitas caíram por terra”, relembra o estudante de Biomedicina.

Para ele, problemas como a troca constante de responsáveis nas diretorias, a falta de um conhecimento mais aprofundado sobre as necessidades específicas de cada aluno estrangeiro por parte da Universidade e o atendimento presencial limitado são fatores que dificultam o processo de integração.

De acordo com o pesquisador, psicólogo e psicanalista José Lucas Nunes, quando o amparo a estes estudantes é falho, há somente um resultado: a evasão. “Essas pessoas vêm para estudar e não conseguem concluir sua trajetória acadêmica. A Universidade precisa se preparar para receber todos. O modelo atual se mostra excludente e priva alunos da participação ativa no meio universitário." Para o psicólogo, pensar em uma só UFU é algo que não existe e não deve existir, uma vez que esse modelo ressalta a necessidade de dominação entre todos aqueles que compõem o ambiente universitário.

Entre o doce e amargo

Apesar do gosto amargo que o café preparado pela universidade possa ter, a relação que os alunos estrangeiros têm com aqueles de seu país, ou com os brasileiros, é o que torna a degustação mais aprazível. Frank e Yeyner sempre comentam como

eles foram bem recebidos desde o começo. “A cultura colombiana é mais conservadora e fechada. No Brasil, vocês têm mais liberdade de expressão para ser quem são, até mesmo com os professores, vocês são mais próximos. Na verdade, eu que precisei me atentar a algumas coisas”, comentou Frank. Os colombianos também falam sobre como encontrar pessoas do seu país é reconfortante. Muitas vezes eles se reúnem para almoçar juntos no RU ou para comer comidas típicas e matar a saudade do país. “Às vezes prejudica para aprender melhor o português quando ficamos muito entre nós, mas também é o momento que lembramos de casa e de tudo o que deixamos para trás. Não temos como visitar sempre que queremos”, completa Yeyner. Levy compartilha da mesma percepção, mas também relata um sabor muito próprio, que só é provado por aqueles que tiveram que se acostumar com os olhares pouco receptivos e os dedos taxadores do racismo: “Eu sinto que existe um tratamento diferente com os estudantes que vêm de países africanos. Também passei por situações de assédio e as pessoas falam que é normal, mas não é bem assim.” O psicólogo José Lucas Nunes ressalta que a realidade observada no campus Santa Mônica é apenas uma parte daquilo que pode ser visto na sociedade, onde a comunidade vê os estrangeiros como diferentes e alheios a tudo o que é conhecido, automaticamente tomando ações excludentes.

A Universidade se mostra carente de ações realmente efetivas que garantam que todos estejam equitativamente confortáveis em seus assentos. Alguns provam de um café adocicado e podem se recostar em uma confortável almofada. Outros ficam de pé, aguardando uma poltrona que nunca chega, não são servidos e tudo que escutam é: “Já estamos providenciando um lugar”.

Vencido pelo cansaço, Levy está prestes a sair sem ver as mudanças que buscou, com certo amargor que talvez nunca deixe sua boca. Frank e Yeyner ainda esperam um lugar à mesa, observando de longe os sorrisos de quem pode provar do banquete. E Marimou prefere não prestar atenção às adversidades que a cercam, para que elas não atrapalhem seus planos de encontrar seu lugar ao lado dos demais. 

“A Universidade é plural e assim deve ser, em todas as cores e em todas as classes.”
Senso - nº 50 Julho / 2022 ESPECIAL 7
JOSÉ LUCAS NUNES DE CIMA PARA BAIXO, FRANK BLANCO, YEYNER CARILLO, MÁRCIO LEVY E MARIAMOU TRAORE. FOTOS: MARIAMOU, YEYNER E FRANK: GIOVANNA ABELHA; LEVY: GABRIEL REIS. COLAGEM: GABRIEL REIS.

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

O câncer não deve ser o

fim

Cientistas investigam possível tratamento através de molécula de cobre

No dia 13 de janeiro de 2022, o Comunica UFU publicou uma matéria que agitou o dia dos jornalistas. Após a publicação da reportagem sobre a possível cura para o câncer que vinha sendo desenvolvida na Universidade, inúmeras mensagens do público começaram a chegar nos telefones da Divisão de Divulgação Científica. Jader de Oliveira poderia ser um deles, contudo, foi diagnosticado com melanoma em 2008, quando a descoberta da molécula inédita de um complexo de cobre ainda não havia sido idealizada. Por trabalhar no sol há 28 anos como lavador de carros, Jader descobriu que estava com o tipo de câncer de pele mais agressivo.

Ao pensar em pessoas como Jader, Robson de Oliveira Junior — biologista e professor no Instituto de Biotecnologia da UFU — começou a se aprofundar nos estudos sobre o câncer. Na graduação, após presenciar o câncer em sua família, sentiu-se motivado a estudar genética e se especializar em biologia molecular e celular da doença. “Comecei estudando o câncer em duas vertentes. A primeira é entender quais são os mecanismos genéticos que fazem com que uma célula normal se transforme em uma tumoral. A outra é descobrir drogas que podem ser utilizadas para o tratamento.”

É pela segunda vertente que Robson e Pedro Henrique Alves, seu orientando no Programa de Pós-graduação em Genética e Bioquímica, conseguiram, junto de outros colaboradores, criar uma molécula inédita. “Essa pesquisa é um protótipo de um fármaco. É inédita porque ela é sintética, ou seja, construída em laboratório.”

Apesar de terem pensado nessa droga há quatro anos, a pesquisa necessita passar por três etapas. Na primeira, perceberam que a molécula pode contribuir para a menor ocorrência de efeitos colaterais que seria possível devido ao fato de que há cobre no organismo humano, logo, o corpo estaria mais apto a receber o metal.

Para decifrar os mecanismos de ação, eles começaram o processo in vitro e depois seguiram para o in vivo em um modelo experimental de drosophila (espécie de mosca). O orientador explica que testaram em células de camundongo, células humanas isoladas e em organismo vivo na drosophila, e percebe-

ram que a droga não é genotóxica e mutagênica (não causa danos à molécula de DNA das células), algo observado nos quimioterápicos. Ele comenta que o efeito também pode ser carcinogênico (com o tempo, o próprio medicamento induz outros tipos de câncer) e esse fármaco parece não ser assim.

Outro ponto importante da pesquisa está relacionado à toxicidade. Atualmente, os medicamentos utilizam uma droga chamada Cisplatina. Apesar de ser efetiva, ainda é um pouco tóxica para o organismo. Por isso, é associada a outro elemento, a fim de reduzir o nível de toxicidade no organismo. O oncologista Rogério Araújo conta que, no início, a Cisplatina era muito nefrotóxica (tóxica sobre os rins), então foi associada a um manitol (diurético) para au-

ROGÉRIO ARAÚJO

morais de três tipos de câncer: sarcoma, pele e útero. Dentre eles, o câncer de pele é o mais comum, já o sarcoma está entre os cânceres mais raros, enquanto o de colo de útero tem dois tipos frequentes que estão associados ao HPV, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Seja qual for o tipo, o câncer ainda é um tabu.

Alguns consideram importante falar sobre, como Iêda Teixeira, que foi diagnosticada com câncer de colo de útero. A diarista tenta manter o alto-astral e levar a situação com leveza, após saber que havia 80% de chance de cura. Por mais que Iêda lide com a doença da melhor forma possível, ela não escapa da aflição. “Estou ansiosa. Essa semana ainda não chorei. É uma doença que a gente não espera, mas, eu tenho fé que vai dar tudo certo.”

Assim como Iêda, Jader presenciou essa tensão ao saber que precisaria fazer uma cirurgia. O pai de duas meninas não queria deixá-las abaladas com o diagnóstico e até tentou manter segredo. “No dia anterior à cirurgia, minha filha escutou eu conversando com a minha esposa. Ela ficou chateada e falou: ‘Pai, você me ensinou a vida inteira que a família tem que cuidar um do outro e, quando eu preciso te apoiar, você não me falou’. Na cirurgia chorei muito pensando nisso.”

mentar o fluxo de água no rim e os sais de platina não precipitarem no órgão.

Segundo Robson, quando essa toxicidade não é regulada e afeta as células normais, as lesões causadas no DNA e as alterações genéticas que ela induz nas células normais faz com que essas células tornem-se um tumor. “A gente viu que essa droga aparenta não ter essa característica, porque ela vai direto na célula tumoral”, conta o cientista. Nos testes realizados notaram que a molécula age mais efetivamente sobre células tu-

Apesar da doença causar medo, Rogério diz que muitos deles podem ser evitados com hábitos saudáveis. Além da prevenção, pesquisas como essa podem mudar o cenário da ciência, mesmo que o pré-fármaco não chegue ao mercado. Isso porque os estudos servirão de base para outras pesquisas. Caso a molécula não funcione para o câncer, ela será reaproveitada na genética: “Pensamos em testá-la em protozoário, como a Leishmania. Podemos ver se essa droga consegue agir sobre eles”, concluiu Robson. 

POR MONIQUE MAVILLYN E BRUNA CASTRO Senso n° 50 Julho / 2022
INFOGRÁFICO: MONIQUE MAVILLYN
"Todo mundo pensa nos parentes e amigos que morreram, mas esquecem daqueles que viveram.”
8

O que está na boca do povo

Conhecidos como pod ou vape, os cigarros eletrônicos tornaram-se os queridinhos dos jovens

Quando o farmacêutico chinês Hon Lik desenvolveu o primeiro cigarro eletrônico comerciável, em 2003, certamente não imaginaria que quase duas décadas depois o dispositivo, de 5 a 10 cm, seria tão popular e motivo de debates. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), os cigarros eletrônicos, semelhantes a uma caneta, são compostos por diferentes concentrações de nicotina - substância que leva de 7 a 19 segundos para atingir o cérebro -, aromatizantes e demais compostos químicos. Sua tecnologia está entre a bateria, o atomizador e, em alguns casos, num painel de controle para fazer algumas configurações.

Concebidos sob a premissa de ajudar as pessoas a parar de fumar, um recente estudo contradiz a alegação. Publicado na revista científica Plos One, o artigo “Role of e-cigarettes and pharmacotherapy during attempts to quit cigarette smoking: The PATH Study 2013-16” (Papel dos cigarros eletrônicos e da far-

les que usaram outro método, ou nenhum, foram semelhantes.

De acordo com o “Relatório Covitel”, realizado pela Vital Strategies em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), um em cada cinco jovens brasileiros de 18 a 24 anos, usa cigarros eletrônicos, ou seja, 19,7%.

Antonio Cecílio Neto, estudante universitário, conta que, no seu entorno, fumar sempre foi um ato muito comum. Fumante desde os 16 anos, Antonio migrou do cigarro tradicional para o cigarro eletrônico por achá-lo mais agradável: “Quando surgiu [o cigarro eletrônico], a informação era de que ele era bem melhor do que o cigarro tradicional. Se era ou não, não sei, mas pelo menos não é fedido e é muito mais agradável que o cigarro tradicional.”

No meio universitário, Antonio acredita que o dispositivo ganhou de vez os jovens devido ao autojulgamento. “[O cigarro tradicional] tem toda aquela visão de ser uma coisa ruim, foram

neurobiológico da nicotina. Segundo ela, não é exatamente uma sensação de alívio e relaxamento que a substância provoca, mas sim os dois processos que nos ajudam a entender o motivo dessa impressão.

macoterapia durante as tentativas de parar de fumar: The PATH Study 2013-16), revelou que dos 2.770 fumantes acompanhados pela pesquisa, 1/4 usava o cigarro eletrônico como método para parar de fumar. Questionados se conseguiram abandonar o vício por meio do cigarro eletrônico, 9,6% dos usuários relataram sofrer abstinência do cigarro. Além disso, as taxas entre eles e aque-

anos e anos de campanha contra. O pod não. Está começando agora as campanhas de alerta, assim, as pessoas não se julgam.” Para ele, a rotina agitada e estressante das universidades, faz que o uso do cigarro eletrônico propicie grande alívio e relaxamento.

Anna Carolina Ramos, professora de psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), detalha o funcionamento

O primeiro está relacionado ao foco: “Quando as pessoas preisam realizar alguma tarefa, mas estão dispersas ou cansadas, fazem uso de alguma substância para conseguir desempenhar tal tarefa”, relata a professora. O segundo está relacionado ao alívio da síndrome de abstinência da própria nicotina. Isso significa ue, ao as pessoas fazem uso contínuo dela e, posteriormente, param por um tempo, passam a sentir muita vontade de retornar para a nicotina - o que é normal. A falta da substância desencadeia reações ansiosas no corpo e, quando a ultiliza novamente, a falta é “corrigida”.

Em momentos estressantes, como períodos de provas, é o cigarro eletrônico que mais faz companhia para Antonio: “O estresse é, com certeza, algo que me faz fumar muito mais.”

Para Hugo Palhares, psicólogo que atua na área analítica comportamental, geralmente as pessoas se conectam a uma

substância que proporcionará alguma melhora no aspecto cognitivo delas. Dessa forma, a droga, no caso a nicotina, traz uma certa segurança. No entanto, quanto mais rápido esse efeito passa, mais você vai querer usar, porque as pessoas aprendem que é aquilo que oferece alívio. “Se o efeito fosse prolongado, as pessoas não teriam tanta vontade de continuar utilizando. Como no cigarro, em 10 minutos passa o efeito e [a pessoa] tem que fumar novamente, vai criando uma relação de dependência muito maior. Quanto mais vezes somos expostos, mais nosso corpo aprende sobre o processo.” Com venda e importação proibida no Brasil desde 2009 pela ANVISA, o dispositivo - alvo de inúmeros estudos mundo aforareacende um velho problema do país: o hábito de fumar. Ciente dos possíveis efeitos que o uso do cigarro eletrônico pode causar aos fumantes, Antonio compreende a importância da fiscalização e a informação correta sobre o uso dele. "O vício não é fácil, a vontade de fumar é como sentir fome. Temos que levar informação para as pessoas que têm esse vício e mostrá-las como isso pode ser prejudicial.” 

“O estresse é, com certeza, algo que me faz fumar muito mais.”
ANTONIO NETO COM AROMAS DE FRUTAS, PLANTAS OU DOCES, A FUMAÇA CHAMA A ATENÇÃO AO SEU REDOR · FOTO: ISADORA PINHEIRO
POR SABRINA PAIVA
CIÊNCIA E TECNOLOGIA Senso n° 50 Julho / 2022 9
DESCARTÁVEL · FOTO: ISADORA PINHEIRO

Universidade, integração e alto rendimento

Na universidade, o esporte é visto pela maioria dos graduandos como forma de integração e diversão. Entretanto, há quem tenha o objetivo de competir em alto rendimento, fazer do esporte universitário um caminho para o profissional e, a partir daí, construir uma carreira.

É o caso de Guilherme Lisboa de Farias, estudante de Gestão da Informação da UFU e nadador. Com passagens pelo SESI e pelo Praia Clube, ele precisou deixar o nado profissional por causa da faculdade, mas segue firme na busca pela realização de seu sonho de “ser um dia um atleta olímpico”.

Embora um dos objetivos da UFU seja incentivar práticas esportivas de alto rendimento, o coordenador e professor do curso de Educação Física, Sérgio Inácio Nunes, destaca três fatores que dificultam a profissionalização do atleta enquanto estudante: a idade, as normas de graduação e o espaço físico. “A universidade está distante, tanto em estrutura quanto no modelo de treinamentos”, completa o professor.

que a faculdade dá, embora acredite não ser o suficiente: “A UFU ajuda um pouco. Eu treino no campus da Educação Física nos horários que liberam. Se não tivesse a piscina da faculdade, seria mais complicado”, e também critica o padrão universitário: “O modelo atual torna quase impossível a vida de um estudante-atleta. O ideal é deixar uma grade fixa” e finaliza: “É outro esporte quando você entra para uma faculdade que disponibiliza apoio maior”, disse sobreocentrodetreinamentodaUFMG.

Essa crítica é recorrente entre esportistas-estudantes. Arthur Rios, jogador do Galo Futebol Americano e estudante de fisioterapia na UniBH, enxerga a estrutura desportiva universitária estadunidense como exemplo disso. “Nos EUA, a faculdade é a base do atleta profissional.” O modelo norte-americano demonstra eficácia na profissionalização de atletas. Lá, o desportista consegue bolsa de estudo na faculdade e investe, ao mesmo tempo, na educação e no esporte.

Entretanto, fazer uma comparação entre o modelo estadunidense e brasileiro pode ser um tanto quanto injusto, como aponta Bárbara Fernandes, coordenadora sênior de marketing e comunicação da Confederação Brasileira de Desporto Universitário (CBDU). “A gente não pode comparar em termos lineares a estrutura da universidade. Lá, o esporte universitário é uma ação social. Aqui não. Ainda tem muita mentalidade que ou você é atleta ou você estuda. Dá para fazer os dois. No Brasil, o maior obstáculo é cultural.” 

A invisibilidade de um esporte paralímpico

rente à invisibilidade, a bocha, esporte praticado por atletas com paralisia cerebral ou tetraplegia, só estreou nas Paralimpíadas 24 anos após a primeira edição e ainda não teve um mundial televisionado na TV aberta. Mesmo com a falta de representatividade, muitos profissionais se redescobrem nesse esporte. Caso de Glênio Fernandes, profissional de educação física da Fundação Uberlandense do Turismo, Esporte e Lazer (FUTEL), mestre em Ciências da Saúde e um dos treinadores da Seleção Brasileira Paralímpica de Bocha.

A bocha tem conquistado espaço em Uberlândia?

A bocha vem conquistando aos poucos seu lugar em Uberlândia, e hoje ela tem um bom incentivo. Antes tinha só uma quadra no APARU [Associação dos Paraplégicos de Uberlândia], depois conquistamos uma área grande no Educa [Campus Educação Física/ UFU], e agora temos um espaço ainda maior no CIE [Centro de Iniciação ao Esporte] apenas para a prática de bocha. Então tem infraestrutura, o que ainda está ruim é a divulgação.

Quais são os desafios enfrentados pelo esporte no município e na universidade?

No município, são a disponibilidade de materiais e a profissionalização. A Prefeitura fornece parte da verba para competições e materiais de iniciação; mas se o atleta quiser se profissionalizar elemesmotemquecustear.

Na universidade o problema é captar. É difícil divulgar e encontrar quem tenha interesse em praticar. Hoje tem muita coisa que faz com que o esporte de alto rendimento fique de lado.

O Mateus Rodrigues, estudante da UFU e atleta de bocha paralímpica, treina todos os dias por três horas. Quanto maior o nível, mais tempo de treino é preciso, e muito foco para continuar.

Glênio iniciou sua carreira nos estágios obrigatórios da faculdade, dando aulas de esportes convencionais pela FUTEL. Com o passar do tempo, o treinador conquistou espaços importantes dentro do paradesporto municipal e tornou-se técnico do time paralímpico de bocha da cidade. Neste ano, Glênio se concentra nos preparativos para a paralimpíada de Paris em 2024, mas continua a encarar a falta de atletas engajados nos treinos do município. Confira a entrevista:

Como você vê o futuro do esporte dentro da universidade?

Cada vez mais perde-se a bocha na universidade. É importante reconquistar o elo. Existe um vínculo bem forte com o CINTESP [Centro Brasileiro de Referência em Inovações Tecnológicas para Esportes Paralímpicos, vinculado à Faculdade de Engenharia Mecânica da UFU] que desenvolve trabalhos voltados para a bocha, com o objetivo de melhorar o rendimento dos alunos.

Então, para com o CINTESP e a Engenharia Mecânica, tem um caminho bom para a bocha pela frente. 

Senso nº 50 Julho / 2022
POR SOFIA CUNHA ESPORTE 10
BOCHA SE TORNA APOSTA PARA ATLETAS COM DEFICIÊNCIA NAS UNIVERSIDADES. FOTO: GABRIEL SARRETA POR GABRIEL SARRETA

Uma barreira de cada vez

Um sentimento estranho que não se conseguia nomear. Uma palpitação que paralisava os sentidos e que, por vezes, parecia que ia sufocar. Um medo às vezes incontrolável. É a ansiedade, a doença do século que acomete mais de 18 milhões de brasileiros, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Se no cenário pré-pandemia a aflição já era emergente, com a chegada de uma crise sanitária o enredo ficou mais dramático. Ainda segundo números da OMS, a pandemia da COVID-19 fez aumentar em mais de 25% a quantidade de casos de ansiedade e depressão mundialmente.

Esta é uma estatística que a estudante de Administração pela USP e esportista, Larissa Cristina Domingues, queria contrariar, mas não conseguiu. No fim de 2021, na fase branda da pandemia, ela foi diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Embora entendamos a ansiedade como aquela expectativa que nos faz mexer os pés freneticamente, este transtorno funciona de forma mais intensa e paralisante.

Em meio a fortes crises, Larissa buscou tratamento especializado. Começou a terapia comportamental cognitiva, em companhia de medicamentos sob orientação psiquiátrica, porém foi difícil aceitar a necessidade dos remédios para se manter em ordem. Então, ela foi em busca de algo, em paralelo ao tratamento, para se sentir acolhida, e encontrou isso no esporte, especificamente no atletismo.

dades esportivas cresceram de 58% em 2018 para 69% em 2020. Os dados ainda revelam que o aumento da prática foi para além da estética, com enfoque na saúde mental e no bem estar. Assim, combinado a tratamentos médicos, o esporte promove melhorias em certos transtornos. Larissa é um dos casos que teve o esporte como um aliado na diminuição da dosagem de seus remédios. Com o retorno das aulas presenciais, os esportes oferecidos pelas atlé-

conhecido pela sua hospitalidade e pelo sorriso fácil. Durante a quarentena, ele se manteve fiel aos protocolos de segurança e ao isolamento social, sem nenhum deslize. Este comportamento era motivado pelo medo da perda, uma vez que ele morava com avós e ambos são do grupo de risco. Ele só não esperava ser diagnosticado com fobia social no

Mãos frias e suadas, o coração

Nesse contexto, o psicanalista e educador físico, Samuel Vinicius, aponta que a relação do esporte e saúde mental é uma forma de reabilitação para a gestão de qualidade de vida. “O indivíduo tende a iniciar atividades esportivas como forma de reabilitação. Isso aumenta a disposição e a capacidade de resistir a outras demandas”, avalia.

A torcida como acolhimento

O esporte, por mais abrangente que seja, cria seus nichos internos. Esses, baseados no amor por uma equipe ou indivíduo, são chamados de torcidas, espaços nos quais essas figuras compartilham e se relacionam com outras pessoas que pensam da mesma forma. Tais espaços, muitas vezes são amigáveis e receptivos por aqueles que dividem o amor pelo mesmo esporte.

Em um contexto de caos generalizado, o esporte é uma das principais ações em busca de qualidade de vida. De acordo com a análise feita pela consultoria especializada Sport Track, as ativi-

ticas da faculdade também voltaram à ativa, e foi neste contexto que iniciou o que ela chama de terapia fora do consultório.

"A corrida com obstáculos me acolheu em um momento de desordem mental. São processos, no caminho consegui diminuir a dosagem do meu remédio para o TAG, e tenho tido um controle maior em relação às crises. São dias e dias, uma barreira de cada vez, como costumo dizer. Mas é um processo terapêutico fora do consultório que dá resultado quando ambos caminham por um mesmo propósito”, ressalta.

A situação de Larissa não é um caso isolado no pós-pandemia. Gustavo Ferreira, estudante de Ciência do Esporte pela UFSCAR, sempre foi sociável e era

te de toques repentinos, esses foram os sintomas que Gustavo sentiu quando saiu de casa pela primeira vez. Ao tentar se inserir novamente em coletivo, teve várias tentativas falhas. Apenas com o retorno das aulas presenciais, o estudante voltou à prática esportiva, aconselhado pela sua psicóloga e familiares. "Eu precisava desse impulso para sugar tudo o que a universidade tinha a me oferecer, e ela me ofereceu o basquete. No começo, eu falava aos meus colegas de time: ‘Abraçar não, hein!’”, conta aos risos.

Atualmente ele segue em tratamento, mas, em vez de quatro sessões de terapia no mês, sua terapeuta reduziu a quantia pela metade para analisar o suporte das atividades físicas.

Ao participar do Agita UFU, a caloura de Direito, Annalise Moura, se sentiu pertencente à Universidade. Quando estava na arquibancada, a discente pôde perceber como o esporte influencia e nutre a comunidade universitária: “Momentos como esse fazem a diferença no final do dia e dão uma sensação de bem estar social e coletivo aos estudantes.”

Ruan Carvalho, estudante de Geografia na UFU e presidente da Atlética Humanas, aponta que o esporte nunca foi só sobre vestir a camisa do time, mas também sobre acolhimento, inclusão e pertencimento. “Desde quando eu entrei na atlética, tive a oportunidade de ver os movimentos que surgem no esporte universitário, seja dentro ou fora de campo, a integração, a união que se forma nas torcidas e grupos de amizade se formando.” 

Esporte universitário tem sido ferramenta de amparo físico na vivência pós-pandemia
ESPORTE NO DIA A DIA DOS DISCENTES PÓS-PANDEMIA. FOTO: JANAÍNA BERNARDINO
“É um processo que dá resultado, quando ambos caminham com um mesmo objetivo”
LARISSA DOMINGUES, ATLETA
Senso nº 50 Julho / 2022
POR JANAÍNA BERNARDINO
“O esporte é necessário para recuperar a conexão com o outro e estabelecer uma vida normal”
ESPORTE 11
GUSTAVO FERREIRA, ATLETA

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.