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Observatório Leite

OBSERVATÓRIO DO LEITE O EFEITO DA PANDEMIA NOS MERCADOS DA CRISE SANITÁRIA À CRISE ECONÓMICA: O EFEITO DA PANDEMIA NOS MERCADOS. O 1º SEMESTRE DE 2020 FICARÁ ASSINALADO NOS LIVROS DE HISTÓRIA DAS GERAÇÕES ATUAIS E FUTURAS. A PANDEMIA COVID-19 TROUXE PROFUNDAS ALTERAÇÕES ÀS SOCIEDADES A NÍVEL GLOBAL, COM O CONFINAMENTO DOS CIDADÃOS E O ENCERRAMENTO DE ALGUNS SERVIÇOS A AFETAREM SIGNIFICATIVAMENTE A PROCURA DE BENS AGRÍCOLAS.

PorJoana Silva, Médica Veterinária | Fonte Comissão Europeia, IFCN, Rabobank, The Dairy Site

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Também quase histórica tem sido a intervenção dos governos de muitos países sobre a balança da procura e oferta, ao injetar nas sociedades meios para minimizar as consequências nefastas do confinamento. No passado mês de junho, especialistas do setor leiteiro de setenta países estiveram reunidos na 21ª Conferência da IFCN (International Farm Comparison Network), para discutir a crise no setor pré e pós pandemia. Segundo os peritos, é importante contextualizar a análise tendo em conta o estado do setor no período pré Covid-19. Em 2019, o crescimento da produção leiteira, na ordem dos 1,4%, estava já bastante abaixo da média a longo prazo de 2,3%, tendência decretada principalmente pela Índia, Oceânia, África e Médio Oriente. Em paralelo, a popularidade crescente das alternativas ao leite nos países desenvolvidos e a menor disponibilidade do leite em economias em desenvolvimento, foram fortes travões ao crescimento da procura. Utilizando o preço do leite pago ao produtor como indicador de “crise”, a comparação de preços de setenta e cinco países em maio versus fevereiro deste ano resultou numa média global de decréscimo de 4,6%. No entanto, a análise individual de cada país revela que terão existido dois “epicentros da crise”: os Estados Unidos, com um decréscimo de 29%, e a Índia, com um decréscimo de 19%. Na Europa, a coincidência do pico primaveril da produção leiteira com a expansão do surto de Covid-19, agravou a tendência de decréscimo dos preços do leite, e poderá impulsionar a produção de produtos lácteos de maior durabilidade e menor necessidade de mão-de-obra. Por outro lado, produtos de valor acrescentado como os queijos certificados, ou produtos tradicionais vendidos em contacto próximo entre os produtores e os consumidores (feiras, mercados, entre outros), têm vindo a ser negativamente afetados pelas medidas de confinamento. Já nos grandes retalhistas, onde se verificaram picos de consumo e stocks domésticos também eles históricos, o leite UHT tem estado entre os tops de vendas. Tendo em conta a produção atual, os constrangimentos logísticos e a diminuição da mão-de-obra disponível devido a doença, e sob condições climatéricas normais, as previsões apontam ainda assim para um crescimento de 0,4% da produção leiteira europeia este ano, com a redução dos efetivos a ser compensada por um maior rendimento leiteiro por cabeça. Por outro lado, caso se venha a verificar uma diminuição significativa da procura, o leite em natureza poderá ser redirecionado para produtos de maior durabilidade como o leite em pó, cuja produção poderá crescer na ordem dos 2,5% em 2020. Na Nova Zelândia, na reta final da temporada produtiva de 2019/2020, as regiões a norte ressentiram-se bastante das condições de seca entre janeiro e abril, as quais impactaram negativamente o crescimento das pastagens, com alguns produtores a secarem os seus efetivos mais cedo devido à escassez de alimento. Já na região sul as condições têm sido favoráveis à expansão da produção. As previsões do Rabobank para o fecho da temporada apontam para as 21.665 milhões de toneladas, um decréscimo de 0,6% face à temporada anterior, mas com previsão de crescimento para a temporada que aí vem. Na vizinha Austrália, a Covid-19

teve efeitos menos positivos nas relações comerciais com a China – aquele que é o seu maior parceiro comercial - após a Austrália ter requisitado um estudo independente sobre a génese e a propagação da pandemia, o qual poderá ter estado na origem do aumento das tarifas da cevada e no embargo da importação de carne bovina australiana. A China, ávida importadora, é agora olhada com cautela pelos seus parceiros comerciais. Nos primeiros meses do ano, o país impulsionou as importações de vários bens agrícolas - especulando-se que talvez até acima das suas necessidades imediatas – de forma a criar stock em caso de comprometimento da segurança alimentar. Desta forma, as previsões apontam para a possibilidade do abrandamento das importações chinesas durante o resto do ano, tendo em conta não só os stocks elevados mas também o crescimento da produção nacional e a tendência de fraca procura interna. Aos poucos, assistimos à reabertura das sociedades e seus mercados, bem como à exposição das fragilidades socioeconómicas deixadas pela pandemia. Apesar do aligeiramento das medidas de confinamento em alguns mercados-chave do setor, como a Nova Zelândia, a pandemia ainda dá luta em muitas regiões do globo. Naquela que é já apelidada da pior crise económica desde a Segunda Guerra Mundial, longo será o caminho da recuperação da economia, prevendo-se tempos difíceis. Acrescem a estas dificuldades os muitos apoios dados pelos governantes, e sua interferência nos mercados, que irão provavelmente aligeirar-se no segundo semestre do ano. As previsões para o segundo semestre de 2020 ainda não são consensuais: se alguns especialistas prevêem uma rápida recuperação dos preços do leite já a partir de Julho, outros defendem uma tendência de recuperação mais conservadora, fruto da sólida oferta no mercado em paralelo com a diminuição da procura per capita devido à crise económica.

TABELA 1 PREÇO DO LEITE STANDARDIZADO (1)

PAÍSES

ALEMANHA DINAMARCA

FRANÇA

INGLATERRA IRLANDA ITÁLIA HOLANDA PREÇO MÉDIO LEITE (2) N. ZELÂNDIA EUA (4) COMPANHIA

Alois Müller Arla Foods Danone Lactalis (Pays de la Loire) Sodiaal Dairy Crest (Davidstow) Glanbia Kerry Granarolo (North) DOC Cheese Friesland Campina

Fonterra (3) EUA PREÇO DO LEITE (€/100 KG) ABRIL 2020 30,88 33,50 34,25 34,50 33,87 29,11 28,62 30,49 38,35 - 33,91 MÉDIA DOS ÚLTIMOS 12 MESES (5) 31,56 32,69 34,97 35,04 35,17 32,58 30,10 30,94 39,58 - 34,82

31,06 29,75 32,19 39,11

Fonte: LTO; (1) Preços sem IVA pagos ao produtor; Preço do leite de diferentes empresas leiteiras para 4,2% de MG, 3,4% de teor proteico e CCS de 249,999/ml . (2) Média aritmética . (3) Baseado na previsão mais recente (4) Reportado pela USDA . (5) Inclui o pagamento suplementar mais recente.

TABELA 2 LEITE À PRODUÇÃO, PREÇOS MÉDIOS MENSAIS EM 2019/2020

MESES

2019

2020

JANEIRO FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO JUNHO JULHO AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO JANEIRO EUR/KG

Contin. 0,314 0,311 0,310 0,310 0,311 0,314 0,315 0,315 0,314 0,314 0,312 0,311 0,312 Açores 0,290 0,285 0,286 0,285 0,285 0,289 0,293 0,294 0,294 0,297 0,289 0,290 0,289

Fonte: SIMA; Gabinete de Planeamento e Políticas. TEOR MÉDIO DE MATÉRIA GORDA (%) Contin. Açores 3,77 3,65 3,72 3,64 3,71 3,65 3,70 3,62 3,75 3,68 3,80 3,72 3,89 3,82 3,93 3,84 3,90 3,83 3,89 3,70 3,81 3,65 3,78 3,62 3,78 3,66 TEOR PROTEICO (%)

Contin. 3,29 3,27 3,30 3,28 3,27 3,30 3,34 3,37 3,34 3,34 3,28 3,26 3,25 Açores 3,23 3,19 3,15 3,14 3,16 3,22 3,29 3,32 3,30 3,20 3,18 3,18 3,20

ÍNDICE VL E ÍNDICE VL-ERVA LEITE CONTINUA MAL VALORIZADO OS DADOS PUBLICADOS PELO MMO (2020) PERMITEM VERIFICAR QUE O PREÇO MÉDIO DO LEITE PAGO AO PRODUTOR NO PERÍODO DE FEVEREIRO A ABRIL DE 2020 FOI, MAIS UMA VEZ, MUITO INFERIOR EM PORTUGAL (0,3040 €/KG) QUANDO COMPARADO COM A MÉDIA DA UE-27 (0,3438 €/KG).

Por António Moitinho Rodrigues, docente/investigador, Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco; Carlos Vouzela, docente/investigador, Faculdade de Ciências Agrárias e do Ambiente da Universidade dos Açores/IITAA; Nuno Marques, Revista Ruminantes.

Analisamos neste número da Ruminantes os Índices VL e VL-ERVA para o período de fevereiro a abril de 2020. Considerando os dados do SIMA-GPP (2020) durante o trimestre em análise, o preço médio do leite pago aos produtores individuais do continente variou entre 0,312 €/ kg (fevereiro e abril) e 0,311 €/ kg (março). Na Região Autónoma dos Açores o preço médio do leite pago aos produtores individuais variou entre 0,289 €/kg (fevereiro) e 0,290 €/kg (março e abril). Os dados publicados pelo MMO (2020) permitem verificar que o preço médio do leite pago ao produtor no período de fevereiro a abril de 2020 foi, mais uma vez, muito inferior em Portugal (0,3040 €/kg) quando comparado com a média da UE-27 (0,3438 €/ kg). Se em Portugal o leite fosse pago ao preço médio da UE27 (0,3438 €/kg), os 3,98 cêntimos/ kg pagos a mais relativamente à situação atual, permitiriam que as explorações tivessem maior rentabilidade contribuindo, assim, para a sustentabilidade da produção de leite de vaca em Portugal. No mês de abril de 2020, Portugal (0,3040 €/kg) integrou o lote de 8 países da UE com os preços mais baixos pagos ao produtor. No mesmo mês, os preços pagos aos produtores dos 3 países da UE27 com maior produção anual de leite foram os seguintes: Alemanha 0,3405 €/ kg; França 0,3594 €/kg; Holanda 0,3300 €/kg. No estado sócioeconómico atual, em que as dificuldades são iguais em toda a Europa e em que se pretende uniformizar uma série de outros critérios para os cidadãos europeus, não se pode aceitar esta enorme diferença de preços pagos aos produtores de leite. Relativamente ao trimestre anterior, o preço das matériasprimas, que entraram na formulação dos alimentos compostos utilizados neste trabalho, sofreram um aumento médio de 6%. Esta circunstância provocou um aumento do preço da alimentação da vaca leiteira tipo do continente português. Embora na Região Autónoma dos Açores o preço do alimento composto também tenha aumentado, o regime alimentar da vaca tipo nos Açores diminuiu 3,9% uma vez que na primavera há maior consumo diário de pastagem. A evolução do preço do leite e dos custos da alimentação refletiu-se no Índice VL e no Índice VL-ERVA que, em abril de 2020 foi, respetivamente, de 1,695 e de 2,054. De referir que em abril de 2019 o Índice VL havia sido de 1,757 e o Índice VL - ERVA de 2,080. Um índice inferior a 1,5 (valor muito baixo) indica forte ameaça para a rentabilidade da exploração leiteira; um índice entre 1,5 e 2,0 (valor moderado) indica que a produção de leite é um negócio economicamente viável; um índice maior do que 2,0 (valor elevado) indica que estamos perante uma situação favorável para o sucesso económico da exploração (Schröer-Merker et al., 2012). Durante o trimestre em análise, o Índice VL atingiu o valor mínimo de 1,695 e o Índice VL-Erva o valor mínimo 1,726. Conclui-se que, passado um ano, os produtores de leite do continente português e dos Açores encontram-se pior do que estavam em abril de 2019, apesar da indústria transformadora de leite desta Região Autónoma estar a implementar uma política económica de maior agressividade com a introdução no mercado de novos produtos. De realçar que o Índice VLERVA reflete a realidade da produção de leite muito mais favorável da ilha de S. Miguel que produz cerca de 60% do total de leite dos Açores.

2,0 1,9 1,8 1,7 1,6 1,5 1,4 1,3 1,2 1,1 1,0

jul. '12 jan. '13

ÍNDICE VL JULHO 2012 A ABRIL 2020

jan. '14 jan. '15 jan. '16 jan. '17 jan. '18 jan. '19 jan. '20

O ÍNDICE VL É INFLUENCIADO PELA VARIAÇÃO MENSAL DO PREÇO DO LEITE PAGO AO PRODUTOR NO CONTINENTE PORTUGUÊS E PELAS VARIAÇÕES MENSAIS DOS PREÇOS DOS ALIMENTOS QUE CONSTITUEM O REGIME ALIMENTAR DA VACA LEITEIRA TIPO (CONCENTRADO 9,5 KG/ DIA; SILAGEM DE MILHO 33 KG/DIA; PALHA DE CEVADA 2 KG/DIA).

2,7

2,5

2,3

2,1

1,9

1,7

1,5

1,3

ÍNDICE VL-ERVA JULHO 2013 A ABRIL 2020

1,0

jul '13 jan. '14 jan. '15 jan. '16 jan. '17 jan. '18 jan. '19 jan. 20

O ÍNDICE VL – ERVA É INFLUENCIADO PELA VARIAÇÃO MENSAL DO PREÇO DO LEITE PAGO AO PRODUTOR NA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES E PELAS VARIAÇÕES MENSAIS DOS PREÇOS DOS ALIMENTOS QUE CONSTITUEM O REGIME ALIMENTAR DA VACA LEITEIRA TIPO (PRIMAVERA/VERÃO 60 KG/DIA DE PASTAGEM VERDE, 10 KG/DIA DE SILAGEM DE ERVA E DE MILHO, 5,6 KG/DIA DE CONCENTRADO; OUTONO/INVERNO 47 KG/DIA DE PASTAGEM VERDE, 13,3 KG/DIA DE SILAGEM DE ERVA E DE MILHO, 6,7 KG/DIA DE CONCENTRADO).

NOTAS Comparando com o mês de abril de 2019, o preço do leite pago aos produtores do continente em abril de 2020 foi inferior em 0,2 cêntimos/kg. Nos Açores o preço foi igual em abril de 2019 e em abril de 2020. Durante o trimestre em análise houve um aumento do preço de todas as matérias-primas que entram na formulação dos alimentos compostos. Esta evolução contribuiu para aumentar os preços, não só do alimento composto como também do regime alimentar formulado para o cálculo do Índice VL. No trimestre em análise, o preço dos alimentos forrageiros utilizados na formulação do regime alimentar manteve-se. As três considerações anteriores refletem-se nos Índice VL e Índice VL-ERVA que em abril de 2020 foram, respetivamente, de 1,695 e de 2,054.

BIBLIOGRAFIA MMO (2020). European milk market observatory – EU historical prices. https://ec.europa.eu/info/foodfarming-fisheries/farming/factsand-figures/markets/overviews/ market-observatories/milk acesso em 22-06-2020. Schröer-Merker, E; Wesseling, K; Nasrollahzadeh, M (2012). Monitoring milk:feed price ratio 1996-2011. In: Chapter 2 – Global monitoring dairy economic indicators 1996-2011, IFCN Dairy Report 2012, Torsten Hemme editor, p 52-53. Published by IFCN Dairy Research Center, Schauenburgerstrate, Germany. SIMA-GPP (2020). Leite à produção - Preços Médios Mensais. Sistema de Informação de Mercados Agrícolas, Gabinete de Planeamento e Políticas. http://sima.gpp.pt:8080/ sima/default/lacteos?la=1&ini=2020 acesso em 22-06-2020. Mês

abr-19 mai-19 jun-19 jul-19 ago-19 set-19 out-19 nov-19 dez-19 jan-20 fev-20 mar-20 abr-20

EVOLUÇÃO DO ÍNDICE VL E ÍNDICE VL– ERVA ABRIL 2019 A ABRIL 2020

Índice VL 1,757 1,754 1,698 1,713 1,761 1,783 1,782 1,774 1,752 1,735 1,716 1,695 1,695

Índice VL - ERVA 2,080 2,053 2,040 2,045 2,083 2,118 1,797 1,795 1,783 1,784 1,732 1,726 2,054 OS VALORES SÃO INFLUENCIADOS PELA VARIAÇÃO MENSAL DO PREÇO DO LEITE PAGO AO PRODUTOR INDIVIDUAL DO CONTINENTE PORTUGUÊS (ÍNDICE VL) E DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES (ÍNDICE VL - ERVA) E PELAS VARIAÇÕES MENSAIS DOS PREÇOS DE 5 MATÉRIASPRIMAS UTILIZADAS NA FORMULAÇÃO DO CONCENTRADO E PELO PREÇO DOS OUTROS ALIMENTOS QUE INTEGRAM O REGIME ALIMENTAR DA VACA LEITEIRA TIPO.

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