7 minute read

Saúde e bem-estar | Bovinos de leite

Next Article
Notícias

Notícias

SAÚDE E BEM-ESTAR | BOVINOS DE LEITE CRIAR VITELAS DE LEITE EM GRUPO OU ISOLADAS?

2ª PARTE – OS (POTENCIAIS) CONTRAS - ANALISÁMOS NA EDIÇÃO ANTERIOR AS VANTAGENS DE AGRUPAR, EM PARES OU EM PEQUENOS GRUPOS, AS VITELAS DE LEITE ATÉ AO DESMAME. A CONCLUSÃO A QUE SE CHEGOU É QUE O CONTACTO SOCIAL TEM ENORMES VANTAGENS EM TERMOS DE DESENVOLVIMENTO FÍSICO E MENTAL. MAS SERÁ QUE NÃO OFERECE QUALQUER RISCO?

Advertisement

Por George Stilwell, Médico Veterinário, Faculdade Medicina Veterinária, Universidade de Lisboa, email: stilwell@fmv.ulisboa.pt Fotos FG

Nesta segunda parte iremos avaliar e discutir os fatores que mais frequentemente são apontados para recusar a adoção de sistemas com contacto entre animais desde tenra idade. Iremos ver até que ponto a evidência científica suporta esses medos e, se realmente forem reais, de que forma os riscos podem ser minimizados ou eliminados.

RISCOS PARA A SAÚDE

A ideia de que agentes responsáveis por doenças entéricas (diarreia neo-natal) e respiratórias podem ser transmitidos de animal para animal (transmissão horizontal), especialmente por contacto direto ou por via fecal-oral, está na base da prática comum na maior parte das vacarias de leite, de alojar vitelas recémnascidas em compartimentos individuais (McGuire, 2008). Adicionalmente foi também proposto que a manutenção de uma vitela por box, permite uma melhor monitorização e identificação dos animais que não se alimentam convenientemente ou que estão doentes necessitando de assistência (Kung et al., 1997). No entanto, apesar dos fundamentos parecerem lógicos, a investigação dos últimos anos vem contradizer em grande parte estes dogmas. Na verdade, há pouca evidência de uma relação consistente entre alojamento individualizado e uma melhor saúde do vitelo.

É verdade que alguns estudos (Webster et al., 1985; Gulliksen et al., 2009) sugerem existir mais problemas de saúde em vitelos criados em grupo, mas outros estudos não encontraram qualquer vantagem da habitação individual em comparação com alojamento em pares ou em pequenos grupos (Waltner-Toews et al., 1986; Perez et al., 1990; Johnson et al., 2011; Jensen e Larsen, 2014). Uma análise cuidada dos resultados dos primeiros estudos referidos, mostra que a maior morbilidade se encontra mais associada a outros fatores como um maneio deficiente, qualidade fraca do colostro, desnutrição (pouca quantidade de leite por refeição), mau maneio da cama ou grupos demasiado grandes e pouco homogéneos. Também é verdade que em situações de reduzida higiene ou ventilação, a manutenção de vários animais na mesma área (e especialmente se forem de idades muito diferentes) pode ser considerado um fator de risco para estas doenças. A situação é particularmente grave em casos de sobredensidade.

Uma principal razão explica a constatação de que é mais o maneio do que o agrupamento que origina surtos de doenças – as bactérias e os vírus são normalmente ubiquitários no ambiente em que se alojam os animais e, portanto, não é tanto a presença desses que importa combater, mas os fatores que reduzem as defesas dos vitelos ou que aumentam

demasiado a carga microbiana a que estes animais muito novos estão expostos. Por exemplo, no caso das diarreias, o único agente que por vezes aparece associado a maior prevalência da doença em animais agrupados é o Cryptosporidium parvum, mas mesmo assim com uma diferença mínima.

De qualquer forma, é consensual de que os benefícios do contacto social ultrapassam muito os riscos, e que, em condições de maneio, instalações e alimentação adequadas, a incidência de doenças não é normalmente superior nos animais mantidos em grupo.

SUCÇÃO CRUZADA OU CROSS-SUCKING

Uma das outras razões mais frequentemente aventadas para rejeitar o agrupamento de vitelas antes dos 2 meses, é a maior probabilidade de ocorrer sucção cruzada ou crosssucking. A sucção cruzada é definida como o ato de chupar qualquer parte do corpo de um outro indivíduo sem objetivo alimentar (Jensen, 2003). O grande problema deste comportamento é a possibilidade de levar ao desenvolvimento de infeções nas vitelas alvo (por exemplo, onfalites), mas principalmente dar origem ao vício, que continua como novilha e mesmo como vaca, da sucção dirigida ao úbere das companheiras. Nestes casos o risco de mastite, deformações de úberes e perda de leite pode ser muito grande (Lidfors e Isberg, 2003).

É óbvio que o cross-sucking só será um problema quando dois ou mais animais estiverem alojados juntos e, por isso, a forma mais comum de prevenir o comportamento tem sido o de isolar as vitelas desde a nascença. Por outro lado, há relatos de uma incidência bastante maior em certas vacarias enquanto que é um comportamento quase desconhecido noutras. Se bem que possa existir alguma predisposição genética (a raça Montbelliard parece ser bastante atreita), estes resultados parecem indicar que o maneio, as condições de alimentação (incluindo o volume de leite oferecido) e outros fatores podem condicionar ou favorecer este comportamento. É, portanto, essencial procurar as causas do cross-sucking, até porque podem estar na origem de muitos outros problemas, em vez de disfarçar eventuais deficiências simplesmente mantendo as vitelas separadas.

COMPETIÇÃO

É óbvio que a concorrência e a agressão podem ser evitadas pelo isolamento social. No início da vida, a competição e a agressão são normalmente associadas à alimentação. Para vitelas criadas em grupos alimentados por um único alimentador automático de leite, 89% dos eventos agressivos aconteceram em torno do alimentador. A maior concorrência pelo leite também pode reduzir o tempo de alimentação e a velocidade de ingestão de leite (von Keyserlingk et al., 2004). Se uma vitela estiver sozinha tem mais tempo para beber o leite, e por isso esta prática ganhou adeptos por se pensar que beneficiaria os animais mais fracos. No entanto, o que a ciência demonstrou é que, não surpreendentemente, a agressão é intensificada quando o volume de leite é limitado, ou seja, quando os animais ficam com fome.

Isto demonstra, mais uma vez, que a manutenção de vitelas isoladas serve mais para mascarar más práticas do que para defender os animais. A competição exagerada pode ser restringida se oferecermos leite suficiente, se tivermos grupos homogéneos (idade e tamanho) e se mantivermos os grupos estáveis (Mounier et al., 2006; Færevik et al., 2010). É óbvio que estas condições são mais fáceis de conseguir se os grupos não ultrapassarem uma certa dimensão e, por isso, costuma ser recomendado que se evitem grupos demasiado grandes (acima de 8 a 10 vitelas por grupo).

Em resumo, há provas científicas suficientes de que a concorrência pode ser atenuada fornecendo leite suficiente, disponibilizando pontos de alimentação suficientes, e mantendo grupos sociais estáveis e limitados em número, sempre que possível.

CUIDADOS ESPECIAIS A TER NO MANEIO DOS GRUPOS

Como foi referido, o tamanho do grupo pode desempenhar um papel importante na saúde já que pode boicotar algumas das condições que são essenciais (densidade, homogeneidade e estabilidade). Um estudo (Svensson e Liberg, 2006) realizado em explorações leiteiras na Suécia mostrou que as vitelas criadas em grupos de 8 a 12 apresentavam maior incidência de doenças respiratórias do aquelas alojadas em grupos mais pequenos, mas não foram observadas diferenças na prevalência de diarreia, provavelmente porque esta doença depende muito mais de outros fatores de risco. Um estudo americano (Losinger e Heinrichs, 1997) revelou que criar vitelas em grupos com mais de 7 animais, estava associado a uma maior mortalidade, mas não encontrou diferenças entre explorações com grupos de 6 ou menos. Um outro estudo mostrou que vitelas em parques com 8 animais apresentavam mais tosse do que aquelas criadas em grupos de 4 ou de 2 vitelas (Abdelfattah et al., 2013).

Vários fatores podem justificar estas diferenças e o aparente número máximo a partir do qual os problemas começam a aumentar. A maior morbilidade e mortalidade em grupos muito grandes podem ser devido à dificuldade em detetar, examinar e tratar animais doentes, resultando em tratamentos atrasados (van Putten, 1982). Outro fator que pode influenciar o risco de doença é o método de agrupamento. Pedersen et al. (2009) relataram que os grupos de vitelos de engorda em que foram continuamente introduzidos e removidos animais (ou seja, grupos dinâmicos), apresentaram ganhos médios diários menores e uma maior incidência de doenças do que os grupos estáveis (por exemplo, utilizando o sistema all-in all-out). Este sistema é improvável em vacarias de leite nas quais os animais estão permanentemente a nascer e crescer, não saindo da exploração, mas apenas transitando entre parques. No entanto, demonstra como essa prática pode ser um fator de risco, sendo de tentar introduzir medidas mitigadoras sempre que possível (por exemplo, fazer sempre a transição para parques de um grupo de vitelas e não de uma ou duas de cada vez).

Em resumo, a diarreia e a doença respiratória, as doenças mais comuns em vitelos nas primeiras semanas após o nascimento, não estão consistentemente associadas à manutenção de vitelas em grupo. A transmissão destas doenças é complexa e muitas outras práticas de maneio influenciam o risco dessas doenças, incluindo sistemas de alimentação, volume e qualidade do leite, higiene, ventilação, práticas de administração do colostro, vacinação das mães e capacidade de supervisionamento do estado de saúde dos animais no grupo. Sugerimos que é o controlo destas variáveis que é preciso priorizar e não dissimular as deficiências, mantendo os animais separados e isolados. Os resultados que aqui expus comprovam que as vitelas podem ser agrupadas em boa saúde, se o maneio e as instalações forem adequadamente geridas.

This article is from: