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2. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

EXEGESE BÍBLICA

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MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

A Bíblia é a Palavra inerrante e infalível de Deus, de tal forma que, quando ela fala, Deus fala. Desde sua canonização, os cristãos a tem estimado, aceitando-a como a Palavra de Deus escrita. Poucos, porém, já se precipitaram em dizer que é fácil compreendê-la. Como seu objetivo é revelar a verdade e não ocultá-la, não há dúvida de que Deus pretende que a entendamos. Além do mais, é vital que compreendamos as Escrituras, pois nossas doutrinas sobre Deus, o homem, a salvação e os acontecimentos futuros dependem de uma interpretação correta da Bíblia.

Para uma compreensão exata das Escrituras é necessário conhecer os métodos interpretativos. É hoje um postulado quase universal a tese de que não há norma sem interpretação, ou seja, toda norma é, pelo simples fato de ser posta, passível de interpretação. Entre os escritos judaicos da antiguidade podemos encontrar alguns métodos de interpretar as Escrituras, sendo os principais: a alegórica, a midrashica, a literal e a tipológica. Vale salientar que essa classificação não é uma regra para os intérpretes judaicos primitivos.

2.1 ALEGÓRICA

A concepção de interpretar um texto de forma alegórica consiste na interpretação de um texto da perspectiva de alguma coisa, sem levar em consideração, seja o que for essa outra coisa. O mais proeminente intérpretes judeus da forma alegórica foi Fílon, um filósofo judeu do século I, de Alexandria, contemporâneo de Jesus. Para Fílon, as Escrituras possuíam duas formas de ser interpretada: o literal e o subjacente, sendo que este último era recuperado somente por intermédio da exegese alegórica.

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Muitos cristãos faziam uso da alegoria para encontrar Cristo no Antigo Testamento, dessa forma este método passou a ser “uma estratégia interpretativa para declarar que isso significa aquilo. Como tal, era um meio fundamental de conseguir do significado oculto do texto pelo motivo manifesto de tornar o texto relevante”.3

Orígenes (185-254 d.C.) foi o maior dos intérpretes alegóricos do cristianismo primitivo, seu praticante mais notável e seu mais adequado expoente. Ele acreditava que as Escrituras continham um significado literal e outro espiritual. No seu entendimento, o sentido literal do texto, era inferior ao significado espiritual da mesma forma que, para Platão, as coisas terrenas são sombras das formas celestiais e que o corpo humano é inferior ao espírito. Dessa forma, uma Escritura inspirada por Deus tinha que ser interpretada de forma espiritual, unificado mais profundo, além de um significado de “superfície”.

Com base nesse pressuposto, Orígenes desenvolveu uma abordagem tríplice das Escrituras, ou seja, a Palavra de Deus tinha um sentido literal ou físico; um sentido moral ou psíquico e por fim um sentido alegórico ou intelectual. Ao fazer essa divisão ele seguiu Clemente e Fílon, embora adotasse três diferentes sentido em vez dos dois anteriores, porém, na prática menosprezou o sentido literal, raramente se referiu ao sentido moral, e usou constantemente a alegoria.

2.2 MIDRÁSHICA

Para os rabinos, a Torá é a própria Palavra de Deus e contém a soma do conhecimento de Deus para seu povo. Pelo fato de ser um produto divino, até mesmo as próprias letras das Escrituras estão repletas de um significado profundo. Assim sendo, a interpretação é o meio pelo qual as Escrituras falam com as gerações subseqüentes em situações diferentes. Os rabinos também acreditam, em outra Lei, conhecida como Torá Schebealpe (Lei Oral) que é fruto de milhares de anos de sabedoria judaica, um compêndio de Lei, lenda e filosofia. Tamanha é a força desta Lei Oral na vida religiosa, pois “ela exerce influência sobre a teoria e a prá-

3. VANHOOZER, Kevin. Há um significado neste texto. São Paulo: Vida, 2005, p.137.

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tica da vida judaica, dando forma a seu conteúdo espiritual e servindo de guia de conduta”.4

Esta Lei Oral, para a tradição judaica serve para interpretar o conteúdo escrito da Lei e também suprir suas lacunas. Do ponto de vista histórico-critico, é muito difícil precisar quando começaram a cultivar no judaísmo as tradições orais e quando surgiu a consciência de uma dupla fonte da Torá, a oral e a escrita. Entretanto, é sugerido que este processo teve início na era do Segundo Templo, com Esdras, sacerdote e escriba.

Esdras seguido pelos homens da Grande Assembléia,5 conhecido como denominação geral de Sofrim (escribas) exerceu grande influência sobre o corpo legislativo judaico. Uma das principais tarefas desta instituição legislativa foi “levar a observância da Torá escrita e das tradições orais, introduzindo novas disposições no campo normativo e incluindo inovações no campo das doutrinas”.6 Foram os escribas (sofrim) que elaboraram os métodos básicos da exegese halákhica, isto é, os métodos de estudar as decisões rabínicas dos próprios textos bíblicos, conciliando aparentes contradições do texto, interpretando informações obscuras, analisando e resolvendo problemas do esquadrinhamento do texto e organizando o material para facilitar sua transmissão sistemática e estudo metódico.

A partir do século I d.C., a atividade da transmissão oral se sistematiza e seus transmissores são chamados de Tanaítas, isto é, aqueles que estudam, repetindo e passando adiante o que aprenderam de seus mestres. A atividade dos tanaítas finda com a redação da Mischná por volta do ano 220 d.C., quando Yehudá Há-nassi, o Príncipe compila a tradição.

A Mischná do rabino Yehudá foi adotada como livro texto pela escola Palestina como Babilônica. Os professores, chamados naquela época de Amoraítas, trabalhavam palavra por palavra o texto mischnaico, discutindo, elucidando juntando novo material. Este trabalho dos amoraítas fez surgir a Guemará. Os dois elementos, a Mischná e a Guemará formam o Talmud.

4. SZPICZKOSWI, Ana. Educação e Talmud. São Paulo: Humanitas, 2002, p.33. 5. Grande Assembléia – uma espécie de corpo legislativo. Existiu logo após o início do período que corresponde ao segundo Templo; e dela faziam parte Esdras e Neemias de acordo com a tradição judaica. 6. Idem, 2002, p.34.

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Vale salientar que há duas Guemarot, 7 uma realizada nas escolas palestinas e outra nas escolas babilônicas. Sendo esta última três vezes maior que a primeira.

Essa forma de interpretar as Escrituras tornou-se conhecida como Midrash,

8 usado pelos rabinos e fariseus para sua leitura bíblica. “o midrash tem o significado de comentários, em particular, com a idéia de tornar contemporânea a Escritura a fim de aplicá-la ou torná-la significativa para a situação atual do intérprete”.9

2.3 LITERAL

A maioria dos dicionários descreve o sentido literal como o significado primário de um termo, o significado estabelecido pelo uso comum. Podemos assim dizer que, o significado literal é o significado “puro, simples, direto do texto”.

Os comentários rabínicos emitem diversos exemplos nos quais as Escrituras Sagradas foram entendidas de forma direta, o que resultou na aplicação, significado, manifesto simples e natural do texto, à vida das pessoas.

A escola exegética do rabino Shammai era extremamente literal, evidenciada pelos comentários dos textos bíblicos a ele atribuído. “os comentários de Shammai observam que à noite todos devem reclinar-se ao recitar o Shemá, mas pela manhã devem ficar em pé, pois está escrito: Quando vos deitardes e quando vos levantardes”.10

Jesus fez uso desta forma de interpretação em alguns de seus discursos, em especial com relação às questões morais. Em Mateus, o mestre Jesus repreende os fariseus com citações diretas do Livro de Êxodo dizendo: “Honra a teu pai e a tua mãe...” (Êxodo 20.12) e “E quem amaldiçoar a seu pai ou a sua mãe certamente morrerá” (Êxodo 21.17). Concernente ao divórcio, ele fez citação direta de Gênesis 2.24 que diz: “Portanto, deixará o varão o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne”.

Durante muitos séculos, a interpretação esteve adstrita à explicação de textos considerados obscuros, em que ao ato de interpretar fazia se necessário, somente,

7. Plural de Guemará. 8. O termo Midrash vem da raiz hebraica darash, que significa “investigar, averiguar” e denota estudo intenso, ou exame do sentido de uma passagem. Era o método usado por alguns escribas para chegarem ao sentido de uma passagem da Torá.

9. DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja primitiva. São Paulo: Vida, 2005, p.33. 10. Idem, 2005, p.31.

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se a estrutura gramatical desse texto não fosse suficiente para o entendimento de seu significado.

Na Idade Média, no âmbito da cultura teológica, intensificaram-se as inquietações quanto à compreensão do texto bíblico, contudo, inicialmente, ficou restrita a interpretação gramatical e lógica sistemática.

2.4 TIPOLÓGICA

A exegese tipológica busca reconhecer e interpretar símbolos, tipos e alegorias das Escrituras fazendo uma correspondência entre pessoas e acontecimentos do passado e do presente e do futuro.

O Antigo Testamento está repleto de tipos que o Novo Testamento se refere a eles e os explica como dizia Agostinho: “O Novo está contido no Antigo; o Antigo é explicado pelo Novo”. Assim sendo é muito importante entendermos qual é o significado de um tipo. Paulo ao escrever aos Coríntios disse que: “Ora, tudo isso lhes sobreveio como figuras (i.e. de modo típico), e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (1 Coríntios 10.11). A partir deste texto, podemos concluir que a lição quando não bem aprendida torna a se repetir na história, ou seja, se não aprendermos com os erros da história vamos cometer os mesmos erros da história.

Certos personagens bíblicos são referidos no Novo Testamento como tipos, pessoas vivas e reais que deixaram um legado para os cristãos como disse Robert Anderson: “A tipologia do Antigo Testamento é o próprio abecedário da linguagem em que a doutrina do Novo Testamento é escrita”.11

O escritor aos Hebreus menciona com freqüência algumas peças existentes no Tabernáculo e os sacrifícios ali oferecidos, e declara que todas estas coisas são “uma alegoria para o tempo presente (Hebreus 9.9), naturalmente se referindo à dispensação da graça.

Jesus usou várias vezes os tipos em suas pregações. Repetida vezes se referia a eles e demonstrava como apontavam para Ele mesmo como no caso do caminho de Emaús, quando: “começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-

11. ANDERSON apud HABERSHON, 2003, p.12.

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-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras” (Lucas 24.27). Os eventos que tinham acontecido em Jerusalém estavam todos prefigurados nas Escrituras como disse Jesus: “convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos” (Lucas 24.44).

Atualmente os métodos de interpretação bíblicos mais conhecidos são o fundamentalista, o estruturalista e o histórico-crítico. Cada qual com seus aspectos positivos e negativos. A seguir apresentamos uma pequena avaliação dos três métodos.

2.5 FUNDAMENTALISTA

O método fundamentalista parte do pressuposto de que cada detalhe da Bíblia é divinamente inspirado, não podendo em decorrência, apresentar erros ou incongruências. Esse método tende a absolutizar o sentido literal das Escrituras, com o objetivo último de defender a Bíblia como referencial único, confiável e integro para a formulação da doutrina e ética cristã. Seu aspecto positivo reside na seriedade com que encara a revelação de Deus através de sua Palavra, na responsabilidade e no compromisso que exige frente à sua mensagem. Pesa contra este método, a acusação de ser demasiadamente apegado à letra dos textos.

2.6 ESTRUTURALISTA

Este método vê o texto bíblico como estrutura e organização que produz sentido para além da intenção do seu autor. Caracteriza-se por analisá-los da maneira como se encontram escritos na atualidade, independentemente do processo pelo qual a tradição possa ter passado até alcançar o nível de evolução final. Em favor deste método destacam-se duas vantagens importantes: a primeira é que este método consegue devolver as várias narrativas numa dinâmica bem viva e diversificada entre as ações praticadas e agentes envolvidos; a segunda consiste no fato de a análise estruturalista ter intensificado a percepção da importância das oposições no

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texto como elementos determinantes dos eixos das narrativas. Pesam contra este método as críticas pelo seu desinteresse pela gênese e evolução dos textos, o que torna reducionista ao fazer a abstração da vida do texto, sua história, seu contexto cultural, social ou religioso.

2.7 HISTÓRICO-CRÍTICO

É o método que prioriza as fontes históricas, que no caso da Bíblia, datam de milênios anteriores à nossa era. Este método busca analisar as diversas fontes dentro de uma perspectiva de evolução histórica, procurando determinar os diversos estágios da sua formação e crescimento, até terem adquirido sua forma atual.

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