TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO - MÓDULO JACINTO - SEMINÁRIO BATISTA LIVRE

Page 1

Remova Marca d'água

Wondershare PDFelement

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 51

04/09/2020 14:43:37


Remova Marca d'água

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 52

Wondershare PDFelement

04/09/2020 14:43:37


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

Sumário

INTRODUÇÃO 1. PERSPECTIVA PANÔRAMICA DO NOVO TESTAMENTO 2. CONTINUIDADE E RUPTURA 3. ÊNFASES DOS AUTORES TEMAS CENTRAIS DA TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 53

55 57 64 71 80

04/09/2020 14:43:37


Remova Marca d'água

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 54

Wondershare PDFelement

04/09/2020 14:43:37


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

INTRODUÇÃO Teologia do Novo Testamento é a disciplina que procura extrair, expor e sistematizar as verdades teológicas a partir dos livros neotestamentários. Embora não seja uma teologia completamente desvinculada de conceitos presentes nos livros do Antigo Testamento, ela apresenta características específicas que precisam ser devidamente consideradas. Em termos quantitativos o Novo Testamento equivale a um terço do Antigo Testamento. Todavia, esse aspecto não significa conteúdo teológico menor na mesma proporção. Pelo contrário, devido à natureza dos livros, o Novo Testamento fornece uma quantidade abundante de proposições teológicas que podem se desdobrar em um alcance muito maior, abrangendo muito mais aspectos do que os encontrados no primeiro conjunto canônico. Além disso, o Novo Testamento sanciona a teologia do Antigo Testamento em vários pontos, ao mesmo tempo em que a interpreta e amplia. Podemos dizer que os escritos apostólicos são de tal natureza que absorvem toda a revelação precedente, a processa e então a desenvolve sob a luz da realidade messiânica. Sem dúvida alguma a genialidade de Saulo de Tarso foi vital para que o passado fosse compreendido sem ser destruído e ao mesmo tempo pudesse realizar sua função de servir de base à salvação agora revelada no Nazareno. Todavia, essa absorção e esclarecimento do plano de salvação estão presentes em todos os escritores de um modo ou outro. Mais do que escritos conflitantes, eles são complementares, tendo o Novo Testamento um papel preponderante no processo da revelação divina. Podemos ainda afirmar que o Novo Testamento não é um novo edifício construído ao lado do anterior para servir de contraste. É sim uma continuidade harmônica que destaca elementos não percebidos ou ocultos que agora se tornam ainda mais belo na continuação arquitetônica. Quando lemos o Apocalipse, por 55

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 55

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO exemplo, temos a impressão de que estamos revendo de maneira sintética figuras, símbolos, metáforas e acontecimentos presentes em todos os livros anteriores. Ele coroa de forma magistral todo o edifício da revelação. Uma expressão como “a ira do Cordeiro” cria uma imagem capaz de colocar em uma mesma estrutura os sacrifícios levíticos, as declarações proféticas da ira divina, a expiação vicária paulina e a perspectiva evangélica da cristologia joanina. Um fechamento surpreendente. Dessa forma a Teologia do Novo Testamento é repetição quando sanciona temas como unicidade de Deus, criação, a corrupção do homem e da natureza, a necessidade de se relacionar com Deus, a comunicação divina por meio da revelação, um plano para o universo, um juízo divino sobre o mal. De igual modo ela aprofunda temas já previamente apresentados, como o Messias, o Reino, a ressurreição. E a por fim, apresentará elementos distintos como a igreja, sua natureza e função, o conflito lei e graça, a inclusão das nações no plano salvífico.

56

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 56

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

1 PERSPECTIVA PANÔRAMICA DO NOVO TESTAMENTO Assim como o Antigo Testamento, o Novo apresenta uma grande variabilidade de autores, situações e formas literárias. Temos pelo menos nove autores, que escreverão em um período de décadas, dirigindo-se a públicos diferentes para tratar de questões diferentes. Abordam história, sermões, epístolas, exortações, respostas, parábolas, visões e profecias. O produto dessa obra não nasce como resultado de reflexão planejada que visa produzir best sellers como é o caso dos livros modernos. Nasceu de necessidades imediatas e bem concretas, em resposta a problemas e questionamentos surgidos em comunidades com características bastante distintas e para atender demandas bem reais. Trata-se de uma literatura bastante prática, que lida com indivíduos concretos em situações cotidianas. Nunca foi uma obra planejada como o foram os grandes clássicos. Ainda assim o resultado no Novo Testamento é um todo coerente, com uma teologia única, onde pontos aparentemente conflitantes na verdade são revelações complementares que trazem clareza quando agrupados devidamente.

57

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 57

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO De certa forma, há uma estruturação semelhante na organização dos livros que precisa ser levada em conta. Se nos livros da Antiga Aliança a Lei e os profetas se destacam, no Novo temos o Evangelho de Cristo e os escritos dos apóstolos. Os Evangelhos chegaram mesmo a ser entendidos como a Nova Lei, como a Lei de Cristo. O Evangelho de Mateus, como seu longo Sermão do Monte no início, foi visto de algum modo como o contraponto mosaico. Apóstolos e profetas são tidos como os lançadores dos fundamentos. Apesar da enorme diferença de extensão, o livro de Atos faz paralelo com os livros históricos e serve de ponte entre os Evangelhos e as epístolas, assim como os livros históricos do Antigo Testamento elucidam o papel dos profetas. Da mesma forma, ainda que a extensão dos profetas exceda imensamente o conteúdo do Apocalipse, este último condensa de forma magnífica o conteúdo profético do Antigo Testamento. É nessa perspectiva que podemos e devemos olhar o conteúdo do Novo Testamento, aceitando uma abordagem conservadora e reconhecendo a plena credibilidade de seus documentos. A partir disso podemos desenvolver a teologia neotestamentaria de modo seguro e claro. 5. A NECESSIDADE E ANÚNCIO DA REVELAÇÃO NEOTESTAMENTÁRIA

É importante lembrar que durante o período em que os acontecimentos narrados no que chamamos de Novo Testamento estavam ocorrendo, nada havia sido escrito. Os primeiros documentos foram as cartas e só depois vieram as narrativas dos Evangelhos e do livro de Atos. Nesse período, os livros do Antigo Testamento eram a base e na grande maioria das vezes eram esses livros que eram chamados de “Escrituras” (Ex. João 5.39). Tudo o que havia era uma “teologia oral”, da qual temos alguns pontos apresentados principalmente nos sermões do livro de Atos. Todavia, um conteúdo revelado já havia sido anunciado pelo próprio Jesus. Ao dizer “Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora” (João 16.12), Jesus estava mostrando que o período de seu ministério não havia esclarecido todos os pontos necessários. De fato, ainda que a revelação anterior não havia se tornado completamente sem valor, a encarnação, morte e ressurreição de Cristo mudariam tudo na relação entre Deus, o universo e o homem. Afinal, o 58

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 58

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO Filho encarnara e redimira a humanidade. Como a teologia anterior, a teologia que estava para vir não nasceria como mera reflexão de pensadores filosóficos meditando sobre os problemas do mundo e da existência humana. Nasceria das necessidades concretas da nova comunidade dos salvos, fossem essas necessidades da própria comunidade ou das pessoas a quem ela foi encarregada de ministrar.

6. A FORMAÇÃO DAS CATEGORIAS DISTINTAS DOS LIVROS

Nas palavras do próprio Jesus é fácil perceber as categorias distintas do conteúdo revelado que serviria como base primária para desenvolver uma teologia. a) As palavras e atos de Jesus Não poucas vezes nós vemos que os discípulos não compreenderam as palavras de Jesus e muitos dos acontecimentos que rodearam a sua vida (Ex. João 12.16). Ficou evidente que apenas posteriormente eles foram capazes de relacionar aquilo que havia sido revelado no Antigo Testamento com aquilo que Jesus disse, fez e com eventos de sua vida. Lucas 24.44, 45 é uma clara demonstração desse fato. Ao longo da caminhada desses discípulos, o Paracletos, foi não apenas lembrando sobre as coisas que Jesus havia dito, como também foi lhes dando uma compreensão plena. “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito”. (Jo 14.26). Não podemos duvidar que os Evangelhos foram o cumprimento dessa promessa de Jesus e uma realização do ministério do Espírito. Claro que a memorização era uma prática comum entre os judeus. Basta ver com que facilidade Pedro cita inúmeras passagens do Antigo Testamento em seus sermões. Todavia, o conteúdo dos Evangelhos não era mera lembrança resultante de um treinamento mnemônico. Era fruto das lembranças trazidas pelo próprio Paracletos para aqueles escritores. Como já dissemos, essas lembranças estavam repletas de significação teológi59

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 59

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO ca. Seria o material a ser interpretado pelas epístolas na compreensão e exposição do plano de salvação. Um ponto a ser destacado é que apesar da sublimidade da ética de Jesus, todo o peso teológico cai sobre os eventos de sua vida, muito mais do que seus ensinamentos. Se pensarmos no Sermão do Monte, temos ali concentrado os ensinos morais do Senhor, que somados às inúmeras parábolas fornecem farto material ético. No entanto, quando lemos os sermões em Atos dos Apóstolos e as epístolas, temos poucas referencias significativas aos seus ensinos. Como discussão teológica ao estilo epistolar, a salvação não está ligada ao que ele disse e nem mesmo ao que ele fez (isto é, os milagres). A salvação está ligada ao fato dele tornar-se homem como nós (2 Co 8.9;1 Jo 1.1-3); ao fato dele ter morrido na cruz pelos nossos pecados (1 Co 15.3) e ao fato dele ter ressuscitado dentre os mortos. (Rm 8.34). Ainda assim, seus ensinos e milagres impactaram e mudaram o mundo, mesmo que nunca tenham sido visto como elemento central na narrativa do Novo Testamento. b)A compreensão e dimensão dos acontecimentos envolvendo o Messias Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido... (João 16.13) Não é difícil, ao lermos as epístolas, percebermos quanto conhecimento teológico é transmitido através delas. A riqueza de revelação ali presente mostra que de fato Jesus não havia dito tudo o que era necessário sobre os propósitos eternos de Deus. Ou pelo menos não havia dito de forma suficientemente clara para a comunidade dos salvos que se formaria. Não é apenas nas epístolas paulinas, mas em todas elas, uma maior clareza da salvação é apresentada. A vida de Cristo é interpretada diante dos acontecimentos do Antigo Testamento. A nova vida trazida por Ele é explicada. Uma ética baseada em princípios diferentes estava sendo entregue. Tudo isso foi um claro cumprimen60

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 60

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO to daquilo que Jesus disse que seria o ministério do Espírito Santo. Ele estava revelando através dos apóstolos como revelara através dos profetas e demais autores do Antigo Testamento. Ao todo temos treze epístolas das mãos do apóstolo Paulo e mais oito outras. Inúmeros assuntos são nelas abordados, alguns de natureza bastante prática e imediata. Outros revelam explicações profundas sobre o plano divino cumprido em Cristo Jesus. De fato, alguns assuntos que se relacionam com a salvação dos gentios, a graça e não a lei como meio de salvação e a missão da igreja foram assuntos desenvolvidos sobre os quais Jesus pouco ou nada falou. Outro assunto que se tornou central foi a morte do Messias, um ponto que soava muito estranho aos ouvidos dos judeus do primeiro século. Sua teologia messiânica deixava de lado passagens como Isaías 53 ou Salmo 22, pois um Messias que morre não lhes era agradável mediante sua condição política e social opressiva. c) O futuro interpretado à luz da revelação do Messias Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir. (João 16.13) O terceiro ponto com o qual precisamos lidar é o conteúdo escatológico do Novo Testamento. Nesse momento só conseguimos lembrar do livro do Apocalipse, onde essa escatologia está presente em cada linha. Todavia, a escatologia do Novo Testamento não está resumida a esse último livro. Como aconteceu com o Antigo Testamento, o elemento preditivo está presente em cada um dos livros. Claro que essa escatologia se distingue em diversos pontos daquela presente no Antigo Testamento. Não há mais uma escatologia imediatista, voltada para o destino das nações ao redor, embora em Ágabo vamos encontrar um profeta com predições semelhantes, no caso, a fome no Império. Mas a grande maioria se volta para o retorno do Senhor e todas as consequências e detalhes a ela ligados.

61

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 61

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO Autores como Paulo, Pedro, Tiago, João (nas epístolas) e mesmo Judas trouxeram elementos escatológicos em seus escritos. Embora a perspectiva fosse outra, não há uma rejeição das previsões encontradas nos profetas. Pelo contrário, eles continuam sendo a base da esperança (2 Pd 1.19). Dessa forma, o conteúdo histórico, a interpretação teológica dos fatos históricos e o futuro resultante deles, foi predito por Jesus como parte da tarefa do Paracletos. E ele inspirou homens diversos, em situações diversas, bem concretas e através disso completou a revelação que haveria de ser dada aos homens. Não podemos negar que os Evangelhos contem ensinos e profecias. As epístolas relembram, ainda que em pequena quantidade, palavras e feitos de Jesus. As epístolas também possuem grande quantidade de material escatológico. E o próprio Apocalipse não está isento de imagens que se encaixam perfeitamente aos ensinos epistolares e do próprio Jesus. E então, o Espírito completara esse aspecto de seu ministério, fazendo lembrar as coisas que Jesus dissera sob uma nova luz. Ensinara aquilo que Jesus ainda não poderia ter dito aos seus discípulos judeus, presos a inúmeras tradições e tabus. E por fim, o Espírito também sancionou boa parte das profecias do Antigo Testamento, interpretando-as à luz da vinda do Messias e refletindo aspectos muito especiais agora sob a salvação que se manifestara em Cristo Jesus. Essa é a matéria prima à partir da qual a Teologia do Novo Testamento deve ser desenvolvida. d) O uso do conteúdo revelado O labor teológico será feito utilizando-se de quatro elementos: Escrituras, razão, tradição e experiência. Claro que as Escrituras são a base de qualquer coisa que seja digna do título de teologia cristã. Todavia, a teologia envolve boa dose de raciocínio, se desenvolve à partir de esforços anteriores e não se constrói à parte da vida e das experiências do próprio teólogo. Tudo isso sancionado por aquilo que já nos foi dado através do próprio cânon. É bom lembrar que ter todos os documentos do Novo Testamento reunidos em um único livro foi um privilégio gozado em sua plenitude apenas por teólogos à partir do terceiro ou quarto século. Antes disso, os livros estavam espalhados e nem 62

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 62

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO sempre os grandes apologistas e polemistas dispunham de todos eles à mão. Ainda assim, é muito fácil perceber o apreço dos escritores pós apostólicos, que viam nesses escritos o mesmo valor visto nas Escrituras do Antigo Testamento. Mesmo que limitados em ferramentas para desenvolver o conhecimento teológico, nem por isso o abordavam de modo indevido. Sendo assim, tudo aquilo que pode ser descrito como teologia do Novo Testamento, desde os primórdios da Igreja até nossos dias, precisa ter como base o que foi revelado através desses livros. Temos assim dois conjuntos de livros, divinamente inspirados, regra de fé e prática para aqueles que desejam estar dentro do plano de Deus. Lado a lado eles são as ferramentas da boa e maravilhosa teologia cristã.

63

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 63

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

2 CONTINUIDADE E RUPTURA Não podemos falar da teologia do Novo Testamento sem mencionar o Antigo. Isso porque a Igreja não nasceu no vácuo, nem a sua teologia. Ela não lançou fora a herança teológica, litúrgica e escriturística que tivera até ali. A Nova Aliança só fazia sentido à luz da Antiga. Mesmo uma frase simples como; “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, só fazia sentido dentro do contexto do Antigo Testamento e sua revelação. Cristo, era a palavra grega para a palavra hebraica Messias, o Ungido, que só fazia sentido dentro da teologia hebraica. Filho do Deus vivo só fazia sentido apoiada em passagens messiânicas como a aliança de Deus com Davi em 2 Samuel 7 ou o Salmo 2. Que Jesus era o Cristo, tratava-se da proclamação central do Novo Testamento. Agora, o que significava Jesus ser o Cristo, somente sob o pano de fundo da revelação e da teologia israelita teria sentido. Sobre isso, escreveu Peter Kreeft: “O primeiro fato que devemos conhecer a respeito de Jesus a fim de entender sua metafísica – na verdade, o fato que é a chave histórica necessária para compreensão de tudo que Ele diz, fato esse que, de uma maneira ou de outra, tem sido negado, esquecido, ignorado ou minimizado por todos os hereges da história – é que Jesus era judeu. 64

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 64

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO Ele não era gnóstico, nem da Nova Era. Ele não era modernista, nem humanista secular. Ele não era marxista, nem socialista. Ele não era filósofo platônico. Ele não era panteísta brâmane. Ele não era ariano racista. Ele não era assiste social, nem psicólogo pop, nem mito pagão, nem mágico. (...). Ele não era um homem medieval e nem um homem moderno. Ele era judeu”1 Logo, tanto o que Ele pregava e ensina, estava alinhado com a teologia judaica. Ele disse para a mulher Samaritana: “Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus” (João 4.22). Isso demonstra uma base definida no que diz respeito à Deus e sua forma de agir. Por outro lado, algumas passagens mostram que algo novo estava surgindo agora com a revelação plena do Cristo. Fica óbvio que os profetas não havia dito tudo que era necessário dizer. E a compreensão dos judeus sobre o Cristo e seu papel ficou obscura em muitos pontos. Não se tratava de uma árvore nascida nas pedras, mas nascida à partir do tronco de outra árvore pré existente e os judeus precisavam atentar para essa nova árvore. O quem nem sempre fizeram, mas os gentios o fizeram. Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé, ao único Deus, sábio, seja dada glória por Jesus Cristo para todo o sempre. Amém! (Romanos 16.25-27) pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual, noutros séculos, não foi manifestado aos filhos dos homens, como, agora, tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas (Efésios 3.4, 5) Por isso, não podemos falar de uma ruptura total acontecendo no Novo Testamento. Mas também não podemos falar de uma continuidade plena. É fácil perceber no sermão de Paulo no Areópago em Atenas, diversos elementos da cosmovisão judaica que foram apresentados para confrontar pressupostos gregos errados (Atos 17.15-34). Paulo fala da transcendência e imanência divina, fala da história 1 KREEFT, Peter. Jesus, o maior filósofo que já existiu. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2009, p. 19, 20.

65

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 65

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO e geografia humana sendo regida pela soberania de Deus, fala do homem como criação divina. Todos esses temas muito patentes na teologia judaica. Ao final é quando ele expõe o plano divino através de Cristo, que havia ressuscitado e que julgaria a todos no final. 1. A RELAÇÃO ENTRE O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO

Embora já tenhamos comentado muitas coisas a esse respeito e comentaremos mais ao longo desta matéria, a verdade é que a relação entre os escritos do Antigo e do Novo Testamento oferecem um vasto campo para pesquisa e discussão. Não se pode dizer que tudo já foi devidamente resolvido. No entanto, dizer que a relação entre os seus livros ainda oferece espaço para debate, não significa que muito já não se tenha avançado nesse sentido, ou que esse debate envolva questões entre a nova e a antiga aliança. Na verdade, estamos falando do conteúdo dos livros. Isso é importante porque algumas vezes temos a impressão que ao dizer que uma nova aliança surgiu no lugar da antiga é o mesmo que dizer que os livros do Novo Testamento substituíram os do Antigo. E estamos muito longe disso. Na verdade, o texto de 2 Timóteo 3.14-17 onde as Escrituras são apresentadas como de valor inestimável para uma vida cristã plena, inclui sem sombra de dúvida tudo o que está escrito de Gênesis a Malaquias. Jamais passou pela cabeça dos autores apostólicos a possibilidade de se deixar de lado tudo o que até então havia sido revelado e chamado de Escrituras Sagradas. Foi justamente delas que eles extraíram boa parte de seus comentários. Mesmo que se entenda a graça como substituição da lei mosaica, ainda assim não significa substituir o Pentateuco pelos Evangelhos, os profetas pelas epístolas ou pelo Apocalipse. Os judeus messiânicos geralmente insistem aos judeus não messiânicos que crer em Jesus (Yehshua) como Messias não o torna menos judeu e sim plenamente judeu. Da mesma forma, abraçar a revelação do Novo Testamento não me obriga a negar os 39 livros anteriores e sim a entende-los de forma mais perfeita. Não é de fato difícil entender que algumas coisas precisam definitivamente ser abandonadas ou mesmo que algumas posturas éticas precisam ser revistas à luz da ética Cristã. No entanto, ainda resta um enorme conteúdo revelado por Deus que precisa ser levado em conta. 66

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 66

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO As histórias bíblicas, as profecias, toda a literatura sapiencial e mesmo muitos princípios presentes nas leis são profundamente edificantes. Se pensarmos no livro dos Salmos então, a verdade é que boa parte da nossa espiritualidade tem neles sua inspiração. Talvez uma parte muito pequena do Antigo Testamento tenha perdido sua praticidade à luz do Novo. A maior parte continua sendo indispensável para a caminhada da vida cristã. Alguém já disse que o Novo Testamento está contido no Antigo e que o Antigo está explicado no Novo. Independente de como alguém avalie os elementos de ruptura e continuidade entre ambos os testamentos, a verdade é que eles sustentam uma simbiose que não pode ser desfeita sem danificar ambas as partes. 2. LEI E GRAÇA

O segundo contraste fortemente apresentado na teologia do Novo Testamento é a relação entre lei e graça. Embora muitos considerem isso como um ponto já resolvido, a verdade é que o assunto sempre suscitou e ainda suscita debates acalorados não só entre judaísmo e cristianismo, ou entre católicos e protestante. Esse é um assunto que continua gerando diferentes perspectivas entre os diversos ramos do protestantismo. Este fato não ocorre somente por causa do contexto histórico, teológico e cultural no qual o Novo Testamento foi produzido. Falar em uma abolição da Lei para os judeus soava como blasfêmia, que aliás, foi a acusação feita a Estevão (Atos 6.13, 14). Da mesma sorte, esse foi o ponto que gerou todo conflito entre o apóstolo Paulo e os judaizantes (At 21.21). Logo, era de se esperar que esse fosse um ponto teológico nevrálgico a ser desenvolvido na teologia do Novo Testamento. Há outro ponto também a ser levado em consideração. A própria essência da existência ética reclama tanto a justiça quanto a misericórdia. Um mundo sem justiça seria um mundo insano. Um mundo sem misericórdia seria um mundo impossível. Punição e perdão são necessários para esta existência decaída. O censo de dever do pai, aliado ao sentimento de compaixão da mãe, criam nos filhos o equilíbrio necessário entre dever e misericórdia. Lei sem graça ou graça sem lei parecem tornar a realidade impraticável. 67

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 67

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO Há textos que definitivamente falam do fim da lei através de Cristo e sua morte (Rm 6.14, 15; 7.4, 6; 10.4; 2 Co 3.7-18). Para muitos intérpretes essas passagens são definitivas e mostram que não há nenhum tipo de continuidade da lei para o cristão. Estamos sob o domínio da graça e não há mais espaço para a lei mosaica em qualquer sentido na vida do cristão, seja no seu relacionamento com Deus seja na missão de proclamação da Igreja. Por outro lado, algumas passagens falam da lei se perpetuando de outra forma no tempo presente na vida dos cristãos (Rm 3.31; 8.4, 7; 7.12, 14; 1 Co 7.19; Gl 5.14; Ef 6.2). À partir desses e de outros versículos semelhantes, muitos teólogos insistem em algum tipo de continuidade da lei mosaica, ainda que operando sob abordagem diferente. Essa breve exposição não tem a finalidade de gerar dúvidas ou negar a salvação unicamente pela graça. Visa apenas mostrar que um posicionamento final sobre a relação entre lei e graça ainda persiste. É óbvio que um legalismo explícito ou uma graça que não produz obediência são rejeitadas por qualquer estudioso da Palavra. Há certo equilíbrio a ser buscado por ambas as posições. Essa discussão nada tem a ver com a salvação pelas obras contra a qual lutaram pré reformadores e reformadores. A discussão tem a ver com o papel da lei na vida cristã e mesmo Lutero e outros reformadores se empenharam nesse debate. Ele é parte integrante da teologia do Novo Testamento é deve ser abordado, dentro de limites que não comprometam o sola gratia e o sola fide. 3. SOMBRA E REALIDADE

Se há algo muito claro nessa relação entre o Antigo e o Novo é o fato do primeiro conter apenas sombras daquilo que se tornou realidade em Cristo. Desde festas, cerimonias, acontecimentos até personagens com suas históricas, tudo apontava para Cristo. Uma das grandes insistências hermenêuticas dos reformadores é que a Bíblia inteira deveria apontar para Cristo e não apenas alguns pontos dela. E de fato é isso que os escritores neotestamentários fazer. Toda a teologia do Novo Testamento é desenvolvida a partir do entendimento de que Cristo estava presente de forma inegável na revelação que até ali fora 68

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 68

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO dada. Basta pensarmos em Paulo no capítulo 10 de sua epístola aos coríntios, bem como no uso de pessoas instituições feita pelo autor da carta aos hebreus para demonstrar a superioridade de Jesus. Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo (Cl 2.16, 17) Porque, tendo a lei, a sombra dos bens futuros e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam (Hb 10.1) Essas são apenas algumas afirmações diretas sobre o fato de que elementos presentes no Antigo Testamento perderam sua validade ou importância diante do fato da realidade manifestada em Cristo Jesus. Em passagens como João 3.14, 15 e 1 Coríntios 10.1-11 vemos uma clara alegorização de eventos históricos do Antigo Testamento, que são aplicados para explicar o evento da morte do Messias e da fé nele, bem como para ilustrar questões que envolvem o comportamento cuidadoso necessário na vida cristã. Dessa forma, uma conexão é feita entre realidades nos dois testamentos, mesmo que em sua essência sejam diferentes. Até mesmo aspectos teológicos mais complexos, como a relação entre a antiga e a nova aliança, é trabalhada por meio da relação entre Agar e Sara, Ismael e Isaque (Gl 4.21-31). Essa abordagem produz uma unidade na história da salvação, ainda que a superioridade da nova aliança seja sempre destacada. 4. CERIMONIALISMO E VIDA INTERIOR

Talvez um dos maiores contrastes entre o Novo Testamento e o Antigo diga respeito ao cerimonialismo do segundo e a interioridade do primeiro. Não que não haja nenhuma referência ao aspecto interior da religião judaica. Muito pelo contrá-

69

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 69

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO rio. Uma parte da repreensão dos profetas focava no ritualismo morto presente nas festividades e sacrifícios. Era cobrada uma participação do coração nas cerimônias, pois na maioria das vezes tudo era feito de modo puramente externo. Basta ler os salmos e vamos nos deparar com grandes experiências espirituais de seus autores, que iam muito além do mero sacrifício e ritual. Podemos citar Davi no Salmo 51, sua confissão inspirada após o caso com Bete Seba: “Porque te não comprazes em sacrifícios, senão eu os daria; tu não te deleitas em holocaustos. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (Salmo 51.16, 17). Esse entendimento de Davi é a nervura central da experiência espiritual do crente no Novo Testamento. Não é apenas que os sacrifícios e ofertas ordenadas através do sacerdócio levítico tiveram seu cumprimento na morte de Cristo. Claro que isso também. Mas a verdade é que a “adoração em espírito e em verdade” (Jo 4.24) e o “andar por fé e não por vista” (2 Co 5.7) assumem papel exclusivo no crente neotestamentário. Não há mais lugar para o simbolismo tangível. Há uma nova dimensão na relação entre os salvos e Deus. Não é difícil perceber o quanto o cristianismo católico romano incorporou a dimensão ritualística e simbolista do culto judaico conforme apresentado nas Escrituras. E não é difícil perceber que à medida que o protestantismo foi se apropriando da revelação do Novo Testamento ele foi se tornando mais e mais independente de ritos, símbolos e cerimônias. A vida interior foi um tema de muitos autores de temas devocionais porque viram que esse era uma diferença essencial entre o espírito do Antigo e do Novo.

70

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 70

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

3 ÊNFASES DOS AUTORES Não é nosso propósito fazer uma exposição bíblica completa da teologia de cada um desses autores ou grupos encontrados nas Escrituras. Todavia, é importante termos ao menos uma visão panorâmica sintética de cada um deles. Isso é importante porque muitos teólogos liberais gostam de lançar autor contra autor, destacando minúcias, e confundindo ênfases com discordâncias. Cada autor sagrado apresenta pontos diferentes da ampla teologia do Novo Testamento. Paulo, João e Pedro tinham formações distintas, experiências distintas e trabalharam dentro de suas capacidades como instrumentos da revelação. Nenhum autor sozinho expôs toda teologia neotestamentária, nem mesmo o apóstolo Paulo, apesar de todo o seu destaque. Por esse motivo, uma pequena olhada no foco teológico desses autores nos permitirá compreender a contribuição de cada um dentro do mosaico da revelação e da teologia cristã. Essa diversidade de modo algum atingiu a unidade do pensamento teológico. Alguns autores podem ser mais ou menos amplos em sua abordagem. Ainda assim é possível observar um entrelaçamento dos discursos que permitem a construção de uma teologia unificada.

71

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 71

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 1. SINÓTICOS

Sinóticos é o nome que damos aos três primeiros livros do Novo Testamento: Mateus, Marcos e Lucas. Eles apresentam narrativas muito semelhantes sobre a vida e a obra de Jesus. Embora o que temos aqui seja a simples narrativa, isso não significa que essa narrativa não esteja carregada de pressupostos teológicos. Mesmo escrevendo história, essa história se desenvolveu dentro de uma perspectiva judaica, logo, a cosmovisão e a teologia judaica estavam presentes. E essas eram fruto da revelação concedida no Antigo Testamento. Igualmente, eles estavam narrando a vida do Messias, que não era mais uma teologia criada a partir dos profetas, mas ele mesmo ali estava para ser entendida. Podemos dizer que dos temas teológicos centrais dos sinóticos está o Cristo, Filho do Homem e o Reino de Deus revelado Nele. A pessoa de Jesus, sua autoridade, sua ética, sua missão, estão ali expostas ao longo dos acontecimentos. Também o cumprimento das promessas messiânicas em muitos dos seus aspectos estão sendo apresentadas na narrativa dos sinóticos. Não apenas Mateus escrevendo para os judeus faz contínua referência aos profetas. Todos os autores o fazem. As inúmeras referências às Escrituras Hebraicas fazem a conexão. Mesmo a ideia do Reino de Deus não era algo novo. A Era Messiânica havia sido retratada com abundantes imagens pelos profetas. A pessoa do Messias seria acompanhada pela ordem messiânica. Rei e Reino caminhariam juntos. Por isso a dupla referência nos sinóticos. Claro que boa parte dessa revelação do Messias e do Reino, ao mesmo tempo em que confirmava o que fora dito, também o interpretava de modo novo. Não contrariava a revelação bíblica como um todo, mas contrariava a seletividade feita pelos teólogos judeus com respeito ao Messias e seu Reino. A opressão política sob a qual vivia os fez destacar principalmente os aspectos políticos do Messias. Um Messias que veio “não para ser servido, mas para servir” (Mateus 20.28) lhes soava bastante estranho. Não porque ele não podia ser identifica com o “Servo de Yahweh” revelado por Isaías, mas porque não se ajustava aos seus anseios de libertação política e social. De qualquer forma, a narrativa da prisão, morte e ressurreição feita pelos sinóticos está repleta não só da teologia do Antigo Testamento, quanto do Novo tam72

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 72

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO bém. Após a ressurreição Jesus os repreende por não compreenderem plenamente o que estava escrito. Essas palavras foram a chave para uma revisão teológica que estaria olhando para o que fora dito na Antiga Aliança de um modo completamente novo. Mas os seus sentidos foram endurecidos; porque até hoje o mesmo véu está por levantar na lição do Velho Testamento, o qual foi por Cristo abolido. E até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Mas, quando se converterem ao Senhor, então, o véu se tirará. (1 Co 3.14, 15) 2. TEOLOGIA LUCANA

Temos que fazer um comentário específico sobre a teologia exposta nas obras de Lucas porque ainda que possua diversos pontos em harmonia com os sinóticos, é fato que também possui alguns pontos que tornam seu caráter distinto. Lucas foi o autor do Evangelho que leva seu nome e também do livro de Atos dos Apóstolos. De certo modo, trata-se de uma mesma obra em duas partes como vemos demonstrado no prefácio de Atos. O segundo ponto a ser levado em conta é que talvez Lucas seja o único autor gentio de toda a Bíblia. Logo, sua visão refletindo a teologia judaica mostra o quanto sua cosmovisão dependia da cosmovisão contida nos livros do Antigo Testamento. Ele representa de modo muito destacado a continuidade e a ruptura. Um gentio, escrevendo pela inspiração do Espírito Santo, sobre temas teológicos da Nova Aliança, se utilizando de toda bagagem do Antigo para se fazer compreender. Isso é muito importante. Em terceiro lugar, e não menos importante, Lucas foi companheiro do apóstolo Paulo e com certeza recebeu forte influencia dele. Suas ênfases vão surgir dessa amizade. Não há como não levar isso em consideração. E em último lugar, por ter escrito livros extensos, a verdade é que ele foi autor de quase um terço do Novo Testamento. Logo, não podemos ignorá-los. Em meio a tudo isso, queremos destacar pelo menos dois pontos nos quais a teologia de Lucas se destaca. A primeira delas diz respeito ao tema salvação, tão presente em seus escritos. Basta ver as parábolas da dracma perdida, do filho pródigo, da ovelha perdida para perceber essa ênfase. Em Atos, a ideia de salvação se apresenta continuamente. Jesus veio para buscar e salvar o perdido e tal ponto é forte nos Escritos de Lucas. 73

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 73

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO O segundo ponto é a questão dos gentios. Os outros dois sinóticos não registraram a visita de Jesus à sinagoga em Nazaré. Lucas não só registrou a visita, como também o sermão, onde Jesus dá destaque ao agir de Deus na vida de dois gentios: a viúva de Serepta de Sidon e Naamã. E vera que nessa mensagem Jesus faz questão de destacar a escolha de Deus a dois indivíduos gentios em detrimento dos próprios judeus. A teologia do apóstolo dos gentios com certeza exerceu aqui sua influência. E não precisamos se quer nos estender ao livro de Atos, sendo ele um testemunho do Evangelho de Cristo quebrando as barreiras geográficas e étnicas para chegar aos gentios. Esse fato é expresso já no início do livro (At 1.8) 3. TEOLOGIA JOANINA

João, o discípulo a quem Jesus amava é o autor do quarto Evangelho que leva seu nome, bem como de três epístolas e do Apocalipse. É fácil ver o quanto um pensamento único permeia essas obras, ainda que o Apocalipse possa variar um pouco em sua abordagem devido a natureza do próprio livro. Mas João contrasta com os sinóticos em sua narrativa porque além de narrar, seu Evangelho é carregado de comentários pessoais que refletem seu caráter de teólogo. Enquanto os sinóticos não fazem uma interpretação direta da vida e obra do Cristo, João, escrevendo ao final do primeiro século, já inclui diversos comentários resultantes de sua reflexão teológica. Não mais o simples fato, mas o fato compreendido à luz da revelação trazida pelo Paracleto. João e Paulo foram teólogos, mas as ênfases de João diferiram em vários pontos daquelas do apóstolo e mesmo de outros autores do Novo Testamento. É fácil perceber a grande ênfase que ele dá para a encarnação, mais do que para a morte expiatória de Cristo, como vemos na teologia paulina. Não que Paulo negue a encarnação, pelo contrário. E não que João negue a morte expiatória. O que temos apenas são ênfases diferentes, motivadas não só pelo público alvo do escrito, como também das necessidades teológicas circundantes. Ao apresentar Jesus como o Logos encarnado, João estava respondendo a muitas indagações produzidas pela cultura grega, fazendo plena conexão com toda a cosmovisão referente a criação já revelada nas Escrituras do Antigo Testamento. 74

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 74

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO Estava mostrando essa relação do divino com o humano, da qual Cristo era a ponte que tocava ambos os lados. “A noção do Logos figurou na filosofia gr. a partir de Heráclito (c. de 500 a.C.) que o entendeu como raciocínio universal que permeia e governa o mundo. Foi adotada pelos estóicos neste sentido. O pensador helenístico judeu, Filo (c. de 20 a.C. - c. de 50 d.C.) considerava o Logos como sendo um agente intermediário mais do que um poder imanente. Logos também é a tradução da LXX para o Heb. dàbàr (palavra). No NT o emprego técnico do termo é confinado a Jo 1:1 e segs.; 1 Jo 1:1; Ap 19:13 (cf. Hb 1:2; 4:12). Os apologistas do século II desenvolveram cristologias de Logos que apresentavam a crença em Jesus Cristo em termos de logos divino na criação”2. Esta foi uma excelente ponte entre a mensagem do Novo Testamento e a linguagem filosófica do mundo greco-romano para o qual o Evangelho estava sendo pregado. Possibilitava o uso de uma terminologia e de um conceitual filosófico que era acessível à classe culta do Império Romano. No estilo joanino temos aquilo que chamamos de dualismo. João trabalha muito com contrastes em seus escritos. Luz e trevas, verdade e mentira, amor e ódio, vida e morte. Sua abordagem é simples e direta, sem ser simplista. Sua ética é incisiva, seu apelo à que se creia no Cristo é bastante enfático. Ele também e muito prático em seu conteúdo: perdão, vida eterna, relacionamento com Deus e com os irmãos, o Espírito Santo e sua obra – todos esses são assuntos por ele abordado em seus escritos. De fato, quando pensamos em tudo o que ele aborda, vemos muitos paralelos com a teologia paulina, só que com palavras e construções bem distintas. 4. TEOLOGIA PAULINA

Paulo é o teólogo por excelência. Como apóstolo aos gentios, seus escritos se direcionam principalmente a nós, os salvos dentre as nações. O destaque que damos a ele em nossas pregações e debates não é gratuito. É fruto principalmente dessa conexão que ele fez com o pensamento não judaico. Muitos teólogos admitem que se não fosse pelo apóstolo Paulo o cristianismo teria permanecido até hoje como uma seita judaica. Embora não exclusivamente, 2 COENEN, Lothar e BROWN, Colin. Dicionário Internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2007, verbete Logos.

75

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 75

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO foi ele quem fez a ponte entre o mundo judaico e o mundo gentílico. Mas essa ponta não deve ser entendida apenas em seu aspecto mais direto, quando ele faz seu trabalho missionário entre os gentios. Seu trabalho missionário foi de fato muito importante. Enquanto Pedro evangelizou aos gentios com grande relutância, o apóstolo Paulo fez deles seu alvo principal, quase exclusivo. A grande ponte feita por ele foi de fato a ponte intelectual e teológica. Criado aos pés de Gamaliel e vivendo em uma cidade completamente gentílica como era Tarso, ele foi capaz de carregar em si o melhor dos dois mundo. Ele estava bem tanto na sinagoga quanto no areópago. Ele podia debater com escribas judaicos e professores da filosofia epicureia e estóica. Ele fora criado como um judeu e viveu sua judaidade e seu judaísmo de modo restrito e convicto. Todavia, compreendeu a universalidade da mensagem originada pela encarnação, morte, ressurreição e ascensão do Messias. Embora pouco se saiba de sua vida antes de seu tempo na igreja de Antioquia da Síria, depois de seu chamado em Atos 13 seu ministério entre os gentios está bem documentado. O fato é que esse trabalho entre os gentios não exigiu apenas esforços físicos intensos, mas também exigiu uma resposta quanto à situação dos gentios diante da revelação do Evangelho. Até ali a teologia teve sua origem não apenas entre os judeus, mas exclusivamente para os judeus. O tema Israel está no centro dos Escritos do Antigo Testamento. Essa centralidade teve fim na pessoa do Messias, que embora tenha sido um judeu enviado aos judeus, trouxe consigo a manifestação divina que agora deveria ser pregado a todos os povos. Dessa forma, a revelação paulina irá centralizar-se na salvação dos gentios. Seus escritos refletem uma luta intensa para quebrar os estreitos limites da visão judaica quanto aos planos divinos e estabelecer de forma definitiva e firme a ação de Deus para salvar todos os povos da terra. Dentro desse escopo, sua teologia irá abordar outros pontos que se tornam vitais. Lei e graça é um deles. A Lei no contexto judaico era uma ideia dominante. A lei era a salvação e os judeus não conseguiam conceber qualquer relacionamento com Deus que não fosse baseada nela. Para muitos judeus a lei não era apenas um conjunto de regras, mas era o fundamento de toda a existência. A torá muitas vezes ganhou exposições filosóficas tão amplas que era possível identifica-la com o Logos 76

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 76

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO divino. Eles havia se agarrado tão tenazmente à lei que falar em uma salvação que fosse fruto da simples confiança no Messias e sua obra parecia uma heresia. Cercados por mandamentos e ritos desde sua infância, os judeus tinham dificuldade em aceitar que os não judeus agora poderiam ser salvos apenas pela bondade de Deus à parte das obras da lei. A luta do apóstolo Paulo com os judeus e com os judaizantes refletiu esse conflito de ideias. Mas foi justamente esse conflito que possibilitou a ele desenvolver sua teologia e expor a salvação de Deus em termos universais e abrangentes. Sua salvação estava sendo oferecida a todos sem distinção. Não era facilmente que os judeus aceitariam tais posições, mas foram elas que quebraram o monopólio judaico ao pensamento teológico. Essas questões dualistas de gentios e judeus também levaram o apóstolo a posicionar-se com respeito aos aspectos práticos. A idolatria devia ser francamente rejeita, sobre isso não havia dúvida. Mas outros pontos como comida, dias santos, hábitos e costumes rituais que tão fortemente caracterizaram o judaísmo precisavam ser abordados. Não bastava trabalhar somente a questão de cosmovisão. Por isso grandes porções das epístolas pretendem responder às indagações e orientar o comportamento dos gentios, que também precisavam aprender a obediência sem contudo tornar-se judeus. Todavia, a extensa teologia paulina não se limitou à questão da salvação aos gentios e as implicações referentes a lei e graça. Todos os grandes temas teológicos passaram por sua pena. Salvação foi apenas um deles. Além dos temas cristológicos, escatológicos e éticos que ele abordou como ninguém, a natureza e os propósitos da igreja foram desenvolvidos de forma ampla e abrangente. Não apenas as cartas eclesiais, mas também as pastorais apontam para o papel da Igreja na realização dos desígnios eternos de Deus. Desde a sua origem à partir do rompimento das barreiras judaicas, até sua diversidade e unidade, tudo é abordado em seus escritos. De fato, a paixão pela igreja não o levou apenas a fundá-las, mas também a pastoreá-las, exortá-las de ensiná-las. Como nenhum outro escritor do Novo Testamento ele poderia dizer que em seu Corpo cumpria o restante das aflições de Cristo “pelo seu Corpo que é a Igreja” (Cl 1.24). Isso não tem nada a ver com algum tipo de co-redenção realizada por ele, o que 77

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 77

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO seria facilmente refutado por seus escritos. Mas tinha a ver com sua compreensão do plano de Deus para sua igreja e com sua paixão pela missão dela. Não há como não reconhecer a importância teológica do apóstolo Paulo, igualmente com suas habilidades como missionário e apologista que foi. Ainda que algumas epístolas não passem de bilhetes pessoais como é o caso de Filemon, outros escritos, como a epístola aos Romanos, por exemplo, permanece como um verdadeiro tratado teológico. E o que é mais importante. Um tratado teológico resultante da inspiração divina e, portanto, serve de fundamento para qualquer tratado teológico que for escrito. 5. DEMAIS AUTORES

Talvez com exceção do autor da epístola aos Hebreus que expressa uma teologia bastante vigorosa, os demais autores não revelam maior originalidade que os anteriores. Eles ratificam o que foi exposto e fazem contribuições mais modestas na formação da teologia do Novo Testamento, até porque não é grande a extensão de seus escritos. Como já dissemos, o autor de Hebreus sim, expõe ampla e profunda teologia. É nítido que esta obra foi escrita em contraste com o pensamento judaico, não tanto nos aspectos morais da lei e sim em seus aspectos rituais e cerimoniais. Seu autor provavelmente não era apenas um judeu, mas um levita, profundo conhecedor das instituições judaicas. A forma como ele lida com personagens, acontecimentos, rituais e porções do Antigo Testamento é realmente impressionante. Mas acima de tudo, assim como fez o apóstolo Paulo, ele consegue usar os escritos da Antiga Aliança para sancionar as proposições da Nova Aliança. Ele consegue citar passagens messiânicas para apresentar a figura divina do Messias. Ele consegue apresentar as instituições do judaísmo em contraste com o Novo Testamento, de modo que continuidade e ruptura se apresentam em uma formação harmoniosa onde o Antigo serve de base ao mesmo tempo que dá lugar a algo mais pleno e duradouro. Ele aborda assuntos aparentemente inexpressivos como Melquisedeque, para fazer a partir dessa figura uma grande exposição do sacerdote do Messias. Essa epístola não apresenta grandes porções éticas como 78

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 78

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO vemos em Paulo e outros autores, mas de tal modo contratas a Antiga e a Nova Aliança que deixa bem claro a superioridade da segunda de modo irrefutável até mesmo para os mais ferrenhos judeus. Tiago, Pedro e Judas que encerram este brevíssimo panorama sancionam todo o restante no que diz respeito à teologia e a ética. Tiago lida com questões bastante práticas do cristianismo em geral e do cristianismo judaico em particular. Pedro e Judas por sua vez estão lidando com os falsos mestres e com distorções que já começam a despontar em entre os cristãos. Sua Cristologia, escatologia e soteriologia de modo algum conflita com os demais escritos, antes os sanciona ou complementa. Jesus permanece o centro de sua mensagem. Esse pequeno esboço panorâmico é útil para nos expor a teologia do Novo Testamento. O fato de haver autores diferentes escrevendo em situações diversas e para públicos diversos mostra o quanto à unidade bíblica é sobrenatural. É possível tomar todas as diferentes ênfases e com elas constituir um pensamento teológico único, que em sua diversidade nos faz compreender a mensagem do Evangelho de modo especial.

79

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 79

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

TEMAS CENTRAIS DA TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO Qualquer seleção dos temas centrais da teologia do Novo Testamento será restrita. Isso porque, na verdade, o leque de assuntos pode ser apresentado com minúcias cada vez mais detalhadas. No entanto, alguns pontos são essenciais. Eles constituem a espinha dorsal do ensino dos apóstolos, a base da mensagem a ser proclamada pela Igreja. Atentar para esses temas centrais ajuda a nortear nossa pregação e nosso ensino. 1.O MESSIAS

“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16.16). Esta é a verdade central do Novo Testamento. Jesus de Nazaré é o Messias prometido nas Escrituras Hebraicas. O fato é que ao tornar-se parte de seu nome (o mais correto seria “Jesus, o Cristo” ou ainda “Jesus, o Messias”) a riqueza teológica do termo perdeu-se. Cristo não era um segundo nome ou sobrenome de Jesus e sim o título que o identificava com toda uma herança teológica anterior. Alguns afirmam que ele jamais disse ser o Messias diretamente. Isso não é verdade. Pelo menos duas vezes ele o disse abertamente (Jo 4.25, 26; Mc 14.61, 62). Além disso, usou constantemente termos e referências que deixavam bem claro que ele era o Messias (Filho do homem é uma delas, porque está ligado à Daniel 7.13, 14). Ser o Messias, no contexto judaico do primeiro século significava ser o “Filho de Davi”, o rei prometido que haveria de estabelecer seu trono para sempre (2 Sm 7.13). Não poucas passagens dos profetas descreviam com detalhes o reino ­messiânico (Isaías 2; 11; 35). Como escreveu Otto Borchert: O mundo judaico daquela época havia formado um quadro bem definido do Messias. Jesus tomou a concepção deles como alguém toma um molde vazio para

80

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 80

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO enchê-lo com novo conteúdo. Era muito importante que uma nação toda estava anelando pelo Messias; de outra forma, o povo não teria capacidade para entender, de forma alguma, o que significava o advento de Jesus. Todavia, pela presciência de Deus, este anseio pelo Messias preparou, na mente dos homens, a idéia necessária à qual os novos conceitos podiam ser ligados. Podemos explicá-lo da seguinte forma: a esperança de um Messias que Israel acariciava, fez da nação um solo bem preparado, pronto para receber a semente. Mas a semente semeada nele não se conformou com as expectativas, e por fim, não cresceu a partir daquele terreno.3 Claro que aos poucos a figura de Jesus foi se chocando com as expectativas teológicas referentes ao Messias desenvolvidas no solo judaico. A grandeza política não fazia parte das características de Jesus e por esse motivo a nação como um todo teve dificuldades de identifica-lo com o Messias esperado. Ao final, naquele momento de sua história, a maior identificação de Jesus era com o servo de Isaías 61. Quando mais tarde ele cumpriu as profecias sobre o servo sofredor de Isaías 53, então o contraste entre as expectativas e a realidade trouxe rejeição completa. Não queriam um Messias que morre. De fato, a crucificação tornou-se o ponto central do Evangelho (1 Co 2.2). Uma “teologia da cruz” se desenvolveu como meio pelo qual a fé possibilitava o acesso a Deus. Aquele rastro de sangue que começava na inferência de Gênesis 3.21, passava pelos umbrais da casa dos israelitas no Egito e depois se normatizava no Levítico, tinha no Messias crucificado sua plena realização. Após o Messias que morre seus seguidores tiveram um Messias que ressuscita. Isso foi impactante, porque então a ideia da ressurreição que não passava de uma vaga ideia marcada para o fim dos tempos tornava-se real na pessoal do próprio Messias. Mais tarde foi fácil para o apóstolo Pedro fazer a conexão entre o Messias, filho de Davi e a ressurreição dos mortos, apropriando-se do Salmo 16 (Veja Atos 2.24-32). Não há dúvida de que o testemunho de sua ressurreição tinha um significado profundo. Basta ler a anunciação desse fato no livro de Atos ou a grande exposição do apóstolo Paulo em 1 Coríntios 15 ou as inúmeras referências à ressurreição no livro do Apocalipse. Tratava-se de um evento histórico de tamanha grandeza que 3 BORCHERT, Otto. O Jesus Histórico. São Paulo: Vida Nova, 1985

81

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 81

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO alterava todas as perspectivas da história e do futuro. “Do ponto de vista causal, a ressurreição não tem haver com outros eventos históricos. Além do mais, a ressurreição de Cristo não é a restauração de um indivíduo morto à vida, mas o surgimento de um novo tipo de vida – a vida da ressurreição”4 E então, após sua ascensão esse Messias reina dos céus, da direita do Pai, até o tempo em que voltará para restaurar todas as coisas (At 2.33-35; 3.21). É dessa forma que toda visão do Messias vai se modificando. Não mais um simples Messias judaico, para um reino judaico, naquela ocasião histórica. Eles continuam tentando entender a relação entre o Messias e seu papel com respeito a Israel (At 1.6, 7). Todavia, o compromisso de anuncia-lo agora para todos os povos como único salvador torna-se a grande tarefa, cuja conclusão trará a consumação dos séculos (At 1.8; Mt 28.18-20). Há uma transferência gradativa da figura do Messias do solo judaico para o não judaico. Essa transferência se dá diante de Deus quando a parede que separava os dois grupos é rompida (Ef 2.11-19). Todavia, ela vai acontecendo na prática quando o Messias é rejeitado pelos judeus para quem ele primeiramente veio e vai sendo aceitos pelos não judeus (Jo 1.11, 12). O livro de Atos vai registrando transferência (At 19.810; 28.23-28), conforme já havia sido indicado pelo próprio Jesus (Mt 21.43) Dessa forma, o Messias, conceito exclusivamente judaico é rejeitado ao menos parcialmente pelos judeus e se torna o Salvador para os demais povos da terra que nem sempre conseguiram apreender tudo o que está relacionado ao termo. 2. A SALVAÇÃO PELA GRAÇA

O conceito mais comum da palavra “graça” é “o favor imerecido de Deus” – em outras palavras, muito embora fôssemos pecadores, merecedores do julgamento, Deus olhou para nós com amor e nos perdoou. Isso, no entanto, é somente a metade do seu significado Karis – graça – é uma das grandes palavras do Novo Testamento e que constitui elemento central de sua teologia. Embora grandes discussões sobre a graça e seu contraste com a Lei ocupam boa parte dos escritos paulinos, ela não é exclusiva 4 LADD, George. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: JUERP, 1985, p.29

82

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 82

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO de suas obras. É fácil perceber que mesmo no Concílio de Jerusalém, um acontecimento com total contexto judaico, a questão da salvação pela graça recebeu o devido destaque. Foi Pedro quem primeiro se pronunciou e expressou a fé da Igreja Primitiva na salvação pela graça de Deus somente (At 15.7-11). Ainda que graça seja mais difícil de definir precisamente do que de aceitar, a verdade é que assim como a Lei ocupava o papel preponderante entre o judeu e Deus, a graça é o grande elemento que une os cristãos a Deus. Tratava-se de uma profunda revelação no que diz respeito ao relacionamento entre o homem e Deus. De certo modo, o grande dilema israelita era como relacionar-se com Deus de modo aceitável, visto sua santa lei ser quebrada constantemente. Os mais justos dentre eles ainda eram grandes pecadores. E essa situação tornava-se ainda mais complicado com a inclusão dos gentios. Inclui-los por meio de um código que sequer os judeus conseguiam suportar era entrar por uma experiência já vista como fracassada. Então, a graça, a bondade imerecida de Deus, passa a ser enfatizada. É pela graça que somos restaurados e salvos (Ef 2.1-10). Esse foi o tema central da reforma. E por esse motivo que a epístola aos Romanos se torna a obra essencial no resgate soteriológico, pois é nela que o pecado, a justificação e a reconciliação do homem com Deus ser explicado em termos de graça. Todavia, é importante entender a graça divina dentro do contexto em que a doutrina é desenvolvida. Podemos pensar em uma permissividade flácida por parte de Deus, onde ele tolera tudo o que o ser humano faça por meio de sua graça. Nada mais enganoso. “Devemos evitar certo mal-entendido. Graça não significa que Deus é de coração tão magnânimo que abranda a penalidade ou desiste dum justo juízo. Sendo Deus o Soberano perfeito do universo, ele não pode tratar indulgentemente o assunto do pecado pois isso depreciaria sua perfeita santidade e justiça. A graça de Deus aos pecadores revela-se no fato de que ele mesmo pela expiação de Cristo, pagou toda a pena do pecado. Por conseguinte, ele pode justamente perdoar o pecado sem levar em conta os merecimentos ou não merecimentos. Os pecadores

83

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 83

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO são perdoados, não porque Deus seja benigno para desculpar os pecados deles, mas porque existe redenção mediante o sangue de Cristo. (Rom. 3:24; Efés. 1:6.)”5 O Novo Testamento não limita o papel da graça ao evento da salvação, quando o pecador é perdoado e jutificado diante de Deus. Na verdade, a graça permeia toda a relação do homem com Deus, incluindo sua capacitação para o serviço, pois os dons também são dons da graça (Rm 12.6). A nossa própria identidade no Reino de Deus é produto dessa graça (1 Co 15.10). Esta dispensação, este presente período, é chamado de “dispensação da graça” (Ef 3.2). Essa graça se manifestou com poder de salvar a toda a humanidade (Tt 2.11). Qualquer pessoa no mundo tem essa graça disponível. Basta apropriar-se dela pela fé. Como escreveu Robert Louis Stevenson : “Nada existe, a não ser a graça de Deus. Andamos sobre ela; nós a respiramos; vivemos e morremos por ela; ela forma os eixos e os encaixes do universo”. Essa percepção é fruto da teologia da graça presente no Novo Testamento. É inegável que foi essa teologia a responsável pela Reforma Protestante. O resgate desse tema pelos reformadores é uma das principais causas do avanço do Evangelho no mundo. 3. O PAPEL DA IGREJA

O papel da Igreja também se destaca na teologia do Novo Testamento. É curioso observar que a palavra só é usada nos Evangelhos em duas ocasiões – Mt 16.18 e 18.17. Não há outras referências. Todavia, do livro de Atos até o Apocalipse a igreja não é só citada, ela se torna elemento predominante. Na teologia paulina a Igreja aparece como elemento de destaque. Nenhum outro autor desenvolver tanto o tema quanto ele. Seu grande desafio era relacionar o Israel étnico com a Igreja, assim como teve de relacionar a lei com a graça, as promessas messiânicas com a presente era. Isso ele fará na Epístola aos Efésios, destacando dois pontos: a) O fim da parede de separação (Efésios 2.11-19). Nesta porção ele se dirige aos irmãos na cidade de Éfeso explicando a salvação em termos históricos e étnicos, enfatizando o antes e o depois. No antes temos Israel detendo todos os 5 PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p. 152 84

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 84

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO benefícios espirituais: conhecimento de Deus, leis, promessa, esperança messiânica. Enquanto isso os não judeus ignoravam todas essas coisas. No momento seguinte, ele apresenta Cristo como aquele que quebrou a parede de separação, possibilitando aos não judeus desfrutas de todas as bênçãos das quais estavam anteriormente alienados. Como resultado surge o “novo homem”, isto é, a nova comunidade dos salvos. “O que Paulo está mencionando na realidade, não é um “novo homem” mas, sim, uma “nova raça humana”, unida por Jesus Cristo na sua própria pessoa”.6 b)A Igreja como um elemento novo no plano de Deus (Efésios 3.111). Basta ler o Antigo Testamento, com destaque para os Salmos, para perceber o interesse de Deus em salvar os gentios. Entretanto, o que o apóstolo está destacando nesta passagem não é simplesmente a salvação dos não judeus. Ele fala de ambos formando um único corpo, co-herdeiros e participantes da mesma promessa. Os judeus, sempre se viram como a peça principal, incomparável nos planos divinos. Agora estava sendo mostrado que Deus não fazia distinção e que ambos tinham os mesmos direitos em Cristo. Na verdade, boa parte da teologia paulina repousava na igualdade de todos em Cristo, sem distinção de sexo, posição social ou mesmo etnia (Gl 3.28). A Igreja, no entanto, fundia judeus e gentios de um modo como a teologia judaica jamais podia imaginar. Em Cristo, eles estavam no mesmo Corpo e desfrutavam das mesmas expectativas. Por meio de figuras, como Noiva, Corpo e Templo, o Novo Testamento manifesta a natureza da Igreja e seu papel, muito além das disputas étnicas que os judaizantes procuravam acirrar. Longe de ser um grupo étnico a desfrutar de uma aliança exclusiva, essa nova comunidade, esse “novo homem” era multi étnico. Visto o forte contraste entre judeus e não judeus que até ali fora fomentado, essa nova posição abria a porta para um tipo de comunidade muito menos restrita e muito mais ampla. Esse fato concreto, de etnias diversas fazerem parte desse Corpo, foi também fator que obrigou a uma revisão teológica com respeito aos gentios. E graças a isso a Igreja pode manifestar sua verdadeira e múltipla natureza sem tornar-se uma mera continuação de judaísmo nacionalizado e nacionalizante. 6 STOTT, John. A mensagem de Efésios. São Paulo: ABU, 1987, p. 68

85

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 85

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO Israel tinha a missão de obediência, assim como a Igreja, além da obediência, tinha a missão proclamadora. Desde a ressurreição que o objetivo desse novo Corpo era levar as verdades reveladas até os confins da terra. A grandeza de sua posição se refletia na grandeza da tarefa (1 Rs 2.9). 4. A NOVA ALIANÇA

O quarto tema a ser desenvolvido será a Nova Aliança. Essa era uma promessa presente nos profetas (Jr 31.31-34) e que ficou claramente estabelecida quando Jesus instituiu a Ceia (Mt 26.27, 28). Um ponto sobre essa nova aliança que tendemos a esquecer é que ela foi estabelecida com a casa de Israel, e não com os gentios primeiramente. Todos os presentes na Ceia eram judeus e durante um tempo os convertidos eram quase exclusivamente judeus. Eles desfrutaram na Nova Aliança. Todavia, com a queda da parede de separação e a integração dos gentios em um mesmo Corpo, conduziu os efeitos da aliança a todos os povos. Em 2 Coríntios 3 Paulo discorre longamente sobre os contrastes entre a Antiga e a Nova Aliança. Embora não esteja claro quais elementos se alteram entre as duas alianças, não resta dúvida de que algo novo teve lugar. E essa mudança não era simplesmente a inclusão dos gentios, mas um novo relacionamento com Deus tinha início. O autor da epístola aos Hebreus, sem sombra de dúvida expôs de modo rico o contraste. O autor provavelmente era judeu, talvez um levita, e contrastou diversos pontos entre a Antiga e a Nova Aliança. Baseada na Lei e não na graça, no Espírito e não na mera regulamentação, essa nova aliança destacava sua ação no interior, muito mais do que no exterior. Era exatamente esse ponto destacado em Jeremias 31.33, 34 e Ezequiel 36.26-28. A nova aliança desfrutava de uma interioridade que até então não havia sido experimentada. A palavra chave da Epístola aos Hebreus é “superior” e “superior aliança” (Hb 8.6) é uma expressão abordada que destaca diversos pontos nos quais a nova aliança era superior a anterior. Esse tema foi essencial para a libertação do Evangelho das limitações judaicas. Compreendamos que muito da estreiteza do pensamento judaico era fruto da insis86

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 86

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO tência divina para que ele permanecesse puro e incontaminado diante das nações. Um forte cativeiro cultura precisou ser quebrado para que a mensagem chegasse aos gentios. Eles estavam tão enraizados em suas tradições e nos privilégios desfrutados em sua aliança que se recusaram a se desconectar. Tanto Paulo quanto o autor de Hebreus tiveram papeis importantes na aceitação de uma nova aliança firmada em melhores promessas e condições. Caso contrário a igreja não passaria de uma mera seita judacia. 5. O FUTURO

Não podemos questionar que o elemento futurístico é muito presente em toda a Bíblia. Desde o seu princípio revelações sobre eventos futuros faziam parte de sua narrativa. No capítulo 15 do livro de Gênesis, por exemplo, enquanto Deus fazia sua aliança com Abraão, ele foi fazendo uma descrição dos acontecimentos vindouros, incluindo sua escravidão no Egito, o tempo dessa escravidão, a saída e as condições dessa saída. E esse é apenas um exemplo entre os milhares. A partir dai todos os livros de alguma forma incluirão predições sobre os povos, Israel ou o Messias. No Novo Testamento essa característica preditiva continuou abundante e intensa. Jesus fez diversas predições sobre coisas que envolvia diretamente a ele e seus discípulos. Também fez predições ao estilo dos profetas como vemos em seu famoso sermão profético de Mateus 24 e textos relacionados. Da mesma forma Paulo, Pedro e João fizeram declarações cujas realizações se dariam em tempos futuros. Quem pensa que somente no livro do Apocalipse temos o elemento preditivo, engana-se. Está presente em quase todos os livros, inclusive na breve epístola de Judas. Esse elemento escatológico adquire primeiramente uma nova perspectiva porque agora está sendo desenvolvida à partir da realidade da vinda do Messias. Sua morte e ressurreição compõe o plano de salvação presente, mas também apresenta elementos que envolvem o futuro de seus seguidores e do próprio cosmo. Em Cristo Jesus o futuro já se tornou presente. Quando Marta menciona a ressurreição de seu irmão Lázaro no último dia, Jesus prontamente diz que Ele é a ressurreição e a vida. (João 11.25). Nele o futuro tem início. Jesus é o maior nome que se possa pronunciar não só neste mundo, mas também no vindouro. 87

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 87

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO Além disso, temas pouco mencionados no Antigo Testamento, como é o caso da ressurreição, só se torna plenamente ou pelo menos amplamente compreendido com os escritos apostólicos como vemos em 1 Coríntios 15. O Dia do Senhor pintado com cores bem fortes pelos profetas, ganha uma nova dimensão na exposição das visões apocalípticas do apóstolo João. Tudo o que se apresentava de modo raso no Antigo Testamento agora vem a plena luz no Novo. OLAM HAZET E OLAM HABA

Olam Hazet e o Olam Haba são expressões hebraicas que resumem a visão escatológica como um todo. Nem sempre percebemos o quanto esses elementos presentes na escatologia judaica, influenciaram a escatologia do Novo Testamento. A influência platônica no cristianismo acabou por gerar uma escatologia “em cima/ embaixo” na mente da Igreja. A escatologia bíblica, em verdade, se divide entre este século e o século vindouro. “Olam Haze” significa o mundo cotidiano em que vivemos. O mundo que possui seus altos e baixos, doença e saúde e uma miríade de imperfeições. O “Olam” aparece com os sábios judeus do período do Segundo Templo e eles distinguem dois tipos distintos de olam: Olam Haze (este mundo) versus Olam Habá (“o mundo que está por vir” ou “mundo vindouro”). Essa ideia está presente no discurso de Jesus e também no discurso de Paulo, bem como no autor da Epístola aos Hebreus: • • • • • •

Nem neste mundo, nem no futuro (Mateus 12.32) Neste mundo e no mundo vindouro (Lucas 18.30) Dignos de alcançar o mundo vindouro (Lucas 20.35) Não só neste século (era), mas também no futuro (Efésios 1.21) Não foi aos anjos que sujeitou o mundo vindouro (Hebreus 2 Experimentaram os poderes do mundo vindouro (Hebreus 6.4,5)

A teologia judaica sustenta que o mundo/olam se formou alguns milhares de anos atrás. O tempo entre a queda de Adão e a vinda do Messias pode ser chama88

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 88

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO do de OlamHazet - este mundo - que passará e que deve ser substituído pelo Olam Haba - o mundo vindouro do futuro. É ponto crucial da escatologia judaica. Devido à revelação neotestamentária e tudo mais que ela envolve, a escatologia cristã se torna mais complexa e completa. Ainda assim esses dois conceitos permanecem úteis para o desenvolvimento de nossos conceitos escatológicos. Escatologia nada mais é do que o mundo vindouro em contraste com o mundo presente, o estado caído do agora com o estado glorioso de amanhã. Tudo o mais são apenas etapas que levam a esse fim. Dentro do esquema criação-queda-redenção, o período marcado pela queda nada mais é do que um parêntese em meio do qual se inseriu o poder curador da cruz de Cristo. Todos os acontecimentos positivos e negativos do OlamHaze não são definitivos. O anticristo, a grande tribulação, o arrebatamento, o reino messiânico e outros são episódios que culminam com a destruição definitiva do mal, tendo na destruição da morte o momento final (1Co 15.26). Então terá início o “dia eterno ou dia da eternidade” (2Pd 3.18) cuja definição precisa nos escapa totalmente. Olhando com esse olhar simples desses dois pontos escatológicos, o presente século e o século vindouro resumimos toda a escatologia. O caminho da redenção eterna e cósmica começa na chamada de Abraão, consuma-se na encarnação, morte e ressurreição de Cristo. Por fim, é concretizada em sua parousia que dará início ao Holam Haba, o mundo vindouro, a eternidade quando tudo será como sempre deveria ter sido. Não poderíamos pensar em uma obra mais adequada para fechar, não apenas o cânon do Novo Testamento, mas toda a Escritura. Ele é por natureza um livro escatológico e seu desfecho não é apenas o desfecho de um livro, mas a conclusão da história do universo e da história da salvação. Em sua conclusão, um novo universo é criado após a completa destruição do universo então existente. Uma nova ordem de coisas é estabelecido e o mal não mais faz parte do cosmo. O livro se encerra com uma advertência aos seus leitores da brevidade das coisas nele descritos e uma ordem para que o seu conteúdo não seja modificado. A vinda de Cristo está breve para determinar todas essas coisas. Nada seria mais viável do que essa conclusão e essas advertências. 89

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 89

04/09/2020 14:43:38


Wondershare PDFelement

Remova Marca d'água

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

CONCLUSÃO

Avançar sem perder o que há de positivo em nossa herança é o grande desafio humano. Tendemos a rejeitar tudo diante do novo, mesmo aquilo que seja extremamente positivo. Conservar não é algo em que pensamos quando surge a possibilidade de renovar. O Novo Testamento consegue confirmar toda a herança da revelação anterior, reinterpreta-la à luz da revelação do Messias, enquanto avança trazendo o novo e colocando o futuro à luz de toda essa revelação. A teologia do Novo Testamento não é um corpo estranho colocado à luz do Antigo. É seu complemento inevitável. Os dois não se tornam opostos, apesar dos paradoxos apresentados. Eles se tornam entrelaçados de um modo complementar todo especial. Sendo assim, temos nas páginas do Novo Testamento registro histórico e desenvolvimento de reflexões. Esses documentos se encaixam como a mão à luva e se projetam sobre o pensamento dos séculos formando uma unidade multifocal, onde os temas recorrentes aos vários autores se estabelecem como um único bloco. Podemos encerrar esta introdução com uma citação de George Ladd: “... toda a evidência do Novo Testamento converge para um único ponto: que, na pessoa de Jesus, Deus revelou-se a si mesmo, objetivando a salvação do homem. O método crítico tem revelado de modo bem claro, a unidade viva dos documentos do Novo Testamento. O historiador é compelido a afirmar que tanto a unidade como o caráter único dessa reivindicação são históricos. Esta reivindicação, se bem que ocorra na história, transcende a história, pois exige do historiador o que ele não pode fornecer como historiador: um juízo teológico de significado último”07

7 LADD, Op. Cit. pp. 19, 20

90

Livro Teologia mod 12-SBL.indd 90

04/09/2020 14:43:38


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.