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O PODER DO ERRO

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O PODER DAS CORES

O PODER DAS CORES

O LADO B

errar normalmente é visto como algo negativo, embora seja um meio poderoso de adquirir aprendizado, conhecimento e crescimento pessoal

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Texto e fotos: Mariana Moraes mariana45098@hotmail.com

DO ERRO

Na escola, grandes figuras históricas estão presentes nos livros e nas aulas. As conquistas, as descobertas, o sucesso ganham sempre destaque nas narrativas. Entretanto, o caminho que leva ao prestígio não é somente composto por acertos. A penicilina, por exemplo, antibiótico amplamente comercializado na atualidade, passou a ser estudada por causa de um erro. Alexander Fleming era médico inglês e estudava a bactéria conhecida como staphylococcus aureus. Um dia, acabou deixando sem querer algumas das culturas bacterianas sem proteção e perdeu grande parte delas. Porém, ele percebeu que um fungo havia crescido nas culturas desprotegidas e que nessas não havia mais indícios de bactérias. A partir disso, ele passou a estudar o fungo, descobrindo a substância que destruía as bactérias, a penicilina.

Desde a infância, somos incentivados a buscar os acertos, as notas mais altas, o primeiro lugar. As redes sociais hoje são um verdadeiro mural de conquistas. Um amigo conseguiu um novo emprego, outro está iniciando um relacionamento. Todos gritam seus sucessos, mas poucos falam dos erros que os acompanhou. A psicóloga Lúcia Ruduit, professora na faculdade Dom Bosco, de Porto Alegre, explica que o erro é fundamental e nos constitui como humanos. “Toda criança começa aprendendo através do que chamamos de ensaio-e-erro. Ela experimenta alguma coisa e aos poucos vai vendo se aquilo dá certo ou não, incorporando como uma aprendizagem.” Percebe-se que muitas pessoas têm dificuldades em aceitar os erros e vê-los como forma de aprendizado. De acordo com Lúcia, esse medo de errar é fruto de diversos aspectos culturais e sociais, como a criação da família e características da nossa sociedade. “Temos uma exigência muito grande em cima do outro, sobre as atitudes, então muitas vezes nós próprios nos tornamos os algozes do outro e sofremos isso também.” Lúcia destaca que, em função dessa percepção do erro como algo ruim, muitas pessoas exigem demais de si mesmas e acabam por perder situações de aprendizado.

Ana Paula Pereira, de 21 anos, sentiu isso na pele durante seus quatro vestibulares. Ela ingressou no curso de Políticas Públicas da UFRGS em 2018, depois de três anos de cursinho pré-vestibular. “Quando você está estudando para o vestibular e vê que os outros estão curtindo, que estão numa nova fase, e você está ali, é difícil. Você começa a se cobrar, essa cobrança é ruim porque te atrapalha.” Ana conta que adquiriu maturidade com essa experiência, descobrindo até mesmo qual curso tinha mais interesse. Anteriormente, ela pensava em cursar Relações Internacionais, mas percebeu que o curso de Políticas Públicas tinha mais a ver com as suas expectativas. “A cada ano que passava eu conhecia pessoas novas, eu

A estudante Ana Paula ingressou no curso de Políticas Públicas da UFRGS depois do quarto vestibular

aprendi a estudar, aprendi a ter foco, aprendi a ter disciplina, aprendi a ser mais responsável, eu evoluí.” Muitas vezes na vida o caminho trilhado pelos outros parece ser o melhor e que qualquer coisa fora disso constitui um erro de percurso, mas cada vivência é muito diferente. “Eu pensava que passar na UFRGS de primeira ou de segunda, passar logo, era a coisa certa a fazer e que não importava o caminho, eu tinha que passar, só que não. Para você ser aprovado no vestibular, tem que passar por mil coisas além das provas”, destaca Ana.

Conhecimento e erro estão conectados

Essa concepção negativa do erro é algo presente desde a escola. Já nos anos iniciais, a busca pelos acertos é incentivada pelos professores. Os alunos que sabem as respostas, que tiram as notas mais altas, são os que se destacam. Gustavo Borba, professor da pós-graduação em design e diretor da Unidade de Graduação da Unisinos, vai contra essa concepção. “Num processo de sala de aula, é inegável a necessida

de de ter espaço para o erro.” Gustavo diz que, quando os alunos fazem uma prova, por exemplo, dificilmente vão esquecer as questões que erraram, pois esse erro aciona gatilhos ligados ao desejo de saber mais e de frustração de não ter conseguido acertar. “A sala de aula é um laboratório, é o lugar em que a pessoa tem que errar.” De acordo com Gustavo, o erro é quase um pressuposto para o processo de inovação e a forma como as pessoas são educadas na escola pode afastá-las disso. “A lógica clássica que a gente acaba sendo educado faz com que a gente gere um padrão de comportamento que vai se espelhar em tudo que fazemos, tanto na vida empresarial como na vida pessoal.”

Adriano Gomes, de 36 anos, é dono de uma loja de roupas situada em Parobé, na Grande Porto Alegre. Ele conta que as derrotas e os fracassos fazem parte do dia a dia de qualquer empresa. Os dias ruins servem para não se acomodar. Adriano é formado em comércio exterior e abriu o seu negócio em 2015. Ele mora em Cachoeirinha, mas optou por abrir seu estabelecimento na cidade de Parobé, a 80 quilômetros. “Comecei a estudar o mercado, a cidade de Cachoeirinha já era muito saturada de loja, já em Parobé tinha um potencial.” Quando abriu seu negócio, Adriano ficou três meses em uma galeria de Parobé. Nesse tempo, ele percebeu que seu público não chegava até lá e decidiu mudar para uma localização mais central. “Eu nem considero como um erro, ficou como aprendizado. Hoje, se eu for montar outra loja, eu já vou ver bem essa questão do lugar, da movimentação.”

Nilde acha que errou ao ter ficado cinco anos sem falar com a irmã

Todo mundo fracassa

Muitas pessoas engavetam ideias pelo medo do erro, do fracasso, o que pode ser limitador. O fato dos erros nunca ganharem visibilidade é um fator que contribui para isso. Parece que todo mundo é perfeito, e muitas pessoas perseguem essa perfeição irreal. O evento Fuckup Nights vem exatamente na contramão dessa ideia. O Fuckup Nights é um evento global, que começou no México e acontece em diversas cidades ao redor do mundo, incluindo Porto Alegre. O objetivo é que empreendedores dividam suas histórias de fracasso, como forma de desmistificá-las. “É impossível chegar em determinado patamar sem nunca ter errado. Sempre tentamos pegar uma pessoa de cada área, para que em algum momento elas (a platéia) identifiquem que aquilo pode acontecer com elas também ou que já aconteceu”, conta Manoela Radtke, uma das organizadoras do Fuckup Nights em Porto Alegre. O evento acontece a cada dois meses, sempre em um lugar diferente. “A gente fala às vezes na abertura: o legal de fazer um evento sobre fracasso é que se tudo der errado aqui, está tudo bem. Não é um evento que tem que sair perfeito, então a gente tenta disseminar essa ideia de que as pessoas parem de ser tão sérias, parem de se cobrar tanto.”

O erro está presente em todas as esferas da vida. Nos relacionamentos não é diferente. Ninguém sabe exatamente quais as atitudes, as palavras que se deve ter com o outro. Os relacionamentos são um campo de acertos e erros. Afinal, lidar com outro ser humano é estar em constante aprendizado. Nilde Lúcia Marques, de 66 anos, aposentada, teve problemas no relacionamento com sua irmã Regina. Elas

passaram cinco anos sem se falar por causa de uma briga. A desavença aconteceu porque Regina não ia ver a mãe, que morava com Nilde. “Eu não tinha raiva, eu tinha mágoa.” Em 2011, as duas voltaram a se falar, quando Regina voltou a visitar a mãe; mas em agosto do ano seguinte, Regina faleceu, vítima de câncer. “Eu ia todo dia no hospital ver ela. Depois que ela ficou doente, eu queria sempre ficar próxima dela, queria fazer tudo pra agradar ela”. Nilde percebeu que não valeu a pena ter ficado todo aquele tempo desentendida com a irmã. “Eu me arrependo de ter ficado tanto tempo longe, de não ter procurado, nessa parte eu errei. O tempo passa voando, e você nem vê.” O arrependimento é algo que pode acompanhar constantemente o erro. Ninguém quer errar. Ninguém gosta de errar. Mas seja nos relacionamentos, no âmbito profissional ou na educação, o erro sempre vai estar presente. É por meio dos erros que o ser humano pode ser cada vez melhor. Evitá-lo é algo praticamente impossível, e a tentativa pode custar ensinamentos e amadurecimento que são essenciais. Errar é algo inerente a todos.

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