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O PODER DAS CORES

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o poder da paixão

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O Poder das cores O COLORIDO QUE REPRESENTA

Com o objetivo de desconstruir a ideia da “cor de pele”, que remete somente às pessoas brancas, o Curso de Aperfeiçoamento Uniafro, da UFRGS, propõe estojo de giz com tonalidades que representam a população negra

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Texto e fotos: Nathalia Sasso nathalianunes15@hotmail.com Fotos: Júlio Câmara julioscamara@gmail.com

Por muito tempo, um padrão de cor foi estabelecido culturalmente nas salas de aula: o “lápis cor de pele”. Com tons rosados, a cor restringia os desenhos somente para brancos, excluindo as pessoas negras que, conforme o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2014, representam 54% da população brasileira. Refletindo sobre essas questões, o Curso de Aperfeiçoamento Uniafro, da UFRGS, criado para promover políticas de igualdade racial nas escolas públicas, resolveu desenvolver um estojo de giz de cera que contemplasse diversos tons de pele. Gládis Kaercher, coordenadora do curso, comenta que o percurso para colocar o projeto em prática foi longo. “Primeiro, houve um movimento para ver se a gente teria como importar um estojo que existia na época, da marca Crayola, que é bem conhecida, mas o curso não tinha dinheiro para isso.” Insistindo na ideia, pensou-se que era possível desenvolver o próprio material, já que o giz é algo relativamente simples de produzir e a sua patente está em domínio público.

A partir disso, a Uniafro entrou em contato com diversas empresas de materiais de desenho, mas nenhuma deu retorno. Até que a Koralle, loja de Porto Alegre que trabalha com produtos artísticos, resolveu abraçar a

proposta. Gládis destaca um momento pelo qual teve um encantamento particular durante o processo. Ela, juntamente com a supervisora do Uniafro, Tanara Furtado, e o diretor da Koralle, Frantz Soares, estavam em uma cafeteria rabiscando papéis para decidirem quais tonalidades iriam para o estojo. A atendente do local, que era uma mulher negra, ficou instigada, aproximou-se, e perguntou: “O que vocês estão pintando?”. Eles explicaram e pediram, então, que ela escolhesse uma cor de giz para pintar também. “Ela pegou um giz, pintou, e disse ‘é da minha cor!’ Depois, encheu os olhos d’água e abriu um sorrisão”, relembra Gládis. “Aquela cena nos marcou muito, porque a gente viu que mais do que discutir o poder de pintar, aquele giz

“mais do que discutir o poder de pintar, aquele giz dava para as crianças, jovens e adultos uma concretude sobre a sua identidade”

Gládis Kaercher COORDENADORA DO UNIAFRO

dava para as crianças, jovens e adultos uma concretude sobre a sua identidade, que é disso que se trata: as pessoas se reconhecerem.”

O estojo de giz foi lançado no final de 2014 e, a partir de 2015, começou a ser distribuído aos professores participantes do curso. Patrícia Pereira, que é assessora de igualdade racial e diversidades na Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre e também professora do Uniafro, comenta que o retorno a respeito do uso do material foi muito positivo. “As crianças amam buscar o tom de giz mais próximo de sua pele, encostando seus braços e mãos no giz. As representações das famílias, em todas as suas multiplicidades de tons de pele se tornaram um fenômeno, pois eles começam a entender, na prática, o quanto este colorido diverso é lindo”. Patrícia acrescenta que a compreensão do conceito de diferença, em oposição à desigualdade, é a chave para que se consiga disseminar a cultura do não preconceito, do não estereótipo e da não discriminação. “O racismo, o machismo ou homofobia surgem quando alguns não compreendem que a diferença não te torna superior ao outro, apenas te singulariza. Cada um de nós é diferente entre seus pares, até mesmo dentro de nossas famílias mais próximas.”

Cores no Brasil afora

Inicialmente, os gizes seriam produzidos apenas para o curso. A Koralle, no entanto, resolveu fabricar, em pequena quantidade, uma leva extra do produto caso alguém se interessasse. Conforme a analista de marketing da loja,

Michele Monteiro, todos os estojos foram vendidos em uma semana e, a partir disso, tornou-se consolidado.

Ela conta que inicialmente os clientes iam até a loja e pediam por lápis e canetas da cor pele e isso inquieta os vendedores. Hoje em dia, com o material à disposição, é possível oferecer outras alternativas e modificar esse consenso. Além das lojas físicas, localizadas em Porto Alegre, a Koralle trabalha também com as vendas online, o que possibilitou que diversos pais e educadores pelo Brasil afora pudessem ter contato com o produto, como é o caso de

Alessandra e Luciane.

Alessandra Lira é pedagoga na cidade de Arujá, em São

Paulo. Em 2015, ela estava procurando na internet alguma atividade diferenciada que contemplasse as temáticas étnico-raciais para o projeto

“Africanidades” de sua escola.

A partir de reportagens, tomou conhecimento do estojo de giz. Desde então, o adquiriu e resolveu utilizá-lo em sala de aula. “A experiência com o desenho é maravilhosa. Em roda de conversa mostro o giz e comento sobre a diversidade na nossa sala de aula. Eles escolhem a cor que acham que se parece com a de sua pele e fazem o seu autorretrato.”

Já Luciane Rocha é pedagoga e mestranda na FaculdaJÚLIO CÂMARA de de Educação da Universidade de Brasília, no Distrito Federal. Ela conheceu o material através de anúncios em blogs voltados para a temática da educação. Luciane adquiriu os gizes para mostrar a importância da representatividade aos seus filhos e, também, para o uso em sala de aula, de onde partiu uma história sobre a importância da igualdade, vinda de um aluno negro que, de acordo com ela, ainda não se enxergava como um sujeito histórico. Como uma confissão, ele relatou: “Tia, vou te contar um segredo. Sabe por que eu estudo? Estudo para um dia ser rico e ter muito dinheiro para poder trocar de pele igual aquele artista famoso que morava no estrangeiro e que um dia deixou de ser preto e tinha virado branco (referindo-se a Michael Jackson). Mas agora que você ensinou que as pessoas são diferentes e que têm várias cores de pele, eu fico mais feliz de saber que não vou mais sofrer pra trocar de pele. Posso ficar com a minha mesmo e ser feliz assim.”

A Lei 10.639 na Educação Brasileira

O Curso de Aperfeiçoamento Uniafro surgiu com a proposta de qualificar a educação nas escolas públicas brasileiras para o cumprimento da Lei 10.639. Essa lei, publicada no Diário Oficial da União em 2003, tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro- -brasileira e africana em todas as escolas, sendo elas públicas ou particulares, desde o ensino fundamental até o ensino médio. No ano seguinte ao decreto, estabeleceram-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Esse documento estipula que o assunto deve ser inserido por meio de ações nas disciplinas que compõem o currículo escolar, sobretudo nas áreas da história, literatura e artes.

Para Rita dos Santos Camisolão, coordenadora adjunta do Núcleo de Estudos Afro- -Brasileiros, Indígenas e Africanos da UFRGS (NEAB), uma das maneiras de abordar essas questões é construindo um plano político pedagógico que contemple a diversidade dos estudantes e que seja construído coletivamente, considerando a escola para além de um espaço físico. Rita complementa que, embora a lei tenha como foco três eixos (história, literatura e artes), sua implementação é para qualquer disciplina do currículo escolar. “O racismo e a discriminação acontecem no espaço escolar como um todo”, afirma. Como exemplo, ela cita que em uma aula de educação física pode ocorrer agressão racial entre alunos num jogo de futebol, e que essa atitude deve ser advertida e servir de gancho para o ensino.

A professora da rede municipal de Porto Alegre Silvia Delgado alerta para o fato de que, muitas vezes, trabalha-se a questão da negritude somente no dia 20 de novembro, o dia da Consciência Negra. Ela também reforça que o assunto não deve se restringir somente à época da escravidão, mas ao estudo do continente africano de forma positiva, resgatando a importância das contribuições dos negros e afrodescendentes na história e no desenvolvimento do Brasil.

Em 2018, a lei completa 15 anos de oficialização e traz consigo diversos avanços e desafios em relação às questões étnico-raciais. A coordenadora do Curso de Aperfeiçoamento, Gládis, pensa que a sociedade está passando por um momento importante de tensão em que as instituições estão avaliando se as ações propostas para essas questões funcionaram ou não. Para ela, a mudança mais significativa é a inserção da temática no debate social. Como exemplo, ela cita que as indústrias não vão deixar de fabricar e comercializar bonecas negras, assim como haverá muitos livros com protagonistas negros. Já Rita, coordenadora adjunta do NEAB, expõe que, na contrapartida da forte onda de intolerância dos últimos tempos, há como resposta o fortalecimento do movimento negro, sobretudo de jovens, que não deixa passar por despercebidas questões preconceituosas e estereotipadas impostas pela cultura no cotidiano. Os lápis com várias cores de pele são um exemplo dessa mudança.

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