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O PODER DA VOZ

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o poder da fé

o poder da fé

A forma como você diz algo pode se tornar um desastre. Ou um sucesso. Saiba como sua personalidade é transmitida pela entonação

Texto: André Luiz Rodrigues da Silva andreluizrss@gmail.com Fotos: Gabriela Gonçalves gabicargon@gmail.com Produção das fotos: Kênia Fialho kenia.r.fialho@gmail.com

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QUEM FALA É A EMOÇÃO

A vestibulanda Ingrid Elisabeth dos Santos, de 21 anos, tem medo de ter discussões com o namorado. Evita confrontos a todo custo e, em algumas situações, prefere se comunicar por e-mails ou até no escuro. Inconscientemente, Ingrid utiliza aspectos evolutivos do cérebro humano para lidar com o trauma de um pai autoritário: suas mãos começam a tremer quando sente que está ameaçada pelo tom de voz de alguém, e ela então fala em um volume muito baixo, quase cochichando.

Criada em um círculo familiar hostil, Ingrid sempre sofreu repressão ao tentar discutir algo com o pai. Isso a traumatiza até hoje. “Num ambiente extrovertido, eu ainda consigo falar. Mas quando vejo que tem tensão ou um confronto muito direto de opiniões divergentes, tenho medo. ‘Me dá branco’ e eu paraliso”, conta. O que ela vive é muito comum: o que a preocupa não é o medo de falar algo errado, mas falar numa entonação inapropriada, por causa do contexto emocional.

O tom de voz pode, principalmente, gerar confiança. Nos dois primeiros segundos de uma conversa já é possível

saber se alguém é confiável, concluiu uma pesquisa feita em 2014 por psicólogos da Universidade de Glasgow, na Escócia. Por isso que ouvir um simples “alô” da pessoa amada pode acalmar instantaneamente.

Todo o processamento neurológico da informação a ser comunicada ocorre muito rápido. Três principais áreas cerebrais são ativadas: córtex motor, sistema límbico e cerebelo. No córtex motor, são processados os gestos articulatórios da boca, sendo acionados os mecanismos físicos para “falar bem”. Quando alguém fala de modo mecâni

“chega um ponto em que eu vou diminuindo a voz. eu não quero me ouvir argumentando, eu não quero ouvir a minha voz”

ingrid elisabeth

estudante co, automático, a informação passa do córtex motor para o cerebelo, que filtra a voz e dá afinação. É o que acontece quando se quer passar um recado simples, por exemplo.

Mas é no sistema límbico que a emoção entra. Após passar pelo córtex motor, é nessa área que você se abre mais, sem ter intenção de autocontrole. Aqui, a amígdala é responsável pela percepção e as memórias emocionais, e o tálamo liga as emoções às ações motoras: a entonação então mostra a emoção que é passada com a informação.

Tudo isso acontece inconscientemente. “É uma questão de sobrevivência. Ao sermos capazes de perceber emoções pela voz, podemos detectar ameaças e perigos”, aponta Mara Behlau, professora de fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em 2011, Mara desenvolveu um estudo com 24 adultos e verificou que há influência da ansiedade na comunicação ‒ e isso se torna perceptível pela fala. Por terem armazenadas imagens traumáticas, pessoas como Ingrid têm distorções de funcionamento neuroquímico, o que deixa sua amígdala em forte estado de alerta. Quando a ansiedade sobe a níveis altos, a defesa da vestibulanda se torna uma tentativa de sair da situação: “Chega um ponto em que eu vou diminuindo a voz. Eu não quero me ouvir argumentando, eu não quero ouvir a minha voz”.

Como falar melhor?

Há inúmeras saídas para aprimorar as técnicas vocais e se expressar melhor. No filme O Discurso do Rei (2010), a história de George VI mostra como o monarca superou a gagueira causada por traumas de infância e o medo

de falar à nação por meio de acompanhamento fonoaudiológico. Na década de 1930, poucos tratamentos para melhorar a fala eram difundidos. Hoje, a situação é diferente.

A fonoaudiologia é repleta de técnicas, que devem ser feitas sob acompanhamento profissional. Caso você queira iniciar exercícios, recomenda- -se que comece pela respiração, trabalhada também por outras áreas ‒ incluindo a psicologia (ver quadro). “Sempre que alguém chega com perda de voz ou alteração vocal e não tem nenhuma lesão física em prega vocal, encaminhamos para a psicologia”, diz Mauriceia Cassol, pesquisadora e professora de fonoaudiologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

Além das psicoterapias, outros encaminhamentos que podem ser feitos são os treinamentos de coaching e programação neurolinguística. Neles, são buscadas ferramentas que o próprio indivíduo tem para a comunicação e a expressão de forma rápida. Aulas de yoga, canto e teatro também são bons caminhos para trabalhar a relação entre mente e corpo. Tente encontrar o que mais se adequa ao seu perfil.

Vociferando para o futuro

É comum dizermos que a geração atual está mais ansiosa, e não sem razão. A diminuição da comunicação face a face realmente pode atrapalhar no desenvolvimento vocal. E, como todo sintoma, isso é perceptível pelos aspectos fisiológicos.

Quando se dá preferência à comunicação via texto, não há entonação. Pode-se entender de várias maneiras uma mensagem recebida, que não será transmitida com a emoção da voz (ainda que você use os emojis). E, em geral, as mensagens de voz são muito pouco utilizadas, sendo destinadas somente a quem é muito íntimo.

Assim como um aparelho desligado pode enferrujar, também as estruturas vocais podem enfraquecer. “Quando se diminui o uso de um órgão, como a laringe ou a boca, ele começa a perder sua função. Se não precisa mais ser usado, ele começa a regredir”, diz Mauriceia. O simples gesto de ficar por muito tempo com a cabeça abaixada para mexer no celular também interfere, pois há forte contratura dos ombros (o que gera tensão e dores) e enrijecimento dos músculos.

Não é à toa que a falta de exercício vocal mostra como há diferenças de personalidade de uma mesma pessoa na web e “ao vivo”. Afinal, quando somos observados (não necessariamente de forma negativa) também aprendemos a mudar nossos gestos, inconscientemente se autoeducando.

Se, antes, grandes locutores de rádio e políticos conseguiam conquistar o público utilizando as técnicas de expressão vocal, hoje precisamos nos atentar ainda mais para receber e transmitir corretamente o que desejamos. “A pessoa que sabe usar essa ferramenta de conquista e empatia ganha muito. Isso tem um lado bom e um lado ruim”, conclui Mauriceia. Grandes líderes espirituais, como Gandhi, souberam utilizar bem a entonação. Porém, existe também a liderança negativa. Por isso, tente redobrar a atenção antes de se levantar para aplaudir alguém influente.

Treine a respiração

“O centro respiratório é muito afetado pela emoção. Por isso, indica-se que as pessoas façam muitos exercícios respiratórios, sentindo o corpo”, aponta a pesquisadora e professora de fonaudiologia Mauriceia Cassol. Em momentos difíceis, você pode estar tentando se defender ao contrair a região dos ombros e respirar em períodos curtos sem perceber. Atente-se ao movimento da respiração utilizando a parte abdominal para evitar desconfortos. Essas técnicas são também utilizadas por psicoterapias comportamentais que têm por base a mindfulness, meditação de consciência plena.

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