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o poder da fé
Se Quiser,
A influência da fé nos tratamentos médicos Acredite Anderson Dorneles
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Texto: Dora Assumpção Schmidt dora.assumpcaos@gmail.com Fotos: Anderson Dorneles e Mariane Venditti anderson.615@hotmail.com / marianevenditi@gmail.com
“A coisa mais importante na minha vida é Deus.” Essas palavras são de Eliângela Silva Sasso, de 54 anos, mas poderiam ser de inúmeros brasileiros. A influência da cultura religiosa por aqui é grande: de acordo com o censo demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 64,6% dos brasileiros declaram-se católicos, o que representa aproximadamente 123 milhões de cidadãos. Logo em seguida, encontram-se os evangélicos, que concentram 22,2% da população, cerca de 42,3 milhões de pessoas. É nessa segunda categoria que está Eliângela, de Santiago, no interior do Rio Grande do Sul, frequentadora da Igreja Batista, denominação cristã orientada pela Igreja Evangélica.
Os momentos de dificuldade foram diversos na sua vida, sendo o último deles gravíssimo: Eliângela descobriu, em 2016, que estava com câncer de mama. Ao fazer a biópsia, recebeu a notícia que o seu tipo de câncer era um dos mais agressivos que existia. No período de um mês, entre a realização de diagnóstico e o início do tratamento, o nódulo aumentara em 8mm, o que deixou os médicos bastante receosos quanto aos resultados que o tratamento teria. Mesmo assim, ela dizia: “Eu acredito, doutor. Eu tenho fé”. Assim, encarou as cinco sessões de quimioterapia, a perda dos cabelos, uma cirurgia e 30 sessões de radioterapia.
Mesmo que estivesse angustiada por estar sendo acometida por uma grave doença, ela conta que existia uma tranquilidade. Devido a sua fé em Deus, ela acredita que
os efeitos do seu tratamento foram bastante amenos. “Ele que me sustentou durante esse tempo”, explica. Após a realização da cirurgia, foi feita uma outra biópsia e o resultado foi surpreendente: não foi encontrada nenhuma célula com câncer, o nódulo havia desaparecido totalmente. “Deus me curou, eu não tenho dúvida. Isso é o poder de Deus. Deus agindo”, diz. Apesar disso, ela pondera: mesmo que acredite que Deus a tenha curado, ela se comprometeu em fazer a sua parte, realizando todos os exames e seguindo as orientações dos médicos à risca.
Ciência e espiritualidade Lado a lado: é possível?
Durante a história da humanidade, ciência e religião estabeleceram uma relação que foi mudando conforme os valores vigentes. Hoje o mundo se encaminha para um patamar mais harmonioso, mas por muito tempo essa relação foi conflituosa. Durante a Antiguidade, diversos povos tinham uma relação com a natureza intermediada pelos cultos religiosos. Esse pensamento perdurou até o fim da Idade Média, quando os principais apoios para o homem eram sua família, seu povo e a religião, de acordo com o artigo História da ciência: da idade média à atualidade, de Ana Lucia de Mônaco Primon, Lourival Gabriel de Siqueira Junior e Silvia Maria Adam, publicado pelo Instituto Metodista de Ensino Superior. Durante esse período, a Igreja tinha grande influência nas descobertas científicas, e foi por meio dessa relação que ideias como da Terra plana surgiram. Foi a partir do período seguinte, o Renascimento, que se deu o rompimento entre ciência e religião através da chamada Revolução Científica (entre os séculos XV e XVI), que impactou todas as áreas da ciência.
Desde então, passou-se a buscar um tipo de conhecimento cada vez mais especializado na ciência, que se refletiu também na medicina. Como explicado no artigo A medicina integrativa e a construção de um novo modelo na saúde, dos pesquisadores Márcia Aparecida Padovan Otani (Famema) e Nelson Filice de Barros (Unicamp), esse modelo moldado pela especialização, que chama-se biomédico, tem sido criticado pela população. A insatisfação causa a busca por outras formas de tratamentos não convencionais, as práticas alternativas.
Na tentativa de se formular um novo modelo de saúde que contemple o ser humano na sua totalidade, foi cunhado, em 1990, o termo “medicina integrativa”. Entre os temas associados a esta prática, está a necessidade de validação de outros tipos de evidências no campo da saú
fé e religiosidade
Em artigo intitulado “Espiritualidade baseada em evidências” publicado na revista Actafisiátrica, da Universidade de São Paulo (USP) pelos médicos Marcelo Saad (Unifesp), Danilo Masiero (Unifesp) e Linamara Rizzo (USP), foram reunidos os principais estudos em saúde e espiritualidade realizados até então, trazendo as seguintes descobertas: • Em adultos doentes terminais hospitalizados, existe uma relação entre o bemestar e a espiritualidade • Num grupo de 5.286 cidadãos, acompanhados por 28 anos, os praticantes religiosos tiveram uma taxa de mortalidade menor • Em 30 pacientes recém diagnosticados com câncer, a fé foi um fator maior na busca por significado e na capacidade de lidar com o diagnóstico
• Em 61 pacientes com dor crônica, estratégias de enfrentamento religioso positivas foram associadas a melhores resultados de. Desta forma, os pesquisadores definem a medicina integrativa como uma prática que “fundamenta-se na abordagem holística, isto é, na compreensão do homem como um todo indivisível, impossível de ser separado em corpo físico, mente e espírito, com ênfase na cura, no relacionamento interpessoal e no contexto de vida”.
Não se encontra uma data específica em que o tema da espiritualidade na medicina ou na psicologia passou a ser pesquisado, seja por uma virada de chave ou com algum autor que liderou o movimento. O que fica evidente, de acordo com artigo publicado por Valdir Reginato no site do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Unifesp, é que esse tema, essa dúvida, essa inquietação nunca deixou de estar presente. Pesquisas que eram realizadas pontualmente foram, aos poucos, ganhando relevância e incentivando que o tema fosse trazido com mais afinco para o meio acadêmico.
Acredite para aceitar
Na Vila Cruzeiro, em Porto Alegre, em frente à Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), fica o Núcleo Espírita Fraternidade, instituição que existe há 30 anos e possui grande importância para a comunidade da Cruzeiro, fornecendo assistência social, além de funcionar como centro espírita.
Às 20h se inicia a sessão e, aos poucos, os frequentadores vão chegando e tomando seus lugares à mesa. “Boa noite, seu Joaquim”, eles dizem e sentam. Joaquim Marchisio é o dirigente espírita do Núcleo e está na casa há 36 anos. Para ele, existem dois
tipos de fé: uma fé racional, embasada, e uma fé cega, baseada em leituras puramente literais (como, por exemplo, da Bíblia), sem interpretações. Esse tipo de leitura não traz respostas para as questões internas e não produz espiritualidade.
Para definir a fé racional, Joaquim utiliza uma frase de Allan Kardec, grande referência da doutrina espírita: “Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade”. Para ele, essa fé é capaz de enfrentar todas as circunstâncias. Considerando casos extremos como são os de pacientes terminais, existem dois caminhos possíveis para a fé: resistir ou aceitar. No caso da doutrina espírita, ela está mais alinhada a aceitação, pois a resistência, embora possa retardar o avanço da doença, o faz a um custo muito alto de dor. Para ele, essas são as consequências de uma fé que não se prepara para enxergar os acontecimentos da vida com certa razoabilidade.
Nas sessões espíritas, em que as pessoas buscam a compreensão, essas consequências aparecem bastante. Sendo assim, essas questões estão relacionadas à forma como cada indivíduo vê as suas dificuldades e como formata a sua mente. Na visão de Joaquim, se a fé não for bem trabalhada, ela pode vir a trair a pessoa. A doutrina espírita prega então uma libertação do ego e um direcionamento ao outro e aos coletivos, ou seja, ao invés de se fechar em si mesmo o indivíduo faz o movimento contrário: se abre. Dessa forma, se constrói uma diferente visão dos próprios problemas, a partir de outro ponto de vista, que implica numa atitude diferente frente à própria vida.
O qUe diz a ciência?
Para a ciência, existem diferenças entre religiosidade e espiritualidade. De acordo com um artigo dos pesquisadores Juliane Gonçalves, Giancarlo Lucchetti, Frederico Leão, Paulo Menezes e Homero Vallada, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a espiritualidade se caracteriza como uma crença de “força maior”, sem necessariamente se ancorar em algum dogma específico, podendo até abranger ateus e agnósticos. Já a religiosidade se dá através de um sistema organizado de crenças, como o catolicismo ou o islamismo, que são uma forma de manifestação da espiritualidade. Janaíne Martins é farmacêutica homeopata e é presidente da Liga de Espiritualidade em Educação e Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Ela conta que hoje, embora haja uma grande dificuldade em se realizar pesquisas científicas sobre o tema, existem muitos estudos sendo realizados em torno da espiritualidade. Janaíne diz que o próprio cartesianismo no qual a ciência é baseada não possui modelos de pesquisa que permitam que se comprovem as evidências da espiritualidade. “Para muitas coisas, os médicos dizem hoje em dia que ‘é um milagre’, ‘não se explica’, mas é a fé da pessoa. Se a pessoa tem fé na cura, fé em si mesma, fé no tratamento, faz toda diferença”, afirma Janaíne.
Janaíne Martins presidente da Liga de Espiritualidade em Educação e Saúde da UFCSPA
A doutora em psicologia Luciana Marques, do Programa de Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), buscou mostrar, em sua tese, a interrelação entre o bem-estar espiritual e a saúde geral e encontrou valores altamente correlatos e significativos. No entanto, a pesquisadora coloca que as pesquisas voltadas a essa questão ainda são desvalorizadas hoje e vistas com uma certa desconfiança, tendo em vista que, muito do que se tem, são apenas relatos de vivências. Os estudos de religião relacionados à psicologia existem desde meados de 1800 e são rodeados de tabus. Quais são as questões emplacadas de fato na pesquisa desta outra ciência que, por toda a história, acompanhou o homem em seu desenvolvimento?