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o poder da paixão
62 SEXTANTE julho DE 2018 PAIXÃO OU LOUCURA?
As ambivalências neurológicas e comportamentais por trás de um suspiro apaixonado
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Texto e fotos: Antonella Nery antonella.nery@ufrgs.br
SEXTANTE julho DE 2018 PAIXÃO OU LOUCURA?
A paixão parece muito atraente aos olhos de quem observa de fora. De longe já conseguimos perceber o brilho nos olhos de quem está apaixonado. Filmes com casais enamorados, cenas românticas, corações e cupidos. É dessa forma que a paixão se apresenta na sociedade. Quem não conhece aquele famoso símbolo da paixão que traz a flecha do cupido atravessando o coração como máxima de felicidade? É uma figura popular com raízes na mitologia greco-romana.
No entanto, entendemos como a paixão se desenvolve, de fato, sob o ponto de vista neurológico e psicológico? Essa química acontece com substâncias que provocam sintomas intensos e avassaladores em todo o corpo. Os mais evidentes, já identificados pela ciência, são o aumento da pressão arterial, da frequência respiratória e dos batimentos cardíacos. Juntamente da dilatação das pupilas, dos tremores e até da falta de apetite, de concentração e de sono. A dopamina, composto químico produzido pelos neurônios e responsável por transmitir as
informações necessárias para o corpo, neurotransmissor da alegria, é uma das culpadas por essa série de alterações corporais, potencializando a sensação de que “o amor é lindo”.
A paixão pode muitas vezes até ser confundida com a loucura, conforme a psiquiatra Elaine Silveira, de Porto Alegre. É tanta emoção provocada na pessoa apaixonada que chega a transitar entre a vida e a morte, a saúde e a doença, dependendo do nível da química. A psiquiatra ainda alega que justamente por toda essa intensidade é impossível que a paixão dure por um tempo prolongado. Acredita que passando por uma duração acima de seis meses corre o risco de causar um estrago no organismo. Afinal, a paixão provoca tantas manifestações cerebrais que pode pôr o corpo em colapso. Os apaixonados dizem que queriam viver sempre neste estado, felizes, mas Elaine acredita que isso é inviável, já que a tristeza e a calmaria são necessárias de vez em quando.
“Nos encantamos logo no primeiro olhar”, diz a jovem Joana* que lembra-se das loucuras que fez por paixão. Quando foi visitar sua avó na cidade que morava no interior, conheceu sua prima Georgia*, e acabaram ficando juntas logo na primeira noite. No entanto, depois de três dias, a prima voltou para sua cidade, onde tinha uma namorada. Dessa forma acabaram se distanciando por um tempo, mas mantendo contato. Então, anos depois, o inesperado aconteceu: se reencontraram e resolveram viver o que sempre sentiram. Moraram juntas por três anos. “Foi algo que nunca havia sentido, uma paixão enlouquecedora”, lembra a garota.
De acordo com a psicóloga e psicanalista Luciana Schmall, que já trabalhou no Hospital Ernesto Dornelles e hoje atua em seu próprio consultório, em Porto Alegre, a paixão é um fenômeno encantador do ponto de vista de quem olha de fora. De longe, é perceptível uma química, como se os dois estivessem hipnotizados e fora do mundo real. Esse sentimento é quase uma projeção no outro do que o próprio indivíduo quer, como um mito ou uma invenção de um personagem. A profissional afirma, portanto, que a paixão é praticamente da ordem da fantasia, sobre o que imaginamos que o companheiro seja. Ademais, pelo fato de ser uma exposição de sentimentos positivos sobre alguém que até então era quase desconhecido, com o passar do tempo a realidade vai aparecendo.
Joana considera que seu relacionamento foi de extremos. Por sua parceira ser impulsiva e mandona, aceitou fazer tatuagens para agradá-la: o rosto da prima na panturrilha e o nome perto do umbigo. A jovem ainda afirma que por um momen-
O apaixonado passa a viver em função do seu objeto de paixão, esquecendo até sua própria identidade
to achou que era “burrice”, mas no impulso e para provar amor, aceitou as duas marcas dela em seu corpo. Segundo a psiquiatra Elaine, o apaixonado passa a viver em função do seu objeto de paixão, esquecendo até sua própria identidade e fazendo de tudo para não perder a pessoa querida. Todavia, a especialista questiona-se: é medo de perder o outro ou perder as sensações sentidas com o outro?
Muito mais do que flores e declarações apaixonadas
A etimologia do vocabulário paixão segundo o livro de termos psicanalíticos de David Zimerman deriva do grego pathós, com significado de dor e sofrimento. Além de estar associada a outras palavras que partem da mesma raiz, como patologia e passividade. Assim, a psicóloga reitera que pode causar no indivíduo apaixonado um estado de “cegueira” e até “burrice”, provocando desde condutas autopunitivas até atos agressivos.
“Claro que é ótimo nos apaixonarmos várias vezes durante a vida, mas viver em constante paixão é impossível”, comenta a psiquiatra. O que a especialista percebe em seu consultório é que muitas pessoas precisam viver nesse constante estado de neurotransmissores em alta, como se fosse uma droga. Acabou o romance e já precisam ir para outro, já que o fim da paixão causa uma terrível abstinência. Ela explica que a paixão é bastante estudada, misturando o que é científico e o que é cultural. Nos estudos mais clínicos, é possível perceber que no auge da paixão o córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio lógico e julgamento das coisas, praticamente se desliga. Nesse sentido, é impossível não lembrar da frase “a paixão é cega”. Talvez aí esteja a raiz da questão.
O turbilhão de sentimentos da relação que parecia tão intensa e vital para Joana acabou chegando ao fim. Hoje ela conseguiu cobrir suas tatuagens com outras e sente vergonha por essa loucura que viveu. “Inclusive são poucas pessoas que sabem, porque não gosto de falar. Penso que foi fraqueza da minha parte, mas, como era louca por ela fiz para agradá-la. Jamais faria isso novamente, mesmo que apaixonada por alguém”, desabafa.
Luciana explica que sempre devemos ter em mente a diferença do amor e da paixão para não confundí-los. A psicóloga define a paixão como uma relação de química intensa do subjetivo. “Brincamos que a paixão refere-se ao príncipe encantado, o amor, ao príncipe-sapo“, comenta dando risada. Segundo o dicionário, alguns termos relacionados à paixão são fanatismo, predileção, afeto violento e amor ardente. Então a paixão realmente está no nível dos fanatismos. Conforme a especialista, é um transbordamento de emoções que tem prazo de validade. Logo, quando a paixão acaba, ou dá espaço a uma profunda tristeza, ou transforma-se em algo a mais e dá espaço a outros sentimentos, como o amor e o companheirismo. Portanto, o amor é algo construído com o tempo. Caracteriza-se como um sentimento mais verdadeiro, com a questão da alteridade, na qual o indivíduo enxerga quem é o outro de fato.
Pode parecer uma loucura se apaixonar, e às vezes pode ser; mas a paixão está restrita a um curto período e é extremamente necessária, na medida certa e sem extremos. É um grande aprendizado. “Esses momentos de felicidade vividos podem encontrar várias expressões depois. Não só por uma pessoa, mas por uma atividade física, uma viagem, um livro“, conclui a psicóloga. Portanto, todas essas vivências e experiências que começam a serem sentidas a partir da paixão acabam sendo as que vão definir nossos gostos, nossas vontades, nossa vida.
*Os nomes foram trocados para preservar a identidade das fontes.
O Poder do Humor
QUE PALHAÇADA É ESSA?
As doutorzinhas Biscoito, Chica e Florisbela têm a missão de fazer a pequena paciente esquecer a dor
O bom humor dos palhaços pode transformar momentos dolorosos em alegria e esperança
Texto e fotos: Luiza Dorneles dorneleslui@gmail.com
A cara pintada. O figurino pronto. Falta apenas uma peça, a peça chave: a menor máscara do mundo. Cada uma se coloca em um canto da sala. Respiram fundo, quase que sincronizadas, e vestem o nariz de palhaço.
Poderia ser mais uma manhã de sexta-feira qualquer – e era – mas para as crianças internadas no quinto andar do Hospital da Criança Santo Antônio, situado no complexo hospitalar da Santa Casa, em Porto Alegre, era dia de esquecer. Biscoito (Izabella Rosa), com uma bolsa rosa quase maior do que ela, uma saia florida e um ukulele na mão. Chica (Petha Rodrigues), com uma trança bagunçada de um lado, a outra arrumadinha e uma faixa azul-gritante nos cabelos. Florisbela (Karen Tadros), com seus excêntricos sapatos vermelhos, espartilho e marias-chiquinhas acompanhadas de flores pretas. Três doutorzinhas de avental branco e uma missão: fazer esquecer a dor, o ambiente hospitalar e a doença naquele momento.
Sara, uma criança de três anos, observa o trio de dentro do quarto com a porta entreaberta. Elas se aproximam. “Oi! A gente pode entrar?”, pergunta Chica. A menina faz que não com a cabeça. Florisbela insiste: “Eu já sei do que ela gosta! De música!”, e logo surge um sorriso contido, escondido pela chupeta, acompanhado da cabeça que balança para cima e para baixo. “Vou fazer um transimento de pensação e ver qual a música que ela gosta... É... É... Borboletinha!”. Sara responde rindo que sim, borboletinha! Em questão de minutos, crianças, pais, avós, faxineiras, enfermeiras se aproximavam daquele universo criado ali, no palco das três palhaças.
Antes de ingressarem no mundo mágico do quarto hospitalar, as doutorzinhas espiavam pelo vidro da porta. Observavam o desconhecido através das persianas e da fechadura. O olhar, as caretas, o vislumbre. Toc, toc. “A gente pode entrar?”. O sorriso de alívio das mães ao verem palhaças no quarto carregava a certeza de que Biscoito, Chica e Florisbela estavam no lugar certo, na hora certa. “Bom dia!”, exclama Chica. “Bom dia começa com o quê?”
Bom dia começa com alegria, Bom dia começa com amor. O sol a brilhar, as aves a cantar, Bom dia, bom dia, bom dia.
“Com Minion!”, enfatiza Florisbela, olhando para uma menina com uma camiseta dos Minions sentada no colo da mãe. Ela sorri. A pergunta segue para todos no quarto, e cada resposta vira sorriso, riso, gargalhada e paródia da música de Júlio D’zambê.
Bom dia começa com os Minions, Bom dia começa com os filhos, Bom dia começa com Dudu, Bom dia começa com Ana Júlia, Bom dia começa com Caleb, Bom dia, bom dia, bom dia!
A ONG Doutorzinhos trabalha em 12 hospitais de Porto Alegre, além de desenvolver campanhas, como, por exemplo, a de doação de medula óssea. Cerca de 70 doutorzinhos fazem as visitas nos hospitais, uma vez por semana, sempre em duplas ou trios. A visita tem cerca de três horas de duração. Aproximadamente, 10 mil pessoas, entre pacientes, acompanhantes e equipe hospitalar, são impactadas com as visitas mensalmente. Em seu site, os doutorzinhos definem seu trabalho da seguinte forma: “O nariz de palhaço é uma forma de contar para todos quem somos, humanos primeiro, humor depois. Somos palhaços que fingem
As doutorzinhas espiam pela porta para brincar com as crianças antes de entrarem no quarto do hospital
ser médicos, para pacientes que fingem acreditar. Somos altamente treinados para não saber o que estamos fazendo. Por isso, nós não podemos prometer curar, mas prometemos cuidar de cada paciente”. Não importa a quantidade de planejamento que a vida exige, o maior cúmplice do palhaço é o acaso – aliado à escuta fina, ao olhar atento e a uma abertura completa para o outro. Do espontâneo, ele convoca um universo novo diante do espectador – você – já cansado de uma rotina sistemática e de se imaginar mandando o chefe tomar “naquele lugar”. O palhaço é o encontro da coragem perdida, não pela ausência de medos. Todos somos mortais, e partes de nós morrem mesmo. Tudo bem. É preciso coragem para encontrar seu ridículo, rir das suas tragédias e expor o íntimo, que vira cômico ao vermos que não estamos sozinhos na nossa pequenez.
FLORISBELA
Doutora Florisbela é interpretada por Karen Tadras, mas Karen parece ainda não saber se é ela quem representa a palhaça ou o contrário. “O palhaço pra mim foi como se tirasse todas as cascas da cebola e ficasse a essência. Então, apesar de eu não estar de nariz vermelho em tudo que é lugar, essa essência eu levo comigo.” Seu contato com a figura do palhaço começou aos cinco anos, quando participou do programa “Mundo Mágico do Tio Tony”, na TV Urbana, e conheceu a palhaça Bolinha. Na adolescência, se deparou com os valores familiares de estabilidade financeira e prestou vestibular para Direito na PUCRS em 1997, onde se graduou. Com 40 anos, Karen já foi assessora de desembargador no Tribunal de Justiça e possui algumas causas jurídicas “para sobreviver.”
Em 2016, o palhaço cruzou sua vida novamente. Foi aos 38 anos com a oficina “Clown para curiosos” e com a formação para a ONG Doutorzinhos que conseguiu resgatar sentimentos engolidos pelo jurisdiquês e encontrou sua motivação maior: ajudar o próximo. “O palhaço me deu essa coragem de seguir sem ter certeza.” Vinte anos depois de ingressar na faculdade, outra Karen retor
A advogada Karen, que interpreta Florisbela, diz que a palhaça lhe ajuda a ter mais coragem na vida
na. Já misturada com Florisbela, que não conseguiu se esconder por muito tempo, ingressou para o curso de Psicologia. Ela garante que, assim que possível, mudará a profissão para psicóloga. “O meu processo de construção do palhaço foi um dos maiores desafios da vida. Eu sempre fui de uma carreira jurídica, onde as coisas foram muito enquadradas, e o palhaço me libertou disso tudo e fez com que eu voasse voos muito mais destemidos sem me preocupar com a chegada, mas aprendendo que o caminho pode ser o mais lindo da vida da gente.”
CONSTRUINDO SEU CLOWN
Um círculo. 16 estudantes. Um professor. Uma sala praticamente vazia no quinto andar do Centro Cultural Cia de Arte, em Porto Alegre. Era uma noite de quinta-feira com céu limpo e temperatura agradável. Naquela roda, cada um teria um tempo para falar de si – como foi a semana, o que tem sentido nos últimos dias. As falas transbordavam transformações individuais latentes no cotidiano, enfrentamentos de medos, percepções de limitações, busca por amor próprio, o íntimo exposto ao grupo. Quem não sabe do que se trata, facilmente acreditaria ser um grupo de autoajuda – e por que não?
A Escola de Palhaços Construindo seu Clown nasceu em 2015 com a missão de, através da arte da palhaçaria, possibilitar o encontro de cada participante com seu próprio clown. Os problemas pessoais não ficam do lado de fora da porta, muito pelo contrário, auxiliam na criação do personagem de cada participante.
“Parei, olhei, virei e fui”. O chão da sala era marcado por três grandes linhas cruzadas por cinco outras, onde os 16 palhaços em formação deveriam fazer um exercício simples: parar, olhar, virar o corpo e caminhar até o ponto desejado. Enquanto faziam isso, falavam em alto e bom tom: “Parei, olhei, virei e fui!”, cada um com seu ritmo, melodia e comicidade próprios. Um exercício simples que, ao final da
aula, mostrou ter mexido com vários deles. Rafael de Moura, o professor, brinca: “Pessoal, hashtag da semana pra vida! #parei #virei #olhei #fui”.
Naquela aula, acontecia a preparação para, na quinta-feira seguinte, vestirem
Rafael prepara seus alunos para colocarem o nariz de palhaço pela primeira vez
o nariz de palhaço pela primeira vez. A construção do significado do momento esperado é feita na relação entre os participantes e suas caixinhas misteriosas, que guardam a máscara tão desejada. Como os santos para os católicos, a caixa é sagrada, amada, idolatrada. Se você considera simples colocar o nariz, para eles demora um ciclo de dois meses de jogos de desinibição, comunicação não verbal e interpretação até o momento tão esperado.
RAFAEL, O PINGUINHO
Rafael de Moura, 36 anos, nasceu em Santa Rosa, no interior do Rio Grande do Sul, em uma família pobre. Não conheceu a mãe, que morreu por complicações no parto, nem se recorda do pai, que sofreu um acidente de carro quando ele tinha apenas um ano. Lembra que desde pequeno tinha uma facilidade: fazer rir. “Através do meu sorriso, do meu riso, da minha gargalhada, me fiz presente e me fiz marcar. Quer poder maior do que esse?”. Na infância, Rafael já imitava personagens da Escolinha do Professor Raimundo e criava seus próprios, que eram aplaudidos pelos colegas e pais em seus talk shows na escola.
Percebendo o talento nato, Rafael ingressou na Escola Municipal de Teatro de Santa Rosa em 1991 e ali se destacou nas aulas e nos palcos. Aos 14 anos, foi morar na capital para estudar teatro e teve contato com nomes importantes das artes cênicas, como Esio Magalhães, Zé Adão Barbosa, Camilo de Lélis, o palhaço e ator espanhol Pepe Nuñez, entre outros. Descobriu seu clown, o Pinguinho, em 2001, quando foi chamado para trabalhar com o palhaço português Zé Ramalho, com quem aprendeu as técnicas de palhaço de picadeiro. A partir desse contato, sente que teve um crescimento como pessoa e iniciou um processo de transformação que transbordou no então professor da arte da palhaçaria. “Eu comecei a fazer palhaço pra sobreviver. Precisava pagar minhas contas, era o que eu sabia fazer. Hoje eu faço palhaço pra existir. Se eu não fizer, eu não existo.”
Depois de alcançar o sucesso e ganhar dinheiro com o palhaço, Rafael percebeu que não estava realizado. Aos
29 anos, depois de se separar da esposa, passou por um período de depressão. “A história do retirante, né? O cara pobre, órfão, que veio do interior pra ganhar a vida, tentar sucesso. Eu fui aplaudido, ganhei prêmio, e estava infeliz. Porque não era eu. Eu era um personagem. E o palhaço me deu o suporte pra eu jogar tudo isso fora e não me importar com nada, e dizer: não, eu quero rir que nem as pessoas riem de mim.” Nesse momento, compreendeu que a única pessoa que ele tinha no mundo era ele próprio, e que os aplausos da plateia não o preencheriam enquanto ele mesmo não soubesse se aplaudir. “Foi aí que eu aprendi a beijar, aprendi a abraçar, aprendi a sentir o gosto de comida, aprendi a olhar pro céu, olhar pro sol, sabe? Agradecer a tudo.”
Para ele, o palhaço simboliza a vida, e por isso também é carregado de tristeza. Rafael lembra da música do Barão Vermelho,
Quando você ficar triste Que seja por um dia E não o ano inteiro E que você descubra Que rir é bom Mas que rir de tudo É desespero
AÇÕES SOCIAIS
Em 2017, Pinguinho e uma turma composta majoritariamente por palhaças foram se apresentar no presídio feminino de Porto Alegre, a Penitenciária Madre Pelletier. Chegaram recebidos às vaias e xingamentos das presas – estavam em um local onde não foram convidados. Após 50 segundos de apresentação, elas silenciaram e se emocionaram com as palhaças. “Eram cenas construídas através das dificuldades das mulheres, então tinha cenas falando sobre masturbação feminina, sobre o amor, e elas se identificaram, riram das suas mazelas, das suas desgraças: ‘Ah, é bem assim mesmo!’. E aquelas mulheres estavam lá dentro, se sentindo livres, porque elas podiam se expressar, rir delas mesmas e dizer: ‘Bá, olha só, não sou só eu que sou assim’.”
O palhaço Pinguinho também visita o Centro de Integração da Criança Especial Kinder, onde atua para crianças autistas e com tipos variados de deficiência. Em um trabalho de extrema sensibilidade, Pinguinho consegue se comunicar com crianças que não falam, não enxergam. “Eu criei uma relação especial com uma turma. O Pinguinho tá presente no cotidiano deles, na vida deles. Então eles me escrevem. Por exemplo, o Edgar apertava o nariz enquanto eu tocava violão, e eu me perguntava: ‘Bá, que música é?’. Até o dia em que descobri que ele queria ouvir ‘Só Love, Só love’, do Claudinho e Bochecha – não me pergunta como –, e ele começou a cantar.” Uma menina cega, que não costuma falar com as pessoas, começou a ser estimulada por Pinguinho, que perguntava com sua voz fina: “Oi, sabe quem é que tá aqui?”. Agora, quando ele chega, basta tocar uma nota no violão que ela já exclama: “Pinguinho!”. “É mágico, é muito mágico”, comenta Rafael.
A cara pintada. O figurino pronto. Falta apenas uma peça, a peça chave: a menor máscara do mundo. Respiram fundo e vestem o nariz de palhaço. Toc,- toc. “Oi! A gente pode entrar?”
O PALHAÇO NA HISTÓRIA
A figura do palhaço enquanto arquétipo existe muito antes de ser chamado de clown, tendo registros já nas primeiras civilizações (como a egípcia, 2500 a.C) e em tribos indígenas norte americanas. A pré-história dos clowns está muito ligada a figuras incomuns – xamãs, loucos, marginais, outsiders – criaturas consideradas esquisitas que habitam as bordas da condição humana. Uma representação histórica da figura do palhaço e mais popularmente conhecida é o Bobo da Corte. Contratado pelo rei para entreter e fazer rir a família real, seu sucesso estava ligado à sua aparência grotesca, sua loucura ou sua habilidade de utilizar a simplicidade para efeitos cômicos. Alguns eram criaturas simplórias que eram motivo de riso e chacota. Outros eram muito inteligentes, exímios acrobatas e músicos, adorados pelo rei e considerados símbolo de status para aqueles que os possuíam. Esses interferiam em assuntos políticos e eram muito hábeis em lidar com a psicologia humana, demonstrando desde cedo na história a possibilidade de transformação e enfrentamento do humor.