José Manuel Santos, Introdução à Ética - excerto

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No âmbito da colecção ETHOS E POLIS são publicadas obras de ética, filosofia moral e pensamento político, de autores clássicos e contemporâneos.

INTRODUÇÃO À ÉTICA

José Manuel Santos INTRODUÇÃO À ÉTICA

INTRODUÇÃO À ÉTICA

A ciência tenta descrever, o mais rigorosamente possível, o que é ou acontece. De certa forma desenha um mapa da realidade. Conservando a metáfora geográfica, podemos talvez dizer que a finalidade da ética, enquanto ramo da filosofia, não é o desenho de um mapa mas a fabricação de uma bússola. Tanto a antiga questão de Sócrates, «como viver?», como a mais recente de Kant sobre o significado do «dever» moral, «o que devo fazer?», não têm por resposta a positividade de factos visíveis mas a possibilidade invisível da normatividade. Estas perguntas, que estão na origem da ética, exprimem uma inquietude fundamental de todo e qualquer ser humano, que se concretiza numa necessidade de orientação nas relações com os outros, consigo mesmo, com os animais não humanos ou mesmo com a natureza no seu todo. Nesta Introdução à ética optou-se por combinar os dois modelos habitualmente seguidos pelos prolegómenos a este ramo da filosofia. Assim, na primeira parte, de carácter sistemático, são introduzidos os principais conceitos da ética, as suas tarefas, os seus objectivos e um panorama dos diferentes tipos de teoria ética. Na segunda parte, de carácter histórico, são apresentadas as éticas de referência de Aristóteles e Kant, a filosofia prática de Epicuro e algumas teorias éticas contemporâneas (Apel, Habermas, MacIntyre, Nussbaum).

José Manuel Santos

ETHOS E POLIS 2

D O C U M E N TA

Nascido em Lisboa, José Manuel Santos estudou filosofia em Paris e Colónia, tendo-se doutorado na Universidade de Paris I. Ensinou filosofia na Universidade de Wuppertal (Alemanha). É actualmente Coordenador do Instituto de Filosofia Prática e Professor Associado na Universidade da Beira Interior, onde dirige o Doutoramento em Filosofia. As suas áreas de investigação e publicação são a filosofia contemporânea (em particular fenomenologia), a ética e a filosofia política.


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A direcção científica da colecção ETHOS E POLIS está a cargo do

Instituto de Filosofia Prática

© SISTEMA SOLAR, CRL (DOCUMENTA) RUA PASSOS MANUEL, 67 B, 1150-258 LISBOA © JOSÉ MANUEL SANTOS, 2012

REVISÃO: ANTÓNIO LAMPREIA / ANDRÉ BAPTISTA 1.ª EDIÇÃO, NOVEMBRO 2012 ISBN 978-989-8618-12-2

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SUMÁRIO

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Capítulo 1: O Que É Ética? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Capítulo 2: Relação da Ética com Outras Disciplinas . . .

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Capítulo 3: Tipos de Ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Capítulo 4: A Ética de Aristóteles . . . . . . . . . . . . . . . . . .

130

Capítulo 5: A Sageza de Epicuro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

197

Capítulo 6: A Ética de Kant . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

221

Capítulo 7: A Ética da Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

253

Capítulo 8: Éticas Teleológicas Contemporâneas . . . . . .

271

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Sumário

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A ética é, provavelmente, a disciplina filosófica que está mais exposta às críticas da opinião comum. Isto é compreensível, se atendermos a que as questões que ela formula e a que tenta dar respostas filosoficamente fundadas são, no fundo, perguntas que qualquer ser humano, mais tarde ou mais cedo, de uma maneira ou de outra, acaba por se colocar a si próprio na vida. «Como viver?» (Sócrates), «por que razão valeu a pena ter nascido?» (Aristóteles), «o que devo fazer» no âmbito das minhas relações com os outros? (Kant)1 são perguntas irreprimíveis e inevitáveis da condição humana, perguntas de um ser que dispõe do logos, que pensa usando a linguagem, para se interrogar sobre os seus actos. É natural que o não filósofo, cuja urgência é o agir, encare com alguma estranheza as teorias que os filósofos, cuja urgência é o pensar, elaboram em torno destas questões. Desta estranheza advêm algumas críticas que merecem ser reflectidas, e respondidas, do ponto de vista da ética. Começamos, pois, por considerar, sinteticamente, as dificuldades e problemas centrais da ética, entendida como teoria ou disciplina filosófica, e por apresentar, em seguida, alguns elementos de resposta. As críticas da ética a que aludimos, provenientes da opinião comum, não são as únicas dificuldades. Elas constituem aquilo a que podemos chamar críticas ou dificuldades externas. Às dificuldades deste tipo devem-se acrescentar críticas internas, de carácter propriamente teórico, inerentes ao objecto, aos métodos e às tarefas da teoria ética. Uma crítica externa frequente afirma que as normas morais reconhecidas pelas pessoas honestas, numa palavra o «bem e o «mal», são de acesso fácil e 1 Sócrates, in Platão, Rep., 352d; Górgias, 500c; Aristóteles, Ética a Eudemo, 1216a12-13; Kant, 1800, 448.

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universal, através da intuição, de um sentimento moral ou da razão, sem que haja necessidade de qualquer teoria ética. É a opinião crítica defendida, por exemplo, com toda a sua verve iluminista, por Voltaire, no artigo «Moral» do seu Dicionário filosófico. «Só há uma moral como só há uma geometria. Mas, dir-me-ão, a maior parte das pessoas ignora a geometria. Sem dúvida; mas a partir do momento em que nos aplicamos um pouco toda a gente está de acordo. Os agricultores, os operários, os artesãos não tiveram aulas de ética; não leram o De finibus de Cícero nem as Éticas de Aristóteles. Mas, cada vez que pensam, são, sem o saberem, discípulos de Cícero. O tintureiro indiano, o pastor tártaro e o marinheiro inglês conhecem o justo e o injusto. […] Só podemos repetir que, enquanto todos os dogmas [das religiões e/ou superstições] são diferentes, a moral é a mesma em todos os homens que fazem uso da sua razão.»2

Uma crítica externa igualmente frequente é que as regras provenientes de teorias éticas são demasiado abstractas, gerais e distantes da realidade da vida, o que acabaria por as tornar, na prática, inúteis. Deste ponto de vista, a ética filosófica estaria em nítida desvantagem relativamente a doutrinas morais de inspiração religiosa que, normalmente, são muito mais concretas e detalhadas na formulação de regras práticas. Um argumento crítico complementar ao precedente é que as teorias éticas, que se apoiam em subtis e frios raciocínios intelectuais, seriam de pouco ou nenhum socorro para fazer os maus passar a agir bem, ou para lutar eficazmente contra o Mal na sociedade e no mundo. Ainda do ponto de vista externo, também se critica o intelectualismo da teoria ética, a qual, normalmente, não tem em conta as emoções. Um discurso persuasivo, uma exortação moral que mexa com emoções e que se apoie na autoridade de personalidades humanas ou divinas teria mais hipóteses de sucesso, no sentido de melhorar moralmente as pessoas ou a sociedade. Na linha deste argumento, também se encontra com frequência a ideia segundo a qual a aceitação efectiva de normas morais só é possível na base de uma crença reli2

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Voltaire, 1961, 325.

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giosa. Como escreve Dostoiévski, «se Deus não existe, tudo é possível». Só o poder da fé religiosa poderia levar alguém a acreditar no carácter absoluto das normas morais e a respeitá-las. Este argumento, que pode ser usado contra a teoria ética, tanto pode vir de ateus como de crentes. Passemos, agora, às dificuldades que qualificámos de internas, ou seja, que a própria teoria ética formula e tem de resolver dentro da disciplina. A primeira reside na existência de uma pluralidade de teorias éticas que pretendem deter a verdade teórica sem se encontrarem numa simples relação de «contradição» do género da que existe, por exemplo, entre teorias físicas. Um problema próximo deste também se manifesta no facto de, na cultura ocidental, haver mais do que uma tradição ou fonte fundadora do pensamento ético. É difícil imaginar uma teorização de problemas éticos que não seja de algum modo influenciada pelas atitudes e ideias pré-teóricas marcantes da tradição cultural a que pertencem os filósofos. Mas não é só esta influência da matriz cultural, que já existia nos primórdios da abordagem filosófica de questões de ética, que constitui problema. A situação da teoria ética na nossa época é mais complicada do que no tempo de Sócrates. Este suplemento de complexidade deve-se à situação de «secundaridade»3 da cultura europeia, o que significa que esta não tem uma raíz única mas é herdeira, no essencial, de três tradições de pensamento: a filosofia grega, o cristianismo e o iluminismo moderno. Também no plano da filosofia ética se fazem sentir as tensões existentes entre estas três tradições. Uma outra dificuldade interna da ética enquanto disciplina filosófica provém do estatuto epistemológico sui generis das teorias éticas, em particular quando comparadas com as teorias das ciências exactas. O problema em causa tem que ver com o carácter normativo da ética. Como reflexão teórica sobre a moral, a ética não é menos normativa do que esta, ou seja, não afirma apenas o que é, mas, tendencialmente, o que se deve fazer. Ela apenas se distingue da moral espontânea e pré-teórica pela tentativa de justificar princípios normativos ou conteúdos propostos de bem. As ciências exactas desenham, normalmente em linguagem matemática, um modelo explicativo da realidade que pode ser mais ou menos confirmado ou infirmado através de factos produzidos em experiências 3

Brague, 1992, 113.

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cruciais susceptíveis de ser repetidas. Nas ciências exactas existe consenso sobre o que é uma teoria científica, ou seja, existe consenso sobre as modalidades de verificação de teorias científicas. Em teoria ética, a primeira dificuldade começa por ser a existência de vários tipos de teorias, sem que se possa chegar a consenso através de algo como uma verificação. Esta pluralidade de tipos, cada um com os seus próprios critérios de validação, já tem de ser prevista numa definição geral da teoria ética. É o que acontece numa definição de teoria ética de Bernard Williams (1929-2003), um conceituado filósofo inglês contemporâneo. Como ele escreve, «uma teoria ética é uma descrição (account) do que são o pensamento e a prática éticas […], todavia, uma tal descrição implica ou bem um teste geral sobre a correcção de concepções (beliefs) e princípios éticos, ou bem a tese que não pode haver nenhum teste deste género»4. De acordo com esta definição, a exclusão da simples possibilidade da existência de uma teoria ética positiva (que proponha critérios positivos do que é o bem humano, ou relativas à correcção ética das acções) já é uma teoria ética. Estas teorias negativas, cépticas ou niilistas, que afirmam que, em última instância, não há critérios de verdade ética, já constituem, só por si, um tipo de teoria sem paralelo no campo das teorias científicas. Mas mesmo entre as teorias éticas positivas, encontramos diferentes tipos de critérios de correcção, bem como diferentes concepções sobre aquilo que o «teste» referido por Williams deve testar. Os éticos antigos e os defensores modernos do utilitarismo, por exemplo, «testam» a correcção de uma acção pela avaliação do seu contributo para a realização de um «bem». Já Kant, observando que aquilo que se considera ser substancialmente o «bem» humano pode variar muito, de acordo com preferências culturais e/ou subjectivas, teve a ideia de introduzir em teoria ética um teste de coerência interna, ou de «não-contradição», por referência a uma lei formal universal. Isto aproxima a teoria ética do modelo científico da matemática, ciência em que a «verdade» não se define por referência a factos empíricos, à «experiência», mas à não-contradição interna de um sistema de proposições. Todavia, esta tentativa de aproximar a teoria ética da axiologia lógico-matemática está longe de encontrar aceitação unânime na comunidade dos filósofos da ética. 4

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Williams, 1985, 72.

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O teórico da ética não pode, portanto, ser neutro em relação a normas ou valores. Se admitirmos a tese de Max Weber segundo a qual a atitude científica consiste em abstermo-nos de juízos de valor, limitando-nos a uma descrição de factos, a teoria ética não é «científica». Num mundo em que só o discurso que se proclama «científico» é considerado sério e credível, uma tal situação constitui um óbvio problema. Este problema pode ser resolvido de duas maneiras radicais opostas: ou pela negação da tese de Weber, o que significa tentar de algum modo tornar «científica» a teoria ética, ou pela aceitação enfática dessa tese, reivindicando para a ética um estatuto deliberadamente não científico. Neste último caso, em particular na sua opção mais radical, o discurso ético pode ser entendido como um discurso, por assim dizer, literário sobre as razões individuais e extra-teóricas, ou seja, de ordem religiosa, «existencial» ou psicológica, que levaram alguém a aceitar, ou não, princípios ou concepções do bem. É claro que, num tal caso, põe-se a questão de saber se um tal discurso, simplesmente «literário», pode continuar a pretender ser uma teoria ética. Com efeito, aquilo que caracteriza uma teoria, mesmo no caso da ética, é um certo grau de generalidade a pretensão a uma aceitação ou validade de carácter universal. Como responder a estas críticas, externas e internas? A crítica da teoria ética segundo a qual o conhecimento do bem e do mal é acessível a todos, podendo cada um apoiar-se num sentimento moral, no senso comum ou na sua razão, o que faria dessa teoria uma inutilidade, é muito antiga e continua a ser recorrente. Acontece, porém, que ela assenta num desconhecimento do que pretende ser a ética. De um modo geral, os filósofos não põem em causa o acesso imediato, sem necessidade de teorias, de qualquer pessoa, enquanto ser racional, ao conhecimento correcto do que é bom e do que é mau.5 O objectivo da teoria ética não é refutar este saber moral espontâneo para inventar «novos valores»; ele começa por ser, mais modestamente, o de lhe conferir rigor e solidez.6 O saber espontâneo começa por uma intuição forte mas algo vaga; 5 Ver, por exemplo, Kant, 1785, A 20-21: «a razão humana vulgar […] sabe perfeitamente distinguir o que é bom e o que é mau, o que é conforme ao dever e o que lhe é contrário». 6 «Mesmo a sageza [Weisheit, sabedoria moral] precisa de ciência [isto é, teoria ética], não para aprender dela mas para conferir às suas prescrições aceitação e duração [ihrer Vorschrift Eingang und Dauerhaftigkeit zu verschafen].» Kant, 1785, A 23.

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não é de excluir, além disso, que a «razão vulgar», como diz Kant, tenha dúvidas sobre o seu próprio saber, sobretudo em situações complexas, inclusive de dilema ético. Neste sentido, a função da ética seria dar a esse saber uma precisão, na formulação, e uma consistência, na substância, susceptíveis de lhe garantirem influência duradoura num mundo em que os sujeitos têm de responder a solicitações contraditórias vindas dos outros, das coisas ou das suas próprias inclinações. Além deste objectivo de rigor na formulação de princípios ou conteúdos do bem, um outro objectivo da teoria ética, amiúde sublinhado pelos filósofos antigos, é o de contribuir para a formação ética do carácter. Mesmo se a teoria ética não se substitui à educação moral inicial e, por assim dizer, directa, que tem lugar desde a mais tenra idade, pressupondo mesmo, como receptores, sujeitos medianamente maduros cujo carácter já está formado7, o saber teórico que ela fornece sobre as faculdades condicionantes do juízo normativo, a mecânica das paixões ou a morfologia das virtudes, contribui indirectamente, pela própria reflexão que implica, para uma melhoria ética do sujeito. «Esta disciplina», escreve Aristóteles referindo-se à ética, «não tem apenas um objectivo puramente teórico, como as outras disciplinas filosóficas; nós não pretendemos saber o que é a essência da virtude apenas para o saber, mas para nos tornarmos virtuosos»8. Uma terceira função, talvez a mais específica e distintiva da teoria ética, diz respeito ao trabalho do pensamento para responder à questão do porquê, ou seja, para justificar porque se deve viver e ser de uma dada maneira ou porque se devem observar princípios morais. No limite, a já referida razão vulgar poderia ser capaz de um saber rigoroso do bem e a educação moral poderia levar o sujeito ético a «tornar-se virtuoso», a adquirir todas as virtudes, mas aquilo que razão vulgar e educação não fornecem é uma resposta a uma inquietude do pensamento. A teoria ética, que «se dirige a auditores que pensam»9, no sentido forte do termo, não diz apenas «como viver», o que fazer numa dada situação, por que princípios se orientar, mas pretende antes de mais dizer porque se deve Aristóteles, EN, 1095a1-11. EN, 1103b26-28. 9 Nussbaum, 2000, 40. 7 8

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viver dessa maneira ou porque se deve optar por esses princípios. Para tal, desenvolve justificações argumentadas, apresenta razões da bondade ou excelência de determinados modos de vida, tipos de comportamento ou princípios. Estas razões ou justificações, ao contrário do saber imediato da «razão vulgar», não são óbvias, são complexas, ou seja, implicam considerações que vão além da simples intuição das virtudes ou da simples formulação da «lei moral», e implicam, no fundo, a posse e o domínio de toda uma filosofia10 — eventualmente não apenas prática, mas também teórica. Desta posse plena das razões de agir parece legítimo esperar uma maior segurança, tranquilidade e perfeição do agente na interacção com outrem e na realização da sua vida11. Finalmente, cabe sublinhar a importância da teoria ética num mundo como o nosso, no qual as decisões mais relevantes, nomeadamente decisões institucionais e colectivas, são tomadas no âmbito de discussões que têm lugar na chamada esfera pública. Num tal mundo, não basta pensar que o «uso da razão» por cada um leva à resolução de todos os problemas; é necessário defender o bem na discussão pública generalizada, o que só se faz através do rigor de juízos que apresentem razões. Neste contexto, a função, e a utilidade, da teoria ética é contribuir, com as suas «evidências e razões» (Hegel), para a tomada de boas decisões colectivas, ou seja, políticas, em matérias tão importantes como a justiça social ou a guerra e a paz. Neste sentido, uma boa teoria ética poderá contribuir para conceber e justificar leis ou instituições. Uma outra crítica corrente da teoria ética aponta o carácter excessivamente abstracto e esquemático das «regras» nela formuladas face à complexidade das situações da vida. Perante esta crítica, devem-se dissipar alguns equívocos, a começar pela ideia de que uma ética é, ou tem por objectivo, um «sistema de regras» a aplicar directamente à «vida», como se a vida fosse um electrodoméstico e a ética as instruções de uso que acompanham o produto. Como se disse, 10 Estas características das justificações produzidas pela teoria ética são magistralmente analisadas por Séneca na 95ª das suas Cartas a Lucílio (Séneca, 2004, 502-526). Nesta carta, o filósofo romano refere a não evidência das «provas» em 95, 61; a sua complexidade, devida ao facto de a virtude ser «não apenas uma ciência de si mesma mas de todas as coisas», em 95, 56; e a necessidade da posse de toda uma «doutrina» (ratio) filosófica em 95, 12. 11 Séneca, 2004, carta 95, 12 e 57.

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a questão do porquê é a mais importante para a ética, o que não quer dizer que a do como não tenha a sua importância, até porque aquela está logicamente dependente desta. Mas, mesmo à questão do como, a teoria ética não responde com um conjunto de regras de vida particulares e directas. As doutrinas morais não filosóficas que o tentam fazer, fornecendo receitas e conselhos para as mais variadas situações da vida, estão de facto condenadas ao fracasso, tendo em conta a rigidez de um sistema de regras, por mais detalhadas que sejam, e a infinita variedade e complexidade das situações. Além disso, a ética filosófica dirige-se a seres pensantes, o que não seria o caso se se limitasse a propor um rígido sistema de regras. Neste sentido, a resposta da teoria ética à questão do como terá de começar por ser da ordem do geral e do universal. À questão como viver, a ética antiga respondia com a concepção de um «género de vida» ou, de um modo ainda mais geral, com uma análise do que é o «bem» do ponto de vista humano, o «bem humano» em geral a que aspira legitimamente todo e qualquer ser humano. Nas chamadas éticas do dever (estóicos, Kant) responde-se à mesma questão com um princípio geral do agir, ou, mais precisamente, do interagir — do agir nas nossas relações com os outros e connosco — que deve ser observado em todas as acções do sujeito ético. Enquanto uma regra é particular e relativa a uma situação, os princípios pretendem-se universais e absolutos, ou seja, necessariamente válidos em todas as situações. Sem dúvida que entre a ideia do «bem humano» ou os princípios gerais e as acções particulares existe um grande espaço, no qual se colocam delicados problemas de mediação entre o geral e o particular, entre a ideia do universal e a sua realização no concreto da vida. Nos casos mais extremos, este espaço é fértil em dilemas éticos, situações em que a concretização do bem genérico ou a aplicação do princípio universal parece requerer acções opostas — e, por conseguinte, ser impossível. Nenhuma teoria ética nega estes problemas. Todavia, seria uma ilusão pensar que eles poderiam ser resolvidos sem «teoria», com um abandono das questões do como e do porquê, que se colocam e têm resposta ao nível do pensamento do geral. Relativamente a estes problemas, as teorias éticas podem adoptar duas atitudes: ou bem entregar esses problemas aos destinatários, e à sua capacidade de pensar — como já foi dito, a ética filosófica dirige-se a seres pensantes —, ou bem dedicar-lhes uma disciplina ética própria, aquilo a que 16

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se chamaria, hoje, uma ética aplicada. A ética de Aristóteles constitui um exemplo da primeira destas opções; limita-se a elaborar uma teoria do «bem humano» e de uma faculdade intelectual, a phronêsis, especializada na «verdade» e nos problemas da vida prática, sem entrar em considerações casuísticas ou terapêuticas. Já as éticas antigas mais tardias, como o epicurismo ou o estoicismo, deram uma grande importância às questões casuísticas e de aplicação terapêutica. Para estes filósofos, sem descurar a reflexão teórica sobre o bem ou os princípios, a filosofia não podia deixar de ser uma ars vitae, e apresentar, portanto, uma importante parte prática ou mesmo terapêutica, no sentido de propor uma «terapia da alma». Uma terceira crítica corrente feita à teoria ética incide sobre a sua impotência para colocar os maus no bom caminho, para os converter ao bem ou, pelo menos, para os corrigir gradualmente. Uma crítica mais radical deste tipo vai mais longe, afirmando que uma tal teoria não é só impotente mas perigosa, na medida em que o pensamento ético, antes de fundamentar os princípios da moral, começa por problematizar e, portanto, pôr em causa as convicções morais correntes. O falhanço da «fundamentação» contribuiria objectivamente para fomentar o niilismo, a descrença em todo e qualquer valor ético. A acusação de impotência refere-se a um problema real para qualquer teoria ética, e que deve ser tido em conta, que é o problema da motivação. É preciso começar por notar que, na sociedade moderna, as teorias éticas se dirigem a indivíduos que pensam e que não poderiam ser moralmente motivados por simples normas tradicionais ou crenças religiosas. Hegel observou, e se já no seu tempo a observação era pertinente, ela aplica-se ao nosso por razões ainda mais fortes, que «aquilo que nos nossos dias [anos 20 do século XIX] pretende ser válido já não o pode querer ser apenas por obra da violência, dos hábitos ou dos costumes, mas por evidências e razões»12. A teoria ética pretende validar por «evidências e razões». E fazendo pensar, pode motivar indirectamente para o bem. Não é sua função fazê-lo directamente por exortação, como o sermão de moral. Mesmo que o tentasse, perderia credibilidade. Na comunicação com sujeitos adultos e pensantes não se vê alternativa a este tipo indirecto de moti12

Hegel, 1821/1986, 483.

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vação. Dito isto, as teorias éticas devem reconhecer, e normalmente reconhecem, os seus limites. Um desses limites poderá residir na própria teoria. Como veremos, as diferentes teorias éticas podem resolver melhor ou pior o problema da motivação. Teorias mais intuitivas são mais motivadoras. Outro limite reside no próprio sujeito a motivar. Platão e Aristóteles consideravam que a partir de um certo grau de perversidade do carácter (akrasia) não havia melhoramento possível, e seria ridículo pensar que bastariam lições de ética para converter à virtude os perversos que encarnam aquilo a que Kant viria a chamar o «mal radical». Aristóteles considerava, sem dúvida, como referido acima, que a prática teórica da reflexão ética contribuiria para «tornar virtuosos» os auditores que interiorizassem os pensamentos do mestre; todavia, a condição de um tal progresso era que já possuíssem um carácter minimamente bem formado e que tivessem desejo de progredir. Isto significa, portanto, que a ética não é absolutamente «impotente». Só o é em casos que os próprios teóricos da ética reconhecem como perdidos. Relativamente à crítica segundo a qual as teorias éticas não têm em conta as emoções e a problemática do desejo, devemos dizer que ela não se pode aplicar de todo a muitas teorias éticas, quer antigas quer modernas. O problema das éticas antigas a partir de Platão é, justamente, como dar uma «boa forma» ao desejo e à emoção. Na modernidade, muitos filósofos ingleses, como, por exemplo, Adam Smith, deram grande importância às emoções nas suas éticas. A ética do alemão Max Scheler está centrada numa fenomenologia das emoções. Dito isto, esta crítica pode ter alguma pertinência no caso de teorias éticas exclusivamente, ou quase exclusivamente, ocupadas com a «fundamentação» de um princípio universal da moral (Kant, Apel, Habermas). Quanto à crítica que afirma que só o poder da fé religiosa poderia levar alguém a acreditar no carácter absoluto das normas morais e, portanto, a respeitá-las, devemos começar por interrogar o que é esse «carácter absoluto». Se «absoluto» quer dizer «sagrado», a tese dos críticos assenta, à partida, numa petição de princípio, e, portanto, é falsa. De qualquer modo, ela é desmentida pela multidão dos não crentes de todos os tempos que levaram, e levam, a sério princípios éticos, ou concepções do bem ético, e os respeitam. A grande vantagem da teoria ética filosófica sobre as doutrinas éticas que se apoiam na teologia 18

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ou em conteúdos religiosos é, justamente, não ter de pressupor qualquer dogma, crença ou fé religiosa para justificar princípios éticos ou formas de bem.

A pluralidade das éticas e as fontes da ética Na abordagem deste problema, devemos começar por admitir a chamada «secundaridade» da cultura ocidental moderna, ou seja, uma pluralidade de fontes de pensamento algo heterogéneas entre si de que esta é herdeira no que toca ao pensamento ético.13 Numa tal situação, a solução não deve consistir em fazer tábua rasa das raízes históricas do pensamento e da pluralidade das fontes, em particular das mais antigas, reduzindo a ética à procura de soluções técnicas, formuladas a partir das estreitas categorias do common sense da época em que vivemos. Uma certa ânsia de resolver os «problemas práticos» imediatos (o aborto, a eutanásia, etc.) leva uma auto-proclamada «ética prática» a fazer a economia do pensamento ético fundamental e de uma reflexão sobre as fontes desse pensamento. Isto não significa uma condenação ou menosprezo da ética aplicada. Mas os problemas da ética aplicada devem sempre ser vistos e abordados na perspectiva da ética geral ou fundamental, onde se colocam questões de fundo sobre o ser humano, a vida humana e a dignidade do humano, sem o tratamento das quais não é de todo possível elaborar algo como uma ética «aplicada». E na formulação dessas questões de fundo, há que ter em conta as fontes do pensamento ético. No Ocidente, o pensamento ético apresenta três fontes fundamentais: a ética filosófica grega, o cristianismo e o iluminismo moderno. Esta última fonte, contudo, já é, em si, «secundária», integrando elementos das duas primeiras. A solução do problema ético não deve 13 Adoptámos este conceito de «secundaridade» de Rémy Brague (Brague, 1992, 113 sq.). O seu uso não é pejorativo; o conceito é usado por Brague num sentido puramente descritivo. Uma cultura é dita «secundária» quando integra e faz seus conteúdos culturais provenientes de culturas estrangeiras, passando esses conteúdos a constituir elementos nucleares de si própria. Com a assimilação de elementos importantes da cultura grega, a começar pela filosofia, a cultura da Roma antiga, num exemplo analisado por este autor, passou a ser «secundária» relativamente à grega, cultura «primária». Para Brague, o facto de uma cultura ser «secundária» não significa de modo algum que ela seja em qualquer sentido «inferior» à primária.

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passar pelo «recalcamento» ou ignorância de uma ou mais dessas fontes, ou numa unificação forçada a partir de uma delas. Na abordagem desta dificuldade, deve-se ter em conta a especificidade do que é uma teoria ética. Enquanto no caso das teorias científicas a mais recente é a única cuja falsidade ainda não foi demonstrada, e as restantes, as do passado, só têm um interesse «histórico», em ética verifica-se uma maior longevidade das teorias. Além disso, são frequentes as ressurgências e as actualizações de teorias antigas, depois de períodos por vezes longos de esquecimento. Assim, só para dar alguns exemplos, a ética de Kant veio reactivar o elemento central da ética estóica, o primado da «razão universal» da qual é deduzido o «dever»; a ética platónica do «bem em si» ressurge na primeira metade do século XX na ética intuicionista de um Nicolai Hartmann; na segunda metade do mesmo século, a ética de Aristóteles foi reactualizada sob diversas perspectivas por autores influentes, como Gadamer, na Alemanha, ou A. MacIntyre, no espaço cultural anglo-saxónico. Em teoria ética, portanto, não vigora o princípio do falibilismo enunciado para a ciência pela epistemologia de Popper (racionalismo crítico). Uma teoria ética não é «falsificável», não se torna falsa pelo surgimento de uma nova que explique melhor um fenómeno — até porque a função de uma teoria ética não é explicar um fenómeno da natureza. Uma tal teoria tenta justificar maneiras de agir ou formas de vida no âmbito das nossas relações com os outros seres humanos (relação intersubjectiva), connosco (relação intrasubjectiva) e, eventualmente, com os animais bem como com a natureza inumana (no sentido puramente descritivo deste termo). Se for suficientemente forte, uma ética filosófica exprime um modo fundamental do estar-no-mundo, de viver a «condição humana», tornando-se uma figura do pensamento que se pode manter ao longo das épocas, mas também «morrer» e «renascer» em diferentes épocas. A pluralidade das éticas não manifesta antinomias inultrapassáveis. Isto porque as teorias éticas podem ser vistas como maneiras diferentes de resolver os mesmos problemas da vida prática humana, ou ainda como expressões de diferentes aspectos da dimensão ética da vida. Para fazer face a esta dificuldade aparente que é a pluralidade das éticas, que muitos consideram, sem razão, uma fraqueza maior da teoria ética, pro20

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pomos o conceito de cultura ética. Aquilo que uma ética filosófica deve começar por transmitir, em termos pedagógicos e de iniciação, é esta cultura, é o conhecimento das diversas fontes do pensamento ético, não apenas como um conjunto de teorias mortas, mumificadas e a estudar como objectos de museu, mas como pensamentos vivos do ético, de uma dimensão fundamental da nossa cultura e das nossas vidas.

O estatuto epistemológico da ética Desde Aristóteles, fundador da filosofia prática como disciplina filosófica autónoma, que se coloca, de maneira sistemática, o problema do estatuto epistemológico da ética, ou seja, do tipo de conhecimento ou de «ciência» que seria a ética. Já no tempo do filósofo grego, esse estatuto, para a ética, não era tão óbvio como o da ciência da natureza, da matemática ou da «filosofia primeira», esta última também chamada filosofia teórica ou metafísica. A concepção moderna de ciência, que toma por modelos a matemática e/ou a física (moderna), além de comprometer a metafísica também colocou numa situação delicada a ética, considerada por muitos dependente daquela. Se, do ponto de vista da ciência moderna, parece plausível considerar inútil a metafísica, já em relação à ética não é tão fácil tomar a mesma atitude. Se a especulação sobre Deus, o «ser enquanto ser» ou a imortalidade da alma podem parecer um devaneio sem sentido, não é possível negar a importância de um questionamento sobre o agir humano, ou, mais precisamente, sobre o nosso comportamento em relação aos outros e sobre a organização da vida colectiva. Mesmo os cientistas que trabalham na mais pura das ciências não podem reduzir as suas vidas ao tempo que passam no laboratório; e mesmo no laboratório há praxis, «acção» no sentido ético, ou seja, interacção. A preocupação dos modernos será, pois, de elaborar uma ética independente da metafísica. Neste contexto, uma tendência de certo modo natural foi para aproximar e, no limite, assimilar a ética à «ciência», no sentido moderno do termo, fixado na época de Galileu e Descartes. As mais recentes tentativas para tornar a ética «científica» foram a da metaética e a da ética naturalista (cuja versão mais corrente é a ética evolucioIntrodução à Ética

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nista). No caso da metaética, é feita uma distinção entre o discurso normativo ordinário, o discurso vulgar da moral, constituído por proposições normativas de primeira instância, e um discurso analítico de segunda instância, metaético no sentido próprio deste termo, que tem por objecto o discurso de primeira instância e por objectivo a análise dos juízos normativos, a simples descrição do uso moral da linguagem. A ética como «ciência» seria, propriamente, metaética, ou seja, seria o discurso neutro, não normativo, e neste sentido «científico», de segunda instância. Assim, o ético, o filósofo da ética, não teria de se pronunciar sobre a validade de normas, sobre critérios do justo ou sobre conteúdos do bem. O que pensar desta concepção da «ética»? Se se entender por metaética uma análise da «linguagem da moral», dos conceitos ditos deônticos — como, por exemplo, «dever», «ser conveniente, «ser proibido», etc. — e das estruturas do juízo normativo, verificamos que, desde Sócrates, não deve ter havido nenhum filósofo que se tenha ocupado de questões de ética que não tenha levado a cabo uma reflexão metaética. Neste sentido a metaética é um elemento importante ou, se quisemos, uma parte de qualquer teoria ética. Todavia, não é admissível identificar a ética tout court, como disciplina filosófica, com uma metaética pura, neutra e, neste sentido, «científica». Isto, por um lado, porque se espera de uma teoria ética ou bem que forneça critérios ou procedimentos de validação de normas e princípios éticos, ou bem que se pronuncie sobre o bem humano. Por outro lado, porque a própria reflexão metaética está longe de ser tão neutra como postulam os seus defensores; ao marcar a fronteira entre o que é ético e o que o não é, ela já está a tomar decisões normativas, ou, no mínimo, a tomar decisões favoráveis a uma dada teoria ética.14 No caso da ética evolucionista, a «cientificação» consiste em «traduzir» as próprias proposições normativas em proposições factuais. O pressuposto para 14 Como escreve muito claramente Bernard Williams, com o qual estamos de acordo. Ver Williams, 1985, 73: «The distinction between the ethical and the meta-ethical is no longer found so convincing or important. There are several reasons for this, but the most relevant here is that it is now obvious […] that what one thinks about the subject matter of ethical thought […] must itself affect what tests for acceptability or coherence are appropriate to it; and the use of these tests must affect any substantive ethic results.»

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tal é que as normas morais seriam congruentes com um princípio de sobrevivência da espécie que, por seu turno, seria um «facto natural». Não se «deve» matar, roubar, mentir, etc. porque tais comportamentos põem em causa a sobrevivência de uma espécie cuja vida está organizada em sociedades altamente complexas e frágeis; ergo, as normas éticas são factores da evolução, e, como tais, simples «factos naturais». Todavia, este raciocínio é, no mínimo, problemático. A partir do momento em que se assume o princípio de sobrevivência como «dever» da espécie, ele deixa de ser um «facto natural» para passar a ser uma norma — que carece de justificação ética. «Mas não há uma justificação natural?» perguntará o ético evolucionista. Como assim? Se nos colocarmos do ponto de vista da «evolução», não se percebe porque deverá a espécie humana sobreviver. Porquê a humana e não a suína? Não se verificaram já imensas mortes absolutamente naturais de espécies? Não estará a natureza mais interessada num equilíbrio de espécies, se é que ela está interessada nalguma coisa, do que na conservação eterna de uma espécie particular? Só do ponto de vista dos humanos se pode justificar a sobrevivência da espécie humana. E, neste caso, uma tal justificação não é outra coisa senão uma ética normativa. O carácter problemático destas tentativas de assimilar a ética a ciências descritivas do factual ou de usos da «linguagem da moral» conduziram alguns filósofos à sua reafirmação como disciplina normativa. Neste caso, contudo, ainda resta uma via de cientificação da ética que consiste em fazer dela, justamente enquanto normativa, uma disciplina «formal», ou seja, não uma irmã das ciências da natureza, como a ética evolucionista, mas da matemática e da lógica. Também os juízos normativos, tal é a ideia directora, terão de ser de algum modo «verdadeiros» ou «falsos», válidos ou inválidos. O modo de demonstração ou verificação da verdade ética não reside na confrontação com factos da experiência, mas, em última instância, na demonstração de uma «não contradição», ou seja, de uma necessidade, interna à própria dimensão da normatividade. Nesta perspectiva formalista, a tarefa central da teoria ética passa a ser a chamada «fundamentação». Trata-se, com esta, mais precisamente, de demonstrar a validade universal de um princípio «transcendental», não empírico, de uma «lei moral» universal graças à qual seja possível testar a validade de qualquer norma geral e, a partir daí, a boa forma de qualquer juízo normativo Introdução à Ética

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de conteúdo empírico particular. Esta foi a via aberta por Kant com a tese do carácter «a priori», independente da experiência, de todo e qualquer juízo normativo. Na «pragmática transcendental» do filósofo alemão contemporâneo Karl-Otto Apel, a versão recente mais elaborada do paradigma ético inaugurado por Kant, a não contradição ou necessidade, a «verdade» ética absoluta, deduz-se da própria lógica imanente aos actos de linguagem. O cerne da «fundamentação» da norma ética residiria na demonstração de uma «não contradição performativa»15, inerente ao uso correcto da linguagem. De um ponto de vista epistemológico, a alternativa a estas tentativas de afastar a ética da metafísica para a assimilar a um dos dois grandes tipos da ciência moderna não passa necessariamente pelo cepticismo ético, ou seja, a negação da possibilidade de toda e qualquer justificação racional de normas éticas ou especificação de valores, ou do chamado emotivismo, teoria ética que reduz as proposições éticas a simples expressões de sentimentos ou afectos. Também não tem de passar por um retorno a um modelo de referência metafísica, mesmo se continuam a existir filósofos que propõem, de maneira mais ou menos confessa, teorias éticas deste tipo16. A alternativa mais interessante parece-nos antes passar pelo abandono da referência metafísica e das pretensões de assimilação da ética a um dos modelos epistemológicos da ciência mo15 Note-se que em Kant ainda encontramos um compromisso entre a metafísica e a ciência moderna. Que na sua filosofia a ética seja baptizada de «metafísica dos costumes» não é um pormenor de somenos importância. O maior crítico do uso metafísico da razão no campo da ciência e da filosofia teórica confere à metafísica a mais absoluta legitimidade em filosofia prática. Com efeito, a «fundamentação» kantiana da moral assenta numa tese afirmativa da «liberdade» do ser humano, e de todo e qualquer «ser racional» em geral, um conceito que, de acordo com o próprio Kant, é metafísico, visto que o conteúdo da «liberdade» não é objecto de experiência. Já os herdeiros contemporâneos de Kant pretendem libertar-se da hipoteca metafísica por ele deixada. É assim que, na teoria ética de Karl-Otto Apel já não é preciso, como ele próprio afirma, recorrer ao postulado «metafísico» kantiano de um «reino dos fins» constituído por «puros seres racionais» e livres (Apel, 1996, 331). A simples lógica pragmática do uso intersubjectivo da linguagem, da chamada «discussão» (Diskurs), seria uma base perfeitamente suficiente para a «fundamentação absoluta» (absolute Begründung) da moral. A ética adquiriria desta forma a dignidade de uma verdadeira ciência. A possibilidade da «fundamentação» desenvolvida por Apel foi contestada por filósofos da ciência, nomeadamente por representantes da escola do racionalismo crítico de K. Popper. Ver, em particular, Albert, 1991. 16 Um exemplo particularmente brilhante de um projecto contemporâneo deste tipo de ética é o de Robert Spaemann. Para este filósofo alemão (nascido em 1927), «não há ética sem metafísica». Spaemann, 1998, 11.

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derna, seja ele qual for, experimental ou «formal», sem, no entanto, prescindir de uma exigência de racionalidade do discurso teórico. Esta recusa de uma assimilação da ética à ciência já foi em boa medida antecipada por Aristóteles. Para este filósofo grego, o raciocínio ético não é da ordem da demonstração formal de uma necessidade absoluta a partir de evidências apodícticas (axiomas), tal como acontece em matemática, mas da «dialéctica»17. Ao contrário de Platão, que considerava a filosofia a «ciência» (epistêmê) por excelência, tentando aproximá-la da matemática, Aristóteles caracteriza o discurso filosófico, em particular quando tem por objecto as «coisas humanas», opondo-o à «ciência», como «dialéctico», ou seja, centrado numa discussão argumentada dialógica e contraditória, assente em raciocínios que tomam por premissas e pontos de partida as «opiniões verosímeis» e credíveis normalmente aceites por uma maioria de interlocutores — as chamadas endoxa18. Para a questão do estatuto da teoria ética, a perspectiva aberta pela «dialéctica» aristotélica recomenda, antes de mais, uma certa modéstia epistemológica. Os princípios éticos ou os conteúdos do bem necessitam, sem dúvida, de ser justificados através de motivos plausíveis, e tal é a tarefa central da teoria ética. Mas esta justificação, que também inclui uma clarificação, uma explicação e uma hermenêutica desses princípios ou conteúdos, além de apresentar argumentos motivadores de uma certa forma de vida ou da aceitação de certos princípios, encontra sérios problemas quando tenta assumir a forma de uma «fundamentação absoluta», ou seja, da demonstração de uma necessidade «lógica».19 17 EN, 1094b21 sq. O exemplo negativo da actividade do matemático, cujo discurso científico não deve ser confundido com o do ético, é dado pelo próprio Aristóteles. 18 Aristóteles opõe o raciocínio, ou silogismo, «dialéctico» ao «apodíctico». O dialéctico é «aquele que conclui a partir de opiniões [premissas] simplesmente verosímeis» ou plausíveis, das chamadas endoxa. (Dialektikos de syllogismos ho ex endoxôn syllogizomenos) (Top., 100a30). As endoxa são opiniões plausíveis, credíveis no sentido literal de dignas de crédito e aceitáveis — embora não sejam «verdades absolutas e primeiras» do género dos axiomas que servem de premissas à demonstração matemática (silogismo apodíctico). Mais concretamente, as endoxa podem ser, ou bem opiniões «aceites por todas as pessoas» razoáveis, ou bem, no contexto de uma discussão teórica, aceites pelos «sábios», ou seja, pelos membros de uma comunidade de conhecedores. 19 Sobre a diferença entre uma justificação de uma forma de agir por motivos e uma fundamentação que pretende apresentar razões «necessárias» ver Tugendhat, 1993, 85-96. Apresentaremos alguns destes problemas nos capítulos em que serão estudadas as éticas de Kant e de Apel.

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A questão do relativismo e a exigência de universalidade Estas considerações permitem concluir duas coisas. Em primeiro lugar, que a teoria ética não é neutra, por oposição à moral espontânea, não reflectida teoricamente. Tal como esta última, a teoria ética também é normativa, ou seja, fornece, mesmo que indirectamente, orientações sobre como devemos viver ou comportar-nos na nossa relação com outrem. Esta orientação não se processa normalmente através de prescrições ou preceitos directos; o objectivo da teoria ética não é construir um «sistema de regras» prontas a «aplicar» directamente «na prática», mas antes justificar uma maneira de viver ou um modo geral de agir.20 Melhor dizendo, uma teoria ética fornece elementos de reflexão e formas de raciocínio que permitem responder à questão do porquê, que se coloca perante toda e qualquer norma, princípio ou prática social. Num «sistema de normas», no sentido estrito desta expressão, que pode constituir uma «moral» mas não uma teoria ética, não se coloca a questão do porquê. As normas dizem o que se deve fazer, não porque, por que razão ou motivo, se deve. Isto não impede que a resposta à segunda questão seja tão normativa como a que é dada à primeira. Concluímos, por outro lado, que as pretensões de certas teorias éticas para responder à questão do porquê através de métodos «científicos» ou «fundamentações absolutas» são vãs, no primeiro caso, ou apresentam problemas, no segundo. Restaria, para a ética, de um ponto de vista epistemológico, um modelo de justificação «dialéctico» (no sentido aristotélico do termo), ou seja, baseado numa discussão que parte de premissas que são opiniões plausíveis e geralmente aceites. 20 Dito isto, devemos admitir que algumas éticas antigas, nomeadamente o epicurismo e o estoicismo, deram uma grande importância ao aspecto «terapêutico» da ética, o que implica, concretamente, aquilo a que se chamava uma parenética, uma «arte da exortação», ou seja, a elaboração de sistemas de preceitos adequados às mais diversas condições sociais, ocasiões e situações de vida. Estas éticas apresentam, assim, além de uma parte propriamente teórica, uma parte «prática» ou aplicada. No entanto, mesmo as éticas que não descuravam o papel terapêutico ou «parenético» dos «sistemas de regras» consideravam que, só por si, tais «regras» eram como que receitas desprovidas de verdadeiro sentido ético. Só a teoria ética, a filosofia prática que as justificava, lhes dava sentido e valor. Sobre a necessidade da teoria ética para dar sentido aos secos «preceitos» ver Séneca, 2004, carta 95.

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Uma tal posição, contudo, também é questionável. Não significará uma tal via a aceitação implícita da tradição moral particular incarnada nessas «opiniões»? Por outras palavras, não levará essa via à confirmação do tradicionalismo ético e, como as tradições e as culturas são múltiplas e diversas, àquilo a que se chama relativismo ético? Uma resposta afirmativa a estas questões não nos parece necessária. Com efeito, opiniões à primeira vista aceitáveis e plausíveis também se podem revelar contraditórias entre si, e, mesmo que o não sejam, podem sempre ser criticadas, mais bem pensadas, melhoradas ou mesmo rejeitadas no curso da discussão. Era isso que fazia, por exemplo, Sócrates, que não se coibia de atacar opiniões à primeira vista «consensuais». Idealmente, o problema do relativismo resolve-se por si se a discussão ética tiver lugar, e for levada até ao fim, entre interlocutores de diferentes comunidades culturais. Como quer que seja, o relativismo tornou-se um problema clássico e central da teoria ética hodierna. Historicamente, isto é compreensível se tivermos em conta o enorme desenvolvimento da comunicação intercultural na época moderna, o qual foi materialmente catalizado pelo desenvolvimento tecnológico de meios de comunicação cada vez mais potentes e eficazes. Há quem considere o relativismo um facto que poria em causa a própria teoria ética. O relativista considera que as concepções de valores, princípios, bens, etc. são «relativas», isto é, só são válidas e/ou aceites no contexto de uma dada cultura, para os membros de um grupo restrito ou mesmo, no limite, na perspectiva de um indivíduo. No pólo oposto, o universalista considera que há princípios éticos, valores ou concepções do bem que são universais, que obrigariam toda e qualquer pessoa. Convém precisar um pouco o sentido desta oposição e dos seus termos. De um modo geral, uma teoria ética é «universalista», no sentido em que a norma ou o tipo de bem que defende não se aplica apenas aos membros de uma comunidade ou de uma classe social, aos fiéis de uma religião ou a um «povo eleito», mas é concebida como susceptível de se aplicar universalmente, ou seja, a toda e qualquer pessoa ou por todo e qualquer agente da acção. Daí que uma teoria ética tenha de ser concebida com um elevado grau de abstracção e generalidade. Mesmo as teorias éticas a que Rawls chama «perfecIntrodução à Ética

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cionistas»21 — de que são exemplo as éticas antigas, que preconizam para a vida humana individual uma forma e uma finalidade que, na prática, só alguns, e previsivelmente muito poucos, conseguem realizar — são universalistas neste sentido. Mesmo se só alguns conseguem realizar esse ideal, ou mesmo, como no caso extremo do estoicismo, se ele é considerado apenas uma «ideia reguladora» irrealizável em concreto, a possibilidade de se orientar por ele ou de o tentar realizar na medida das possibilidades de cada um está aberta a qualquer um, independentemente da sua pertença a uma comunidade religiosa, cultural ou social. Dito isto, é inegável que encontramos em teoria ética uma tensão entre uma intenção universalista e uma motivação particularista dos autores. As éticas modernas são enfaticamente universalistas, ou seja, estão muito centradas numa preocupação de validação de princípios universais. Vão directamente ao universal e concentram o essencial da teoria na validação, justificação ou «fundamentação» de um dever moral universal. Nota-se, neste aspecto, a influência das fontes que foram o estoicismo e, sobretudo, o cristianismo. As teorias antigas, e as modernas que actualizam as antigas, ao contrário, partem da perspectiva do desejo natural do agente de viver uma vida boa e bem sucedida, um desejo legítimo cuja forma é de algum modo relativa a esse agente (à sua situação, objectivos, etc), e é, neste sentido, particular. Todavia, apesar de real, este antagonismo não é absoluto. Na discussão contemporânea, mesmo as éticas do universal também se preocupam com a concretização da acção, com os problemas resultantes da aplicação dos princípios e com os interesses particulares dos agentes. Inversamente, os teóricos que actualizam as éticas do bem ou da vida boa tentam mostrar que a pluralidade e a relatividade dos interesses e perspectivas particulares estão enquadradas por fundamentos e finalidades de ordem universal e objectiva. Dito de outro modo, as éticas que dão mais atenção ao particular não negam o universal, apenas concentram o esforço da reflexão na sua realização concreta do universal, além de concederem um largo espaço de liberdade à expressão do singular, sem que tal represente necessariamente uma ameaça relativista para a universalidade da normatividade ética.

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Rawls, 2001, 43.

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Na introdução a uma matéria filosófica, como é o caso da ética, o leitor deve ser confrontado desde o início com dificuldades e problemas que lhe são próprios. Todavia, tendo em conta o carácter introdutório desta obra, é óbvio que esses problemas não podem ser tratados em toda a sua amplitude e até aos seus últimos desenvolvimentos filosóficos. Considerando as dificuldades e problemas específicos da matéria, foram fixados os seguintes conteúdos e objectivos: (1) Introduzir à especificidade da reflexão filosófica sobre os fenómenos éticos, sobre o moral e a dimensão ética da existência humana, nomeadamente a partir dos pré-conhecimentos e experiências comuns, bem como dos significados correntes de termos de carácter ético, a começar pelos termos «ética» e «moral». (2) Mostrar a necessidade da ética enquanto disciplina filosófica, nomeadamente a partir das críticas mais correntes a ela dirigidas. (3) Estudar o estatuto epistemológico da ética, sua função e suas tarefas, como disciplina filosófica, nomeadamente a partir da comparação desse estatuto com o de outras disciplinas, científicas e filosóficas, bem como com o de doutrinas morais não filosóficas; (4) Estudar, a partir de diferenças categoriais fundamentais, as principais classificações e tipos de teorias éticas; (5) Estudar e interrogar filosoficamente as principais teorias éticas da tradição ocidental. Os livros de introdução à ética são normalmente concebidos e organizados de dois modos: ou bem apresentam as matérias e questões éticas de uma maneira sistemática, podendo essas matérias ser ordenadas de acordo com diferentes critérios, ou bem expoem as teorias mais importantes da história da ética, sendo habitual, neste caso, a ordem de apresentação cronológica. Neste livro optámos por uma solução, por assim dizer, mista. Numa primeira parte, de carácter sistemático, são abordadas algumas questões centrais da disciplina, nomeadamente a das suas tarefas, a problemática da fundamentação e as tipologias da teoria ética — o que corresponde aos pontos (1) a (4) dos objectivos Introdução à Ética

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acima discriminados. Numa segunda parte, de carácter histórico, que preenche o objectivo (5), são apresentadas algumas teorias éticas, de filósofos do passado e contemporâneos, que consideramos particularmente influentes e importantes. Esta opção por um programa «misto» justifica-se pela necessidade, por assim dizer, pedagógica, de apresentar de maneira sistemática algumas categorias e questões centrais da disciplina, bem como um sistema de classificação das teorias éticas que possa servir de quadro de referência para a abordagem histórica que se segue. As apresentações puramente sistemáticas, modelo normalmente adoptado pelos autores formados na escola da filosofia analítica, têm o grande inconveniente de ignorar, mais ou menos fortemente, as fontes do pensamento ético, de esconder as tensões entre filosofias éticas, ou, nos casos mais graves, de construir um sistema dogmático na perspectiva de uma determinada teoria ética, silenciando as outras. As apresentações históricas, por seu turno, têm a vantagem de dar a conhecer a história da ética, e as fontes do pensamento ético, mas o inconveniente de serem concebidas numa perspectiva mais histórica, e portanto mais «neutra» — visto que a história é uma «ciência» — do que propriamente ética, e de perder de vista a unidade da ética enquanto disciplina filosófica, e a sistematicidade das suas questões centrais. Mesmo na apresentação de uma ética antiga, consideramos necessário que o leitor compreenda e sinta que as questões colocadas e desenvolvidas pelo filósofo — mesmo se este viveu numa sociedade em inúmeros aspectos muito diferente da nossa — ainda são largamente questões que nos dizem respeito, e que faz sentido colocar se nos quisermos submeter ao esforço e ao trabalho de pensar. O diferencial do tempo deverá mesmo ser utilizado para ver essas questões numa óptica diferente dos lugares comuns do actual Zeitgeist, ou seja, para olhar a época e a sociedade em que vivemos com a distância crítica e a liberdade de espírito que constituíram em todos os tempos, no Ocidente, a marca da filosofia.

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capítulo 1

O QUE É ÉTICA?

O mapa e a bússola A ética é uma disciplina sui generis. Ela começa por se distinguir das outras disciplinas ensinadas na escola ou na universidade em dois aspectos. O primeiro é que, no início do ano lectivo, na disciplina de ética não pode haver ninguém completamente ignorante, ao contrário do que sucede normalmente, por exemplo, nas disciplinas de introdução à álgebra, à física ou à história da literatura. Muito antes de ter aulas de ética, toda a gente passou por momentos em que se interrogou sobre o caminho a seguir, sobre o que deve fazer da sua própria vida, sobre a importância a dar a cada uma das suas múltiplas dimensões, muitas vezes em concorrência entre si. Que importância relativa devo dar ao divertimento, ao estudo para uma profissão futura, aos amigos ou à família? Quando tomamos uma decisão, sentimo-nos melhor quando a conseguimos justificar, tanto aos nossos olhos como aos olhos dos outros, em particular dos que nos são mais próximos e cujas opiniões são para nós importantes. Além destes momentos de dúvida e reflexão sobre o que queremos ou devemos fazer na nossa vida, há um outro tipo de experiências pelas quais também todos já passaram antes de lerem um livro de ética ou de assistirem à primeira aula sobre o assunto. Referimo-nos às experiências de injustiça ou de humilhação de pessoas que todos já presenciámos, que ouvimos narrar ou que nós próprios vivemos como vítimas. Nestas ocasiões somos afectados por um sentimento de indignação ou de revolta e pensamos que os autores de tais actos não os «deveriam» ter cometido. Também nestes casos tentamos justificar aquilo que pensamos e dizemos. A ética, como disciplina filosófica, é uma reflexão sistemática e aprofundada sobre estes dois tipos de questões que já se colocam, de maneira espontâIntrodução à Ética

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nea e mais ou menos explícita, na vida quotidiana de qualquer ser capaz de pensar a sua vida e os seus actos. A segunda oposição entre a ética e as outras disciplinas diz respeito ao carácter dos respectivos saberes. Enquanto as outras disciplinas procuram fornecer informações e conhecimentos sobre o mundo, sobre os entes mundanos e, no caso da matemática, sobre as formas das relações lógicas e/ou quantitativas entre ideias ou entre seres em geral, a ética pretende fornecer uma orientação para a vida activa dos seres humanos. Em certo sentido, o ético pode dizer, como Sócrates, «só sei que nada sei», na medida em que não fornece informações sobre o mundo, mas apenas pretende orientar o comportamento, ou, pelo menos, fornecer instrumentos ou procedimentos de orientação. Isto não significa que a ética não pretenda encontrar um saber. O objectivo da ética não é conhecer o estado do mundo ou das coisas, mas saber como viver ou como agir. A sabedoria ética é, pelo menos desde Sócrates, considerada um saber superior, embora difícil de alcançar. A necessidade de orientação faz-se sentir em vários âmbitos da vida. Há uma necessidade de orientação na vida pessoal, na relação do sujeito com a sua própria vida, que se exprime na pergunta «como viver?», amiúde formulada por Sócrates e que serviu de ponto de fuga a todas as éticas antigas. Há, por outro lado, uma necessidade de orientação nas nossas relações com os outros em geral, ou seja, na vida em comunidade. Mais recentemente, na sequência do desenvolvimento de tecnologias que marcam profundamente a relação do homem com o meio ambiente natural, surgiu uma maior necessidade de orientação na nossa relação com a natureza, com a vida na Terra e com os animais. Perguntamos, por exemplo, como nos devemos comportar com um animal? Será que devemos tratá-lo como se fosse uma coisa inanimada? Tratá-lo exactamente como um ser humano? Ou tratá-lo de uma maneira diferente da coisa inanimada e do ser humano? As ciências do animal — a biologia, a zoologia, a etologia animal — podem dar-nos muitas informações sobre cada espécie. Estes conhecimentos não são, sem dúvida, indiferentes para formulação da resposta à questão ética, que não será certamente a mesma se se tratar de um invertebrado monocelular ou de um mamífero. Todavia, estas ciências nunca poderão responder à pergunta 32

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capítulo 7

A ÉTICA DA DISCUSSÃO

Características gerais da ética da discussão De um ponto de vista histórico, a ética da discussão, a que alguns também chamam ética do discurso1, é uma teoria ética de inspiração iluminista desenvolvida nos anos 60 e 70 do século XX pelos filósofos alemães Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas. O objectivo declarado destes filósofos é retomar a linha iluminista da reflexão ética moderna inaugurada por Kant. Abordar a ética numa perspectiva iluminista significa partir do princípio de que a «razão» humana, na sua autonomia e liberdade, dispõe de meios suficientes para determinar a «lei moral», ou seja, as normas éticas do comportamento em sociedade. Tal como no caso de Kant, o projecto teórico de Apel e Habermas representa uma reacção às éticas da «heteronomia», as quais fundamentam, em última instância, a norma ética em razões de ordem metafísica ou teológica, ou então recorrendo ao apoio de um ethos cultural, como acontece na teoria hegeliana da «eticidade» (Sittlichkeit). A razão, só por si, estaria em medida de responder à pergunta «o que devo fazer?», entendida no sentido de questão relativa aos «deveres» que cada ser racional tem para com os outros seres racionais. A ética O nome alemão dado a esta teoria ética é Diskursethik. O termo alemão Diskurs coloca algumas dificuldades na tradução para português (o mesmo acontecendo nas traduções para francês ou espanhol) por apresentar o duplo sentido de «discurso» e «discussão». Tendo em conta os contextos em que o termo é usado pelos teóricos da Diskursethik, bem como o conteúdo filosófico da própria teoria ética, consideramos que a tradução mais indicada é «discussão». Assim, para dar um exemplo, a tradução da expressão Dirkursteilnehmer, um conceito central e muito utilizado nesta teoria ética, por «participante no discurso» é muito menos natural do que por «participante na discussão». Na perspectiva dos autores desta ética o Diskurs é um processo dialógico idealmente aberto a todos os interessados em participar nele de maneira séria. Em português chama-se a um processo deste género «discussão». O termo «discurso», ao contrário de «discussão», sugere um conjunto de enunciados, orais ou escritos, normalmente atribuíveis a um locutor; exprime, por conseguinte, uma actividade verbal monológica e não dialógica. 1

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da discussão é, por conseguinte, uma ética do dever, ou seja, de acordo com a tipologia apresentada no Capítulo 3, uma ética deontológica. É claro que a ética da discussão, como projecto teórico original que de facto é, não se limita a repetir Kant, mas pretende melhorar os elementos da deontologia kantiana que considera teoricamente fracos e/ou menos aptos para fazer face aos problemas éticos do mundo contemporâneo. Neste último aspecto, pode-se referir o esforço dos autores da ética da discussão para dar à ética uma «parte aplicada» susceptível de fazer dela uma «ética da responsabilidade»2, capaz de propor soluções éticas para problemas éticos concretos que se põe no mundo em que vivemos. Com este esforço de «aplicação», a ética da discussão distingue-se da kantiana que, de acordo com a crítica de Weber, não seria mais do que uma «ética de convicções» (Gesinnungsethik). No aspecto teórico, a grande inovação da ética da discussão, em particular em relação à deontologia kantiana, é uma concepção dialógica da razão inspirada no linguistic turn da filosofia analítica, nomeadamente na teoria dos «actos de fala» (speech acts) de Austin e Searle3. Enquanto em Kant a determinação do princípio ético universal (imperativo categórico) e a sua fundamentação são obra da reflexão solitária de uma razão «monológica», para Apel e Habermas estas tarefas da ética deontológica devem ser levadas a cabo por uma «razão comunicacional», concretizada numa discussão aberta à pluralidade dos membros de uma comunidade ideal de argumentação. Para os filósofos de Frankfurt (Apel e Habermas), se tiver por objecto problemas de fundamentação de normas ou princípios práticos, e se for puramente racional, o mesmo é dizer se decorrer «sem dominação» (herrschaftsfrei), esta discussão conduzirá necessariamente a uma solução consensual desses problemas. As vantagens desta concepção dialógica da razão seriam de duas ordens. Por um lado, ela permitiria ligar mais intimamente a argumentação ética, o pensamento, à acção prática, na medida em que seriam os próprios agentes sociais, sujeitos éticos de base, a participar na actividade argumentativa e a introduzir na discussão os mais diversos conVer Apel, 1996, 346 sq. Que se haviam inspirado, a seu turno, na filosofia da ordinary language do Wittgenstein das Philosophische Untersuchungen. 2 3

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teúdos éticos na sua materialidade. O trabalho dos «especialistas» da teoria ética seria, assim, secundário — ideia que vai no sentido dos ideais democráticos, emancipatórios e individualistas da modernidade iluminista. Por outro lado, a introdução da lógica, ou, melhor dizendo, da pragmática dos actos de fala (speech acts), daria acesso a uma forma pragmática do princípio de contradição — a «contradição performativa» — que seria muito mais eficaz no âmbito da teoria ética do que o princípio puramente semântico da não-contradição lógica, característico da razão «monológica» kantiana. Na opinião de Apel e Habermas, seria, assim, possível escapar aos inconvenientes do «formalismo» ético do filósofo de Königsberg. De um ponto de vista sistemático, a ética da discussão é uma ética cognitivista. Isto significa que ela considera que, tal como acontece com as proposições descritivas, também as proposições normativas são susceptíveis de ser verdadeiras ou falsas, e são, neste sentido, de carácter cognitivo. Os éticos do discurso concedem, no entanto, que aquilo que está em causa nos enunciados normativos não é propriamente uma «verdade» idêntica à das proposições descritivas, mas uma validade ou correcção normativa. A «pretensão à verdade» factual seria apenas uma das espécies da «pretensão à validade»; a outra seria a pretensão à validade normativa. Tal como existem meios objectivos para verificar a pretensão à verdade factual de uma proposição apodíctica do tipo «S é p», também existiriam meios objectivos para verificar a pretensão à validade (normativa) de uma proposição de «dever» — meios esses que, sem dúvida, não são os mesmos nos dois casos. Neste sentido, o cognitivismo da ética da discussão é objectivista. Existiriam razões objectivas, independentes dos interesses subjectivos dos agentes, que fundamentam a pretensão de validade de uma norma — ou de qualquer afirmação normativa implícita ou explicitamente dependente de uma norma. Este objectivismo opõe-se, nomeadamente, ao subjectivismo contratualista; no caso deste, a justificação racional da acção, ou da proposição normativa, reside nos interesses particulares, ou subjectivos, dos agentes. Dentro do cognitivismo objectivista, a ética da discussão é um caso de objectivismo formal, por oposição ao objectivismo material. Neste último caso, o processo de verificação da validade da norma é praticamente idêntico Introdução à Ética

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ao da verdade de um facto. Na «ética material dos valores», de Max Scheler, por exemplo, a «percepção dos valores» (Wertnehmung) é um processo cognitivo muito semelhante ao da percepção (Wahrnehmung) de um estado de coisas empírico. No objectivismo formal, a validade da norma ética é comprovada como necessidade lógica de um princípio formal de não contradição. Em termos simples, pretende-se mostrar que agir bem eticamente, ser moral, é, simplesmente, agir «racionalmente», ser «racional». A má acção moral seria uma «contradição» do ponto de vista de uma racionalidade formal. Isto não significa, obviamente, que não haja no mundo, materialmente, más acções — pode até acontecer que estas sejam mais frequentes do que as boas. Todavia, isso não põe minimamente em causa a validade «racional» da «lei moral» e das normas éticas. Diz-se, assim, que a ética da discussão, tal como a de Kant, é contrafáctica. Finalmente, a ética da discussão é dita procedimental, na medida em que não tem por objecto a formulação de normas ou princípios éticos, mas apenas a elaboração de procedimentos destinados a verificar a validade normativa dessas normas ou princípios.

A contradição performativa na pragmática transcendental de Apel O modelo de fundamentação da ética do discurso não é de natureza axiomática, caso em que as normas éticas seriam consideradas derivadas de axiomas indemonstráveis e evidentes per se, mas da ordem da prova pelo absurdo. Da mesma maneira que Kant pretende mostrar que a negação da lei moral por um sujeito racional seria uma «contradição» imanente à «razão» em acto no pensamento racional de um tal sujeito, Apel quer mostrar que a recusa ou negação da possibilidade de fundamentação, e, portanto, na validade de toda e qualquer norma, por parte de um eventual adversário, através de uma argumentação no âmbito de uma discussão racional pública, seria um acto de «auto-contradição». Isto porque a própria argumentação racional teria como pressupostos «pretensões de validade», ou seja, princípios de carácter ético. A argumentação racional seria um jogo de linguagem cujas regras, já de si, se256

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riam de natureza ética. Quem negasse estas regras colocar-se-ia a si próprio fora do jogo, do Sprachspiel, da argumentação racional. A fundamentação da ética de Karl-Otto Apel está centrada na ideia de «contradição performativa», um conceito proveniente da teoria dos actos de linguagem, igualmente conhecida por pragmática. Esta teoria faz uma distinção entre verbos puramente descritivos, que servem para descrever estados de coisas, e verbos performativos. Neste último caso, qualquer locutor, agente do acto de linguagem, que use um tal verbo na primeira pessoa, pelo simples facto de o usar, compromete-se a fazer algo. É óbvio que isto acontece a quem diz, por exemplo, «prometo que amanhã te dou um chocolate»; mas também acontece ao locutor da proposição «eu afirmo que tenho na cozinha um frigorífico preto». Neste último exemplo, o agente do «acto de fala» compromete-se a demonstrar, em caso de necessidade, a verdade da afirmação «tenho na cozinha um frigorífico preto», bastando para tal mostrar ao alocutário o objecto em causa. Que os actos de fala sejam «performativos» significa que têm consequências ou pressupostos enquanto acções. É neste sentido que se pode falar de «contradições performativas», as quais se devem distinguir de contradições puramente semânticas. Nestas últimas, existe uma contradição entre dois conteúdos. Dizer, por exemplo, que «o Senhor Silva é moreno e não é moreno», ou «tem um metro e oitenta e não tem um metro e oitenta», é entrar em contradição semântica. Já a «contradição performativa» é uma contradição entre um conteúdo e um acto, ou eventuais consequências ou pressupostos do acto. Um exemplo famoso de contradição performativa, introduzido pelo filósofo Jaakko Hintikka, é a afirmação «eu não existo». O locutor de um tal enunciado só pode ser o agente de um acto de fala, o qual existe necessariamente no momento desse acto, visto que agir pressupõe a existência de um agente; ninguém pode agir sem existir. Estamos, pois, perante um caso de contradição performativa entre um acto de fala e o seu conteúdo proposicional. Para Apel, a função da comunicação humana no âmbito do agir cooperativo reside na resolução de conflitos através de uma «discussão» (Diskurs) racional argumentada. A argumentação racional constitui o modo fundamental da comunicação humana. A fortiori deverá a fundamentação de normas éticas ser constituída por uma argumentação racional. Da mesma maneira, quem puser em causa Introdução à Ética

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a pretensão dessas normas à validade só o poderá fazer através de uma argumentação racional. Uma tal tentativa, porém, significa a participação numa discussão argumentada que constitui um «jogo de linguagem» que, como qualquer jogo, tem as suas regras performativas. Se tomarmos por exemplo comparativo um jogo como o xadrez, estas regras não são apenas as que regulamentam o movimento das peças, que estipulam que movimentos são possíveis com o cavalo, o bispo, etc., mas igualmente princípios implícitos, não escritos, de comportamento, como a vontade de ganhar e a seriedade no esforço intelectual para atingir o objectivo comum aos dois jogadores. Apel pretende mostrar que um adversário que negue a pretensão à validade de princípios éticos4 começa por entrar num jogo argumentativo, ou seja, num agir comunicacional, que pressupõe regras que não são apenas de ordem semântica, mas igualmente performativa. A tese do filósofo é que algumas regras performativas da discussão também seriam necessariamente de carácter ético. Desta forma, caso se conseguisse demonstrar a existência de uma contradição performativa no agir comunicacional que constitui a argumentação do adversário, poder-se-ia considerar demonstrada, segundo Apel, a necessidade «transcendental-pragmática» de princípios éticos que, desta forma, seriam pressupostos por toda e qualquer argumentação, ou mesmo, de um modo mais geral, por toda e qualquer forma de comunicação humana baseada no uso da linguagem. A necessidade lógico-pragmática universal de uma normatividade moral estaria, assim, demonstrada. E, a ser assim, a teoria ética, na versão apeliana, teria cumprido a sua missão de fundamentar a «lei moral». No centro da fundamentação «transcendental-pragmática» de Apel está, pois, a questão de saber se a argumentação racional, e, de um modo geral, qualquer acção comunicacional, tem pressupostos éticos. Na afirmativa, resta determinar quais são esses pressupostos. Na sua análise do agir comunicacional, Apel identifica os seguintes quatro pressupostos: a) Pressuposto do interesse na resolução de questões de validade. «Todos os participantes na discussão (Diskurs) estão interessados na resolução de todas 4 Nesta perspectiva, os principais adversários da ética da discussão de Apel são o emotivismo e o existencialismo.

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as questões de validade (Geltungsfragen) que se colocam […] no mundo da vida». Por conseguinte, estão «interessados em encontrar soluções consensuais para todos os membros de uma comunidade aberta e ideal de argumentação, e isto para todos os problemas»; ou seja, estão interessados «em não instrumentalizar a discussão com os outros para a prossecução dos seus objectivos pessoais — tal como acontece, por exemplo, quando se utiliza o saber de peritos num discurso puramente estratégico». b) Pressuposto do carácter comum dos problemas e das soluções. «Todos os parceiros [da comunidade de argumentação] partilham, por princípio, com todos os outros todos os problemas imagináveis (alle denkbaren Probleme).» c) Pressuposto da igualdade. Todos os seres com capacidade de argumentação têm o direito de participar na discussão, de maneira «séria» e «racional», com os argumentos que entenderem. d) Pressuposto da não-violência. Todos os membros da comunidade de comunicação desejam resolver «sem violência», isto é, pela discussão racional, «todos os conflitos possíveis relativos a pretensões de validade», não só enquanto pretensões teóricas à «verdade», mas também enquanto pretensões de ordem prática ou normativa à «validade» ou «correcção» das acções.5 Para Apel, o conceito de argumentação implica a ideia de uma «comunidade aberta e ideal de comunicação», cujos membros «encontram soluções consensuais para os problemas» teóricos e práticos que se lhes colocam. Esta ideia, por seu turno, implicaria duas normas éticas: a «responsabilidade de todos os membros da comunidade na resolução dos problemas» e a «igualdade de princípio de todos os participantes na comunicação» como condição para uma «solução consensual» desses problemas.6 Os problemas só serão racionalmente resolvidos se todos puderem participar na sua resolução, o que garanti5 6

Apel, 1996, 332-334. Os sublinhados estão no original. Apel, 1996, 335.

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ria, ao mesmo tempo, uma solução consensual. O consenso de todos os membros da comunidade ideal forneceria a certeza da validade da norma. Chegado a este ponto da demonstração, Apel gaba-se de ter introduzido, através da sua «transformação» pragmática da filosofia transcendental, a peça que faltava à fundamentação kantiana — peça essa que, em seu entender, salvaria o procedimento fundamentador da hipoteca metafísica que ele ainda teria na ética do filósofo de Königsberg. «No lugar da aptidão da máxima da minha acção para ser lei [universal] […] é colocada a ideia reguladora da aptidão ao consenso sobre todas as normas válidas para todos os sujeitos por elas afectados.»7 Problemas da pragmática transcendental Uma objecção, à primeira vista óbvia, que geralmente se faz à ética do discurso diz respeito ao carácter irrealista de normas adoptadas no âmbito de uma «comunidade ideal de comunicação ou argumentação». Todos sabemos que as discussões reais de questões práticas são normalmente de natureza «estratégica». Cada participante tenta persuadir os outros através de diversos procedimentos retóricos, como, por exemplo, a chamada à colação de argumentos favoráveis à sua tese e a não evocação, ou mesmo ocultação, de argumentos contrários a essa tese. Acontece, porém, que a ética da discussão é deliberadamente contrafáctica, e esta opção teórica pode ser justificada. É legítimo, como faz Kant, basear uma teoria ética na necessidade de haver uma boa «intenção» ou «boa vontade» da parte dos agentes. Também as regras da aritmética, nomeadamente, são contrafácticas, no sentido em que o facto de alguém afirmar, por exemplo, que 8 vezes 6 são 38, por ignorância da tabuada, lapso momentâneo, acesso de loucura ou prepotência não invalida essas regras. Se o fim do jogo argumentativo é a «verdade», a «validade» normativa e a «resolução dos problemas», e não apenas uma vitória por persuasão do interlocutor, todos os participantes terão interesse em aproximar os padrões da discussão dos da comunidade ideal de comunicação, dito de outro modo, em respeitar as regras do jogo. O primeiro pressuposto do 7

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Apel, 1996, 336.

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jogo da argumentação na esfera prática seria, assim, o interesse pela resolução de questões de validade, tal como na esfera da argumentação teórica, ou seja, na ciência, é o interesse pela resolução de questões de verdade científica. O facto de um cientista falsificar resultados, para, por exemplo, ganhar um prémio ou fazer carreira, não põe em causa aquilo a que alguns chamam «ética» da ciência, que é, no fundo, o conjunto de regras de procedimento consideradas necessárias para determinar a «verdade», as quais são grosseiramente violadas numa falsificação de resultados. Podemos, pois, conceder a Apel que numa discussão prática, e a fortiori quando se trata de uma discussão filosófica sobre a fundamentação da ética, nos tentamos aproximar o mais possível da comunidade ideal de argumentação e respeitar as suas regras. Um problema mais grave do que o do «irrealismo» da ética do discurso prende-se com a ideia central do «consenso» como garantia ou fundamento da validade normativa. No caso de uma argumentação teórica, isto é, científica, fundamentar uma tese, uma teoria ou uma simples afirmação significa mostrar ou provar a sua «verdade». O facto de, numa dada comunidade de comunicação, haver consenso em que o Sol gira em torno da Terra não significa que seja verdade que o Sol gire em torno da Terra. O problema que se coloca numa argumentação prática sobre normas de acção reside no facto de não existir para a «verdade» normativa um momento análogo àquele em que, na esfera teórica, a verdade das afirmações se revela nos estados das próprias coisas. É para paliar esta falta que a ética do discurso dá à ideia do «consenso» na discussão prática um peso decisivo, e provavelmente excessivo. Se nada obsta a que o consenso seja considerado um indício da validade da norma, será que representa a sua garantia absoluta? Se o essencial é o consenso, não poderia a «comunidade de argumentação» chegar a soluções consensuais de carácter manifestamente imoral ou amoral? Analisemos o seguinte exemplo. No caso de problemas de financiamento do sistema de saúde — uma problemática que está na ordem do dia — não poderia a comunidade de argumentação chegar a «consenso» relativamente a uma norma que previsse a eutanásia obrigatória para sujeitos idosos a partir de determinada idade, independentemente do seu estado de saúde? Apel responderia que não, na medida em que uma tal norma entraria em contradição Introdução à Ética

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com o pressuposto da igualdade de direitos de todos os intervenientes na comunicação e iria contra o pressuposto do não recurso à violência. A questão que aqui se põe, contudo, é a de saber se é legítimo considerar os pressupostos do Sprachspiel, do jogo de linguagem argumentativo, como já sendo imediatamente e em si mesmos de natureza ética ou moral e não apenas regras implícitas, pressupostos simplesmente «técnicos» de uma actividade. Dito de outro modo, a questão é saber se um sujeito argumentador também tem de ser lógica e necessariamente eo ipso um sujeito ético. Ora, não se vê nenhuma razão lógica ou «pragmática» para tal.8 A «igualdade de direitos» enquanto pressuposto da discussão argumentada diz apenas respeito ao direito de participação no jogo argumentativo (direito de intervir, de apresentar os argumentos que se quiser, etc.). Não existe, portanto, nenhuma «contradição» entre os compromissos implicitamente assumidos por um sujeito argumentador e a sua recusa em conferir a si ou aos outros a qualidade de sujeito ético, ou seja, a qualidade de ser, segundo a expressão de Kant, um «fim em si». Mesmo o pressuposto do não recurso à violência não constitui, em si, um princípio ético ou moral, mas a simples aplicação de um pressuposto geral, por assim dizer, técnico do jogo da argumentação, e de qualquer jogo em geral, que estipula que numa determinada actividade só são permitidos os actos conformes à natureza dessa actividade, actos conformes às regras do jogo ou que não perturbem o seu desenrolar. Um jogador de futebol que recorre à violência, por exemplo, não é sancionado por ter cometido um acto imoral mas por ter mudado de prática, ter passado do futebol à luta livre, e, dessa maneira, ter interrompido o normal desenrolar do jogo.

A pragmática universal de Habermas É consciente destas dificuldades da «pragmática transcendental» de K.-O. Apel que Jürgen Habermas atenua as pretensões objectivistas da ética da discussão, li8 Uma crítica deste género é feita por Anton Leist (2000, 131), que não vê nenhuma relação a priori entre ser «sujeito argumentador» e «sujeito ético».

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Introdução A pluralidade das éticas e as fontes da ética. . . . . . . . . . . . . . . . . . . O estatuto epistemológico da ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A questão do relativismo e a exigência de universalidade . . . . . . . .

19 21 26

Capítulo 1: O Que É Ética? O mapa e a bússola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A ética na história e a sua situação actual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Os termos «ética» e «moral». . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O êthos e o ethos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Mos, mores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . «A moral», «o moral»: sentidos actuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O termo «moral» como adjectivo: «moral» versus «imoral»; «moral» versus «amoral» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A oposição hegeliana entre «moralidade» e «eticidade». . . . . . . . Distinções entre «ética» e «moral» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Questões, objectos e tarefas da ética. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

31 34 39 39 44 45 49 52 53 54

Capítulo 2: Relação da Ética com Outras Disciplinas Ética, ciência, ciências exactas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ética, ciências sociais e humanas, literatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ética e literatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ética e direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ética e política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Capítulo 3: Tipos de Ética Ética descritiva, ética normativa, metaética . . . . . . . . . . . . . . . . . . Naturalismo ético e ética evolucionista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Críticas do naturalismo ético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Éticas teleológicas e éticas deontológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . a) Éticas deontológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Vantagens e problemas da ética deontológica . . . . . . . . . . . . b) Éticas teleológicas I: utilitarismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Problemas do utilitarismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . c) Éticas teleológicas II: ética das virtudes . . . . . . . . . . . . . . . . . Pontos fracos e fortes da ética das virtudes . . . . . . . . . . . . . . Cognitivismo e não-cognitivismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . a) Não-cognitivismo. Emotivismo e decisionismo . . . . . . . . . . . Emotivismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . b) Cognitivismo I. subjectismo racionalista: Contratualismo. . . Problemas do contratualismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . c) Cognitivismo II. Objectivismo formal: Formalismo . . . . . . . . Subjectivismo e objectivismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Realismo forte e realismo fraco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O realismo de Scheler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Vantagens e problemas do realismo forte. Motivações do realismo fraco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo 4: A Ética de Aristóteles Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Bem, fim, felicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O argumento do ergon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O conceito de virtude e as virtudes éticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Formação do carácter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A virtude como mediania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O que é o médio nas virtudes éticas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A virtude da coragem e o valor ético do «belo» (kalon). . . . . . . . 300

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Críticas à concepção aristotélica da virtude . . . . . . . . . . . . . . . . A prudência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As virtudes intelectuais ou «dianoéticas» . . . . . . . . . . . . . . . . . . Traços distintivos da prudência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A phronêsis política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Deliberação e contingência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Significado da prudência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Problemas e comentários. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

174 177 179 182 185 186 189 192

Capítulo 5: A Sageza de Epicuro Teoria do prazer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O tetrapharmakon ou as condições da felicidade. . . . . . . . . . . . . . . A serenidade do mar (galênê) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

197 203 213

Capítulo 6: A Ética de Kant A boa vontade e o dever . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O imperativo categórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Fundamentação e motivação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Críticas e comentários. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Hegel e Scheler. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Schopenhauer, Foot, Tugendhat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Schiller . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

221 229 239 244 244 246 249

Capítulo 7: A Ética da Discussão Características gerais da ética da discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A contradição performativa na pragmática transcendental de Apel . . Problemas da pragmática transcendental. . . . . . . . . . . . . . . . . . A pragmática universal de Habermas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Comentário crítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

253 256 260 262 267

Capítulo 8: Éticas Teleológicas Contemporâneas Ética comunitarista das virtudes (MacIntyre). . . . . . . . . . . . . . . . .

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Ética das capabilidades (Martha Nussbaum) . . . . . . . . . . . . . . . . . Uma teoria «espessa» e «vaga» do bem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Capabilidades e actividades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A teoria das virtudes e a objecção relativista. . . . . . . . . . . . . . . .

277 279 283 289

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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No âmbito da colecção ETHOS E POLIS são publicadas obras de ética, filosofia moral e pensamento político, de autores clássicos e contemporâneos.

INTRODUÇÃO À ÉTICA

José Manuel Santos INTRODUÇÃO À ÉTICA

INTRODUÇÃO À ÉTICA

A ciência tenta descrever, o mais rigorosamente possível, o que é ou acontece. De certa forma desenha um mapa da realidade. Conservando a metáfora geográfica, podemos talvez dizer que a finalidade da ética, enquanto ramo da filosofia, não é o desenho de um mapa mas a fabricação de uma bússola. Tanto a antiga questão de Sócrates, «como viver?», como a mais recente de Kant sobre o significado do «dever» moral, «o que devo fazer?», não têm por resposta a positividade de factos visíveis mas a possibilidade invisível da normatividade. Estas perguntas, que estão na origem da ética, exprimem uma inquietude fundamental de todo e qualquer ser humano, que se concretiza numa necessidade de orientação nas relações com os outros, consigo mesmo, com os animais não humanos ou mesmo com a natureza no seu todo. Nesta Introdução à ética optou-se por combinar os dois modelos habitualmente seguidos pelos prolegómenos a este ramo da filosofia. Assim, na primeira parte, de carácter sistemático, são introduzidos os principais conceitos da ética, as suas tarefas, os seus objectivos e um panorama dos diferentes tipos de teoria ética. Na segunda parte, de carácter histórico, são apresentadas as éticas de referência de Aristóteles e Kant, a filosofia prática de Epicuro e algumas teorias éticas contemporâneas (Apel, Habermas, MacIntyre, Nussbaum).

José Manuel Santos

ETHOS E POLIS 2

D O C U M E N TA

Nascido em Lisboa, José Manuel Santos estudou filosofia em Paris e Colónia, tendo-se doutorado na Universidade de Paris I. Ensinou filosofia na Universidade de Wuppertal (Alemanha). É actualmente Coordenador do Instituto de Filosofia Prática e Professor Associado na Universidade da Beira Interior, onde dirige o Doutoramento em Filosofia. As suas áreas de investigação e publicação são a filosofia contemporânea (em particular fenomenologia), a ética e a filosofia política.


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