OS TEMPOS DA CENTRAL TEJO
THE TIMES OF THE CENTRAL TEJO
Volume II
DOCUMENTA
OS TEMPOS DA CENTRAL TEJO
THE TIMES OF THE CENTRAL TEJO
Volume II
DOCUMENTA
A obra que agora se publica resulta, em grande medida, de uma oportunidade criada por um trabalho de anos desenvolvido pelo grupo de investigação formaurbis LAB da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, que consistiu na elaboração de um Atlas Morfológico da Cidade Portuguesa.
Uma das fases do referido Atlas, correspondendo ao estudo da «Tipologia Edificada», foi desenvolvida de 2018 a 2022, tendo como base de trabalho cerca de 700 edifícios em Portugal, onde se incluiu o conjunto edificado da Central Tejo. Este último constitui um caso de particular interesse pela sua natureza industrial e inserção na zona monumental da Belém.
A publicação, que tem o nome esclarecedor de Os Tempos da Central Tejo, efetivamente trata da arquitetura deste edifício do ponto de vista da sua evolução no tempo, isto é, desde a execução do aterro de 1887 até à mais recente adição do MAAT. Conseguimos descortinar um processo muito mais complexo do que à partida nos parecia vislumbrar, de um conjunto cuja arquitetura, até há pouco tempo, não era acreditada do ponto de vista patrimonial. A expressão física das ideias, influências, alterações, adições e reinterpretações é neste caso particularmente evidente e revelador da contribuição deste edificado para a complexidade da cidade de Lisboa.
Não sendo a primeira obra que trata do conjunto edificado da Central Tejo, o prisma aqui desenvolvido é de facto o que, pela primeira vez, nos permite, a partir de uma coleção de peças gráficas muito claras, que registam os diversos momentos do conjunto, compreender a sua permanente evolução. A Central Tejo é aqui tratada sob o ponto de vista da arquitetura e dissecada a partir das diversas etapas importantes para compreendermos o que hoje podemos experimentar. Naturalmente que todas as obras têm muito de pessoal e aqui quero destacar o trabalho do autor, Miguel Freitas Silva, já há anos investigador e docente na Faculdade de Arquitetura, pelo seu trabalho de investigação de fontes e a sua interpretação a partir de métodos e instrumentos de grande clareza, que nos permitem compreender as metamorfoses deste conjunto edificado. Este trabalho vem na senda de outros desenvolvidos pelo autor sobre edifícios e espaços patrimoniais do século XX em Portugal, mas também sobre a desconhecida evolução de conjuntos patrimoniais japoneses, magnificamente estudadas na sua tese de doutoramento. Por último, quero referir que sem o apoio da Fundação EDP e o entusiasmo do seu Centro de Documentação, não teria sido possível passar este conhecimento ao grande público a partir de uma obra de uma qualidade inegável que constituirá certamente uma referência no nosso panorama cultural.
Carlos Dias Coelho Presidente da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa
FigS. 1-7 (NAS PágiNAS ANTEriorES): Vistas
sobre a Central Tejo [Views of the Central Tejo], 2023
The work that is now being published is largely the result of an opportunity created by years of research carried out by the formaurbis LAB research group at the Lisbon School of Architecture of the Universidade de Lisboa, which consisted of drawing up a Morphological Atlas of the Portuguese City.
one of the phases of the Atlas, corresponding to the study of the “Building Typology”, was carried out from 2018 to 2022, work-based on around 700 buildings in Portugal, including the Central Tejo building complex. This is a case of particular interest due to its industrial nature and location in Belém’s monumental area.
The publication, which has the enlightening name of The Times of Central Tejo, effectively deals with the architecture of this ancient power plant from the point of view of its evolution over time, that is, from the execution of the embankment in 1887 to the most recent addition of the MAAT – Museum of Art Architecture and Technology. With it, we were able to see a much more complex process than we first thought, of a building whose architecture, until recently, was not recognised from a heritage point of view. The physical expression of ideas, influences, alterations, additions and reinterpretations is particularly evident in this case and reveals its contribution to the complexity of the city of Lisbon.
Although this is not the first work to deal with the history of Central Tejo, the prism developed here is in fact the first that allows us, from a collection of very clear graphic pieces that record the various moments of the building complex, to understand its permanent evolution. Central Tejo is treated here from an architectural point of view and analysed from the different stages that are important for understanding what we can experience today.
Naturally, all the works are very personal and here i would like to highlight the work of the author, Miguel Freitas Silva, who has been a researcher and a professor at the Lisbon School of Architecture for many years, for his work researching sources and interpreting them using very clear methods and instruments, which allow us to understand the metamorphosis of this building. This work follows in the footsteps of others developed by the author on 20th century heritage buildings and spaces in Portugal, but also on the unknown evolution of Japanese heritage complexes, magnificently studied in his doctoral thesis.
Finally, i would like to say that without the support of the EDP Foundation and the enthusiasm of its Documentation Centre, it would not have been possible to pass on this knowledge to the general public, based on a work of undeniable quality that will certainly be a reference in our cultural panorama.
Carlos Dias Coelho President of the Lisbon School of Architecture of the Universidade de Lisboa
o último registo de atividade da Central Tejo data de 14 de agosto de 1972 na sequência de um atentado às linhas de alta tensão que abasteciam Lisboa e que deixou a capital sem luz. A velha fábrica de eletricidade laborou durante uma semana, produzindo energia elétrica para a rede. Desativada oficialmente em 1975, seriam necessários quinze anos para transformar a Central Tejo no Museu da Eletricidade, conferindo-lhe uma nova função e reforçando a sua ligação à comunidade. Desde então, a sua preservação e a sua afirmação como um espaço de memória e de cultura tornaram-se um desafio e uma responsabilidade plenamente assumidos pela Fundação EDP.
A criação do Museu da Eletricidade na Central Tejo foi determinante para a posterior decisão de aí recolher a documentação de valor histórico das antigas empresas do sector elétrico que, com a nacionalização, vieram a constituir a EDP e na sequência da qual foi criado em 1996 um Centro de Documentação Histórica do grupo EDP, nos antigos espaços das oficinas da Central. Todo este património documental e iconográfico recolhido foi e é fundamental para o desenvolvimento de estudos que a Fundação EDP divulga e dinamiza nos temas ligados quer à valorização da história e à defesa do património energético, quer aos desafios energéticos presentes e futuros.
No caso concreto deste trabalho que agora se apresenta, ele dificilmente teria o grau de pormenor e o rigor que se pretende atingir sem o conjunto de informação que chegou até nós das antigas Companhias reunidas de gás e Eletricidade, desenhos de plantas, alçados e cortes, fotografias e documentação vária, que constitui um dos fundos do Centro de Documentação da Fundação EDP – fundo CrgE. É por essa mesma razão que encaramos com orgulho e entusiasmo a publicação deste livro, que procura retratar a Central Tejo ao longo da sua história, desenhos-síntese que recorrem a toda uma informação gráfica e textual proveniente de vários arquivos, nacionais e internacionais.
Nestas páginas é-nos apresentada, com um assinalável rigor histórico, a origem da Central Tejo, a sua relação com a empresa belga SoFiNA e as várias fases de construção e ampliação do edificado, tornando este livro um documento muito relevante para conhecer um imóvel de interesse público, um exemplo de preservação de património industrial e um espaço que hoje é uma referência na divulgação da arte contemporânea sem nunca esquecer a sua própria história.
A Fundação EDP saúda, assim, a publicação deste livro de investigação, bem como o seu autor, renovando uma vez mais o seu compromisso de cuidar e partilhar com a comunidade um dos mais belos edifícios de Lisboa.
O Conselho de Administração da Fundação EDP
The last activity log of the Central Tejo (Tagus Power Station) dates back to 14 August 1972, following an attack on the high-voltage power lines supplying Lisbon, which left the capital without electricity. The old electricity plant worked for a week, producing electricity for the grid. officially decommissioned in 1975, it would take fifteen years to transform the Central Tejo into the Electricity Museum, giving it a new function and strengthening its connection to the community. Since then, its preservation and its affirmation as a space of memory and culture have become a challenge and a responsibility fully assumed by the EDP Foundation.
The creation of the Electricity Museum at the Central Tejo was a determining factor in the subsequent decision to collect documentation of historical value from the former companies in the electricity sector that, with the nationalisation, came to make up the EDP. As a result, an EDP group Historical Documentation Centre was created in 1996 in the former workshop spaces of the power station. All the documentation and iconographic inheritance collected was and is fundamental to the development of studies that the EDP Foundation disseminates and promotes on topics related to both the appreciation of history and the defence of the energy historical legacy, as well as present and future energy challenges.
in the specific case of this work, it would be difficult to achieve the level of detail and rigour required without all the information that has come down to us from the former Companhias reunidas de gás e Electricidade, including plans, elevations and sections, photographs and various documents, which make up one of the funds of the EDP Foundation’s Documentation Centre – the CrgE fund.
it is for this very reason that we are proud and excited to publish this book, which seeks to reveal Central Tejo throughout its history, synthesis drawings that use graphic and textual information from various national and international archives. in these pages we are introduced to, with a remarkable historical rigour, the origins of Central Tejo, its relationship with the Belgian company SoFiNA and the various stages of construction and expansion of the building complex, making this book a very relevant document for learning about such a historical building of public interest, an example of industrial heritage preservation and a space that today is a reference in the dissemination of contemporary art without ever forgetting its own past.
The EDP Foundation therefore welcomes the publication of this research book, as well as his author, once again renewing its commitment to caring for and sharing with the community one of Lisbon’s most beautiful buildings.
The Board of Directors of the EDP Foundation
ÍNDICE [INDEX]
PREFÁCIO, Paulo Pereira
, Paulo Pereira
O BUREAU D’ÉTUDES E A SOFINA | THE BUREAU D’ÉTUDES AND SOFINA
Criação e difusão de um modelo construtivo, 1905-1969
Creation and dissemination of a construction model, 1905-1969 54
O LUGAR E A CENTRAL TEJO | THE SITE AND THE CENTRAL TEJO
A frente ribeirinha no eixo Alcântara-Belém, 1856-2023 61 The riverfront on the Alcântara-Belém axis, 1856-2023 75
CRIAÇÃO DA «NOVA ESTAÇÃO ELÉCTRICA» DA JUNQUEIRA | CREATION OF THE “NEW POWER PLANT” IN JUNQUEIRA
Central Tejo I, 1908-1914 ........................................................................
Central Tejo I, 1908-1914 91
A AMPLIAÇÃO SUCESSIVA DA CENTRAL TEJO | THE SUCCESSIVE EXPANSION OF THE CENTRAL TEJO
Central Tejo II, 1914-1935 ...................................................................... 97
Central Tejo II, 1914-1935 ...................................................................... 118
Central Tejo III, 1938-1951 ...................................................................... 123
Central Tejo III, 1938-1951........................................................................ 141
O REÚSO DA FÁBRICA DE ELETRICIDADE | REUSE OF THE POWER PLANT
Central Tejo IV, 1981-2023 ...................................................................... 147
Central Tejo IV, 1981-2023 ........................................................................ 165
Dissipada há muito a visão estritamente monumentalista e celebrativa do património, começou a agrupar-se neste universo não apenas a grande massa construída, mas também o pequeno e anónimo edifício e uma impressionante quantidade de edificações de carácter produtivo e decorrentes do advento das sociedades rurais e industriais. Entre os pequenos elementos patrimoniais encontramos aquilo a que habitualmente se chama «património por proximidade»1 e o mundo infinito e polifacetado do património difuso.
Como é óbvio, e aqui por maioria de razão, enfrentamos nestes casos, algumas das vezes, os restos desafetos ou arruinados de uma ordem económica pretérita, ligados à vertiginosa desafetação de 50% dos solos agrícolas ou às indústrias de carácter extrativo e de transformação, indústrias pesadas: eis aqui uma radiografia, simplista, é certo, mas instantânea, da modificação do tecido social e económico com todas as consequências que daí advêm para a gestão do património, a que acresce a rápida desindustrialização da Europa.
Nasceram assim objetos insólitos2 do ponto de vista arquitetónico, arquiteturas clandestinas e «informais», casas «de emigrante», obras interrompidas e inacabadas, estruturas e mecanismos de transporte, além de bens imóveis-móveis que funcionam em permanência, edifícios relacionados com o desempenho desses mecanismos (elétricos, elevadores públicos, máquinas de tração ferroviária, carruagens, faróis; hangares, as próprias linhas férreas, catenárias, postes, «obras de arte», subestações, barragens), todas elas entidades arqueológicas ou entidades antropológicas excedentárias e de exceção, convocando uma experiência estética, muitas vezes refletida na arquitetura industrial e no maquinismo, às vezes com uma escala sobre-humana, descomunal, desabitada, agora que já não há «operários», não esquecendo, portanto, e também, as tantas vezes concomitantes arqueologias da ruralidade, agora que já não há «camponeses» (trabalhos de terra, levadas de água, canais e tanques patentes nas extensas explorações rurais, núcleos de armazenamento, morfologias improvisadas, trilhos imensos e poéticos, buracos de pedreiras).
Tentei, aliás, num artigo relativamente recente, chamar a atenção para aquilo a que chamei «arquiteturas marginadas». E procurei avançar com um elenco de objetos que caem nesta categoria. Parafraseando o que escrevi na altura, arquiteturas marginadas são exemplos arquitetónicos que caem habitualmente fora das análises da história da arquitetura. Fogem, obviamente, ao estatuto das tipologias clássicas de património. Trata-se, porém, de um conjunto de objetos que aparentam, ou aparentavam, não fazer parte da «ordem patrimonial», ou fazendo-o são secundários – bastante secundários, tímidos até. Noutros casos, são objetos reconhecíveis e valorizados, mas poderão conter uma segunda faceta desconhecida ou «oblíqua», para usar a expressão de André Corboz3 outras vezes são valores arquitetónicos que, pese embora terem sido tratados e consagrados através da sua
1. Constituído, por exemplo, por pequenas fontes, cruzeiros, currais, marcos de propriedade, tanques, condutas de água e até bancos de jardim. Para se ser ainda mais preciso, poder-se-ia mesmo falar de pequenas elevações, de árvores sinalizando a passagem de um riacho ou o topo de um monte, sítios calmos de descanso, organicamente construídos –literalmente «construídos» – por anos de passagem e assento de gentes diferentes e de diferentes épocas.
2. Sobre este assunto cf. ViDLEr, Anthony, The Architectural Uncanny. Essays in the Modern Unhomely: MiT, Londres/Cambridge, 1992.
3. Cf. CorBoZ, André, Le Territoire comme palimpseste et autres essais, Les éditions de l’imprimeur, 2001.
proteção, revelam a sua maior expressão como exemplos que integro nas «margens» da arquitetura1 .
Nesta categoria, que viria a compor o já imenso leque de tipologias patrimoniais, surge, como se percebeu já, o património industrial em todas as suas facetas, sendo, na sua maior parte, intensos (e imensos) conjuntos de produção, fábricas de variadíssimos fins ou os seus edifícios. Muitos deles foram protegidos como envelopes, ou seja, apenas pela sua configuração arquitetónica, perdidos que foram os elementos de maquinaria que os motivaram e justificaram; outros, porém, conservaram o seu acervo maquinal, que viria, por sua vez, a constituir uma forma de património integrado de grande valor pelos aspetos técnicos e também pedagógicos que encerram. E alguns, mesmo, mantiveram-se em produção, não sendo propriamente apenas peças museológicas, ou, sendo-o, tornando-se património histórico vivo. relativizo: muitos destes edifícios da «idade da Máquina» perderam o seu valor de uso decorrente da sua inadequação para reintegrarem a ordem social e económica contemporâneas, ou seja, para reintegrarem a cidade. Todavia, acontece que um discurso histórico-artístico e/ou relacionado com a tecno-história «valida», por assim dizer, o edifício. Para trás destas considerações fica a sua real faculdade de preservação e reaproveitamento, a sua faculdade de (re)inserção no tecido urbano e em paisagens multiformes. ora, o futuro das cidades, ou melhor, o futuro das cidades com património –que é o mesmo que dizer, neste jogo de paradoxos, o futuro do passado das cidades
que, por definição, são lugares de futuro –, deve ser equacionado introduzindo a dimensão utópica, ela mesma outro paradoxo quando se fala de «monumentos» e «cidades» – que são lugares ou tópicos, por excelência. E o meu ponto de vista é aqui, mesmo considerando a Central Tejo, um ponto de vista experiencial, estético e fenomenológico. De algum modo reflete um acervo que remete para o território dos afetos, como o define Gilles Deleuze. Mais recentemente, C. Greig Crysler chamou a atenção para uma dimensão que é de natureza híbrida: a dos afetos: «Esta área de investigação, por vezes referida como realismo especulativo, expande-se com a mesma intensidade e vigor dos estudos sobre a memória. Em muitos aspetos opõe-se diametralmente às assunções destes estudos: a “viragem afetiva” procura redistribuir qualidades subjetivas fora do Eu»1. Alerta para o facto de que não se trata da expressão mais pueril e corrente, mas antes de uma consequência de uma «formulação que provou ser muitíssimo influente no sublinhar do carácter antisubjetivo da sensação, “inconsútil, atmosférica”, e não discursiva»2, que atribui a Gilles Deleuze com Félix Guattari e à sua combinação de filosofia, história, linguagem e psicanálise3
Para Deleuze, «[a] filosofia é a teoria das multiplicidades. Toda multiplicidade implica elementos atuais e elementos virtuais. Não há objeto puramente atual. Todo atual rodeia-se de uma névoa de imagens virtuais. Essa névoa eleva-se de circuitos coexistentes mais ou menos extensos, sobre os quais se distribuem e correm as imagens virtuais. É assim que uma partícula atual emite e absorve virtuais mais ou
1. CRYSLER, C. Greig, «Introduction: Time’s Arrows: Spaces of the Past» in The SAGE Handbook of Architectural Theory, edited by C. Greig Crysler, Stephen Cairns and Hilde Heynen, SAGE, 2012, p. 305. (Tradução do autor)
2. Idem, ibidem
3. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix, Mille plateaux, Paris, Minuit, 1980; DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix, Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia, 1980, Rio de Janeiro: Editora 34, 1995-1997.
1. DELEUZE, gilles e PArNET, Claires, «L’Actuel et le virtuel», Dialogues, avec gilles Deleuze, Paris, Flammarion, 1977; nouvelle édition augmentée d’un texte inédit de gilles Deleuze, Flammarion, col. Champs, 1996. DELEUZE g. e PArNET, C. (1977/2002), Dialogues. Londres: Athlone Press (filme-documentário: L’Abécédaire de Gilles Deleuze, realizado por Pierre-André Boutang).
2. As Muralhas de Samaris, ed. original, 1983; A Febre de Urbicanda, ed. original, 1984; A Torre, ed. original, 1987; Brusel, ed. original, 1993.
3. os romances gráficos deste tandem são praticamente gerados pelos «estilos» arquitetónicos escolhidos para caracterizar as cidades intervenientes: Xhystos e Samaris, Urbicanda e Brusel (com o episódio de A Torre de permeio). Na primeira prevalece o estilo art nouveau, enquanto na segunda prevalece o barroco/rocaille, assumidos até ao limite de um design invasor e obsessivo, enquanto Urbicanda se constrói obedecendo às utopias e a algumas realizações urbanísticas da arquitetura totalitária «de regime», bem como aos projetos megalómanos de Sant’Elia. A cidade de Brusel faz a glosa do abstruso urbanismo da Bruxelas atual (desde os bairros em degradação e desaparição, até às periferias dos corporate buildings).
menos próximos, de diferentes ordens. Eles são ditos virtuais à medida que sua emissão e absorção, sua criação e destruição acontecem num tempo menor do que o mínimo de tempo contínuo pensável, e à medida que essa brevidade os mantém, consequentemente, sob um princípio de incerteza ou de indeterminação. Todo atual rodeia-se de círculos sempre renovados de virtualidades, cada um deles emitindo um outro, e todos rodeando e reagindo sobre o atual»1
Nada nos impede, pois, impelidos pela presença imponente e impositiva da Central Tejo, de reimaginar cidades inexistentes, de ficção, inseridas num mapa imaginário de um mundo «paralelo». Podemos socorrer-nos da banda desenhada para visualizar este fenómeno através das obras de François Schuiten e Benoît Peeters2. Para estes autores (o primeiro desenhador, o segundo autor dos argumentos), criadores de um universo ficcional de impressionante coerência interna, a arquitetura e a cidade são elas próprias protagonistas da ficção, enquanto, ao mesmo tempo, a produzem. «o décor para nós não é um elemento secundário: é a partir dele que o conjunto da narrativa se organiza (…) o estilo da cidade e a ideia do género da história nascem quase simultaneamente» – diz Peeters, o argumentista. Naturalmente que foi criada, também, uma teoria da permeabilidade subtil entre este nosso mundo e o mundo paralelo das «cidades obscuras» – geralmente edifícios bem reais, sediados nas nossas cidades, mas dotados de uma aura especial (eventualmente monumentos, ou imóveis possuidores de uma capacidade evocativa anacrónica – passado e futuro subitamente reunidos)3 . Todas estas cidades «de papel» jogam a sua existência em ambiências de antiutopia e de ucronia.
Ucronia: qualquer uma das histórias se desenrola em tempo nenhum (ou em todos), numa patente descronologização de referentes. Diz Schuiten: «Quando escolhemos o tipo de universo que vamos desenvolver, o que se torna essencial é alimentá-lo e dar-lhe uma credibilidade tão forte quanto possível…» E acrescenta Peeters: «o universo que nós descrevemos é um universo ligeiramente décalé, mas cheio de elementos tirados do nosso. Evoca, de facto, aquilo que teria acontecido se tivesse ligeiramente bifurcado a partir de um certo estádio, para seguir até ao fim uma direção que, na realidade, foi muito depressa abandonada».
Toda a cultura material patente nestas narrativas dá-nos conta de uma falha temporal: os projetos futuristas produzidos na viragem do século passado, nos anos 10, 20 e 30, são retratados como fazendo parte de uma realidade possível; os objetos incorrem todos eles num anacronismo coerente: um «altiplano» que leva um dos protagonistas a caminho de Samaris é um veículo hi-tech do tempo da arquitetura do ferro, com válvulas e hélices; o «aerófolo» que o depõe na cidade é, por sua vez, um planador… art nouveau os transportes terrestres são puxados por rapidíssimas, descomunais e potentes locomotivas a vapor, tal qual como se o mundo tivesse avançado nos caminhos da tecnologia curiosa de Júlio Verne e o vapor se mantivesse como elemento de fornecimento da energia fundamental. os argumentos de Peeters situam-se, assim, a meio caminho entre Jorge Luis Borges, italo Calvino, Bioy Casares, as reflexões de Walter Benjamin ou as dramáticas, mas frias, memórias de W.g. Sebald…
A condição de Sísifo de todos quantos trabalham na manutenção de uma estrutura global, cujo sentido os ultrapassa ou se perdeu, é a mola narrativa (servirá como uma metáfora das tarefas do património?).
A utopia ou, se se preferir, a ficção inscreve-se placidamente na questão do futuro das cidades com história e com passado. E das cidades às quais se reconhece – nunca se sabe porquê – uma «aura» especial, e um estatuto existencial particular – atingido até pela «ideia de cidade», pela sua imaterialidade em termos de imaginário e menos em termos da coisa ela-mesma. São estas cidades que se elegem como lugares com que mais nos identificamos, por serem os lugares que mais miticamente condensam memórias, cidades marginais aos grande centros, cidades mais pequenas, mais impuras, menos monumentais, e mais «patrimoniais» no sentido lato (entendendo-se aqui a palavra património como uma aglomeração de objetos e de discursos sobre esses objetos e das pessoas que os habitaram real ou imaginariamente, num complexíssimo sistema a que usualmente se chama «património associativo»), alimentadas, portanto, pelo imaginário, seja pela literatura, pelo cinema, pela história, mas sem que obrigatoriamente possuam uma organização centralmente «histórica», plastificada e abstrata. São estas, de resto, as características dos fenómenos identitários que se produzem em função das cidades e em que o património joga um papel fundamental no âmbito da gestão que o sujeito (que somos todos nós) faz da «economia» da memória ou do esquecimento.
Enfim, há que contar com este avesso das cidades – especialmente das cidades –, mas também – e muito – da vida no campo, distante, muito distante de qualquer idílio perfumado, antes mais próximo do pavor – e logo, às vezes, próximo também do Sublime! Neste caso, a arquitetura é a arquitetura do «outro», mas do «outro eu», ausentes que estão aqui considerações éticas ou étnicas…
E quanto ao Sublime, atente-se que «[q]uando Burke [Edmund Burke (1729-1797), autor de A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful (1756)], escreve que “começamos a perceber que as ideias matemáticas não são as verdadeiras medidas da beleza”, então a clássica ideia de beleza arquitetónica acabou. Burke introduz na teoria ideias e pontos de vista que eram explorados na arquitetura do século XViii nas “arquiteturas de papel” de artistas como os da família Bibiena ou giovanni Battista Piranesi, bem como Étienne-Louis Boullée e outros arquitetos revolucionários franceses. os seus pontos de vista seriam mais tarde usados na literatura e no cinema para transformar espaços fechados, familiares e protegidos – como os interiores das cidades – numa labiríntica, profunda, infinidade de espaços»1
Este processo de olhar e ver (que, como se sabe, são coisas diferentes), concita um exercício que apenas a fotografia objetiva pode captar (e daqui acena-se a álvaro Domingues, já que alguns dos seus trabalhos contêm uma elevada dose de julgamento «moral» apesar da riqueza das suas constatações…). o que acontece é que somos hoje confrontados com as consequências das diversas ecologias urbanas e rurais, o que pode levar à necessidade urgente de reabilitação, reinvenção, dressage e reinvestimento nas periferias e nos «canais» de circulação e espaços «oblíquos» (tomo de empréstimo e em regime apócrifo, parafraseando e metaforizando, a noção de Stefano Bueri que resulta da cidade difusa e daquilo a que se pode chamar um «arquipélago de subsistemas de decisões» (Bueri).
1. VErSCHAFFEL, Bart, «Art in (and of) Architecture: Autonomy and Medium» in The SAGE Handbook of Architectural Theory, edited by C. greig Crysler, Stephen Cairns and Hilde Heynen, SAgE, 2012, p. 170 (tradução minha), citando, no fim, Anthony Vidler (ver adiante).
1. De novo, Miguel Freitas Silva: «o património urbano é um produto criado a partir da conjugação de processos, intenções artísticas e culturais distintas. Cada significado define uma hipótese de intervenção, um processo criativo de produção representativo de uma intenção. Mas, quando relacionados entre si, proporcionam à sociedade actuante as metodologias necessárias para desenvolver uma acção de transformação encadeada.» Idem, ibidem
2. ViDLEr, Anthony, The Architectural Uncanny. Essays in the Modern Unhomely: MiT, Londres/Cambridge, 1992.
Note-se como esta análise contribui para a perceção estética contemporânea. A bem dizer, tudo começa nos anos prévios ao advento do modernismo com fotografias de gropius, Le Corbusier, ou de Mendelsohn (de 1914, por exemplo), mas é desde cerca de 1960, e especialmente a partir dos anos 90, que se dá a entrada em cena da «fotografia objetiva», que, entre outros projetos, se reporta ao registo tal qual de entidades urbanas e industriais (Bernd e Hilla Becher, pioneiros; gabriele Basilico, Thomas Struth, Thomas ruff, Candida Hoffer, Andreas gursky e muitos outros), permeabilizando a arquitetura, de qualquer tipologia ou época, com valores morfológicos, sociais e estéticos inesperados, recontextualizando-os1 . os mecanismos que aqui operam são os do unheimliche (o insólito) freudiano, conforme bem viu Anthony Vidler no seu ensaio The Architectural Uncanny2. Em quase todos estes casos trata-se de recompor e reestruturar a memória e de refundar a «arte da memória» – de facto, os objetos registados e tratados artisticamente são subitamente integrados numa espécie de universo de exceção, tal qual acontece com os objetos aos quais se atribui uma mais-valia cultural. Eis também o que está na base deste trabalho, em busca de uma dimensão perdida do sublime.
A cidade passa assim, como sempre passou, por uma operação que envolve, por contrato social, a preservação do passado e a inserção de ruturas e descontinuidades, de memória e da falta dela (da possibilidade de esquecer, também, de refazer, fazer e reconstruir). o importante será, por isso, assegurar
nessas cidades os «lugares de passagem». São estes lugares de passagem, objetos patrimoniais por excelência, que inscrevem na paisagem urbana uma quarta dimensão: a dimensão existencial e sensível, de contornos fenomenológicos – unicamente vivida por cada um, às vezes coletivamente vivida por todos – e que é, em si, a dimensão do cultural.
E são os monumentos, quase sempre, os lugares de passagem de um mundo para o outro.
É esse o caso da Central Tejo.
E é especialmente o caso deste livro que o leitor tem nas mãos1
Trata-se de um percurso, necessário e ainda inédito, pelas camadas que formam a espessura da história, mas também a delineação técnica e patrimonial –neste caso, a dimensão arquitetónica e tectónica – que Miguel Freitas Silva nos apresenta. Note-se que o trabalho a que procedeu se insere, se quisermos ser mais precisos, na categoria – digo eu – de arqueologia da arquitetura: em rigor, encontramos aqui em diversas épocas os elementos sedimentares que construíram este que é um dos marcos (monumentais) da frente ribeirinha de Lisboa ocidental, ombreando, hoje em dia (e quem o diria há cinquenta anos…!), com a Torre de Belém ou os Jerónimos, na sua atratividade, na sua condição de ícone – na sua presença na paisagem urbana. Mas este é também um trabalho de arquitetura da memória, e um passeio pelas fases sucessivas por que passou o notável centro de produção termoelétrico que abasteceu Lisboa (e não só). Mais: vai ao encontro da genealogia das formas e da arquitetura «de engenheiros» num trajeto em que se consolida o saber do Tempo que impera sobre este objeto, a sua morfogénese. o instrumento mais importante, embora não o único, utilizado pelo autor é o desenho. ou melhor: o Desenho com letra grande. De facto, é através do exercício do desenho, do levantamento e da profusão de elementos indicativos que o desenho proporciona, que nos aproximamos da tensão criativa por detrás da existência da Central Tejo: o que aqui joga é a transparência das camadas de informação, que sobrepostas adensam a nossa compreensão do objeto arquitetónico, sem concessões. Precisão, e rigor analítico. o desenho é, assim, análise e processo. Desentranha a evolução da Central, obriga-nos a olhá-la na sua longa existência, vai descarnando o acessório para nos dar o essencial.
Miguel Freitas Silva já nos tinha oferecido, há anos, uma notável tese de doutoramento, A Invenção do Património Urbano: Processos de produção dos lugares patrimoniais em Portugal2. Pois é disso mesmo que este livro (também) trata. Da presença, da memória, da criação e da consolidação de um lugar patrimonial, entendido agora, em toda a sua profundidade, como um suplemento a esse trabalho, monograficamente dedicado à mais espetacular peça de património industrial lisboeta3 .
Paulo Pereira
1. Sou um filho da eletricidade. Dito assim, dir-se-ia que sou um supervilão do universo da Marvel (o Eletro, inimigo do Homem-Aranha). Mas não. Acontece que o meu saudoso pai, Bernardo Pereira, foi desenhador técnico da CNE, depois da CPE e mais tarde da EDP (e ainda mais tarde, da rEN, rede Elétrica Nacional), e com ele ganhei uma imensa proximidade com o atelier de projeto e desenho que esteve na origem dos postes de alta tensão, que foram introduzidos no tempo da grande reforma da eletricidade em Portugal no final dos anos 50 sob a batuta do notável engenheiro Ferreira Dias, que cheguei a conhecer, era criança ainda. A minha convivência com a chamada Sala de Desenho, que frequentava todos os dias (!) quando vinha do liceu, onde ficava num cantinho a desenhar – isso mesmo! –, proporcionou-me um entendimento único e próximo com matérias que neste caso tinham que ver com a rede de distribuição, a topografia e o desenho, e projetos de construção dos enormes postes para transporte de 240 kW (mais tarde 380 kW). o meu pai desenhou, sob matriz belga, salvo erro, os chamados postes «de orelhas» e foi dele a redução à escala 1:4. Um deles, construído nas oficinas da CNE e que esteve patente no Pavilhão de Portugal da Exposição Mundial de Bruxelas de 1958 (a do Atomium). o Pavilhão foi, por sua vez, um projeto de Pedro Cid, constituindo-se, aliás, como uma peça de assinalável modernidade no panorama da arquitetura portuguesa de então, algo que seria, de resto, pedra de toque nos empreendimentos elétricos de todo o país daí em diante, das barragens às subestações, assinados por nomes relevantes (v. a propósito o fascinante livro de CANNATÀ, Michele; FErNANDES, Fátima, Moderno Escondido, Porto, FAUP, 1997). E produziu, com pequenas cantoneiras, um modelo mais reduzido, à escala, salvo erro, 1:15, que ainda se conserva nada mais nada menos do que num cantinho da Central Tejo.
2. SiLVA, José Miguel Freitas, A Invenção do Património Urbano: Processos de produção dos lugares patrimoniais em Portugal, Lisboa, FAUL, tese de doutoramento, 2017.
3. Aplica-se o que Miguel Freitas Silva escreveu: «Compreende-se, desta forma, que os processos de intervenção no tecido urbano são diversificados, portadores de especificidades próprias. Todos, agrupados ou utilizados de forma singular, têm a capacidade de produzir, criar e inventar o património cultural, paisagístico e urbano.» SiLVA, op. cit p. 123.
Os Tempos da Central Tejo resulta de uma história de acontecimentos que estão na origem da criação e transformação desta antiga central elétrica de Lisboa entre 1908 e 2023. A Central Tejo é formada pela associação de diferentes formas, texturas e atores, de ações propositadas, singulares e compostas. o conjunto sofreu ampliações, demolições, reformas interiores e exteriores, a perda do seu edifício original por modernização do processo de produção e uma final musealização, mudou a forma e o uso sem, no entanto, mudar a sua natureza industrial.
A Central Tejo constitui-se como um exemplo único do património industrial português, relaciona as estruturas modelares à monumentalidade de modelos arquitetónicos do centro-norte da Europa. A sua construção e transformação são influenciadas por um processo construtivo essencialmente mecânico que remete o ornamento para uma expressão simples dos fingidos nas padieiras e vigas de bordadura. o seu desenho assemelha-se às características particulares da região flamenga na Bélgica, distingue-se pela relação entre uma estrutura de pilastras e vigas perfiladas em ferro e janelões envidraçados que se desenvolvem verticalmente em fachadas revestidas a tijolo cerâmico compacto.
o estudo que aqui se apresenta nasce do contexto específico de um projeto de investigação desenvolvido na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, no seio do grupo de investigação formaurbis LAB, e que pretendia representar a última fase do Atlas Morfológico da Cidade Portuguesa, nomeadamente a Tipologia Edificada.1 A sua caracterização em diferentes contextos geográficos produziu uma base de dados representativa das diferentes realidades formais e tipológicas de edifícios comuns e singulares em Portugal, entre os quais a Central Tejo. Este exemplo da arquitetura industrial do início do século XX é demonstrativo, por um lado, de um processo de transformação contínuo, seja por adição, justaposição ou sobreposição sucessiva das suas estruturas, por outro, da sua capacidade de se adaptar ao tempo como uma peça expositiva que dá a conhecer uma memória particular da cidade de Lisboa.
A sua construção corresponde a várias fases de transformação num tempo longo. inicialmente foi construída a Sala das Máquinas, integrada na Central Elétrica da Junqueira (1.ª fase, 1908-1914), seguido de processos de ampliação para construção da Sala das Caldeiras de Baixa Pressão (2.ª fase, 1914-1935), a terceira fase diz respeito à construção da Sala das Caldeiras de Alta Pressão (3.ª fase, 1938-1951) e finalmente a sua musealização e criação do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (4.ª fase, 1975-atual). A curiosidade do processo é a origem do seu desenho. A Central Tejo passa mesmo por ter sido construída a partir do desenho-tipo desenvolvido pela empresa Société Financière de Transports
1. Building Typology. Morphological Inventory of the Portuguese City, funded by FCT. ref: PTDC/ArTDAQ/ 30110/2017.
et d’Entreprises industrielles (SoFiNA) na década de 1910, à imagem da Central Termoelétrica de rouen, em França.
Neste sentido, o objetivo deste estudo é compreender a transformação do conjunto da Central Tejo, construindo uma síntese escrita e desenhada das diferentes fases de composição dos edifícios desde 1908 até à atualidade. Esta leitura do edifício centra-se na sua dimensão formal e tipológica, procura esclarecer a sua evolução no ponto de vista da arquitetura e integração no seu contexto urbano e temporal. A presente investigação não teve como objeto de estudo a vida financeira, mecânica ou política da SoFiNA, mas a componente técnica e a autoria do projeto nas suas múltiplas etapas.
Metodologicamente, propõe-se reconstituir as diferentes fases que compõem a evolução morfológica do conjunto edificado, integrado no contexto do eixo urbano Alcântara-Belém, identificando os momentos e vicissitudes que levaram à sua transformação num tempo longo. os desenhos são caracterizados de forma idêntica e comparável. isto é, utilizam os mesmos códigos e escalas de representação, uma série de peças desenhadas apoiadas em fotografias e textos explicativos, que permitem uma leitura clara da evolução e do processo de transformação da Central Tejo.
Na composição gráfica de cada desenho, são utilizados critérios semelhantes aos aplicados a um desenho convencional de cores «amarelo e vermelho». Este é um método técnico utilizado pelos arquitetos no licenciamento de projetos com alterações em edifícios existentes. Neste esquema, o amarelo representa as demolições,
o vermelho, o que será construir e o preto, as partes do edifício que permanecem construídas nessa intervenção específica. Por uma decisão gráfica, a diferença é que cada fase contém várias intervenções em vez de apenas uma, retira-se o amarelo para enfatizar o construído e o vermelho trocado pela cor laranja.
As peças desenhadas que documentam a evolução da Central Tejo são compostas por plantas, cortes e alçados, devidamente datadas de acordo com as fases de construção acima propostas. O estudo não pretende substituir a bibliografia assinalada, mas constitui-se através do desenho como síntese de leitura do processo, dos modelos e vicissitudes entre as suas diferentes fases de transformação.
As fotografias são elementos importantes para a documentação do processo de transformação, constituem-se como ferramentas de trabalho, análise e interpretação de cada fase, organizadas em três formas: a) contextualização da fase como representação da Central Tejo integrada no seu contexto urbano, b) organização de imagens num conjunto de fragmentos sequenciais que mostram um momento de transformação, e c) o retrato de uma particularidade do atual edifício como testemunho da memória de um acontecimento ou fase passada.
De grande importância são as fontes documentais consultadas em arquivo, a partir das quais foi possível construir uma síntese, desenhada e escrita, com o detalhe necessário à sua representação em diferentes escalas e leituras. Refiram-se: o Arquivo Municipal de Lisboa, que reúne os processos camarários relativamente à primeira fase de construção da Central Tejo; o Arquivo Nacional da Bélgica, em
Bruxelas, conserva as ordens de serviço, atas e correspondência, entre outros documentos, relativamente às empresas soFiNa, Companhias reunidas de Gás e Eletricidade (CrGE) e sociedade de Estudos Técnicos (sETEC); e o Centro de Documentação da Fundação EDP, repositório do fundo das CrGE, da herança documental de Fernand Touzet, das memórias de ilídio Mariz simões e dos metros de desenhos produzidos pela soFiNa, sETEC e serviço de Edifícios da CrGE. a componente escrita pretende constituir-se como um complemento à síntese desenhada, responder a dúvidas inerentes à origem, estudo, decisores e técnicos –autores intervenientes na construção da Central Tejo. o texto é apoiado em documentação de arquivo – atas e ordens de serviço, memórias descritivas e desenhos de projeto, iconografia e memórias faladas – e em bibliografia específica relacionada com o tema em discussão. serviram de referência os trabalhos de Mário Kong e de Luís Cruz, contributos que enquadram a Central Tejo na história da arquitetura industrial e elétrica em Portugal, e de Liane ranieri, Michel Dumoulin, réne Brion e Jean-Louis Moreau, estudos centrados no âmbito político e financeiro da soFiNa e da Bélgica no mundo. Neste contexto, um estudo que se debruça sobre os serviços técnicos da soFiNa e da arquitetura da Central Tejo faz todo o sentido.
importa fazer uma nota sobre dois factos importantes que, de algum modo, limitaram a recolha de informação para o desenvolvimento do estudo: um, o incêndio de 1914 nas antigas instalações de retaguarda da rede das CrGE na rua D. Luís i, destruindo a maior parte da documentação relativa à primeira fase da Central Elétrica da Junqueira; outro, a incerteza acerca da localização dos arquivos técnicos que o Gabinete de Estudos da soFiNa manteve em Lisboa durante a segunda Guerra Mundial.
o estudo estrutura-se em cinco partes complementares: o Gabinete de Estudos, o lugar e as três fases da metamorfose do conjunto edificado. a primeira procura demonstrar a importância do Gabinete de Estudos da empresa soFiNa no processo de desenvolvimento administrativo e técnico das suas fábricas. a segunda diz respeito à transformação da frente ribeirinha, tendo a Central Tejo como elemento principal. as restantes partes são organizadas em função dos diferentes processos de transformação da Central Tejo: a criação corresponde à 1.ª fase de construção (Central Tejo i, 1908-1914), por ampliação definem-se as intervenções realizadas na 2.ª fase (Central Tejo ii, 1914-1935) e 3.ª fase (Central Tejo iii, 1938-1951), e o seu reúso como museu na 4.ª e última fase (Central Tejo iV, 1975-atual).
Por tudo isto, considera-se que o estudo pode construir uma ferramenta útil à compreensão do objeto no tempo e no lugar. É uma síntese cronológica, desenhada e descritiva, que se centra no objeto da arquitetura, principalmente na sua génese em projeto. um tema paradigmático que foi, de algum modo, negligenciado e nunca investigado a fundo na variada bibliografia identificada. a história do edifício enfatiza a metamorfose como processo de continuidade do objeto, demonstra alguns artefactos técnicos, componentes estruturais, modelos e conceitos aplicados por atores de diferentes espetros culturais a que está sujeito. Esta ideia de continuidade está na base da decisão de constituir este trabalho como um ii Volume1 de uma sequência de possíveis publicações demonstrativas do conhecimento do conjunto nas suas variadas abordagens e conhecimento.
The strictly monumentalist and celebratory view of heritage has long been dispelled, and this conceptualisation has been extended to include not only the great mass of buildings, but also small and anonymous buildings and the countless buildings with a productive character resulting from the advent of rural and industrial societies. among small heritage elements we find what is usually called “proximal heritage”1 and the infinite and multifaceted world of diffuse heritage.
For the most part, in these cases we are faced with disused or ruined remains of a past economic order, linked to the vertiginous disengagement from 50% of the country’s agricultural lands and from a range of extractive, processing, and heavy industries. These offer us an instantaneous x-ray, albeit a simplistic one, of the changes in the social and economic fabric, with all the consequences that this has for heritage management, including the rapid deindustrialisation of Europe.
These changes gave rise to unusual objects2 from an architectural point of view, clandestine and “informal” architectures, the gaudy houses constructed by many emigrants on their return, interrupted and unfinished works, transport structures and mechanisms, as well as permanently functioning immovable-movable assets, buildings related to the performance of these mechanisms (trams, public lifts, railway traction machines, carriages, lighthouses; hangars, railway tracks, overhead lines, poles, “works of art”, substations, dams), all of which are archaeological or anthropological entities that are surplus and exceptional, summoning an aesthetic experience that is often reflected in industrial architecture and machinery, sometimes on a superhuman, uncommon, uninhabited scale, now that working class labour has all but disappeared, and not neglecting the often concomitant archaeologies of rurality, now that there are no longer any “peasants” (earthworks, water channels, canals and tanks evident in extensive rural holdings, storage centres, improvised morphologies, immense and poetic trails, spent quarries).
indeed, in a relatively recent article, i tried to draw attention to what i call “marginated architectures” and tried to put forward a list of objects that fall into this category. To paraphrase what i wrote at the time, marginated architectures are architectural elements that usually fall outside the analyses of architectural history and which obviously fall outside the status of classic typologies of heritage insofar that they are a set of objects that appear not to be part of the “order of heritage”, or, if they are, to be (very) secondary. shy, one might say in other cases, such architectures are recognisable and valued objects, but may contain a second, unknown or “oblique” quality, to use andré Corboz’s expression.3 at other times they are architectural values that, despite having been treated and consecrated through their protection, reveal their greatest expression as examples that i include on the “margins” of architecture.4
This category, which would come to form part of the already immense range of heritage typologies, includes industrial heritage in all its facets, most of which are intense (and immense) production complexes, factories destined to a wide variety of purposes or their buildings. Many of these elements have been protected as envelopes, that is, only for their architectural configuration, having lost the machinery inherent to their functioning; others, however, have retained elements of their machinery, which in turn become a form of integrated heritage of great value for their technical and educational aspects. some have even remained in production and are not just museum pieces or, if they are, have become living historical heritage.
i stress, many of these “Machine age” buildings have fallen into disuse due to their unsuitability for the contemporary social and economic order, which is fundamentally urban in nature. Notwithstanding, historical-artistic discourse and/or discourse related to the history of
1. These include, for example, small fountains, stone crosses, animal pens, property markers, ponds, water pipes, and even park benches. To be even more precise, we could even talk about small elevations, trees signalling the passage of a stream or the top of a hill, quiet resting places, all organically built (literally “built”) by years of people passing through and settling down in different places at different times.
2. on this issue, see ViDLEr Anthony – The Architectural Uncanny. Essays in the Modern Unhomely: MiT, Londres/Cambridge, 1992.
3. see CorBoz andré, LeTerritoire comme palimpseste et autres essais, Les éditions de l’imprimeur, 2001.
4. see PErEira, Paulo, “arquitecturas Marginadas” in Revista Património, no. 3, pp. 144-153; p. 144.
1. CrYsLEr C, Greig “introduction: Time’s arrows: spaces of the Past” in The SAGE Handbook of Architectural Theory, edited by C. Greig Crysler, stephen Cairns and Hilde Heynen, saGE, 2012, p. 305.
2. DELEuzE, Gilles and GuaTTari, Félix. Mille plateaux, Paris, Minuit, 1980; DELEuzE, Gilles and GuaTTari, Félix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. (1980) rio de Janeiro: Editora 34, 1995-1997.
3. DELEuzE; Gilles and ParNET, Claires, “L’actuel et le virtuel”, Dialogues, avec Gilles Deleuze, Paris, Flammarion, 1977; nouvelle édition augmentée d’un texte inédit de G. Deleuze, Flammarion, coll. Champs, 1996. DELEuzE, G. and ParNET, C. (1977/2002), Dialogues. London: athlone Press. (filmed interview: documentary film: L’Abécédaire de Gilles Deleuze, directed by Pierre-andré Boutang.)
4. see The Great Walls of Samaris, ed. original, 1983; Fever in Urbicand, ed. orig. 1984; The Tower, ed. original, 1987; Brusel, ed. original, 1993.
5. The graphic novels in this set are practically generated by the architectural “styles” chosen to characterise the cities involved: Xhystos and samaris, urbicand and Brusel (with the episode of The Tower in between). in the former, the art nouveau style prevails, while in the latter the baroque/rocaille takes precedence, taken to the limit of an invasive and obsessive design, while Urbicand is built in obedience to the utopias and urban realisations of totalitarian architecture, as well as the megalomaniac projects of sant’Elia. The city of Brusel glosses over the abstruse urbanism of present-day Brussels (from the deteriorating and disappearing neighbourhoods to the peripheries of the corporate buildings).
technology are able to “validate” such buildings. Behind these considerations lies their real ability to be preserved and reused, to be (re)inserted into the urban fabric and into multiform landscapes.
Now, the future of cities, or rather the future of cities with heritage (which is the same as saying, in this game of paradoxes, the future of the past of cities which, by definition, are places of the future), must be considered by introducing the utopian dimension, itself another paradox when talking about “monuments” and “cities”, which are places or topics par excellence. My point here, even considering the Central Tejo power station, is an experiential, aesthetic, and phenomenological one. in a way, it reflects a collection that refers to the territory of affects, as Gilles Deleuze defines it. More recently, C. Greig Crysler has drawn attention to a dimension that is hybrid in nature – that of affect: “This area of investigation, sometimes referred to as speculative realism, is expanding with the same intensity and breadth of influence attributed to memory studies. in many ways it is diametrically opposed to the latter’s assumptions: the ‘affective turn’ seeks to redistribute subjective qualities outside the self.”1 He warns that this is not the most puerile and common expression, but rather a consequence of a “formulation that has proven most influential in outlining its anti-subjective character, ‘hazy and atmospheric’, a non-discursive sensation”, which he attributes to Gilles Deleuze with Félix Guattari and their combination of philosophy, history, language and psychoanalysis.2
For Deleuze, “Philosophy is the theory of multiplicities. Every multiplicity implies actual elements and virtual elements. There is no purely actual object. Every actuality surrounds itself with a fog of virtual images. This fog rises from more or less extensive coexisting circuits, over which virtual images are distributed and flow. This is how an actual particle emits and absorbs more or less neighbouring virtual images of different orders. They are said to be virtual to the extent that their emission and absorption, their creation and destruction, take place in a time that is shorter than the minimum continuous time thinkable, and to the extent that this brevity consequently keeps them under a principle of uncertainty or indeterminacy. Every actuality surrounds itself with ever-renewed circles of virtualities, each of them emitting another, and all of them surrounding and reacting on the actuality.”3
Driven by the imposing presence of the Central Tejo Power station, there is nothing to stop us from re-imagining non-existent fictional cities on an imaginary map of a “parallel” world. We can use comics to visualise this phenomenon, such as the works of François schuiten and Benoît Peeters.4 For these authors (the former a cartoonist, the latter a scriptwriter), creators of a fictional universe of impressive internal coherence, architecture and the city are themselves the protagonists of fiction, while at the same time producing it. “For us, the décor isn’t a secondary element: it’s from there that the whole narrative is organised (…) the style of the city and the idea of the genre of the story are born almost simultaneously,” says Peeters, the scriptwriter. Naturally, a theory was also created about the subtle permeability between our world and the parallel world of the “obscure cities” – generally very real buildings, located in our cities, but endowed with a special aura (possibly monuments or buildings with an anachronistic evocative capacity – past and future suddenly reunited).5 all these “paper” cities play out their existence in environments of anti-utopia and uchrony.
uchrony: the stories take place in any time (or in all of them), in a clear de-chronologisation of referents. schuiten comments: “When we choose the type of universe we are going to develop, what becomes essential is to nourish it and give it as strong a credibility as possible…” Peeters adds: “The universe we describe is slightly quirky, but full of elements taken from our own. indeed, it evokes what would have happened if our worlds had slightly bifurcated at a certain stage, following a direction to an end that, in reality, was very quickly abandoned.”
all the material culture in these narratives reveals a time gap: the futuristic projects produced in the 1910s, 20s and 30s are portrayed as part of a possible reality; the objects all fall into a coherent anachronism: the “altiplan” that takes one of the protagonists on his way to samaris is a hi-tech vehicle from the time of iron architecture, with valves and propellers; the “aerophele” that deposits him in the city is a kind of art nouveau glider. Land transport is hauled by large, powerful and extremely fast steam locomotives, as if the world had advanced
along the paths of Jules Verne’s curious technology and steam remained the fundamental source of energy.
Peeters’ plots can thus be located halfway between Jorge Luis Borges, italo Calvino, Bioy Casares, the reflections of Walter Benjamin, and the dramatic but cold memoirs of W. G. sebald.
The sisyphean condition of all those who work to maintain a global structure whose meaning is beyond them or which has been lost acts as the narrative spring (a metaphor for the labours inherent to heritage conservation?).
utopia or, if you prefer, fiction, placidly inscribes itself in the question of the future of cities with a history and a past. and of cities that are recognised (one never knows why) with a special “aura” and a particular existential status, achieved even by the “idea of the city”, due to its immateriality in terms of imagery and less in terms of the thing-in-itself. it is these cities that are chosen as the places where we best identify ourselves, because they are the places that most mythically condense memories, cities on the fringes of large centres, smaller cities, more impure, less monumental, and more steeped in “heritage” in the broad sense (the word heritage being understood here as an agglomeration of objects and discourses about these objects and the people who inhabited them in reality or in our imagination, in a very complex system that is usually called “associative heritage”), fed by the imagination, whether through literature, cinema or history, but without necessarily having a centrally “historical”, plasticised and abstract organisation. Moreover, these are the characteristics of the identity phenomena that occur in cities and in which heritage plays a fundamental role in how the subject (which is all of us) manages the “economy” of memory or forgetting.
Finally, we have to reckon with this reverse side of cities (especially of cities) but also (and very much) that of life in the countryside, which is far from a perfumed idyll, but rather closer to dread and, as such, possibly also closer to the sublime. in this case, architecture is the architecture of the “other”, but of the “other me”, absent ethical or ethnic considerations. and as for the sublime, note that “When Burke [Edmund Burke (1729-1797), author of A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful (1756)], writes that ‘we begin to feel that mathematical ideas are not the true measures of beauty’, then the classical idea of architectural beauty is over. Burke introduces into theory ideas and insights that were in the eighteenth century explored in ‘paper architecture’ by artists such as the Bibiena family and Giovanni Battista Piranesi, as well as Étienne-Louis Boullée and other French revolutionary architects. His insights have later been used in literature and in cinema to transform closed, familiar and protected spaces – such as interiors and cities – into labyrinth-like, deep, infinite spaces”.1
This process of looking and seeing (which, as we all know, are different things) calls for an exercise that only objective photography can capture (and from here, a nod to Álvaro Domingues, since some of his works contain a high dose of “moral” judgement despite the richness of his findings). What is happening is that we are now faced with the consequences of various urban and rural ecologies, which can lead to an urgent need for rehabilitation, reinvention, dressing up and reinvestment in the peripheries and in the “channels” of circulation and “oblique” spaces (i’m borrowing and apocryphally paraphrasing and metaphorising stefano Bueri’s notion of the diffuse city and what can be called an “archipelago of subsystems of decisions”).
Note how this analysis contributes to contemporary aesthetic perception.
in fact, it all began in the years before the advent of modernism with photographs by Gropius, Le Corbusier, and Mendelsohn (from 1914, for example), but it was in around the 1960s and especially from the 1990s onwards that “objective photography” came onto the scene, which, among other projects, referred to the unadorned recording of urban and industrial entities (Bernd and Hilla Becher, pioneers; Gabriele Basilico, Thomas struth, Thomas ruff, Candida Hoffer, andreas Gursky, and many others), permeating architecture, of any type or era, with unexpected morphological, social and aesthetic values, recontextualising them.
2
The mechanisms at work here are those of the Freudian unheimliche (the uncanny), as anthony Vidler rightly pointed out in his essay The Architectural Uncanny 3 in almost all of these cases, it is a question of recomposing and restructuring memory and re-founding the “art of memory”; indeed, the objects recorded and treated artistically are suddenly integrated into a kind of universe of exception, just like objects that are given cultural added value.
1. VErsCHaFFEL, Bart, “art in (and of) architecture: autonomy and Medium” in The SAGE Handbook of Architectural Theory, edited by C. Greig Crysler, stephen Cairns and Hilde Heynen, saGE, 2012, p. 170, quoting anthony Vidler at the end (see below).
2. again, Miguel Freitas silva: “urban heritage is a product derived from the combination of different artistic and cultural processes and intentions. Each signified defines a hypothesis for intervention, a creative production process representing an intention. But when related to each other, they provide the acting society with the necessary methodologies to develop an action of chained transformation.” Idem, ibidem. (our translation)
3. ViDLEr, anthony, The Architectural Uncanny. Essays in the Modern Unhomely: MiT, Londres/Cambridge, 1992.
1. (Note from the author of the foreword): i am a child of electricity. To put it like that, you’d think i was a super-villain from the Marvel universe (Electro, spider-Man’s enemy).
But no: my late father, Bernardo Pereira, was a technical draughtsman for CNE, then CPE and later EDP (and even later, rEN, rede Elétrica Nacional), and with him i gained an immense closeness to the design and drawing studio that was behind the high-voltage pylons introduced at the time of the great electricity reform in Portugal in the late 1950s, enacted under the baton of the remarkable engineer Ferreira Dias, whom i came to know as a child. My experience of the socalled Drawing room, which i used to visit every day (!) on my way home from high school, where i would sit in a corner and draw – funnily enough! – gave me a unique and close understanding of subjects that in this case were related to the distribution network, topography and design and construction projects for the huge 240 kW (later 380 kW) transmission poles. My father designed the so-called “ear” poles on the Belgian network, unless i’m mistaken, and it was he who reduced one of them to a 1:4 scale, built in the CNE workshops and exhibited in the Portuguese Pavilion at the 1958 Brussels World Exhibition (the one that had the atomium as its centrepiece). The Pavilion was, in turn, designed by Pedro Cid, a remarkable piece of modernity in the Portuguese architectural scene of the time, something that would moreover become a touchstone in the electrical developments throughout the country from then on, in everything from dams to substations, and as designed by important names (see the fascinating book by CaNNaTÀ, Michele; FErNaNDEs, Fátima, Moderno Escondido, Porto, FauP, 1997). He produced a smaller model with small angle brackets to a scale of, if i’m not mistaken, 1:15, which is still preserved in a corner of the Central Tejo Power station.
2. siLVa, José Miguel Freitas silva, A Invenção do Património Urbano: Processos de produção dos lugares patrimoniais em Portugal, Lisbon, FauL, Doctoral thesis, 2017.
3. What Miguel Freitas silva wrote applies: “in this way, it can be understood that the processes of intervention in the urban fabric are diverse, with their own specificities. all of them, grouped together or used individually, have the capacity to produce, create and invent cultural, landscape and urban heritage.” siLVa, op. cit, p. 123. (our translation)
This is also the basis of this work, which is offered in search of a lost dimension of the sublime.
The city thus undergoes, as it always has, an operation that involves, by means of social contract, the preservation of the past and the insertion of ruptures and discontinuities, of memory and the lack of it (of the possibility of forgetting, but also of remaking, making and rebuilding). The important thing is therefore to ensure “places of passage” in these cities. it is these places of passage, heritage objects par excellence, that inscribe a fourth dimension in the urban landscape: the existential dimension of sensibility, with phenomenological contours (experienced communally by each person, sometimes collectively by everyone) and which is, in itself, the cultural dimension.
after all, monuments are almost always the places of passage from one world to another
This is the case with Central Tejo Power station.
and it is especially the case with this book you are holding in your hands.1
This is a necessary and as yet unpublished journey through the layers that form the thick texture of history, but also the technical and heritage delineation (in this case, the architectural and tectonic dimension) that Miguel Freitas silva presents to us. it should be noted that the work he has carried out falls into the category of architectural archaeology, strictly speaking: here we find the sedimentary elements that built this (monumental) landmark on the western Lisbon riverfront, which today (and who would have thought it 50 years ago!) is on a par with the Belém Tower and the Jerónimos in its attractiveness, in its status as an icon, in its presence in the urban landscape. But this is also a work of memory architecture, and a tour of the successive phases that the remarkable thermoelectric production centre that supplied Lisbon (and beyond) went through. What’s more, it explores the genealogy of the forms and architecture “of engineers”, in a journey that consolidates the knowledge of Time that prevails over this object, its morphogenesis.
The most important tool (though not the only one) used by the author is drawing. or rather: Drawing with a capital D. indeed, it is through the exercise of drawing, surveying, and the profusion of indicative elements that drawing provides that we get closer to the creative tension behind the existence of the Central Tejo Power station: what is at play here is the transparency of the layers of information which overlap to deepen our understanding of the architectural object, without compromise. Precision and analytical rigour. Drawing as both analysis and process. it unravels the evolution of the Power station. it forces us to look at it through a longer lens. it strips away the accessory to give us the essential.
Miguel Freitas silva already gave us a remarkable doctoral thesis years ago, The Invention of Urban Heritage: Production Processes of Heritage Sites in Portugal 2 and that is exactly what this book is (also) about: the presence, memory, creation and consolidation of a heritage site, now understood in all its depth, as if it were a supplement to that work, monographically dedicated to Lisbon’s most spectacular piece of industrial heritage.3
The Times of the Central Tejo is the story of the events that led to the creation and transformation of this former power plant in Lisbon between 1908 and 2023. The Central Tejo is formed by the association of different forms, textures and actors, of purposeful, individual and multiple actions. The complex has undergone extensions, demolitions, interior and exterior renovations, it lost its original building due to modernisation of the production process, and was finally transformed into a museum. in essence, its form and use changed without ever altering its industrial nature.
The Central Tejo is a unique example of Portuguese industrial heritage, linking modular structures with the monumentality of architectural models from north-central Europe. its construction and transformation were influenced by an essentially mechanical construction process that brought ornamentation back to a simple expression of imitations on the purlins and edge beams. its design bears the particular characteristics of the Flemish region in Belgium, and is distinguished by the relationship between a structure of profiled iron pilasters and beams and the glass windows that extend vertically in façades clad in compact ceramic bricks.
The study presented here arises from the specific context of a research project carried out at the Faculdade de arquitetura da universidade de Lisboa [Lisbon school of architecture, university of Lisbon], within the research group formaurbis LaB, which aimed to present the latest phase of the Morphological inventory of the Portuguese City, specifically the Building Typology 1 This synthesis, representative of different geographical contexts, produced a database illustrating the types and forms of buildings in Portugal, both common and singular, including the Central Tejo. This example of industrial architecture from the early 20th century is demonstrative, on the one hand, of a process of continuous transformation by means of structural additions, juxtapositions and successive overlaps and, on the other, of the capacity of this building to adapt to the times, becoming an exhibition piece showcasing a particular memory within the city of Lisbon.
its construction comprises several phases of transformation over a long period of time. Firstly, the Machine room was built as part of the Central Elétrica da Junqueira [Junqueira Power Plant] (1st phase, 1908-1914), followed by expansion works to build the Low-Pressure Boiler room (2nd phase, 1914-1935). The third phase concerned the construction of the High-Pressure Boiler room (3rd phase, 1938-1951) and then finally the building’s musealisation and the creation of the Museum of art, architecture and Technology (4th phase, 1975-present). The curious thing about this process is the origin of the design in 1914. The Central Tejo was actually built from the standard design developed by the company société Financière de Transports et d’Entreprises industrielles (soFiNa) in the 1910s, in the image of the rouen Thermoelectric Power Plant in France.
in this sense, the aim of this study is to understand the transformation of the Central Tejo complex, building a textual, as well as graphic, synthesis of the various phases of the buildings’ composition from 1908 to the present day. This analysis of the building focuses on its formal and typological dimension, seeking to shed light on its architectural evolution and integration into the urban and temporal context. This research did not focus on soFiNa’s financial, mechanical or political aspects, but rather on the expertise demonstrated during the project in its many stages.
Methodologically, it sets out to reconstruct the different phases of the building complex’s morphological evolution, within the context of the city’s alcântara-Belém axis, identifying the
events and circumstances that led to its transformation over the years. The drawings are all represented in an identical and comparable way. That is to say, they use the same codes and scales, being a series of drawings supported by photographs and explanatory texts that enable a clear understanding of the Central Tejo’s evolution and transformation.
in the graphic composition of each drawing, criteria similar to those applied to a conventional “yellow and red” colour drawing are used. This is a technical method used by architects when licensing projects with alterations to existing buildings. in this scheme, yellow represents the parts to be demolished, the red those that are to be built and black outhers that remain untouched, but on a specific intervention. Because of a graphic decision, the difference is that each phase contains several interventions rather than just one, and the colour yellow was removed for a clear reading of the drawing and the red changed with the colour orange.
The drawings documenting the Central Tejo’s development are composed of plans, sections and elevations, duly dated according to the construction phases proposed above. The study is not intended to replace the bibliography listed, but rather acts, through the drawings, as a synopsis of the process, the models and the vicissitudes inherent in the various stages of the power plant’s transformation.
Photographs are important for documenting the transformation process, and can be useful tools for studying, analysing and interpreting each phase in turn. accordingly, they are organised in three ways: a) contextualisation of the phase in question, as a portrayal of the Central Tejo duly integrated into its urban context, b) organisation of images into a set of sequential fragments that show a particular moment of transformation, and c) the depiction of a specific feature of the current building, as a testimony to the memory of a past event or phase.
in this regard, the documentary sources consulted in the archives are of great importance. These were used to create a synthesis, both graphic and textual, with the necessary detail to represent them according to different scales and interpretations: the Lisbon Municipal archive, which holds the city council files relating to the first phase of the Central Tejo’s construction; the Belgian National archive in Brussels, which holds service orders, minutes and correspondence, among other documents, relating to the companies soFiNa, Companhias reunidas de Gás e Eletricidade (CrGE) and sociedade de Estudos Técnicos (sETEC); and the EDP Foundation’s Documentation Centre, which houses the CrGE fund, Fernand Touzet’s documentary legacy, ilídio Mariz simões’ memoirs and the huge quantity of drawings produced by soFiNa, sETEC and the CrGE Building service.
The written component is intended to complement the graphic summary, responding to questions about the origins, studies, decision-makers and experts involved in the construction of the Central Tejo. The text is supported by archive documentation, namely minutes, service orders, project descriptive memoirs and drawings, iconography and oral memories, as well as specific material related to the topic under discussion. The works of Mário Kong and Luís Cruz served as a reference, their contributions placing the Central Tejo within the history of industrial and electrical architecture in Portugal, as did works by Liane ranieri, Michel Dumoulin, réne Brion and Jean-Louis Moreau, whose studies centred on the political and financial ambit of soFiNa and Belgium worldwide. in this context, a study focusing on soFiNa’s technical services and the architecture of the Central Tejo makes perfect sense.
it is important to note two important facts that somewhat limited the collection of information for the study: firstly, the 1914 fire in the CrGE network’s former storage area in rua D. Luís i, which destroyed most of the documentation relating to the first phase of the Central Elétrica da Junqueira; and secondly, uncertainty over the location of the technical archives kept by the soFiNa studies office in Lisbon during the second World War.
The study is structured into five complementary parts: the studies office, the site and the three phases in the built complex’s metamorphosis. The first seeks to demonstrate the importance of soFiNa’s studies office in the administrative and technical process of developing its plants. The second concerns the transformation of the riverfront, with the Central Tejo as the primary feature. The remaining parts are organised according to the different transformation processes the Central Tejo underwent: “creation” relates to the 1st
construction phase (Central Tejo i, 1908-1914), while “expansion” can be defined as the works carried out in the 2nd phase (Central Tejo ii, 1914-1935) and 3rd phase (Central Tejo iii, 1938-1951), followed by its subsequent reuse as a museum in the 4th and final phase (Central Tejo iV, 1975-present).
For all these reasons, the study can be considered a useful tool for understanding the architectural object in time and place. it is a chronological, graphic and descriptive summary that focuses on the architectural object, and in particular its genesis as a project. This key topic has been somewhat neglected and never thoroughly investigated in the varied bibliography identified. The building’s history underlines its metamorphosis as a process of continuity as regards the object itself, which demonstrates some of the technical artefacts, structural components, models and concepts applied to it by actors from different cultural backgrounds. This idea of continuity lies at the core of the decision to make this work a volume ii1 of a series of possible publications demonstrating knowledge about the complex in its various aspects and forms.
Criação e difusão de um modelo construtivo, 1905-1969
a société Financière de Transports et d’Entreprises industrielles (soFiNa) era uma sociedade anónima de gestão belga e alemã, com sede em Bruxelas e criada por iniciativa do grupo alemão union Elektrizitäts Gesellschaft (uEG) a 21 de fevereiro de 1898. a soFiNa era uma pequena empresa financeira com participações nas empresas de transportes de Bruxelas, Nápoles e Bucareste, sabendo-se que nesta fase todas as questões técnicas seriam atribuídas a engenheiros e gabinetes de estudo externos.1
Em 1905, com a coordenação de Dannie Heineman2, a soFiNa é recriada como um grande Gabinete de Estudos, constituído maioritariamente por engenheiros belgas e a partir do qual se definiam as diretrizes para a construção e exploração das centrais termoelétricas e hidroelétricas ligadas à empresa. a soFiNa passa a aliar à criação de redes de elétricos a produção de energia elétrica em África, américa do sul, Ásia e Europa.
o Gabinete continha diferentes serviços3 administrativos e técnicos que correspondiam o seu trabalho a duas categorias complementares: construção e exploração4. Estas categorias pretendiam definir as ordens de trabalho: a primeira é relativa à criação de novos projetos e a segunda, à administração, comercialização e manutenção dos ativos da empresa. a sua estrutura organizacional só foi consolidada em 1927.
o organograma da soFiNa continha três estruturas complementares: o Conselho de administração, o Colégio de Comissários e a Direção. os membros do Comité Permanente integravam simultaneamente o Conselho de administração e a Direção da empresa, coordenado por Dannie Heineman (presidente do Comité Permanente e administrador-delegado da Direção) e constituído por diferentes administradores-diretores, subdiretores, banqueiros e outros representantes, de acordo com o projeto em discussão. as reuniões da equipa aparecem documentadas entre Bruxelas e Paris, um novo centro económico para a indústria elétrica na Europa.
a soFiNa está na base da criação da société Centrale pour l’industrie Électrique (1909), sediada em Paris e a partir da qual o Comité Permanente gere os seus interesses em rosario, rouen, Constantinopla e, por vezes, Lisboa. Em 1920, os engenheiros Dannie Heineman, Lucien Janlet, Charles Macloskie, raoul richard, Henri special e os advogados Charles de Le Hoye e Léonce Longini compunham o núcleo principal da Direção e Comité Permanente.5
os serviços técnicos, em particular, eram estruturados funcionalmente num sistema top-down, geridos a partir do Comité Permanente e extremamente controlado até à base. Cada projeto obedecia a um organograma rígido, era definido por um diretor, engenheiro-chefe, chefe de equipa e colaboradores. Entre 1905 e 1910, as
1. raNiEri, Liane (2005), Dannie Heineman. Patron de la SOFINA. Un destin singulier, 1872-1962. Bruxelles: racine Editions, p. 55.
2. Dannie Heineman nasceu nos Eua em 1872, foi o «patrão» dos destinos da soFiNa na primeira metade do século XX. assumiu a sua direção como administrador em 1905 e foi nomeado Presidente-administrador em 1914. É o responsável pela transformação da empresa numa multinacional com um vasto património na produção de eletricidade. sobre a sua influência no desenvolvimento da produção de energia elétrica, entre outros temas, veja-se o trabalho de Liane ranieri em Patron de la SOFINA. Un destin singulier, 1872-1962 3. o Gabinete de Estudos continha diferentes serviços: «Direction et secrétariat», «Techniques», «achats», «Transports», «Exploitation», «Comptabilités» e «Contrôle-véritication». ordem de serviço n.º 316, 3 de agosto 1921. soFiNa-2: Caixa 278, ordres de service, de janvier 1914 à décembre 1917. aNB: aGr ii, Depósito Joseph Cuvelier, Bruxelas. 4. 1905, os serviços técnicos integravam um «Bureau d’Exploitation» que desempenhava as funções de construção e a exploração em simultâneo. 1910, o Gabinete de Estudos é restruturado e separam-se o serviço de «construção» do serviço de «exploração». 1916, as ordens de cada serviço estavam divididas em três categorias: (1) Construção, (2) Exploração (primeiro estabelecido e novos projetos) e (3) Exploração (renovação e Manutenção). soFiNa-2: Caixa 278, aNB: aGr ii, Depósito Joseph Cuvelier, Bruxelas. 5. raNiEri, Liane (2005), Dannie Heineman. Patron de la SOFINA. Un destin singulier, 1872-1962. Bruxelles: racine Editions, pp. 68, 131.
1. ordem de serviço [s/n] [s/d]. soFiNa-2: Caixa 278, ordres de service, de février 1906 à décembre 1913. aNB: aGr ii Depósito Joseph Cuvelier, Bruxelas.
2. Todas as ordens de serviço referem apenas o apelido dos intervenientes, antecedido de «monsieur». Nalguns casos não foi possível determinar o nome próprio.
3. No início do século XX, os desenhos de fachada dos edifícios de habitação foram de alguma forma absorvidos pelas linhas curvas da art nouveau ou pela heterogeneidade de estilos das artes decorativas. o contexto dos bairros de squares e Porte de Tervueren em Bruxelas, por exemplo, varia entre a paisagem urbana marcada pela forma simplificada do desenho flamengo e a ideia de uma cidade de frentes ornadas por estilos ecléticos.
4. Esta subestação localiza-se na rue Félix Faure em Caudebec-lès-Elbeuf e terá sido construída em 1914, na sequência dos investimentos da soFiNa na Central Elétrica de rouen.
ordens técnicas produzidas pelo «bureau d’exploitation» eram assinadas por Charles Macloskie (engenheiro-chefe e responsável pelos serviços técnicos) e por Lucien Janlet (engenheiro-chefe coadjuvante), o Maurice Fris (engenheiro) seria o chefe de uma equipa de técnicos da qual se desconhece a sua composição.1 Para cada novo projeto era estabelecido um «bureau de construction» local, chefiado por um engenheiro e representante da soFiNa o engenheiro Kumpel2, centrado em questões da Central Elétrica de Grand-Quevilly (1910), Maurice Bock na Central Elétrica de rosario (1910) e, como se verá, Maurice de roo na construção da Central Tejo (1914) em Lisboa são disso exemplo.
Estas centrais elétricas correspondiam a características formais idênticas e inerentes a um processo de produção de energia a escalas distintas: grandes naves, amplas e iluminadas. No campo abstrato, é um modelo subtraído, por exemplo, da arquitetura religiosa renascentista como a Chiesa di sant’aponal ou a igreja de são Pantaleão, ambas em Veneza. Estes exemplos casuísticos tornam clara essa relação quando comparados com a planta retangular regular e livre de pilares, o remate de um frontão quebrado, a métrica de uma fachada tripartida e pautada pela saliência de vãos, pilastras e vigas de bordadura. o processo construtivo respeita a ideia de um pormenor-tipo que se replica, mas difere na composição e materialidade das fachadas. Conceptualmente, o desenho das centrais pode ser organizado em três expressões distintas: eclética, elementar e monumental.
as centrais com uma composição eclética são compostas por elementos de influência neorrenascentista e neogótica, marcos de uma paisagem urbana do norte de França, sul de inglaterra, Países Baixos e, particularmente, da região da Flandres. o tijolo, a pedra e o ferro são elementos estruturais e caracterizadores de uma arquitetura urbana, modelar e singular, aplicável a diferentes tipologias3, formas e funções. os contextos particulares da subestação de Caudebec-lès-Elbeuf (França) 4 e das centrais elétricas de rouen, rosario e Lisboa servem de exemplo.
outra expressão diz respeito a edifícios de carácter rudimentar, simples e depurados de ornamento, são construídos a partir de processos elementares com perfis e chapas em ferro e alvenarias revestidas com argamassas tradicionais. Como exemplo, podem ser destacadas a Central Elétrica de Constantinopla e alguns edifícios do conjunto da Central Elétrica de rosario.
Por último, são construídas centrais de desenho e escala monumentais, distinguem-se pela sua dimensão formal e estética, de linhas direitas, austeras e pouco ornamentadas. servem de exemplos a Central Elétrica de Puerto Nuevo, em Buenos aires, e a Central Hidroelétrica de sarrans, em Le Bousquet, ambas edificadas nos anos 20 na argentina e França, respetivamente.
Todas estas centrais elétricas foram desenhadas pelo Gabinete de Estudos da soFiNa em Bruxelas. o Gabinete tinha controlo sobre o processo de criação, construção e gestão dos seus ativos imobiliários, tal como demonstram os contextos das centrais de Constantinopla, rouen e Lisboa.
Com a gestão técnica da francesa Compagnie Centrale d’Energie Électrique, a soFiNa está na base da construção da usine d’Electricité de Grand-Quevilly nas margens do rio sena em rouen, entre 1911 e 1913. as instruções técnicas para a sua construção eram aprovadas por Dannie Heineman e realizadas pelo «bureau de
FiGs. 16, 17: Expressão de uma arquitetura eclética: subestação de Caudebec-lès-Elbeuf em França e a subestação da Central Tejo em Portugal [An expression of eclectic architecture: Caudebec-lès-Elbeuf Substation in France and the Central Tejo Substation in Portugal], 2023
FiGs 18, 19: Expressão de uma arquitetura elementar: Central Elétrica de istambul na Turquia e a Central Elétrica de rosario na argentina [An expression of elementary architecture: Istanbul Power Station in Turkey and Rosario Power Station in Argentina], 1910, 1949
FiGs 20, 21: Expressão de uma arquitetura monumental: subestação da Central Elétrica de Puerto Nuevo, na argentina, e a Central Hidroelétrica de sarrans, em Le Bousquet, França [An expression of monumental architecture: Substation of the Puerto Nuevo Power Station in Argentina and the Sarrans Hydroelectric Power Station at Le Bousquet in France], 1949
construction» em Bruxelas. os responsáveis por executar o projeto foram Charles Macloskie, Lucien Janlet e Maurice Fris.1 importa salientar a aparente importância de Janlet no processo de rouen e o papel determinante que irá ter no estudo da Central de Lisboa.
De maior dimensão que a Central Tejo, o conjunto da Grand-Quevilly foi desenhado à imagem da arquitetura flamenga, correspondendo ao já referido processo construtivo modelar revestido a tijolo cerâmico compacto e ornado pelos elementos salientes em pedra. o seu desenho foi replicado em Lisboa, em particular no edifício da sala das Máquinas da Central Tejo. Esta central elétrica francesa sofreu com a segunda Guerra Mundial, particularmente com os bombardeamentos aéreos em 1941 e 1944 e os combates de proximidade no verão de 1944. Foi descontinuada e demolida em 1946.
«Para satisfazer o seu desejo expresso, enviaremos o sr. Macloskie [para rouen]. o sr. Janlet, cujo tato e prudência apreciamos e que está familiarizado com todo o caso, tendo-o estudado a fundo, acompanhá-lo-á.»2
1. ordem de serviço [s/n] [s/d]. soFiNa-2: Caixa 278, ordres de service, de février 1906 à décembre 1913. aNB: aGr ii, Depósito Joseph Cuvelier, Bruxelas.
2. Cie Centrale d’Energie Électrique, Paris, 8 de julho de 1910. soFiNa-2: Caixa 224, secretariat_6889_affaire rouen_Elboeuf. aNB: aGr ii, Depósito Joseph Cuvelier, Bruxelas. (Tradução do autor)
3. KaŞLi, Bilge (2009), Industrial Buildings Worthy of Conservation and Interior Interventions in Istanbul: The Case of Santralistanbul. Master’s Thesis in interior architecture. Department of interior architecture Design, institute of social sciences, istanbul Technical university, p. 46.
No contexto da Turquia, o investimento da soFiNa na sociedade de Elétricos e Eletricidade de Constantinopla e na otomana sociedade anónima de Eletricidade, empresa fundada pela empresa austro-húngara Ganz3, teve início em 1911 com a construção da silahtarağa Elektrik santrali nas margens do rio alibey (istambul). o engenheiro-chefe da soFiNa encarregado da construção da Central de Constantinopla foi Maurice de roo (1911-1913). o conhecimento técnico e administrativo adquirido reforça a posição de Lucien Janlet na defesa de Maurice de roo para chefiar, estudar e concluir o processo de construção da Central Elétrica de Lisboa. a fábrica esteve em atividade entre 1914 e 1983.
«Mandei um telegrama ao sr. Heineman, que pouco depois me enviou o seu acordo para enviar o sr. de roo para Lisboa, onde as suas competências lhe permitirão tratar tanto da construção como da sua exploração.»1
a entrada da soFiNa nas Companhias reunidas de Gás e Eletricidade (CrGE) em 1913, foi determinante para a expansão do processo de produção de energia na cidade de Lisboa. a sua influência nas decisões técnicas, administrativas e financeiras da empresa é comprovada nas atas do Conselho Permanente da soFiNa e do Conselho de administração das CrGE2, sendo Lucien Janlet a figura principal na relação entre Lisboa e Bruxelas. a sua participação é documentada até ao início dos anos 40 em decisões de carácter técnico, administrativo e financeiro, estuda o projeto da Central Tejo com Maurice de roo e durante a segunda Guerra Mundial acompanha as decisões técnicas de arthur stiévenart (engenheiro-chefe) e de Leon Fesh (engenheiro-chefe) quando o Gabinete de Estudos da soFiNa integra a sociedade de Estudos Técnicos (sETEC) em Lisboa.
«Lucien Janlet, sendo dos administradores mais novos, é dos que mais têm pugnado pelo desenvolvimento desta empresa. Engenheiro distintíssimo, é ele, sob o nome de société Financière de Transports et d’Entreprises industrielles, o técnico que superiormente mais se tem ocupado das nossas instalações, sendo à sua proficiência que se deve a criação da nossa Central Eléctrica [de Lisboa]».3
o desenho técnico é o elemento preponderante e complementar à ordem de construção, mas a curiosidade no processo de transmissão de informação entre obras é a fotografia. Todos os «relatórios de construção» eram acompanhados de um álbum de fotografias que documentava o avanço dos trabalhos e o detalhe construtivo entre as diferentes centrais. Por exemplo, uma carta de 1929 entre a soFiNa e a CrGE documenta a receção em Bruxelas de um álbum composto por fotografias das centrais de Lisboa, Buenos aires e Constantinopla.4
Em 19275, a soFiNa é novamente reestruturada com a alienação das suas atividades, estrutura diretiva e, sobretudo, a denominação social pela Trust Financier de Transport et d’Entreprises industrielles. Com a transferência, a Trust muda o seu nome e passa a denominar-se, curiosamente, société Financière de Transports et d’Entreprises industrielles (soFiNa).6 No processo, o Gabinete de Estudos é transformado e ampliado para se afirmar como centro de investigação e controlo dos materiais e matérias de todas as indústrias do grupo. além do departamento de estudos técnicos, é integrado o departamento de estudos económicos, tendo Pedro de Boeck como referência e o novo laboratório dirigido por Paul Erculisse, professor da Faculté des sciences de l’université Libre de Bruxelles, com a assistência de Maurice van rysselberghe, diretor-geral científico do laboratório belga de indústria elétrica (LaBorELEC).7
Com a reestruturação, os serviços técnicos da nova soFiNa foram divididos em «serviços de construção» e «serviços de arquitetura e gabinete de desenho». o engenheiro-chefe do Gabinete de Construção é o engenheiro Dechamps, por vezes substituído por specisel Thoreau (engenheiro) e assistido por Léon Le Paige (engenheiro), sob direção de Lucien Janlet. É ele que estabelece as diretrizes para o funcionamento e assina toda a comunicação para os engenheiros dentro do Gabinete
1. JaNLET, Lucien (1914), rapport sur mon voyage à Lisbonne et Porto, 21-11 à 24-12, 1914. Le 15 mars 1915. soFiNa-2: Caixa 177, aNB: aGr ii, Depósito Joseph Cuvelier. (Tradução do autor)
2. alusão à Central Tejo: «Fornecimento de turbinas». Livro n.º 6, ata do Conselho de administração das CrGE n.º 739 de 19 de dezembro de 1924, pp. 64-68. CDFED, cota H5.1.03-6.
3. alusão à Central Tejo: «Lucien Janlet como figura fundamental para a criação da Central». Livro n.º 5, ata do Conselho de administração das CrGE n.º 699 de 25 de novembro de 1921, pp. 227-229. CDFEDP, cota: H5.1.03-5. 4. soFiNa, relatório de Construção, 23 de outubro de 1929. robert Coune assina a receção da carta em Lisboa. CDFEDP, cota: H7.2.4-1.
5. Em 1925, o Gabinete de Estudos continha os serviços de «construction», «tramways», «achats techn.», «réceptions», «comptab. soFiNa», «secretariat», «contrôle», «transports», «archives», «exploitation», «architects», «achats», «laboratoire», «comptab. filiales», «economat», «verification», «coupons» e «expedition». ordem de serviço n.º 51 de 13 de fevereiro de 1925, Bruxelas. soFiNa-2: Caixa 279, ordres de service, de janvier 1925 à décembre 1926. aNB: aGr ii, Depósito Joseph Cuvelier.
6. «Note pour le chefs de service n.º 418, Bruxelles, 1 février 1929». soFiNa-2: Caixa 279, ordres de service, de janvier 1929 à décembre 1929. aNB: aGr ii, Depósito Joseph Cuvelier.
7. raNiEri, Liane (2005), Dannie Heineman. Patron de la SOFINA. Un destin singulier, 1872-1962. Bruxelles: racine Editions, p. 278.
From 1938 onwards, the Central Tejo [Tejo Power station] reached its peak with the introduction of the high-pressure power generation process, but it would lose importance with the start of the hydroelectric power exploitation in Portugal. From an architectural point of view, it was a phase of both growth and stagnation. The building complex experienced a new process of expansion with the addition of the sena sugar Estates Ltd (sugar refinery) facilities1, the extension of the Central Tejo substation and the construction of the High-Pressure Boiler room. its decommissioning will send the Central Tejo into a prolonged state of abandonment.
The integration of the old refinery into the complex has allowed the criation of new spaces for workshops, warehouses and others in order to humanise it2, as briefly documented in the chapters of this study. However, this process of reuse is not the result of a single project, but of small interventions carried out over 25 years, between 1935 (when it was annexed) and the end of the 1960s. it’s important to note that, from the early 1930s onwards, these and other works at the Central Tejo were carried out by rené Touzet, an “architect-builder” registered with the Lisbon City Council under no. 6. in the Touzet company's correspondence, the father Fernand is no longer mentioned, the name, seal and signature having changed to those of his son rené.
in its turn, the Central Tejo substation was transformed by the addition of two new volumes, the result of works recorded in the study for the “extension of the switchboard building and annexes for management”. The study was carried out in 1933 and 19353, and construction continued until 1938 with the redesign of the “substation building plans”.4
The extension of the substation led to the construction of a completely new façade, comprising a ground floor set back in a gallery with 4 columns and a symmetrical elevation with twin openings joined by the reliefs of the lintel and sill. in order to build it, the “doctor’s house” was demolished and part of the south wall was rebuilt in accordance with the “project for the demolition and reconstruction of a wall”.5 The project defined the masonry, the stereotomy of the walls, as well as the decorative elements and railings that emphasise the uniqueness of the ensemble.
The relationship between the Machine room and the Central Tejo substation is transformed into a succession of spaces and volumes added sequentially, making up autonomous spaces at different levels. This succession of interventions was recorded in the “project to extend between the Machine room and the Central Tejo switchboard building”6 completed in 1936 and in the drawing for the “extension of the pupitre building”7, or Command room, located between the substation and the Machine room, on the first floor. Most of the spaces face the Machine room, except for one, in the centre, which provides a transition between buildings.
However, the biggest change in terms of the volume of the complex came in 1938 with the construction of the first part of the High-Pressure Boiler room, on the initiative of Maurice de roo. The project for the “new ‘Chaufferie’ [boiler room] to be built at the Central Tejo”8 sets out the guidelines for constructing a laminated iron structure that contrasts with the brickwork cladding, as well as vertical openings and metal walkways that provide access to the coal weighbridges. This regular rectangular building was built on the site of the old Central Tejo i Machine room.
in February 1937, Maurice de roo, Leon Fesh and Mariz simões wrote a letter to soFiNa about the “installation of the [new] boilers and details concerning their construction”9. There was consensus on the idea of a new building, with the trio claiming that it was impossible to adapt the old Low-Pressure Boiler room without major transformations to meet the demands of “modern units” capable of large-scale production. To this end, they proposed constructing a new building over the Low-Pressure Boiler room, “leaving the old room for boilers 1 to 6 as it was”.
1. Construction drawings. CDFEDP: code arq3-Gav4_1869-2.
2. For example, some spaces for the National republican Guard were built on the “new” premises, namely a dormitory (CDFEDP: code H07.02.02-08_no 3461) and an annex (CDFEDP: code arq3/Gav7_3537) adjoining the old factory, and three adjoining the Central Tejo wall, as well as a guardhouse and two gatehouses on av. Marginal (CDFEDP: code arq3/Gav6_3115) and av. da índia (CDFEDP: code arq3/Gav6_3116).
3. Construction drawings. CDFEDP: code arq3-Gav4_1668.
4. Construction drawings. CDFEDP: code arq3/Gav10_2175.
5. Construction drawings. CDFEDP: codes arq3-Gav4_2018; arq3-Gav4_2029; arq3-Gav4_2038.
6. Construction drawings. CDFEDP: code arq3-Gav4_1953.
7. Construction drawings. CDFEDP: code arq3/Gav6_3005.
8. Descriptive memoir, João Fernando Tojal, Civil eng. 99, 4 July 1938. Lisbon Municipal archive – Work 42201 – Proc 42126-sEC-PG-1938, sheet 2.
9. siMÕEs, ilídio Mariz, Memórias Profissionais, Volume II, undated, CDFEDP, p. 75.
1. siMÕEs, ilídio Mariz, Memórias Profissionais, Volume II, undated, CDFEDP, p. 75.
2. Book no. 9, Minutes of the CrGE Board of Directors no. 1069 of 31 July 1951, pp. 160-163. CDFED, code H5.1.03-9.
3. siMÕEs, ilídio Mariz, Memórias Profissionais, Volume II, undated, CDFEDP, p. 78.
4. The Puerto Nuevo Power Plant was built between 1925 and 1928, under the day-to-day management of the Companhia Hispano-argentina de Eletricidade (CHaDE) and the technical management of soFiNa raNiEri, Liane (2005), Dannie Heineman. Patron de la SOFINA. Un destin singulier, 18721962. Brussels: racine Editions, pp. 229-231.
5. Descriptive memoir, Lisbon Municipal archive – Work 42201 – Proc 63234-sEC-PG-1938, sheet 7.
6. Mário Ming Kong in the book Central Tejo. Uma abordagem da arquitetura industrial and antónio Manuel dos santos in his article “arquitectura de Tijolo e indústria. a introdução do tijolo sílio calcário em Portugal (1903-1913)” refer to engineer João Francisco Tojal as the man behind the High-Pressure Boiler room project.
7. siMÕEs, ilídio Mariz, Memórias Profissionais, Volume II, undated, CDFEDP, p. 139.
8. siMÕEs, ilídio Mariz, Memórias Profissionais, Volume II, undated, CDFEDP, p. 83.
9. Construction drawings, [undated]. CDFEDP: code arq3Gav5_2447.
10. With the extension of the gatehouse, the sand-lime columns were replaced by compact ceramic brick ones, but they retain the same shape as in 1908. Construction drawings, 4 May 1939. CDFEDP: code arq1/Gav11\Pasta3_578.
11. The 1940s also saw the construction of the water reservoir above the annex on the south elevation of the LowPressure building (1940, CDFEDP: code arq3-Gav5_2467), the Transformer station (1944, CDFEDP: code arq3/Gav7_3203) and the Transformer unloading Tower (1945, CDFEDP: code H07-03-07_no. L1182a).
12. Construction drawings, 5 December 1940. CDFEDP: code arq 3/Gav9_5608.
13. Construction drawings, 1957. CDFEDP: code arq 3/Gav9_5538, arq3/Gav9_5594.
14. Construction drawings, 18 april 1945. CDFEDP: code arq3/Gav7_3440.
15. Construction drawings, 2 July 1946. CDFEDP: code arq3/Gav7_3698.
16. Construction drawings. CDFEDP: code arq3/Gav7_4174.
The response from robert Coune, arthur stiévenart and Léon Le Paige in May 1937 was that it should be approved and that the preliminary design should be awarded to the american company Babcock & Wilcox.1 The proposal never ultimately came to fruition.
in august 1937, at another meeting in Brussels between Lucien Janlet (director and member of the standing Committee), Maurice de roo (director of CrGE and head of the Technical Division2), robert Coune (head of Technical services), arthur stiévenart and Léon Le Paige (chief engineers), the plans for constructing the new High-Pressure Boiler room in Lisbon were drawn up.3 The proposal for the construction consisted in two distinct design phases, for both of which the drawings were signed by engineer João Fernando Tojal and the project description memory by Maurice de roo.
The first, submitted to Lisbon City Council in December 1938, proposed constructing a large thermoelectric power plant with a monumental appearance and straight lines. The new style of architectural design proposed for the new Boiler room fits completely with the image that soFiNa’s studies office had been developing since the late 1920s. The design of its industrial buildings – thermoelectric and hydroelectric power plants – shifted, following a trend that corresponded with a period of restructuring for soFiNa, the studies office and its architectural style. The Puerto Nuevo Power Plant, built between 1925-1928 in Buenos aires, is a clear example of this “new soFiNa”.4 The project was ultimately never realised.
The second, submitted in January 19395, called for the construction of a smaller volume, designed in the image of the Low-Pressure building, with a grey concrete base, red brick panelled and syncopated walls, a visible metal structure, vertical windows, and concrete lintels and borders painted in grey.
There are known claims that the high-pressure elevations may have been designed by the engineer João Tojal6. However, such claims can be refuted. The presence of the body coordinating the project at the decisive meeting in 1937 and the constant control that soFiNa exercised over the technical direction of its production plants seem to be plausible reasons for doing so.
although there is no complete elevation drawing on in the archives, the specification drawings made by soFiNa in July 1938 under the title “Lisbonne. Central du Taje. Nouvelle Chaufferie H.P raccordement à l’ancienne Chaufferie B.P.” [Lisbon. Central Tejo. New H.P. Boiler room. Connection to the old L.P. Boiler room], and, in september of the same year with the title “Nova Chaufferie. Detalhe das alvenarias e escada exterior” [New Boiler room. Brickwork and external staircase specifications], contain construction specifications for the façade that precede João Tojal’s drawings. at the same time, any changes to the initial plan had to be approved and finalised by the company. robert Coune, head of Technical services and responsible for the Central Tejo project, wrote to CrGE arguing that “modifications to projects we have designed” must be communicated in advance, which means monitoring and the need for approval.
7
in June 1938, work began on the demolition of the old Machine room (Central Tejo i), including earthworks, foundations, construction of the reinforced concrete base plate and partial assembly of the building’s metal structure. Early the following year, the building’s external walls, floor and roof were assembled by the contractor Touzet8 an “annex for the L.P. [auxiliary] pumps and the 60 m3 iron reservoir”9 were also built, the gatehouse was extended10 (1939), and the ash skip and coal storage silo and mixer were constructed.
From 1940 onwards11 the east, north and west walls were once again remodelled in accordance with the “project for an enclosing wall that CrGE wishes to have built on its Junqueira site, to enclose the Central Tejo”12, drawn up by architect Luís Cristino da silva. The influence of Cristiano da silva’s wall design lasted until 195713, when it was extended in a westerly direction, encompassing other continuous plots.
With the use of fuel oil as an additional fuel, two large structures were built to feed the low-pressure boilers: one, the oil-derived fuel tank (Mazout 200 m3)14, was built on the Central Tejo’s roof in 1945, changing the volume and layout of the Machine room. and in 1946, the 8,000 m3 Mazout reservoir15 was built outside, giving the complex a new volume and, obviously, changed its relationship with the surroundings.
The last phase of the Central Tejo’s transformation was the extension of the High-Pressure Boiler room, according to the drawings for “Expansion of the ‘Caldeira 15’ H.P. boiler room”16
from 1948. The Portuguese state’s commitment to hydroelectric power curbed CrGE’s intention to build a new thermoelectric plant to increase production1 in its design, the same composition principles were applied as for the existing building. The difference between the two is only noticeable in the transitional edge beam and the bricks, both of which are different in size to the others. The details for the construction, supply and assembly of the new boiler were also entrusted to the company Babcock & Wilcox2
in the 1950s, the old sugar refinery was renovated with personnel in mind, as a canteen, garage and warehouse (1950)3, workshops (19544/19555) and a kitchen for the coal unloading staff were constructed6. From this point on, the Central Tejo seems to have entered a period of stabilisation, with no major works that have altered its composition in any way.
it is clear that the extension process between 1914 and 1951 (phases ii and iii) follows the compositional logic of the initial project, the elevation drawings reinforcing the apparent homogeneous character of the whole. However, the two are very different in their detail, each façade with its own unique features, differing in terms of the pairing of the bricks, and the size, organisation and geometry of the openings, for example. The break from this concept was the elevation solution proposed for the new High-Pressure Boiler room, designed by soFiNa in the image of the Puerto Nuevo Power Plant (Buenos aires). at this stage, the studies office had changed its concept from a revivalist style to a monumentalised architecture with straight lines and almost no ornamentation. in order to build it, the original Central Elétrica da Junqueira Machine room had to be demolished, leaving only part of the ViP. However, the reasons for ultimately choosing one design over another could not be ascertained.
in 1951, with the construction of the Central Hidroelétrica de Castelo do Bode [Castelo do Bode Hydroelectric Power Plant], the Central Tejo was placed on standby and significantly reduced its energy production. in 1972 it ceased operations and in 1976 it was completely decommissioned, followed by its gradual abandonment and subsequent reuse as the Museu da Eletricidade [Electricity Museum].
1. reference to the Central Tejo: “Electricity load”. Book no. 9, Minutes of the CrGE Board of Directors no. 1027 of 30 May 1947, pp. 47-53. CDFEDP, code H5.1.03-9.
2. reference to the Central Tejo: “Work to extend the boiler room”. Book no. 9, Minutes of the CrGE Board of Directors no. 1034 of 30 December 1947, pp. 69-77. CDFEDP, code H5.1.03-9.
3. Construction drawings, 11 october 1950. CDFEDP: code arq3/Gav8_4605.
4. Construction drawings, 28 august 1954. CDFEDP: code arq3/Gav9_2097.
5. Drawings, 7 July 1955. CDFEDP: code arq3/Gav12_2121.
6. Construction drawings, 24 January 1957. CDFEDP: code arq 3/Gav9_5448.
Com a desafetação e abandono de muitos complexos industriais nos anos 70 em Portugal, o crescente interesse cultural neste tipo de edifício determinou o aumento da reflexão em torno do património industrial edificado (a fábrica, a central elétrica, o moinho, a mini-hídrica). a musealização foi considerada uma solução à sua reutilização, particularmente na conservação e preservação da memória industrial do final do século XiX e século XX.
De um modo geral, os programas de reconversão procuram adequar a contemporaneidade do tempo ao testemunho da história de uma tipologia específica, usam a memória física como fator de valorização do desenho atual. o espólio mecânico – fornos, turbinas e caldeiras –, em outros tantos casos as chaminés, componentes da estrutura funcional dos edifícios industriais, são integrados como peças museológicas, elementos interpretativos de um processo de produção geral e, como aqui particularizado, de energia elétrica.
o projeto de musealização da Central Tejo teve início em 1981 e organiza-se a partir de dois princípios: o edifício como elemento expositivo e a organização de exposições e eventos culturais, quer permanentes quer temporais, tendo sempre como cenário a história física da antiga central elétrica. o «objecto da exposição do museu é o próprio edifício»1, parte da ideia de um «edifício-máquina»2 que fala por si.
os diferentes projetos de musealização da Central Tejo são, de algum modo, demonstrativos das soluções de adequação do significado e da memória do complexo industrial aos problemas inerentes à sua reconversão. o projeto museográfico da central elétrica é uma recontextualização da estrutura mecânica do processo de produção de energia que, por um lado, mantém a cenarização da linha de produção envolta na textura da sua materialidade e estrutura – sala das Caldeiras de alta Pressão e sala das Máquinas – e, por outro, ajusta-se a novos programas expositivos e administrativos – sala das Caldeiras de Baixa Pressão e subestação. o projeto de museografia é uma ação interpretativa do espaço que aproxima o edifício e os seus objetos – caldeiras – do observador. Espaços amplos e verticais, máquinas de linguagem específica, são elucidativos da linha de produção entre a receção da matéria-prima – carvão –, a sua transformação e distribuição.
No entanto, o processo de adaptação dos espaços à «função-museu» suprimiu partes deste processo, umas entaipadas entre estruturas verticais efémeras que seccionam espaços expositivos, outras constituem uma perda irreparável. E é precisamente esta ideia de transformação do edifício a partir do projeto expositivo que se pretende explorar aqui.
a definição do plano de recuperação de 1981 e dos seus princípios ficou a cargo de uma Comissão instaladora do Museu da Eletricidade, composta pelo
1. MorENo, Carlos Bonino (2003), Projecto de Musealização do Museu da Electricidade. Memória Descritiva, p. 2. CDFEDP: uM 10035.
2. CusTóDio, Jorge (2016), «Prefácio» in Central Tejo: uma bibliografia (1909-1990). Volume I. Lisboa: Fundação EDP, Documenta, p. 32.
assessor do Conselho de Gerência da EDP, engenheiro Mário Mariano, a Dr.ª Dulce Pessoa e o engenheiro abelaira Gomes. a Comissão tinha, entre outros propósitos, a definição dos critérios do projeto para a reconversão do conjunto das instalações em museu, e determinou: (a) o recurso à utilização de materiais e elementos construtivos da época de construção; (b) a perfeita adequação das soluções encontradas à nova função dos edifícios e dos espaços envolventes, neste caso a função-museu; (c) e a integração do complexo no meio ambiente.
as soluções aplicadas procuravam de alguma forma «harmonizar» a nova função com a história edificada, impondo «o princípio da reconstituição segundo a traça original dos edifícios». a metodologia aplicada incidiu na ideia-base de restituir uma imagem ideal do edifício, envolvendo o restauro cuidado de partes e até a demolição de outras, que se entenderam «desinteressantes para o plano geral do museu».1 o trabalho desenvolvido pela Comissão instaladora está na base para a classificação da Central Tejo como imóvel de interesse Público em 1986.2
as exposições de Arqueologia Industrial (1984) e dos Cem Anos de Eletricidade (1989) são momentos importantes para a concretização do projeto Museu da Eletricidade, permitiram a criação de um Museu com a chancela da EDP e, particularmente, são motores para a realização das obras de conservação dos edifícios. Em ambos os eventos, quer em espaços interiores quer em espaços exteriores, o edifício muda na sua imagem. a ideia de um edifício devoluto, degradado pela ação destruidora de passeantes e escurecido pelo fumeiro empoeirado das fornalhas, dá lugar à poética museológica de uma história enquadrada num frame do tempo.
«Desclassificadas em 1975 com o conjunto das instalações que a Tejo ainda possuía, ainda hoje lá se conservam, como testemunho de um passado laborioso, mas quase esquecido, em que elas foram “vedetas” muito apreciadas. as suas carcaças apodrecem corroídas pela ferrugem e se até agora foram poupadas à “desonre” de um desmantelamento, o tempo se encarregará de as destruir lentamente…»3
as exposições serviram o propósito de dar a conhecer a memória da Central Tejo e anunciar a sua musealização. o seu espaço interior foi pensado como lugar para o desenvolvimento cultural e urbano da cidade de Lisboa, e o seu exterior transformado num espaço expositivo, dispondo peças «de forma a dar uma ideia do futuro jardim tecnológico»4
Na primeira fase dos trabalhos, de acordo com o Plano Geral de 1981, as fachadas foram reconstituídas à imagem do edifício das caldeiras de baixa pressão, impondo-se a depuração de estruturas parasitárias – por exemplo, os alimentadores de carvão –, a restituição dos paramentos de tijolo à vista, vidros e caixilhos metálicos substituídos.
Em 1983, no sentido da preparação dos espaços para a exposição de arqueologia, foram substituídos os vidros e caixilharias metálicas «deformadas» no edifício da sala das Caldeiras de Baixa Pressão, e orçamentada a hipótese de substituição dos vidros partidos dos janelões da fachada norte da sala das Caldeiras de alta Pressão. Contudo, a caixilharia apresentava sinais de
1. MariaNo, Mário (1983). Comissão instaladora do Museu da Electricidade. obras de Beneficiação da Central Tejo. Documento preparado para Gerência (DT n.º 1/83-CiME, de 8/2/1983), pp. 5-11. CDFEDP, cota i02.04.01-02.
2. a Central Tejo foi classificada como imóvel de interesse público em 1986, conforme o Decreto-lei n.º 1/86 de 3 de janeiro.
3. siMÕEs ilídio Mariz, Memórias Profissionais, Volume II s.d., CDFEDP, p. 102.
4. «Exposição da Central Tejo, Plano Geral» – redação datada de 22/10/1987 e inserida como anexo i, CDFEDP.
Figs. 115-118: recuperação da fachada poente: composição da fachada em atividade [Restoration of the west façade: composition of the façade during operation], 1941; trabalhos de recuperação [restoration work], 1983; fachada depois da intervenção [façade after the works], 1987; perspetiva atual [current view], 2023
1. Central Tejo, Preparação de espaços para a exposição / Museu, superfícies envidraçadas. Comunicação (iF 012/83/DTEQ-EC, de 14.04.83). CDFEDP: cota i02.04.01-02.
2. a empreitada foi adjudicada às empresas Gracifer e Volumetria, a 4 de setembro de 1994, com a obra de substituição dos janelões da alta de Pressão a decorrer em 1995. Cruz, Luís. Memórias Profissionais, s.d. CDFEDP.
degradação, «provocando a inutilização de todas as peças de vidro».1 a intervenção sobre os janelões só ficou concluída em 1994 com a substituição integral dos janelões da sala das Caldeiras de alta Pressão.2 os anos 1990 são particularmente importantes para a construção da relação da Central Tejo com o seu contexto urbano. o muro de Cristino da silva é gradualmente demolido para se integrar a parcela da Central em lógicas de desenho e apropriação do espaço público. a primeira transformação resulta de um projeto do arquiteto Tomás Taveira, integrado no Plano de ordenamento do Porto de Lisboa (Pozor, 1994-1995). o projeto propunha essencialmente a criação de um novo enquadramento à Central Tejo com o arranjo do espaço público apoiado por algumas pequenas edificações. Da proposta foi executada a demolição do telheiro do depósito de carvão para
FiGs 119-122: Transformação do layout expositivo na antiga sala das Caldeiras de Baixa Pressão: preparação da exposição permanente [Transformation of the exhibition layout in the former Low-Pressure Boiler Room: preparation of the permanent exhibition], 1987; exposição «Electrum 89» [exhibition “Electrum 89”], 1990; compartimentação do espaço para criação de salas de exposições temporárias [compartmentalization of the space to create temporary exhibition rooms], 2016; o espaço expositivo atual [today’s exhibition space], 2023.
FiGs 123-126: Transformação do layout expositivo na antiga sala das Caldeiras de Baixa Pressão: vista sobre a sala em funcionamento (caldeira n.º 11) [Transformation of the exhibition layout in the former Low-Pressure Boiler Room: view of the room in operation (boiler no. 11)], 1940; perspetiva da sala durante os trabalhos de musealização [view of the room during the musealisation work], 1981; exposição permanente sobre Ferramentaria da Central Tejo [permanent exhibition on Central Tejo’s Toolmaking], 1990; o espaço expositivo atual [today's exhibition space], 2023.
redesenhar a entrada poente do museu, foi substituído o muro pela vedação em aço e redefinido o espaço público.
a antiga refinaria de açúcar foi adaptada a novos usos, vários relacionados com a prática da produção, outros com a da manutenção e armazenamento ou mesmo de arquivo. Por exemplo, podem ser assinaladas a adaptação dos antigos espaços de ferramentaria, pintura, galvanoplastia e forja a arquivo de Documentação Histórica do Grupo EDP (1994) e as antigas caser nas da GNr à nova subestação da empresa E-redes1 (projeto, 1994 / construção, 1996). atualmente, o arquivo e escritórios ocupam parte do edifício da antiga subestação da Central Tejo e a nova subestação está integrada no edifício do MaaT, na sua posição original.
Com a viragem do século, definem-se novas estratégias de intervenção e estudos de ocupação. uma mudança de paradigma interventivo assinalada em três intervenções (2003, 2016 e 2017) que transformaram em escalas diferentes a composição do conjunto e da sua relação com a paisagem.
o arquiteto Carlos Bonina Moreno, no «estudo para a renovação do Museu da Electricidade e das instalações da Central Tejo» de setembro 2000 e no «projecto de musealização para o Museu da Electricidade e instalações da Central Tejo» de maio de 2003, faz uma proposta de renovação do conjunto museológico, reabilitação das infraestruturas físicas e equipamentos dos edifícios das caldeiras e da sala das Máquinas, e reconversão de vários edifícios periféricos para apoio ao funcionamento do museu. a criação das reservas do Museu da Eletricidade (2004)2 nas antigas instalações da sena sugar é um exemplo do trabalho realizado neste período.3
o plano de acessibilidade do Museu da Eletricidade, incluído na intervenção de 2003, exigia a construção de percursos acessíveis entre as diferentes salas, com a adição de rampas entre pavimentos a diferentes alturas. o exemplo mais interessante é a passagem entre a sala da Caldeira de Baixa Pressão e a sala das Máquinas. Este espaço de transição foi recortado na parede que separa as salas ao nível do primeiro piso e é constituído por um passadiço em aço com rampa.4
Com a intervenção, foram ainda tratadas patologias diversas na estrutura e revestimentos, que incluíram a substituição de cerca de 7500 tijolos das fachadas por outros de «características semelhantes» e a alteração de lajes interiores, entre outros trabalhos. o pavimento da sala das Máquinas, por exemplo, foi nivelado com entaipamento por estrutura metálica dos vazios onde assentavam os turbo-grupos 4 e 5. No caso da sala das Caldeiras de Baixa Pressão, a laje mista pré-moldada, composta por vigas metálicas, lajetas e revestimentos hidráulicos, do primeiro piso, foi integralmente demolida e substituída por uma laje maciça em betão armado.5
Em 2016, o arquiteto Pedro Gadanho (diretor do MaaT) e a arquiteta ana robalo desenvolveram o «projeto de remodelação das salas expositivas» com o objetivo de dar ao museu a capacidade de organizar diferentes eventos em simultâneo. Para tal, foi alterado o layout da sala das Caldeiras de Baixa Pressão com a construção de uma sala de exposições temporárias, duas salas no 1.º piso e outra em mezzanine 6
a partir de 2020, sob direção da arquiteta Beatrice Laenza, o atelier FaLa redesenha o layout do 1.º piso no sentido de diminuir a sua partição. a intervenção
1. CâMara, João Perry da. subestação Tejo. Memória Descritiva e Justificativa. 1994. CDFEDP, cota: i02.04.04-06.
2. as reservas do Museu da Eletricidade são o espaço para armazenamento das peças do património energético do Museu da Eletricidade que não estão em exposição.
3. MorENo, Carlos Bonino. Estudo para a renovação do Museu da Electricidade e das instalações da Central Tejo. Memória Descritiva. setembro de 2000. CDFEDP, cota: i02.04.04-06.
4. saNTos, Fernando; Faria, Fernando; Cruz, Luís (2006). «Museu de Electricidade: um museu com História, um museu para o futuro». in Ingenium, revista da ordem dos Engenheiros, Lisboa, s ii, n.º 92, mar/abr, p. 34.
5. Em 2003, este percurso acessível foi construído ao longo da parede sul (com as grandes janelas), e em 2016 foi alterado para a configuração atual.
6. roBaLo, ana Teresa. Projeto de remodelação das salas Expositivas, julho de 2016. Fonte: MaaT, FEDP Coordenação, operações e Planeamento.
1. atelier FaLa, Projeto de remodelação das salas Expositivas, outubro de 2020. Fonte: MaaT, FEDP Coordenação, operações e Planeamento.
incidiu particularmente na metade sul da sala, impondo a demolição das estruturas autoportantes existentes para restituição da amplitude da sala, à semelhança do espaço após os trabalhos de recuperação em 1981.1 E, por último, em 2023, está a ser finalizada a nova configuração do piso térreo da sala das Caldeiras de Baixa Pressão. a intervenção concebida pelo ToYNo Design studio visa mostrar a história da energia e do edifício através de um novo percurso expositivo no circuito do Museu da Eletricidade. a resistência ao tempo da Central Tejo só foi possível pela sua contínua adaptação a novas necessidades, seja por ampliação do processo de produção seja pelo seu reúso como museu. Este último e atual período da sua vida corresponde à
ideia de salvaguarda do edifício alicerçado na história, agrega-o ao território e potencia a continuidade das suas estórias. No entanto, o processo de musealização do edifício iniciado pelo engenheiro Mário Mariano nos anos 80 do século XX e continuado pelos arquitetos Carlos Moreno, Pedro Gadanho e Beatrice Laenza no século XXi também implicou a sua transformação. Conceptualmente, foram utilizados critérios entre a «reconstituição segundo a traça original dos edifícios», o restauro de paramentos e a substituição de partes do edifício danificadas. as intervenções envolveram a remoção de estruturas parasitárias cupuladas nas fachadas, a montagem de novos tijolos cerâmicos compactos que o tempo procurará harmonizar, bem como a substituição da laje na sala das Caldeiras de Baixa Pressão e dos janelões sala das Caldeiras de alta Pressão.
FiGs 133-135: Projeto de arranjo da Envolvente do Museu da Eletricidade
[Arrangement of the Electricity Museum Surroundings], arq. Tomás Taveira, 1994-1995
a abertura da parcela da Central Tejo ao uso público a partir de 2017 permitiu a construção de novas relações entre o edifício, o território e, sobretudo, o passeante, como nunca antes tinha tido. Desde sempre prisioneira de uma função, de um muro alto e de um gradeamento em aço, foi impossibilitada de construir laços com o seu contexto próximo. o redesenho do espaço exterior e abertura ao público permitiu a criação de uma relação com o conjunto como nunca teve, uma imagem enquadrada no verde da composição arbórea, em espaços de permanência, exposição e vista. os Tempos da Central Tejo foram dados a conhecer e a tocar, integrados à escala do território, da margem do rio e do lugar.
DEs 11: Trabalhos de reabilitação e remoção de elementos para musealização da Central Tejo [Rehabilitation work and removal of elements during the musealisation of the Central Tejo],
With the dismantling and abandonment of many industrial complexes in the 1970s in Portugal, the growing cultural interest in this type of building led to growing reflection on built industrial heritage (factories, power plants, mills, mini hydroelectric plants). Musealisation was seen as a solution to their reuse, particularly for the conservation and preservation of the industrial memory of the late 19th and 20th century.
in general, conversions seek to reconcile contemporaneity with a particular history, using physical memory as a means of enhancing the present design. The mechanical vestiges –furnaces, turbines and boilers – and in many cases the chimneys, components of the functional structure of industrial buildings, are integrated as museum pieces in themselves, as explanatory features of a general production process and, in this case, electricity generation in particular.
The Central Tejo [Tagus Power Plant] museum project began in 1981 and centred around two principles: the building as an exhibition feature and the organisation of exhibitions and cultural events, both permanent and temporary, always set against the backdrop of the physical history of the old power plant. The “object of the museum’s exhibition is the building itself”1 , based on the idea of a “machine-building”2 that speaks for itself.
The various projects to musealise the Central Tejo are somewhat indicative of the solutions proposed for adapting the meaning and memory of the industrial complex to the inherent problems in its conversion. The power plant’s museum project is a re-contextualisation of the energy production process’ mechanical structure, which, on the one hand, retains the production line context, embedded in the texture of its materiality and structure – the High-Pressure Boiler room and the Machine room – and, on the other, adjusts to new exhibition and administrative functions – the Low-Pressure Boiler room and the substation. The museography project is an attempt to interpret the space, bringing the building and its objects – boilers – closer to the observer. Large, vertical spaces, and machines with their own specific language, elucidate the production process, from receiving the raw material – coal – to transforming and distributing it.
However, the process of adapting the spaces to the “museum function” did suppress parts of this process, with some elements hemmed in between temporary vertical structures that section off exhibition spaces, while others have been lost forever. and it is precisely this idea of transforming the building based on the exhibition project that we intend to explore here.
The 1981 restoration plan and its principles were defined by the Museu da Eletricidade installation Committee, comprising the advisor to EDP’s Management Board, engineer Mário Mariano, as well as Dr Dulce Pessoa and engineer abelaira Gomes. among other tasks, the Commission had to establish the design criteria for converting the entire facility into a museum, which included deciding on: (a) using building materials and components from the time of construction; (b) how best to tailor the chosen solutions to the new function of the buildings and the surrounding areas, in this case a museum function; and (c) how to integrate the complex into the surroundings.
The employed solutions sought to somehow “harmonise” the new function with the built history, applying “a restoration principle that adheres to the original layout of the buildings”. The methodology applied centred around the basic idea of restoring an ideal image of the building, involving the careful restoration of some parts and even the demolition of others deemed “uninteresting in terms of the museum’s overall plan”.3 it was the work carried out by the installation Committee that led to the Central Tejo being classified as a Building of Public interest in 1986.4
The Industrial Archaeology (1984) and One Hundred Years of Electricity (1989) exhibitions were important moments in the implementation of the Museu da Eletricidade project, enabling the creation of a museum that had EDP’s seal of approval and, in particular, becoming the driving
1. MorENo, Carlos Bonino (2003), Museu da Electricidade Musealisation Project. Descriptive memoir, p. 2. CDFEDP: uM 10035.
2. CusTóDio, Jorge (2016), “Preface”. in Central Tejo: uma bibliografia (1909-1990). Volume I. Lisbon: EDP Foundation, Documenta, p. 32.
3. MariaNo, Mário (1983). Museu da Electricidade installation Committee. Central Tejo improvement Works. Document prepared for Management (DT no. 1/83-CiME, of 8/2/1983), pp. 5-11. CDFEDP, code i02.04.01-02.
4. The Central Tejo was classified as a building of public interest in 1986, in accordance with Decree-Law no. 1/86 of 3 January.
1. siMÕEs ilídio Mariz, Memórias Profissionais, Volume II undated, CDFEDP, p. 102.
2. “Central Tejo Exhibition, General Plan” – Draft dated 22/10/1987 and included as annex i, CDFEDP.
3. Central Tejo, Preparation of exhibition spaces / Museum, glazing. Communication (iF 012/83/DTEQ-EC, of 14.04.83). CDFEDP: code i02.04.01-02.
4. The contract was awarded to the companies Gracifer and Volumetria on 4 september 1994, with the work to replace the High-Pressure Boiler building’s windows being completed in 1995. Cruz, Luís, Memórias Profissionais, undated, CDFEDP.
5. CâMara, João Perry da. Tagus substation. Descriptive memoir and specifications, 1994. CDFEDP, code: i02.04.04-06.
6. The Museu da Eletricidade reserves are the storage space for the Museu da Eletricidade’s energy heritage items that are not on display.
7. MorENo, Carlos Bonino. study for renovating the Museu da Electricidade and Central Tejo facilities. Descriptive memoir. september 2000. CDFEDP, code: i02.04.04-06.
force behind the conservation work carried out on the buildings. During the course of both events, in indoor and outdoor spaces, the image of the building changed. The idea of a vacant building, degraded by the destructive action of passers-by and darkened by the dusty smoke of the furnaces, gave way to the museological poetics of a story within a time frame.
“Declassified in 1975 along with all the facilities that the Central Tejo still possessed, the remains are still there today, as a testimony to a laborious yet largely forgotten past in which they were much-loved ‘stars’. Their husks are rotting away, corroded by rust, and while they have so far been spared the ‘dishonour’ of dismantling, time will slowly destroy them…”1
The purpose of the exhibitions was to showcase the memory of the Central Tejo, while also heralding its new museum function. its interior space was designed as a place for promoting the city of Lisbon’s cultural and urban development, while its exterior was transformed into an exhibition space, displaying pieces “in such a way as to give an idea of the future technological garden”.
2
in the first phase of the work, as part of the 1981 General Plan, the façades were rebuilt in the image of the Low-Pressure Boiler building, requiring the removal of parasitic structures – the coal feeders for example –, as well as the restoration of the exposed brick walls and the replacement of the glass and metal frames.
in 1983, in order to prepare the spaces for the archaeological exhibition, the “deformed” glass and metal frames in the Low Pressure Boiler room building were replaced, and a budget was drawn up to repair the broken glass in the windows on the High-Pressure Boiler room’s north façade. However, the frames showed signs of degradation, “rendering all the glass pieces unusable”.
3 The work on the windows was only completed in 1994, with those in the High-Pressure Boiler room being replaced entirely 4
The 1990s were particularly important for shaping the Central Tejo’s relationship with its urban context. Cristino da silva’s wall was gradually demolished so that the Central Tejo plot could be integrated into the rationale for the design and appropriation of public space.
The first transformation was the result of a project by architect Tomás Taveira, as part of the Lisbon Waterfront Management Plan (Pozor, 1994-1995). The project essentially proposed creating a new setting for the Central Tejo, with the arrangement of the public space being supported by some small buildings. The proposal included demolishing the coal shed to redesign the museum’s west entrance, replacing the wall with a steel fence and redefining the public space.
The former sugar refinery was adapted to new uses, several related to the former production function, and others to maintenance, storage and even archiving. For example, the former toolmaking, painting, electroplating and forge areas were turned into the EDP Group’s Historical Documentation archive (1994), while the former National republican Guard barracks became the E-redes company’s new substation5 (project, 1994 / construction, 1996). The archive and offices now occupy part of the former Central Tejo substation building, while the new substation has been integrated into the MaaT building, which remains in its original position.
The turn of the century saw new intervention strategies and land use studies were defined. This change in paradigm was signalled by three interventions (2003, 2016 and 2017) that transformed the composition of the complex and its relationship with the landscape on a number of levels.
The architect Carlos Bonina Moreno, in his “study for the renovation of the Museu da Electricidade and the Central Tejo facilities” of september 2000, and his “musealisation project for the Museu da Electricidade and the Central Tejo facilities” of May 2003, proposed renovating the museum complex, rehabilitating the physical infrastructure and equipment of the boiler buildings and Machine room, and converting various peripheral buildings to aid the operation of the museum. The creation of the Museu da Eletricidade reserves (2004) 6 on the former sena sugar premises is an example of the work carried out during this period.7
The accessibility plan for the Electricity Museum, included in the 2003 intervention, required the construction of accessible pathways between the different rooms, with the addition
of lifts and ramps between pavements at different heights. The most interesting example is the passage built between the Low-Pressure Boiler room and the Machine room. This transition space has been cut into the wall separating the rooms at the first-floor level and is made up of a ramped steel walkway.1
The works also addressed a number of defects in the structure and cladding, which included the replacement of around 7500 bricks on the façades with others of “similar characteristics” and changes to interior slabs, among other works. The Machine room floor was levelled, for example, with a metal structure filling the voids where turbine groups 4 and 5 were located. as for the Low-Pressure Boiler room, the composite precast slab on the first floor, comprising metal beams, flagstones and hydraulic linings, was completely demolished and replaced with a solid reinforced concrete slab.2
in 2016, architect Pedro Gadanho (MaaT director) and architect ana robalo developed the “exhibition room remodelling project” with the aim of enabling the museum to organise different events simultaneously. To this end, the layout of the Low-Pressure Boiler room was altered, with the construction of a temporary exhibition room, two rooms on the first floor and another on a mezzanine.3
Four years later, under the direction of architect Beatrice Laenza, the FaLa studio redesigned the layout of the first floor to reduce the partitioning. The work focused particularly on the southern half of the room, requiring the demolition of the existing self-supporting structures to restore its spaciousness, similar to the space after the restoration work in 1981.4 and lastly, in 2023, a new change in the configuration of the ground floor layout of the LowPressure Boiler room is being finalised. The intervention designed by ToYNo Design studio aims to show the history of energy and of the building through a new exhibition route in the Electricity Museum circuit.
The Central Tejo’s enduring nature has only been possible because of the complex’s continual adaptation to new needs, whether it be expanding the production process or the ultimate reuse as a museum. This latest and current period of its life is all about safeguarding the building on the basis of its history, incorporating it into the surrounding area and allowing its story to continue.
However, the process of turning the building into a museum, begun by engineer Mário Mariano in the 1980s and continued by architects Carlos Moreno, Pedro Gadanho and Beatrice Laenza in the 21st century, did entail a degree of transformation. Conceptually, the criteria included “reconstructing the original layout of the buildings”, restoring walls and replacing damaged parts of the building. The interventions involved removing the parasitic cupola structures on the façades, installing new compact ceramic bricks, which time will eventually harmonise, and replacing the concrete slab in the Low-Pressure Boiler room and the windows in the High-Pressure Boiler room.
When the Central Tejo site opened to the public in 2017, new relationships were able to be forged between the building, the setting and, most importantly, visitors, in a way that had never been witnessed previously. Hitherto imprisoned by its function, the wall and steel railings meant that it was unable to make any connections with the immediate surroundings. redesigning the exterior space and opening it up to the public allowed an entirely new relationship to be created between the viewer and the complex, now surrounded by green trees, in spaces apt for pausing, exhibiting and observing. The Times of the Central Tejo have finally been revealed and can now be experienced, having been perfectly integrated into the landscape, the riverbank and the site itself.
1. saNTos, Fernando; Faria, Fernando; Cruz, Luís (2006). “Museu da Electricidade: um museu com História, um museu para o futuro”. in Ingenium, revista da ordem dos Engenheiros, Lisbon, s ii, no. 92, Mar/apr, p. 34.
2. in 2003, this accessible pathway was built along the south wall (with the large windows), and in 2016 it was changed to the current configuration.
3. roBaLo, ana Teresa. Exhibition room remodelling project, July 2016. source: MaaT, EDP Foundation Coordination, operations and Planning.
4. atelier FaLa, Exhibition room remodelling project, october 2020. source: MaaT, EDP Foundation Coordination, operations and Planning.
CRÉDITOS DE DESENHOS E IMAGENS | DRAWING AND IMAGE CREDITS
Arquivo Municipal de Lisboa
Figs. 25, 26, 30 [Amadeu Ferrari, s/d], 37 [Kurt Pinto, 1940], 61, 62, 82-83 [Armando Maia Serôdio, 1961], 84, 85, 108-112
Miguel Freitas Silva Figs. 1-13, 17, 31, 36, 40, 44, 47, 49, 52, 60, 77, 105, 118, 122, 126, 130, 132, 136-142, desenhos 1-13
As restantes fotografias são propriedade da Fundação EDP: Coleção Kurt Pinto; Coleção Mariz Simões; Coleção Touzet; Coleção Adelino Oliveira; Coleção Pedro Gadanho; Activités et realizations techniques de la SOFINA; FG+SG; Luísa Freiria.
MIGUEL FREITAS SILVA
Arquiteto, Mestre em Reabilitação da Arquitetura e Núcleos Urbanos e Doutor em Urbanismo, é investigador no grupo de investigação formaurbis LAB, integrado no CIAUD, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. A sua investigação é dedicada ao estudo morfológico do património urbano, particularmente focado nos processos de transformação e reutilização do tecido construído, obsoleto e expectante, em Portugal e no Japão. Atualmente, é Professor Auxiliar Convidado na FA.ULisboa.
Architect, with a Master’s in Rehabilitation of Architecture and Urban Centres and a PhD in Urbanism, he is a researcher in the formaurbis LAB research group, part of CIAUD, Lisbon School of Architecture, University of Lisbon. His research is dedicated to the morphological study of the urban heritage, particularly focusing on the processes of transformation and reuse of obsolete and expectant built fabric in Portugal and Japan. He is currently a guest assistant professor at FA.ULisboa.