Retórica Mediatizada – A Comunicação Persuasiva através dos Media

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RETÓRICA MEDIATIZADA

a comunicação persuasiva através dos media

Beatriz Gil Enio Soares

Fabrizio Macagno Francisca Amorim Giovanni Damele Ivone Ferreira Jorge Veríssimo Maria Luísa Malato Rosalice Pinto Samuel Mateus Teresa Mendes Flores

RETÓRICA MEDIATIZADA

a comunicação persuasiva através dos media organização Samuel Mateus Ivone Ferreira

DOCUMENTA

apoio

© SISTEMA SOLAR, CRL (DOCUMENTA) , 2022 RUA PASSOS MANUEL, 67 B, 1150-258 LISBOA

© SOPCOM – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO com AUTORES, 2022 AV. DE CEUTA SUL, LT 2 – LOJA 2, 1300-254 LISBOA

1.ª EDIÇÃO: DEZEMBRO DE 2022 ISBN 978-989-568-015-3

REVISÃO: LUÍS GUERRA

DEPÓSITO LEGAL 497461/22 IMPRESSÃO E ACABAMENTO: ULZAMA

ÍNDICE

Samuel Mateus | Ivone Ferreira

Introdução: Retórica mediatizada: a comunicação persuasiva através dos media .............................................. 9

Jorge Veríssimo

Capítulo 1: A retórica e a praxis publicitária ........................ 15

Samuel Mateus

Capítulo 2: A publicidade como género epidíctico .................. 37

Francisca Amorim | Maria Luísa Malato

Capítulo 3: Anti-retórica, estética e anestesia: desafios da retórica política mediatizada ............................................ 55

Giovanni Damele

Capítulo 4: Retórica política na era das redes sociais ................ 77

Beatriz Gil | Fabrizio Macagno

Capítulo 5: Análise argumentativa nas redes sociais: Bolsonaro no Twitter — uma abordagem preliminar ............ 97

Enio Soares

Capítulo 6: Persuasão em 280 caracteres: ethos e pathos no Twitter @jairbolsonaro ..................................... 123

Teresa Mendes Flores

Capítulo 7: Peirce, a retórica mediatizada e as fotografias de marcos de fronteira ......................................... 143

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Rosalice Pinto

Capítulo 8: Ethos organizacional em empresas «politicamente corretas»: estudos de caso ........................ 179

Notas biográficas ................................................. 195

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Índice

RETÓRICA MEDIATIZADA — A COMUNICAÇÃO PERSUASIVA ATRAVÉS DOS MEDIA

Samuel Mateus (Universidade da Madeira) Ivone Ferreira (Universidade Nova de Lisboa)

O que têm em comum o anúncio de publicidade, o soundbite político, as redes sociais ou a comunicação organizacional? Em qualquer dos casos, estamos perante fenómenos que envolvem processos persuasivos. Por outras palavras, são ações retóricas que visam convencer-nos a respeito de alguma coisa acerca do mundo.

Este livro apresenta diferentes manifestações retóricas contemporâneas que ocorrem em sociedades amplamente mediatizadas. E demonstra que a retórica — enquanto técnica de comunicação persuasiva — persiste nos dias de hoje como uma referência incontornável dos media.

Falar em Retórica Mediatizada significa, então, que a persuasão é um processo central dos media. Esta centralidade resume-se em dois princípios.

Um, tal como persuadimos através do discurso verbal (este é o sentido da retórica antiga), também persuadimos por intermédio de processos discursivos não-verbais, que incluem frequentemente os dispositivos tecnológicos de mediação simbólica (os media, no sentido anglo-saxónico da palavra). Se pretendemos compreender, na íntegra, como discutimos, convencemos e argumentamos as nossas visões do mundo, ideias ou opiniões, temos necessariamente de incluir como o fazemos através dos media, dada a sua centralidade e omnipresença nas sociedades. Por exemplo, a fotografia é uma inscrição indexical que nos persuade acerca da plausibilidade daquilo que observamos; além disso, a forma como Quintiliano persuadia as multidões, falando de cima da rostra romana, é fundamentalmente diferente de Bolsonaro escrever numa plataforma digital como o Twitter (logo a começar pela extensão do seu discurso).

Dois, assumir a mediatização da retórica significa não apenas que os media alteram os seus alicerces, introduzindo alterações na valorização dos diferentes

9 Introdução |
introdução

cânones, como é referido, por exemplo, por Mateus (2018), como implica considerar que os media representam um potencial persuasivo radicalmente singular quando comparado com a palavra falada na assembleia. Um dos aspetos mais pregnantes é a capacidade de ampliar o alcance do discurso, para lá da relação presencial entre orador e auditório. A extensão espacial e temporal permitida pelos dispositivos tecnológicos de mediação simbólica introduz mutações críticas nos processos de persuasão nas sociedades de massas de que é apenas um exemplo a constante repetição de anúncios de publicidade, várias vezes por dia, em diferentes meios de comunicação social e ao longo de semanas.

A retórica mediatizada assume-se, também, numa dupla articulação.

Na primeira articulação, os media assumem-se como instâncias retóricas, isto é, como lugar tecnológico de produção de efeitos persuasivos que, ao possuírem as suas próprias lógicas de funcionamento, induzem processos de convencimento acerca da representação do mundo que operam.

Na segunda articulação, os media são lugares de disseminação do discurso retórico. Por outras palavras, os media, nas suas lógicas de funcionamento, não são somente instâncias formadoras de processos persuasivos; eles são, igualmente, plataformas simbólicas onde os sucessivos discursos retóricos (políticos, económicos, culturais, etc.) são reproduzidos em massa. Os media como a internet, a televisão ou o cinema são, também, superfícies de inscrição simbólica, como o são o pergaminho, a pedra ou o papel, que fixam os discursos que atravessam as sociedades modernas e lhes dão expressão, disseminando-os e colocando-os em circulação. Examinar a retórica mediatizada cumpre-se, deste modo, em dois desígnios principais complementares entre si.

Por um lado, estudar as idiossincrasias persuasivas contidas nos media. A título de ilustração, como é que televisão altera a forma como publicitamos e persuadimos acerca de ideias, objetos ou serviços? Ou como é que as redes sociais vieram alterar os processos clássicos de comunicação política, em particular, na argumentação que aí é concretizada? Estas são apenas duas questões que ilustram a pertinência que existe em considerar os media em conjugação com a retórica, e de atualizarmos o sistema retórico em consonância.

Por outro lado, examinar a retórica mediatizada envolve analisar os efeitos sociais da passagem do discurso persuasivo pelos media. Embora os primeiros modelos de comunicação, como é o caso do modelo matemático da informação, fizessem crer que os media são apenas canais pelos quais fazemos

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circular a nossa mensagem, uma perspetiva retórica dos media tem o mérito de nos assinalar os processos de convencimentos contidos nos dispositivos tecnológicos, permitindo-nos, além disso, estudar as suas consequências. Assim, do ponto de vista da Retórica Mediatizada, podemos focar-nos no modo como a realização cinematográfica nos leva a crer na plausibilidade desse mundo ficcional através, por exemplo, da sonoplastia ou da narrativa. Os media são instâncias legítimas produtoras de efeitos de persuasão.

É todo este potencial retórico que a presente obra estuda, através de uma diversidade de perspetivas e de inspirações metodológicas e teóricas, realizadas por investigadores oriundos de diferentes áreas do conhecimento como as Ciências da Comunicação, a Filosofia, a Linguística ou a Semiótica.

No Capítulo 1, «A retórica e a praxis publicitária», Jorge Veríssimo reflete sobre a mudança operada pelos media, nomeadamente os digitais, na prática publicitária, e propõe a adaptação da metodologia de elaboração do texto retórico ao processo de criação e análise de anúncios, tese que fundamenta com a coincidência de objetivos de ambos os discursos: persuadir o auditório.

Em «A publicidade como género epidíctico», Samuel Mateus afirma «a natureza epidíctica da publicidade» e sugere «um alargamento do género, para lá da sua estrita descrição pelos tratados antigos de retórica» (p. 37). O texto de Mateus apresenta um contributo para o debate sobre o lugar da publicidade nos géneros retóricos, questão que tem merecido destacado debate na comunidade académica portuguesa por parte de Fidalgo e Ferreira (2005), Cardoso e Cunha (2006), Camilo (2010), Américo de Sousa (2008), Ferreira (2020) e Mateus (2018; 2020).

Francisca Amorim e Maria Luísa Malato conduzem o leitor ao berço da retórica em «Anti-retórica, estética e anestesia: desafios da retórica política mediatizada», para enfatizar uma «retórica ligada aos dilemas da democracia desde a sua génese» (p. 47). O texto apresenta uma cogitação sobre os desafios da retórica política nos media, nomeadamente sobre como as estratégias de apresentação mediática da imagem do político podem contribuir para a desinformação dos cidadãos.

Em «Retórica política na era das redes sociais», Giovanni Damele reflete sobre o impacto da retórica dos tweets no exercício dos direitos e deveres de cidadania. Para o autor, «a revolução digital tem sido assim interpretada,

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consoante a ocasião, como promessa e como a ameaça para as democracias liberais» (p. 79).

Beatriz Gil e Fabrizio Macagno apresentam uma «Análise argumentativa nas redes sociais: Bolsonaro no Twitter — uma abordagem preliminar». Este capítulo contextualiza o fenómeno de popularidade do Twitter no panorama político internacional e integra uma análise argumentativa dos tweets de Jair Bolsonaro, postados nos três primeiros meses da sua governação.

Em «Persuasão em 280 caracteres: ethos e pathos no Twitter @jairbolsonaro», Enio Soares também acompanha os tweets do então candidato à presidência do Brasil, durante a primeira e segunda voltas das eleições de 2018. O objetivo do capítulo é fazer uma «análise sobre a construção do ethos discursivo e a mobilização do pathos nas publicações» (p. 130), e também, de refletir sobre a qualidade da informação veiculada pelos políticos na redes sociais digitais.

No capítulo 7, passamos dos media digitais para a fotografia. Teresa Mendes Flores relaciona semiótica, retórica e media em «Peirce, a retórica mediatizada e as fotografias de marcos de fronteira», tendo em vista refletir sobre um álbum fotográfico da Missão de Delimitação de Fronteira Luso-Belga, datado de 1914-1915 «[…] procurando mostrar a importância do estudo retórico das imagens fotográficas, como contributo para a sua crítica» (p. 152).

Em «Ethos organizacional em empresas “politicamente corretas”: estudos de caso», Rosalice Pinto propõe um alargamento do conceito de ethos retórico às empresas e, através da apresentação de alguns exemplos de comunicação corporativa de empresas portuguesas tidas como sustentáveis, procura averiguar se, e como, o ethos empresarial e o discurso politicamente correto são compatíveis num contexto em que «o mercado dita regras […] para que profissionais da comunicação organizacional produzam textos que atendam […] às novas exigências do mercado» (p. 194).

Estudar a Retórica Mediatizada, tal como afirmam Fidalgo e Ferreira (2005, p. 151), não é estudar a retórica mediática, ou seja, os discursos de que os meios de comunicação se servem para os seus fins, mas examinar as modificações que os meios de comunicação operam nos processos persuasivos.

Pede uma compreensão alargada da comunicação persuasiva e a passagem do triângulo ao quadrado retórico (Fidalgo, 2009, p. 231). A retórica mediatizada faz dos media, não um elemento acrescido à retórica, mas um

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elemento central que reorganiza os restantes membros do triângulo retórico. Os capítulos que acabamos de descrever demonstram as diversas imbricações entre a retórica e os meios de comunicação, também como os media significam novas formas de significar o mundo à nossa volta e, por conseguinte, de persuadir acerca dele.

Esta introdução termina com o regresso ao conceito de retórica mediatizada que inspirou o evento científico que lhe deu origem, o qual, convertido da presença (física) na ausência contemplativa a que as letras convidam, aqui fica plasmado. Fica um sentido agradecimento ao impulsionador da reflexão sobre a «retórica mediatizada», António Fidalgo, que nos honrou ao ministrar a conferência de abertura das Jornadas de Retórica Mediatizada, realizadas a 13 de maio de 2019 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, na presença dos também ilustres Francisco Caramelo, diretor da NOVA FCSH; de Francisco Rui Cádima, coordenador do ICNOVA; e de Joaquim Paulo Serra, presidente da SOPCOM e, então, coordenador do LabCom.

«Mudou a sociedade, mudou a cultura, mudou a religião, mudou o modelo de governação política, pelo que a retórica não poderia manter-se inalterada, ela própria tão imbricada com a sociedade e com as formas de vida social e política» (Fidalgo, 2008, p. 245). Sobre este tema fica ainda muito por dizer. Esperamos, porém, que este livro seja um contributo para iluminar as relações da retórica com as «formas de vida social e política contemporâneas».

Bibliografia

Camilo, Eduardo (2010) Homo Consumptor. Dimensões Teóricas da Comunicação Publicitária. Universidade da Beira Interior: Livros LabCom.

Cardoso e Cunha, Tito (2006) «“Surpreenda-se… sempre!” Sobre os limites da retórica publicitária», II Jornadas Publicidade e Comunicação, Covilhã: UBI.

Ferreira, I. «Advertising as rhetorical metagenre», in Mateus, Samuel (ed.). (2020) Media Rhetoric: How Advertising and Digital Media Influence Us. UK: Cambrige Scholars Publishing.

Fidalgo, António (2009). «Da retórica às indústrias da persuasão», in Ribeiro, Jales. Rhetoric and Argumentation in the Beginning of the XXIst Century, Coimbra: pp. 231-246. DOI:http://dx.doi. org/10.14195/978-989-26-0498-5_14

Fidalgo e Ferreira (2005) «Retórica mediatizada», in Cardoso e Cunha, Tito (org.). Revista de Comunicação & Linguagens 36 (Retórica — dezembro 2005), pp. 151-160.

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Introdução |

Mateus, Samuel (2020) «When Homo Rhetoricus meets the Media — The field and scope of Media Rhetoric», in Media Rhetoric: How Advertising and Digital Media Influence Us. UK: Cambrige Scholars Publishing.

— (2018) Introdução à Retórica no Século XXI. UBI: Livros LabCom. Sousa, Américo de «O estatuto retórico da publicidade», in Serra, Paulo; Ferreira, Ivone. Retórica e Mediatização. Da Escrita à Mediatização. UBI: Livros LabCom, pp. 75-80. Disponível em http://labcom.ubi.pt/ficheiros/ferreira-ivone-retorica-mediatizacao.pdf

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A RETÓRICA E A PRAXIS PUBLICITÁRIA

Os alicerces da retórica estão fundados na procura de argumentos persuasivos que suportem certas intenções, discursos ou ações. O mesmo será dizer que a retórica disponibiliza um conjunto de ferramentas argumentativas e persuasivas para o orador defender uma qualquer opinião ou assunto. Com as devidas diferenças, estas ferramentas surgem e são aplicadas na publicidade, que tem como objetivo último, e por vezes específico, mover o ouvinte/consumidor para a compra de um determinado produto. Embora muitos dos recursos retóricos que encontramos na praxis publicitária coincidam, na prática muitos deles não surgiram, nem procedam diretamente dela, isto é, muitas das vezes não há um desígnio claro do publicitário no uso das regras da retórica, ou até, um conhecimento prévio da doutrina retórica. Mas, as coincidências existem (Fernandez, 2006). Vários os investigadores e mesmo publicitários como Marçal Moliné (1997), Antonio López Eire (2000, 2004) Fernandez (2006), Juan Rey, (2009), McQuarrie & Phillips (2004, 2013) consideraram, por sua vez, que a retórica fornece uma visão panorâmica de todo o trabalho que envolve a preparação e a execução de qualquer ação publicitária.

As similitudes observadas conferem que a eficácia revelada pela retórica ao longo de séculos pode fornecer soluções criativas para os problemas atuais dos publicitários e anunciantes. Pensamento corroborado por Samuel Mateus para quem «os cânones ou divisões retóricas não se restringem, na verdade, à estruturação de um discurso de natureza persuasiva: a sua dimensão organizadora do pensamento pode ser encontrada em muitas outras situações, incluindo […], a do criativo publicitário (copy) que tem de encontrar um texto atrativo para o seu anúncio […]» (2018, p. 114).

A retórica e a praxis publicitária |

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capítulo 1

A visão de publicidade que aqui apresentamos surge inserida num contexto da retórica mediatizada, protagonizada por Fidalgo e Ferreira (2005), já que é constituída pelas diferentes campanhas publicitárias veiculadas nos media1 em que a persuasão inscrita no discurso publicitário é intensificada e potenciada por via das características amplificadoras e massivas dos próprios media. Aliás, Paulo Serra (2015, pp. 127-155) elucida-nos sobre a crescente importância adquirida pelos processos de comunicação mediatizada e à distância em relação às formas de comunicação interpessoal e presencial. E invoca duas alterações significativas desta alteração. A primeira advém da substituição do auditório pelo conceito de audiência, um conjunto de pessoas anónimas que, em qualquer lugar e contexto, acedem a um meio de comunicação; a segunda, por via da «interposição, entre a fonte e a audiência, de um «meio», isto é, um dispositivo tecnológico e social, que produz um certo tipo de mediação e, assim, configura a própria mensagem». Esta visão, que, como o próprio Paulo Serra adverte, traduz o famoso aforismo de McLuhan o «meio é a mensagem». Ora, é comummente aceite, por via desta tese de MacLuhan, que os media e as tecnologias que lhes estão associadas podem originar e desencadear diferentes estruturas percetivas, e correspondentes mecanismos de compreensão que, no limite, podem originar diferentes interpretações da mensagem pelas audiências (Serra, 2015, pp. 127-155).

Observe-se a relevância desta premissa, numa época em que o acesso à informação é cada vez mais livre e fácil, até por via das partilhas dos conteúdos publicados nos canais de vídeo da internet e nas redes sociais. Acresce, ainda, que este conceito de retórica mediatizada é, não só, premente como está em permanente atualização, particularmente por via das narrativas transmedia, em que os conteúdos, nos quais se incluem os publicitários, estão em plena transformação. Se até agora os conteúdos eram produzidos especificamente para cada um dos meios, hoje, com a potenciação das capacidades dos media, é-nos permitido aceder aos mesmos conteúdos em diferentes formatos. Tal obriga os seus produtores, desde os jornalistas aos publicitários, a

1 Os media são o quarto elemento, neste sistema da retórica mediatizada, que é adicionado ao tradicional triângulo retórico — o orador, o tema e o ouvinte. A proposta dos autores advém da alteração da relação entre o orador e o recetor por via da intervenção dos media. Ou seja, a mensagem altera-se conforme o meio em que é difundida. Também a forma como a mensagem é recebida depende dos meios utilizados. Concluem, então, os autores que os media «são também meios de persuasão e é esse o objeto de estudo da retórica mediatizada» (2005, p. 151).

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Veríssimo

pensar e a criar narrativas que possam ser consumidas e acedidas em diferentes suportes, já que as interpretações que delas se fazem, podem derivar consoante o meio em que é acedido. É neste contexto de transformação tecnológica, numa sociedade em rede (Castells e Cardoso, 2005) e permanentemente conectada, onde o real se mistura com o virtual e o público com o privado, que o conceito de retórica mediatizada é, cada vez mais, pertinente. Pretendemos, neste texto, expor que a matriz da organização da retórica clássica (inventio, dispositio e elucutio) poderá ser um quadro teórico de referência para explicar o fenómeno publicitário. Como tal, procuramos aplicar à prática publicitária (da ideia à divulgação) os princípios teóricos expostos em cada um destes cânones retóricos clássicos, dando a perceber que o modelo retórico clássico está presente no âmago de diversas atividades do fenómeno publicitário. Poderemos, assim, aferir que a publicidade, tal como a retórica, visa a adesão do público às questões enunciadas, ou a certos ideais; em que a mensagem deverá ser adequada às circunstâncias e ao público. Haverá, ainda, lugar à preocupação com o estilo e a forma de produzir discursos atrativos e cativantes.

Inventio

A inventio é a primeira parte da retórica, e consiste na exploração dos objetivos do discurso e de que modo podem ser utilizados como fonte de persuasão. Está, ainda, ligada à criação, ou no dizer de Barthes, é mais uma descoberta (dos argumentos) do que uma invenção propriamente. «Tudo já existe, é necessário apenas encontrá-lo. É uma noção mais “extrativa” do que criativa» (1987, pp. 54-55). Nada mais do que acontece na publicidade, como veremos. Portanto, nesta operação inventio o emissor deve, por um lado, identificar o auditório, por outro, deve preocupar-se com a criação de ideias, de argumentos e de elementos de prova, ou, como refere Álvaro Nunes, «o orador procura descobrir e conceber os argumentos mais apropriados à tese que pretende defender. Para isso, deve ter em conta o tema que vai abordar, o género (deliberativo, judicial e epidíctico) a que este tema pertence e qual dos três tipos de provas retóricas é o mais persuasivo no caso em questão» (2015, p. 10). Todavia,

A retórica e a praxis publicitária |

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NOTAS BIOGRÁFICAS

Beatriz Gil é investigadora e gestora de ciência, desde 2017, na Universidade Nova de Lisboa (IFILNOVA). É licenciada em Ciências da Comunicação e mestranda no curso de Ciências da Comunicação — Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias. As suas principais áreas de interesse são a análise de discurso e a teoria da argumentação.

Enio Soares é estudante de doutoramento no 3.º Ciclo de Estudos em Ciências da Linguagem — Linguística da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP-UPorto). Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (2015). Professor de Português e Composição Textual na Educação Básica, no Brasil. Pesquisou sobre sentidos e práticas sobre democracia em contexto escolar (mestrado) e hoje estuda discurso político nas mídias sociais, mais especificamente no Twitter, sob orientação da professora Alexandra Pinto (FLUP-UPorto).

Fabrizio Macagno é professor auxiliar na FCSH da Universidade Nova de Lisboa e autor de mais de cem trabalhos sobre a definição, pressuposição, esquemas argumentativos, e análise de diálogo publicados em revistas como Journal of Pragmatics, Intercultural Pragmatics, Argumentation, e Philosophy and Rhetoric. As publicações mais importantes são os livros Argumentation Schemes (CUP, 2008), Emotive Language in Argumentation (CUP, 2014), Interpreting Straw Man Argumentation (Springer, 2017), e The Logic of Academic Writing (Wessex, 2019).

Francisca Amorim é doutorada em Estudos de Comunicação: Tecnologia, Cultura e Sociedade e investigadora no LabCom. É licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho e mestre em História, Relações Internacionais e Cooperação

Notas biográficas |

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pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. As suas áreas de interesse de investigação são a Retórica e a Comunicação Política. Membro ativo do Grupo de Trabalho de Jovens Investigadores da SOPCOM — Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação. É autora do livro Geringonça e Outras Formas de Falar na Política — O Soundbite na Retórica Política das Eleições Legislativas Portuguesas de 2015, publicado em 2016 pela Chiado Editora.

Giovanni Damele é investigador de pós-doutoramento no Instituto de Filosofia e professor auxiliar convidado na FCSH-UNL. É investigador nos projectos Legal Argumentation: An Eclectic Approach (SFRH/BPD/68305/2010) e Argumentation, Communication and Context (PTDC/FIL-FIL/10117/2009). É o autor de «Notas sobre o papel da retórica nas teorias da argumentação jurídica» In Revista Brasileira de Filosofia, vol. 240, pp. 222-238; «Argumentation, negotiation and persuasion in constitution-making processes», International Conference «Building Consensus. Rhetoric between Democracy and Conflict», Palermo, April 15-18. With F. Pallante.

Ivone Ferreira é professora auxiliar na área de Comunicação Estratégica no Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa desde 2017, investigadora integrada no ICNOVA e colaboradora no LabCom. Doutora (2012) em Ciências da Comunicação pela UBI com uma tese sobre a linguagem persuasiva da publicidade na televisão, é diretora da Rhetorikê, revista digital de Retórica e coeditora de três livros sobre Retórica. Ivone Ferreira tem ainda vários artigos publicados, com destaque para três artigos indexados em SCOPUS. Em 2019, foi editora convidada da revista Media & Jornalismo (n.º 34), dedicada à publicidade. Docente no ensino superior desde 2009, foi coordenadora da licenciatura em Comunicação Social da ESE de Viseu no biénio 2014-2016. É coordenadora do GT de Publicidade da SOPCOM (2019-2021), organizou em 2020 as I Jornadas Internacionais de Publicidade, numa parceria UNL, UM, UFP, Universidade Complutense de Madrid e ESPM-Porto Alegre.

Atualmente faz parte da equipa do projeto europeu «A-PLACE Linking places through networked artistic practices (Creative Europe — 607457-CREA-1-2019-1-ES-CULT-COOP2)».

Jorge Veríssimo é doutorado em Sociologia, na especialidade de Sociologia da Comunicação, pelo ISCTE-IUL, e agregado em Ciências da Comunicação pela UBI.

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É professor na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL), instituição da qual foi presidente (2010-2018) e vice-presidente (2005-2010). Foi diretor do mestrado em Publicidade e Marketing desta escola, e é o atual diretor da licenciatura em Publicidade e Marketing.

Leciona, também, no programa doutoral em Ciências da Comunicação (ISCTE-IUL/ESCS).

É investigador no CECS — Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, do ICS da Universidade do Minho, e investigador associado no CIES-IUL — Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE-IUL.

Foi coordenador do Observatório da Publicidade (2001-2010), cujos resultados foram objeto de várias comunicações internacionais, artigos e outras publicações. É membro da European Advertising Academy (EAA) e da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM).

Maria Luísa Malato é professora associada, com agregação, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Com vários estudos sobre Utopia, Teatro e Retórica, a sua investigação debruça-se essencialmente sobre a literatura dos séculos XVIII e XIX. É, desde 1990, sócia da Sociedade Francesa de Estudos do Século XVIII e membro fundador da Sociedade Portuguesa de Retórica. Membro ativo do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa e colaboradora do Instituto de Filosofia (UP), unidades financiadas pela FCT. Entre 2013 e 2018, vice-presidente da Associação Portuguesa de Literatura Comparada (APLC). Coeditora da revista online de Filosofia e Literatura Pontes de Vista. Autora dos seguintes títulos na área da Retórica: 2017: Fidelino de Figueiredo: Travessias. Estudos de Filosofia e Literatura [Coedição], Campinas, Pontes Editores, 2016; 2014: A moda, retórica silenciosa para «pássaros sem penas», Palavra, Escuta e Silêncio, Porto, UC Editora, 2014, pp. 283-306; 2009: Manual Anti-Tiranos. Retórica, Poder e Literatura, Porto Alegre, Livraria do Advogado; 2007: Manual de Retórica & Direito, Lisboa, Quid Juris, 2007, 350 pp. (responsável pela parte da Retórica Geral). Em coautoria.

Rosalice Pinto é doutora em Linguística (especialidade em Teoria do Texto) pela Universidade Nova de Lisboa e pós-doutora em Ciências da Comunicação pela mesma universidade e pela Universidade de Genebra.

É membro de dois centros de investigação da Universidade Nova de Lisboa: colaboradora no Laboratório de Argumentação (ArgLab do Instituto de Filosofia) e investigadora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da Faculdade de

Notas biográficas |

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Direito (CEDIS). É pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Linguística da Universidade Federal do Ceará, Brasil (PROTEXTO).

É autora do livro Como Argumentar e Persuadir? Prática Política, Jurídica e Jornalística (Quid Juris, 2010). É professora visitante de universidades nacionais e internacionais. Tem publicações em revistas internacionais nas áreas de Linguagem e Argumentação Jurídicas, Produção textual e multimodalidade em Contextos Profissionais, Retórica, Linguística Textual e Análise do Discurso, Ensino de Francês Língua Estrangeira, Empreendedorismo e Comunicação Empresarial, Gamificação em sala de aula. É tradutora de livros académicos franceses, tendo participado recentemente das equipas de tradução dos livros: Apologia da Polémica, de Ruth Amossy, e de Textos: Tipos e Protótipos, de Jean-Michel Adam, publicados no Brasil em 2017 e 2019, respetivamente. Faz parte da equipa de avaliação de revistas brasileiras e portuguesas.

Samuel Mateus é licenciado, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa, e investigador no LabCom da Universidade da Beira Interior. É professor auxiliar na Universidade da Madeira onde ensina, entre outras disciplinas, «Retórica e Comunicação». São da sua autoria os livros Media Rhetoric: How Advertising and Digital Media Persuade Us (Cambridge Scholars, 2021), enquanto organizador, e Retórica Afectiva — Subsídios para a Compreensão da Natureza do Pathos (Cadernos SOPCOM, 2020); Introdução à Retórica no Séc. XXI (LabCom, 2018), A Tele-Realidade — O Princípio de Publicidade Mediatizado (LabCom, 2013); e Publicidade e Consumação nas Sociedades Contemporâneas (LabCom, 2011). Publicou vários artigos e capítulos de livro sobre Retórica de entre nos quais «Affective Rhetoric: what it is and why it matters» in Zhang, L., and Clark, C. (ed.) Affect, Emotion, and Rhetorical Persuasion in Mass Communication (2018), «A Utilização da Metáfora Pictórica na Retórica das Imagens Publicitárias» (2018) Ou «Formas Emotivas do Discurso Persuasivo» (2019).

Teresa Mendes Flores é doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. É investigadora no Instituto de Comunicação da Nova FCSH (ICNova) e professora associada no Departamento de Ciências da Comunicação e da Cultura da Universidade Lusófona. A sua dissertação é um contributo para o campo da Fotografia e da Cultura Visual e investiga a arqueologia das imagens com pontos de vista de cima, desde os mapas rupestres até ao Google Earth (Fotografia na produção do espaço e outras imagens. Investigação sobre as imagens com pontos de vista de cima na cultura visual ocidental (FCSH, 2009). No ICNova foi bolseira de pós-doutoramento na área da História da Fotografia. Foi investigadora principal do projeto «O Impulso fotográfico: medindo as

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colónias e os corpos colonizados. O arquivo fotográfico e fílmico das Missões Portuguesas de Geografia e Antropologia» (2018-2021). Especializou-se na temática dos Estudos de Género e da Cultura Visual no contexto de várias pesquisas sobre género e fotografia, nomeadamente sobre a representação fotográfica de mulheres políticas. Integra a direção editorial da Revista de Comunicação e Linguagens e é uma das editoras da revista Stereo and Immersive Media. Publicou Cinema e Experiência Moderna (MinervaCoimbra, 2007) e coeditou o livro Photography and Cinema. Fifty Years of Chris Marker’s La Jetée (Cambridge Scholars, 2015). Publica regularmente em revistas académicas.

Notas biográficas |

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