VERDES MORADAS
[ ensaio sobre os ritmos da natureza ]
GREEN MANSIONS
[an essay on the rhythms of nature]
1
Este livro foi publicado por ocasião da exposição Verdes Moradas [ensaio sobre os ritmos da natureza].
Pinturas e desenhos de Inez Teixeira, Jorge Feijão e Maria Capelo; fotografias de Duarte Belo. Curadoria de Nuno Faria.
Patente no Museu da Guarda de 3 de Novembro de 2022 a 9 de Abril de 2023, numa colaboração entre o Museu da Guarda e a Fundação Carmona e Costa.
This book was published on the occasion of the exhibition Green Mansions [an essay on the rhythms of nature].
Paintings and drawings by Inez Teixeira, Jorge Feijão and Maria Capelo; photographs by Duarte Belo. Curation by Nuno Faria.
Shown at the Museu da Guarda from 3 November 2022, to 9 April 2023. A collaboration between the Guarda Museum and the Carmona & Costa Foundation.
39
pinturas e desenhos [ paintings and drawings ]
Inez Teixeira
Jorge Feijão
Maria Capelo
fotografias [ photographs ]
Duarte Belo
40
verdes moradas
[ ensaio sobre os ritmos da natureza ]
GREEN MANSIONS
[an essay on the rhythms of nature]
textos [ texts ]
Sérgio Costa
Nuno Faria
documenta 41
42
Exposição Coletiva – Verdes Moradas
Esta exposição coletiva, assertivamente denominada Verdes Moradas, vem sensibilizar-nos para a fragilidade da natureza e a crise ecológica atual, resultado da ação humana no nosso planeta.
Poucas manifestações do intelecto humano como a arte serão tão ideais na expressão da complexidade da natureza e da sua beleza intrínseca.
Atrevo-me a afirmar que o ecossistema natural foi, desde os princípios da humanidade, fonte de inspiração para as primeiras obras de arte que o homem criou.
A influência da natureza na arte ao longo dos tempos tem permitido a sua evolução, alimentada pela diversidade dos materiais naturais utilizados pelo homem na criação artística. Desde a escultura à cerâmica, às cores dos minerais, todos permitiram novas e diferentes formas de expressão.
Por outro lado, se a arte é, também, a procura da essência das coisas e das ideias, o homem tentou sempre alcançar o âmago da natureza através da representação da luz ou das suas sombras.
A descoberta dos infinitos padrões e formas com que somos surpreendidos na sua observação, serviu com certeza de inspiração e modelo, para muitas criações artísticas.
Se a natureza muito contribuiu para a criação artística, chegou a hora em que os artistas sentem o apelo de poder contribuir com as suas obras para impressionar a sociedade, comovendo o homem com o forte apelo da representação artística.
A arte é um meio privilegiado para despertar e estimular consciências e alterar o rumo autodestrutivo em que a humanidade está lançada.
43
As Verdes Moradas é, sem dúvida, uma exposição que nos toca e sensibiliza para o atual estado do mundo, em plena crise ecológica. Os seus autores, Inez Teixeira, Jorge Feijão e Maria Capelo, coadjuvados com as fotografias do arquiteto e fotógrafo Duarte Belo, conseguem tocar-nos e levar-nos para esse mundo natural que é a nossa génese e que importa defender e preservar.
Presidente da Câmara Municipal da Guarda
44
S ÉRGIO C OSTA
Collective Exhibition – Green Mansions
This collective exhibition, assertively tittle Green Mansions, comes to sensitize us to nature’s fragility and current ecological crisis resulting from human action on our planet.
Very few manifestations of the human intellect are as ideal in expressing nature’s complexity and intrinsic beauty as art is.
I dare to affirm that the natural ecosystem has been, since the beginnings of mankind, a source of inspiration for the first works of art created by man.
The influence of nature in art throughout the times has allowed its evolution, nurtured by the diversity of natural materials employed by man in the artistic creation. From sculpture, to ceramics, to the colours of the minerals, all of them have allowed new and different kinds of expression.
On the other hand, if art also is the search for the essence of things and ideas, man has always tried to reach the true core of nature through representation of light and its shadows.
The discovery of the infinite patterns and shapes that surprise us upon contemplation, has certainly been an inspiration and model for numerous artistic creations. If nature has contributed a lot for the artistic creation, the time has come for artists to feel the call allowing them to contribute with their works to impress society, touching mankind with the strong appeal of the artistic representation.
Art is a privileged mean to awake and stimulate consciousness and change the auto destructive course mankind is on.
Verdes Moradas is, undoubtably, an exhibition that touches us and sensitizes us to the current state of the worlds, in full ecological crisis.
The authors, Inez Teixeira, Jorge Feijão e Maria Capelo, aided by the photography of Duarte Belo, architect and photographer, can touch us and take us to the natural world that is our genesis, and that must be defended and preserved.
S ÉRGIO C OSTA Mayor of Guarda
45
46
E eu sentia-me purificado e com a estranha sensação de estar a apreender uma secreta inocência e uma secreta espiritualidade da natureza, a pressentir a realidade de uma fronteira, talvez incalculavelmente distante, para onde todos nós nos dirigimos, e de um tempo em que a chuva do céu nos tenha lavado de todas as manchas e vergonhas.
And I felt purified and had a strange sense and apprehension of a secret innocence and spirituality in nature – a prescience of some bourn, incalculably distant perhaps, to which we are all moving; of a time when the heavenly rain shall have washed us clean from all spot and blemish.
47
W.H. H UDSON , Verdes Moradas
W.H. H UDSON , Green Mansions
48
Verdes Moradas [ensaio sobre os ritmos da natureza]
Verdes Moradas, título pedido de empréstimo à tradução portuguesa de Green Mansions* – novela, publicada em 1904, da autoria de W.H. Hudson –, dá nome a uma exposição que reúne três artistas cujo percurso se tem regularmente cruzado com a programação da Fundação Carmona & Costa – Inez Teixeira, Jorge Feijão e Maria Capelo –, a que se junta um quarto elemento, o arquitecto e fotógrafo Duarte Belo.
O livro, que usamos como papel de cenário exemplar para assentar as poderosas visões projectadas pelos quatro artistas presentes, é um radioso e comovente canto de exaltação da natureza enquanto lugar, vivido e imaginado, próximo e distante, no qual se plasmam conflitos interiores, paixões, memórias e aspirações propriamente humanas.
Assim, reunindo obras que são atravessadas por uma particular sensibilidade e atenção ao estado do mundo, esta exposição colectiva constitui-se, também, como uma reflexão sobre a crise ecológica, de uma magnitude sem precedentes, que a humanidade vive presentemente e tem como pano de fundo a natureza e a sua tematização. Participa, inscreve-se, destaca a relação milenar que a arte tem com a natureza e as possibilidades de reparação que convoca e/ou engendra.
Tomando partido da generosa dimensão das galerias de exposição temporária do Museu, esta exposição integra um extenso conjunto de obras de pintura e desenho, que têm como contraponto
49
* Verdes Moradas, publicado pela editora Sistema Solar | Documenta, em 2015, com tradução e apresentação de José Domingos Morais.
e pano de fundo uma série de imagens fotográficas da autoria de Duarte Belo, recolhidas em inúmeras incursões à Serra da Estrela e apresentadas em diaporama, sob forma de projecção.
Duração, composição, repetição, enquadramento, são questões intrínsecas aos trabalhos expostos que, também por partilharem a grande dimensão, convocam a noção de ecrã e se apresentam como superfícies de reflexividade – quer dizer, pensando-se a si mesmas constituem-se como campos de reflexão.
Na histórica abordagem dos artistas à natureza (sobretudo a pintura, entendida como prática de espectro alargado, mas também a fotografia) cruzam-se duas tradições, que são, simultaneamente, dois modos de ver e de imaginar; de criar imagens que se (de)encontram em espelho: olhamos o mundo natural e vemos o passado; olhamos o mundo natural e vemos o futuro (a redundância não é um esquecimento). Um duplo-movimento de forças aparentemente contrárias que é inato ao ser humano na sua relação com o tempo e o espaço e também com os outros seres com quem partilha a vida na Terra.
Duas aproximações que podendo coexistir nem sempre coincidem: uma é activada pela memória e increve-se na tradição da paisagem – melancólica, é da ordem da prece; a outra inscreve-se numa linhagem espiritualista ou visionária – luminosa, é da ordem da exaltação. Ambas nos devolvem o espírito de uma dada época, o «espírito de um tempo».
Vejamos bem: este conjunto de obras tem como denominador comum a impermanência. Perante estas superfícies – estes ecrãs –somos afectados, estimulados, mais do que como passivos espectadores, fisicamente, fisiologicamente, fenomenologicamente.
Num momento, as imagens parecem dissolver-se, derretem, mudam subtilmente, imperceptivelmente, apenas, o nosso ponto de vista, o nosso posicionamento (o lugar de onde olhamos) – mais
50
do que atenção reclamam acção. Noutro, como que explodem em fragmentos vários, parecem arder, consumidas pela voragem (há, sabemo-lo demasiado bem, uma longa tradição profética da tematização da extinção na arte ocidental). Olhando-as, habitando-as, acedemos à realidade para além da realidade em que se constituem: acedemos ao mundo. E prosseguimos esperançosos num futuro (ainda) possível.
N UNO F ARIA
51
52
Lista de Obras [ List of Works ]
pp. 59-65
I NEZ T EIXEIRA
Degelo, 2021
acrílico sobre papel [acrylic on paper]
160 × 120 cm
Sete desenhos [Seven drawings]
pp. 68-69
J ORGE F EIJÃO
Da série Mundus, mundi II # Políptico A, 2020
carvão e grafite sobre papel [charcoal and graphite on paper]
268,5 × 442,5 cm
Políptico com nove desenhos [Polyptych with nine drawings]
pp. 71-75
J ORGE F EIJÃO
Da série Mundus, mundi II, 2020
carvão e grafite sobre papel [charcoal and graphite on paper]
89,5 × 147,5 cm
Nove desenhos [Nine drawings]
pp. 76-77
J ORGE F EIJÃO
Da série Mundus, mundi II # Políptico C, 2021
carvão e grafite sobre papel [charcoal and graphite on paper]
268,5 × 442,5 cm
Políptico com nove desenhos [Polyptych with nine drawings]
pp. 79-83
J ORGE F EIJÃO
Da série Mundus, mundi II, 2021
carvão e grafite sobre papel [charcoal and graphite on paper]
89,5 × 147,5 cm
Nove desenhos [Nine drawings]
pp. 84-85
J ORGE F EIJÃO
Da série Mundus, mundi II # Políptico E, 2021
carvão, grafite e tinta acrílica sobre papel [charcoal, graphite and acrylic paint on paper]
268,5 × 442,5 cm
Políptico com nove desenhos [Polyptych with nine drawings]
pp. 87-91
J ORGE F EIJÃO
Da série Mundus, mundi II, 2021 carvão e grafite sobre papel [charcoal and graphite on paper]
89,5 × 147,5 cm
Nove desenhos [Nine drawings]
pp. 94-95
M ARIA C APELO
Olive noir, 2018 tinta-da-china e tinta-da-china e lápis sobre papel [Indian ink; Indian ink and pencil on paper]
29,5 × 27,5 cm
Dezanove desenhos [Nineteen drawings]
120
p. 97
M ARIA C APELO Sem título [Untitled ], 2018
óleo sobre tela [oil on canvas]
190 × 185 cm
p. 98
M ARIA C APELO Sem título [Untitled ], 2015
óleo sobre tela [oil on canvas]
185 × 190 cm
p. 101
M ARIA C APELO Sem título [Untitled ], 2015
óleo sobre tela [oil on canvas]
185 × 190 cm
p. 102
M ARIA C APELO Sem título [Untitled ], 2017
óleo sobre tela [oil on canvas]
190 × 185 cm
p. 105
M ARIA C APELO Sem título [Untitled ], 2018
óleo sobre tela [oil on canvas]
190 × 185 cm
p. 106
M ARIA C APELO Sem título [Untitled ], 2016
óleo sobre tela [oil on canvas]
185 × 190 cm
pp. 110-119
D UARTE B ELO
Serra da Estrela, 1990-2018 diaporama, fotografia, p/b e cor [slideshow, photography, b/w and color]
121
122
A Natureza, é bem sabido, ensinou primeiro o arquitecto a transmitir por meio de longas colunatas a ilusão da distância, mas os telhados impedem a penetração da luz e não permitem que se obtenha o mesmo efeito quando se olha para o alto. Aqui a Natureza é inigualável com as suas abóbadas verdes e arejadas e as nuvens impregnadas de sol, a uma nuvem sucedendo sempre uma outra mais para cima. O nosso olhar pode não conseguir alcançar a mais alta, mas os raios de sol atravessam-na e vêm iluminar os vastos espaços em baixo, uma nave após outra nave, cada uma com as suas próprias luzes e sombras. Longe, por cima de mim, mas não tão longe como parecia, a suave penumbra de uma destas naves, ou espaço, é agora atravessada por um raio de luz dourada a esgueirar-se por uma brecha aberta na folhagem mais alta e empresta uma es tranha glória a tudo aquilo em que toca, as folhas soltas e balouçantes, tufos de musgo semelhantes a uma barba longa e lianas ondulantes como a serpente. E no mais aberto recanto desse espaço tão aberto, parecendo aos nossos olhos suspensa de coisa nenhuma, a flecha de luz revela um emaranhado de brilhantes fios de prata, a teia de uma enorme aranha das árvores. Estes fios, que pareciam tão distantes e todavia eram clara e distintamente visíveis, recordaram-me que o artista humano só é capaz de reproduzir as distâncias horizontais recorrendo à monótona repetição de arcos e pilares, postados a intervalos regulares, e que o mais pequeno desvio desta ordem aniquila o efeito pretendido. Mas a Natureza, pelo contrário, produz os seus efeitos ao acaso e parece acentuar a ilusão maravilhosa, graças somente a essa profusão infinita de motivos em que ela se revela e ligando uma árvore a outra árvore com um emaranhado de lianas semelhantes a anacondas. E esta teia de robustos cabos permite o aparecimento de outras muito mais pequenas e frágeis, as teias aéreas de fibras semelhantes a cabelos, que vibram com o sopro do vento provocado pela asa do insecto que passa.
W.H. H UDSON , Verdes Moradas
123
Nature, we know, first taught the architect to produce by long colonnades the illusion of distance; but the light-excluding roof prevents him from getting the same effect above. Here Nature is unapproachable with her green, airy canopy, a sun-impregnated cloud – cloud above cloud; and though the highest may be unreached by the eye, the beams yet filter through, illuming the hide space beneath – chamber succeeded by chamber, each with its own special lights and shadows. Far above me, but not nearly so far as it seemed, the tender gloom of one such chamber or space is traversed now by a golden shaft of light falling through some break in the upper foliage, giving a strange glory to everything it touches – projecting leaves, and beard-like tuft of moss, and snaky bush-rope. And in the most open part of that most open space, suspended on nothing to the eye, the shaft reveals a tangle of shining silver threads – the web of some large tree-spider. These seemingly distant, yet distinctly visible threads, serve to remind me that the human artist is only able to get his horizontal distance by a monotonous reduplication of pillar and arch, placed at regular intervals, and that the least departure from this order would destroy the effect. But Nature produces her effects at random, and seems only to increase the beautiful illusion by that infinite variety of decoration in which she revels, binding tree to tree in a tangle of anaconda-like lianas, and dwindling down from these huge cable to airy webs and hair-like fibres that vibrate to the wind of the passing insect’s wing.
W.H. H UDSON , Green Mansions
124
SISTEMA SOLAR | DOCUMENTA
BIBLIOGRAFIA RELACIONADA [ RELATED BIBLIOGRAPH Y ]
A Costa de Falesá , Robert Louis Stevenson
A Morte da Terra , J.-H. Rosny Aîné
A Vida das Plantas – Uma Metafísica da Mistura seguido de «Ser o mundo», Emanuele Coccia
Alberto Carneiro: Natureza Dentro
Alberto Carneiro: árvores, flores e frutos do meu jardim (desenhos e esculturas)
Atlas e Livro Vermelho dos Briófitos Ameaçados de Portugal
Derborence , Charles Ferdinand Ramuz
Desenvolvimento Sustentável – Verdade e Consequências
Grand herbier d’ombres , Lourdes Castro
Herbário Júlio Dinis – Filices
História da Minha Flor , Lourdes Castro
Magna Terra , Duarte Belo
Monte Análogo , René Daumal
Poetry as an Echological Survival , Nuno da Luz Sol , D.H. Lawrence
Topografias Rurais / Rural Topographies
Verdes Moradas , W.H. Hudson
125
EXPOSIÇÃO [ EXHIBITIO N ]
Curadoria [ Curated by ] Nuno Faria
Coordenação [ Coordination ]
Sérgio Costa, Presidente da Câmara Municipal da Guarda [ Mayor of Guarda ]
Amélia Maria Ramos Fernandes, Vice-Presidente da Câmara Municipal da Guarda [ Deputy Mayor of Guarda ]
Dinorah Lucas | Fundação Carmona e Costa
Coordenação técnica [ Technical coordination ]
Vitor Pereira e Thierry Santos
Produção e montagem [ Production and set-u p ]
Museu da Guarda
126
LIVRO [ BOO K ]
imagens [ images ] © Os Autores [ The Author s ] textos [ texts ] © Os Autores [ The Author s ] © Sistema Solar Crl (Documenta), 2023
Rua Passos Manuel 67 B, 1150-258 Lisboa
ISBN 978-989-568-084-9
Março [ March ], 2023
Capa [ Cover ]
Jorge Feijão, Mundus, mundi II , 2021
Tradução [ Translatio n ]
José Gabriel Flores
Revisão [ Proofreadin g ] António Guerreiro
Fotografias [ Photograph s ]
António Jorge Silva (pp. 2-37, 59-65, 68-91)
Laura Castro Caldas e Paulo Cintra (pp. 97-106)
Duarte Belo (pp. 110-119)
Depósito legal [ Legal deposi t ] 513356/23
Impressão e acabamento [ Printing and bindin g ] Gráfica Maiadouro SA
Rua Padre Luís Campos 586 e 686 (Vermoim), 4471-909 Maia
127
128