Preparatório para Residência Médica R1 (Material Domonstrativo)

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Material Demonstrativo

Preparatório para Residência Médica

R1



SUMÁRIO

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A ESCOLHA DA PROFISSÃO DE MEDICINA O QUE É A RESIDÊNCIA MÉDICA? QUEM É O SJT MED DEPOIMENTOS PREPARATÓRIO PARA R1 CONTEÚDO GRATUITO PARA DEGUSTAÇÃO E GABARITO COMENTADO


A ESCOLHA DA PROFISSÃO DE MEDICINA

Os Cinco Pilares da Medicina

1 MEDICINA PREVENTIVA 2 GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA 3 PEDIATRIA 4 CLÍNICA MÉDICA 5 CLíNICA CIRÚRGICA


As Etapas Rumo a Carreira Médica Vestibular; Baixo índice de desistência; Quem pretende estudar medicina precisa estar preparado para enfrentar os seis anos de curso. As aulas são em período integral e algumas disciplinas e atividades são realizadas aos fins de semana; Curso dividido em três etapas: 1. 1º e 2º anos – Raciocínio clínico. Estudo de anatomia, fisiologia,

farmacologia, patologia, entre outras (universidade).

2. 3º e 4º anos – Contato com pacientes e exames de diagnósticos

(universidade e hospital).

3. 5º e 6º anos – Prática clínica (hospital conveniado ou hospital

universitário).

Conclusão do curso como médico generalista; Especialização - Residência Médica nível R1, R3 e R4; Obtenção de Título de Especialista.

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O QUE É A RESIDÊNCIA MÉDICA?

Instituída pelo Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977, a residência médica é uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização. Funciona em instituições de saúde, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional, sendo considerada o “padrão ouro” da especialização médica. O mesmo decreto criou a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). O Programa de Residência Médica, cumprido integralmente dentro de uma determinada especialidade, confere ao médico residente o título de especialista. A expressão “residência médica” só pode ser empregada para programas que sejam credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica. Fonte: http://portal.mec.gov.br/residencias-em-saude/residencia-medica

O ingresso à Residência Médica

O ingresso à Residência Médica se dá por concurso público (edital). A maioria dos concursos realizados no Brasil utilizam provas escritas com questões de múltipla escolha para selecionar os candidatos. Alguns concursos possuem segunda fase com prova prática e entrevista com os candidatos mais bem classificados

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PRECEPTOR Preceptor ou preceptora é uma pessoa responsável na área médica por conduzir e supervisionar, por meio de orientação e acompanhamento, o desenvolvimento dos médicos residentes nas especialidades de um hospital.


Especialidades Credenciáveis pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM)

Acupuntura, Anestesiologia, Cirurgia Geral, Cirurgia Cardio Vascular, Clínica Médica, Dermatologia, Genética Médica, Homeopatia, Infectologia, Medicina de Família e Comunidade, Medicina do Tráfego, Medicina do Trabalho, Medicina Física e Reabilitação, Medicina Legal, Medicina Nuclear, Medicina Preventiva e Social, Neurocirurgia, Neurologia, Obstetrícia e Ginecologia, Oftalmologia, Ortopedia e Traumatologia, Otorrinolaringologia, Patologia, Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, Pediatria, Psiquiatria, Radiologia e Dignóstico por Imagem e Radioterapia.

I – Acesso Direto

II – Com Pré-Requisito

A – Clínica Médica

Alergia e Imunologia, Cancerologia/Clínica, Cardiologia, Endocrinologia, Endoscopia, Gastroenterologia, Geriatria, Hematologia e Hemoterapia, Medicina Intensiva*, Nefrologia, Nutrologia**, Pneumologia e Reumatologia.

B – Cirurgia Geral

Cancerologia/Cirúrgica, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Cirurgia do Aparelho Digestivo, Cirurgia Pediátrica, Cirurgia Plástica, Cirurgia Torácica, Cirurgia Vascular, Coloproctologia, Mastologia***, Medicina Intensiva*, Nutrologia**, Urologia.

C – Obstetrícia e Ginecologia

Mastologia***

D – Anestesiologia

Medicina Intensiva*

E - Pediatria

Cancerologia/Pediátrica (*) Pré-requisito em Clínica Médica ou Cirurgia Geral ou Anestesiologia. (**) Pré-requisito em Clínica Médica ou Cirurgia Geral. (***) Pré-requisito em Cirurgia Geral ou Obstetrícia e Ginecologia.

R1 R3

I – Acesso Direto

Primeiro ano de residência médica

A – Clínica Médica B – Cirurgia Geral II – Com Pré-Requisito

C – Obstetrícia e Ginecologia D – Anestesiologia

Terceiro ano de residência médica

E - Pediatria

(*) Pré-requisito em Clínica Médica ou Cirurgia Geral ou Anestesiologia. (**) Pré-requisito em Clínica Médica ou Cirurgia Geral. (***) Pré-requisito em Cirurgia Geral ou Obstetrícia e Ginecologia.

Alterações propostas para 2019: Cirurgia geral, passa a ter 3 anos de residência Fonte: https://cbc.org.br/15089-2/ Colégio brasileiro de cirurgiões Fonte: http://www.fenam.org.br/site/noticias_exibir.php?noticia=1110 Federação Nacional dos Médicos (FENAM)

Cirurgia cabeça e pescoço passa para pré-requisito Cirurgia Geral e Otorrinolaringologia Fonte: https://www.sccphh.org/residncia-medica

Material de Referência:

portal.mec.gov.br/residencias-em-saude/residencia-medica

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QUEM É O SJT MED EDUCAÇÃO MÉDICA?

Há 19 anos o SJT Educação Médica foi pioneiro na missão de preparar e instruir o aluno de Medicina para a aprovação nas provas de Residência Médica e em cursos de conhecimento específico. Com um corpo docente altamente qualificado, composto por médicos mestres, doutores e especialistas das mais reconhecidas universidades do País, como USP, Unicamp, Unifesp, Santa Casa de Misericórdia e Unesp, o SJT Educação Médica, a partir de agora, terá também todo o conhecimento do Damásio Educacional, beneficiando-se de uma infraestrutura formada por 15 estúdios de transmissão de aulas via satélite, equipados com tecnologia de última geração, instituição que já oferece mais de 60 cursos e atende cerca de 50 mil alunos. O SJT faz parte agora de um grupo internacional com mais de 85 anos de tradição em educação de qualidade, a Adtalem Global Education, que possui expertise em saúde e em testes preparatórios internacionais.

Provedor global de serviços educacionais

Mais de 80 anos de tradição

200 mil alunos em todo mundo

120 campi em 54 países, incluindo o Brasil

Negócios, Saúde, Engenharia e Tecnologia

Para garantir a excelência das aulas e melhorar o aprendizado dos alunos, os cursos de Residência SJT possuem o melhor conteúdo programático e material didático otimizado e atualizado anualmente.

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O SJT disponibiliza cursos nas modalidades presencial, na Unidade São Paulo, telepresencial, em Unidades em todo o Brasil, e on-line, em preparatórios para R1 e R3 (Clínica Médica e Cirurgia), além de cursos preparatórios para Título de Especialista e Educação Médica Continuada, possibilitando ao aluno o acesso a uma plataforma de ensino completa e didática. Com toda essa experiência adquirida, o SJT se orgulha de apresentar excelentes índices de aprovação nos concursos e os médicos mais concorridos de todo o País. O conteúdo teórico e prático mais completo do Brasil é reflexo da dedicação incondicional de todos os profissionais que trabalham conosco.

Missão, Visão e Valores Missão Empoderar estudantes a atingir seus objetivos, encontrar sucesso e fazer contribuições inspiradoras para a nossa comunidade global.

Visão Tornar-se um dos principais grupos educacionais brasileiros, reconhecidos pela alta qualidade e inovação, oferecendo padrão acadêmico internacional, focado no sucesso profissional de seus alunos.

Valores No esforço de atingir a nossa visão e satisfazer as necessidades dos nossos alunos, compartilhamos.

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Hoje o SJT faz uso maciço de tecnologia para aumento dos resultados acadêmicos, inovando em tecnologia e formas de entrega de conteúdo e contando com a melhor infra estrutura em mais de 250 unidades no Brasil

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UNIDADES EM TODO O BRASIL

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DEPOIMENTOS

Fui aluno SJT. Com muita alegria e com a ajuda de vocês, consegui passar em todos os Hospitais que prestei prova para Neurologia. Ao receber um e-mail de vocês com mensagens a respeito dos cursos me lembrei da época em que estava nas cadeiras assistindo às aulas e com grande expectativa para as provas. Sei que vocês contam com equipe de ex-alunos que lograram sucesso nas provas. Fico à disposição caso tenham demanda de profissionais da Neurologia para compor o quadro de professores. No mais, desejo imenso sucesso para a equipe e seus alunos!” Dr. Marcio Nattan Venho por meio desta elogiar as aulas do professor Marcos Loreto, sem dúvida é a melhor de todas as aulas, conteúdos muito completos, extremamente atualizados e dinâmica de aula super didática. Sugiro que as aulas de Revisão sejam feitas por ele.” Dra. Caroline Marcele Maciel Berger

“ “ “

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Gostaria de parabenizar o corpo docente. Todos são muito capacitados e com ótima didática.” Dr. Michel Oliveira

O curso SJT é extremamente importante, você vê várias temáticas que realmente são cobradas em provas, são temas de relevância médica.” Dr. Silas N. Serra Jr. Eu acabei de receber o resultado da única prova de Residência que eu prestei que foi a prova do HC de especialidades Clínicas para Geriatria. Eu fui o primeiro colocado em Geriatria e o primeiro colocado geral das Especialidades Clínicas. Eu estou muito feliz e muito contente pelo resultado e agradeço profundamente à toda equipe SJT pelo sucesso.” Dr. Octávio Ribeiro


Boa tarde, passando para agradecer o SJT, passei na Residência com 6 meses de cursinho” Dra. Larissa Boaes Nascimento

“ Excelente, didático e dinâmico.”

Dr. Fabrízio Flores

Eu acho muito importante o Curso Prático, tanto para a prova prática quanto para ajudar a lidar com a pressão da prova teórica.” Dra. Raissa Melo

Excelente oportunidade de aprimorar minhas habilidades.” Dra. Elen Tavares

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CURSO PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA R1

Descritivo do curso: Através de uma ampla abordagem dos temas das 5 Pilares (Clínica Médica, Cirurgia, Medicina Preventiva, Pediatria e Ginecologia e Obstetrícia), o aluno aprende de forma dinâmica e interativa todo o conteúdo que será cobrado nas provas de Residência Médica.

Público-alvo: Acadêmicos de 4º 5º e 6º ano e médicos já formados. Este curso é direcionado para os profissionais da área médica que buscam fazer sua 1º Residência ou para médicos que buscam atualização profissional.

Turmas: R1 Extensivo (Turmas de janeiro)

Para você que deseja um preparar para a Residência Médica de uma forma mais ampla. Carga Horária: 386 horas

R1 Extensivo (Turmas de maio)

Para aqueles que almejam a Residência Médica e desejam um conteúdo mais conciso. Carga horária: 275 horas

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R1 Intensivo

Este curso prepara de uma forma rápida e dinâmica os alunos que desejam se preparar para residência Médica abordando os principais temas para as provas. Carga horária: 139 horas

R1 SJT MED

O curso R1 SJT MED prepara o aluno para as provas de Residência de uma forma interativa e estruturada. Com dois anos de duração, o curso R1 SJT MED traz em suas aulas a inovação que estimulam o aprendizado , tornando o ambiente interativo, objetivo e incisivo, unindo a excelência do ensino SJT com os métodos, técnicas e recursos utilizados em processos de ensino aprendizagem para a área de medicina. Ao longo de dois anos o aluno estudará: 1º ano: modulo SJT MED 1 O aluno terá todo embasamento teórico que reforçará e dará novo olhar em todo o seus conhecimento adquirido na faculdade. Desta Forma, ele terá toda a estrutura para se apropriar do conteúdo solicitados em todas as provas de residência médica.


2º ano: modulo SJT MED 2 O aluno obterá todos os caminhos do desenvolvimento do raciocínio médico e da expertise de conclusão de diagnóstico, treinando a assertividade nas provas de residência, além de agregar crescimento profissional para atuar na área de medicina e no mercado de trabalho após formado. Carga Horária Total: 720 horas.

Modalidades Telepresencial em todo o Brasil Ao Vivo ou on Demand

Online

Benefícios

Casos clínicos

Simulados ao longo do período letivo.

Ambiente digital inteligente e interativo

Estude onde quiser, faça seu próprio cronograma de estudos

Além do conteúdo abordado, o SJT adota a metodologia de ensino SMART

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Seções de Conteúdo pedagógico: • Calendário de aulas; • Quadro de Avisos; • Material de Apoio; • Arquivos Diversos; • Atividades on-line (Como eu Trato / Diagnostico diferencial / Semiologia / Radiologia / ECG / Lembranças para a Provas); • Simulados; • Seção Dúvidas e fale conosco; • Material dividido questões e texto conteúdo;

Diferenciais •

Reposição de aula (Para turma –

Estúdio) em (Ead 25%);

• Pergunte ao professor – (Centro de Solução de Dúvidas); • Material de apoio suplementar (Quando disponibilizada pelo professor) após a aula ministrada; • Conteúdo Online complementar; • Corpo docente especializado, atuante da mais alta qualidade, composto de médicos, mestres, doutores e especialistas da melhores e mais renomadas Universidades do País: USP / UNIFESP / Santa Casa de São Paulo; • Certificado de Conclusão (gratuito); • Material didático atualizado anualmente (Apostila e Caderno de Questões) e conteúdo online disponibilizado para consulta; • Opção de Material Didático em e-book; • Corpo docente especialista e atuante; • Aulas específicas para o público de R1

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• Qualidade de simulados embasada nas provas de Residência; • Área de estudo complementar; • Melhor carga horaria;

Material Didático Todos os materiais SJT MED são atualizados anualmente, abordando os temas mais recorrentes nas provas para concurso de Residência Médica das melhores instituições do Brasil e disponibilizados ao longo do período letivo.


Conteúdo Matriz curricular padrão

Disciplina referente à qual Área Médica

Disciplina

Cardiologia Dermatologia Endocrinologia Hematologia Hepatologia Infectologia

Clínica Médica

Nefrologia Neurologia Pneumologia Psiquiatria Reumatologia Cirurgia do Aparelho Digestivo Cirurgia Geral Cirurgia Pediátrica Oftalmologia Ortopedia

Clínica Cirúrgica

Otorrinolaringologia Politrauma Urologia Vascular Neonatologia Pediatria Geral

Pediatria

Urgências e Emergências Pediátricas Epidemiologia Medicina Preventiva

Medicina Preventiva

Medicina Preventiva: Saúde do Trabalhador Ginecologia Mastologia

Ginecologia e Obstetrícia

Obstetrícia Atividades Online

Incluindo as sessões: Como eu Trato; Diagnóstico Diferencial; Semiológica; Radiológica, Eletrocardiograma e Lembranças para as Provas

Casos Clínicos

Global (composto por todas as Áreas Médicas)

Simulados

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COMPILADO DE APOSTILAS E CADERNO DE QUESTÕES

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CAPÍTULO

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Roteiro propedêutico básico em ginecologia Introdução

da perguntando do número de absorventes utilizados durante cada fluxo menstrual).

Em ginecologia, como em toda especialidade médica, o roteiro propedêutico diagnóstico começa pela história e pelo exame físico. A anamnese ginecológica segue o mesmo padrão da clínica médica, iniciando-se pela queixa e duração (QD), partindo para a história pregressa da moléstia atual (HPMA), na qual se caracteriza a queixa da paciente, seguida da investigação sobre os diferentes aparelhos (ISDA).

Ainda nos antecedentes ginecológicos deve-se perguntar sobre a vida sexual, sendo registrados: a frequência das relações, a utilização de métodos contraceptivos e o tempo de uso, se há dor (dispareunia) ou sangramento (sinusiorragia) ao coito.

Independentemente da queixa da paciente ou mesmo que ela não tenha nenhuma alteração, tendo vindo apenas para exame ginecológico de rotina, na ginecologia temos sempre que fazer algumas perguntas para caracterizar o padrão menstrual e as histórias, ginecológica e obstétrica, por meio do chamado Antecedentes Ginecológico (AG) e Obstétrico (AO). No AG, devemos colher informações quanto à idade da menarca (primeira menstruação), para saber se o eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano está maduro; e a idade da primeira relação sexual. Atenção: apesar de ser muito utilizado nas faculdades de medicina, não existe os termos coitarca e sexarca!. Caracterizamos o ciclo menstrual perguntando à paciente a data da última menstruação (DUM), que representa o 1º dia da última menstruação (o período em que a paciente ficou menstruada pela última vez). Registramos o intervalo entre as menstruações, que é dito ciclo menstrual. Já o fluxo é caracterizado pela duração, em dias, da menstruação. É importante ainda questionar a quantidade de sangue perdido por ciclo menstrual (essa investigação pode ser realiza-

Nos AO questiona-se à paciente sobre o número de gestações, caracterizando-se o tipo de parto e o número de abortamentos, como, por exemplo: uma paciente com dois partos, sendo um, normal e outro fórcipe, e um abortamento seriam representados como: IIIG IIP (1 normal, 1 fórcipe) IAb. É anotada a data do primeiro e do último parto, a fim de identificar se os órgãos genitais já retornaram à sua fisiologia. Questiona-se sobre aleitamento e por quanto tempo ele foi realizado. Nos antecedentes pessoais (AP), feitos nos mesmos moldes da clínica médica, não podemos nos esquecer de perguntar sobre cirurgias realizadas nas mamas e na pelve, além de cirurgias ginecológicas. Muito importante é o questionamento sobre doenças de base, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, tabagismo, cardiopatias e antecedentes trombóticos, pois tais doenças têm influência no método contraceptivo a ser usado pela paciente. Quanto ao uso de medicamentos, não podemos deixar de questionar a realização de terapêutica hormonal (TH), com sua constituição e o tempo de uso. E, por fim, nos antecedentes familiares (AF), é importante verificar histórico familiar de câncer de


Ginecologia | volume 1 mama e ovário, além de outras doenças crônico-degenerativas. Em relação ao câncer de mama, dois genes já foram isolados, o BRCA1, que se encontra no cromossomo 17, e o BRCA2, que está no cromossomo 13. O BRCA1 associa câncer de mama com câncer de ovário, sendo considerado risco aumentado o parentesco de primeiro grau (mãe, irmã e filha).

O exame físico O exame físico de uma paciente ginecológica deve-se iniciar exame físico geral, com maior ênfase para a região abdominal. Apesar de os órgãos genitais internos se encontrarem na pelve, quando eles estão comprometidos por um processo neoplásico, principalmente os ovários, podem atingir até o andar superior do abdome. Muito embora as mamas não sejam consideradas órgãos genitais, o exame ginecológico específico começa por elas. A análise mamária tem início pela inspeção estática, com a paciente sentada, o tórax desnudo e os braços ao longo do corpo. A paciente deve posicionar-se de frente para o examinador, que vai simplesmente olhar as mamas, seu formato, simetria, contornos e a presença de algum abaulamento, retração ou lesões de pele das mamas, aréolas e mamilos. Segue-se a inspeção dinâmica, quando a paciente, ainda sentada de frente para o examinador, com o tórax descoberto, faz movimentos para contrair e relaxar o músculo peitoral maior. A mama repousa sobre esse músculo e na presença de lesões mamárias profundas, aderidas ao músculo peitoral maior, há acentuação de abaulamentos e retrações nas contrações musculares. Após a inspeção estática e dinâmica, inicia-se a palpação, que se divide na palpação da glândula mamária e dos linfonodos. Com a paciente ainda sentada, o tórax descoberto e de frente para o examinador, começamos a palpação dos linfonodos, iniciando pelas cadeias cervicais, supra e infraclaviculares, interpeitorais e, por fim, axilares. Agora, a paciente deita-se em decúbito dorsal horizontal para a realização da palpação das mamas, preferencialmente com um coxim abaixo da mama a ser examinada. Não importa por qual mama começar, nem se a palpação é do centro para a periferia ou da periferia para o centro. O importante é que os quatro quadrantes das duas mamas sejam palpados. A mama apresenta dois quadrantes superiores (o medial e o lateral), dois quadrantes inferiores (o medial e o lateral) e o complexo areolomamilar (CAM). Existem duas técnicas de palpação mamária: a de Valpeau (apertando a mama) ou, a mais utilizada, do dedi-

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lhamento da mama (como tocar piano; ver capítulo de Mama, da apostila volume 2). A expressão mamilar, apesar de ser considerada o último tempo do exame clínico mamário, não é mais obrigatória, devendo ser realizada apenas nos casos em que a paciente referir saída de secreção pelos mamilos (fluxo papilar). No exame ginecológico, faz-se necessário o esvaziamento vesical prévio, para reduzir o desconforto durante o exame e facilitar a palpação do fundo e da parede anterior do útero. Exceção se faz aos casos em que a paciente apresentar queixa de perda de urina aos esforços pois, segundo a Sociedade Internacional de Continência Urinária, devemos demonstrar clinicamente essa perda de urina, por meio da manobra de Valsalva, para afirmar sua existência. Imposta ressaltar que no exame ginecológico apenas ficará descoberta a parte da paciente a ser examinada. O exame da genitália tem início pela inspeção estática da vulva. Com a paciente em posição ginecológico o examinador avalia o monte pubiano, a região clitoridiana, os pequenos e grandes lábios, a fúrcula vaginal (principal sítio de encontro das lesões iniciais das DSTs, exceto do gonococo, que tem trofismo pela endocérvice) e regiões perineal e perianal. Feita a inspeção estática, partimos para a dinâmica, na qual a paciente faz a manobra de Valsalva (aumenta a pressão abdominal) e verificamos a presença de procedência de estruturas genitais e a perda de urina. O examinador calça luvas e procede à palpação vulvar (tempo muito esquecido nas faculdades pelo constrangimento), palpando-se o monte pubiano (sítio comum de foliculites), região periclitoridiana (nunca o clitóris, para não estimulá-lo), palpa-se e afastam-se os pequenos dos grandes lábios, região de fúrcula vaginal, perineal e perianal. Na sequência, realiza-se o exame especular, dando sempre preferência para o de plástico ou transparente, por permitir a visualização das paredes vaginais. O uso de lubrificante está indicado apenas nos casos em que não será necessária a coleta de secreção vaginal e/ou cervical. Durante o exame especular, avaliam-se as rugosidades vaginais, o conteúdo vaginal e as características do colo uterino. E, por fim, realiza-se o toque vaginal bimanual. Introduz-se o indicador e o dedo médio, lubrificados, na vagina da paciente e avalia-se a elasticidade vaginal, a consistência, o formato e a mobilidade do colo uterino. A outra mão é colocada no abdome da paciente e empurra-se o colo uterino para cima, acentuando a anteversoflexão uterina e avalia-se a

SJT Residência Médica


2 Roteiro propedêutico básico em ginecologia parede anterior e o fundo do útero quanto à sua superfície, tamanho e à sua consistência. Em alguns casos, dependendo do biótipo da paciente, é possível a palpação dos ovários. Após, com o colo uterino ainda empurrado para cima, deve-se avaliar os anexos, direito e esquerdo, quanto aos seus tamanhos e regularidades. Além disso, devem ser avaliados os fórnices posterior, anterior e laterais, no intuito de identificar abaulamentos, retrações e presença de massas pélvicas. O toque retal tem apenas duas indicações na ginecologia: avaliar útero e anexos na paciente virgem (sensibilidade infinitamente menor do que o toque vaginal) e, principalmente, avaliar paramétrios laterais (que faz parte do estadiamento do câncer de colo uterino, que é clínico).

Figura 2.3 Técnica para inspeção dos lábios.

Os métodos propedêuticos mais específicos serão abordados de acordo com cada capítulo.

Figura 2.1 Exame das mamas: palpação axilar.

Figura 2.4 Técnica para palpação da glândula de Bartholin.

Figura 2.5 Técnica para a realização do exame de Figura 2.2 Exame das mamas: palpação mamária.

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toque vaginal bidigital.

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Ginecologia | volume 1

Figura 2.6 Técnica para o exame bimanual.

Figura 2.10 Técnica para inserção do espéculo vaginal. Note os dedos do examinador pressionando o períneo posteriomente.

Bexiga

Figura 2.7 Posições do examinador, da assistente e da paciente para o exame bimanual.

Espéculo vaginal

Útero Retirada de amostra

Vagina

Cérvix

Reto

Figura 2.11 Exame da genitália: especular com coleta de material cervical.

Figura 2.8 Técnica para palpação do anexo esquerdo. Posição das mãos do examinador.

Figura 2.12 Técnica para inserção do espéculo vaFigura 2.9 Exame da genitália: toque vaginal bimanual.

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ginal. Note que o espéculo se move sobre os dedos do examinador, evitando contato com o meato uretral e o clitóris.

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2 Roteiro propedêutico básico em ginecologia

Figura 2.13 Técnica para a inspeção da cérvice. A: abertura do espéculo após ter sido completamente inserido e rodado para a posição transversa. B: vista interna da cérvice quando o espéculo é corretamente inserido.

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CAPÍTULO

3

Fisiologia do ciclo menstrual Introdução Por volta da 6ª a 8ª semanas de vida intrauterina, a superfície externa do ovário é recoberta pelo epitélio germinativo. À medida que o feto se desenvolve, os ovócitos diferenciam-se deste epitélio e migram para o córtex ovariano. Cada ovócito é circundado por uma camada de células fusiformes do próprio estroma ovariano e que constituem as células da granulosa. O conjunto ovócito mais granulosa, assim constituído, é denominado folículo primordial, que, aos poucos, aumenta seu volume. Neste folículo, o ovócito que o constitui está estacionado na primeira divisão meiótica graças a produção de substâncias inibidores de meiose pela granulosa. Todos os ovócitos vão se diferenciar do epitélio germinativo em folículos primordiais, e grande parte apresentará degeneração ainda na vida fetal e que continuará até a menopausa. O ovário de um feto de 20 semanas apresenta em torno de seis milhões de folículos primordiais. Ao nascimento, restam apenas um milhão desses folículos e calcula-se um total de 300 a 400 mil na puberdade. A degeneração folicular indepente da regulação hormonal e está relacionada à primeira divisão meiótica, sendo que os óvulos que passaram por tal processo não degeneram. Durante os anos reprodutivos da mulher, cerca de 400 desses folículos desenvolvem-se o suficiente para expelir seus ovócitos, um a cada mês, e os restantes degeneram. Na menopausa (final da fase reprodutiva), apenas poucos folículos permanecem nos ovários e acabam se degenerando.

O funcionamento ovariano Os anos reprodutivos caracterizam-se por alterações rítmicas mensais na velocidade da secreção dos hormônios femininos e por mudanças correspondentes nos ovários e nos órgãos sexuais. Esse padrão rítmico é chamado ciclo menstrual ou ciclo sexual feminino. Consagrou-se como padrão o ciclo menstrual com intervalo em torno de 28 dias, com duração de dois a seis dias e com uma quantidade de sangue, perdido por menstruação, entre 20 a 80 mL. Geralmente, logo após a menarca (primeira menstruação), o ciclo é irregular e tende a se tornar cada vez mais rítmico. Cerca de cinco anos após a menarca o ciclo torna-se próximo do padrão convencional. De dois a sete anos que antecedem a menopausa, a menstruação em geral, torna-se gradativamente mais irregular.


3  Fisiologia do ciclo menstrual A princípio o ovócito aumenta três vezes seu diâmetro, aumentam as células da granulosa e o folículo passa de primordial a primário. É o início da fase folicular, ainda pouco dependente de gonadotrofinas.

5,0

Durante os primeiros dias após o início da menstruação, verifica-se aumento leve a moderado nas concentrações de FSH e LH, sendo que o do FSH precede o do LH em alguns dias. Esses hormônios, principalmente o FSH, são os responsáveis pelo crescimento acelerado de 6 a 12 folículos a cada mês. Há rápida proliferação de células da granulosa e a formação, externamente e adjacente a esta, de conjunto celulares derivados do interstício ovariano que recebem o nome de teca.

3,0

Nascimento

Número de células germinativas (milhões)

7,0

1,0 0,6 0,3 3

6

9

5 10

Fatores intrínsecos

50

30

idade (meses do útero)

idade (anos)

Figura 3.1 Número de oócitos presentes em ambos

Sistema nervoso Central / Hipotálamo

os ovários em diferentes idades.

Folículo pré-antral

Retroação alça curta

Zona pelúcida 25 µm Oc

T

80 µm Oc

G 50 µm

Folículo antral

Retroação alça ultracurta

GnRH

Retroação alça longa Folículo primordial

Fatores extrínsecos

Hipófise Ovário

FSH, LH

a G

80 µm Oc

200 µm

Oc

T

G 50 µm G

500 µm 80 µm a

Folículo primário Cumulus oophorus

Regulação intraovariana

r

Figura 3.3  O feedback no sistema hipotálamo-hipófise-ovário. r

20 µm Folículo pré-ovulatório

Figura 3.2 Fases do crescimento folicular. G: camada granulosa; T: camada da teca; Oc: oócito; r: receptores.

Entre os nove e dez anos de idade, o núcleo arqueado do hipotálamo secreta pulsos de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas) que atuam na adeno-hipófise, e esta, por sua vez, inicia secreção progressiva de FSH (hormônio folículo estimulante) e LH (hormônio luteinizante), culminando com a presença dos ciclos menstruais mensais entre 11 e 16 anos. A pulsatilidade do GnRH pode ser modulada por neurotransmissores cerebrais como a noradrenalina (que aumenta a produção de GnRH), a dopamina e a endorfina (que deprimem a liberação de GnRH). Nesse processo de ciclicidade ovariana ocorre evolução de alguns folículos recrutados em fases, como explicitado a seguir. A secreção de FSH e LH pela hipófise levam à produção hormonal ovariana, de modo que os folículos, e órgão como um todo, apresentam crescimento.

SJT Residência Médica

Na granulosa há formação de líquido folicular, por estímulo do FSH, que possui altas concentrações de estrogênio. O acúmulo desse líquido gera um antro e o folículo passa a ser chamado de antral (Figura 3.4). Esses folículos crescem e formam suas variantes vesiculares. Isto porque o estrogênio secretado no folículo induz a formação de mais receptores de FSH pelas células da granulosa.

Figura 3.4 Folículo antral.

25


Ginecologia | volume 1 Na teca há colesterol que, na presença de LH, se transforma em testosterona e androstenediona. Esses androgênios atingem as células da granulosa, e na presença de FSH, sofrem ação da enzima aromatase, originando estrona e estradiol. Esta é a teoria das duas células.

Célula da teca

LH

Colesterol

Androstenediona

Testosterona

Célula da granulosa

FSH

Androstenediona

Testosterona

Aromatização

Estrona

Estradiol

Figura 3.5 Sistema das duas células. Após uma semana ou mais de crescimento, um dos folículos começa a se destacar dos demais, pois secreta maior quantidade de estrogênio e aumenta o número de seus receptores para FSH. Com isso ele continua a crescer mesmo com baixos níveis deste hormônio cuja secreção passa a ser reduzida por feeedbck negativo de estrogênio e inibida em ascensão. O folículo de maior tamanho cresce enquanto os demais entram em atresia. Estamos frente ao folículo dominante, pré-ovulatório, maduro ou de Graaf, quando já houve grande desenvolvimento da granulosa e produção de estradiol que, com o FSH, produz proteína receptora para LH nas células da granulosa, tornando-a capaz de se luteinizar, ou seja, produzir progesterona. O estradiol vai sendo produzido cada vez em maior quantidade até atingir seu pico. Esse pico de estradiol, após 12 a 24 horas, desencadeia o pico do LH.

26

Figura 3.6 Folículo dominante, pré-ovulatório, maduro ou folículo de Graaf. O pico de LH ocorre, aproximadamente, 12 horas antes da ovulação e leva ao crescimento muito rápido do folículo, à diminuição da secreção de estrogênio e ao início da secreção de progesterona. Dentro de poucas horas, a teca começa a liberar enzimas proteolíticas dos lisossomas que tornam a parede folicular enfraquecida, com degeneração do estigma (área mais delgada do folículo dominante, próxima a periferia do ovário) e ruptura do folículo nesta região, para liberação do ovócito. Auxilia nesta ruptura o intumescimento folicular provocado por transmudação local de plasma causada por elevação de prostaglandinas. Assim, a ovulação ocorre 24 a 48 horas após o pico de estradiol e 12 a 24 horas após o pico de LH (início do pico de LH ocorre 32 a 36 horas antes da ovulação). Em seguida, as células da granulosa remanescentes, sob ação do LH, transformam-se em células luteínicas (duas ou mais vezes maiores que as células da granulosa e com inclusões lipídicas), formando o corpo lúteo produtor principalmente de progesterona e de pequena quantidade de estrogênio. Após 12 a 14 dias, o corpo lúteo perde sua função secretora e começa a involuir, sendo substituído por tecido conjuntivo, transformando-se no corpo albicans ou corpo branco, que não tem nenhuma função hormonal. No final da fase lútea, aparecem nas células da teca-granulosa luteinizadas receptores sensíveis ao hCG (hormônio gonadotrófico coriônico humano), fazendo com que o corpo lúteo persista na presença de tal hormônio, que tem sua produção iniciada após a fecundação. O pouco estrogênio liberado pelo corpo lúteo inibe a secreção de FSH e LH, assim como a progesterona inibe a secreção de LH. Além disso, as células luteínicas secretam inibina que, por sua vez, diminui a secreção de FSH. O resultado é queda

SJT Residência Médica


3  Fisiologia do ciclo menstrual de FSH e LH, responsável pela degeneração do corpo lúteo. Após 12 a 14 dias de vida do mesmo, a falta de secreção de estrogênio, de progesterona e de inibina estimula a secreção de FSH e LH, que iniciam o crescimento de novos folículos para outro ciclo ovariano.

e citoplasmática de RNA. Durante a proliferação, o endométrio cresce de aproximadamente 0,5 mm para 3,5 mm a 5 mm de altura. Essa proliferação ocorre principalmente na camada funcional do endométrio, pelo espessamento do estroma. Uma característica importante dessa fase de crescimento endometrial é o aumento de células ciliadas e microvilosas, responsáveis pela mobilização e distribuição de secreções endometriais durante a fase secretória.

Figura 3.7 Esquema da anatomia microscópica do ovário. Indicam-se, em sentido horário, as alterações nos componentes do complexo folicular que ocorrem durante a atresia e a ovulação de um folículo primordial (em cima, à esquerda) até a formação de um corpo albicans (embaixo, à esquerda).

As fases do ciclo menstrual Em um ciclo menstrual ovulatório ocorrem alterações anatômicas e funcionais específicas nos componentes glandulares, vasculares e estromais do endométrio. O endométrio pode ser dividido, do ponto de vista morfológico, na camada funcional, que compreende os dois terços superiores, e na camada basal, que compreende o terço inferior. A finalidade da camada funcional é preparar-se para a implantação do embrião em fase de blastocisto. Na fase folicular ou proliferativa do ciclo menstrual, o esteroide sexual ovariano que predomina é o estrogênio, que age proliferando as células endometriais, daí o nome dessa fase: proliferativa. As glândulas representam a porção mais responsiva do endométrio à ação estrogênica. A princípio, elas são estreitas e tubulares, revestidas por células de epitélio colunar baixo. Graças à ação do estrogênio, mitoses tornam-se proeminentes e se observa a pseudoestratificação endometrial, sendo que as glândulas tornam-se alongadas e um pouco tortuosas. O componente estromal evolui a partir de sua condição menstrual celular densa, através de um breve período de edema, para um estado final semelhante a um sincício frouxo. As arteríolas espiraladas tornam-se finas. Todos os componentes teciduais (glândulas, células estromais e endoteliais) demonstram proliferação, com pico nos dias 8 a 10 do ciclo. Essa proliferação é marcada por aumento da atividade mitótica e da síntese nuclear de DNA

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No início da fase lútea, a taxa de crescimento endometrial diminui significativamente, no entanto o endométrio atinge uma espessura máxima em torno de 8 mm a 10 mm. O número de receptores estrogênicos cai, mas os receptores de progesterona permanecem abundantes, principalmente no estroma. Sabemos, de larga data, que o endométrio é relativamente insensível à progesterona, a menos que previamente exposto a estímulo estrogênico. Dessa forma, no endométrio proliferado, a progesterona é capaz de provocar intensas modificações, produzindo uma resposta secretora. A ação prévia dos estrogênios estimula a síntese dos receptores de progesterona, dando ao endométrio a capacidade de responder a este esteroide. Assim, as glândulas endometriais tornam-se mais tortuosas e sofrem um aumento em seu lúmen, passando a secretar grande quantidade de glicogênio, preparando-se para a implantação do blastocisto. Na fase lútea tardia, o estroma desenvolve características de reação decidual pré-menstrual, com grande infiltrado de linfócitos e aspecto edematoso. De um modo geral, a atividade mais importante durante a fase folicular do ciclo menstrual é a secreção de gonadotrofinas, que controla a foliculogênese e influencia a proliferação endometrial. Os eventos dominantes da fase periovulatória são o pico de LH e a ovulação. A alteração significativa que ocorre na fase lútea é a produção de glicogênio pelas glândulas endometriais, em preparação para um blastocisto embrionário. Esses eventos (e os processos metabólicos que os regulam) têm um amplo efeito sobre todo o organismo. A influência do ciclo menstrual ilustra a extensão da importância do processo reprodutivo sobre todo o corpo humano (Figura 3.9). Valores de referência do FSH e LH sanguíneos Período

FSH

LH

Pré-puberal

< 2 mUI/mL

< 1 mUI/mL

Fase folicular

5 a 20 mUI/mL

10 a 30 mUI/mL

Fase ovulatória

12 a 50 mUI/mL

30 a 150 mUI/mL

Fase luteínica

5 a 20 mUI/mL

10 a 30 mUI/mL

Menopausa

30 a 150 mUI/mL

40 a 150 mUI/mL

Tabela 3.1

27


Ginecologia | volume 1

Usos clínicos da dosagem basal de gonadotrofinas Condição clínica

FSH

LH

Mulher adulta normal

5-30 mUI/mL

5-20 mUI/mL

Estado hipogonadotrófico

< 5 mUI/mL

< 5 mUI/mL

Pré-puberal Disfunção hipotalâmica-hipofisária Estado hipergonadotrófico

> 30 mUI/mL

> 40 mUI/mL

Pós-menopausa Falência ovariana prematura

ºC

Tabela 3.2 Temperatura corporal basal

39.6

30 IU

IU

LH

40

200

FSH

20

100

10

Largura do orifício cervical

mm

5 4 3 2

Quantidade de muco cervical

mm³

800 600 400 200

Viscosidade cm

15 10 5

1

2

3

4

4

3

2

2

1

1

1

0

1

2

3

4

3

2

2

1

1

1

0

1

2

3

4

2

1

0

0

0

0

6

8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28

Transparência Arborização

2

4

Penetração do espermatozoide

Dia do ciclo

Figura 3.8 Alterações fisiológicas associadas ao ciclo menstrual. Os números de 0-4 indicam uma característica crescente do muco cervical. Note que o padrão arboriforme, a transparência e a penetração do espermatozoide são máximos no meio do ciclo. FSH: hormônio folículo-estimulante; LH: hormônio luteinizante.

Figura 3.9 Alterações cíclicas idealizadas observadas nas gonadotrofinas: Estradiol (E2), progesterona (P) e endométrio uterino durante o ciclo menstrual normal. Os dados são centralizados em torno do dia do surto de LH (dia 0). Os dias do sangramento menstrual estão indicados por M.

28

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3  Fisiologia do ciclo menstrual

Mecanismos da remodelação endometrial

teliais quanto nas estromais. Esses dados sugerem que a progesterona teria ação antifibrinolítica no endométrio, diminuindo o fluxo menstrual.

Com a queda dos níveis de progesterona ao final do ciclo menstrual, dada a falta de estímulo decorrente da inibição de LH, o endométrio não se sustenta e descama provocando o fluxo menstrual e caracteriza início de um novo ciclo. No entanto, mecanismos hemostáticos são criados pela própria progesterona.

Outro fator desencadeante de maior fluxo sanguíneo seria o aumento local de mastócitos, produtores de grande quantidade de heparina, podendo aumentar a ativação do fibrinogênio em fibrina e a degradação do trombo nas artérias espiraladas e, portanto, o fluxo menstrual.

O fluxo menstrual depende do controle hemostático, da descamação endometrial e do processo de remodelação ou reparação endometrial. O sistema hemostático é importante para o controle do fluxo menstrual e dependente dos seguintes fatores: contratilidade vascular local; adesão plaquetária; e formação do coágulo com o reforço da fibrina e do sistema fibrinolítico (estabilidade do trombo nas artérias espiraladas). As prostaglandinas e os hormônios sexuais atuam na regulação desse sistema.

O processo de descamação endometrial é importante para a quantidade do fluxo menstrual. Nesse sistema, participam as metaloproteinases matriciais, os lisossomos (hidrolases), os macrófagos, os mastócitos e as moléculas de adesão intercelular (ICAM-1 e PECAM). A autofagocitose endometrial é realizada pelos lisossomos que destroem o citoplasma. A heterofagocitose é feita pelos macrófagos, que digerem as fibras reticulares do estroma, fragmentando o tecido de conexão estromal. A redução dos níveis de progesterona no final da fase lútea permite o aumento da produção de IL-8 nas células endometriais, acarretando aumento da migração de leucócitos e da degranulação aos mastócitos.

Ha várias substâncias que controlam a contratilidade vascular no endométrio, regulando o fluxo menstrual. Assim, a endotelina, a prostaglandina F2-alfa (PGF2-alfa), o tromboxano, a vasopressina e citocinas, principalmente a interleucina 8 (IL-8), são responsáveis pela vasoconstrição das artérias espiraladas. Essas substâncias são influenciadas pela ação da progesterona. O óxido nítrico, a prostaciclina e a prostaglandina E2 (PGE2) agem na vasodilação e sua regulação está relacionada aos níveis de estrogênios circulantes. Mulheres com ciclos menstruais normais têm aumento tanto da PGF2-alfa quanto da PGE2 no endométrio durante o período final da fase secretora, e a menstruação apresenta predominância da PGF2-alfa. Esse fato sugeriria que a progesterona seria necessária para a elevação aos precursores da PGF2-alfa. Como provoca contração de musculatura lisa, seja de parede de vasos ou do miométrio, destaca-se que seu excesso é uma das causas de dismenorreia. O sistema fibrinolítico é importante para o controle hemostático. A degradação do coágulo é dependente da plasmina, que é formada a partir de seu precursor, o plasminogênio. Este pode ser ativado pelo ativador do plasminogênio tecidual (tPA) ou ser dependente da uroquinase (u-PA). Sua inibição está relacionada aos inibidores do tipo I e 2 (PAI-1 e PAI-2), bem como pela alfa2-antiplasmina. A progesterona suprime a produção de u-PA e aumenta a produção de PAI-1 tanto nas células epi-

SJT Residência Médica

A progesterona também mantém a estabilidade aos lisossomos, que contêm enzimas que atuam na destruição de mucopolissacarídeos, colágeno e outras proteínas que dão suporte ao crescimento endometrial. As metaloproteinases da matriz são colagenases que atuam nos elementos da matriz extracelular e na membrana basal, aumentando a descamação endometrial; também estariam relacionadas aos níveis de progesterona. Por outro lado, o incremento desse leucócito no endométrio é dependente do estrogênio. Além da ação do sistema hemostático e do processo de descamação no sangramento genital, a reparação ou remodelação endometrial é essencial para o controle do fluxo menstrual. Esse processo é dependente do estrogênio, que promove proliferação endometrial. A ação estrínica é mediada por fatores de crescimento, principalmente fator de crescimento vasculoendotelial (VEGF), fator fibroblástico básico (b-FCF), fator epidermal de crescimento (ECF), fatores insulinoides e, ainda, as citocinas. Caso haja retardo ou deficiência na reparação, o fluxo menstrual pode se prolongar. Os sangramentos de pequena quantidade e de coloração escura, que ocorrem imediatamente após o fluxo, estão também vinculados ao retardo na remodelação endometrial por deficiência estrogênica.

29


CAPÍTULO

6

Síndrome dos ovários policísticos Introdução

Etiopatogenia

Conhecida desde o final do século passado, passou a ser considerada entidade clínica definida após publicação de Stein e Michael Leventhal, em 1935.

Ainda é pouco conhecida. De acordo com Berger, poderiam ocorrer dois eventos:

A anovulação hiperandrogênica ou Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é a causa mais comum de infertilidade de causa endócrina e caracteriza-se pela perda da ciclicidade ovulatória por alteração nos mecanismos de retrocontrole hipotalâmico-hipofisário-ovariano, resultando em ciclos anovulatórios e irregulares, com graus variados de hiperandrogenismo manifestado clínica ou laboratorialmente. Ovários aumentados, com múltiplos cistos ovarianos bilaterais, além de obesidade central, podem ser encontrados em grande número de pacientes. Nos últimos anos, esse quadro vem sendo tratado como uma doença metabólica com repercussões sistêmicas importantes, especialmente sobre o sistema cardiovascular, metabolismo glicêmico e no perfil lipídico. Corresponde a 20%-30% dos casos de infertilidade feminina. É a endocrinopatia mais comum na mulher, atingindo 6% a 10% delas na idade reprodutiva, estima-se que essa doença seja responsável por 80% dos quadros de irregularidade menstrual de origem ovulatório na mulher no período reprodutivo. No entanto, a heterogeneidade da doença, associada à ausência de padronização de critérios para o diagnóstico, pode produzir grande variabilidade nos dados epidemiológicos. Os dados de prevalência são oriundos de grupos de pacientes estudados em amostras populacionais relativamente pequenas.

1. Alterações primárias do sistema hipotálamo-hipofisário, com ovários aumentados de volume e níveis plasmáticos elevados de LH (Tipo 1). 2. Alterações não centrais, com ovários de tamanho normal e valores normais ou baixos de LH (Tipo 2). Segundo Yen, trata-se de uma disfunção hipotalâmica devido à secreção anômala de opioides e dopamina com produção atípica de GnRH. A queda dos opioides hipotalâmicos, associada a um tônus dopaminérgico diminuído, leva ao aumento da secreção pulsátil de GnRH pelo hipotálamo, alterando a secreção de gonadotrofinas hipofisárias. Acredita-se também na existência de defeito enzimático primário da suprarrenal, a qual se manifesta através da adrenarca acentuada. As taxas aumentadas de androgênios promoveriam, pela sua conversão periférica e hipotalâmica, liberação anômala de LH, aumento da relação LH/FSH e feedback anômalo. Berger observou que, após a administração de GnRH, há elevação dos níveis de LH e redução de FSH, sugerindo resposta anômala primária ou secundária da hipófise. Observa-se secreção elevada e inapropriada de LH, constante e baixa ou diminuída de FSH. O aumento da frequência de amplitude de GnRH promoveria um estado de dessensibilização da hipófise, resultando na liberação predominante de LH em relação ao FSH.


6 Síndrome dos ovários policísticos Na gônada há déficit parcial de duas enzimas que promovem a conversão de androgênios em estrogênios, isto é, 3β-ol desidrogenase e aromatase. Speroff sugere provável herança autossômica dominante, à vista do aparecimento da afecção em vários membros de uma mesma família. Para Toledo, a ocorrência familiar de afecção seria resultado do distúrbio gênico, provavelmente hereditário, dos receptores hipotalâmicos-hipofisários envolvidos no controle gonadotrófico. Atualmente, é considerada, acima de tudo, uma desordem da biossíntese, utilização e/ou metabolismo de androgênios em mulheres.

Fisiopatologia A anovulação crônica caracteriza-se pela ausência persistente da ovulação. Para ocorrer ovulação é imprescindível que o eixo hipotalâmico-hipofisário e o compartimento teca folicular do ovário estejam atuantes e os níveis de estradiol circulantes sejam adequados. Durante o fluxo menstrual, o baixo nível de estrogênio, através de mecanismo de retroalimentação positiva, promove abrupta elevação de FSH, que é muito importante no crescimento folicular e esteroidogênese. O crescimento folicular progressivo determina produção de estradiol, que induz o aparecimento de receptores de FSH, mantendo os folículos sensíveis a ele. A ação combinada de FSH e estradiol estimula o aparecimento de receptores de LH nas células da granulosa. Conforme os folículos vão crescendo, o estradiol é produzido em maior quantidade e, por feedback positivo, estimula a hipófise a secretar as gonadotrofinas. A ovulação é precedida por rápida elevação dos níveis de estradiol que estimula a hipófise anterior, desencadeando o pico de LH, indispensável para a postura ovular e formação do corpo lúteo. Na portadora da SOP a hipófise não reconhece os altos níveis de estrogênio e não inverte o feedback. Mesmo em níveis elevados o estrogênio continua estimulando a hipófise a secretar cada vez mais gonadotrofinas, não ocorrendo a queda estrogênica, fundamental para a formação do pico do estradiol, que é essencial para a ocorrência do pico de LH, que é o grande responsável pela ovulação. Como o estradiol, mesmo em nível elevado, continua estimulando a liberação de gonadotrofinas hipofisárias, muito FSH e LH acaba sendo liberado. Pela teoria das duas células, o LH se liga aos seus receptores na célula da teca e quebra o colesterol em androstenediona e testosterona. Esses dois androgênios entram na célula da granulosa que tem receptor para FSH. Quando o FSH se liga ao seu receptor na célula da granulosa, ativa a ação da enzima aromatase, que quebra a androstenediona e a testosterona em estrona e estradiol, aumentando

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ainda mais o nível estrogênio, alimentando o ciclo vicioso da SOP. A SOP representa o clássico exemplo de perda da ciclicidade funcional por retroalimentação anômala. A produção excessiva de androgênios e sua conversão em estrogênios constituem o substrato fisiopatológico da anovulação crônica. A produção excessiva de androgênios e sua subsequente conversão em estrogênios constituem o substrato fisiopatológico da anovulação crônica. Haveria, pois, retroalimentação acíclica, com secreção inadequada de LH e FSH pelo sistema hipotálamo-hipofisário. Forma-se, assim, verdadeiro ciclo vicioso em que a disfunção central condiciona alterações morfológicas e funcionais nos ovários. Associa-se em graus variados à obesidade e a quadro de infertilidade. Pacientes com SOP apresentam, ainda, risco aumentado para o desenvolvimento de câncer de endométrio e doenças cardiovasculares, bem como alterações no metabolismo de glicose e risco para desenvolvimento precoce de diabetes melito. A insulina é considerada um fator fundamental na fisiopatologia da doença. Grande parte das pacientes (obesas e não obesas) apresenta resistência periférica à insulina (50 a 75%), o que leva a um quadro de hiperinsulinismo relativo. O mecanismo exato da resistência à insulina ainda é desconhecido, porém parece se tratar de defeito pós-receptor de insulina. Estudos sugerem que haveria uma fosforilação excessiva em resíduos de serina do receptor de insulina ou de proteínas dessa via de sinalização. O campo é, atualmente, objeto de intensa investigação. A insulina age diretamente e, também, através de ação sinérgica com o LH, na produção androgênica das células da teca interna do ovário. Além disso, diminui a produção hepática da globulina carreadora de esteroides sexuais (SHBG), permitindo que maior fração de androgênios circule em sua forma ativa. Por fim, estudos têm indicado que poderia estimular a atividade enzimática do citocromo P450, que é essencial para a produção de androgênios. Estudos mostram, também, que essa enzima tem comportamento anômalo em mulheres com SOP e que o fator de crescimento insulinoide 1 (IGF-1) parece ter papel na SOP. Em relação à obesidade central. estatísticas americanas apontam que 60% das mulheres com SOP são obesas, o que agrava a resistência insulínica e hiperinsulinemia, contribuindo assim para maior prevalência de desordens menstruais, hirsutismo e infertilidade. O excesso de testosterona na SOP promove maior risco de síndrome metabólica, independentemente da obesidade e resistência insulínica, enquanto que a presença de interleucinas e a baixa concentração de aDIPAonectina propiciam lesão endotelial precoce e consequentemente maior risco de doença cardiovascular.

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Ginecologia | volume 1

Glicemia (mg/dL) Insulina (μm/mL) ≤ 4,5

Diagnóstico laboratorial para resistência insulínica Glicemia (mg/dL) x Insulina (μm/mL) Insulina (μU/mL) 405 2h após ingesta de 75 g de glicose < 80-100 RI provável ≥3 > 80-100 RI > 300 RI grave

Tabela 6.1

Diagnóstico clínico, sugestivo para resistência insulínica Triglicérides > 200 mg/dL IMC ≥ 28,7 IMC ≥ 27,5 + antecedente familiar de 1º grau para diabete mellittus

Tabela 6.2 Critérios diagnósticos para síndrome metabólica na mulher National Cholesterol Education Program-Adult Treatment International Diabetes Federation IDF Panel III NCEP-ATPIII Presença de três ou mais dos critérios Presença do primeiro e dois outros critérios Obesidade abdominal CA > 88 cm Obesidade abdominal CA < 80 cm Hipertrigliceridemia > 150 mg/dL Hipertrigliceridemia > 150 mg/dL HDL < 50 mg/dL HDL < 50 mg/dL PA > 130/85 ou em tratamento medicamentoso PA > 130/85 ou em tratamento medicamentoso Glicose plasmática de jejum > 110 mg/dL Glicose plasmática de jejum > 100 mg/dL

Tabela 6.3

Anatomia patológica Macroscopicamente os ovários estão aumentados de volume, de coloração branca nacarada, com cápsula espessa, lisa, de aparência avascular. Na superfície de corte há numerosos cistos foliculares subcapsulares com diâmetros que variam de 2 a 6 mm. Microscopicamente temos cistos foliculares revestidos de fina camada de células da granulosa, com hiperplasia e luteinização das células tecais. Há hiperplasia do estroma e falta de maturação folicular. Às vezes esses achados são registrados em mulheres normais. Portanto, não há na SOP um quadro anatomopatológico típico, patognomônico, que caracterize a afecção. Admitem-se duas variedades anatomopatológicas de SOP:

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Tipo I: ovários aumentados de volume associados a níveis elevados de LH.

Tipo II: pacientes com gônadas de tamanho normal ou diminuído e índices normais ou baixos de LH. Compõem este tipo de pacientes as portadoras de hiperplasia adrenal congênita, síndrome de Cushing, tumores virilizantes do ovário ou da suprarrenal, de hipo ou hipertireoidismo.

Figura 6.1 A, B e C: aspectos macro e microscópico (D) dos ovários policísticos.

SJT Residência Médica


6 Síndrome dos ovários policísticos

Quadro clínico Tipicamente, a SOP manifesta-se com um quadro de irregularidade menstrual do tipo espaniomenorreia, iniciada à época da menarca, associado a hiperandrogenismo clínico (hirsutismo e acne) e/ou laboratorial (hiperandrogenemia). O quadro clínico da síndrome pode variar em razão da heterogeneidade da doença, e muitas vezes estão presentes fatores correlacionados, tais como obesidade, infertilidade, sinais de resistência à insulina (Acantose nigricans), entre outros.

ciadas: teratoma cístico, arrenoblastoma, tumor de Leydig, tumor de restos adrenais, disgerminoma, tumor de células da granulosa. A associação com câncer de endométrio é registrada por diversos autores (19%-37%). Ocorre devido à maior produção extraglandular de estrogênio em pacientes obesas. Consequências da síndrome do ovário policístico Consequências em curto prazo Obesidade Infertilidade Menstruação irregular Dislipidemia Hirsutismo/acne/alopecia androgênica Intolerância à glicose/acantose nigricante

Embora a espaniomenorreia seja mais comum, observa-se amenorreia em cerca de 55% dos casos, e sangramento anormal em 28%. Hirsutismo está presente em quase 50% das pacientes. Tanto o hirsutismo quanto as alterações menstruais iniciam-se na fase peripuberal, geralmente acompanhadas de aumento de peso.

Consequências em longo prazo Diabetes melito Câncer endometrial Doença cardiovascular

Não é grande a associação de ovários policísticos com neoplasias ovarianas. A literatura registra como variedades de neoplasias asso-

Tabela 6.4

Centro córtico-hipotálamo

GnRH

Obesidade

Resistência periférica

LH/FSH

Hirsutismo

Testosterona livre

SHBG

Anovulação

à insulina

Insulina

Estradiol livre

Aromatase

Suprarrenal

Androgênios

Atresia folicular Infertilidade

Disfunção menstrual Hiperplasia estromal Hipertecose

Estimula receptor IGF-1

CA de endométrio

Figura 6.2 Fisiopatologia da SOP.

SJT Residência Médica

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Ginecologia | volume 1

Critérios diagnósticos propostos pelos National Institutes of Health (1990) Anovulação crônica Hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico Exclusão de outras etiologias Critérios diagnósticos propostos pela European Society of Human Reproduction and Embriology e pela American Society of Reproductive Medicine Presença de 2 dos 3 critérios: Oligoanovulação ou anovulação Hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico Ovários policísticos Exclusão de outras etiologias

Figura 6.3 Pacientes portadoras da síndrome dos ovários policísticos e Acantose nigricans.

Critérios diagnósticos propostos pela Androgen Excess Society (2006) Hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico Oligoanovulação e/ou ovários policísticos

Diagnóstico Fundamenta-se em acurada anamnese, dados de exames clínico, ginecológico e subsidiários. O diagnóstico da SOP é de exclusão.

Exclusão de outras etiologias para hiperandrogenismo

Tabela 6.5

O diagnóstico baseia-se nos critérios adotados em 2003 por um consenso realizado na cidade de Rotterdam e patrocinado pela European Society of Human Reproduction e pela American Society for Reproductive Medicine (ESHRE/ASRM). Este consenso determinou a necessidade de pelo menos dois de três critérios para firmar o diagnóstico da síndrome: 1. oligo/anovulação, caracterizada por oligomenorreia/amenorreia; 2. hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial; 3. e presença de ovários policísticos ao ultrassom (12 ou mais folículos periféricos, de 2 a 9 milímetros de diâmetro) e/ou volume ovariano maior ou igual a 10 cm3 (apenas um ovário é suficiente para o diagnóstico). Os achados clínicos ultrassonográficos se distribuem em três padrões: 1. Isoecoico: não há cistos definidos; 2. Hipoecoico com múltiplos cistos – cujo diâmetro é inferior a 1 cm;

Figura 6.4 Ovários policísticos à ecografia. Ovários

3. Hipoecoico com cisto único com diâmetro maior que 1 cm.

policísticos estão presentes em 80% das pacientes com SOP.

Critérios diagnósticos da síndrome de ovários policísticos Hiperandrogenismo: hirsutismo e/ou hiperandrogenemia Disfunção ovariana: anovulação crônica e/ou ovários policísticos Exclusão de outras causas de anovulação/hiperandrogenismo

48

Entre os exames subsidiários, as determinações séricas de LH, FSH e prolactina se destacam. O excesso da produção androgênica deve ser avaliado pelas dosagens de testosterona livre e total, androstenediona, sulfato de deidroepiandrosterona, 17-hidroxiprogesterona e androstenediol.

SJT Residência Médica


6 Síndrome dos ovários policísticos Níveis aumentados de testosterona e/ou androstenediona e relação LH/FSH elevados são encontrados em 60% a 70% casos. Concentração extremamente elevada de testosterona deve levantar suspeita de hirsutismo ou neoplasia ovariana. Em menos de 20% das pacientes, denota-se elevação dos níveis de SDHEA, sugerindo alteração da suprarrenal. Nesses casos, devem-se realizar testes de supressão com dexametasona. O aumento da relação LH/FSH representa subsídio para o diagnóstico, especialmente quando forem superiores a 2,5. Cerca de 10% a 20% dos casos não mostram níveis elevados de LH. A determinação sérica de prolactina tem a finalidade de diagnosticar a associação de hiperandrogenismo e hiperprolactinemia, presente em 13% a 27% dos casos. A dosagem de insulina é muito importante. Taxa em jejum acima de 15 mcU/mL ou relação de glicose/insulina menor que 4,5 são indicativas de resistência periférica à insulina.

Diagnóstico diferencial Deve-se afastar entidades que apresentam produção exagerada de androgênios e aumento da síntese extraglandular do estrogênio, simulando a SOP. Essas síndromes podem ou não ter disfunção gonadotrófica. Assinala-se, entre elas, deficiência das enzimas 21-hidroxilase ou 3β-ol desidrogenase, hipertireoidismo, hipersecreção de prolactina e LH, hiperprolactinemia, hipertricose ovariana, neoplasias do ovário produtoras de estrogênio, tumores de ovário ou da suprarrenal produtores de androgênio, obesidade e síndrome de Cushing.

Causas de exclusão de hiperandrogenismo e/ou anovulação Hiperplasia adrenal congênita (principalmente 21-hidroxilase)

Diagnóstico diferencial de disfunção ovulatória e hiperandrogenismo Exames laboratoriais

SOP

Resultados indicativosa

Causas de oligo ou onovulação Nível de testoste- Geralmente elerona total vado Nível de SDHEA Pode ser leveProporção de mente elevado LH:FSH Em geral ≥ 2:1

Hipertireoidismo

Nível de TSH

Reduzido

Hipotireoidismo

Nível de TSH

Elevado

Hiperprolactinemia

Nível de PRL

Elevado

Hipogonadismo hipogonadotrófico

Níveis de FSH, LH, E2 Níveis de FSH, LH Níveis de E2

IOP

Todos reduzidos Elevados Reduzidos

Causas de hiperandrogenismo SOP HSRC de início tardio Tumor ovariano secretor de androgênio Tumor suprarrenal secretor de androgênio Síndrome de Cushing Uso de androgênios exógenos

Nível de 17-OH-P

> 200 ng/dL

Nível T total

> 200 ng/dL

Nível de SDHEA

> 700 μg/dL

Nível de cortisol

Elevado

Rastreamento toxicológico

Elevado

Resumo dos exames nas pacientes sob suspeita de SOP Dosagem sérica de FSH, LH, TSH, T total, PRL, SDHE GTT-2h Perfil lipídico IMC, circunferência abdominal de PA

Tabela 6.7 aCom base nas referências laboratoriais para

faixa de normalidade. IMC: índice de massa corporal; PA: pressão arterial; HSRC: hiperplasia suprarrenal congênita; SDHEA: sulfato de desidroepiandrosterona; E2: estradiol; FSH: hormônio folículo-estimulante; GTT: teste de tolerância à glicose; LH: hormônio luteinizante; 17-OH-P: 17-hidroxiprogesterona; SOP: síndrome do ovário policístico; IOP: insuficiência ovariana prematura; PRL: prolactina; T: testosterona; TSH: hormônio estimulante de tireoide.

Tratamento Tem como objetivo o restabelecimento da fertilidade, normalização dos ciclos menstruais, controle do hirsutismo e prevenção do carcinoma de endométrio. Pode ser clínico ou, excepcionalmente, cirúrgico.

Síndrome de Cushing Tumores secretores de androgênios Disfunção da tireoide Hiperprolactinemia Uso de drogas anabolizantes Síndromes graves de resistência à insulina

Tabela 6.6

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Prevenção das consequências Mudanças nos hábitos de vida, com prescrição de dieta e exercício físico, corresponde ao tratamento de primeira linha para prevenção das repercussões da doença em longo prazo. A redução do peso favorece a redução dos níveis androgênicos, melhora o

49


Ginecologia | volume 1 perfil lipídico e diminui a resistência periférica à insulina, sendo úteis, assim, para o retorno dos ciclos ovulatórios e para a prevenção de diabetes e doenças cardiovasculares. A metformina tem sido indicada em razão dos benefícios a longo prazo.

Da disfunção menstrual Os anticoncepcionais orais estroprogestativos (combinados) são empregados em pacientes anovuladoras com hiperandrogenismo sem desejo de gravidez iminente. A droga reduz os níveis circulantes de androgênio, combate o hirsutismo e o hiperandrogenismo, regulariza os ciclos, protege o endométrio e promove contracepção quando esta é desejada. Os ACO diminuem os níveis androgênicos circulantes por meio de inibição da secreção adequada de gonadotrofinas e pelo aumento dos níveis de SHBG hepático que auxilia na redução dos androgênios circulantes. O esquema terapêutico é o mesmo utilizado na contracepção. No entanto, não promove melhora da resistência à insulina, normalmente associada à síndrome, e pode, eventualmente, até piorá-la. Os contraceptivos orais também devem ser prescritos com maior critério em pacientes hipertensas ou com dislipidemia.

Progestagênios Em pacientes sem atividade sexual ou na impossibilidade de uso de contraceptivos orais combinados, pode-se fazer uso intermitente de progestagênios, visando a regularização do ciclo menstrual e à proteção endometrial. Não há, até o momento, estudos controlados avaliando o efeito metabólico do uso dessas drogas ou benefícios adicionais. Procura-se prescrever agentes progestacionais com baixo potencial androgênico, e o mais usado é o acetato de medroxiprogesterona, 5-10 mg/dia por 7 a 10 dias.

Do hiperandrogenismo Acetato de ciproterona O acetato de ciproterona possui ação central antigonadotrófica e periférica. Diminui a síntese de androgênios por bloquear a liberação de gonadotrofinas hipofisárias. Perifericamente, atua na unidade pilossebácea, impedindo a ligação da DHT aos receptores citosólicos ou, na pele, inibindo a enzima 5α-redutase. A dose recomendada é de 50 a 100 mg diários, VO, do 5º ao 14º dia do ciclo, pelo período mínimo de seis meses, podendo estender-se até 12 meses. Associa-se 0,02 mg de etinilestradiol (quando se deseja a anticoncepção) ou 1,25 mg de estrógenos

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conjugados ao dia, VO, do 5º ao 24º dia do ciclo (quando não é necessária a contracepção).

Espironolactona A espironolactona, antagonista da aldosterona, também possui ação antiandrogênica. Inibe a síntese de testosterona nas células produtoras de esteroides tanto na gônada quanto na suprarrenal, além de competir perifericamente com os androgênios que ocupam os mesmos receptores. É utilizada na dose de 50 a 200 mg diários, por período mínimo de 12 meses. A melhora dos sintomas, tais como despigmentação e menor densidade dos pelos, começa a ser observada, em geral, após três meses de tratamento. Adotam-se ainda, para combater o hirsutismo, medidas de ordem geral, como a depilação, a descoloração com água oxigenada e a eletrocoagulação do folículo piloso. Em pacientes obesas, a perda de peso, isoladamente, é capaz de reverter os sinais e sintomas advindos do hiperandrogenismo. Recentemente, tem-se empregado a flutamida, na dose de 250 mg/dia. Devido aos efeitos colaterais, principalmente a intoxicação hepática, o cetoconazol é pouco usado.

Metformina O efeito da metformina na anovulação, concepção e taxa de recém-nascidos vivos em mulheres com SOP está bem documentado, mas sua eficácia é questionada em comparação a outros autores. A metformina é um agente sensibilizador da insulina que reduz a resistência e a secreção de insulina, seguida por uma diminuição na produção de androgênios ovarianos. A ação direta da metformina sobre as células da teca ovariana diminui a produção androgênica. É administrada via oral na dose de 1.500 a 2.500 mg/dia. Aproximadamente 15 a 20% dos pacientes podem apresentar efeitos adversos gastrointestinais que podem ser reduzidos por uma dose de início gradativa. É um fármaco de categoria B, seguro tanto para a mãe como para o feto, sem associação a nenhum efeito tóxico fetal ou teratogenicidade. Apesar disso, a droga não está liberada pelo Food and Drug Administration (FDA) para induzir ovulação, e a possível dose ideal é desconhecida. Seus efeitos colterais incluem: náuseas, vômitos, diarreia, acidose lática, sendo contraindicada em mulheres com creatinina maior ou igual a 1,4 mg/dL, disfunção hepática e alcoolismo. Uma outra classe de agentes antidiabéticos são usados no tratamento das desordens metabólicas na SOP, são os derivados tiazolinedionas (TZDs). Os efeitos das TZDs sobre a função ovariana podem ser indiretos (devido à ação sistêmica sensibilizadora da insulina e redução da hiperinsulinemia), como a diminuição dos níveis séricos de testosterona

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6 Síndrome dos ovários policísticos total e livre e aumento dos níveis de SHBG (globulina ligadora dos esteroides sexuais) e de IGFBP-1 (insulin-like growth factor binding protein 1). No entanto, também têm sido descritos efeitos diretos, que podem ser independentes da insulina (aumento dos níveis de progesterona e de IGFBP-1 e diminuição dos níveis séricos de testosterona total e de estradiol), ou decorrentes do aumento local do efeito da insulina (diminuição da produção de IGFBP-1 e aumento da produção de estradiol, na presença de altas concentrações de insulina).

Cimetidina Esta droga tem atividade antiandrogênica, pois impede a translocação da DHT (metabólico androgênico) do receptor androgênico. Utilizam-se 200 a 400 mg/dia por seis a doze meses, mas não é considerado tratamento rotineiro.

Eflornitina A forma tópica tem a propriedade de inibir o crescimento de pelos, sendo assim uma opção no manejo do hirsutismo, o seu uso recomendado seria a aplicação duas vezes ao dia nas áreas afetadas, sendo que a melhora é evidenciada com 8 semanas de uso, caso não for observado melhora nesse período deve-se realizar a troca por outra medicação. A parada desse fármaco leva o retorno do hirsutismo em média após 8 semanas.

Da infertilidade Para o restabelecimento da fertilidade, utilizam-se drogas indutoras da ovulação, como citrato de clomifeno, citrato de tamoxifeno, gonadotrofinas de mulheres menopausadas ou de gestantes. Modernamente, tem-se ensaiado o FSH humano purificado e os análogos do GnRH. O clomifeno (CC), modulador seletivo do receptor de estrogênio (SERM), induz a expressão de receptores de FSH e LH, maturação folicular, níveis elevados de estradiol, postura ovular e normalização da retroalimentação acíclica. A posologia inicial deve ser de 50 mg ao dia, durante 5 dias, a partir do 3º, 4º ou 5º dias do ciclo. O início mais precoce da medicação pode resultar em desenvolvimento folicular múltiplo. Deve-se aumentar a dose inicial em 50 mg até um máximo de 200 mg nos casos em que não se obteve resposta ovulatória, recomenda-se o uso por 6 meses, pois após esse período a eficácia diminui bastante. Cerca de 50% a 80% das pacientes apresentam ovulação utilizando doses de 50 a 200 mg/dia, e 40% a 50% engravidam, entretanto as taxas de gravidez são baixas com doses acima de 100 mg, sendo preferível a opção por outros esquemas de indução da ovulação. Como essas gônadas são mais sensíveis do que as normais, à ação do clomifeno, a síndrome de hiperestimulação

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ovariana, embora rara, pode ocorrer. Por isso, as pacientes devem ser controladas cuidadosamente com exames pélvico e ultrassonográfico periódicos. Em alguns casos, drogas que diminuem os níveis de insulina podem ser utilizadas, de forma isolada ou em associação ao CC, em pacientes com SOP resistentes a CC. Alguns autores preconizam a utilização dessas drogas como tratamento de primeira linha em pacientes com diagnóstico de SOP, mas são necessários estudos que comparem os resultados obtidos com a utilização isolada de CC. A droga mais utilizada e que apresenta maior segurança é a metformina. As pacientes candidatas à utilização da metformina devem apresentar funções hepática e renal normais. Com o objetivo de evitar os efeitos colaterais gastrointestinais, a droga deve ser administrada às refeições e deve-se iniciar o tratamento com dose mais baixa (500 mg/dia) e caso necessário, aumentar progressivamente até 2.000 mg/dia. A utilização isolada da metformina (de 1.500 a 2.000 mg/dia) promove a ovulação em 78% a 96% das pacientes. Quando associada ao CC, aumenta as taxas de ovulação e de gravidez em pacientes previamente resistentes ao CC. Para alguns autores, a metformina deve ser mantida na gravidez, pois previne aborto e diabetes gestacional, e não há evidências de que cause malformações. No entanto, em nosso país, salvo em protocolos de pesquisa, tal droga ainda não está liberada para uso durante a gestação. As gonadotrofinas são administradas na dose inicial de 75 UI por dia, iniciando-se nos primeiros cinco dias de sangramento menstrual (natural ou induzido), desde que a ultrassonografia demonstre endométrio fino (< 6 mm) e ausência de cistos ovarianos. O ajuste da dose inicial deve ser realizado após, pelo menos, cinco dias de medicação e baseia-se no desenvolvimento folicular ao ultrassom. A ovulação é desencadeada pela gonadotrofina coriônica (de 5.000 a 10.000 UI, em dose única), administrada no dia em que pelo menos um folículo atinja mais de 18 mm. Deve-se cancelar o ciclo quando houver mais de quatro folículos com mais de 14 mm de diâmetro médio ou mais de três folículos acima de 16 mm, para evitar a gravidez múltipla e a síndrome de hiperestímulo ovariano. Em ciclos subsequentes, a dose inicial é determinada pela resposta prévia da paciente, podendo ser reduzida ou aumentada. Constitui método racional na terapêutica da anovulia crônica por retroalimentação inadequada. Pesquisas têm utilizado os análogos de GnRH associados às gonadotrofinas. Parece haver benefício com a utilização de análogo do GnRH previamente à indução da ovulação, com aumento das taxas de gravidez e redução das taxas de abortamento. Nesses casos, torna-se obrigatória a suplementação hormonal na fase lútea com progesterona ou whCG. A fertilização in vitro (FIV) pode ser utilizada nos casos em que a estimulação

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Ginecologia | volume 1 ovariana foi exagerada, com o objetivo de evitar o cancelamento do ciclo. Pacientes com SOP parecem ter maior risco de abortamento após FIV. Gestações têm sido obtidas em pacientes com SOP após maturação in vitro de oócitos, podendo ser opção para pacientes com má resposta ao tratamento medicamentoso ou risco de hiperestímulo ovariano.

Cirurgia A terapêutica cirúrgica, ressecção cuneiforme, parcial, de ambas as gônadas (cirurgia de Thaler), é cada vez menos indicada, estando reservada aos casos em que falham as tentativas clínicas para restabelecer a fertilidade. Pode causar aderências pós-operatórias, transformando uma esterilização de causa endócrina em outra de etiologia peritoneal. Tem-se realizado cauterização elétrica ou com raio laser através da laparoscopia com a finalidade de extirpar todos os folículos subcapsulares visíveis. Ao que parece, com essa técnica evita-se a formação de aderências.

Resumo das opções terapêuticas na SOP Irregularidades menstruais

Acne

Hirsutismo

ACHO combinados Progestógenos isolados

Retinoico tópico Ác. azelaico Ác. salicílico Peróxido de benzoíla Antibióticos tópicos Isotretinoína oral

Espironolactona Ciproterona isolada Ciproterona + EE Finasterida Flutamida Análogos de GnRH Efiomitina

Infertilidade anovulação

Resistência insulínica

Citrato de clomifeno Tamoxifeno Metformina Inibidores da aromatase Rosiglitazona Gonadotrofinas Pioglitazona Driling laparoscópico

Tabela 6.8 Opções terapêuticas aos principais agravos à saúde na SOP.

Prevenção Mais que uma desordem reprodutiva, a SOP deve ser considerada uma doença metabólica complexa, que precisa ter abordagem terapêutica global, uma vez que constitui em fator de risco para doenças como diabetes e câncer de endométrio e, possivelmente, doença cardiovascular. A mudança de hábitos de vida, com prescrição de dieta e exercício físico, consiste no tratamento de primeira linha para prevenção das repercussões da doença em longo prazo. A perda de peso favorece a redução dos níveis androgênicos, melhora o perfil lipídico e diminui a resistência periférica à insulina, contribuindo, assim, para o retorno dos ciclos ovulatórios e para a prevenção de diabetes e doenças cardiovasculares. A metformina tem sido indicada em razão dos benefícios de longo termo, porém, ainda hoje, faltam estudos que comprovem sua eficácia. Para alguns autores a metformina não deve ser mantida na gravidez.

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CAPÍTULO

9

Endometriose

Definição Endometriose é uma doença não neoplásica caracterizada pela presença e proliferação do tecido endometrial fora da cavidade uterina. Tal proliferação geralmente apresenta um padrão progressiva, embora possa haver regressão espontânea. Da mesma forma que o endométrio normal, o tecido da endometriose é estrogênio dependente, o que pode trazer ciclicidade aos sintomas, embora não seja uma regra. Há duas formas anatomoclínicas:

Adenomiose (endometriose interna): quando a ectopia endometrial está localizada na camada muscular do útero. Trata-se de uma invasão do miométrio por tecido endometrial, que põe estar em continuidade com o endométrio tópico. Endometriose externa: quando a ectopia endometrial está localizada fora do útero e não tem relação de continuidade anatômica com o tecido normalmente situado. A localização mais comum é ovariana, onde forma estrutura cística com líquido espesso e achocolatado, chamado endometrioma.

Incidência Estima-se que 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva possam ser portadoras dessa enfermidade.

A endometriose afeta mulheres na menacme, e a maior incidência se dá na quarta década de vida. As pacientes mais propensas a apresentar a endometriose são as de raça branca, classe social mais favorecida, nulíparas, normotensas, ansiosas, e com história de dor pélvica. Em mulheres com este perfil, a laparoscopia revela incidência de endometriose da ordem de 30%, ou seja, o dobro da média observada no pool completo de mulheres em idade reprodutiva.

Etiopatogenia Há várias teorias para explicar a histogênese da endometriose:

Teoria da implantação ou menstruação retrógrada ou teoria de Sampson (1927). O tecido endometrial é transportado retrogradamente através das tubas, durante o período menstrual, e se implanta na superfície peritoneal e nos órgãos pélvicos e abdominais.

Teoria da disseminação mecânica ou iatrogênica. A implantação ocorreria durante uma cirurgia com manipulação da cavidade uterina (p. ex. cesariana, miomectomia).

Teoria da disseminação linfática e hematogênica. Evidências microscópicas de endometriose foram encontradas em linfáticos e linfonodos, explicando a endometriose em locais fora da cavidade peritoneal.


Ginecologia | volume 1

Teoria da extensão direta. Invasão direta do endométrio ectópico através da musculatura uterina. Teoria uterotubária. É uma associação das teorias de extensão direta e da implantação, na qual a migração retrógrada do tecido endometrial viável para o exterior da cavidade peritoneal foi a mais provável causa da endometriose.

Presença de anticorpos antiendometriais Alterações endometriais Resistência à progesterona Alterações imunológicas, cromossômicas e em células endometriais tópicas Aumento de expressão de integrinas

Teoria da metaplasia celômica. A mucosa da maior parte do canal genital e do epitélio germinativo do ovário representam modificações do epitélio celômico, cujas células são totipotentes e estímulos hormonais e infecciosos podem induzir estas células a se transformarem no tecido endometrial.

Maior capacidade de digestão da matriz extracelular

Teoria da indução. Uma substância química liberada pelo endométrio pode estimular o mesênquima indiferenciado a sofrer uma transformação metaplásica em glândulas e estroma endometriais.

Polimorfismos nos genes que codificam os receptores de progesterona

Teoria dos restos embrionários. Remanescentes dos ductos de Wolf poderiam originar a endometriose ou, sob estímulos específicos, restos dos ductos de Müller poderiam ser ativados e, assim, formar endométrio funcionante. Teoria composta. Combina a implantação, a disseminação linfática/muscular e a teoria da extensão direta.

As duas teorias mais aceitas são a da metaplasia celômica, a do fluxo retrógrado e a da disseminação mecânica. Na maioria dos casos a menstruação retrógrada, presente em grande parte das mulheres, levaria o tecido endometrial para a cavidade pélvica, onde sua fixação como endometriose de fato da-se apenas em mulheres com predisposição genética, em quem o sistema imune é ineficaz em destruir tal tecido. Fatores mecânicos

Fatores genéticos

Fatores imunes

Fatores endócrinos

Menstruação retrógrada Fatores locais

Endometriose

Alterações endometriais

Figura 9.1 Fisiopatologia da endometriose. Alterações imunológicas, cromossômicas e em células endometriais tópicas Alterações imunológicas Diminuição da citoxidade das células NK

62

Aumento de secreção de citocinas por macrófagos peritoneais

Propriedade de induzir angiogênese Desordens do ciclo celular (maior proliferação e menor apoptose) Expressão da enzima aromatase Alterações cromossômicas Polimorfismos nos genes da família CYP

Tabela 9.1

Classificação Classificar a doença tem por finalidade a uniformização nos padrões de linguagem sobre a doença, tornando possível agrupar casos, traçar esquemas terapêuticos e fazer prognósticos. A classificação mais utilizada é a da American Fertility Society, que avalia a quantidade total da superfície afetada, diferenciando-a entre doença peritoneal, ovariana e tubária. A área considerada afetada envolve não só aquela diretamente atingida por tecido endometrial ectópico, mas também as aderências pélvicas (Figura 9.3). Histologicamente pode ser classificada como superficial ou profunda. Na primeira a endometriose compromete até 5 mm de profundidade do tecido e, na segunda, acima de 5 mm. Pode-se ainda classificar a doença conforme sua localização. A sede mais frequente dos implantes pélvicos de endometriose é o ovário. Das portadoras de endometriose, metade tem os ovários comprometidos e em 50% destas pacientes existe o comprometimento ovariano bilateral. Tal fato deve-se à localização ovariana (mais próximo das tubas) e à alta concentração de local de estrogênios. Em seguida, por ordem de incidência, temos o acometimento do fundo de saco posterior, do peritônio vesicouterino, da parte posterior do ligamento largo, dos ligamentos uterossacros, das tubas uterinas, do útero, do septo retovaginal, do cólon, do sigmoide, da cérvix uterina, da vulva e da vagina. Já fora da pelve, o local mais comum de comprometimento é o intestino.

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9 Endometriose

A

B

C

Figura 9.2 Endometriose ovariana (A e B) e peritoneal (C).

Figura 9.3 Classificação (da American Fertility Society) para endometriose.

SJT Residência Médica

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Ginecologia | volume 1

Quadro clínico O quadro clínico da endometriose se caracteriza por uma díade, composta de: dores em cólica de forte intensidade no período menstrual (dismenorreia) e dor profunda à relação sexual (dispareunia profunda). A endometriose, por acometimento ovariano ou distorção anatômica das tubas, também pode causar infertilidade, mas em proporção muito menor que no passado. É possível, eventualmente, notarem-se outras manifestações da doença, como: palpação tumorações ovarianas (endometriomas); alterações gastrointestinais, como disquesia (dor à evacuação), enterorragia cíclica e dor à eliminação de gases; dor ao urinar com ou sem hematúria. Sintomas em órgãos adjacentes podem ou não estar relacionados ao seu envolvimento direto. Em alguns casos, pela implantação de células endometriais durante cirurgia ginecológica (histerectomia, cesariana e miomectomia), podem-se encontrar nódulos na parede do abdome, que também apresentam dor cíclica. Geralmente, o diagnóstico de endometriose é confirmado entre a 3ª e a 4ª décadas de vida. No entanto, o tempo médio entre o início dos sintomas e a confirmação acontece em cerca de 8 anos, portanto a doença tem seu início, frequentemente, na adolescência. Esse atraso diagnóstico decorre da não valorização adequada dos sintomas, tanto pela paciente quanto, em alguns casos, pelo médico. A maioria das pacientes é nuligesta, pois a gestação e a lactação são períodos de mitigação dos níveis plasmáticos de estrogênio e de aumento de progesterona. Por outro lado, a menarca precoce, as malformações uterinas e a estenose do orifício do colo uterino são fatores predisponentes. Sintomas da endometriose Sintomas mais comuns

Sintomas menos comuns

Dismenorreia

Disquesia

Infertilidade

Diarreia

Dispareunia

Constipação intermitente

Dor pélvica crônica

Dor abdominal cíclica Disúria Hematúria

Até 1/3 das mulheres com endometriose é assintomática

Assim, é frequente desconforto à palpação dos ligamentos uterossacrais e regiões anexiais, bem como nodulações vinhosas e dolorosas no fórnice posterior da vagina, uma vez que essas localizações são as mais freqüentemente acometidas. A mobilização do útero pode ser dolorosa, e o aumento do volume dos ovários pode denunciar endometriomas. Retroversão uterina é frequente em pacientes acometidas pela doença, e a relação entre essa posição e a endometriose ainda não foi devidamente estabelecida. Entretanto, quando a retroversão é fixa, a probabilidade de doença na escavação retouterina é grande.

Diagnóstico complementar O diagnóstico definitivo de endometriose é feito por meio de análise anatomopatológica de lesões suspeitas. A laparoscopia é o melhor método para a obtenção do material, e ainda permite classificar e estadiar a doença. Macroscopicamente, a lesão clássica no peritônio é aquela que apresenta o aspecto de “chamuscado de pólvora queimada”, entretanto o aspecto pode variar de acordo com o estádio da doença. As lesões não pigmentadas (em “chama de vela”) são as mais novas e metabolicamente mais ativas e, portanto, estão associadas a um quadro de sintomatologia dolorosa mais exuberante, lesão avermelhadas são estágio intermediário, já as lesões enegrecidas são mais antigas. A biópsia da lesão suspeita deve ser excisional, sendo realizada englobando a área de fibrose. O diagnóstico definitivo é feito através da identificação de glândulas e estroma endometriais no material de biópsia. Nem sempre a laparoscopia estará indicada, especialmente se a dor ceder a tratamento clínico e não houver infertilidade. Nesses casos, far-se-á o diagnóstico presuntivo, baseando-se na clínica e em alguns exames complementares, como: – A histerossalpingografia: forma uma imagem em guarda-chuva, devido à retroversão fixa causada pela endometriose da parede posterior do útero e ligamentos uterossacros. A imagem em baioneta é resultado da alteração do ângulo istmo corpóreo e é bastante típica.

Exame físico

– A ultrassonografia: confirma a presença de massa pélvica, seu tamanho, seu volume e se há modificações com o tempo. Tem-se usado bastante ultrassonografia pélvica com preparo intestinal, e esta vem mostrando sensibilidade semelhante à ressonância magnética.

O exame ginecológico pode evidenciar dor e ou nodulações em locais afetados.

– Ressonância Magnética de Pelve: pode mostrar implantes pélvicos e espessamentos ligamentares.

Tabela 9.2

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9 Endometriose – Os níveis de CA-125: são altos na superfície das membranas das lesões endometriais, apresentando positividade em 48%. Como pode estar aumentado em diversas situações, como DIPA, menstruação, neoplasias epiteliais, anexite, adenomiose, salpingite aguda e gravidez, deve, então, ser dosado no início do ciclo menstrual, podendo refletir atividade da doença. Este marcador apresenta sensibilidade de 20% a 80% e especificidade de 80%, com performance diagnóstica reduzida. Parece ser melhor como teste diagnóstico nos estágios III e IV. Outro marcador é o CA 19-9, que apresenta positividade em torno de 52% nas pacientes com endometriose. Níveis séricos da IL-6 acima de 2 pg/mL (90% de sensibilidade e 67% de especificidade) e de fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) no líquido peritoneal acima de 15 pg/mL (100% de sensibilidade e 89% de especificidade) podem ser usados para diferenciar entre pacientes com e sem endometriose.

se o casal quer ou não engravidar. Se o casal não quer engravidar, mantém-se a paciente com anticoncepcional oral combinado contínuo ou agente progestacional. Caso o casal opte pela gestação, deve-se aconselha-lo a fazê-lo o mais rapidamente possível, na medida em que a taxa de recidiva da doença é alta.

Da dor Como se trata de doença estrogenio-dependente, o tratamento ideal baseia-se na suspensão da atividade ovariana, que pode ser obtida com o uso de agentes hormonais, em especial aqueles à base de progesterona (Tabela 9.3). As drogas disponíveis e estudadas até o presente têm eficácia semelhante com diferentes perfis de efeitos adversos e custos. Os anti-inflamatórios e analgésicos são apenas sintomáticos e coadjuvantes no tratamento. Tratamento clínico da endometriose*

Endometriose: diagnóstico

Medicamento

Via

Dose

Frequência

Progestogênios

Clínico

Exames complementares

Cirúrgico

Marcadores/imagem

Acetato de medroxi-progesterona

VO

30 mg

Diária

Acetato de medroxi-progesterona (depot)

IM

150 mg

Cada 3 meses

Antiprogestogênios Gestrinona

Figura 9.4 Diagnóstico da endometriose. Danazol

Tratamento

VO

1,25 ou 2,5 mg

2 vezes/ semana

VO

400 (2 x 200 mg)

Diária

Agonista do GnRH Leuprolide

SC

l mg

Diária

IM

3,75 mg

Mensal

Goserelina

SC

3,6 mg

Mensal

Buserelina

IN

3 x 300 mg

Diária

Nafarelina

IN

2 x 200 mg

Diária

Triptorelina

IM

3,75 mg

Mensal

O tratamento da endometriose pode ser clínico, cirúrgico ou envolver a combinação de ambos. Independentemente da modalidade terapêutica escolhida, o objetivo principal é o alívio da dor, a obtenção de gravidez e a prevenção de recorrências. Embora haja inúmeros estudos na literatura, os achados são contraditórios e inconclusivos. A melhor abordagem terapêutica para a endometriose ainda não foi estabelecida.

Tabela 9.3 VO: via oral; SC: subcutânea; IM: intramuscular; IN: intranasal. *Duração habitual: seis meses.

Atualmente prefere-se apenas tratamento clínico às mulheres que não apresentam infertilidade, que não possuem obstruções e que respondem bem a estas medidas. Para as demais, o tratamento considerado de escolha é o combinado: clínico e cirúrgico. A opção mais usada, nestes casos, é uso de agonistas do GnRH por três a seis meses seguidos de laparoscopia. O agonista do GnRH, além de atrofiar os focos de endometriose, deixa as aderências pélvicas mais frouxas. Na sequência, por laparoscopia, retiram-se todos os focos visíveis da doença, além de se praticar a lise de aderências. No pós-operatório a conduta depende

O danazol é agente androgênico que induz amenorreia pela supressão do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, além de aumentar os níveis séricos dos androgênios e reduzir os de estrogênios. Embora a eficácia do danazol no alívio da dor em pacientes com endometriose tenha sido demonstrada por inúmeros estudos, o seu uso é limitado pelos efeitos colaterais androgênicos (edema, ganho de peso, acne, oleosidade da pele e hirsutismo). Além disso, é contraindicado em pacientes com doença hepática ou dislipidemia.

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Ginecologia | volume 1 Os agentes progestacionais vêm sendo usados no tratamento da endometriose há vários anos. Esses compostos induzem decidualização endometrial, além de inibir a ovulação e produzir amenorreia. Os progestogênios mais usados no tratamento da endometriose são o acetato de medroxiprogesterona (MPA) por via oral (20 mg-100 mg/dia) ou parenteral (150 mg IM trimestral). Outros progestogênios utilizados no tratamento da endometriose incluem o acetato de noretindrona (5 mg - 20 mg/dia), o acetato de megestrol (40 mg/ dia), o desogestrel (75 mcg/dia) e, mais recentemente, dienogeste (2mg/dia). Os efeitos colaterais incluem ganho de peso, retenção hídrica, mastalgia, sangramento genital e depressão. Os anticoncepcionais orais combinados (ACO) usados de maneira contínua ou cíclica constituem outra opção no tratamento da endometriose. O uso ininterrupto do ACO induz amenorreia e decidualização endometrial, além de mimetizar o ambiente hormonal gravídico (“pseudogravidez”) e induzir apoptose do endométrio ectópico dessas pacientes. Os análogos do GnRH são, na atualidade, os medicamentos de escolha para o tratamento clínico da endometriose. Esses agentes induzem um estado hipoestrogênico devido à dessensibilização dos receptores hipotalâmicos e hipofisários com consequente redução da secreção das gonadotrofinas. Assim, observa-se supressão da ovulação e, por conseguinte, da secreção estrogênica. A falta de estrogênio terá efeitos, também, diretamente sobre as células endometriais ectópicas promovendo a apoptose. São inúmeras as formulações disponíveis, com várias formas de administração, intramuscular, subcutânea e nasal. Podem ser aplicados diariamente (spray nasal), mensalmente ou trimestralmente (IM/SC), por não mais de seis meses. Como efeito colateral, temos sinais e sintomas semelhantes aos encontrados no climatério, fogachos, alterações psíquicas, diminuição da libido e do trofismo vaginal e, principalmente, diminuição de massa óssea. Podemos, pela adição de pequenas doses de compostos com ação estrogênica, diminuir esses efeitos colaterais, bem como inibir a perda de massa óssea, sem prejudicar o efeito da medicação sobre a doença; para tanto, prescrevemos estrogênios equinos conjugados 0,3 mg a 0,625 mg por dia, ou tibolona 2,5 mg/dia. Pelo fato de poderem ser usados por apenas seis meses acabam sendo preferíveis no final da vida menstrual, ou como adjuvantes em terapia cirúrgica. Opções menos usadas são os inibidores da enzima aromatase. Os implantes de endometriose contêm a enzima aromatase P450, possuindo então a capacidade de converter precursores estrogênicos, androstenediona e testosterona, em estradiol e

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estrona: independem, portanto, dos esteroides ovarianos para sobreviver. O anastrozol (1 mg/dia) e o letrozol (2,5 mg/dia) podem ser associados aos análogos do GnRH, também por seis meses, visando elevar o índice de sucesso com o tratamento clínico. O sistema intrauterino de levonorgestrel (SIU-LNG-Mirena®) parece produzir alívio da dor em pacientes com endometriose comparável ao obtido com os análogos do GnRH. O SIU-LNG é uma opção para mulheres com endometriose e dor pélvica que não desejam engravidar pelo melhor custo-benefício, além de não causar hipoestrogenismo e apresentar efeito a longo prazo. A Tabela 9.4 apresenta as recomendações baseadas em evidências da Sociedade Europeia de Embriologia e Reprodução Humana (ESHRE) para o tratamento da dor pélvica crônica na endometriose. Tratamento da DPC na endometriose (ESHRE, 2005) Uso de A1NE pode ser eficaz no tratamento da dor na endometriose (grau A, nível la). Supressão da função ovariana por 6 meses melhora a dor. As drogas investigadas (GnRH, ACO, danazol, gestrinona e AMP são igualmente eficazes, mas o perfil de efeitos adversos e custos são diferentes) (grau A, nível la) SIU-LNG parece ser eficaz no tratamento da dor na endometriose, mas as evidências até o momento não são suficientes para serem feitas recomendações Dependendo da gravidade da doença, o ideal é diagnosticar e remover os implantes identificados no mesmo tempo cirúrgico (GPP) Não há evidências de que a LUNA seja necessária, pois não influencia ocorrência de dor associada à endometriose; remoção da doença infiltrativa pode reduzir dor (GPP) As evidências não sugerem benefício do tratamento hormonal pré-operatório Uso pós-operatório de GnRH ou danazol, associado à redução de dor, retarda recorrência quando comparado ao placebo (grau A, nível la)

Tabela 9.4 DPC: dor pélvica crônica; AINE: analgésico anti-inflamatório não esteroide; LUNA: neurectomia pré-sacral; GPP: recomendação de boa prática clínica; SIU-LNG: sistema intrauterino de liberação de levonorgestrel.

Da infertilidade O tratamento da infertilidade em pacientes com endometriose é controverso. Em mulheres inférteis, a prevalência de endometriose varia entre 20% a 50%, mas o modo pelo qual a endometriose produz infertilidade, exceto na presença de distorção da anatomia pélvica, ainda não foi elucidado. Acredita-se que diversos mecanismos estejam envolvidos, resultando em disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, redução da qualidade ovular e embrionária e, consequentemente, das taxas de implantação e gravidez. Dessa forma, a opção de terapêutica

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9 Endometriose dependerá de fatores individuais, como idade da paciente, tempo de infertilidade e presença de outros fatores de infertilidade.

Opções terapêuticas

Tratamento cirúrgico;

Técnicas de reprodução assistida (TRA);

Inseminação intrauterina (IIU);

Fertilização in vitro (FIV).

Injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI).

Custos;

Risco-benefício.

A Tabela 9.5 apresenta as recomendações baseadas em evidências da Sociedade Europeia de Embriologia e Reprodução Humana (ESHRE) para o tratamento da infertilidade na endometriose. Tratamento da infertilidade na endometriose

O tratamento clínico não deve ser utilizado na infertilidade, uma vez que as medicações disponíveis não aumentam a fertilidade e impossibilitam a concepção durante o tratamento. A literatura é controversa quanto aos benefícios do tratamento cirúrgico da infertilidade. É importante ressaltar que a cirurgia deve ter o compromisso de promover a fertilidade e não comprometê-la ou agravá-la. Dessa forma, deve-se ter cuidado especial com os ovários, evitando-se cirurgias repetidas que podem comprometer a reserva folicular, além de prevenir ou minimizar aderências. As condutas operatórias devem ser individualizadas, ponderando-se sobre a idade e adequando-as a recursos exequíveis. O uso pré ou pós-operatório do tratamento medicamentoso não traz quaisquer benefícios para o tratamento da infertilidade em pacientes assintomáticas. O uso de indução da ovulação e IIU deve levar em consideração:

A supressão da ovulação não deve ser oferecida para o tratamento da infertilidade (grau A, nível la) A ablação das lesões associada à adesiólise em pacientes com endometriose mínima/leve é eficaz quando comparada à videolaparoscopia diagnóstica (grau A, nível la) Não há estudos randomizados controlados disponíveis estabelecendo o valor do tratamento cirúrgico da infertilidade na endometriose moderada/severa (grau B, nível 3) Uso de danazol ou GnRH após a cirurgia não melhora a fertilidade (grau A, nível 1b) A IIU com indução da ovulação é um tratamento eficaz para os casos de infertilidade e endometriose mínima/leve (grau A, nível 1a) A FIV é tratamento adequado para os casos de distorção da anatomia pélvica e/ou falha de outros tratamentos (grau B, nível 2b)

Tabela 9.5

Endometriose de cicatriz cirúrgica O tratamento é exclusivamente cirúrgico e consiste na remoção, com margem de segurança, de todo o tecido endometrial.

Idade da paciente (reserva ovariana);

Presença de anatomia pélvica normal;

Endometrioma de ovário

Ausência de fator masculino grave.

A manifestação ovariana da endometriose ocorre, às vezes, pelo desenvolvimento de tumor denominado endometrioma. A imagem ultrassonográfica é típica e visibiliza-se cisto hipoecogênico com partículas em suspensão. O principal diagnóstico diferencial é o cisto de corpo lúteo hemorrágico.

O tratamento deve ser oferecido por curto período de tempo (três a seis ciclos). A FIV diminui a incidência de gravidez ectópica após endometriose, uma vez que impede que gametas e embriões se implantem num ambiente peritoneal hostil, constituindo-se uma opção em casos de distorção da anatomia pélvica ou se houver outros fatores de infertilidade associados, mas apresenta custo elevado. Aparentemente, nem o estádio da doença nem a presença de endometrioma influenciam os resultados. Em suma, a melhor opção terapêutica para mulheres inférteis com endometriose deve levar em consideração:

Idade da mulher;

Presença de outros fatores de infertilidade;

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O tratamento clássico consiste na remoção da cápsula do endometrioma, de preferência por videolaparoscopia. Em endometriomas grandes ou recidivantes, quando não há mais desejo reprodutivo, opta-se pela ooforectomia. Salienta-se que no caso de pacientes jovens, com desejo de engravidar no futuro, é possível tentar-se a gestação, por algum tempo, sem a remoção do endometrioma, mas, optando-se pela cirurgia, deve-se manusear o ovário da forma mais criteriosa possível e usar o mínimo necessário de corrente elétrica para evitar dano ao parênquima sadio.

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Ginecologia | volume 1

Malignidade A transformação maligna da endometriose é evento raro; acredita-se que ocorra em 1% das pacientes com a doença. Quando ocorre, a sede mais frequente é o ovário (75% das vezes), seguido pelo septo retovaginal. O tipo histológico mais frequentes é o carcinoma endometrioide, seguido pelo de células claras. O tratamento segue os mesmos preceitos do carcinoma de ovário. Essas mulheres apresentam sempre elevados valores de IGF-1.

Prevenção da recidiva Se a mulher voltar a menstruar após a eliminação da doença peritoneal, então é provável que

ela tenha novamente refluxo menstrual transtubárico que, associado ao fator pessoal ainda desconhecido, pode levar à recidiva da endometriose. Por isso, quando não há desejo imediato de gestação, procura-se produzir amenorreia com anticoncepcionais orais combinados. O preferencial é o uso de composto de etinilestradiol 0,003 mg com levonorgestrel 0,15 mg de forma contínua; o desogestrel (75 mcg) é útil. O dispositivo intrauterino de progesterona também se apresenta como opção. Em casos de doença severa e paciente com filhos e/ou que não quer mais engravidar, pode-se indicar a histerectomia. A retossimoidectomia é opção às mulheres com acometimento do intestino.

Sintomas sugestivos de endometriose Dor

Infertilidade

Dor mínima ou perimenopausa

Dor leve

Dor de moderada a intensa

Tratamento expectante

AINEs, COCs Progestogêniosa ou ensaio terapêutico com GnRHa

Dor persistente

Dor persistente

Adolescentes > 16 anos agonista GnRH (+ terapia de acréscimo [add-back]*) ou COCs

Laparoscopia: Diagnóstico/tratamento Excisão/ablação Lise das aderências

Laparoscopia: Diagnóstico/tratamento Excisão/ablação Lise das aderências

Tratamento clínico pós-operatório Adolescentes < 16 anos COCs

CC + IIU empírica

Fertilização in vitro Superovulação + IIU

Recorrência

Adultas agonista GnRH (+ terapia de acréscimo [add-back]) Danazol, COCs Progestogênios ou inibidores da aromatase

Tratamento clínico

Cirurgia definitiva caso não se planeje mais filhos

Figura 9.5 Algoritmo para diagnóstico e tratamento de mulheres com endometriose suspeita ou comprovada. CC: citrato de clomifeno; COCs: contraceptivos orais combinados; GnRH: hormônio liberador da gonadotrofina; IIU: inseminação intrauterina; AINEs: anti-inflamatórios não esteroides. aAgente não recomendado para adolescentes com menos de 16 anos. *N. de T. Terapia add-back é aquela feita com uma pequena quantidade de progesterona ou com progesterona e estrogênio utilizada concomitantemente com os agonistas do GnRH.

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CAPÍTULO

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Doenças sexualmente transmissíveis Introdução Não restam dúvidas de que as doenças sexualmente transmissíveis (DST) têm papel importante nas queixas de homens e mulheres, nos consultórios de ginecologia, de urologia ou de clínica geral. Além disso, elas adquiriram uma importância muito grande em saúde pública no Brasil e, particularmente, no estado de São Paulo, pela sua frequência e pela sua atualidade. São, portanto, consideradas problema de saúde pública. As DSTs atualmente conhecidas, de transmissão predominantemente sexual, são: gonorreia, sífilis, cancro mole, linfogranuloma venéreo, donovanose, condiloma acuminado e herpes simples. A experiência clínica do estado de São Paulo tem revelado um aumento progressivo das infecções gonocócicas e da sífilis. Com frequência semelhante, aparece a tricomoníase. Esta, embora menos grave, tem taxa de morbidade de aproximadamente 10% das mulheres sexualmente ativas.

Gonorreia Também é conhecida como blenorragia, é doença causada pela Neisseria gonorrhoeae (gonococo), um DIPAlococo Gram-negativo intracelular com pouca resistência às alterações do meio ambiente. O gonococo tem nítida predileção pelo epitélio cilíndrico e pelo pH alcalino. Sua propagação é superficial, planimétrica e ascendente. O período de incubação varia de 3 a 7 dias, sendo mais variável em mulheres em que podem atingir 10 dias.

O risco de contágio, para a mulher, após uma única relação sexual, é de 60% a 90%, e as manifestações iniciais mais comuns são de endocervicite, acompanhada de uretrite em 70 a 90% dos casos. Os sintomas mais comuns nestes casos são: corrimento vaginal abundante e amarelo-esverdeado, disúria, sangramento intermenstrual e metrorragia. No colo uterino, é frequente a presença de secreção mucopurulenta, eritema, friabilidade e ectopia. Havendo histerectomia prévia, a uretrite isolada é a regra. O comprometimento das glândulas de Skene e de Bartholin é mais raro na ausência da endocervicite gonocócica, mas casos presentes caracterizam-se pelo aumento doloroso destas glândulas. Nos casos de sexo oral, está relacionada à faringite gonocócica, e havendo sexo anal pode ocorrer retite. O gonococo pode ainda ascender à tuba, fixando-se na mucosa tubária, onde elabora polissacarídeos, o que contribui para a destruição das células dessa mucosa, e promovem intensa reação inflamatória. Tais evidências facilitam a compreensão das sequelas da salpingite gonocócica. A dor, despertada ao toque vaginal combinado, é sintoma sugestivo de infecção ascendente. A ação patogênica do gonococo é facilitada pela presença dos pilli, que são prolongamentos proteicos que auxiliam a fixação nas células epiteliais e bloqueiam a fagocitose, e pela presença da proteína II, que intervém na adesão intergonocócica e fixação dos mesmos nas células epiteliais.


Ginecologia | volume 1

Diagnóstico

A coloração de secreção suspeita pelo método de Gram demonstra a presença de leucócitos polimorfonucleares com bactérias gram-negativas intracelulares; mostra sensibilidade de apenas 30%, não sendo indicada.

Cultura (Thayer-Martin): método ideal para o diagnóstico da cervicite gonocócica. As vantagens da cultura incluem a capacidade de isolar a bactéria em qualquer sitio genital ou extragenital e avaliar a suscetibilidade a antibióticos. Sua sensibilidade varia de 72 a 95%.

O PCR (Polymerase Chain Reaction) para diagnóstico da cervicite gonococo é considerada juntamente com a cultura como padrão-ouro, entretanto só está disponível em alguns laboratórios de referência para pesquisa. É recomendado como o método ideal pelo CDC para o diagnóstico de infecções do trato genital causadas por N. gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis.

A captura híbrida também pode ser utilizada para diagnóstico de N. gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis.

Tratatamento O tratamento de escolha para a infecção gonocócica é feito com ceftriaxone, e tem-se preferido a dose única de 250mg IM para facilitar a adesão. Outras opções terapêuticas são: 1ª opção: ciprofloxacina 500 mg VO, dose única; cefixima 400 mg via oral, dose única; ofloxacina 400 mg via oral, dose única; espectinomicina 2 g IM, dose única; azitromicina 1 g via oral, dose única; doxiciclina 100 mg, via oral, a cada 12 horas, por sete dias. As grávidas podem ser tratadas com ceftriaxone ou outras cefalosporinas, havendo ainda opção de uso de azitromicina. Pacientes infectadas com N. gonorrhoeae são frequentemente co-infectadas com C. trachomatis; de modo que na persistência de sintomas esta bactéria deve ser combatida também. Cabe lembrar que as quinolonas (ciprofloxacina, olfoxacina) não devem ser utilizadas em menores de 18 anos e em gestantes pelo risco de afetarem as epífises ósseas, e que a doxiciclina não deve ser utilizada em gestantes. Os parceiros devem ser examinados e tratados, independentemente da presença de sintomas. Pacientes portadores devem ser examinados e tratados, independentemente da presença de sintomas. Pacientes portadores de HIV devem se tratados com os mesmos esquemas acima referidos. Vale lembrar que o tratamento do parceiro é mandatório. Os parceiros sexuais devem receber tratamento para infecção pela N. gonorrhoeae até sessenta dias antes do início dos sintomas ou do diagnóstico. Conduta terapêutica na infecção gonocócica Medicamentos de escolha em regiões de alta resistência bacteriana Ceftriaxona a 250 mg, IM, dose única Ciprofloxacina a 500 mg, VO, dose única Espectinomicina a 2 g, IM, dose única Opções terapêuticas Norfloxacina a 800 mg, VO, dose única Cefotaxima a 1 g, IM, dose única Drogas utilizáveis em regiões de baixa resistência bacteriana Penicilina G procaína a 4.800.000 UI, IM, dose única (2.400.000 em cada nádega) + probenecida a 1 g, VO Cloridrato de tetraciclina a 500 mg, VO, a cada 6 horas, por 7 dias Amplicilina a 3,5 g, VO, dose única + probenecida 1 g, VO Amoxicilina a 3 g, VO, dose única + probenecida 1 g, VO Tianfenicol a 2,5 g, VO, dose única Atenção: desde 2007, as quinolonas não são mais recomendadas nos EUA para tratamento da gonorreia e condições associados.

Tabela 11.1

Seguimento e recomendações Pacientes com gonorreia não complicada, tratadas com o regime recomendado (cefalosporina), não necessitam de retorno para avaliar a cura. Porém, aquelas sintomáticas, após o tratamento, devem ser avaliadas pela cultura e testada sua suscetibilidade ao antimicrobiano.

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11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Paciente com queixa de corrimento uretral Anamnese e exame físico Bacterioscopia disponível no momento da consulta? Não

Sim Diplococos Gram-negativos intracelulares presentes Sim

Não

Tratar clamídia e gonorreia

Tratar só clamídia

Aconselhar, oferecer anti-HIV e VDRL, enfatizar a adesão ao tratamento, notificar, convocar parceiros e agendar retorno Figura 11.1 Fluxograma para casos de corrimento uretral.

Sífilis

ta a visualização e diagnóstico. Há grande quantidade de espiroquetas na lesão.

Também conhecida como Lues, a sífilis é uma DST cujo agente etiológico é a bactéria espiroqueta Treponema pallidum. Pode ser adquirida por contato sexual, circulação placentária e, mais raramente, através de transfusão sanguínea e inoculação acidental. O número mínimo de treponemas requeridos para o estabelecimento da infecção não é conhecido. A multiplicação dos organismos é muito lenta, com tempo de divisão em coelhos de, aproximadamente, 33 horas. Do mesmo modo, o crescimento lento dos treponemas em humanos talvez seja responsável, em parte, pela natureza prolongada da doença e pelo período de incubação relativamente longo.

3. Sífilis secundária: surge cerca de três a seis semanas após o desaparecimento da lesão primária e é caracterizada por lesões eritematosas e indolores nas mucosas e na pele, inclusive em região palmo-plantar. Estas são chamadas de roséolas sifilíticas e, em geral, acompanham-se de febre discreta, cefaleia, artralgias e dores musculares. Podem ocorrer ainda: lesões esbranquiçadas e vegetantes na vulva (condiloma plano), alopecia, linfadenomegalia (o aumento do linfonodo epitroclear é patognomônico). Por vezes apresentam alterações tão discretas que passam despercebidas. Em cerca de 30 dias há remissão das lesões, independentemente de terapêutica instituída. Igualmente à sífilis primária, há grande quantidade de espiroquetas nas lesões.

História natural 1. Período de incubação: em média, três semanas (de 10 a 90 dias). 2. Lesão inicial ou cancro duro (sífilis primária): lesão de bordas endurecidas (protossifiloma), geralmente única, superfície limpa e indolor, além de frequentemente estar acompanhada de adenopatia locorregional discreta; tem duração de 10 a 20 dias e desaparece sem deixar cicatriz local, com ou sem o tratamento instituído. Em mulheres, costumam se localizar no colo, ou parte interna dos lábios vulvares, o que, associado ao fato de serem indolores, dificul-

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4. Período de infecção subclínica ou sífilis latente: apenas detectada por testes sorológicos. Divide-se em sífilis latente precoce (até um ano do aparecimento do cancro duro) e latente tardia (após um ano do surgimento da lesão inicial). Cerca de 1/3 dos casos de doença latente precoce evoluem para cura. 5. Sífilis tardia ou terciária: com repercussões cardiovasculares (aneurismoa de aorta proximal), cutâneas (goma sifilítica) e neurológicas (lesão de raízes de nervos sensitivos – tabes dorsalis, entre outras).

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Ginecologia | volume 1 Já as reações treponêmicas têm alta especificidade e sensibilidade, sendo o FTA-ABS (Absorção de Anticorpos Treponêmicos Fluorescentes) a mais utilizada. Esta prova não se aplica para controle de cura uma vez que, sendo reagente, persistirá positivo por toda a vida.

Treponema pallidum (espiroqueta)

Sexual

Maternofetal

Adquirida

Congênita

Recente • primária • secundária • latente

Tardia • latente tardia • terciária

Recente

Tardia

Diagnóstico até um ano de evolução

Diagnóstico até um ano de evolução

Diagnóstico até 2º ano de vida

Diagnóstico até 2º ano de vida

Figura 11.2 Fluxograma esquemático da classificação da sífilis. cura 1/3

contato primária 10 dias

secundária

35 dias 60 dias

Latente precoce

90 dias

tardia 1 ano

3 a 20 anos - terciária (goma / aneurisma / SNC) Figura 11.3 História natural da sífilis.

Diagnóstico O diagnóstico baseia-se no quadro clínico e é confirmado pelo exame direto (método de eleição nos casos de lesões primárias) e das sorologias, que podem ser treponêmicas ou lipídicas (não treponêmicas). Na fase primária da doença, a visualização do protossifiloma (cancro duro), embora seja difícil, trará a hipótese diagnóstica. A confirmação pode ser feita por exame microscópico em campo escuro do material obtido da profundidade da lesão, que mostrará os espiroquetas, presentes em grande quantidade. Essa forma de diagnóstico não será possível em fases latentes ou doença terciária. Os testes sorológicos nesta fase, em geral, são negativos. As sorologias serão realizadas a partir de lesões secundárias. Entre elas há os testes treponêmicos e não treponêmicos. Entre estes últimos destaca-se a reação VDRL (Veneral Diseases Research Laboratory). Esta se torna positiva 14 dias após o surgimento do cancro sifilítico, tem alta sensibilidade e baixa especificidade, tornando-se negativa ou com títulos baixos (cicatriz sorológica) um ano após a cura da doença, de modo que pode servir de controle para essa cura (através da titulação).

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Para pacientes sem evidências históricas ou clínicas de sífilis, mas com resultado de FTA-Abs reativo, o teste deve ser repetido. O uso de outro teste treponêmico, como o TP-PA (micro-hemaglutinação), pode ser útil em casos problemáticos. O teste TP-PA é menos sensível do que os testes VDRL ou o FTA-ABS na sífilis inicial. Sua sensibilidade e especificidade são, sob os demais aspectos, aproximadamente idênticas às do teste FTA-Abs. Os imunoensaios ligados a enzima (EIAs) para detecção de anticorpos antitreponêmicos usam antígenos de T. pallidum clonados, gerados a partir de sistemas de expressão bacterianos. Os testes sorológicos EIA permitem a triagem de grande número de soros e têm características de desempenho (sensibilidade, especificidade e valores preditivos) semelhantes àquelas de outros testes treponêmicos. As pessoas com diagnóstico de sífilis por EIAs, como em outros testes de antígenos treponêmicos, devem ser avaliadas com testes não treponêmicos quantitativos, como o VDRL, para confirmar e validar a resposta subsequente à terapia, já que aqueles permanecem positivos mesmo após o tratamento eficaz. Para identificação da neurossífilis, analisa-se o líquido cefalorraquidiano. Classicamente, há aumento de proteínas totais, pleiocitose e VDRL positivo. Essa conduta deve ser realizada em todas as pacientes com história de sífilis com mais de 1 ano de evolução ou nas soropositivas, como veremos a seguir.

Sífilis e HIV Estas pacientes podem ter resultados de testes sorológicos anormais (títulos anormalmente altos ou baixos, falsos negativos ou atraso na sororreatividade). Entretanto, geralmente, os testes sorológicos podem ser interpretados da forma usual. Se os achados clínicos sugerem sífilis, mas a sorologia não é reativa ou a interpretação não é muito clara, pode-se usar testes alternativos como a biópsia da lesão, a microscopia de campo escuro ou a pesquisa direta de anticorpos fluorescentes, obtida do material da lesão. O quadro clínico da sífilis é muito variável em todos os estágios nessas pacientes. Pode-se desenvolver neurossífilis mais precoce e facilmente. Para essas pacientes sempre será indicada a punção lombar para que se possa definir a extensão da doença e o esquema terapêutico mais apropriado.

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11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Lesão rosada ou ulcerada Única Endurecida Fundo liso Brilhante

Cancro duro

Acompanhada de adenopatia regional Não supurativa Móvel Indolor Múltipla Sem sinais flogísticos

Duração da lesão: 10 a 20 dias colo uterino / vulva / períneo

Figura 11.4 Fluxograma esquemático do quadro clínico da sífilis primária. Positividade dos testes quanto à época do diagnóstico Sífilis

Campo escuro positivo

VDRL reativo (%)

FTA-Abs reativo (%)

80 30 50

60 (até 1:16) 70 100

85 100 100

Fase latente

-

100

100

Fase tardia

-

60

100

Recente não tratada (< 5 dias de evolução) Recente não tratada (> 15 dias de evolução) Secundária não tratada Tardia não tratada

Tabela 11.2

Tratamento A penicilina é o antibiótico de eleição para o tratamento da sífilis. Sua posologia e via de administração variam conforme a fase da doença. Alternativas terapêuticas, embora menos eficazes, são eritromicina e doxiciclina, que devem ser utilizadas somente em casos de exceção. É importante ressaltar que, com o tratamento, pode ocorrer a reação de Jarisch-Herxheimer, caracterizada pela ocorrência de febre acompanhada de cefaleia, mialgia e outros sintomas gerais que incidem, normalmente, nas primeiras 24 horas após o inicio do tratamento. É mais frequente nas fases precoces e decorre da liberação maciça de endotoxinas pela destruição das espiroquetas. As pacientes devem ser avisadas sobre a possibilidade da reação e orientadas a utilizar antipiréticos, a fim de não confundirem os efeitos com reação alérgica penicilina e interromperem o tratamento. Antibiótico

Dose

Duração do tratamento

A. Sífilis primária, secundária e latente recente Penicilina benzatina

2,4 milhões de UI, IM

Dose única

Doxiciclina

100 mg, a cada 12 h

15 dias

500 mg, a cada 6 h

15 dias

Tetraciclina

B. Sífilis latente tardia Penicilina benzatina

2,4 milhões de UI/ semana, IM

3 semanas

Dioxiclina

100 mg, a cada 12 h

30 dias

Tetraciclina

500 mg, a cada 6 h

30 dias

C. Neurossífilis Penicilina Cristalina

12 a 14 milhões de UI/dia, EV

14 dias

Dioxiclina

200 mg, a cada 12 h

30 dias

Tetraciclina

500 mg, a cada 6 h

30 dias

Tabela 11.3 Tratamento de sífilis.

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Ginecologia | volume 1

Seguimento

Diagnóstico laboratorial

Após o tratamento da sífilis, recomenda-se o seguimento sorológico quantitativo de três em três meses, durante o primeiro ano e, se ainda houver reatividade em titulações decrescentes, deve-se manter o acompanhamento de seis em seis meses. Elevação de duas diluições acima do último título do VDRL justifica novo tratamento, mesmo na ausência de sintomas (20% a 30% dos pacientes experimentam recorrências). As mulheres com história comprovada de alergia à penicilina devem ser dessensibilizadas. Na impossibilidade, deve ser administrado o estearato de eritromicina (2 gramas diários, durante duas semanas na sífilis recente, prolongando para três semanas na latente ou tardia). Caso a gestante tenha sido tratada com eritromicina não se deve considerar o feto tratado em decorrência do reduzido potencial de transferência placentária da droga.

Cancro mole O cancro mole ou lesão cancroide é uma DST causada pela bactéria Haemophylus ducreyi. Tem período de incubação curto (três a sete dias), é altamente contagioso e caracteriza-se por lesões ulcerosas e autoinoculáveis, que se acompanham de linfadenite. Promiscuidade e precárias condições de higiene são fatores importantes na prevalência desta infecção. A penetração do agente na epiderme ocorre na região do trauma, com solução de continuidade local. A lesão cancroide é iniciada por uma pápula, circundada por halo eritematoso. Entre 24 e 48 horas após seu surgimento a pápula adquire aspecto de pústula, com posterior erosão e ulceração. A úlcera formada é geralmente rasa, com bordas bem delimitadas, dolorosa (diferentemente do cancro duro), possuindo uma base purulenta e friável. Outra diferença em relação ao cancro duro reside no fato de que este é único, enquanto no cancroide, em geral, as lesões são múltiplas devido à característica de serem autoinoculáveis (tanto que podem se apresentar em espelho). São localizadas nos grandes lábios, na fúrcula vaginal e no clitóris. A adenopatia inguinal com características inflamatórias ocorre em 30% a 50% das pacientes, sendo em geral unilateral e do lado homólogo à úlcera inicial. Lábios genitais Fúrcula

Pode surgir enfartamento ganglionar (bubão unilateral)

Úlceras

Supurar / fistulizar

Exame direto das lesões: a coloração pelo Gram ou Giemsa da secreção da lesão evidencia cocobacilos curtos, gram-negativos, com disposição em “cardume de peixe”, em “impressão digital”, em paliçada ou mesmo em cadeias idsoladas. O material para análise deve ser coletado das bordas da lesão, evitando-se o pus superficial. Pode também ser feito esfregaço de secreção obtida pela aspiração dos linfonodos comprometidos.

A cultura é de difícil execução, com sensibilidade menor que 80%, e deve ser semeada imediatamente após coleta.

PCR multiplex (M-PCR): é o exame de maior sensibilidade e especificidade, porém não comercialmente disponível.

A biópsia não é recomendada, pois não confirma a doença.

Tratamento As medidas de higiene local, como utilização de permanganato de potássio 1:10.000 ou água boricada 2% são aconselhadas em todos os casos, seguidas de antibióticos sistêmicos.

Os esquemas terapêuticos são:

Eritromicina 500 mg, a cada 4 horas, via oral, por sete dias.

Ceftriaxone 250 mg, via intramuscular, em dose única.

Sulfametoxazol/trimetoprim 800/160 mg, a cada 12 horas, via oral, por sete dias.

Tianfenicol granulado, dois envelopes de 2,5 g, diluídos em meio copo de água, via oral, durante sete dias.

Nos casos de sucesso terapêutico, ocorre cicatrização da lesão cancroide sete dias após o início do tratamento.

Gestantes Múltiplas Dolorosas Bordas irregulares Eritematoedematosas Fundo sujo Sangra fácil

Único orifício

Figura 11.5 Fluxograma esquemático do quadro clínico do cancro mole.

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Aparentemente, o cancro mole não representa uma ameaça para o feto ou neonato. Nas mulheres grávidas, os analgésicos sistêmicos estão liberados, tanto para o controle da dor espontânea como aquela provocada pelas manobras de higienização. Os analgésicos como DIPAirona e acetaminofeno geralmente são suficientes controlar o processo doloroso.

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11 Doenças Sexualmente Transmissíveis O antibiótico de escolha para tratar a doença é o ceftriaxone (250 mg, via intramuscular, dose única), tendo como alternativa o estearato de eritromicina (2 g/dia, via oral, por sete dias).

pecialistas sugerem a eritromicina (2 g/dia, via oral, por sete dias) como droga de escolha para tratar as pacientes infectadas pelo HIV.

Vantagens objetivas em termos de adesão são obtidas com o uso dos esquemas terapêuticos de dose única.

Seguimento

Mulheres infectadas pelo HIV Podem necessitar de maior tempo de tratamento em relação às HlV-negativo e a falha do tratamento pode ocorrer com qualquer regime terapêutico. Os dados quanto à eficácia terapêutica, com a terapia em dose única (ceftriaxona e azitromicina) são limitados, mas este regime terapêutico pode ser usado se a paciente for acompanhada. Alguns es-

As pacientes devem ser reavaliadas três a sete dias após iniciarem a terapia. Se o tratamento é eficaz, dentro de três dias a úlcera melhora sintomaticamente e, objetivamente, dentro de sete dias. Se a melhora clínica não é evidente, o médico deve considerar se: o diagnóstico está correto, a paciente está coinfectada com outra DST, a paciente está infectada pelo HIV, o tratamento não foi feito corretamente pela paciente, e o H. Ducreyi é resistente à medicação prescrita (tem-se registrado resistência à ciprofloxacina e eritromicina). O parceiro sexual deve ser examinado e tratado, independentemente de ter ou não sintomas.

Principais diferenças entre cancro duro e cancro mole Cancro duro Período de incubação - 21 a 30 dias Lesão única Erosão ou ulveração Base dura (infiltrando linfoplasmocitário) Fundo limpo, eritematoso, seroso Bordas planas Adenopatia bilateral, não inflamatória, indolor, múltipla, não fistulizante, ocorrendo em quase 100% dos casos

Cancro mole Período de incubação - 2 a 5 dias Lesões múltiplas Ulceração Base mole (reação purulenta) Fundo sujo, purulento, anfractuoso Bordas escavadas Adenopatia unilateral, inflamatória, dolorosa, única, fistulizante por orifício, em 30% a 60% dos casos

Tabela 11.4 Diferenças entre cancro duro e cancro mole.

Linfogranuloma venéreo É uma DST que acomete preferencialmente o sistema retículo-histiocitário, em particular os linfonodos inguinais e ilíacos, ocasionada pela bactéria Chlamydia trachomatis sorotipos L1, L2 e L3. A lesão inicial pode não chamar muito a atenção por ser uma pápula, uma vesícula ou uma ulceração indolor na fúrcula vaginal e que não alerta a paciente para procurar um médico. Também é conhecida como doença de Nicolas-Favre ou Bubão climático. O período de incubação é muito variável, oscilando entre uma e oito semanas. A primeira suspeita pode ser com o surgimento da linfadenopatia inguinal, uma vez que, como dito, a lesão na fúrcula vaginal é indolor e, em geral, passa desapercebida. A linfadenopatia é acompanhada de febre e cefaleia. Ela, quando se apresenta amolecida à palpação, tende à supuração; já quando endurecida, tende à necrose (semelhante à linfonodo metastático de neoplasia maligna). Havendo a supuração, podem surgir, nos linfonodos, trajetos fistulosos para a pele, que costumam deixar cicatriz retrátil com a resolu-

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ção. A fase de fistulização é alcançada em duas a quatro semanas após o surgimento da lesão inicial. A fistulizacão é capaz de se cronificar, permanecendo durante meses e anos. Há cicatrização de algumas fístulas pelo organismo, mas novas são formadas de modo que, com o tempo, surgem verdadeiras fibroses em couraça sem nenhum ponto de clivagem, tornando-se impossível qualquer ressecção cirúrgica. Pode haver também a formação de úlceras crônicas na fúrcula com fundo granulomatoso, que sangra facilmente, mas é indolor. Essas são conhecidas como síndrome de Clémont-Simon. A este quadro vulvar podem somar-se lesões vegetativas tipo verrucosas, que envolvem o períneo, a região perianal e o reto, com muitas ulcerações, abscessos e fístulas perineais. A cicatrização perianal pode retrair o ânus a causar incontinência fecal. Com o acometimento linfonodal fica comprometida a drenagem linfática e consequentemente há edema duro progressivo na vulva, que pode ulcerar. A esse quadro dá-se o nome de elefantíase vulvar ou estiômeno vulvar de Huguier.

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Sinais e sintomas: são de três tipos, dependendo da fase da doença

1ª fase:

lesão de inoculação, presença de úlcera indolor, pápula ou pústula no pênis ou na parede vaginal. Frequentemente não é notada pelo paciente e raramente é vista pelo médico.

2ª fase: disseminação linfática, aparecimento de linfadenopatia inguinal que se desenvolve uma a seis semanas após a lesão inicial. Geralmente unilateral e que se constitui no principal motivo de consulta. O comprometimento ganglionar evolui para supuração e fistulização múltipla. 3ª fase: sequelas, devido à obstrução linfática crônica, pode haver elefantíase genital. Tabela 11.5

Diagnóstico laboratorial O diagnóstico clínico não é fácil, pois se assemelha às outras DSTs, e sua confirmação é obtida com o isolamento da Clamídia no aspirado dos linfonodos, através de cultura em meio de Mc Coy. O processo é dispendioso e demorado (cinco dias). O teste de reação intradérmica imunológica de Frei é um auxiliar diagnóstico e consiste na inoculação de antígenos na pele, sendo positivo se houver surgimento de halo eritematoso de mais de 5 mm 48 horas pós-inoculação. Antígenos bacterianos podem ser detectados por imunofluorescência direta, utilizando-se anticorpos monoclonais fluorescentes. Nos casos positivos por este método, os corpúsculos elementares podem ser identificados no material obtido do bubão. Os testes sorológicos, como fixação do complemento ou Elisa, tornam-se positivos após quatro semanas da infecção, sendo sugestivos de infecção atual títulos superiores a 1:64. No entanto, essas provas apresentam-se positivas em casos de uretrite, cervicite, conjuntivite e psitacose (causadas por outros subtipos de clamídia). Apesar do alto custo operacional, a técnica mais precisa no diagnóstico é por meio da amplificação do DNA com reação em cadeia da polimerase (PCR).

Tratamento Para tratamento desta moléstia, recomenda-se a administração de:

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Doxiciclina a 100 mg, a cada 12 horas, por 21 dias;

Eritromicina a 500 mg, a cada 6 horas, por 21 dias;

Tetraciclina a 500 mg, a cada 6 horas, por 21 dias.

O uso de azitromicina 1 g/semana durante 3 semanas é alternativa terapêutica eficaz.

Está contraindicada a drenagem do bubão com bisturi. No entanto, pode ser aspirado com agulha grossa, nos casos em que a descompressão for imperativa. Na gravidez e lactação a mulher deve ser tratada com estearato de eritromicina 500 mg VO 6/6 horas, por sete dias. O tianfenicol também pode ser utilizado (1,5 g/dia via oral por três semanas), restringindo-se aos trimestres finais da gestação.

Seguimento As pacientes devem ser seguidas clinicamente até o desaparecimento dos sinais e sintomas. Os parceiros sexuais devem ser examinados e tratados se tiver havido contato sexual com a paciente nos trinta dias anteriores ao início dos sintomas.

Donovanose Também chamada de granuloma inguinal, é uma infecção granulomatosa crônica, causada pela bactéria gram-negativa Calymmatobacterium granulomatis, também conhecida como Donovania granulomatis. Seu período de incubação é muito difícil de ser determinado, variando de uma semana a seis meses. A inoculação se dá em pequenas soluções de continuidade da pele ou mucosa resultante do traumatismo pelo coito.

Diagnóstico clínico Após o referido período de incubação variável, surge lesão nodular subcutânea única ou múltipla, cuja erosão forma ulcerações com base granulosa de aspecto vermelho vivo e sangramento fácil, com bordas planas ou hipertróficas. Não ocorre adenite. As lesões são mais frequentes nas dobras das regiões genitais e perigenitais. São descritas ainda lesões extragenitais e sistêmicas. As úlceras tendem a se unir formando uma única e grande lesão avermelhada (lesão em “bife vermelho”). Calymmatobacterium granulomatis

Regiões de dobras e perianal

Úlcera plana ou hipertrófica Delimitada Granulosa Indolor Vermelho-vivo e sangra fácil

Úlcera evolui lenta e progressivamente, podendo se tornar ulcerovegetante

Deforma a genitália

Figura 11.6 Fluxograma esquemático do quadro clínico da donovanose.

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11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Diagnóstico laboratorial A identificação dos corpúsculos de Donovan pode ser obtida no material colhido por biópsia da borda da lesão, em estudo histológico corado pelos métodos de Giemsa, Leishman ou Wright. Os corpúsculos podem ser identificados também em esfregaços citológicos de fragmentos da lesão corados por Giemsa. O diagnóstico é, então, suspeitado pela história clínica, sendo confirmado pela demonstração dos corpos de Donovan no raspado das úlceras ou nos fragmentos das lesões. A biópsia é aconselhável para se afastar malignidade.

Tratamento A Donovania é sensível a um grande espectro de antibióticos e quimioterápicos. Preconiza-se a administração de doxiclina a 100 mg, a cada 12 horas ou a associação de sulfametaxazol-trimetoprim (160/800 mg), a cada 12 horas, ou azitromicina a 1 g/semana. Essas medicações devem ser prescritas até 3 semanas após o desaparecimento das lesões; de modo que se torna necessário acompanhar, semanalmente, a melhora da paciente. A ressecção cirúrgica, cauterização com eletrocautério ou com laser deve ser considerada nos casos de lesões muito extensas que não regridem com o tratamento clínico.

Seguimento As pacientes devem ser seguidas clinicamente até a resolução dos sinais e sintomas. Os parceiros que tiveram contato sexual dentro de sessenta dias antes do início do aparecimento dos sintomas devem ser examinados e tratados. Entretanto, devido à baixa infectividade, o valor da terapia na ausência de sinais e sintomas não está bem estabelecido.

Herpes simples A infecção herpética é causada pelo herpes-vírus simples tipo I e tipo II. A transmissão pode ocorrer quando o vírus, abrigado em uma lesão ou secreção, ganha entrada em um novo hospedeiro, através das membranas mucosas ou microtraumas e lesões da pele. O Herpes Simples Vírus (HSV) tipo I ou tipo II pode produzir infecção oral ou genital, e após o surgimento da primoinfecção, pode tornar-se recidivante. Uma vez adquiridos, os vírus das células epiteliais infectadas dirigem-se pelos nervos para gânglios sensoriais, onde permanecem quiescentes.

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Embora não se saiba por qual estímulo, eventualmente ocorrerá a replicação dos vírus albergados, que seguem o caminho dos nervos para o local da infecção inicial, promovendo infecções recorrentes. Não há cura. Após um período de incubação de 1 a 26 dias (em média sete dias), sinais clínicos da infecção primária são usualmente evidentes e podem persistir por vários dias. Há dor local exacerbada, além de lesões vesiculares no início, e que passam à úlceras pequenas com bordas irregulares e centro sujo. As lesões podem coalescer, formando bolhas que resultam em ulcerações maiores. A formação de novas lesões leva cinco dias, a dor, dez dias, e a cura, cerca de dezesseis dias. A infecção herpética genital primária pode ser acompanhada por sintomas gerais, tais como cefaleia, febre, meningite, encefalite, mialgia, retenção urinária e disúria, que podem inclusive preceder os sintomas locais. As recidivas apresentam a mesma sintomatologia, porém de forma mais leve.

Diagnóstico O diagnóstico baseia-se na anamnese, no exame físico e nos achados laboratoriais. O material deve ser coletado das lesões suspeitas, rompendo-se as vesículas, raspando-se o assoalho desta e preparando-se o esfregaço, que será corado pelo método de Giemsa, Leishman, Wrigh ou Papanicolaou. Na histologia, observam-se os corpúsculos de inclusão intranucleares em células isoladas. A cultura é o método diagnóstico mais específico e sensível, permitindo realizar a tipagem do vírus e obter informações sobre prognóstico e recorrência. Outra técnica é a citologia vaginal com a coloração de Tzanck, cujo encontro de inclusões nucleares virais em células gigantes multinucleadas sugere a herpes. Apesar da simplicidade de execução desse método, sua sensibilidade é de apenas 40%. A sorologia pode ser útil no diagnóstico da infecção primária, mas tem pouco valor nas recorrências. Estima-se que aproximadamente 90% da população tenha anticorpos IgG para o HSV-1 e 22%, para o HSV–2. A transmissão do vírus herpes simplex tipo II (HSV II) ocorre por um derrame viral na pele ou em membrana das mucosas acometidas. A seguir os anticorpos neutralizantes são produzidos no início da infecção e persistem, mas não previnem recidivas da fase ativa da doença. Dessa forma, a transmissão do vírus (HSV II) é mais comum entre parceiros assintomáticos que eliminam vírus, do que entre parceiros com lesões ativas.

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Tratamento O tratamento inclui a redução da severidade e/ou o encurtamento do curso da infecção primária, redução da frequência e/ou severidade das recorrências e prevenção das mesmas na presença do vírus latente estabelecido.

Medicamentos utilizados:

Aciclovir oral, que atua diminuindo a infectividade e o aparecimento de novas lesões, na dose de 200 mg, a cada 4 horas, durante dez dias.

Aciclovir tópico, creme a 5%, cinco vezes ao dia.

Interferon-alfa, que impede a instalação viral.

Atualmente, dispõe-se de novos agentes antivirais, que diminuem a frequência das tomadas diárias e oferecem melhor comodidade posológica à paciente. Assim, utilizam-se:

Drogas, posologia e duração do tratamento na infecção primária da herpes Droga

Posologia

Duração do tratamento

Aciclovir

400 mg, 3 vezes/dia

7 a 10 dias

Famciclovir

250 mg, 3 vezes/dia

7 a 10 dias

Valaciclovir

1 g, 2 vezes/dia

7 a 10 dias

Aciclovir

400 mg, 3 vezes/dia

5 dias

Famciclovir

150 mg, 2 vezes/dia

5 dias

Valaciclovir

500 mg, 2 vezes/dia

3 a 5 dias

Drogas e posologia na herpes genital recorrente Droga

Posologia

Aciclovir

400 mg, 2 vezes/dia

Famciclovir

250 mg, 2 vezes/dia

Valaciclovir

500 mg a 1 g, 1 vez/dia

Tabela 11.6 Paciente com queixa de úlcera genital Anamnese e exame físico História ou evidência de lesões vesiculosas? Sim

Tratar herpes genital

Não

Tratar sífilis e cancro mole

Aconselhar/solicitar anti-HIV e VDRL, enfatizar adesão ao tratamento, notificar, convocar parceiros e agendar retorno

Lesões com mais de 4 semanas?

Não

Sim

Tratar sífilis e cancro mole Fazer biópsia, iniciar tratamento para donovanose

Figura 11.7 Fluxograma de conduta em úlcera genital.

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11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Figura 11.8 Infecção gonocócica cervical.

Figura 11.9 Bartolinite gonocócica.

Figura 11.10 Bartolinite gonocócica.

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Figura 11.11 Cancro duro.

Figura 11.12 Roséola sifilítica.

Figura 11.13 Cancro mole.

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Figura 11.14 Donovanose.

Figura 11.15 Linfogranuloma venéreo.

Abordagem síndromadas úlceras genitais Para facilitar a abordagem diagnóstica e terapêutica das úlceras genitais em locais que não dispõem de muitos recursos complementares ou mesmo de especialistas, o Ministério da Saúde, em seu manual de DST, cria uma abordagem síndrome de úlceras genitais: Por esta, diante da visualização de úlcera, deve-se perguntar se há histórico de lesões vesiculares, ou observar se há evidência clínica de sua presença. Sendo a resposta positiva deve-se tratar como herpes genital. Na negativa da questão acima deve-se tratar sífilis e cancro mole e, estando presente a úlcera há mais de 4 semanas, ainda é preciso biopsiá-la e tratar donovanose. Não obstante, é preciso convocar o parceiro, notificar a doença, colher sorologias para HIV, Hepatites B e C e oferecer vacina para Hepatite B, caso a paciente não seja imunizada.

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