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CAPÍTULO

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Má rotação intestinal

Introdução É a rotação incompleta ou anormal do trato gastrointestinal e seu mesentério em torno da artéria mesentérica superior. É uma das poucas doenças neonatais que pode se apresentar sob a forma de emergência cirúrgica (no caso de volvo).

Epidemiologia Prevalência: 1:500 nascidos vivos tem anomalia de rotação e fixação;

Síndrome de Prune-Belly: A Síndrome de Prune Belly é também conhecida como síndrome de Eagle-Barret, ou ainda Síndrome do Abdome em Ameixa Seca.

É caracterizada por uma tríade de anormalidades congênitas que consiste em: Ausência ou deficiência da musculatura abdominal; O não desenvolvimento dos testículos - condição vista em recém-nascidos onde um ou dois deles não ultrapassam o saco escrotal;

Prevalência nos casos sintomáticos: 1:6.000 nascidos vivos;

Levemente mais frequente no sexo masculino. Frequentemente associada a anomalias congênitas da parede abdominal e diafragma (onfalocele, gastrosquise, síndrome de Prune-Belly e hérnia diafragmática).

Outras anomalias associadas em 30 a 60%, principalmente atresias e estenoses intestinais (duodeno e jejuno alto), doença de Hirschsprung, invaginação intestinal, refluxo gastroesofágico, volvo gástrico, divertículo de Meckel, veia porta pré-duodenal e anomalias dos canais biliares extra-hepáticos.

Presença de má rotação associada em 30% das atresias e estenoses duodenais.

Uma anormal expansão da bexiga e problemas no trato urinário superior, que pode incluir a bexiga, ureteres e rins.

Classificação Tipo não rotação Nesse caso, a alça proximal gira somente 90° de um total de 270° de rotação normal, ficando a junção duodenojejunal à direita da coluna vertebral, enquanto a alça distal (alça cecocólica) também deixa de rotar 90° da rotação normal, ficando o cólon ascendente à esquerda com ceco próximo à linha média. Essa configuração é encontrada nos defeitos da parede abdominal e hérnia diafragmática. É o tipo mais comum.


Cirurgia Pediátrica

Má rotação tipo I ou rotação incompleta A parada de rotação acontece próxima à rotação de 180°, sem atingir a de 270º. A alça duodenojejunal fica na linha média abaixo da artéria mesentérica superior (plano sagital) e a alça cecocólica fica situada também na linha média, na frente da artéria mesentérica superior (plano sagital). O volvo é uma complicação comum. Bandas peritoneais, estendendo-se do cólon direito à goteira peritoneal superior direita (abaixo do fígado) e passando sobre o duodeno, formam as bandas de Ladd.

Distensão abdominal, principalmente quando surge gangrena intestinal e massa abdominal palpável;

Mau estado geral, desequilíbrio hidroeletrolítico, toxemia, hipovolemia e choque.

Volvo crônico de intestino médio O volvo pode ser intermitente ou parcial e resulta em obstrução linfática e venosa e em aumento dos linfonodos mesentéricos. Dor abdominal intermitente; Vômitos biliosos ou não biliosos intermitentes;

Má rotação tipo II ou rotação mista e reversa São menos comuns e um grupo muito variado de anomalias de rotação. A mais corrente é a não rotação da alça duodenojejunal seguida pela rotação normal e fixação da alca cecocólica. A junção duodenojejunal e alça cecólica ficam separadas satisfatoriamente e o risco de volvo é baixo. A rotação reversa é rara e pode causar volvo. Implica em algum grau de rotação na direção horária em torno da artéria mesentérica superior. Rotação reversa da alça duodenojejunal resulta em duodeno anterior à artéria mesentérica superior. A alça cecocólica pode sofrer rotação inversa ou rotar normalmente.

Apresentação clínica

Constipação ou diarreia crônica; Falha de crescimento; Abordagem diagnóstica; Pode surgir má nutrição proteica. A absorção e o transporte podem ser impedidos pela estase linfática e venosa.

Obstrução duodenal aguda por bandas de Ladd Causada por compressão da terceira porção do duodeno por bandas peritoneais. A obstrução intestinal costuma ser incompleta. Vômitos biliosos;

Obstrução intestinal (duodeno) aguda por bandas de Ladd;

Obstrução intestinal (duodeno) crônica por ban-

Distensão do andar superior do abdome;. Pode ter eliminado mecônio normalmente;

das de Ladd;

Icterícia frequente. Volvo de intestino médio; Volvo intermitente de intestino médio.

Abordagem diagnóstica Radiografia de abdome: pode demonstrar ne-

Volvo agudo do intestino médio Atinge todo o segmento intestinal suplementado pela artéria mesentérica superior (do ligamento de Treitz à porção média do cólon transverso). Trinta por cento dos volvos ocorrem na primeira

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nhuma anormalidade (20%), obstrução duodenal completa (muito rara), obstrução duodenal parcial (muito mais comum), obstrução intestinal baixa (volvo com gangrena).

Sinal da dupla bolha com pouco gás intesti-

semana de vida; 75% por cento no primeiro mês e, 90%, no primeiro ano. Início abrupto de vômitos biliosos e eliminação de mecônio (todos os pacientes);

nal distal (escassas pequenas bolhas distais). Deve ser feito diagnóstico diferencial urgente entre estenose duodenal intrínseca e má rotação intestinal. Indicada radiografia contrastada do tubo digestivo superior.

Dor abdominal (em criança maior) e choro per-

Sinal da dupla bolha sem gás intestinal distal

sistente no lactente. Sensibilidade abdominal varia de acordo com o grau de comprometimento vascular;

geralmente é causado por atresia duodenal. A obstrução completa não é sugestiva de má rotação, mas se deve ter precaução.

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5 Obstrução duodenal

Quadro radiológico simulando obstrução intestinal baixa (principalmente se acompanhado por distensão abdominal): pensar na possibilidade de volvo de intestino médio já com gangrena intestinal. Na obstrução em alça fechada (volvo de má rotação), o ar costuma ser reabsorvido quando a drenagem linfática ainda está intacta. Essa reabsorção de ar cessa quando o volvo é bastante apertado, obstruindo também o fluxo linfático.

Radiografia contrastada do tubo digestivo superior (estômago, duodeno e jejuno proximal). Mais efetiva do que o enema opaco. Se existirem dúvidas diagnósticas, deve-se aguardar a passagem do contraste e seguir o exame até o bário chegar ao ceco.

Características: Posição anormal do ligamento de Treitz situando-se na linha média ou à direita da coluna vertebral;

Quanto maior o número de voltas, mais alto e mais deslocado o ceco.

Ultrassonografia: busca a visualização e localização da veia mesentérica superior, que normalmente se situa à direita da artéria e é encontrada à esquerda ou anterior, em casos de má rotação. Em torno de 30% dos pacientes com má rotação podem apresentar posição vascular normal. O ecodoppler pode mostrar artéria mesentérica superior hiperdinâmica, dilatação distal da veia mesentérica superior e o sinal do redemoinho, baseado no aspecto espiralado da veia mesentérica superior em torno do eixo da artéria mesentérica superior (esse sinal sugere volvo).

Tratamento Tratamento pré-operatório Correção do desequilíbrio hidroeletrolítico e res-

Jejuno proximal localizado no abdome direito; Aparência do duodeno adquirindo a forma de bico de pássaro ou cone no nível da segunda ou terceira porções, principalmente (volvo estrangulante);

suscitação urgente, se houver suspeita de volvo. Se existirem sinais de choque, estão indicados transfusão sanguínea e vasopressores. Dopamina é a primeira escolha, por aumentar o fluxo sanguíneo esplâncnico. Iniciar no pré-operatório com dopamina 3 µg/kg/min., continuando no pós-operatório;

Aparência de espiral ou saca-rolha, com a coluna de bário estendendo-se para dentro do jejuno (volvo não totalmente estrangulante). A projeção oblíqua pode mostrar essa imagem projetando-se para a frente, afastando-se da parede abdominal posterior;

Nada por via oral + sonda nasogástrica. Antibióticos; Adequado acesso venoso; Cirurgia sem perda de tempo havendo suspeita

Em atresia duodenal, a obstrução é mais proximal e o contorno é liso, sem o aspecto espiralado ou de bico.

Enema opaco Características: Localização anormal do ceco. Ceco subepático (alto) é encontrado em aproximadamente 6 a 7% da população em geral, podendo ser móvel em cerca de 35% dos lactentes. Ceco normalmente situado pode ser encontrado em 5 a 20% dos casos de má rotação. Obstrução do transverso causada por volvo produzindo imagens de obstrução completa ou incompleta.

de volvo intestinal.

Tratamento cirúrgico Laparotomia transversa supraumbilical direita. Reconhecimento da patologia com completa evisceração dos intestinos. Redução do volvo no sentido anti-horário. Aguardar melhora da cor dos intestinos. Realizar o procedimento de Ladd com os seguintes passos: Lise completa das aderências entre os intestinos, permitindo a separação do mesentério, alargando a sua base. Lise das bandas de Ladd, inclusive liberando todo o duodeno, com a manobra de Kocher estendida;

Tratamento da obstrução duodenal intrínseca, Deslocamento medial e superior do ceco. Simples posicionamento medial do ceco não é indicativo de volvo.

quando houver. Sempre testar a permeabilidade do duodeno passando sonda intraluminal com balão (sonda de Foley) até o jejuno e retirado com o balão inflado;

Deve estar deslocado para cima. O grau de deslocamento do ceco vai depender do número de torções.

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Apendicectomia: no período neonatal, alguns autores preferem a técnica de desvascularização e

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inversão do apêndice. Após esse período está indicada a apendicectomia clássica com ligadura simples e bolsa invaginante. Algumas complicações oriundas da técnica de inversão em crianças maiores são hemorragia intestinal, cabeça para invaginação e lesões cecais causando confusão diagnóstica;

Estabilização do intestino colocando o ceco no quadrante superior esquerdo e o duodeno e o restante do intestino delgado à direita.

Dúvida sobre viabilidade? O que fazer? Área segmentar: ressecção + anastomose. Múltiplas áreas de viabilidade questionável ou quando todo intestino em volvo tem viabilidade questionável: redução do volvo + lise das bridas + fechamento da laparotomia com reexploração cirúrgica em 24 h + tratamento clínico intensivo; manter antibióticos, descompressão adequada do trato gastrointestinal, hiper-hidratação com 150 a 160 mL/kg, reposição de sangue e plasma fresco, ventilação assistida; Dextran 40, 10 mL/kg/de 6 em 6 h até a reexploração cirúrgica e dopamina. O Dextran tem efeito antitrombótico, diminuindo a adesividade das plaquetas. Agentes citoprotetores, como as prostaglandinas (PGE), podem ser usados pelos seus efeitos antitrombóticos e de vasodilatação esplâncnica.

Má rotação como achado incidental: recomenda-se o procedimento de Ladd, dependendo da cirurgia e das condições da criança.

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CAPÍTULO

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Doença de Crohn

Introdução A DC foi descrita em 1932 por Crohn, Ginsburg e Oppenheimer. Sua etiologia ainda é desconhecida, e acredita-se que o processo inflamatório seja resultante da combinação de predisposição genética e fatores ambientais.

Epidemiologia A incidência das DII (doença intestinal inflamatória) varia de maneira importante e depende de fatores étnicos e localização geográfica. Embora apresentem distribuição universal, registraram-se maiores incidências nos Estados Unidos (principalmente entre brancos), na Grã-Bretanha e Escandinávia. Nos EUA, a prevalência da DC é menor que a relatada para a RCUI, estimando-se que atinja

aproximadamente 90 em cada 100 mil habitantes, embora já tenha sido relatada relação inversa em outras regiões. A incidência da DC tem aumentado nas últimas décadas. No Brasil, também têm sido registrados índices cada vez maiores, particularmente na região Sudeste. Acomete igualmente ambos os sexos, predominando na população de nível cultural maior do que a população-controle. A doença é mais comum em fumantes (2 vezes mais), em parentes de primeiro grau de indivíduos acometidos e judeus asquenaze. Começa a se manifestar com maior frequência após os dez anos de idade e apresenta distribuição bimodal por faixa etária, atingindo picos entre 15 e 25 anos e 55 e 60 anos.


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Dados Incidência (por 100.000 hab.) Prevalência (por 100.000 hab.) Idade Sexo (relação feminino:masculino) Raça Etnia População urbana versus rural Nível socioeconômico e ocupação

RCU

DC

0,5-24,5 0,1-16 35-100 10-100 Entre 20 e 40 anos; às vezes 2º pico entre 60-80 anos ≥1 < 1 ou > 1 Brancos > negros > asiáticos Mais frequente em judeus; Ashkenazi > Sefarditas Urbana > rural Atinge mais indivíduos com nível socioeconômico mais alto; mais frequente entre os que trabalham em ambientes fechados

Tabela 8.1 Principais dados epidemiológicos descritivos da doença inflamatória intestinal. Atenção!

Etiopatogenia Atualmente, a hipótese geral mais aceita a respeito da etiopatogenia das DII considera um mecanismo multifatorial envolvendo a atuação integrada de componentes genéticos de predisposição, elementos da microbiota intestinal, fatores ambientais, além da resposta imunitária. No que diz respeito à predisposição genética o polimorfismo do gene N0D2 (nucleotide-binding oligomerization domain-containing protein 2), também conhecido como CARD15 (caspase recruitment domain-containing protein 15) presente no cromossomo 16, foi a primeira entre muitas alterações genéticas documentadas na DC e que seguramente apontam para alterações funcionais de base imunológica ou relacionadas com respostas contra micro-organismos. Tem sido descrito como fator de risco para doença ileal e doença estenosante. Consequentemente associa-se a maior necessidade de cirurgia. Entre os muitos fatores ambientais potencialmente implicados, o tabagismo é o que oferece os dados mais concretos. Postula-se que componentes do fumo possam atuar diretamente sobre o sistema imunitário e sua resposta. Há relatos também de que o fumo provoca alterações no aporte de nutrientes à mucosa intestinal, na produção de muco e na permeabilidade da barreira epitelial. O tabagismo está associado também a maior agressividade da doença. O papel da microbiota é de perticular relevância nas DII, nas quais se postula que componentes da microbiota representem o alvo principal contra o qual uma resposta imunológica anormal estaria derecionada. No que diz respeito à resposta imunológica, nas DII, a lesão tecidual é observada em áreas onde há grande infiltração de linfócitos TCD4+, recrutados do sangue em função de produção aumentada de quiomicinas ou expressão de receptores quimiotáticos. Na DC, os Linfócitos T auxiliares apresentam tipicamente o fenótipo Th1 de resposta, com produção aumentada de IFN-gama. Na mucosa intestinal dos pacientes com DC, os macrófagos que, juntamente com as células dendríticas, atuam como apresentadores de antígenos pro-

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duzem grandes quantidades de citocinas indutoras, como, por exemplo, IL-12 e IL-18. Consequentemente, a ativação excessiva da resposta Th1 leva a produção de outras citocinas pró-inflamatórias, principalmente pelos próprios macrófagos, como TNF-alfa e IL-lbeta. O subgrupo de linfócitos Th17, recentemente descoberto, também aparece como provável responsável, juntamente com linfócitos Th1, pela orquestração da inflamação na DC. Os linfócitos T da mucosa intestinal de pacientes com DC, sendo induzidos por IL-23, produzem IL-17 em excesso, constituindo contribuição adicional à inflamação Th1. Outro fator importante para a persistência e a cronicidade da inflamação na DC é a longa permanência de linfócitos Th1 ativados na mucosa intestinal.

Patologia A lesão inicial é a hiperplasia dos folículos linfoides das placas de Peyer, com ulceração tardia da mucosa adjacente. Estas lesões aparecem como pontos hemorrágicos ou nitidamente como úlceras. Em um próximo estágio, delimitam-se áreas de mucosa edemaciada e fissuras profundas na parede da alça. Finalmente a lesão torna-se transmural (atinge todas as camadas), comprometendo toda a parede da alça. Pode evoluir para estenose, fistulização interna – entre alças intestinais, com as vias urinárias ou mesmo perfuração em peritônio livre (fistulização externa). O processo inflamatório na DC é caracteristicamente transmural, o que contrasta com a retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI) e outras entidades inflamatórias. Esse comportamento produz ulcerações aftoides, puntiformes ou lineares, mais profundas que as erosões superficiais da RCUI e habitualmente dispostas no eixo longitudinal do intestino, representando uma das manifestações macroscópicas mais precoces da DC. O envolvimento de todas as camadas da parede intestinal pelo processo inflamatório, que pode estender-se até a gordura mesentérica e linfonodos regionais, é responsável pela instalação de fissuras, fístulas entre alças intestinais, órgãos vizinhos, parede abdominal e região pe-

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8 Doença de crohn rianal, abscessos, densas aderências entre alças intestinais e, finalmente, áreas de estenose intestinal. Devido à descontinuidade do processo inflamatório, as áreas lesadas são entremeadas por áreas de mucosa normal, comportamento que também distingue a DC da RCUI. Outro aspecto típico encontrado na mucosa intestinal acometida pela DC é denominado pedras de calçamento (cobblestone), que resulta da combinação de ulceração mucosa profunda e espessamento submucoso nodular. Do ponto de vista macroscópico, o segmento intestinal envolvido apresenta-se com hiperemia, espessado, com deposição de fibrina e aderências entre alças comprometidas. O mesentério torna-se espessado, fibrótico, com edema e grande quantidade de gordura, estendendo-se até a serosa do intestino, em direção à borda antimesentérica, como projeções digitiformes ou em chama de vela. Macroscopicamente, os seguintes achados caracterizam a DC, além da natureza transmural já mencionada: inflamação descontínua (focal), reação inflamatória mais intensa na submucosa, espessamento submucoso, fibrose, fissuras e a presença de granulomas. Os granulomas de células gigantes, característicos da DC, são detectados em 25 a 80% dos casos. As fissuras, por não serem encontradas em nenhum processo inflamatório do cólon, são indicadores confiáveis da DC. Mais importante para o diagnóstico da DC não é o encontro do granuloma, e sim a presença de inflamação em todas as camadas do intestino. A doença é segmentar, e caracteristicamente NÃO acomete o reto e ajuda a fazer diferenciação com retocolite ulcerativa. A doença de Crohn de longa duração tem aumento da incidência de câncer tanto do intestino delgado quanto do cólon.

Quadro clínico A DC é uma entidade heterogênea que requer abordagens diagnósticas e terapêuticas individuais. Caracteriza-se por inflamação transmural em qualquer parte do trato digestivo, apresentando períodos de exacerbações e remissões, muitas vezes acompanhados de manifestações extraintestinais. Os segmentos mais atingidos são o intestino delgado (27%), o delgado e cólon (30%), o cólon (40%), o estômago e duodeno (5%) e a região perianal isolada (3%). Da cavidade oral ao reto pode-se documentar a doença de Crohn. A apresentação clínica é extremamente variável, e os sintomas diferem conforme a localização predominante das lesões e a extensão da doença.

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O acometimento esofágico é raro e se manifesta por disfagia, odinofagia, pirose ou dor torácica. A doença gástrica pode ser assintomática, restringindo-se à presença de úlceras aftoides. Quando mais avançada, há dor, vômitos e perda ponderal. No trato digestivo superior descreveram-se também fístulas esofagobrônquicas ou gastrocólicas. O acometimento duodenal é mais comum que o gástrico, embora seja raro. Pode haver espessamento de pregas, calcetamento, úlceras, estenose e fístulas. A forma jejunoileal da DC caracteriza-se por cólicas, diarreia, emagrecimento e distensão abdominal. Na doença ileocólica ocorrem diarreia, dor em fossa ilíaca direita e quadros evolutivos de suboclusão. A colite de Crohn desencadeia surtos agudos de diarreia, dor em baixo-ventre, sangramento nas fezes, mucorreia, constipação e febre. Já a forma perianal pode se manifestar por fístulas, abscessos, fissuras, úlceras e plicomas. A doença perianal ocorre em 25% dos pacientes com doença de Crohn, 41% com ileocolite e em 48% com doença colônica isolada. Pode ser a única apresentação clínica da doença de Crohn (5% dos casos). Estenoses inflamatórias ou associadas à fibrose intensa determinam estreitamento da parede intestinal, principalmente no íleo, desencadeando quadros de suboclusão. Fístulas podem se originar de qualquer segmento intestinal e envolver órgãos ou estruturas adjacentes, como a pele (enterocutâneas), bexiga (enterovesicais), vagina (retovaginais) e alças intestinais (enteroentéricas ou enterocólicas). Fístulas perianais são uma manifestação frequente da DC, podendo resultar em morbidade significativa, como sepse, incontinência e necessidade de tratamento cirúrgico. Uma das complicações mais sérias é a colite fulminante, que representa uma inflamação aguda e grave do cólon associada a toxemia, com febre, taquicardia, hipotensão, leucocitose e peritonite. Quando esse quadro se acompanha de grande dilatação cólica, configura-se o megacólon tóxico, que apresenta grande possibilidade de perfuração do cólon. As DII estão associadas a maior risco de desenvolvimento de câncer no intestino delgado e colorretal. Na DC, esse risco é cerca de 20 vezes maior que na população geral, ocorre em grupo etário mais jovem, desenvolvendo carcinomas infiltrativos (coloide ou mucinoso) em segmentos excluídos ou em coto retal doente. Essa possibilidade deve ser cogitada quando ocorrer recorrência dos sintomas em doença quiescente por tempo prolongado.

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Cirurgia do Intestino Delgado

Emergências nas doenças inflamatórias intestinais idiopáticas Colite fulminante

Ocorre na retocolite ulcerativa e na doença de Crohn do cólon Diarreia > 6 evacuações ao dia, com ou sem sangramento retal Taquicardia, febre, palidez cutaneomucosa, anemia, desidratação, hipotensão arterial Leucocitose (com desvio à esquerda), elevação da velocidade de hemossedimentação e do título de proteína C reativa

Megacólon tóxico Evidências radiográficas de distensão colônica (> 6 cm) Pelo menos três dos seguintes critérios: Febre > 38ºC Frequência cardíaca > 120 bpm/min. Leucocitose com neutrofilia > 10.500/mm³ Anemia Além dos critérios acima, pelo menos um dos seguintes:

Desidratação Alteração do nível de consciência Distúrbios eletrolíticos Hipotensão arterial

Tabela 8.2

IA inflamatória na DC

Pontuação

Estado geral (ótimo = 0; bom = 1; regular = 2; mau = 3; péssimo = 4) Dor abdominal (ausente = 0; leve = 1; moderada = 2; grave = 3) Número de evacuações líquidas/dia Massa abdominal (ausente = 0; leve = 1; moderada = 2; grave = 3) Complicações: artralgia/artrite, uveíte/irite, eritema nodoso, aftas orais, pioderma gangrenoso, fissura anal, fístulas, abscesso etc. < 7 = Inativa/Leve 8 a 10 = Leve/Moderada > 10 = Moderada/Grave

0a4 0a3 nº/dia 0a3 1 ponto cada

Tabela 8.3 Índice de atividade (IA) inflamatória na doença de Crohn de acordo com Harvey & Bradshaw, 1980.

IA inflamatória na DC

Multiplicado por

Número de evacuações líquidas na última semana

2

Dor abdominal (ausente = 0; leve = 1; moderada = 2; grave = 3). Considerar a soma total dos dados individuais da última semana

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Estado geral (ótimo = 0; bom = 1; regular = 2; mau = 3; péssimo = 4). Considerar a soma total dos dados individuais da última semana

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Número de sintomas/sinais associados (alistar por categorias): 1) artralgia/artrite; 2) irite/uveíte; 3) eritema anal, fístula ou abscesso; 5) outras fístulas; 6) febre

20 valor máximo = 120

Consumo de antidiarreico (Não = 0; Sim = 1)

30

Massa abdominal (ausente = 0; duvidosa = 2; bem definida = 5)

10

Déficit de hematócrito: homens 47-Ht; mulheres 42-Ht (diminuir em vez de somar no caso do Ht do paciente ser maior do que o padrão)

6

Peso-porcentagem abaixo do esperado (diminuir em vez de somar se o peso do paciente for maior que o esperado)

1

Soma total (IA da doença de Crohn) < 150 = Remissão 150-250 = Leve 250-350 = Moderada > 350 = Grave

Tabela 8.4 Índice de atividade (IA) inflamatória na doença de Crohn de acordo com Best et al. (conhecido como CDAI: Crohn’s Disease Activity Index).

Do ponto de vista clínico, a doença de Crohn é frequentemente classificada com base na idade de início, comportamento e lcoal de origem (classificação de Viena), como exposto na tabela abaixo:

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8 Doença de crohn

Classificação de Viena da Doença de Crohn Idade no diagnóstico (anos) Comportamento

Localização

A1: < 40 A2: ≥ 40 B1: sem estenose, não penetrante B2: estenosante B3: penetrante L1: íleo terminal L2: cólon L3: ileocólon L4: trato gastrointestinal superior

Tabela 8.5

Dados clínicos obtidos por meio da anamnese e do exame físico também permitem classificar a DC e servem para orientar a propedêutica armada (exames laboratoriais, radiológicos, endoscópicos e histopatológicos) e o tratamento. Pode-se dividir clinicamente a DC em: DC leve a moderada: pacientes ambulatoriais, capazes de tolerar alimentação por via oral, sem manifestações de desidratação, toxicidade, desconforto abdominal, massa dolorosa, obstrução ou perda maior que 10% do peso; DC moderada a grave: pacientes que falharam em responder ao tratamento ou aqueles com sintomas mais proeminentes de febre, perda de peso, dor abdominal, náuseas ou vômitos intermitentes (sem achados de obstrução intestinal) ou anemia significativa; DC grave a fulminante: pacientes com sintomas persistentes a despeito da introdução de corticosteroides e/ou terapia biológica ou indivíduos que se apresentam com febre, vômitos persistentes, evidências de obstrução intestinal, sinais de irritação peritoneal, caqueixa ou evidências de abscesso.

Manifestações extraintestinais A DC pode comprometer praticamente todos os sistemas e órgãos, seja por efeito local ou sistêmico e, até mesmo, em decorrência de seu tratamento. As manifestações extraintestinais podem preceder, acompanhar ou surgir após o início das alterações intestinais. Os pacientes que apresentam uma das manifestações extraintestinais têm maior risco de apresentar outras. A explicação para tais ocorrências parece ser de ordem imunológica, pelo achado de complexos imunológicos circulantes no soro desses pacientes. Entretanto, nem todo doente com esses achados apresenta manifestações extraintestinais. Algumas alterações metabólicas secundárias à DC também podem levar a manifestações extraintestinais, principalmente por má absorção intestinal, como na colelitíase, litíase renal e hidronefrose. Pode haver comprometimento de vários órgãos, mas os chamados órgãos-alvo costumam ser as articulações, pele e mucosas, olhos, fígado e rins.

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Manifestações osteoarticulares Uma forma periférica de acometimento inclui a “sinovite enteropática” ou “artrite colítica”. Os joelhos, tornozelos e cintura escapular são as articulações mais envolvidas. Apresenta-se como monoartrite ou como poliartrite migratória. É mais comum na colite ou ileocolite da DC. Evolui paralelamente à doença intestinal. Por não ser destrutiva, não costuma deixar sequelas. Uma forma axial, manifestando-se como espondilite anquilosante ou sacroileíte, é mais rara na DC, porém mais comum nos pacientes HLA-B27 positivos. A espondilite pode apresentar um curso evolutivo completamente distinto da doença subjacente, e mesmo havendo remissão da doença intestinal o quadro articular pode ter um curso até anquilosante. Como cerca de 50% dos pacientes com artrite também apresentam manifestações oculares, deve-se proceder a cuidadoso exame oftalmológico como rotina nestes casos. As descrições de manifestações articulares na DC incluem artralgias, artrites, espondilite anquilosante, sacroileíte, sinovite granulomatosa e osteoartropatia hipertrófica. Baqueteamento digital é observado em 30% dos casos; é de aparecimento tardio, reversível e de causa desconhecida. Diminuição da densidade óssea é descrita ao diagnóstico e durante o curso da afecção. Os fatores implicados são: dieta insuficiente no conteúdo calórico-proteico, inadequada ingestão ou má absorção de cálcio, deficiência de vitamina D, excessiva produção de citocinas pelo intestino inflamado, interferindo no metabolismo ósseo, e a inibição dos corticosteroides na absorção do cálcio e ação direta sobre a formação do osso. Como consequência, podem-se verificar osteopenia, osteoporose, osteomalacia ou osteonecrose.

Manifestações cutaneomucosas O eritema nodoso é a manifestação mais comum e, geralmente, reflete inflamação intestinal ativa. Cerca de 75% dos pacientes com essa manifestação também têm artrite. O pioderma gangrenoso é mais raro na DC. Outras descrições incluem acne, alopecia, celulite escrotal, DC na vulva, DC metastática na pele, eritema multiforme, vasculite cutânea, poliarterite nodosa, pelagra, psoríase, epidermólise bolbosa. Na boca são observadas estomatite aftoide, glossite, queilite, pioestomatite vegetante e tonsilite granulomatosa.

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Manifestações oculares Os pacientes com comprometimento colônico são mais suscetíveis a desenvolver uveíte, esclerite ou epiesclerite. A administração crônica de altas doses de corticosteroides pode aumentar a pressão ocular e desencadear cataratas. Outras alterações compreendem úlceras de córnea, blefarite, conjuntivite, queratite, infiltrado do plexo coroide.

Manifestações hepatobiliares Cerca de 15% dos pacientes podem apresentar elevação dos níveis de aminotransferases no curso da DC. São frequentemente associadas com surtos da doença, ao uso de drogas (6- mercaptopurina, sulfassalazina), nutrição parenteral total, esteatose (corticosteroides, má nutrição ou ganho maciço de peso). Hepatite crônica ativa e colangite esclerosante primária (mais comum com RCUI) são mais graves e ocorrem em 1% das crianças com DC, podendo chegar à cirrose e à insuficiência hepática. Foram descritos ainda colelitíase, hepatite granulomatosa, abscesso hepático, síndrome de Budd-Chiari, amiloidose e trombose da veia porta.

Figura 8.1 Pioderma gangrenoso em paciente com DC.

Manifestações nefrológicas Hidronefrose à direita pode ocorrer quando o ureter direito é envolvido por massa inflamatória ileocólica. Nefrolitíase, fístula enterovesical, infecção do trato urinário, glomerulonefrite por complexo imune, abscesso perinefrítico, amiloidose e hipertensão também já foram descritos na DC. Os cálculos renais são de oxalato de cálcio e resulta da má absorção intestinal, ou seja, da hiperoxalúria. O cálcio alimentar em condições normais se liga ao exalato na luz intestinal, sendo eliminado pelas fezes. Na presença de má absorção, grande parte do cálcio se liga a ácidos graxos, deixando o oxalato livre para ser absorvido, ocorrendo assim a hiperoxalemia e secundariamente hiperoxalúria e nefrolitíase.

Manifestações hematológicas Anemia por deficiência de ferro, folato ou vitamina B12, anemia hemolítica autoimune, neutropenia, trombocitose e trombopenia são dados referidos por diversos autores.

Manifestações vasculares Tromboflebites, vasculites, poliarterite nodosa, arterite de Takayasu, vasculite pulmonar, arterite de células gigantes. Redução dos níveis de proteína S e antitrombina III, assim como aumento dos níveis de fator VIII, V e I são aspectos que podem justificar o risco de hipercoagulabilidade e trombose na DC.

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Figura 8.2 DC com grave acometimento perianal, levando à destruição do aparelho esfincteriano. Manifestações extraintestinais Manifestações pancreáticas Pancreatite aguda ou crônica, insuficiência pancreática. Manifestações pulmonares Vasculite pulmonar, alveolite fibrosante, pneumonia eosinofílica, pneumomediastino Manifestações cardíacas Miocardite, pericardite Manifestações musculoesqueléticas Miosite granulomatosa, dermatomiosite, miosite vasculítica, miopatia induzida por corticosteroides Manifestações neurológicas Neuropatia periférica, perineurite, abscesso epidural espinhal, convulsões Articulares Artrite, sacroileíte, espondilite anquilosante Hepatobiliares Pericolangite, colangite esclerosante, dilatação sinusoidal, abscesso hepático, infiltração gordurosa, cirrose, colelitíase Urológicas Metabólicas (cálculos, amiloidose) e inflamatórias (abscesso retroperitoneal, fibrose, obstrução ureteral) Dermatológicas Eritema nodoso, pioderma gangrenoso, vasculites Oftalmológicas Conjutivite, uveíte, episclerite, celulite orbitária Geral Amiloidose

Tabela 8.6

SJT Residência Médica


8 Doença de crohn

mente sem hipertonia esfincteriana), fístulas únicas ou múltiplas, abscessos, lesões aftoides, calcetamento da mucosa e úlceras longitudinais podem ser encontrados durante o exame proctológico.

Achados laboratoriais Inespecíficos e dependem do local e da extensão do processo. São comuns: anemia, hipoalbuminemia, esteatorreia, absorção anormal de D-xilose, sugerindo doença extensa ou fístula; níveis altos de lisozima, indicando o grau de atividade da doença.

Velocidade de hemossedimentação VHS)

Figura 8.3 DC e eritema nodoso.

Como marcador inflamatório nas DII, a VHS tende a se elevar mais tardiamente bem como reduzir mais lentamente em comparação com a Proteína C reativa. Embora inespecífica, correlaciona-se bem à atividade clínica e endoscópica da doença. Vale ressaltar que a VHS é menos sensível para os pacientes com DC localizada em íleo terminal.

Proteína C reativ,a (PCR) Proteína da fase aguda da inflamação é estimulada principalmente pela interleucina-6 (IL-6), pela interleucina-1 (IL-1) e pelo fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa). Possui maior sensibilidade e especificidade, assim com precocidade, em relação à VHS. Figura 8.4 DC com grave doença perianal.

Diagnóstico O diagnóstico da DC baseia-se na análise conjunta de dados clínicos, endoscópicos, radiológicos e histológicos. O diagnóstico presuntivo de DII deve ser contemplado em paciente com idade entre 15 e 25 ou 50 e 65 anos que apresente queixa de diarreia crônica, acompanhada ou não de sangue, dor abdominal, perda de peso, febre e manifestações extraintestinais. Eventualmente o diagnóstico só é firmado na vigência de complicações que requeiram tratamento cirúrgico. Os achados ao exame físico variam conforme o grau de atividade da doença. Alterações gerais importantes são representadas por anemia, desnutrição e febre. Dor constante, picos febris e leucocitose sugerem abscessos e fistulização. Deve-se pesquisar também a presença de manifestações extraintestinais. Ao exame físico abdominal podem ser constatados dor, tumor inflamatório palpável e fístulas cutâneas. Às vezes as alterações perianais podem ser a primeira manifestação da doença. Pregas perianais edemaciadas, fissuras (únicas ou múltiplas, geral-

SJT Residência Médica

Níveis de PCR > 53 mg/L na DC com ileíte regional são preditores de risco aumentado para ressecções intestinais.

É também preditor de resposta ao tratamento. Pacientes com PCR acima de 5 mg/L apresentam melhor resposta terapêutica ao infliximabe.

Níveis mais alto de PCR podem indicar melhor resposta à estratégica top-down de tratamento da DII.

Biomarcadores fecais A mucosa intestinal inflamada contém um grande número de neutrófilos e proteínas fecais derivadas dessas células como a lactoferrina, a calprotectina e a elastase fecal, que se expressam como marcadores do processo inflamatório intestinal. Destes biomarcadores, a calprotectina fecal (proteína ligada ao cálcio) é atualmente o mais utilizado, sendo considerado um “ótimo biomarcador”. A concentração fecal é seis vezes maior que a plasmática, mantendo-se estável à temperatura ambiente por sete dias. A respeito deste biomarcador, destaca-se:

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Cirurgia do Intestino Delgado

Testes sorológicos (ASCA/pANCA)

a elevação deste biomarcador pode revelar doença ativa em pacientes ainda clinicamente assintomáticos

Perinuclear antineutrophil cytoplasmic autoantibodies (pANCA) tem sido reconhecido como bom marcador de RCUI.

correlação significativa entre os níveis fecais e os índices endoscópicos de atividade

valor preditivo de recorrência pós-operatória e no diagnóstico de bolsite

marcador de rastreamento de DII em familiares de indivíduos com DC

Anticorpos para epítopos oligomanosídicos do fungo Saccharomyces cerevisiae (Sc) (ASCA) são marcadores para DC. Ambos estão implicados no diagnóstico diferencial entre as duas entidades. A combinação de ambos pode ajudar nesta diferenciação. Ambos são feitos por técnicas padronizadas de imunofluorescência indireta e ELISA. A presença de ASCA em pacientes com DC está associada a comprometimento do intestino delgado. Níveis elevados mostrou associação com curso mais agressivo da doença.

VN: 25 mg/kg Níveis > 50 mg/kg é considerado para atividade inflamatória

Um grande estudo de coorte relatou uma especificidades de 92% para a doença de Crohn em pacientes que eram ASCA positivos/ANCAp negativos e 98% para colite ulcerativa em pacientes que eram ASCA negativos/ANCAp positivos.

A S100A12 é uma proteína similar à calprotectina e que parece ser mais sensível na avaliação da atividade endoscópica nas DII, porém necessita de mais estudos para ser validada.

Calprotectina sérica

Recentemente vários estudos buscaram correlacionar a presença de anticorpos ao diagnóstico da DII, o risco de aparecimento de complicações, resposta terapêutica e necessidade de cirurgia, mas até o momento observou-se pouca acurácia e aplicabilidade clínica.

Proteína proveniente de granulócitos, com meia vida de cerca de 5h. Na DC, sua elevação apresenta boa correlação com a atividade inflamatória clínica, com o nível de PCR, não havendo associação com o grau de atividade inflamatória endoscópica. (Atenção!).

Painel sorológico e sua associação a complicações Doença de delgado

Estenose

Penetrante

Cirurgia

Doença perianal

pANCA

-

-

Não associado

-

Não associado

ASCA

+

+++

++++

+

Não associado

Anti-l2

+

+

Não associado

+

Não associado

OmpC

Não associado

+/-

+

+

Não associado

Anti-CBir1

Não associado

++

+/-

Não associado

Não associado

AMCA

-

++

++

++++

-

ALCA

-

++

++

++

-

ACCA

-

++

++

++

-

Anti-C

-

+

+

++++

-

Anti-L

-

++++

++++

++++

-

Anticorpo

Anti-I2 (proteína da Pseudomonas fluorescens relacionada com DC). CDbir1: anticorpo contra a flagelina, antígeno imunodominante contra o qual há forte resposta de células B e linfócitos TCD4+. OmpC: anticorpos contra a porina C da membrana externa da E. coli. AMCA: antimanobiosídio. ALCA: antilaminaribiosídio. ACCA: anticitobiosídio.

Tabela 8.7

O teste ASCA positivo em familiares de pacientes com DC sugere que este teste seja um marcador subclínico da afecção. Mas se ele reflete fatores ambientais ou genéticos, ou a combinação de ambos, ainda não se sabe.

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8 Doença de crohn

Radiologia Os sinais radiológicos, em trânsito intestinal e enema opaco, podem estar ausentes na doença inicial. Os mais comuns são: relevo mucoso com serrilhamento; falhas de enchimento; sinal do “cordel”, ou de Kantor (área de estenose segmentar no íleo terminal e fístulas internas). Outro sinal é a imagem em paralelepípedo “cobblestone”.

Figura 8.8 TC do abdome em doença de Crohn. Observe a formação de abscesso do psoas à esquerda por complicação da doença de Crohn da mesma forma que envolvimento do mesentério e linfadenopatia retroperitoneal.

Figura 8.5 Trânsito delgado mostrando acometimento do íleo terminal por doença de Crohn. Observe o aspecto do ceco que se encontra retraído.

Figura 8.9 Megacólon tóxico: observe a grande dilatação do cólon transverso.

Figura 8.6 Trânsito delgado mostrando várias úlceras intestinais (setas) em doença de Crohn.

Na fase aguda da doença, o exame radiológico simples pode trazer informações importantes, como distensão de alças com gás e níveis hidroaéreos na obstrução. Ocasionalmente esse exame poderá sugerir complicação grave como o megacólon tóxico, caracterizado por grande dilatação do cólon transverso e perda das haustrações. Mais raramente, a ocorrência de perfuração intestinal será atestada pelo achado de pneumoperitônio. O exame radiológico contrastado poderá revelar a alternância de áreas sadias e doentes, além de caracterizar complicações como estenose e fístula. Não deve ser realizado na suspeita de megacólon tóxico ou perfuração. No trânsito intestinal, são achados comuns o calcetamento, diminuição do lúmen, dilatação proximal a áreas estenóticas, distorção dos contornos e deslocamento de alças adjacentes por massa inflamatória na fossa ilíaca direita.

Figura 8.7 Doença de Crohn do intestino delgado mostrando múltiplas áreas de estreitamento com o clássico aspecto em calceamento.

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A cápsula endoscópica reconhece lesões que não seriam vistas em outros exames de imagem. Ela é mais sensível que as modalidades convencionais,

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Cirurgia do Intestino Delgado

é fácil de ser realizada e é bem tolerada pelos pacientes. O exame da cápsula endoscópica é especialmente empregado para diagnóstico de sangramento oculto, mas também é muito útil na avaliação do intestino delgado em pacientes com DC. No entanto, está contraindicado nos casos de suspeita de obstrução gastrointestinal, estenoses ou fístulas, marca-passo ou outros dispositivos eletrônicos implantados e distúrbios da deglutição. Por ser ainda um exame caro, não está disponível de forma mais abrangente. O exame de duplo contraste do cólon exibe características semelhantes aos achados na RCUI, embora o envolvimento preponderante do íleo terminal e cólon direito, a presença de lesões salteadas, calcetamento, fístulas, estenoses e ausência de comprometimento retal sejam características mais marcantes da DC.

A realização de colonoscopia visa o diagnóstico e a avaliação da extensão da doença colônica. Nesse exame, lesões aftoides, fissuras e úlceras longitudinais, calcetamento da mucosa, pseudopólipos, fístulas e estenoses poderão ser observados. A ultrassonografia poderá revelar espessamento de alças intestinais, caracterizado por imagem em alvo. Esse exame também é útil no diagnóstico de abscessos associados à doença. A tomografia computadorizada permite observar aumento da espessura da parede intestinal, alterações na gordura mesentérica, retroperitoneal e do grande omento, presença de linfonodomegalia regional, abscessos, fístulas e massas inflamatórias. Na presença de fístulas enterocutâneas, a realização de fistulografia com contraste hidrossolúvel poderá ser útil para esclarecer o trajeto das fístulas e identificação das alças envolvidas.

Principais diferenças macroscópicas entre RCU e DC Achados macroscópicos Predomínio de envolvimento do: Cólon distal Cólon proximal Reto poupado Lesões segmentares (salteadas) Úlceras aftosas Úlceras profundas Aspecto pavimentoso ou em mosaico (cobblestone) Pseudopólipos Mucosa atrófica

RCU

Crohn

Comum Incomum Raro Não Não Incomuns Raro Comuns Comum

Incomum Comum Comum Sim Sim Comuns Comum Incomuns Incomum

Tabela 8.8 Principais diferenças microscópicas entre RCU e DC Achados microscópicos Inflamação Abscessos de criptas Distorção de criptas Atrofia de mucosa Depleção de células caliciformes

RCU

Crohn

Difusa, mucosa Frequentes Leve a intensa Comum Pronunciada

Segmentar, focal, transmural Ocasionais Leve Rara Discreta Presentes em 30 a 60% dos casos: valor diagnóstico Típicas Típica Rara

Granulomas epitelioides e/ou células gigantes de Langerhans Ulcerações com pouca inflamação adjacente Metaplasia pilóríca no íleo Metaplasia de célula de Paneth

Ausentes Só nos casos fulminantes Ausente Comum

Tabela 8.9

Tratamento clínico Como não há cura definitiva para a DC, os objetivos terapêuticos são induzir e manter a remissão da doença e suas complicações, de preferência com o mínimo de efeitos colaterais e com o menor custo para o paciente e/ou o sistema de saúde. A primeira linha de tratamento é baseada em combinações que incluem aminossalicilatos e derivados, glicocorticoides, terapia nutricional e antimetabólitos. Mais recentemente, novas opções terapêuticas têm sido lançadas no mercado, proporcionando novas estratégias que visam lançar os compostos ativos diretamente no local acometido, reduzir a flora intestinal e modular a resposta inflamatória e imunológica.

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8 Doença de crohn A sulfassalazina é composta pela sulfapiridina e ácido 5-aminossalicílico (5-ASA), sendo absorvida pelo intestino delgado (25%), captada pelo fígado e excretada na bile. O restante é clivado no cólon e libera o 5-ASA, que é pouco absorvido. Este inibe a ciclo-oxigenase (e consequentemente a produção de prostaglandinas), a produção de imunoglobulinas por células mononucleares intestinais, e tem atividade supressora sobre radicais livres. É ineficaz na DC do delgado, mas benéfica na forma colônica. Pode ser responsável por efeitos colaterais dose-dependentes (cefaleia, náuseas, vômitos) e por reações de hipersensibilidade. É utilizada nas doses de 2 a 4 gramas por dia. As preparações farmacêuticas do 5-ASA (comprimidos, enemas e supositórios) evitam os efeitos adversos da sulfapiridina, propiciam maior concentração no nível das lesões e maior atividade terapêutica no intestino delgado. Têm maior custo e são utilizadas em doses de 2 a 5 gramas por dia. São representadas pela olsalazina (Dipentum®), mesalazina (Asacol®, Pentasa®, Asalite®, Rowasa®). São eficazes no tratamento das formas leve e moderada da DC, especialmente na colite, embora com resultados menos pronunciados que na colite ulcerativa. Os preparados orais têm sido avaliados nas exacerbações agudas da DC, demonstrando vantagens terapêuticas sobre placebo, mas resultados inferiores aos corticoides. Os glicocorticoides (prednisona e metilprednisolona) constituem a base do tratamento clínico da DC ativa, induzindo remissão dos sintomas em alta porcentagem de pacientes em 12 a 16 semanas (cerca de 70 a 90%). Inibem a produção de leucotrienos e têm atividade moduladora sobre a IL-1, TNF-alfa e outros. Geralmente inicia-se o tratamento com 40 a 60 mg de prednisona por dia, reduzindo-se a dose a 5 mg/semana quando houver resposta terapêutica favorável. Doentes com colites graves necessitam de hospitalização e emprego da via venosa (hidrocortisona 100 mg três vezes ao dia ou prednisolona 30 mg 12/12 horas). Devido a seus potenciais efeitos colaterais (Cushing, osteoporose, diabete, sangramento digestivo), novos derivados glicocorticoides têm sido introduzidos no mercado. A budesonida e a beclometasona apresentam maior atividade tópica e pouca atividade sistêmica. A revisão de estudos controlados com budesonida utilizada em doses de 9 mg/dia mostra eficácia comparável à da prednisona em doses de 40 mg/dia na DC do íleo distal e cólon direito, não havendo benefícios relevantes na terapia de manutenção. Uma vez obtida a remissão bem sucedida com glicocorticoides, seu uso no tratamento contínuo em doses baixas é ineficaz na prevenção da recidiva; além disso, aproximadamente 35% dos pacientes desenvolvem dependência dessas drogas. Nesses casos, o controle efetivo do processo inflamatório é mandatório para evitar o desenvolvimento de complicações.

SJT Residência Médica

Nesse contexto, os imunossupressores (azatioprina, 6-mercaptopurina, metotrexato, ciclosporina) são habitualmente indicados para induzir remissão em doença refratária ou dependente de glicocorticoides, e também como terapia de manutenção. Azatioprina na dose de 50 mg/dia é a primeira alternativa. Nos casos de intolerância ou alergia, usa-se o metotrexato 25 mg por semana por via intramuscular por 6 semanas, reduzindo-se para 10 a 15 mg/semana na manutenção. Análogos da purina (AZA ou 6-MP) também podem ser empregados em fístulas abdominais/entéricas ou perianais, com índices de sucesso de 80 e 56%, respectivamente. Entretanto, têm a desvantagem de apresentar resposta tardia à terapêutica (3 a 9 meses) e estão associados a efeitos adversos em 9 a 15% dos pacientes, como depressão medular, infecção, pancreatite, hepatite tóxica e linfoma. A ciclosporina age por bloqueio seletivo da ativação de linfócitos T-helper e citotóxicos. Apesar de ser um agente útil na conduta inicial de fístulas refratárias da DC, ocorre recidiva com a diminuição dos níveis séricos da droga. Além disso, os efeitos da ciclosporina na manutenção da remissão são desapontadores, razão pela qual tem sido cada vez menos indicada. O emprego de antibióticos (metronidazol, ciprofloxacina) baseia-se na suposição de que a flora bacteriana tenha um papel na patogênese das lesões da DC. Podem ser usados na manutenção da remissão clínica, na doença refratária e na presença de fístulas. O metronidazol é ativo contra a flora anaeróbica, e tem sido especialmente indicado no tratamento da doença perianal ou quando o cólon está envolvido. A ciprofloxacina é uma quinolona com atividade sobre E. coli e enterobactérias, que pode ser usada isoladamente ou associada ao metronidazol.

Terapêutica biológica O fator de necrose tumoral alta (TNF-alfa) é uma potente citocina, com uma série de efeitos proinflamatórios em pacientes com DII. O infliximabe (1998), adalimumabe (2007) e o certolizumabe (2008) são as principais drogas anti-TNF-α. O golimumabe é o mais recente anti-TNF-α. O etanercept não se mostrou eficaz em pacientes com DC. Qual é o melhor? A experiência mais consistente é com o infliximabe. Na prática o infliximabe deve ser a escolha inicial, principalmente nos pacientes que necessitam de uma rápida indução de resposta clínica ou que possam ter problemas de adesão à autoinjeção. Indicações: DC moderada a grave, doença fistulizante, DC refratária e doença metastática. Dose do infliximabe: 5 mg/kg (meia vida de

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Cirurgia do Intestino Delgado

7-12 dias), infusão venosa, a intervalos de 0,2 e 6 semanas, seguindo-se doses de manutenção a cada oito semanas. Em pacientes que não obtiveram mais respostas a 5mg/kg com dose de manutenção, há evidência de que venham a responder novamente com uma dose de 10 mg/kg. Efeitos adversos: reação de hipersensibilidade, lúpus-like, tuberculose, linfoma e doença des-

mielinizante do SNC. A realização de PPD e radiografia de tórax é obrigatória. Pacientes com PPD reator (≥ 5 mm)e sem sinais de tuberculose ativa, fazer infliximabe associado com isoniazida (300 mg/ dia por 6 meses). Cocidioidomicose e histoplasmose são outras infecções documentadas nos pacientes em uso de infliximabe.

Terapias anti-TNF usadas na doença de Crohn Agente

Via de administração

Protocolo de indução

Protocolo de manutenção

Infliximabe

Intravenosa

5 mg/kg nas semanas 0, 2, 6

5 mg/kg a cada 8 semanas

Adalimumabe

Subcutânea

160 mg na semana O 80 mg na semana 2 40 mg na semana 4

40 mg a cada 2 semanas

Certolizumabe

Subcutânea

400 mg nas semanas 0, 2, 4

400 mg a cada 4 semanas

Tabela 8.10

Drogas anti-integrinas Os anticorpos anti-integrinas (natalizumabe e vedolizumabe) têm como alvo as moléculas integrinas, que são fundamentais na migração de leucócitos para os locais de inflamação. O natalizumabe foi aprovado pelo FDA em 2008. Em relação ao perfil de segurança a maior preocupação tem sido o desenvolvimento de encefalopatia multifocal progressiva, causada pelo vírus JC. A dose recomendada é de 400 mg uma vez a cada quatro semanas e sem dose de indução, em infusão endovenosa. A indicação fica por enquanto aos pacientes não respondedores às drogas anti-TNF-α.

Terapias anti-integrina usadas na doença de Crohn Agente

Via de administração

Protocolo de indução

Protocolo de manutenção

Natalizumabe

Intravenosa

300 mg na semana O

300 mg a cada 4 semanas

Vedolizumabe

Intravenosa

300 mg nas semanas 0, 2, 6

300 mg a cada 8 semanas

Tabela 8.11

Outros tratamentos A oxigenoterapia hiperbárica tem sido utilizada para elevar a tensão relativa de oxigênio tecidual, a fim de controlar infecção por anaeróbios, melhorar a atividade bactericida de leucócitos e a proliferação de fibroblastos. Sua administração normalmente requer várias sessões semanais de oxigênio a 100% em pressão de 2,5 atmosferas, com resultados iniciais bons em doença perianal refratária. O tratamento com probióticos, constituído pela administração de altas concentrações de bactérias não patogênicas (Lactobacillus, Bifidobacterium, Saccharomyces boulardii, Streptococcus salivarius) que modificam a flora intestinal, substituindo as cepas mais agressivas e reduzindo a agressão antigênica oriunda das bactérias patogênicas, mais agressivas (exemplo: Salmonella, Listeria, Clostridium etc.), tem obtido resultados animadores, tanto em pacientes com RCU como em portadores da doença de Crohn prolongando o tempo de remissão da doença.

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8 Doença de crohn

Novos biológicos em andamento Novos produtos biológicos sob investigação para DII Fármaco

Alvo molecular

Anrukinzumabe

IL-13

Etrolizumabe

Integrinas

Tralokinumabe

IL-13

Ustekinumabe

IL-12/23

Vatelizumabe

VLA-2

IL: interleucina; VLA: antígeno de ativação muito tardia.

Tabela 8.12

Requisitos de triagem infecciosa previamente ao início da terapia* Agente

Tuberculose

Hepatite B

Vírus JC

Infliximabe

+

+

Adalimumabe

+

+

Certolizumabe

+

+

Natalizumabe

+

Vedolizumabe

Tabela 8.13 (*) Recomendações gerais: é possível que pacientes individuais requeiram investigação para infecções, com base em estado clínico, história de infecção, suspeita de infecção e/ou localização geográfica.

Terapia nutricional (TN) A TN pelas vias oral, enteral ou parenteral pode ser necessária em várias fases evolutivas das DII. Os principais objetivos da TN são manter e/ou recuperar as condições nutricionais, obter uma eventual remissão da atividade da doença, reduzir as indicações cirúrgicas e as complicações operatórias. De maneira geral, prefere-se a via enteral em virtude de gerar menos complicações e ter custo menor, reservando-se a via parenteral para quando houver contraindicação ou intolerância à via enteral. Contraindicações ao uso da nutrição enteral (NE) incluem hemorragia maciça, perfuração ou obstrução intestinal, fístulas de alto débito, megacólon tóxico e alguns casos de síndrome do intestino curto.

DII Consegue atingir 60% das necessidades por via oral? Sim Dietas poliméricas por via oral

Não Nutrição parenteral nos casos em que a nutrição enteral não é possível

Nutrição enteral (sonda nasogástrica, enteral, gastrostomia, jejunostomia) • Poliméricas • Oligoméricas • Monoméricas

Figura 8.10 Algoritmo para indicação da terapia nutricional na doença inflamatória intestinal (DII)

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Indicações cirúrgicas O tratamento cirúrgico de uma complicação deve ser limitado ao do segmento envolvido e nenhuma tentativa deve ser feita para ressecar mais intestino, mesmo que uma doença macroscopicamente evidente possa ser aparente.

As indicações cirúrgicas para tratamento das DII devem resultar de um consenso entre cirurgião e o paciente conhecedor das características de sua doença, das perspectivas do ato operatório e suas consequências. O tratamento cirúrgico possibilita melhora da qualidade de vida deteriorada em parcela significativa dos pacientes. A intratabilidade clínica e a obstrução intestinal são as mais comuns indicações cirúrgicas. Vários autores destacam a intratabilidade clínica como a indicação mais comum, no entanto o tratado do Sabiston, 19a edição destaca a obstrução intestinal como a causa mais comum. Principais indicações cirúrgicas na doença de Crohn (DC) Intratabilidade clínica Dificuldade no controle dos sintomas com doses máximas de medicação Efeitos colaterais importantes do tratamento clínico Dificuldade de manutenção do tratamento pela presença de crises de agudização Complicações agudas Abscessos anais Abscessos abdominais Perfuração livre Oclusão intestinal Megacólon tóxico Hemorragia maciça Complicações crônicas Fístulas internas Fístulas enterocutâneas e colocutâneas Manifestações extraintestinais Retardo no crescimento Neoplasi

Tabela 8.14

Preparo pré-operatório O preparo mecânico do cólon é fundamental. Preparos anterógrados com manitol, polietileno glicol ou picossulfato sódico devem ser realizados cuidadosamente, uma vez que muitos desses doentes podem ser portadores de estenose ou fístulas. O preparo reduz a quantidade de fezes e bactérias, mas não as elimina, razão pela qual os antibióticos devem ser administrados antes que ocorra a contaminação bacteriana, visando a bactérias Gram-negativas e anaeróbicas. Nas DII, a antibioticoterapia deve ser terapêutica, porque esses doentes apresentam alterações imunológicas que podem favorecer a instalação de infecções secundárias.

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Técnicas cirúrgicas Estima-se que o tratamento cirúrgico seja necessário em aproximadamente 50% dos pacientes após 5 anos de doença e entre 74 a 96% após 10-20 anos de seguimento. A ressecção completa dos segmentos macroscopicamente envolvidos era considerada essencial, mas demonstrou-se que a incidência de recidiva não depende de doença residual microscópica nas margens de ressecção. Como princípios básicos, recomenda-se realizar incisão mediana para preservar os quadrantes inferiores do abdome, reconhecer a extensão da doença para o correto planejamento operatório, proceder a ressecções econômicas e evitar anastomoses na presença de contaminação cavitária. Para preservar a maior extensão possível do intestino, empregam-se ressecções econômicas ou enteroplastias no tratamento das lesões múltiplas do intestino delgado. Ressecções parciais ou múltiplas, retirando as áreas mais intensamente atingidas, podem ser benéficas para diminuir os sintomas e evitar desnutrição.

Doença ileal ou ileocecal Na doença ileal os quadros obstrutivos são, geralmente, parciais e passíveis de resolução com tratamento conservador. Quando associadas a fibrose extensa, abscessos e fístulas associadas, a ressecção do segmento acometido torna-se imperativa, e a reconstrução do trânsito pode ser feita por anastomose laterolateral mecânica ou terminoterminal manual, reconhecendo-se, hoje, que a primeira está associada a menor índice de complicações e recidiva. A ressecção com margem mínima de segurança deve se acompanhar de cuidados técnicos adicionais na dissecção do mesentério inflamado e espessado, a fim de manter o segmento remanescente bem vascularizado. Linfadenectomias empregadas no passado são desnecessárias. Excepcionalmente, quando as condições técnicas impedirem a ressecção intestinal, pode-se realizar derivações internas ou externas. Em pacientes já submetidos a operações prévias, a combinação de ressecção limitada e técnicas conservadoras pode ser a melhor alternativa. A ressecção ileal interfere com a absorção de vitamina B12 e dos sais biliares, podendo determinar alterações funcionais, desenvolvimento de litíase biliar e cálculos renais de oxalato. Desnutrição grave ocorre quando é excisado mais que 75% do intestino delgado.

Jejunoileíte Forma clínica grave com acometimento de segmentos longos e/ou múltiplos no intestino delgado, levando, com maior frequência, a quadros de estenoses curtas.

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8 Doença de crohn O tipo mais popular de enteroplastia é a técnica de Heineke-Mikulicz, originalmente proposta para tratamento da hipertrofia pilórica. Geralmente usada em estenoses menores que 7 cm, essa técnica consiste em abrir longitudinalmente o intestino na borda antimesentérica, fechando essa brecha no sentido transverso de maneira a aumentar a luz intestinal e corrigir a estenose. Já a técnica de Finney é mais bem indicada em estenoses entre 7 e 15 cm (geralmente > 10 cm), arqueando o segmento afetado em forma de U. Por esse detalhe técnico, seu uso não é indicado para longos segmentos intestinais pela dificuldade de dobrá-lo sobre si mesmo.

do elevada a incidência de recidiva, o paciente se beneficia pela ausência do estoma e pelo controle dos sintomas durante algum tempo.

Embora a técnica de Heineke-Mikulicz seja a mais comumente usada, a análise evolutiva dos pacientes sugere que a técnica de Finney pode reduzir os índices de reoperações em pacientes selecionados.

Nos casos em que o cirurgião não esteja convicto da viabilidade do reto ou na presença de sepse perineal, pode-se preservar o reto e realizar colectomia subtotal e ileostomia, postergando a ressecção definitiva do reto. Nesses casos, o paciente deve ser submetido a exames rotineiros do reto em vista da possibilidade de malignização.

Variações das técnicas de enteroplastia têm sido idealizadas. Fazio et al. descreveram um método que combina elementos desses dois tipos de plástica, utilizada nas estenoses de até 20 centímetros. Michelassi sugeriu a realização de enteroplastia isoperistáltica com anastomose laterolateral para tratamento de estenoses longas. Em 1997, Taschieri et al. descreveram uma enteroplastia alternativa, indicada seletivamente para os casos em que o íleo terminal está muito inflamado e há estreitamento da válvula ileocecal. A seleção dos locais para realização da enteroplastia é importante. Estenoses fibróticas segmentares (curtas) são consideradas as mais apropriadas, seja no jejuno íleo, duodeno ou em anastomoses ileocolônicas ou ileorretais após ressecção intestinal. As enteroplastias têm sido especialmente indicadas em pacientes com jejunoileíte difusa (especialmente com ressecções prévias) e nas estenoses longas, com bons resultados. Eventualmente, são associadas a ressecções parciais. Perfuração intestinal, fístulas e abscessos são considerados contraindicações para sua realização.

Doença colônica As principais indicações cirúrgicas são intratabilidade clínica, fístulas e estenoses. A realização de derivações intestinais isoladas para prover “repouso” ao intestino inflamado não oferece benefícios aos pacientes, sendo esta indicação abandonada em favor da instituição de terapia nutricional parenteral no pré-operatório. Assim, a doença colônica deve ser tratada por técnicas de ressecção que irão variar conforme as características de cada paciente. A conduta operatória irá depender da localização preferencial do processo inflamatório e da presença de lesão perianal. Ressecções econômicas segmentares do cólon direito ou do cólon esquerdo com anastomose primária podem ser realizadas em doenças limitadas a esses segmentos. Mesmo sen-

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A maioria dos doentes com colite de Crohn apresenta acometimento extenso, poupando o reto em até 25% dos casos. Colectomia total com ileorretoanastomose pode ser realizada em pacientes em que o reto tenha boa complacência, não esteja muito comprometido pelo processo inflamatório ou por displasia, comprovando-se que há boa função esfincteriana. Do ponto de vista técnico, é procedimento mais simples, com baixo índice de complicações pós-operatórias e sem consequências na esfera urogenital.

O acometimento perianal importante torna necessária a realização de proctocolectomia total com ileostomia definitiva.

Cirurgia de emergência O tratamento cirúrgico emergencial é realizado para o controle das hemorragias, tratamento da obstrução aguda, do megacólon tóxico, da ileíte aguda e da perfuração, que são complicações pouco frequentes.

Fístula Fístulos podem se originar de qualquer segmento intestinal e envolver órgãos ou estruturas adjacentes, como a pele (enterocutâneas), bexiga (enterovesicais), vagina (retovaginais) e alças intestinais (enteroentéricas ou enterocólicas). Fístulas perianais são frequentes. Deficiências nutricionais, como anemia e hipoalbuminemia, são comuns. As fístulas enterocutâneas devem ser tratadas pela excisão do trajeto fistuloso ao longo do segmento lesado do intestino e realizando-se uma reanastomose primária. Se a fístula formar-se entre duas ou mais alças adjacentes de intestino lesado, os segmentos envolvidos devem ser excisados. A presença de uma fístula enteroenteral radiologicamente demonstrável sem nenhum sinal de sepse ou de outras complicações não é, em si mesma, uma indicação cirúrgica. Caso haja indicação cirúrgica, a recomendação é ressecção econômica com anastomose primária. Nas fístulas ileossigmoideanas, geralmente, a ressecção fica restrita ao segmento do íleo acometido, já que o sigmoide, na grande totalidade dos casos, está sadio. Caso se evidencie doença nesse segmento colônico, o sigmoide deve ser ressecado em conjunto com o íleo.

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Megacólon tóxico

Videocirurgia na doença de Crohn

O megacólon tóxico constitui complicação grave caracterizada por dilatação do cólon (> 6 cm) e quadro séptico, de etiologia ainda mal definida. A inflamação transmural resulta em paralisia da musculatura lisa do cólon, que se dilata passivamente e perde as contrações propulsivas. A peritonite localizada permite absorção de toxinas, desencadeando quadro séptico com febre, taquicardia, leucocitose e choque. Muitos pacientes não respondem à terapia clínica e requerem intervenção cirúrgica precoce.

Virtualmente, todas as operações realizadas por via convencional em pacientes com DC podem ser feitas por VL, incluindo procedimentos laparoscópicos de complexidade variável, como laparoscopia diagnóstica, derivação intestinal para controle de sepse perineal ou fístulas complexas, ressecção intestinal segmentar, ileocolectomia, enteroplastia, colectomia segmentar ou total (com ou sem anastomose). Essas técnicas variam na extensão em que os sucessivos tempos operatórios (desvascularização, secção intestinal e anastomose) são realizados dentro ou fora da cavidade abdominal.

Constituem indicações para cirurgia imediata a presença de perfuração livre ou sinais de peritonite, dor abdominal intensa e localizada (indicando perfuração iminente), sinais de choque séptico, hemorragia maciça associada ou deterioração das condições gerais em período de 24 horas. A restauração da continuidade do trânsito intestinal não deve ser tentada em condições emergenciais, como a colite fulminante e megacólon tóxico. Nessas circunstâncias, o procedimento mais indicado é a colectomia subtotal com ileostomia e sepultamento do reto remanescente, ou sua exteriorização como fístula mucosa.

Doença perianal As manifestações perianais da DC ocorrem em proporção variável entre 20 a 80% dos pacientes, e a meta do tratamento é a resolução da sintomatologia. Embora o tratamento local possa ser efetivo em pacientes selecionados, todos os esforços devem ser dirigidos para a resolução da doença intestinal, cujo controle ajuda na cicatrização perianal. Os critérios para avaliação da atividade da doença incluem a presença de dor abdominal, diarreia e complicações sistêmicas. A realização de colostomia não promove cicatrização, e a presença de lesões extensas pode motivar a indicação de amputação do reto, sendo essa situação pouco comum. Quando associada à incontinência fecal, outra opção é a proctocolectomia total, que evita a realização de grandes feridas que podem ter cicatrização lenta e difícil. O abscesso anal se constitui em indicação óbvia de tratamento cirúrgico local. O tratamento deve ser individualizado. Combinações terapêuticas envolvendo antibióticos, azatioprina/6-MP com ou sem infliximab, associadas à cirurgia conservadora (incisão, drenagem e colocação de seton) podem facilitar a cicatrização de fístulas em muitos pacientes. Em casos de sepse perianal, o emprego de oxigenoterapia hiperbárica pode melhorar as condições locais, e o uso de drogas biológicas (anti-TNF-alfa) podem ser benéficas.

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A colocação dos portais deve ser cuidadosamente planejada, tendo em mente que ao longo da evolução podem ser necessárias reoperações ou a confecção de estoma de derivação (doença perianal grave, ileostomia permanente, quadro fulminante). As ressecções segmentares e enteroplastias devem ser feitas segundo os mesmos princípios da cirurgia convencional. Recomenda-se reconhecer a extensão da doença pela inspeção sequencial retrógrada (do íleo terminal ao ângulo de Treitz), à procura de lesões não detectadas radiologicamente. Os segmentos doentes podem ser marcados e exteriorizados para ressecção ou enteroplastia. As ressecções ileocolônicas são realizadas de maneira “assistida”. O segmento é mobilizado por via laparoscópica, após o que é exteriorizado por pequena incisão auxiliar (ou facilitadora), desvascularizado, ressecado e anastomosado fora da cavidade abdominal. Em seguida, as alças são reintroduzidas e se restabelece o pneumoperitônio. A desvascularização também pode ser intracorpórea, facilitando a exteriorização do cólon. Na DC, é necessário evitar a apreensão e tração da alça inflamada, progredindo-se a dissecção da área intestinal normal em direção ao segmento doente, a fim de evitar enterotomias. A inflamação transmural resulta em mesentério espessado, friável e com aderências, tornando sua manipulação difícil e com maior risco de sangramento. Além disso, a mobilização de alças inflamadas através de uma pequena incisão pode causar estiramento e sangramento do mesentério, além de poder acarretar íleo pós-operatório prolongado. Apesar disso, a mobilização laparoscópica seguida de ligaduras vasculares extracorpóreas pode ser mais segura, rápida e barata quando o mesentério for espessado, permitindo, inclusive, a confecção de anastomose fora da cavidade. Há que se considerar também que a aplicação de clipes requer maiores cuidados técnicos em mesentério espesso.

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8 Doença de crohn

Nesse sentido, uma opção bastante atraente consiste em utilizar dispositivos especiais como o Ligasure Lap (Valleylab), que permite selar vasos com mínimo chamuscamento e disseminação de energia térmica, mas a experiência atual é ainda pequena. Recomenda-se que as incisões auxiliares sejam medianas trans-umbilicais, ou transversais suprapúbicas tipo Pfannenstiel. Além do efeito cosmético, essas incisões preservam os flancos do abdome para a eventual realização de estomas intestinais. Uma vantagem adicional da incisão mediana é possibilitar reintervenções pós-operatórias e futuras ressecções laparoscópicas nas recidivas. Aqueles que defendem a incisão de Pfannenstiel acreditam que ela também proporciona menos dor e complicações (infecção e hérnia) em comparação às incisões medianas ou transversais. Após a ressecção com margem mínima de segurança, pode-se fazer anastomose laterolateral mecânica ou terminoterminal manual, sabendo-se, hoje, que a primeira está associada a menores índices de complicações e recidivas.

Figura 8.11 Ressecção ileocolônica típica para enterite regional. A: a margem de ressecção ileal fica imediatamente acima (proximal) da doença macroscópica. O ceco (e a válvula ileocecal) deve ser removido de forma que toda doença seja retirada, porém o cólon direito é preservado seccionando-o logo abaixo (distal) de qualquer acometimento colônico. O mesentério pode ser seccionado relativamente próximo ao intestino, a fim de preservar o suprimento sanguíneo (linha interrompida), pois os gânglios linfáticos aumentados não precisam ser removidos; B: uma anastomose terminoterminal é sempre exequível, apesar de qualquer discrepância de tamanho entre o íleo e o cólon.

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Figura 8.12 Estrituroplastia. A: os estreitamentos curtos podem ser alargados por uma incisão longitudial e um fechamento transversal (análogo à piloroplastia de Heineke-Mikulicz); B: os estreitamentos mais extensos são abertos por uma incisão longitudinal e realiza-se um longo fechamento laterolateral (análogo à piloroplasia de Finney).

Figura 8.13 Técnica de enteroplastia de Finney.

Prognóstico Os pacientes com pior diagnóstico são aqueles que manifestam a doença antes dos 40 anos ou naqueles que têm doença por mais de 13 anos. A taxa de mortalidade é duas a três vezes maiores do que na população geral. A chance de desenvolvimento de câncer é de 3-20 vezes maior do que na população em geral.

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Resumo dos fatores preditores de mau prognóstico na DII

Ao diagnóstico

Qualquer momento

Risco aumentado < 40 anos de idade Doença perianal Necessidade de corticosteroide no primeiro surto Envolvimento do trato digestivo superior Acometimento extenso do delgado (> 100 cm) Perda de peso > 5 kg 2 a 3 dos itens anteriores conferem > 90% de chance Manifestações extraintestinais Tabagismo Envolvimento ileal Ulcerações profundas na colonoscopia Falta de cicatrização mucosa após indução

Tabela 8.15

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CAPÍTULO

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Abdome agudo

Introdução “A regra geral para o abdome agudo são: pacientes que estavam previamente bem e iniciaram quadro com dor abdominal contínua por mais de seis horas (dor de importância cirúrgica)”. Sir Zachary Cope (1881-1974) Define-se abdome agudo como a entidade abdominal de acometimento agudo (menos de uma semana de duração), geralmente doloroso, com anormalidade na peristalse, e que nos obriga a um diagnóstico precoce e à terapêutica de urgência. Embora os sinais e sintomas possam, em geral, ser agudos, a lesão subjacente nem sempre é aguda. Vale lembrar que, abdome agudo não quer dizer, necessariamente, abdome agudo cirúrgico (por exemplo, cetoacidose diabética). O diagnóstico exato pode não ser detectado

até a realização da cirurgia e, por vezes, a causa exata do abdome agudo não é esclarecida mesmo nesse momento. O propósito deste capítulo é fazer uma abordagem de cunho generalista, deixando as particularidades de cada grupo de abdome agudo para os próximos módulos da clínica cirúrgica. Leia com carinho e atenção este capítulo, ao final você terá assimilado informações nobres para as provas de RM.

Classificação Embora, com frequência, observa-se sobreposição de aspectos clínicos e fisiopatológicos na maior parte dos casos de abdome agudo, o quadro predominante nos permite adotar uma classificação etiológica. Alguns autores classificam o abdome agudo traumático ou, ainda, o incluem como um subtipo de síndrome hemorrágica.

1) Inflamatório*: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite, doença inflamatória pélvica, abscessos intracavitários, peritonites primárias e secundárias, febre do Mediterrâneo, adenite mesentérica e tiflite. 2) Perfurante: úlcera péptica, câncer gastrintestinal, febre tifoide, diverticulite, doença de Crohn. 3) Obstrutivo: obstrução pilórica, hérnia estrangulada, bridas, áscaris, corpos estranhos, cálculo biliar, volvo, intussuscepção, ílio adinâmico. 4) Hemorrágico: gravidez ectópica, rotura de aneurisma abdominal, cisto hemorrágico de ovário, rotura de baço, endometriose, necrose tumoral. 5) Vascular: trombose da artéria mesentérica, torção do grande momento, torção do pedículo de cisto ovariano, infarto esplênico.

Tabela 9.1 Classificação do abdome agudo não traumático de origem abdominal, segundo a natureza do processo determinante. *O tipo inflamatório é o mais comum e a apendicite corresponde à causa mais comum de abdome agudo.


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Anamnese Os dados de identificação do paciente quanto ao sexo, idade e procedência oferecem informações de grande importância em razão da existência de doenças mais comuns ligadas ao sexo e idade, por exemplo, a intussuscepção nos climas temperados, que ocorre geralmente em crianças com idade inferior a dois anos. A apendicite, que é menos frequente na infância, é mais comum em jovens adolescentes. A obstrução do intestino grosso, por uma estenose maligna, raramente é vista antes dos 30 anos, mas é a causa mais comum de obstrução intestinal (ID) em pessoas com mais de 50 anos. Existem também doenças endêmicas relacionadas à procedência, como um quadro obstrutivo intestinal baixo em paciente originário de área endêmica de doença de Chagas, caracterizando suspeita de volvo (torção de víscera oca em torno do seu eixo de pelo menos 180o) do sigmoide.

A sensação de dor é projetada em diferentes níveis da parede abdominal, desde o epigástrio até o hipogástrio, na dependência da origem embriológica da víscera afetada (Atenção!): Intestino primitivo superior (foregut – da boca à papila de Vater) = dor referida no epigástrio. Intestino primitivo médio (midgut – da papila de Vater à metade do cólon transverso) = dor referida no mesogástrio. Intestino primitivo inferior (hindgut – do transverso até metade do ânus) = dor referida no hipogástrio.

A dor visceral é sempre a primeira manifestação de doença intra-abdominal, sendo, com frequência, resultante de alterações da motilidade de vísceras ocas (cólica intestinal, uretral, biliar), em especial quando secundária a gastroenterocolites agudas.

Dor abdominal A dor abdominal é fundamental para o diagnóstico, sendo comumente a queixa principal. Costuma ter como sintomas associados: anorexia, náuseas e vômitos, distensão abdominal, parada de eliminação de gases e fezes. Além disso, pode ser acompanhada de manifestações específicas que se originam na víscera ou órgão de determinado sistema, como icterícia, hemorragia digestiva, hematúria ou corrimento genital, e de sintomas gerais como febre, sensação de fraqueza ou perda de consciência. Costuma-se distinguir três tipos fundamentais de dor abdominal: a visceral, a parietal (visceroperitoneal) e a dor referida.

Dor visceral É mediada por fibras aferentes do sistema nervoso autônomo (SNA), cujos receptores se localizam na parede das vísceras ocas e na cápsula de órgãos parenquimatosos. É desencadeada sempre que se aumenta a tensão da parede da víscera, seja por distensão, inflamação, isquemia ou contração exagerada da musculatura. A dor visceral é uma sensação dolorosa profunda, surda e mal localizada, de início gradual e de longa duração. Ao contrário da dor somática, a dor visceral é causada quase unicamente por distensão ou estiramento dos órgãos. É sentida na linha mediana do abdome em virtude de a inervação sensorial ser bilateral; exceções são as vísceras duplas como rins e ureteres e anexos uterinos onde a dor tende a ser do lado afetado, pois, nestes casos, as vias nervosas são unilaterais.

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Figura 9.1 Localização da dor visceral. Atenção: dor visceral + dor somática (parietal) = suspeita de abdome agudo.

Dor parietal ou somática A dor parietal, também denominada visceroperitoneal ou mesmo somática, é mediada por receptores ligados a nervos somáticos existentes no peritônio parietal e raiz do meso (dobra de peritônio que liga uma alça intestinal à parede com vasos no seu interior). Sua distribuição cutânea é unilateral e correspondente à área inervada pelo nervo cerebrospinal estimulado; como o peritônio é inervado pelas raízes nervosas provenientes de T6 a L1, a dor é percebida em um dos quatro quadrantes do abdome (superior e inferior, direito e esquerdo). A dor parietal é provocada por estímulos mais intensos resultantes do processo inflamatório (edema e congestão vascular). A sensação dolorosa é aguda, em pontada, melhor localizada e mais constante; associa-se à rigidez muscular e à paralisia intestinal. A dor somática pode ser provocada pela compressão manual da parede abdominal, levando o paciente a contrair voluntariamente a musculatura desse local, como defesa muscular. A compressão do local e a brusca retirada da mão promovem a exacerbação da dor (sinal de descompressão brusca dolorosa positiva). Esse é o “DB +”.

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9 Abdome agudo A contratura muscular involuntária é consequente ao reflexo espinhal que se origina nas terminações nervosas subperitoneais, provocado pela inflamação do peritônio. Quando o processo é localizado, a contratura muscular ocorre no mesmo metâmero inervado pelos mesmos nervos somáticos do segmento de peritônio comprometido. Quando o processo inflamatório atinge todo o peritônio parietal, como na peritonite química por úlcera péptica perfurada, toda a musculatura abdominal se contrai. É o que se denomina “abdome em tábua”.

Dor referida É transmitida pela via visceral, propriamente dita, que leva à percepção da sensação dolorosa em regiões distantes do órgão de origem da dor no ponto do segmento medular onde se insere no corno posterior da medula. É sentida como se fosse superficial, porque esta via faz sinapse na medula espinhal com alguns dos mesmos neurônios de segunda ordem que recebem fibras de dor da pele. Assim, quando as viscerais para a dor são estimuladas, os sinais de dor das vísceras são conduzidos por pelo menos alguns dos

mesmos neurônios que conduzem sinais de dor procedentes da pele. Frequentemente, a dor visceral referida é sentida no segmento dermatotópico do qual o órgão visceral se originou embriologicamente. Isso se explica pela área que primeiro codificou a sensação de dor no córtex cerebral. Um exemplo seria o caso do infarto do miocárdio, em que a dor é sentida na superfície do ombro e face interna do braço esquerdo. Outro caso é a cólica de origem renal, na qual é comum o paciente referir dor na face interna da coxa. Pode ocorrer por estímulo direto de fibras nervosas somáticas que se originam em níveis superiores da medula espinhal. É o que ocorre, por exemplo, no diafragma, que tem dupla inervação somática por causa de sua origem embriológica:

Centro tendíneo do diafragma – ar, sangue, suco gástrico ou pus → a dor se localizará na região cervical e ombro cuja inervação é realizada pelos nervos cervicais originários das mesmas raízes nervosas que o nervo frênico (C3, C4, C5);

Periferia diafragmática – dor na parede abdominal, no território dependente dos nervos intercostais.

Dor referida Pancreatite aguda Dorso

Colescistite aguda

Dorso ou flanco Ruptura de Aneurisma

Cólica ureteral

Apendicite

Úlcera perfurada

Dor deslocada Figura 9.2  Localização da dor referida.

Níveis sensitivos associados a estruturas viscerais Estruturas

Vias do sistema nervoso

Nível sensitivo

Nervo frênico.

C3-5

Plexo celíaco e nervo esplâncnico maior.

T6-9

Fígado, baço e parte central do diafragma. Diafragma periférico, estômago, pâncreas, vesícula biliar e intestino delgado. Apêndice, cólon e vísceras pélvicas. Cólon sigmoide, reto, rins, ureteres e testículos Bexiga e retossigmoide.

Plexo mesentérico e nervo esplâncnico menor.

T10-11

Nervo esplâncnico mínimo.

T11 –L1

Plexo hipogástrico.

S2-4

Tabela 9.2

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Irradiação da dor

Náuseas e vômitos

É frequentemente diagnóstica, principalmente nas cólicas em que a dor se irradia para as áreas de distribuição dos nervos provenientes daquele segmento da medula que supre a região afetada:

No abdome agudo as náuseas e vômitos costumam ocorrer após a dor abdominal. Caso o primeiro sintoma tenha sido vômito, isso indica fortemente a favor de uma gastrenterite. Exceção a essa regra pode ser a apendicite em crianças, em que nem sempre o quadro é típico.

Cólica biliar – dor irradiada do hipocôndrio direito para zona inferior à ponta da escápula direita (oitavo segmento dorsal); a cólica biliar pode inibir os movimentos do diafragma e a dor pode aumentar por uma respiração forçada. Cólica renal – dor no dorso irradiada para testículo (grandes lábios) do mesmo lado. Dor pleural – piora durante uma inspiração profunda e é reduzida ou abolida durante as pausas respiratórias.

Características da dor abdominal As principais causas de dor de início súbito são: a perfuração de vísceras ocas em peritônio livre, a rotura do aneurisma da aorta e seus ramos, a isquemia mesentérica e outros menos graves, como a cólica biliar e a cólica ureteral. Nas perfurações de vísceras ocas, a intensidade da dor diminui progressivamente, após a perfuração; quando há sangramento intraperitoneal, a intensidade da dor e do choque que se seguem é progressiva. O grau de dor abdominal e de defesa muscular depende do comprometimento peritoneal, sendo intensa na víscera perfurada e pouco expressiva, pelo menos inicialmente, na isquemia mesentérica. Assim, o abdome agudo cujo início é rápido e a dor é de grande intensidade precisa de uma intervenção mais rápida. A dor de início rápido, que aumenta de intensidade em minutos, é característica de processo inflamatório como pancreatite aguda, mas também é observada em outras afecções não menos graves como prenhez ectópica rota e isquemia mesentérica. As afecções que cursam com dor gradual e contínua evoluem lentamente antes que ocorram graves complicações. Neste grupo, encontram-se as afecções inflamatórias e/ou infecciosas, as mais frequentemente encontradas no abdome agudo, como apendicite aguda, colecistite aguda, a salpingite aguda e a linfadenite mesentérica. Dor abdominal difusa – diagnóstico diferencial Peritonite Pancreatite aguda Crise falcêmica Apendicite em fase inicial Trombose mesentérica Gastrenterite Dissecção ou ruptura de aneurisma aórtico ID Diabetes melito descompensado

Tabela 9.3

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O reflexo do vômito é desencadeado após os centros medulares do vômito terem sido estimulados por impulsos conduzidos pelas fibras nervosas aferentes do SNA. Os vômitos são responsáveis pelo alívio temporário da dor. Nas obstruções intestinais, os vômitos são de início reflexos, e, por esse motivo, o material expelido apresenta características de suco gástrico ou tem restos alimentares. Com o passar do tempo, os vômitos tornam-se biliosos e, posteriormente, fecaloides, por causa da regurgitação do conteúdo intestinal que, impedido de prosseguir, reflui para o estômago. Nas peritonites químicas (suco gástrico, bile, sangue ou urina) ou bacterianas secundárias (perfuração de vísceras ocas ou rotura de abscessos), as náuseas e vômitos são secundários ao íleo adinâmico que se segue. Além das características do conteúdo, a intensidade e a frequência dos vômitos são importantes no diagnóstico diferencial dos processos obstrutivos intestinais, sendo mais intensos e frequentes quanto mais proximais for a obstrução. Por essa razão, decorre o maior grau de desidratação e hipovolemia observado nas obstruções mecânicas altas, ocorrendo também perda de íons (hidrogênio e cloro das secreções gástricas e sódio e bicarbonato das secreções duodenais perdidas), o que determina com maior facilidade a frequência de desvios do equilíbrio acidobásico (alcalose metabólica hipoclorêmica, hipocalêmica). Nas obstruções baixas (delgado distal e cólon), os vômitos são tardios, geralmente fecaloides e acompanhados em longo prazo de hipovolemia, sem distúrbios acidobásicos, e quando este ocorre, o esperado é acidose metabólica.

Parada de eliminação de gases e fezes A adnamia do tubo digestivo (íleo) é consequente ao reflexo inibidor de sua motilidade, desencadeado pela estimulação de fibras nervosas sensitivas viscerais e do peritônio, cujas vias eferentes são fibras simpáticas. Esse mesmo reflexo pode ser desencadeado por estímulos extraperitoneais (cólica nefrética) ou extra-abdominais (afecções pleuropulmonares basais ou mesmo fratura de costelas). Como resultado desse reflexo, não há eliminação de gases ou fezes e o abdome progressivamente se distende.

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9 Abdome agudo Nos processos obstrutivos mecânicos intestinais, o obstáculo, em determinada altura do tubo digestivo, dificulta ou impede o trânsito intestinal. Nas obstruções mecânicas parciais, como: hérnia de Richter (hérnia com pinçamento lateral da alça intestinal), aderências pós-operatórias imediatas (bridas) ou neoplasias suboclusivas dos cólons há passagem de gases e conteúdo intestinal, o que também pode ocorrer nas obstruções totais pela eliminação de gases e do conteúdo fecal a jusante (distal) do obstáculo. Nessas circunstâncias, pode ocorrer a diarreia paradoxal, que é a eliminação pelo ânus de muco e conteúdo intraluminal previamente coletado a jusante do obstáculo. A presença de diarreia não exclui obstrução! A diarreia abundante, com fezes líquidas, é característica das gastroenterocolites e outras afecções não cirúrgicas. Entretanto, vários episódios com pouca quantidade de fezes diarreicas por dia podem levantar a suspeita de abscesso intra-abdominal.

Sintomas específicos Os sintomas específicos são úteis para a localização da afecção responsável pelo abdome agudo. A icterícia sugere doença hepatobiliar. A hematêmese e melena denunciam a doença gastroduodenal; a hematoquezia (às vezes) e a eliminação pelo ânus de restos necróticos são características de colite isquêmica aguda; a hematúria sugere a passagem de cálculo uretral ou cistite. O corrimento vaginal purulento relaciona-se com a moléstia inflamatória pélvica.

Antecedentes Algumas manifestações clínicas pregressas, bem como exames complementares realizados também podem nos auxiliar no diagnóstico. Assim, a úlcera péptica, previamente conhecida, pode reforçar um diagnóstico de úlcera péptica perfurada. A colecistite calculosa sintomática ou quando reconhecida por ultrassom (US) pode reforçar o diagnóstico de colecistite aguda ou pancreatite aguda. Casos de melena e mudanças do hábito intestinal em pacientes com manifestações de obstrução do cólon nos orientam sobre uma possível obstrução neoplásica, assim como uma operação ginecológica ou apendicectomia prévia em doente com obstrução intestinal (ID) sugerem bridas ou aderências. Bridas são a causa mais comum de obstrução intestinal (ID) no adulto! A causa mais comum de ID em idoso ainda é a neoplasia (IG). Já a causa mais comum de ID em indivíduo > 70 anos com colelitíase é o ÍLEO BILIAR!

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O uso de drogas associadas pode ser uma pista para o diagnóstico. Anticoagulantes podem causar hematomas retroperitoneais ou mesmo hematoma em bainha do reto abdominal. Nas mulheres, a pesquisa sobre o ciclo menstrual também é muito importante, possibilitando um diagnóstico diferencial de ginecopatias agudas como prenhez ectópica, ovulação dolorosa (dor do meio do ciclo ou “Mittelschmerz”) e endometriose. Devemos questionar a paciente sobre o uso de anticoncepcionais, por causa da sua implicação na formação de adenomas hepáticos e do infarto venoso mesentérico. Após afastar qualquer hipótese de atraso menstrual ou gravidez, devemos solicitar exames radiográficos.

Exame físico O exame deve ser completo e sistematizado, investigando-se todos os órgãos e sistemas, em especial o tórax, o exame do aparelho genital feminino e o exame proctológico. Deve-se observar e descrever a dor, pois, muitas vezes, é por meio dela que se descobre o problema. As afecções que determinam quadro de abdome agudo rapidamente progressivo e grave costumam ser acompanhadas de manifestações sistêmicas como: palidez acentuada, taquicardia, taquipneia, sudorese fria, sugerindo grave peritonite ou hemorragia intraperitoneal por rotura de prenhez ectópica ou de aneurisma de aorta abdominal. A febre é uma manifestação comum e de elevada importância para o diagnóstico. A temperatura costuma ter discreta elevação, entre 37,5 º a 38 ºC, nas fases iniciais de afecções inflamatório-infecciosas (apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda), mas pode ser elevada (39º a 40 ºC) na moléstia inflamatória pélvica aguda (MIPA), ou em infecções graves como peritonites purulentas ou colangite supurativa, que são acompanhadas de manifestações sistêmicas como calafrios e toxemia e podem evoluir para choque séptico.

Exame do abdome Deve ser realizado com o paciente em decúbito dorsal, na posição anatômica e de maneira confortável, com exposição total do abdome, incluindo a face anterior do tórax e das regiões inguinocrurais. Alterando a sequência tradicional do exame físico, recomenda-se iniciar a avaliação pela inspeção, posteriormente, ausculta e percussão e, por fim, a palpação. Isto se impõe porque, muitas vezes, ao executarmos a palpação, a contratura da parede abdominal pode agravar-se, dificultando a sequência da avaliação, além de também poder ser alterada a peristalse, por meio do estímulo provocado pela palpação.

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral A ausculta deve ser realizada antes da palpação, pois esta pode modificar o caráter dos sons intestinais. Após o aquecimento do diafragma do estetoscópio, inicia-se a ausculta pelo quadrante inferior esquerdo, seguindo-se os outros três quadrantes. Recomenda-se um tempo mínimo de três minutos antes de definirmos um estado de aperistalse. Sons metálicos de alta intensidade podem corresponder a uma “peristalse de luta”, observada na fase precoce da obstrução intestinal mecânica. A defesa abdominal deve ser pesquisada colocando-se ambas as mãos sobre o abdome, comprimindo-o delicada e comparativamente. Caso a contração muscular seja voluntária, recomendam-se manobras para distrair o paciente. A dor à palpação é um dos sinais mais importantes do abdome agudo e, além da defesa muscular, denota também inflamação do peritônio. É bem localizada em algumas doenças como: colecistite aguda, apendicite aguda, MIPA e na peridiverticulite colônica. A dor costuma se acentuar quando a mão que comprime o abdome é retirada bruscamente (DB+). Na contratura muscular, o abdome é tenso, não depressível, e sua palpação provoca muita dor. Esta dor não acompanhada de defesa muscular pode estar associada às gastroenterocolites ou outras afecções abdominais sem comprometimento peritoneal. Na palpação podemos surpreender a presença de tumores ou visceromegalias, como vesícula palpável e dolorosa na colecistite aguda ou um plastrão fixo na fossa ilíaca direita (FID), de consistência firme, doloroso na apendicite.

Sinais físicos relevantes

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Na obstrução por fecaloma é possível palpar massa volumosa, de localização variável no abdome, geralmente hipogástrica, e que à palpação é moldável, apresentando a sensação tátil de descolamento, quando a pressão exercida sobre a mesma é relaxada (sinal de Gersuny). Renitência: esse é um reflexo desencadeado pela palpação, e pode ser voluntário ou involuntário. A renitência involuntária é uma resposta protetora, mediada pela medula espinhal na presença de peritonite. Renitência voluntária é conscientemente mediada pelo paciente. O reflexo voluntário pode tornar o exame particularmente difícil, podendo ser necessário distrair o paciente. Sinal de Fothergill: a renitência a palpação profunda é reduzida pela contração ativa da parede abdominal anterior (pela elevação da cabeça do leito), simulando a renitência voluntária. Isto ajuda a estabelecer distinção entre dores abdominais causadas pela parede abdominal e intra-abdominal. O paciente com patologia intra-abdominal deve apresentar menos dor à palpação.

Sinal de Murphy: observado nas colecistites agudas. É a parada abrupta da inspiração profunda por aumento da dor no momento em que o fundo da vesícula biliar inflamada é pressionado pelos dedos do examinador.

Sinal de Blumberg: é DB + no ponto de McBurney (a meio caminho entre espinha ilíaca anterossuperior e cicatriz umbilical), que sugere irritação peritoneal clássica da apendicite aguda.

Sinal de Halban: percussão ou palpação cada vez mais dolorosa, conforme se progride da fossa ilíaca até o hipogástrio. Observado nas patologias ginecológicas.

Sinal de Rovsing: é o sinal da mobilização das massas de ar; palpação do cólon esquerdo com mobilização do ar em direção do apêndice. A distensão do ceco e apêndice ocasiona exacerbação da dor em FID. É encontrado na apendicite.

Sinal do ileopsoas: dor à elevação e extensão do membro inferior, quando o doente se encontra em posição de decúbito dorsal. Pesquisado nos quadros de apendicite retrocecal.

Sinal do obturador: é a rotação do quadril fletido. Se existir inflamação/massa aderente à fáscia do músculo obturador interno, a realização da rotação interna da coxa fletida em decúbito dorsal resulta em dor hipogástrica. Pode ocorrer nos quadros de apendicite aguda – apêndice pélvico.

Sinal de Lennander: é a diferença de temperatura retal × axilar > 1 grau Celsius, sugerindo abdome agudo inflamatório. Entretanto, não é específico de apendicite, podendo ocorrer em isquemia mesentérica.

Sinal de Jobert: timpanismo pré-hepático; é o desaparecimento da macicez hepática nos grandes pneumoperitônios. A percussão com som timpânico tem valor quando realizada na face lateral do hipocôndrio direito.

Sinal de Giordano: punho-percussão dolorosa das regiões lombares. Sugestiva de quadros de infecções do trato urinário.

Manchas equimóticas periumbilicais (sinal de Cullen) ou nos flancos (sinal de Gray Turner) sugerem a hipótese de hemoperitônio, em especial relacionado com pancreatite aguda necrosante.

Sinal de Kehr: dor referida na região da articulação do ombro, resultante de inflamação aguda da superfície inferior do diafragma homolateral, podendo fazer suspeitar de úlcera péptica perfurada, rotura esplênica, colecistite aguda supurada ou abscesso hepático com peritonite local.

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9 Abdome agudo

Figura 9.3 Sinal de Cullen, mancha equimótica periumbilical e/ou umbilical, em razão da presença de hemoperitônio. Figura 9.6 Sinal do obturador: a rotação interna da coxa, previamente fletida, até o seu limite externo determina dor referida na região hipogástrica.

Figura 9.4 Sinal de Grey Turner na pancreatite aguda. Observe as manchas equimóticas na região do flanco em direção às fossas ilíacas.

Figura 9.5 Sinal de Jobert, indicando pneumoperitônio.

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Figura 9.7 Sinal psoas direito com o paciente em decúbito lateral esquerdo: a hiperextensão da coxa provoca dor que impede o prosseguimento da manobra.

Figura 9.8 Sinal do psoas com o paciente em decúbito dorsal.

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Exame das regiões inguinal e crural Estas regiões devem ser cuidadosamente inspecionadas, especialmente em obesos, onde a saliência de uma hérnia crural pode passar despercebida. É preciso verificar a redutibilidade das hérnias, uma vez que em casos de ID de outra natureza, as alças intestinais distendidas podem habitar o saco herniário sem que a hérnia seja a responsável pelo quadro obstrutivo.

Hérnia encarcerada = não redutível (não pode ser reduzida mediante manipulação). Hérnia estrangulada = hérnia encarcerada + sofrimento vascular.

Exame proctológico O toque retal do fundo de saco pode provocar dor, indicando inflamação do peritônio pélvico. O abaulamento doloroso do fundo do saco de Douglas sugere a presença de abscessos nesta região. O toque retal também permite identificar lesões na parede retal, como neoplasias estenosantes ou a presença no lúmen de fecaloma.

Exame ginecológico Deve ser feito na mulher com vida sexual ativa ou que já foi gestante. Usado no diagnóstico diferencial entre MIPA e apendicite aguda. Permite o diagnóstico de afecções pélvicas responsáveis por abdome agudo ginecológico (prenhez ectópica rota, cisto ovariano torcido, abscesso tubo-ovariano), sendo a punção do fundo do saco retovaginal recurso diagnóstico, muitas vezes, decisivo. É importante verificar a regularidade dos ciclos menstruais visando, principalmente, o discernimento para o diagnóstico de prenhez tubária e/ou aborto incipiente.

3) leucopenia (contagem inferior a 8.000 leucócitos/mm3) pode ser encontrada em afecções virais do tipo da adenite mesentérica ou em gastroenterocolites, podendo também ser encontrada em processos infecciosos graves, especialmente em idosos e debilitados. Vale também lembrar que o leucograma normal não exclui o abdome agudo inflamatório, quando a história clínica for consistente. Em doentes hipovolêmicos (vômitos abundantes), em doentes em estado de choque, com afecções graves (peritonite generalizada, pancreatite hemorrágica, isquemia mesentérica aguda), e desde que o quadro clínico for arrastado, devem-se pedir os exames de ureia, creatinina (usados para avaliação da função renal), dosagem dos eletrólitos (Na+, K+, bicarbonato) e a gasometria arterial. Na dosagem da amilase, podemos encontrar uma hiperamilasemia, acima de três vezes o valor máximo normal, sendo muito sugestivo de pancreatite aguda; a hiperamilasemia pode ser observada em outras afecções, como na obstrução intestinal, úlcera perfurada, infarto intestinal, cisto ovariano torcido ou, ainda, afecções fora da cavidade abdominal, porém valores normais de amilase não descartam quadros de abdome agudo, já que seu valor pode ser normal após 48 horas do início do quadro, bem como nas pancreatites hemorrágicas graves, sendo a lipase mais fidedigna para o acompanhamento da sua evolução. Em casos de icterícia, a dosagem de bilirrubina, da fosfatase alcalina (esta mais específica) e da gama-glutamil-transferase (gama GT) permite confirmar o diagnóstico de icterícia obstrutiva, em geral de tratamento cirúrgico, além de avaliar o grau de comprometimento hepático. O exame de sedimento urinário é útil nas suspeitas de infecção do trato urinário (piúria) ou de cólica nefrética (hematúria). Entretanto, uma apendicite retrocecal/pélvica pode resultar em leucocitúria, hematúria e diarreia por irritação local.

Exames laboratoriais No acompanhamento e na investigação das afecções hemorrágicas do abdome agudo são importantes o hematócrito e a dosagem da hemoglobina, que devem ser repetidos para avaliação comparativa.

Exames de imagem Radiografia simples de abdome

1) leucocitose acentuada (acima de 15.000 leucócitos/mm3), com neutrofilia e desvio à esquerda e ausência de eosinófilos, o que é característico de um processo infeccioso agudo;

Não deve ser indicado em mulheres grávidas (até o terceiro mês de gestação), ou com atraso menstrual, em função do risco teratogênico. Deve-se sempre incluir a radiografia simples do tórax ao exame do abdome, para melhor estudo das cúpulas diafragmáticas (busca de pneumoperitônio).

2) leucocitose moderada (de 10.000 a 15.000 leucócitos/mm3) não é específica, podendo ser encontrada em afecções inflamatórias de tratamento cirúrgico ou não;

O exame radiológico do abdome deve ser feito sempre em duas posições: em ortostase (de pé ou sentado), em decúbito dorsal e ainda em decúbito lateral esquerdo.

Na leitura do leucograma, podemos encontrar:

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9 Abdome agudo Esse tipo de raio X é muito importante nas obstruções intestinais, onde permite diferenciar o íleo adinâmico do mecânico ou estimar a altura da obstrução mecânica (jejuno, íleo ou cólon). No íleo adinâmico há dilatação difusa e irregular do intestino e presença de ar no reto. Nos processos inflamatórios localizados (por exemplo, pancreatite aguda), pode existir apenas uma alça dilatada na sua vizinhança (sinal da alça sentinela – Cutt Off sign). Na obstrução, a morfologia das alças intestinais é mais bem estudada na radiografia de decúbito dorsal, onde podemos identificar as válvulas coniventes, numerosas no jejuno e escassas no íleo. Nas radiografias em posição ereta, sentada ou em decúbito lateral, existem níveis líquidos dispostos em escada, tanto mais numerosos quanto mais baixos for o nível da obstrução. Além disso, aparece a imagem em pilha de moedas (detalhamento das válvulas coniventes também chamadas válvulas circulares). No volvo do sigmoide, o raio X mostra enorme alça intestinal preenchendo praticamente todo o abdome, com dois grandes níveis líquidos, é o “sinal do grão de café”. Também no volvo existe o referido “sinal da alça em ômega” e “sinal do bico de pássaro”. Na obstrução do cólon por fecaloma, além dos sinais de obstrução, evidencia-se alça sigmoidiana dilatada, tendo seu lúmen uma imagem com densidade radiológica aumentada, com pequenas áreas de hipertransparência (imagem em “miolo de pão”), que sugere presença de fezes. A radiografia simples permite distinguir as obstruções do cólon da válvula ileocecal continente (obstruções em alça fechada), pela dilatação isolada das alças colônicas, identificadas pela sua posição e morfologia característica (boceladuras). O diâmetro do ceco superior a 12 cm é considerado indicador da iminência de rotura e exige medidas terapêuticas imediatas (Atenção!). O sofrimento vascular da alça (estrangulamento) é sugerido pela identificação de alça intestinal de paredes lisas, com densidade radiológica aumentada, especialmente quando esta imagem fica fixa e se repete em exames sucessivos. Além disso, o raio X aparece com alças edemaciadas, com aumento difuso do padrão “água”, que aumenta a radiopacidade total da radiografia e dá um aspecto de “Raio X sujo”. No abdome agudo perfurativo (úlcera péptica perfurada), na radiografia em posição ere-

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ta, o acúmulo de ar sob a cúpula diafragmática (pneumoperitônio), sob a forma de meia-lua hipertransparente, é frequente (80% dos casos) e muito característico. Os grandes pneumoperitônios são vistos, mais frequentemente, nas perfurações dos cólons. As radiografias do tórax com o paciente de pé podem detectar uma quantidade tão pequena quanto 1 mL de ar injetado na cavidade peritoneal. As radiografias abdominais em decúbito lateral também podem detectar pneumoperitônio efetivamente em pacientes que não podem ficar de pé. Quantidades tão pequenas quanto 5 a 10 mL de gás podem ser detectadas com essa técnica. A presença de faixa de opacidade entre as alças distendidas por gás, observada nos processos inflamatórios agudos da cavidade peritoneal, sugere a presença de líquidos fora das alças e/ ou edema das paredes da cavidade peritoneal. A não visualização da linha do psoas e o aumento da densidade radiológica, ou alargamento de sombra renal (ar ao redor do rim – pneumorretroperitônio), sugerem perfuração de víscera oca retroperitoneal (mais comum é úlcera duodenal). A presença de imagem radiopaca de cálculo no trajeto renoureteral, pode justificar o diagnóstico de cólica nefrética. A opacidade piriforme da colecistite aguda e o íleo adinâmico regional são, com certa frequência, identificados. A presença de ar em via biliar é compatível com o diagnóstico de íleo biliar (Figura 9.13). As radiografias simples também mostram calcificações anormais. Cerca de 5% dos fecalitos apendiculares, 10% dos cálculos biliares e 90% dos cálculos renais contêm quantidades suficientes de cálcio para serem radiopacos. As calcificações pancreáticas, observadas em muitos pacientes com pancreatite crônica, são visíveis nas radiografias simples, da mesma forma que as calcificações nos aneurismas da aorta abdominal, aneurismas de artéria visceral e aterosclerose nos vasos viscerais. As radiografias simples abdominais nas posições em pé e supina são muito úteis na identificação de obstrução da saída gástrica e obstrução do intestino delgado proximal, médio ou distal. O transito intestinal é útil nas obstruções parciais do delgado e o enema opaco tem sido indicado no diagnóstico de volvo ou nos processos obstrutivos neoplásicos.

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Figura 9.9 Radiografia de tórax mostrando um grande pneumotórax (setas). Figura 9.11 Radiografia simples do abdome mostrando obstrução do intestino grosso em um paciente com carcinoma da flexura esplênica do cólon. Observe a marcada dilatação do ceco e hemicólon direito até a flexura esplênica.

Figura 9.12 Radiografia simples de abdome em um paciente com íleo paralítico. Observe a considerável dilatação do intestino delgado e grosso que se estende até a pelve.

Figura 9.10 Radiografia panorâmica do abdome mostrando obstrução do intestino delgado. (A) supina. (B) de pé. As alças jejunais encontram-se dilatadas e os níveis hidroaéreos são evidentes.

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Figura 9.13 Aerobilia em paciente com íleo biliar e distensão de alças por obstrução distal pelo cálculo.

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9 Abdome agudo

Figura 9.14 Radiografia simples do abdome evidenciando um grande volvo de ceco.

Figura 9.15 Sinal de Rigler-Frimann-Dahl (perfuração de víscera oca). A parede da alça intestinal é vista por dentro (em razão do ar em seu interior) e por fora (em razão do pneumoperitônio). Atenção!

Figura 9.16 Volvo de sigmoide. Sigmoide muito dilatado, apresentando nítida linha densa central (seta).

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Figura 9.17 Radiografia de abdome: volvo de sigmoide. Grande distensão do cólon.

Figura 9.18 Raio X simples de abdome. Alça sentinela na FID.

Figura 9.19 Radiografia de abdome: fecaloma. Distensão de cólon com grande quantidade de conteúdo fecal.

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Ultrassonografia É extremamente útil nas suspeitas diagnósticas de colecistite aguda e é o primeiro exame solicitado na pancreatite aguda (a TC vê melhor retroperitônio). Permite também a investigação de massas inflamatórias e abscessos, bem como para conduzir punções dirigidas para esclarecimento diagnóstico ou com finalidade terapêutica (esvaziamento de abscessos). É a melhor opção em doentes magros e em jejum (gases atrapalham o exame).

É muito útil no diagnóstico e quantificação de necrose pancreática (pâncreas “morto” não aparece denso na TC), massas inflamatórias abdominais (peridiverticulite aguda, apendicite hiperplástica), de abscessos intracavitários ou contidos em vísceras parenquimatosas (padrão-ouro); a localização precisa destas coleções permite não só o diagnóstico, mas também a terapêutica com drenagem percutânea eficaz, sem a necessidade de via de acesso cirúrgica.

Em mulheres grávidas, substitui com vantagem o exame radiográfico, por não ter radiação. Tem o inconveniente de ser prejudicado pela presença de gases intestinais, o que é frequente no abdome agudo. Os sinais ultrassonográficos de colecistite aguda são o aumento do volume vesicular, o espessamento da parede vesical, presença de edema junto à sua parede, representado por halo hipoecoico marginal e cálculos no lúmen. Na apendicite aguda possibilita identificar o apêndice aumentado, com paredes espessadas e coleções líquidas ao seu redor. Facilita a distinção entre o plastrão da apendicite hiperplástica (apendicite crônica), caracterizado por centro hiperecoico envolto por áreas de menor ecogenicidade, correspondendo à parede edemaciada, e o abscesso apendicular, que se apresenta como massa complexa, predominantemente líquida.

Figura 9.21 TC em paciente com íleo biliar. (A) Presença de ar nas vias biliares; e (B) distensão de alças pelo cálculo no íleo distal.

Figura 9.20 Ultrassonografia de vias biliares. Colecistite aguda, observe o espessamento da parede da vesícula pela presença de edema (setas horizontais) e a presença de cálculo com sombra acústica (seta vertical)

Tomografia computadorizada (TC) Embora submeta o doente à radiação, este exame não é afetado pela presença aumentada de gases intestinais.

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Figura 9.22 TC abdominal mostrando dilatação de alças dos intestinos delgado e grosso, com níveis hidroaéreos em um paciente com íleo paralítico (as setas apontam para o cólon ascendente e descendente).

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9 Abdome agudo identificar causas pouco comuns de sangramentos intraperitoneais, como a rotura de adenoma hepático e aneurisma da artéria esplênica e de outras artérias do tubo digestivo.

Laparoscopia

Figura 9.23 TC de abdome evidenciando pancreatite aguda. Observe o aumento difuso com perda dos limites pancreáticos.

Endoscopia digestiva Nos processos obstrutivos do retossigmoide, a endoscopia baixa (retossigmoidoscopia), além de diagnóstica, facilita a terapêutica. O volvo gástrico é raro, mas pode ocorrer e a endoscopia alta pode ser diagnóstica. Já no volvo do sigmoide (mais comum), identifica-se o aspecto típico da torção pela convergência das pregas mucosas e possibilita a introdução de sonda lubrificada no sigmoide (sonda de Fouchet); com isto, promove-se a desinsuflação e a distorção espontânea. Nas obstruções por neoplasia do reto, confirma-se o diagnóstico e permite a biópsia. Para diagnóstico de processos inflamatórios ou obstrutivos colônicos por neoplasias em localização proximal, pode-se fazer colonoscopia. Esta também tem aplicação terapêutica na resolução da pseudo-obstrução do cólon (síndrome de Ogilvie). Nessa síndrome, o ceco começa a dilatar a montante (proximal), sem ter obstrução a jusante (distal). O emprego da videolaparoscopia no abdome agudo tem aumentado à medida que vem se firmando sua contribuição para o diagnóstico e terapêutica. A laparoscopia é contraindicada nas grandes distensões gasosas. É útil nas suspeitas de colecistite aguda, apendicite aguda e nas doenças pélvicas (prenhez ectópica), onde, além de identificá-las, permite o tratamento.

Arteriografia É um exame de exceção, não só pelas dificuldades de realização na urgência, como também por ser um método invasivo. É, entretanto, de grande importância para o diagnóstico e definição da conduta nas isquemias mesentéricas, em que existe a indicação do exame que tem finalidade diagnóstica e até terapêutica com embolizações. A arteriografia seletiva dos troncos mesentéricos, por outro lado, é o único procedimento capaz de

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Com o desenvolvimento da videolaparoscopia cirúrgica, este recurso passou a ser empregado com frequência no diagnóstico do abdome agudo, em especial na diferenciação da dor pélvica e, também, no seu tratamento. Existem algumas contraindicações absolutas à utilização da laparoscopia. São elas: alterações da coagulação (taxa de protrombina abaixo de 50% e contagem de plaquetas inferior a 50.000/mm3), distensão abdominal, choque, insuficiência respiratória e/ou cardíaca (que contraindiquem a anestesia), peritonite generalizada e hérnia de hiato muito volumosa (com risco de compressão das estruturas torácicas quando da realização do pneumoperitônio). Além das absolutas, existem contraindicações relativas, que, geralmente, estão ligadas com a maior ou menor destreza ou experiência de quem está realizando o exame, por exemplo, obesidade excessiva e suspeita de aderências peritoneais (previstas em pacientes com antecedentes de cirurgia abdominal ou de peritonite).

Punção abdominal, culdocentese e lavado peritoneal diagnóstico (LPD) Atualmente, a punção abdominal e a culdocentese encontram-se quase em desuso. Podem ser úteis nos doentes em colapso circulatório com suspeita de hemoperitônio, quando o ultrassom não está disponível ou deixa margens a dúvidas em sua interpretação. Em circunstâncias de exceção, quando o doente se encontra em condições precárias, o diagnóstico não está claro e não existem recursos diagnósticos por imagem; o LPD pode ser de utilidade no diagnóstico de hemorragia intraperitoneal.

Abdome agudo perfurativo Os exemplos mais comuns de víscera oca perfurada são as úlceras gastroduodenais. A perfuração de uma úlcera péptica pode determinar uma catástrofe abdominal que pode ser fatal quando não for precocemente diagnosticada e tratada. As úlceras são ditas perfuradas quando se estendem pela parede muscular e serosa, permitindo comunicação entre a luz da víscera e a cavidade abdominal. Denomina-se penetrante quando é bloqueada pelas vísceras vizinhas e pelo peritônio.

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral A perfuração é mais frequente no duodeno do que no estômago. A úlcera duodenal perfura, habitualmente, a parede anterior do bulbo duodenal (92%) e em 10% dos casos está associada à hemorragia digestiva alta, por ulceração concomitante da parede posterior do duodeno, levando ao sangramento (úlcera em kissing). Em 30% a 50% dos casos, não existe história prévia de doença ulcerosa. Não existem dúvidas de que a média de idade dos pacientes com úlcera perfurada aumentou muito nas últimas décadas e a mortalidade chega a 30% nos pacientes com mais de 70 anos. A perfuração de uma úlcera péptica não é mais uma doença que acomete apenas o paciente jovem e saudável; ela é, atualmente, muito frequente em pacientes idosos e doentes. As úlceras gástricas perfuradas localizam-se normalmente na parede anterior do antro, entre o piloro e a incisura angularis. A sintomatologia é semelhante a da úlcera duodenal perfurada. A perfuração do câncer gástrico é rara e ocorre em cerca de 4% dos casos de câncer gástrico. Raramente o diagnóstico é feito no pré-operatório e o quadro clínico é semelhante ao de pacientes com perfuração gastroduodenal. Em geral, a perfuração de uma víscera em peritônio livre provoca uma dor lancinante intensa, em “facada”, de localização aproximada à topografia da víscera que perfurou, com irradiação variada para ombros, dorso, lombos, precórdio, dependendo dos metâmeros correspondentes às sinapses dos neurônios ao nível da medula espinhal. Inicialmente o paciente adquire atitude de imobilização, com respiração superficial para se defender da dor pelos movimentos do músculo diafragma, e pode entrar em um estado de agitação psicomotora por não encontrar posição cômoda, porque já pode estar se instalando o choque. Podemos encontrar casos de perfuração em peritônio livre sem dor, mas é raro. Nesse caso, há só mal-estar indefinido no abdome, com sensação de distensão, podendo haver choque hipovolêmico também (sequestração de líquidos). No início o choque ocasionado pela perfuração é neurogênico, provocado reflexamente pela dor brusca, e rapidamente associa-se ao vasogênico, pela infecção da peritonite química e infecciosa. É um choque misto grave, de evolução medianamente rápida, e necessita ser diagnosticado com urgência e precisão para ser corrigido. A palpação abdominal demonstra hiperestesia cutânea localizada ou mais frequentemente generalizada, acompanhada também da “defesa muscular” generalizada (abdome em “tábua”), que impede a palpação profunda, tudo consequência do pneumoperitônio e da peritonite generalizada. A descompressão brusca dolorosa positiva é nítida e generalizada, e será localizada na região correspondente ao peritônio do local da perfuração.

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A percussão determinará a existência da dor à percussão leve de toda a parede abdominal. Pode-se notar a presença do pneumoperitônio pelo sinal de Jobert, ou timpanismo pré-hepático. Com a instalação e evolução da peritonite, o íleo adinâmico é de ocorrência precoce e os ruídos hidroaéreos estão ausentes. Outras causas de perfuração devem ser consideradas, entre estas a perfuração do útero que é, geralmente, acidental e instrumental. A dor é na região hipogástrica ou suprapúbica. Mais comuns são as perfurações indiretas, com transfixação do sigmoide, e daí a sintomatologia e o quadro comum às vísceras ocas gastrintestinais e com localização da dor na fossa ilíaca esquerda, hiperestesia cutânea e “defesa muscular”, sinal de Blumberg localizado, pneumoperitônio e peritonite consequente. A prenhez ectópica rota com perfuração da trompa é reconhecida pela dor lancinante abrupta, na região hipogástrica ou em uma das fossas ilíacas, havendo atraso menstrual ou gravidez propriamente dita. Há abaulamento do fundo do saco de Douglas (toque vaginal). Nesse caso, a punção em fundo de saco de Douglas (culdocentese) com saída de sangue vivo faz o diagnóstico. Aproveitamos este módulo para inserir duas situações clínicas que se não são comuns como causas de abdome perfurativo, são relevantes nas perguntas das provas de ressonância magnética (RM), estamos nos referindo a duas causas infecciosas: tuberculose intestinal e febre tifoide, fique atento a estas informações.

Tuberculose (TB) A forma secundária da tuberculose intestinal ocorre mais comumente pela ingestão de bacilos na vigência de doença pulmonar. Clinicamente, pode-se evidenciar que 5% a 8% dos doentes com afecção pulmonar em fase inicial tenham lesão intestinal e que, nos casos mais avançados, de 70% a 80% dos pacientes apresentam doença intestinal. A tuberculose intestinal é encontrada em todas as faixas etárias, sendo mais frequente entre a segunda e quarta décadas de vida. Embora a tuberculose possa acometer o intestino por via hematogênica, linfática ou, ainda, por contiguidade, a via de transmissão mais comum é a mucosa, por meio da ingestão de bacilos de Koch. Podemos distinguir duas formas denominadas anatomopatológicas distintas: 1) Forma ulcerativa: localizada geralmente no íleo terminal, podendo, às vezes, ser generalizada. A lesão inicial é constituída de numerosos tubérculos que contêm os bacilos, que se confluem formando um conglomerado. Após a caseificação, esses conglomerados ulceram-se dando origem à úlcera tuberculosa.

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9 Abdome agudo As úlceras têm forma oval ou arredondada, são elevadas em relação à mucosa circunjacente e, geralmente, são maiores no sentido transversal ao eixo intestinal por causa da distribuição linfática. São mais frequentes na borda contramesenterial e, além disso, de extensão variável, podendo, às vezes, circundar toda luz. Inúmeras úlceras podem surgir e acometer com frequência crescente desde o jejuno até o íleo terminal e a área ileocecal. O tecido lesado é branco e friável, o que corresponde ao achado microscópico de degeneração caseosa. Os gânglios mesentéricos regionais têm o seu volume aumentado, hiperplásicos e com focos de necrose caseosa. O mesentério é espesso e opaco. As ulcerações, inicialmente, têm sua base constituída pela submucosa e podem aprofundar-se, atingindo a camada muscular serosa ou mesmo perfurar, seja em peritônio livre ou em cavidade restrita por aderências. 2) Forma hipertrófica: localiza-se mais comumente no ceco. A parede intestinal apresenta-se espessada, dura e de aspecto lardáceo, e a luz intestinal apresenta-se muito reduzida. Na submucosa, evidencia-se intensa reação conjuntival, responsável pelo espessamento. Essa infiltração ocorre também na camada mucosa, o que contribui para o aspecto tumoral do segmento afetado. Os tubérculos são numerosos na camada submucosa e na muscular, onde se encontram as necroses e a caseificação.

Quadro clínico As manifestações da tuberculose intestinal são variáveis e podem corresponder às formas anatomopatológicas. Na forma ulcerativa, predominam a dor abdominal e a diarreia, associadas a náuseas, vômitos, anorexia e perda de peso. Nesses doentes, as manifestações pulmonares são frequentes. Na forma hipertrófica, o quadro clínico é geralmente de uma obstrução intestinal associada a um tumor palpável na fossa ilíaca direita. O quadro obstrutivo é lento e periódico. A perfuração em peritônio livre é uma complicação muito rara da tuberculose intestinal. A incidência de perfuração intestinal em adultos varia de 0% a 10% e em crianças esse índice está em torno de 4%. Essa baixa incidência é decorrente de um espessamento reacional do peritônio e da formação de aderências pelos tecidos subjacentes na presença da reação inflamatória. A perfuração intestinal é mais frequentemente observada na forma ulcerativa da doença, podendo manifestar-se por meio de um quadro de peritonite difusa evidente. Na forma hiperplástica, a perfuração é um evento raro e quando ocorre é bloqueada, formando fístulas com a parede abdominal e os órgãos vizinhos. A perfuração pode ser decorrente de um processo agudo ou de uma complicação crônica obstrutiva. A radiografia dos campos pleuropulmonares apresenta,

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geralmente, dados consistentes com tuberculose, uma vez que a presença de envolvimento pulmonar é uma constante nesses doentes, fato que auxilia na presunção diagnóstica. As perfurações intestinais decorrentes de tuberculose podem ser únicas ou múltiplas e geralmente ocorrem no íleo, a um metro da válvula ileocecal. Outros locais menos comuns de perfuração são o cólon ascendente e o jejuno. Em geral, essas perfurações ocorrem próximas ou no local de um estreitamento, porém, na forma ulcerativa, pode ocorrer mesmo na sua ausência. O achado anatomopatológico revela granuloma com necrose caseosa, células epitelioides, células gigantes de Langhans e linfócitos. A conduta cirúrgica nesses doentes é controversa, principalmente nos doentes sépticos. Nos casos de perfuração única, a sutura simples é acompanhada de fístulas e alta mortalidade, próxima a 50%. Essa conduta deve ser reservada para os pacientes que apresentem aderências firmes entre as alças de delgado, nos quais a mobilização intestinal é tecnicamente difícil e pode acarretar inúmeras lesões intestinais, agravando o prognóstico. A ressecção do segmento acometido deve ser a conduta de eleição e a decisão entre anastomose primária ou estorcia dependerá da experiência do cirurgião e das condições locais e clínicas. O segmento intestinal ressecado e os gânglios mesentéricos devem ser enviados para exame anatomopatológico e cultura de micobactérias. Esses dados são particularmente úteis, principalmente em idosos, nos quais poderia haver dúvidas quanto à presença de doença maligna. Além disso, o tratamento com quimioterápicos deve ser introduzido tão logo seja realizado o diagnóstico e assim que for possível utilizar o trato digestivo.

Febre tifoide A febre tifoide é uma doença infecciosa sistêmica causada, essencialmente, pelo bacilo Gram-negativo, Salmonella typhi e ocasionalmente por outros tipos de Salmonella ssp. Embora seja rara em países desenvolvidos, continua sendo uma doença, muitas vezes, fatal em países em desenvolvimento, em virtude da precariedade de condições ambientais e sanitárias. Na ausência de infraestrutura de higiene e inadequadas condições socioeconômicas, a febre tifoide é uma doença endêmica e, algumas vezes, epidêmica. A porta de entrada da febre tifoide é a via digestiva; o bacilo deve sobrepujar a barreira defensiva representada pela acidez gástrica. O agente, que consegue sobreviver as primeiras 24 a 72 horas no intestino, penetra no epitélio intestinal (jejuno e íleo distal), onde se multiplica nos tecidos linfoides locais, produzindo uma linfangite, com necrose multifocal por ação direta das toxinas

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral bacterianas. A seguir, principalmente através do ducto torácico, as bactérias atingem o coração direito, daí se propagando hematogenicamente a todo o organismo (fase septicêmica). A febre tifoide é uma doença cosmopolita que afeta indivíduos de todas as idades, entretanto, parece ser mais frequente em adolescentes e adultos jovens. O período de incubação é de 10 a 14 dias, geralmente assintomático. O início dos sintomas é insidioso, com mal-estar, anorexia e febre remitente. No final da primeira semana, surgem os sintomas intestinais, principalmente a diarreia. O exame físico mostra intensa toxemia, dissociação entre o pulso e a temperatura (fenômeno ou sinal de Faget), máculas eritematosas no abdome superior e no tórax (roséolas tíficas) e hepatoesplenomegalia. Durante a sua evolução, pode cursar com complicações, como hemorragia e perfuração ileal. A perfuração intestinal é uma grave complicação da febre tifoide e sua incidência varia de 0,5% a 78,6%. A perfuração intestinal decorrente de febre tifoide é uma complicação local de uma doença sistêmica, na qual estão presentes imunodepressão, depleção hidroeletrolítica e endotoxemia. A perfuração é mais comum em homens do que em mulheres (3:1). Em 50% dos casos, a perfuração ocorre durante a terceira semana, podendo ocorrer mesmo na vigência do tratamento da febre tifoide. A apresentação clínica é variável e a dor abdominal uma constante, ocorrendo em mais de 98% dos pacientes. Outros sintomas significativos são a febre ou mesmo queda da temperatura, náuseas e vômitos, distensão abdominal, parada de eliminação de gases e fezes ou ainda diarreia. O exame físico pode evidenciar sinais de irritação peritoneal. A perfuração intestinal secundária à febre tifoide pode ser classificada em seis estádios: Estádio 0: febre tifoide sem evidência clínica ou

radiológica de perfuração. Estádio 1a: febre tifoide com moderada peritonite sem evidência radiológica ou operatória de perfuração. Estádio 1b: peritonite localizada com perfuração simples e mínima contaminação peritoneal. Estádio 2: peritonite discreta com uma ou mais perfurações e pequena contaminação peritoneal. Estádio 3: uma ou mais perfurações e peritonite moderada. Estádio 4: uma grande perfuração ou perfurações múltiplas, abscesso e contaminação fecal com fibrina e pus nas goteiras paracólicas.

Diagnóstico laboratorial específico O método diagnóstico preferido é o isolamento do organismo infeccioso. Para tanto, temos à disposição culturas e exame histopatológico, além da possibilidade de identificação de antígenos e anti-

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corpos da Salmonella por meio de métodos imunodiagnósticos, descritos a seguir: Hemocultura: é o principal exame para o diagnóstico da febre tifoide. Em geral, é positiva já nos primeiros dias da doença, com positividade de 90% na primeira semana, 75% na segunda e 35% no final da terceira. Recomenda-se a coleta de duas amostras, quando em método automatizado. Mielocultura: é o teste mais sensível, sendo usualmente positiva em 90% dos pacientes. Não é exame de rotina em vitu de sua agressividade, mas pode ser utilizado quando o diagnóstico bacteriológico é crucial ou em pacientes já tratados com antimicrobianos. Coprocultura: deve ser coletada em mais de uma amostra. Sua positividade é maior entre a segunda e a quarta semana da doença. Pelo menos sete dias após ter cessado o uso de antimicrobianos, o convalescente que não manipula alimentos deve colher, no mínimo, três amostras em dias sequenciais. Já os manipuladores de alimentos devem coletar, no mínimo, sete amostras em dias sequenciais. Urocultura: assim como a coprocultura, é menos frequentemente positiva, mas deve ser obtida para aumentar o rendimento diagnóstico. Torna-se positiva na terceira e quarta semana em 25% dos casos. Outros materiais biológicos podem ser cultivados quando disponíveis: linfonodos, líquidos pleural, pericárdico, peritoneal e biliar, liquor, material de biópsia da roséola tífica, e secreção de abscesso, quando houver. Exame histopatológico: é realizado excepcionalmente, sobretudo, em placas de Peyer e nas roséolas tíficas. Exames imunológicos: a reação de Widal é a mais utilizada rotineiramente para o diagnóstico da febre tifoide. No Brasil, é considerada positiva quando os títulos forem superiores a 1:80 ou 1:100 na ausência de história anterior de vacinação específica. Nesta reação, são quantificados dois tipos de aglutininas, anti-O (antígeno somático) e anti-H (antígeno flagelar). Nas áreas endêmicas, as pessoas podem apresentar sorologia acima de 1:100 e não ser diagnosticadas como doentes. Os vacinados também apresentam elevação do anticorpo H. A valorização da reação de Widal é maior quando se demonstra a elevação dos títulos de anticorpos entre duas amostras colhidas com intervalo de 10 a 15 dias. A sorologia pelo método de Elisa ainda é de pouca utilidade para febre tifoide. Outros métodos imunodiagnósticos que podem ser empregados são o PCR (reação em cadeia da polimerase), a ribotipagem e PFGE (pulsed-field gel electrophoresis), os quais são ainda poucos acessíveis por terem custos elevados para aplicação rotineira. Têm como vantagem maior a especificidade e rapidez no diagnóstico. O hemograma pode indicar anemia do tipo microcítica e hipocrômica em menos de 10% das

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9 Abdome agudo vezes, ao passo que o número de leucócitos está frequentemente normal. Pode ocorrer, entretanto, leucocitose ou leucopenia, sendo este último o achado mais sugestivo da doença, ainda que presente em menos de 20%. Em relação aos exames radiológicos, o pneumoperitônio é o sinal mais importante, podendo ocorrer em 60% a 80% das vezes, nos pacientes com suspeita de perfuração. O achado mais frequente, entretanto, é a presença incaracterística de níveis hidroaéreos na radiografia simples de abdome. Uma vez realizado o diagnóstico de perfuração intestinal, faz-se necessário uma vigorosa ressuscitação volêmica pré-operatória, incluindo reposição de hemoderivados, quando necessário. O achado cirúrgico mais comum é a contaminação maciça da cavidade peritoneal. As culturas do líquido peritoneal são positivas para S. typhi em 20%. As perfurações ovaladas ou redondas ocorrem próximas à válvula ileocecal (50 cm) e podem ser únicas (84%) ou múltiplas (16%), geralmente na borda contramesenterial. Atualmente, as drogas tidas como primeira escolha são as fluoroquinolonas (ciprofloxacino e ofloxacino), já bem estabelecidas, e as cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxona) e quarta geração (cefepima). O tempo de tratamento com as fluorquinolonas é mais curto, de sete a dez dias, com índice de cura em torno de 90%. Nos casos de multirresistência, alguns autores sugerem a associação de ciprofloxacino ou ofloxacino com uma cefalospoina de terceira geração. A dose preconizada do ofloxacino para adultos é de 200 mg, por via oral, a cada 12 horas, e a do ciprofloxacino é de 500 mg, via oral, ou 200 mg, via intravenosa (IV), a cada 12 horas. Existem estudos pouco controlados com o uso de novas quinolonas. Habitualmente, não se recomenda o emprego de quinolonas em crianças e gestantes, muito embora na literatura médica existam inúmeros trabalhos em que tais drogas foram utilizadas em crianças, sem efeitos adversos. Em crianças e gestantes recomenda-se o uso das cefalosporinas de terceira geração, especialmente, ceftriaxona. A dose da ceftriaxona é de 50 a 100 mg/kg/dia (dose em adultos de 2 a 4 g/ dia), IV, fracionada com intervalo de 12 horas. A ceftriaxona é eficaz mesmo contra as cepas resistentes a quinolonas. Mais recentemente, a azitromicina vem-se revelando uma nova alternativa terapêutica para os casos de febre tifoide não complicada, mostrando-se eficaz mesmo em infecções por estirpes da S. typhi resistentes ao cloranfenicol e à ampicilina. Em adultos, recomenda-se a azitromicina na dose de 1 g por via oral no primeiro dia, seguido da dose de 500 mg em dose única diária, durante mais seis dias.

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O tratamento cirúrgico a ser adotado depende das condições gerais do paciente, do grau de contaminação peritoneal, do tempo de história e, ainda, da presença de perfuração única ou múltipla. Para os doentes com perfurações únicas menores que 1 cm, existe alguma controvérsia entre o desbridamento seguido de simples sutura em dois planos e a ressecção segmentar seguida de anastomose. Já nos casos de perfurações maiores ou múltiplas, a ressecção do segmento afetado deve ser realizada rotineiramente. Em virtude da elevada incidência de complicações na ferida cirúrgica, a pele e o subcutâneo devem ser deixados abertos. No pós-operatório, o apoio nutricional por meio de soluções parenterais deve ser liberalmente utilizado, uma vez que a doença está associada a um estado de hipercatabolismo, em virtude da febre e toxemia, e, frequentemente, a um prolongado período de íleo pós-operatório. A morbidade e a mortalidade estão intimamente relacionadas ao intervalo entre o início do quadro e a cirurgia, ao estado imunológico do paciente e à virulência do bacilo. Além da deiscência da anastomose, no período pós-operatório pode ocorrer reperfuração, situação que incide em cerca de 10% dos casos e traduz-se em grande desafio diagnóstico, uma vez que a presença de febre prolongada no período pós-operatório é muito frequente. As complicações ocorrem em aproximadamente 25% e o índice de mortalidade varia de 3% a 20% com a adoção das medidas terapêuticas mencionadas.

Abdome agudo inflamatório As vísceras que mais comumente resultam em abdome agudo inflamatório são aquelas do abdome inferior: a apendicite aguda, a salpingite aguda e a diverticulite abscedada do cólon, geralmente o sigmoide. Neste quadro, a dor referida é progressiva e bem localizada. Muito importante nos processos agudos do abdome é a diferença da temperatura axiloretal, que, se for maior que 1 ºC, indica que o peritônio está sendo acometido agudamente por inflamação química, em princípio, e infecciosa posteriormente (sinal de Lennander). O estado de choque dificilmente se instala, mas, se ocorre, é tardio e indica disseminação hematogênica bacteriana e toxêmica. Assim, a lesão da microcirculação é grave, e o choque parte para a irreversibilidade em tempo mais curto que o choque hemorrágico e neurogênico. A inspeção da pele identificará processos inflamatórios com coleção purulenta em qualquer parte do tegumento abdominal, com os clássicos sinais de tumoração correspondente com hiperemia, calor e dor.

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral As manchas equimóticas dos flancos (sinal de Gray-Turner) e manchas pigmentares amarelo-vinhosas periumbilicais (sinal de Cullen) na pancreatite aguda necro-hemorrágica são excepcionais e tardias. Em muitos casos a posição antálgica do paciente já é sugestiva. Em processos apendiculares agudos ou dos órgãos pélvicos da mulher. Quando se provoca a contração ativa e forte do músculo psoas com o membro inferior em hiperextensão e flexão posterior desse membro, a dor é espontânea e muito maior, na palpação profunda e deslizante, quando possível realizá-la.

Figura 9.24 Atitude passiva antálgica de um paciente com apendicite aguda e/ou abscesso periapendicular, ou qualquer outro processo inflamatório agudo dos órgãos pélvicos do hemiabdome inferior direito.

A palpação superficial apresenta-se pouco dolorosa, e destina-se à pesquisa da hiperestesia cutânea, para a localização do processo inflamatório e para a referência de “defesa muscular” regional, uma contratura muscular pelo reflexo visceromotor, que aparece quando o peritônio regional correspondente ao órgão afetado tiver sido comprometido. Em um intervalo variável, mas não longo de tempo, a difusão do processo inflamatório do peritônio levará a uma defesa muscular generalizada, correspondendo ao “abdome em tábua”. Transudativa – líquido seroso claro. Exsudativa – líquido seroso turvo. Fibrino-purulenta – presença de fibrina e pus livre. Abscessos – presença de pus em loja formada por estruturas adjacentes (epíplon, alças intestinais).

Verifica-se que a descompressão brusca dolorosa positiva está presente no local da inflamação, ou ainda pode-se apresentar de forma difusa. Deve-se realizar o toque vaginal ou retal, procurando abaulamento doloroso no fundo do saco de Douglas, que indica a existência de coleção líquida inflamatória do peritônio. Neste grupo, destacaremos o abscesso de psoas, não por ser o mais relevante, mas para termos a oportunidade de lembrá-lo, já que as causas

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mais notórias de abdome agudo inflamatório, apendicite aguda e pancreatite aguda serão abordadas em módulos distintos.

Abscesso de psoas Pode ser classificado em primário e secundário. Os primários são decorrentes da disseminação hematogênica de processo infeccioso de alguma região oculta do corpo e tem como causas mais comuns o diabetes, uso de drogas endovenosas, Aids, insuficiência renal e imunossupressão. O secundário ocorre como complicações de algumas doenças como a doença de Crohn, apendicite, diverticulite, neoplasia colorretal, infecção urinária, neoplasias da via excretora, pós-litotripsia extracorpórea, osteomielite vertebral, artrite séptica, sacroileíte, aneurisma de aorta infectado, endocardite e uso de contraceptivos intrauterinos. Em mais de 80% dos casos, o agente etiológico encontrado é o Staphylococcus aureus. Outros que podem aparecer são os Bacteroides fragilis, Escherichia coli, Mycobacterium tuberculosas, Proteus sp, Clostridium sp, Yersinia enterocolitica e Klebsiella sp. A tríade clássica de febre, dor na região dorsal e dor à movimentação do quadril ocorrem em apenas em 30% dos casos. Outros sintomas descritos são dor abdominal, náusea e perda de peso. Muitas vezes, o paciente chega ao pronto-socorro (PS) em posição antálgica com a coxa homolateral fletida de encontro ao hipogástrio. Um teste que pode ser utilizado para determinar a presença de psoíte é a extensão da perna homolateral a dor com o paciente em decúbito dorsal. Esse teste mostra que existe uma inflamação no músculo psoas e não é patognomônico de psoíte. Por exemplo, um paciente com apendicite retrocecal e com o apêndice inflamado localizado sobre o psoas pode apresentar esse mesmo sinal. Laboratorialmente pode ocorrer leucocitose, anemia e aumento da proteína C-reativa e da VHS, todos inespecíficos. A ultrassonografia pode evidenciar o abscesso, porém, o faz somente em até 60% dos casos. O diagnóstico de certeza, atualmente, é conseguido pela tomografia computadorizada de abdome, que mostrará o psoas aumentado de tamanho e com alterações parenquimatosas, mostrando a coleção purulenta. O tratamento está baseado na antibioticoterapia e drenagem do abscesso. Essa drenagem pode ser feita por punção percutânea ou cirurgicamente por um acesso retroperitoneal através de incisão na região do flanco. Ultimamente, a drenagem por punção vem sendo cada vez mais realizada e com excelentes resultados, e a via cirúrgica está sendo reservada para os casos em que a punção percutânea não foi efetiva.

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9 Abdome agudo

Abdome agudo obstrutivo Pode ser definido como o impedimento à progressão do conteúdo do intestino. Pode ocorrer em decorrência de um obstáculo mecânico ou mecanismo funcional. Miscelânea (9%) Neoplasias (10%)

Hérnias (25%)

Aderências (56%)

A

Miscelânea (10%) Doença diverticular (10%)

Neoplasias (60%)

Vólvulo (20%)

B

Figura 9.25 (A) etiologias de obstrução do ID. (B) etiologias de obstrução do IG.

A obstrução intestinal é mais frequente no intestino delgado, em razão das bridas ou aderências pós-operatórias. Pode ser simples ou complicada pelo fato de ocorrer ou não sofrimento vascular e, ainda, estar associada à perfuração e peritonite, independentemente da localização. As alterações anatomofuncionais mais relevantes são: Interrupção ou alteração intensa e grave do gradiente pressórico da motricidade intestinal: os movimentos do sistema gastrintestinal serão alterados no sentido da não execução do isoperistaltismo, em seguida, instalação do antiperistaltismo e, por fim, paralisia. Processo obliterativo venoso, arterial e linfático com alteração inflamatória e funcional dos nervos da região ocluída: há perturbação da nutrição da região ocluída e que mais tarde acaba necrosando, tornando-se permeável e facilitando a contaminação peritoneal. Perturbações metabólicas prolixas podem gerar choque vasogênico, que se soma ao neurogênico inicial. A irreversibilidade pode levar à morte.

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As obstruções intestinais produzem quadro clínico variável, o qual depende de diversos fatores: localização, tempo de obstrução, sofrimento ou não de alça, presença ou ausência de perfuração, grau de contaminação e condição clínica do paciente. Os sintomas habituais são: dor abdominal em cólica de início surdo, seguida de náuseas, vômitos e parada da eliminação de gases e fezes. A cólica sugere patologia obstrutiva em víscera oca. Os ruídos hidroaéreos (RHA) com aumento do timbre e da frequência são percebidos nos quadros obstrutivos. Para facilitar o entendimento será realizada a divisão baseada na localização da obstrução. As obstruções de delgado são consideradas altas e as de cólon baixas, embora obstruções de íleo terminal possam apresentar manifestações clínicas similares as de cólon. Na obstrução alta, a história clínica e o exame físico podem contribuir para identificar a causa de obstruções de delgado. Os pacientes associam com frequência a ocorrência de cirurgias abdominais anteriores a aderências e bridas. No exame físico, deve-se verificar a presença de hérnias de parede abdominal que possam ter relação com a causa da obstrução. Os pacientes submetidos à radioterapia têm possibilidade de evoluir, mesmo após alguns anos, com enterite actínica que pode produzir quadro obstrutivo. Na obstrução alta, o sintoma predominante são vômitos amarelo-esverdeados e precoces. O distúrbio hidroeletrolótico e acidobásico clássico é alcalose metabólica cloropênica e hipopotassêmica. Na obstrução baixa, observam-se vômitos mais tardios, de coloração amarelada e, posteriormente, de aspecto fecaloide. O sintoma predominante é a distensão abdominal. A obstrução baixa é decorrente do acúmulo de gases e de líquido entérico, que são impedidos de progredir por obstrução ou adinamia dos segmentos intestinais. Quando há alteração hidroeletrolítica e acidobásica o esperado é acidose metabólica com hiperpotassemia, hiponatremia e hipocloremia. A dilatação extrema dos segmentos intestinais pode levar à isquemia, necrose e perfuração. Nas situações de obstrução de cólon em alça fechada, observada nos pacientes com tumores obstrutivos do cólon esquerdo ou sigmoide que apresentam a válvula ileocecal continente (VICC), ocorre dilatação progressiva do cólon e aumento da pressão intraluminal, com comprometimento da circulação. O fato de a parede do cólon direito ser menos espessa em relação ao esquerdo, com a VICC, nas grandes dilatações, facilita a ocorrência de perfuração do ceco. A VICC está presente em aproximadamente 75% dos pacientes.

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Abdome agudo hemorrágico (AAHE) O abdome agudo traumático é acrescentado na seção de AAHE em alguns livros. Este assunto será abordado no capítulo de Trauma Abdominal. As causas mais frequentes de AAHE são: gravidez ectópica, rotura de aneurisma abdominal, cisto hemorrágico de ovário, rotura de baço, endometriose. Os distúrbios fisiopatológicos são proporcionais à perda. O quadro hemodinâmico do AAHE reflete a perda aguda de sangue. Em sua forma mais exuberante, traduz-se pelo choque hemorrágico, definido pela perfusão tecidual deficiente. Entretanto, os sinais e sintomas variam conforme o volume perdido e a velocidade da perda sanguí-

nea e as condições físicas do paciente. No adulto, a perda de até 750 mL de sangue, considerado choque classe I, não altera a pressão nem a frequência cardíaca (FC), ainda que, ocasionalmente, provoque hipotensão postural. No choque classe II, com perda de sangue entre 750 mL e 1.500 mL, o doente apresenta taquicardia acima de 100 batimentos por minuto, mas a pressão arterial mantém-se normal. Sangramento entre 1.500 mL e 2.000 mL provoca hipotensão arterial e aumento da FC, características do choque classe III, e caracteriza instabilidade hemodinâmica. No choque classe IV, o volume de sangramento é acima de 2.000 mL e a situação é de extrema gravidade. A presença de instabilidade hemodinâmica pode implicar risco de morte e é necessário o controle cirúrgico imediato da hemorragia para prevenir maiores perdas sanguíneas.

Classes do choque hemorrágico segundo o American College of Surgeons Classe I

Classe II

Classe III

Classe IV

Perdas (mL)

< 750

750-1.500

1.500-2.000

> 2.000

Perdas (%) relativas à volemia

< 15%

15%-30%

30%-40%

> 40%

< 100 bpm

> 100 bpm

> 120 bpm

> 140 bpm

Normal

Normal

Diminuída

Diminuída

Normal

Diminuída

Diminuída

Diminuída

14%-20%

20%-30%

30%-40%

> 35%

Frequência cardíaca Pressão arterial Pressão do pulso Frequência respiratória Diurese (mL/h) Estado neurológico

> 30

20-30

5-15

Desprezível

Ansioso

Agitado

Confuso

Letárgico

Tabela 9.4 À medida que ocorre maior perda volêmica, os sinais se intensificam. Observa-se que a hipotensão ocorre apenas em choque classe III. Adaptada de American College of Surgeons.

Os sinais e sintomas decorrentes de hemorragia intra-abdominal são incaracterísticos e podem passar despercebidos quando o sangramento é lento ou resulta na perda de menos de 15% da volemia. Na hemorragia intra-abdominal, súbita, maciça e contínua, o paciente apresenta-se letárgico ou comatoso, com pele pálida e lívida, de aspecto céreo. A dor é de início súbito, sendo curto o intervalo de tempo para a procura de atendimento. Predominam os sintomas de hipovolemia (hipotensão, sudorese fria); palidez cutaneomucosa; taquicardia; pulso fino e hipotensão. Como o sangue, em função de seu pH, não é tão irritante ao peritônio, o abdome apresenta-se flácido, doloroso difusamente, com sinal de irritação peritoneal, porém, sem defesa ou contratura. Equimoses na cicatriz umbilical (sinal de Cullen) e na região dos flancos (sinal de Gray-Turney) descritos na pancreatite aguda sugerem hemorragia intraperitoneal e retroperitoneal, respectivamente. A obtenção pormenorizada da história e do exame físico permite suspeitar da presença do AAHE e de sua possível etiologia, orientando os procedimentos de reanimação e as etapas diagnósticas e terapêuticas apropriadas.

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Abdome agudo vascular A expressão “abdome agudo vascular” engloba uma ampla variedade de situações fisiopatológicas, a qual é resultante de um inadequado fornecimento de oxigênio para o intestino. Essas situações podem variar de uma lesão reversível de mucosa a um catastrófico e extenso infarto transmural do intestino com necrose. A apresentação clínica pode variar amplamente desde a ausência de sinais e sintomas até a clássica apresentação de dor abdominal de início súbito, desproporcional aos achados do exame clínico. De forma geral, a insuficiência vascular intestinal pode ser dividida em crônica, que é representada pela angina abdominal, ou aguda, situação das mais dramáticas, que pode evoluir rapidamente para o infarto intestinal. As três principais causas de isquemia intestinal aguda são: 1. Oclusão da artéria mesentérica superior por trombose (de 15% a 20%) ou por um êmbolo (50%). 2. Trombose da veia mesentérica superior (5%). 3. Isquemia mesentérica não oclusiva (de 20% a 30%).

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9 Abdome agudo O diagnóstico precoce dos quadros de abdome agudo vascular envolve o reconhecimento da população de risco e um alto índice de suspeita clínica. O quadro clínico, algumas vezes, permite diferenciar as eventuais causas de isquemia mesentérica aguda. Dor abdominal incaracterística, de início súbito e intenso, presença de arteriopatia obstrutiva em outros territórios e antecedentes de dor abdominal pós-prandial que melhora com o jejum podem significar oclusão arterial, bem como a associação com lesões cardíacas produtoras de arritmia ou lesões arteriais proximais. Quanto ao exame clínico desses pacientes, o sinal mais comum é a distensão abdominal com claro timpanismo, os sinais de irritação peritoneal difusa são tardios e, nas fases iniciais, quase sempre ausentes (“dor desproporcional ao exame clínico do abdome”). Ao toque retal, pode-se notar a presença de fezes sanguinolentas, principalmente se a necrose estiver instalada. Nos casos mais graves, com infarto extenso, os pacientes se apresentam com respiração do tipo acidótica, taquicárdicos e desidratados.

lia ou de um acompanhante, dada a eventual incapacidade do doente de fornecer informações. O exame físico tem de ser minucioso, geral, não devendo voltar-se exclusivamente ao abdome, mas ser abrangente e completo. A facilidade com que se realizam exames complementares, como os de diagnóstico por imagem, e que, erroneamente, são considerados como definitivos, pode estar concorrendo para uma atitude totalmente equivocada. Não se contesta o valor dos exames complementares, porém, como o próprio termo indica, eles apenas complementam uma anamnese bem colhida, um exame físico completo, e, o que é mais importante, um diagnóstico de que já se suspeita. Apesar da perfeição que se exige no exame do doente e do critério na solicitação e interpretação dos exames complementares, o diagnóstico etiológico, não raro, é impossível. Por essa razão, que é importante reavaliar o doente. Esgotados todos os recursos para que se possa chegar a um diagnóstico etiológico preciso, cabe ao cirurgião estabelecer um de dois caminhos a serem seguidos: submeter o paciente à exploração cirúrgica ou não. Várias moléstias podem simular abdome agudo cirúrgico, com o quadro clínico que se caracteriza por dor abdominal, febre, alterações do trânsito e manifestações que simulam peritonites: dor à palpação, sinais de peritonismo (não de peritonite) e modificações relativas aos RHA. Uma classificação é difícil. Segue uma enumeração, separando-as pela origem provável: Torácicas

Figura 9.26 Isquemia arterial mesentérica: fase precoce.

Infarto do miocárdio Pneumonia de lobo inferior Infarto pulmonar Pericardite aguda Pneumotórax Embolia pulmonar Hematológicas Crise falciforme Leucemia aguda Neurológicas

Figura 9.27 Isquemia arterial mesentérica: fase tardia. Observe o grave sofrimento vascular.

Diagnóstico diferencial Abdome agudo não é sinônimo de cirurgia. Existem formas clínicas de abdome agudo em que a cirurgia não está indicada e outras em que a exploração operatória está formalmente contraindicada. Nos melhores serviços de emergência, o índice de acerto no que se refere ao diagnóstico etiológico correto de abdome agudo fica em 80%. É essencial que se proceda a uma anamnese bem feita, não raro com auxílio de elementos da famí-

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Herpes-zóster Compressão de raiz nervosa Tabes dorsal Metabólicas Cetoacidose diabética Porfiria intermitente aguda Crise addisoniana Hiperlipoproteinemia Relacionadas e tóxicas Intoxicação por chumbo (saturismo) Abstinência de narcóticos Picadas de cobras ou insetos Etiologia desconhecida Fibromialgia

Tabela 9.5 Causas extra-abdominais mais comuns em abdome agudo.

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral A investigação clínica criteriosa (anamnese, exame físico) permite que se faça uma hipótese de diagnóstico, na maioria dos casos. Porém, em várias situações, os exames complementares, laboratoriais ou de imagem são indispensáveis para confirmar o diagnóstico principal e diferenciar as doenças que simulam o abdome agudo, ou como forma auxiliar no planejamento cirúrgico.

Causas exógenas de abdome agudo (Atenção!) Intoxicação pelo chumbo A intoxicação pelo chumbo (saturnismo) ocorre de maneira crônica por inalação (mais comum), contato, ou por via digestiva. Esta moléstia é relativamente frequente na indústria automobilística, de tintas e baterias para automóveis. O quadro clínico é caracterizado por anemia, dores abdominais em cólicas, náuseas e vômitos e, às vezes, astenia e surtos diarreicos. Nas crises agudas, a palpação superficial e profunda do abdome é extremamente dolorosa, embora não existam sinais de irritação peritoneal. Os RHA podem estar aumentados. O exame físico geral revela palidez cutaneomucosa, ausência de febre, tendência à hipertensão arterial e presença de linha azul de Burton nas gengivas. O quadro clínico lembra abdome agudo obstrutivo alto, desde que não se encontre distensão abdominal, e o vômito é precoce e abundante. O diagnóstico exato pode ser obtido dentro de alguns dias, já que as dosagens de chumbo no sangue (acima de 0,08 mg/100 mL é indicativo de intoxicação) e de coproporfirina III na urina demandam alguns dias. Assim, apenas uma boa anamnese, principalmente sob o ponto de vista profissional, pode permitir uma suspeita diagnóstica correta. O tratamento da fase aguda, sobretudo das cólicas, se faz com antiespamódicos, aos quais se pode associar gluconato de cálcio por via endovenosa.

Causas metabólicas Cetoacidose diabética A descompensação do diabético com acidose pode levar a um quadro clínico caracterizado por febre, náuseas e vômitos, dor abdominal intensa, sintomas e sinais de desidratação e alteração do estado de consciência que pode chegar ao coma. O exame físico, além dos sinais neurológicos e da desidratação, pode revelar dor à palpação do abdome, defesa e até sinais de irritação peritoneal, consequência da acidose e desidratação. Ainda mais uma vez, a anamnese é decisiva para o diagnóstico. É preciso diferenciar a dor abdominal da cetoacidose diabética (CAD) daquela decorrente de outras patologias clínicas como pielonefrite, pancreatite ou apendicite aguda, que podem ter sido precipitadas pela cetoacidose. Caso a dor abdominal seja consequência da cetoacidose, deve desaparecer rapidamente com o tratamento da mesma, como demonstrado nos dois exemplos dados. Não é raro que a amilase sérica esta elevada inespecificamente, tornando difícil o diagnóstico de pancreatite. Dor persistente no abdome. após correção da cetoacidose requer, contudo, atenção médica.

Uremia Quadro clínico de insuficiência renal com uremia e acidose metabólica pode determinar o aparecimento de dor abdominal, alteração do trânsito intestinal com distensão, parada da eliminação de gases e fezes, náuseas e vômitos, que podem simular o abdome agudo cirúrgico obstrutivo. O exame do abdome mostra distensão, palpação superficial e profunda dolorosas, ausência de sinais de irritação peritoneal, RHA escassos ou ausentes. A investigação de outros sintomas como oligúria ou anúria, passado renal e crises hipertensivas, pode orientar o diagnóstico correto. Como exames complementares, a ureia e creatinina elevadas, aliadas ao quadro de edema, oligúria ou anúria, são bons indicadores da origem do quadro abdominal. O tratamento adequado baseia-se na abordagem da doença subjacente.

Porfiria Aguda Intermitente (AIP)

Figura 9.28 Sinal de Burton (saturnismo).

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É uma doença hereditária, rara, que se caracteriza fundamentalmente por distúrbios dos pigmentos tetrapirólicos, em crises, com eliminação de urina característica com cor de vinho do Porto. As crises podem ser espontâneas ou provocadas por determinados medicamentos (anticoncepcionais, fenitoína, barbitúricos, rifampicina e ácido valproico). Clinicamente, caracteriza-se por crises de dor abdominal em cólica, de grande intensidade, acompanhada de náuseas e vômitos, distensão abdominal e parada da eliminação de gases e fezes. Ao exame físico no-

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9 Abdome agudo ta-se dor à palpação, defesa voluntária e ausência ou redução de RHA. O quadro clínico propedêutico lembra em tudo uma obstrução intestinal com sofrimento de alça. A maioria dos doentes possui uma ou mais intervenções cirúrgicas que redundaram em laparotomias não terapêuticas. Do ponto de vista laboratorial, frequentemente observamos hiponatremia grave. O diagnóstico pode ser confirmado pela demonstração, na vigência das crises agudas, de quantidades aumentadas de porfobilinogênio na urina. Uma amostra de urina recente pode apresentar cor normal, mas se torna escura se deixada exposta ao meio ambiente. A maioria das famílias apresenta uma mutação diferente no gene para a porfobilinogênio desaminase, causando porfiria aguda intermitente. Com algum esforço em laboratórios de pesquisa, mutações podem ser descobertas e utilizadas para os diagnósticos pré-sintomático e pré-natal. O tratamento com dieta rica em carboidratos reduz uma série de crises em alguns pacientes, constituindo-se em medida empírica razoável por sua benignidade. Crises agudas podem ser letais, requerendo diagnóstico imediato, suspensão dos agentes desencadeantes (se possível) e tratamento com analgésicos, bem como com glicose e hematina intravenosas. Um mínimo de 300 g de carboidratos por dia deve ser fornecido por via oral ou intravenosa. O balanço eletrolítico requer mais atenção. A terapia com hematina está ainda em desenvolvimento e deve ser utilizada com o reconhecimento pleno de consequências adversas, especialmente flebites e coagulopatias. A dosagem intravenosa é de até 4 mg/kg uma ou duas vezes ao dia.

Hemopatias agudas Anemia falciforme A anemia de células falciformes é a hemoglobinopatia mais prevalente no Brasil, predominando na raça negra. As manifestações da doença surgem após o sexto mês de vida extrauterina, quando toda população de hemoglobina é padrão SS (não há hemoglobina A) e se caracteriza por anemia crônica, surtos de hemólise seguidos de febre e dor multissistêmica decorrente dos fenômenos vaso-oclusivos. A dor abdominal, quando de grande intensidade, pode simular abdome agudo cirúrgico, principalmente em crianças, cujo exame físico é difícil. A história clínica e familiar conduz, geralmente, ao diagnóstico correto, evitando-se assim uma laparatomia branca.

Outras moléstias Febre Familiar do Mediterrâneo (FFM) Também conhecida como polisserosite familiar recorrente ou peritonite periódica. Trata-se de uma rara doença recessiva autossômica

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de patogenia desconhecida que afeta quase que exclusivamente indivíduos com ascendentes originários do Mediterrâneo, especialmente judeus sefardis, armênios, turcos e árabes. A maioria dos pacientes se apresenta com sintomas antes dos 20 anos. É caracterizada por episódios de crises agudas de peritonite, que pode estar associada com serosite envolvendo as articulações e a pleura. As crises peritoneais são caracterizadas por início súbito de febre, dor abdominal grave e sensibilidade abdominal, com defesa ou dor à descompressão. Se deixadas sem tratamento, as crises se resolvem em 24-48 horas. Como os sintomas lembram aqueles da peritonite cirúrgica, os pacientes podem ser submetidos a uma laparotomia exploratória desnecessária. Demonstrou-se que a colchicina, 0,6 mg duas ou três vezes ao dia, pode reduzir a frequência e a gravidade das crises. O interferon (três milhões de unidades) administrado no início de uma crise pode também melhorar os sintomas. A amiloidose secundária com envolvimento renal ou cardíaco pode ocorrer em 25% dos casos; colchicina pode prevenir seu desenvolvimento. Na ausência de amiloidose, o prognóstico é excelente. O gene responsável pela FFM foi identificado e clonado, e o diagnóstico pode ser estabelecido por meio de avaliação genética (gene MEFV localizado no braço curto do cromossomo 16 e que codifica uma proteína anti-inflamatória denominada pirina).

Indicação cirúrgica Quando o diagnóstico etiológico é possível, a indicação cirúrgica é feita com segurança. Calcula-se que entre os doentes com dor abdominal, os idosos (acima de 65 anos) são mais frequentemente operados do que adultos jovens (15%). Não é infrequente que, após certo período de observação, o quadro clínico se torne mais claro ou novos exames complementares possam defini-lo melhor. A desidratação e hipovolemia devem ser tratadas por medidas apropriadas, utilizando-se os parâmetros clínicos, fisiológicos e laboratoriais necessários, e com a rapidez que o caso exige. A não ser em condições de extrema urgência, nenhum doente deve ser operado sem ter restabelecido suas condições fisiológicas. A sonda nasogástrica deve ser realizada especialmente nas obstruções intestinais mecânicas ou naquelas situações em que existe íleo adinâmico acentuado. O esvaziamento gástrico visa prevenir a aspiração pulmonar durante a indução anestésica, bem como reduzir a distensão abdominal e facilitar a cirurgia. O tratamento das diversas causas de abdome agudo cirúrgico será detalhado em outros módulos da clínica cirúrgica de acordo com a agenda de aulas 2014. Aguarde os módulos de cirurgia do Aparelho Digestivo.

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Dor abdominal aguda 1o Estágio

– Anamnese – Exame físico – Investigação complementar básica, incluindo USG – Diagnóstico diferencial Diagnóstico definido SIM

NÃO 2 Estágio o

– Avaliação clínica – TC helicoidal

Tratamento específico

Diagnóstico definido SIM

NÃO 3 Estágio o

Tratamento específico

– Laparoscopia – Laparotomia

Figura 9.29 Algoritmo com sugestão objetiva de abordagem da dor abdominal.

Resumo dos principais sinais do exame de abdome agudo Descrição Diagnóstico/condição Dor ou pressão no epigástrio ou tórax anterior com pressão firme Sinal de Aaron Apendicite aguda persistente aplicada ao ponto de McBurney. Dor aguda criada pela compressão do apêndice entre a parede Sinal de Bassler Apendicite crônica abdominal e o ilíaco. Sinal de Blumberg Sensibilidade transitória em rebote na parede abdominal. Inflamação peritoneal Perda da sensibilidade abdominal quando os músculos da parede Sinal de Carnett Fonte intra-abdominal de dor abdominal abdominal são contraídos. Sinal de Chandelier Dor extrema abdominal inferior ou pélvica com movimento da cérvice. Doença inflamatória pélvica Sinal de Charcot (tríade) Dor abdominal superior direita intermitente, icterícia e febre. Colecistite aguda Acentuação dos ruídos cardíacos e respiratórios pela parede abSinal de Claybrook Víscera abdominal rota dominal. Sinal de Courvoisier Vesícula palpável e indolor na presença de icterícia. Tumor periampular Sinal de Cruveilhier Veias varicosas periumbilicais (caput medusae). Hipertensão portal Hemoperitônio/Pancreatite Sinal de Cullen Equimose periumbilical. necro-hemorrágica Sinal da Danforth Dor no ombro à inspiração. Hemoperitônio Massa da parede abdominal que não cruza a linha média e permaHematomas do músculo reto Sinal de Fothergill nece palpável quando o reto está contraído. Pancreatite hemorrágica aguda/HemoSinal de Grey Turner Equimose em torno dos flancos. peritônio Sinal do Iliopsoas Elevação e extensão da perna contra resistência provoca dor. Apendicite com abscesso retrocecal Dor do ombro esquerdo quando em posição supina e pressão apli- Hemoperitônio (especialmente de origem Sinal de Kehr cada no abdome superior esquerdo. esplênica) Sinal de Mannkopf Pulso aumentado quando o abdome doloroso é palpado. Ausência de malignidade Dor causada pela inspiração, enquanto se aplica pressão ao abdoSinal de Murphy Colecistite aguda me superior direito. Flexão e rotação externa da coxa direita em posição supina provo- Abscesso pélvico ou massa inflamatória Sinal do Obturador ca dor hipogástrica. na pelve Sinal de Ransohoff Descoloração amarela da região umbilical. Ducto biliar comum rompido Dor no ponto de McBurney quando se comprime o abdome inferior Sinal de Rovsing Apendicite aguda esquerdo. Sinal de Ten-Horn Dor causada por tração suave do testículo direito. Apendicite aguda Sinal de Fox Equimose na base do pênis Pancreatite necro-hemorrágica Sinal

Tabela 9.5

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CAPÍTULO

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Hérnias

Definição Consiste na protrusão anormal de um saco com revestimento peritoneal, através da cobertura musculoaponeurótica do abdome. A fraqueza da parede abdominal, de origem congênita ou adquirida, resulta na incapacidade de manter o conteúdo visceral da cavidade abdominal em seus locais normais.

Pontos anatômicos de importância Anel inguinal externo – defeito medial no oblíquo externo, acima do tubérculo pubiano que dá passagem do cordão espermático ao escroto.

Trígono de Hesselbach – delimitado pela artéria epigástrica inferior, borda lateral do reto abdominal e ligamento inguinal. Trígono de Hessert – delimitado pelo ligamento inguinal, vasos epigástricos e oblíquos internos. Ligamento de Cooper – é uma faixa fibrosa, resistente, que se estende lateralmente por cerca de 2,5 cm ao longo da linha iliopectínea, na face superior do ramo pubiano superior, tendo início na base lateral do ligamento lacunar. Ligamento inguinal (ligamento de Poupart) – porção mais grossa e inferior da aponeurose do oblíquo externo.

Anel inguinal interno – defeito na fascia transversalis e aponeurose do TA, a meio caminho entre o púbis e a espinha ilíaca anterossuperior.

Ligamento lacunar (Gimbernat) – possui cerca de 1,25 cm de comprimento e tem a forma triangular. A borda lateral aguda, semilunar, deste ligamento é a armadilha inflexível para o estrangulamento de uma hérnia femoral.

Tendão conjunto – fusão das fibras aponeuróticas do oblíquo interno e transverso. Ocorre em menos de 10% das dissecções.

Ligamento de Henle – situado no nível da borda lateral do músculo reto do abdome, formando limite medial do anel femoral.


Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral Espaço pré-peritoneal – entre a fascia transversalis e o peritônio.

Fáscia de Camper – localizada abaixo da pele é a fáscia superficial.

Fascia transversalis – lâmina que recobre o músculo transverso do abdome e sua aponeurose. Separa a parede abdominal da gordura pré-peritoneal.

Fáscia de Scarpa – localizada abaixo da fáscia de Camper; é mais espessa e dirige-se à região escrotal, onde forma a fáscia de Dartos.

Trato iliopúbico – banda aponeurótica dentro da lâmina do transverso do abdome, que faz uma ponte entre os vasos ileofemorais externos do arco iliopectíneo até o ramo superior do púbis. O trato iliopúbico é posterior ao ligamento inguinal. Ele passa por cima dos vasos femorais e compõe uma porção da bainha femoral. Variações no trato iliopúbico podem causar a formação da hérnia femoral.

Triângulo de Doom (triângulo vascular) – delimitado pelo ducto deferente medialmente e os vasos espermáticos lateralmente contendo a veia e artéria ilíaca externa. Funículo espermático – contém: músculo cremáster, ducto deferente, veia plexo pampiniforme, ramo genital do nervo genitofemoral, artérias e veias testiculares, nervo ilioinguinal. Na mulher, não existe funículo espermático; o que se tem é o ligamento redondo.

Estrutura herniária básica Orifício herniário Saco herniário Colo do saco herniário Conteúdo do saco herniário 1

5

2

6

3

7 8

4

Figura 10.1 Estrutura herniária básica. (1) Desenho esquemático mostrando a pele; (2) a parede do saco herniário; (3) a cavidade do saco herniário; (4) o conteúdo do saco herniário; (5) o colo do saco herniário e o orifício herniário; (6) o peritônio parietal; (7) a cavidade peritoneal; e (8) e o plano muscular. Colo é a parte mais estreita do saco herniário. Orifício herniário é o espaço que, originado no ponto fraco, permite a saída de estrutura intra-abdominal.

Músculo Reto Triângulo de Hesselbach (1814)

Triângulo de Hesselbach (hoje)

Artéria epigástrica profunda

Ligamento inguinal Músculo iliopsoas

Artéria femoral Veia femoral Ligamento pectíneo (de Cooper) Ligamento lacunar

Figura 10.2 O triângulo de Hesselbach segundo a descrição original (à esquerda) e segundo a descrição atual.

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10 Hérnias

Músculo oblíquo externo

Músculo transverso abdominal Fascia transversalis (lâmina posterior) Artéria e veia epigástrica transversal Fascia transversalis (lâmina posterior) Anel inguinal secundário

Músculo oblíquo interno

Canal inguinal interno Anel abdominal interno

Canal inguinal

Artéria e veia ilíaca externa

Trato iliopúbico

Figura 10.3 Diagrama parassagital clássico de Nyhus da região médio-inguinal direita ilustrando as camadas musculoaponeuróticas separadas nas paredes anterior e posterior. A lâmina posterior da fascia transversalis foi adicionada, com os vasos epigástricos inferiores cursando através da parede abdominal medialmente ao canal inguinal interno.

Área de hérnia direta Área de hérnia indireta

Anel inguinal interno

Tubérculo púbico

V. E. I.

Borda do ligamento inguinal

T. I. P. Ligamento de Cooper

V. G.

Canal femoral V. I. E. D. D.

Figura 10.4 Anatomia das estruturas pré-peritoneais importantes no espaço inguinal direito. VEi: vasos epigástricos inferiores; TIP: trato iliopúbico; DD: ducto deferente; VG: vasos gonadais; e VIS: vasos ilíacos externos.

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral Na verdade, muito se escreveu da anatomia sobre a hérnia, mas foi somente a partir do fim da década de 1950 que, graças a Henry Fruchaud, entendeu-se o conceito de região inguinocrural, determinando uma área chamada orifício miopectíneo, limitada cranialmente pelos músculos transverso e oblíquo interno, medialmente pelo músculo reto do abdome, lateralmente pelo músculo iliopsoas, e caudalmente pelo ligamento pectíneo, que recobre o ramo superior do púbis.

Figura 10.5 Ponto fraco da parede abdominal. Em 1, a fosseta inguinal lateral, mostrando o funículo espermático, o qual se relaciona com o anel inguinal profundo; em 2, a fosseta inguinal média.

Figura 10.8 A musculatura posterior do trígono inguinal e a fáscia transversal. 1: Músculo reto do abdome; 2: músculo transverso; 3: trato iliopúbico; 4: músculo iliopsoas; 5: ligamento pectíneo; e 6: forame obturatório.

Figura 10.6 Ponto fraco da parede abdominal. Observa-se o triângulo ou quadrilátero de Grynfeltt (1), cuja nomenclatura oficial é trígono lombar superior, e um vaso local (2), que debilita mais ainda a região.

A hérnia inguinal do adulto, principalmente a partir da década de 1980, não é mais entendida como simples artefato mecânico, em que uma solução de continuidade ocorre na parede abdominal, mas é a patologia que ocorre à luz de conceitos de biologia celular e molecular com alterações moleculares do colágeno e das fibras elásticas integrantes da matriz extracelular, componente soberano da fáscia transversal. Esta concepção atual agora justifica a associação de hérnias com doenças como: tabagismo, sobrepeso, prostatismo, emagrecimento acentuado, aterosclerose, afecções que podem acompanhar a doença herniária inguinal.

Incidência e prevalência Nomenclatura

Figura 10.7 Ponto fraco da parede abdominal. Notam-se: hérnia lombar superior (1, Grynfeltt), trígono lombar inferior (2) e hérnia lombar inferior (3, Petit).

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Hérnias inguinofemorais Hérnias umbilicais Hérnias incisionais Hérnias epigástricas Hérnias de Spigel Hérnias paraestomais

Incidência (%) 75 10 10 5 5 5

Tabela 10.1 Incidências das hérnias da parede abdominal.

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10 Hérnias A distribuição epidemiológica aqui descrita se refere a doentes adultos, pois, se considerarmos toda a população, vale dizer, incluindo a faixa etária pediátrica, a hérnia inguinal atinge cifras de 83%. A hérnia inguinal representa 69% da doença herniária do adulto. A distribuição, segundo o sexo estabelece, 80% dos casos atingindo homens e 20% mulheres.

vaginal que é o caminho peritoneal que o testículo faz descendo até a bolsa escrotal. O saco herniário passa através do anel inguinal interno, em posição anteromedial dentro do funículo espermático, podendo estender-se ao longo do canal inguinal ou seguir para fora pelo anel inguinal externo. O saco herniário está lateral aos vasos epigástricos inferiores.

Quando analisamos a distribuição quanto à faixa etária, podemos afirmar que 35% das hérnias inguinais ocorrem entre os 20 e 40 anos e os 65% restantes estão distribuídos a partir dos 40 anos. Quanto à topografia, em homens até os 40 anos, temos a predominância de hérnia inguinal à direita, com 65% dos casos, 28% à esquerda e 7% bilateral. Na mulher, nesta mesma faixa etária, 13% são bilaterais e as unilaterais são distribuídas homogeneamente à direita e à esquerda. Nos homens com idade superior a 40 anos, 40% são bilaterais e a distribuição unilateral, seja à direita ou à esquerda, se equivalem. As hérnias crurais ou femorais (tipo V da classificação de Rodrigues Jr./Campanha Nacional do Mutirão de Hérnia Inguinal do Ministério da Saúde, 1999) são mais comuns na mulher do que no homem, na proporção de 4 para 1 e na faixa etária acima dos 40 anos. Ela também é duas vezes mais frequente à direita. Quando analisamos pacientes portadores de hérnia inguinal com mais de 60 anos, representando cerca de 18% do total de doentes com hérnia inguinal, é mito não oferecer possibilidade de correção, pois a maioria apresenta indicação cirúrgica.

Características das Hérnias Inguinais Indiretas Congênitas Homem jovem Aparece lentamente Pode chegar à bolsa escrotal Pode estrangular Difícil a redução espontânea

Diretas Adquiridas Homem mais idoso Aparece rapidamente Raramente chega à bolsa escrotal É muito raro estrangular Redução espontânea

Tabela 10.2 Características das hérnias inguinais, segundo fatores predisponentes. Atenção!

Classificação das hérnias Apesar de não existir consenso entre os cirurgiões sobre qual das classificações é a mais prática e acreditada, é aceito que as hérnias inguinais e crurais podem ser classificadas como uma única deficiência: o defeito da parede posterior. Indireta ou oblíqua externa – mais comum delas, principalmente em homens. Acontece pela persistência do conduto peritoniovaginal (CPV). Ocorre porque não há a obliteração do processo

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Figura 10.9 Volumosa hérnia inguinoescrotal.

Direta ou oblíqua interna – resulta do enfraquecimento da parede posterior (fascia transversalis). Tem como local de menor resistência a fosseta peritoneal média. O saco herniário é medial aos vasos epigástricos inferiores, através do trígono de Hesselbach. Por isso, a hérnia direta é chamada hérnia do trígono de Hesselbach. O saco peritoneal se desenvolve perpendicularmente à parede abdominal. Qualquer condição que demande muito esforço muscular e/ou aumento de pressão abdominal pode resultar em hérnia direta: obesidade, ascite e atrofia dos músculos abdominais por velhice. Mista ou Pantaloon – coexiste hérnia direta e indireta. Femoral – saco herniário passa por trás do ligamento inguinal e insinua-se por meio do anel femoral, por dentro da bainha dos vasos femorais. Das hérnias estranguladas, a femoral é de grande frequência e, ainda, pode ocorrer com hérnia de Richter. Hérnia de deslizamento – parte da parede do saco é a própria víscera (cólon, bexiga etc.). De acordo com a classificação proposta por Nyhus (1991) podemos dividir as hérnias da região inguinofemoral em quatro tipos (Tabela 10.3).

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Classificação de Nyhus I – Hérnia indireta sem alargamento do anel interno (por exemplo, hérnia na criança). II – Hérnia indireta com alargamento do anel interno, mas parede posterior intacta e vasos epigástricos na posição anatômica esperada. III – Defeitos da parede posterior. IIIA – Hérnia direta. IIIB – Hérnia indireta – anel interno dilatado com destruição medial da fáscia transversalis. Por exemplo, inguinoescrotais, pantaloon, hérnias de deslizamento. IIIC – Hérnia femoral. IV – Hérnias recidivadas*. IVA – Direta. IVB – Indireta. IVC – Femoral. IVD – Combinação de A, B e C.

Tabela 10.3 Atenção! *IV A: hérnia direta; IV B: Hérnia indireta; IV C: hérnia femoral; e IV D: hérnia mista.

Outra classificação utilizada na prática cirúrgica é a idealizada por Junqueira Rodrigues Jr. Classificação de Junqueira Rodrigues Jr. Tipo 1

Presença de saco herniário lateral aos vasos epigástricos profundos. Anel inguinal profundo < 1 cm. Assoalho do canal inguinal íntegro e resistente (hérnia do jovem).

Tipo 2

Presença de saco herniário lateral aos vasos epigástricos profundos. Anel inguinal profundo “pátulo” > 2,5 cm. Assoalho do canal inguinal parcialmente alterado (hérnia do adulto/idoso).

Tipo 3

Fraqueza do assoalho, em geral de natureza diverticular (hérnia do adulto/idoso).

Tipo 4

Hérnia dupla ou “em pantalona” (hérnia do adulto/idoso).

Tipo 5

Hérnia femoral. Pode ser redutível ou, em geral, encarcerada (ocorre com maior frequência em mulheres).

Tabela 10.4 Classificação das hérnias inguinocrurais de Junqueira Rodrigues Jr.

Classificação das hérnias externas Superiores

Diafragmáticas

Inferiores

Perineais Isquiáticas.

Posteriores

Lombares

Anteriores

Hérnia do hiato esofagiano. Anterior (Morgagni). Posterior (Bochdalech). Superior (Grynfeltt). Inferior (Petit). Epigástricas. Umbilicais. Inguinais. Femorais. Linha semilunar.

Tabela 10.5 Classificação das hérnias externas.

De acordo com o tamanho do anel herniário, podem ser pequenos (< 1,5 cm), médias (1,5 a 3-4 cm) e grandes (> 3-4 cm ou duas polpas digitais). Conforme o tamanho do saco herniário, as hérnias podem ser classificadas como restritas ao canal inguinal, situadas além do anel inguinal externo e, por último, na bolsa escrotal. As hérnias podem ser redutíveis ou irredutíveis (encarceradas). O estrangulamento é caracterizado pela impossibilidade de redução associada à isquemia de seu conteúdo. Na hérnia de deslizamento, parte do saco herniário é constituída pela parede de alguma víscera intra-abdominal, mais frequentemente o cólon, seguido da bexiga.

Etiopatogenia Defeitos congênitos e adquiridos são responsáveis pela maioria das hérnias inguinais. A persistência do processo vaginal é o fator primário que desencadeia o desenvolvimento de uma hérnia inguinal indireta.

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10 Hérnias Prematuridade e baixo peso ao nascer são comprovadamente fatores de risco significativos. Anormalidades congênitas, como deformidades pélvicas ou extrofia da bexiga, podem causar anormalidades do canal inguinal, resultando na formação de hérnias inguinais. Deformidades congênitas ou deficiências de colágeno podem proporcionar o aparecimento de hérnias inguinais diretas. As hérnias diretas são atribuídas aos estresses e desgastes da vida. O esforço para urinar ou para defecar, tossir e levantar objetos pesados tem sido implicado como fator causal, provocando traumatismo e enfraquecimento do assoalho inguinal. Já se verificou que hérnias inguinais ocorrem mais amiúde em tabagistas do que em não tabagistas. Idade avançada e doenças crônicas são fatores de risco associados ao desenvolvimento de hérnias. Atividade física vigorosa e a prática de esportes também têm sido propostas como estresses crônicos que podem apresentar formação de hérnias.

Apresentação clínica e diagnóstica De modo geral, um paciente com hérnia inguinal queixa-se de um “caroço” na região inguinal. O paciente pode descrever dor discreta ou vago desconforto associado à protrusão abdominal. Às vezes, os pacientes queixam-se de parestesias relacionadas à irritação ou compressão de nervos inguinais pela hérnia. A área inguinal é examinada com o paciente de pé e de frente para o médico. A inspeção visual da virilha revela, com frequência, perda da simetria ou uma protrusão bem definida. Quando se pede ao paciente para tossir ou realizar a manobra de Valsalva, a protrusão acentua-se. A manobra de Landivar consiste na colocação da ponta dos dedos na parede abdominal sobre a região inguinal e pede-se ao paciente para repetir a manobra de Valsalva. A seguir, coloca-se a ponta de um dedo no canal inguinal, e a manobra de Valsalva é repetida. Uma protrusão que passa de uma posição lateral para uma medial contra a ponta do dedo é mais compatível com uma hérnia indireta. Já a protrusão que avança contra o dedo de uma posição profunda para uma superficial por meio do assoalho do canal é mais compatível com hérnia inguinal direta. A diferenciação entre hérnias diretas e indiretas, por ocasião do exame físico, não é essencial, porque os dois tipos podem ser reparados pela mesma abordagem. Uma protrusão abaixo do ligamento inguinal é compatível com uma hérnia femoral.

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Figura 10.10 Manobra de Landivar: Palpação para exame do orifício inguinal externo e avaliação da parede posterior.

A seguir, o paciente é examinado em decúbito dorsal, repetindo as etapas descritas para o exame em posição ortostática. Uma massa inguinal descrita pelo paciente, mas que não foi identificada no exame físico, pode tornar-se palpável ou visível após se fazer o paciente deambular ou ficar de pé por algum tempo. É incomum a necessidade de fazer o paciente retornar para um novo exame da região inguinal. A incapacidade de reduzir manualmente uma hérnia encarcerada exige intervenção cirúrgica imediata. A maioria das hérnias ocorre em homens. A hérnia mais comum em homens e mulheres é a hérnia inguinal indireta. Hérnia redutível é a hérnia cujo conteúdo regressa espontaneamente ou mediante manipulação para a cavidade abdominal. Hérnia irredutível ou encarcerada é a que se mantém em estado de protrusão crônica ou aquela que não pode ser reduzida mediante manipulação. Estrangulada é a hérnia encarcerada que apresenta comprometimento da vascularização do seu conteúdo, podendo evoluir para gangrena e perfuração. A ultrassonografia específica da parede abdominal na região inguinofemoral, com transdutores menores, tem sido cada vez mais utilizada para o diagnóstico de herniações, com sensibilidade de 90% e especificidade entre 82% e 86%. Para melhores resultados, o exame deve ser realizado com o paciente alternando situação de relaxamento muscular com manobra de Valsalva. A herniografia, realizada por injeção de contraste iodado na cavidade peritoneal, é pouco utilizada em nosso meio. Apesar de ser um exame simples e que pode evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias em casos duvidosos, apresenta alguns inconvenientes, como dor abdominal após o contraste, risco de perfuração de vísceras e reações alérgicas.

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral A tomografia computadorizada, por sua vez, é realizada para elucidação diagnóstica de massas, e o achado de hérnias acaba sendo incidental. Outra utilidade da tomografia é a mensuração do volume do conteúdo herniado nas grandes hérnias inguinoescrotais, bem como a identificação dos órgãos que possam estar herniados. A ressonância nuclear magnética, não constitui método habitual para diagnóstico de hérnias inguinais ou femorais. Apresenta, porém, sensibilidade e especificidade maiores que 95% para estabelecer o tipo de hérnia encontrado, se femoral ou inguinal.

Tratamento cirúrgico das hérnias inguinais Indicação cirúrgica: após o diagnóstico Exceção: Paciente em estado terminal, imunossuprimido ou extremamente idoso estaria na categoria dos pacientes cuja correção cirúrgica pode ser postergada até a melhora das condições clínicas ou não ser operado. A história natural da hérnia inguinal é de aumento progressivo e enfraquecimento, com o potencial de encarceramento e obstrução intestinal e subsequente comprometimento da irrigação vascular para o intestino (estrangulamento), resultando em infarto intestinal. As hérnias não desaparecem espontaneamente nem melhoram com o passar do tempo. A correção de uma hérnia inguinal pode ser planejada de maneira eletiva, a menos que exista encarceramento ou estrangulamento. Fatores associados ao aumento da pressão intra-abdominal devem ser corrigidos ou atenuados, se possível, antes da herniorrafia eletiva, como prostatismo, tosse crônica ou constipação.

Antibioticoprofilaxia Apesar de a herniorrafia inguinal ser classificada como uma cirurgia limpa, vários estudos atestam a vantagem de antibioticoprofilaxia. O antibiótico de escolha é a cefazolina (dose única ou, no máximo, por 24 horas, se for usada prótese). O antibiótico deve ser administrado por via endovenosa na indução da anestesia.

inicia sua ação mais rapidamente e sua duração habitualmente não excede duas horas, apresentando ações tóxicas com níveis séricos acima de 5 mg/L. A bupivacaína, por sua vez, inicia sua ação com um período de latência maior, sua duração é mais prolongada, alcançando até oito horas, e seu nível sérico limite é 1,6 mg/L. O uso de adrenalina diminui a absorção local dos anestésicos e permite que o seu tempo de ação seja prolongado. A concentração adequada de adrenalina para esse objetivo é de 1/200.000, acima da qual poderão aparecer efeitos colaterais. O desconforto referido durante a infiltração dos anestésicos locais pode ser reduzido com a adição de bicarbonato de sódio ou de solução salina isotônica à solução anestésica, visando à diminuição de sua acidez. Habitualmente com anestesia local, obtém-se 80 mL de solução de bupivacaína a 0,125% (dose total de 100 mg) e lidocaína a 0,5% (dose total de 400 mg) pela adição de 20 mL de bupivacaína 0,5% a 20 mL de lidocaína 2% e a 40 mL de soro fisiológico. A correção da hérnia a céu aberto começa com uma incisão curvilínea a aproximadamente dois dedos transversos acima do ligamento inguinal. Deve-se ter cuidado para não lesar os nervos ilioinguinal e íleo-hipogástrico, que são responsáveis pela inervação da pele da porção inferior do abdome, do pênis e do escroto. O ramo genital do nervo genitofemoral inerva o grande lábio na mulher e a bolsa escrotal no homem. Existem numerosas opções para reconstrução do assoalho inguinal; faremos uma descrição dos diversos procedimentos cirúrgicos. Resumem-se em três tempos fundamentais: cuidar dos elementos herniados, reconduzindo-os à cavidade de origem ou ressecando-os, quando necessário (caso haja necrose); dissecção cuidadosa do saco herniário, seguida de ligadura e secção do mesmo; correção do defeito anatômico que permitiu a formação herniária.

Anestesia As herniorrafias inguinais podem ser realizadas com anestesia local, espinhal (regional) ou geral. A seleção do tipo de anestesia depende de vários fatores, principalmente a idade e as condições gerais do paciente, a preferência do cirurgião e a técnica de herniorragia utilizada. Os agentes anestésicos mais utilizados para a anestesia local são a lidocaína e a bupivacaína, associadas ou não a vasoconstritores. A lidocaína

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Figura 10.11 Hérnia inguinal indireta. Canal inguinal aberto evidenciando cordão espermático afastado medialmente e o saco peritoneal herniário indireto dissecado acima do nível do anel inguinal interno.

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10 Hérnias nos e transversos ao ligamento inguinal de Poupart. A sutura se inicia no púbis e termina no anel interno. Corresponde ao método mais amplamente utilizado. O reparo de Halsted coloca o músculo oblíquo externo abaixo do cordão, mas de outra forma assemelha-se ao reparo de Bassini. Como só 11% da população possui tendão conjunto, a técnica é também descrita da seguinte forma: aproximação do arco aponeurótico do transverso ao ligamento inguinal, com pontos separados de sutura inabsorvível. As principais indicações são: hérnias inguinais unilaterais ou bilaterais. Desvantagens: elevado índice de recidiva, ao redor de 30%. Atualmente, praticamente abandonada, em função dos altos índices de recidiva. Figura 10.12 Hérnia inguinal direta. Canal inguinal aberto e o cordão espermático afastado para baixo e para fora para revelar a protuberância herniária por meio do assoalho do triângulo de Hesselbach.

Técnicas de reconstrução da parede posterior do canal inguinal Técnica de Marcy Publicada por Henry Orlando Marcy, em 1871, no Boston Medical and Surgical Journal. Pode ser utilizada em hérnias inguinais indiretas isoladas ou associadas a hérnias diretas, com a técnica, neste caso, fazendo parte de um procedimento mais extenso. As indicações para o uso da técnica de Marcy são: lactentes e crianças com anéis internos dilatados (tipo II); pacientes jovens com PPCI (parede posterior do canal inguinal) preservada (tipo II); pacientes de meia-idade ou idosos com hérnias inguinais indiretas grandes ou com hérnia inguinal direta, nos quais o anel inguinal profundo está fechado, como parte de um procedimento mais extenso de reforço da PPCI (tipos IIIa e IIIb).

Zimmerman (cinta iliopectínea) Sutura a fascia transversalis à cinta iliopectínea, iniciando-se no nível do púbis e terminando na borda do orifício interno, estreitando-o. Em desuso.

Correção de Shouldice (canadense) Após dissecção, a parede posterior da fascia transversalis é aberta e suturada “em jaquetão” por dois planos de sutura. A primeira sutura fixa a borda inferior da fáscia à face posterior do folheto superior, e a segunda fixa a borda inferior do folheto superior da fáscia ao ligamento inguinal. Um segundo reforço é feito pela aproximação do tendão conjunto, da borda inferior dos músculos oblíquo interno e transverso ao ligamento inguinal. Todos os planos são aproximados por suturas contínuas com fio monofilamentar; com esta técnica as recidivas herniárias ficam em torno de 1%. Desvantagens: elevado índice de recidiva, tensão excessiva na linha de sutura, aprendizado difícil. Atualmente, pouco utilizada no Brasil.

A técnica de Marcy pode ser realizada por via transabdominal, pré-peritoneal ou inguinal. Caracteriza-se pelo fechamento do anel inguinal profundo com estruturas pertencentes exclusivamente à PPCI, ou seja, o arco do músculo transverso do abdome e o trato iliopúbico. O resultado final desse procedimento preserva a mobilidade e a função protetora do anel profundo, ao contrário do que ocorre em técnicas nas quais o anel é fixado por pontos cirúrgicos ao ligamento inguinal, como nas técnicas de Bassini e de Zimmerman, por exemplo.

Técnica de Bassini (ligamento de Poupart) Originalmente consiste na aproximação do tendão conjunto e a borda dos músculos oblíquos inter-

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Figura 10.13 Técnica de Shouldice: exposição da parede posterior do canal inguinal e linha de incisão.

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Figura 10.14 Técnica de Shouldice: abertura da parede posterior do canal inguinal, expondo o tecido adiposo pré-peritoneal, desde o anel inguinal profundo até o tubérculo púbico.

Figura 10.17 Técnica de Shouldice: terceiro plano; sutura contínua aproximando os músculos oblíquo interno e transverso do abdome ao ligamento inguinal desde o anel profundo até o tubérculo púbico.

Operação de Condon Reparo anterior ao trato ileopectíneo. O reparo de Condon é feito mediante suturas separadas, a 5 a 7 mm de distância uma da outra, que unem a borda do transverso abdominal (tendão conjunto) ao trato iliopúbico. As suturas mais laterais ligam até o ânulo inguinal interno e logram seu fechamento medial; mas, além disso, o reparo total do ânulo efetua-se mediante a colocação de outras suturas laterais ao cordão espermático. Como em outros reparos, o ajuste do fechamento do ânulo é determinado pela ponta de uma pinça hemostática grande. Nesta técnica, é recomendada uma incisão de relaxamento no reparo das hérnias diretas.

Figura 10.15 Técnica de Shouldice: primeiro plano; sutura contínua iniciada no tubérculo púbico e terminando no anel inguinal profundo, unindo a borda livre do folheto inferolateral (IL) à face posterior do folheto superomedial.

Operação de McVay Esta técnica consiste na sutura do arco aponeurótico do transverso ao ligamento pectíneo (Cooper), com incisões relaxadoras na bainha do reto abdominal. Suas indicações são: hérnias inguinais unilaterais ou bilaterais e hérnias femorais. Este reparo é particularmente utilizado para as hérnias femorais estranguladas, porque proporciona obliteração do espaço femoral sem o uso de malha. Desvantagens: elevado índice de recidiva, tensão excessiva na linha de sutura e lesão da veia femoral.

Técnicas com utilização de prótese livre de tensão Lichtenstein (livre de tensão)

Figura 10.16 Técnica de Shouldice: segundo plano; sutura contínua unindo a borda livre do folheto superomedial ao ligamento inguinal, desde o anel inguinal profundo até o tubérculo púbico.

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Lichtenstein enfatizou a falta de lógica de corrigir uma hérnia por meio da reunião de tecidos que são suturados sob tensão. Então, propôs que a “ausência total de tensão na linha de sutura é condição sine qua non para a correção (de hérnias)”. A rotina é realizar a cirurgia em esquema ambulatorial com anestesia local. Uma tela de Marlex® (polipropileno)

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10 Hérnias é suturada ao tecido aponeurótico sobreposto ao osso púbico, com a continuação dessa sutura ao longo da borda do ligamento inguinal (de Poupart), até um ponto lateral do anel inguinal interno. A borda lateral da tela é cortada para permitir a passagem do cordão espermático. A borda cefálica da tela é suturada no tendão conjunto, com a borda do músculo oblíquo íntimo sobreposta em aproximadamente 2 cm. As duas pontas da face lateral da tela são suturadas. Atualmente, é a técnica mais utilizada para o tratamento das hérnias inguinais, no entanto, tem como desvantagens maior incidência de neurodinia associada à lesão de nervos periféricos e intensa fibroplasia local. Figura 10.21 Técnica de Lichtenstein: tela suturada, aspecto final.

Stoppa Consiste no revestimento do peritônio pélvico com tela de polipropileno. A tela é fixada ao osso público em sua face posterior e mantida em posição pela pressão abdominal. Os elementos do cordão inguinal são parietalizados.

Figura 10.18 Herniorrafia inguinal pela técnica de Lichtenstein.

As principais indicações são: hérnias inguinais bilaterais, hérnias inguinais grandes ou com destruição do ligamento inguinal, hérnias recidivadas, hérnias femorais. Desvantagens: dissecção grande, difícil aprendizado que exige o conhecimento da anatomia pré-peritoneal, intensa fibroplasia pré-peritoneal. É a técnica mais radical para tratamento de hérnias inguinocrurais. Deve ser realizada por cirurgiões experientes no tratamento de hérnias.

Técnica de Nyhus

Figura 10.19 Secção longitudinal da tela, a partir de sua borda superior, até o anel inguinal profundo, o que permite ao cordão inguinal emergir pelo extremo inferior dessa secção, sendo criados dois folhetos na tela.

A incisão cutânea é horizontal, à direita e acima da sínfise pubiana. A dissecção é realizada até o espaço pré-peritoneal, após divulsão das fibras do músculo oblíquo interno e transverso. É realizada secção do espaço pré-peritoneal, com prolongamento da incisão medial, lateral e inferiormente. Dessa forma, os sacos herniários podem ser visualizados como divertículos peritoneais, os quais (sacos diretos ou indiretos) são separados dos elementos do cordão e reduzidos. O reparo da hérnia é realizado por meio de suturas com fio monofilamentar, aproximando o tendão conjunto ao trato iliopúbico. Mais recentemente, Nyhus prega a utilização de prótese, além das suturas, para correção das hérnias inguinais, principalmente as diretas.

Operação de Gilbert Figura 10.20 Técnica de Lichtenstein: posicionamento do folheto medial da tela sobre o folheto lateral.

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Esta técnica de reparo das hérnias inguinais emprega uma prótese de polopropileno conhecida como Prolene Hérnia System (PHS) que combina três mecanismos de ação. A tela de PHS é formada

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral por uma malha interna, o componente pré-peritoneal que reforça o orifício miopectíneo. Também inclui um componente oval externo que é inserido sobre a fáscia transversal para reforçar o assoalho da região inguinal, como na técnica de Lichtenstein. Os componentes internos e externos da tela são acoplados por meio de um cilindro.

Uma variante é a técnica de Alexandre, que realiza uma dissecção mais ampla do espaço pré-peritoneal, com secção dos vasos epigástricos. A tela grande de 18 × 15 cm é deixada no espaço pré-peritoneal sem fixação. Um reparo de McVay é realizado anteriormente à prótese.

Operação de Trabucco

As principais indicações são: hérnias inguinais unilaterais ou bilaterais, hérnias inguinais recidivadas, hérnias femorais.

Um cone de polipropileno oblitera o ânulo inguinal profundo e uma prótese do mesmo material, recortada segundo a área do trígono inguinal do paciente, é colocada sobre a fáscia transversal, envolvendo o funículo, sem fixação às estruturas adjacentes.

Desvantagens: procedimento tecnicamente difícil que exige conhecimento da anatomia pré-peritonial, aprendizado difícil, intensa fibroplasia local. Os melhores resultados são observados nas hérnias recidivadas com destruição da parede posterior.

Operação de Rutkow e Robbins

Técnica de PHS

Um cone de polipropileno é introduzido no ânulo inguinal profundo e uma prótese pré-confeccionada, de tamanho padrão, é aplicada sem suturas sobre a fáscia transversal.

Operação de Rives

O PHS (Prolene Hernia System) é uma tela tridimensional dupla com um conector no meio, que permite que a hérnia seja corrigida por meio de uma pequena incisão (em média de 3 a 5 cm), na região inguinal. O material pode ser utilizado em todos os tipos de hérnia e possui tamanhos diferentes, para vários tamanhos de hérnias.

Consiste na fixação de tela de polipropileno sob a fascia transversalis, no espaço pré-peritonial. A tela é suturada ao ligamento pectíneo e ao arco aponeurótico do transverso. Também é realizada uma abertura na porção lateral da tela, que permite a passagem do funículo espermático e a criação de um novo anel inguinal profundo.

Possibilita o tratamento das hérnias de maneira eficaz, com baixo índice de recidiva (1%). A técnica com PHS é considerada segura, em geral, realizada sob anestesia local. Permite que o paciente saia caminhando do centro cirúrgico, gerando assim menos gastos, pois não necessita de internação hospitalar.

Diferenças técnicas entre as operações de hernioplastia com prótese de polipropileno Autor Lichtenstein Gilbert Rutkow e Robbins Trabucco

Dimensões da prótese 16 × 8 cm, recortada no intraoperatório. 8 × 4 cm, recortada no intraoperatório.

Posição da prótese

Proteção do ânulo profundo Cruzamento da prótese ao redor do funículo.

Posição do funículo

Sobre a fáscia transversal, fixa nas estruAbaixo da aponeurose turas adjacentes. do MOE. Sobre a fáscia transversal, sem fixação Abaixo da aponeurose “Guarda-chuva” no EPP. nas estruturas adjacentes. do MOE. Sobre a fáscia transversal, sem fixação Abaixo da aponeurose 8 × 4 cm, pré-cortada. Cone no EPP. nas estruturas adjacentes. do MOE. Sobre a fáscia transversal, sem fixação Acima da aponeurose 8 × 4 cm, pré-cortada. Cone no EPP. nas estruturas adjacentes. do MOE.

EPP: Espaço pré-peritoneal; MOE: músculo oblíquo externo.

Tabela 10.6

Hérnias femorais A hérnia femoral ocorre por meio de um espaço limitado superiormente pelo trato iliopúbico, inferiormente pelo ligamento de Cooper, lateralmente pela veia femoral e medialmente pela inserção do trato iliopúbico no ligamento de Cooper. No exame físico, encontra-se uma massa abaixo do ligamento inguinal. As hérnias femorais são mais comuns nas mulheres (4 a 5 vezes) do que nos homens.Em razão do seu pequeno e rígido orifício é a que mais facilmente estrangula. A cirurgia da hérnia femoral pode ser realizada através de vários acessos, cada um apresentando vantagens e inconvenientes: 1) via inguinal; 2) via femoral; 3) via combinada; e 4) via pré-peritoneal.

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10 Hérnias A hérnia femoral pode ser corrigida usando-se uma técnica-padrão de reparo do ligamento de Cooper (de McVay) ou a técnica de Gilbert modificada, em que se usa um plug de Marlex (polipropileno) na região femoral. As abordagens pré-peritoneal e laparoscópica também proporcionam excelente visualização e acesso. A recorrência é semelhante àquela descrita para hérnia inguinal direta, de cerca de 5%-10%. Em serviços como a Unifesp, o plug femoral é considerado o padrão de excelência no tratamento de hérnias femorais.

enquanto o componente visceral constitui mais comumente a parede posterolateral do saco herniário. Essencial ao reparo de deslizamento é a redução de uma hérnia das vísceras para dentro da cavidade peritoneal e a ligadura do saco herniário. A chave para o reparo bem-sucedido de uma hérnia de deslizamento é o reconhecimento do componente visceral e a devolução segura das vísceras para a cavidade abdominal, com reconstrução meticulosa do canal inguinal.

Correção laparoscópica das hérnias O tratamento videocirúrgico das hérnias apresenta várias vantagens em relação à abordagem aberta, sendo as principais: redução acentuada da dor, retorno mais precoce ao trabalho e cicatriz mínima. A videocirurgia permite a inspeção das regiões inguinal e femoral bilateralmente, de forma que hérnias contralaterais não diagnosticadas, previamente, podem ser reparadas concomitantemente sem a necessidade de incisões adicionais.

Figura 10.22 HF típica – localizada medialmente à veia femoral e lateralmente à borda medial do anel femoral.

Hérnias de deslizamento Uma hérnia inguinal de deslizamento é definida como aquela na qual uma víscera forma uma porção da parede do saco herniário. Mais comumente, a víscera envolvida é um segmento do intestino ou da bexiga. O ceco é envolvido mais comumente nas hérnias inguinais à direita, enquanto o cólon sigmoide é o órgão mais frequentemente envolvido no lado esquerdo. As hérnias inguinais indiretas representam o tipo mais comum de hérnia de deslizamento, embora ocorram hérnias de deslizamento diretas e femorais. O perigo primário associado a uma hérnia de deslizamento é a incapacidade de detectar o componente visceral da hérnia, antes que ocorra lesão do intestino ou da bexiga. O saco herniário deve ser aberto em sua borda anteromedial,

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As principais desvantagens da herniorrafia videocirúrgica são a utilização de anestesia geral pela maioria dos cirurgiões e o custo mais elevado, quando se utilizam clampeadores e outros materiais descartáveis. Pacientes que não podem tolerar a anestesia geral ou que apresentam várias cirurgias prévias em abdome inferior não devem ser submetidos à herniorrafia laparoscópica. Apesar da maior dificuldade técnica, o procedimento laparoscópico totalmente extraperitoneal é a herniorrafia videocirúrgica (laparoscópica), mais utilizada, atualmente, em razão de seus menores índices de complicações e recorrência.

Técnica laparoscópica transabdominal pré-peritoneal (TAPP) Após a realização de pneumoperitônio, os trocartes são colocados dentro da cavidade abdominal. O peritônio é incisado superiormente ao assoalho inguinal, de modo a produzir um retalho de peritônio. A dissecção e a fixação da tela são realizadas no espaço pré-peritoneal. O saco herniário é dissecado e reduzido, como mencionado na técnica laparoscópica anterior. A tela é posicionada e fixada no ligamento de Cooper e ao lado interno do tendão conjunto, não colocando suturas lateralmente aos vasos epigástricos. Finalmente, o retalho do peritônio é colocado em sua posição inicial, de modo a cobrir totalmente a tela e evitar aderências e erosões da tela a alças intestinais. Relatos atuais demonstram bons resultados com baixas taxas de recidiva.

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Técnica laparoscópica totalmente extraperitoneal (TEP) Apesar da maior dificuldade técnica, a técnica totalmente extraperitoneal (TEP) é a herniorrafia videocirúrgica (laparoscópica) mais utilizada atualmente. Essa operação inicia-se com uma pequena incisão na bainha anterior do músculo reto do abdome, na altura ou pouco abaixo do umbigo. Afastando-se o músculo reto do abdome, um trocarte rombo é introduzido na bainha

do músculo, sobre a aponeurose posterior, paralelo à bainha, em direção ao púbis. A partir da linha arqueada de Douglas, o trocarte penetra diretamente no espaço pré-peritoneal, e a dissecção romba ou por meio de um balão dissector é efetivada. Posteriormente, o gás é insuflado nessa região pré-peritoneal dissecada, permitindo a introdução dos trocartes auxiliares e a identificação das estruturas do orifício miopectíneo. A colocação e a fixação da prótese podem ser semelhantes àquelas utilizadas pela técnica transabdominal.

Comparação entre as técnicas laparoscópicas TAPP versus TEP Vantagens da TAPP Permite o rápido e fácil diagnóstico de “hérnia contralateral” (não diagnosticada no pré-operatório). Mais fácil reconhecimento dos elementos anatômicos. Menor risco de conversão. Menor risco de lesões vasculares.

Vantagens da TEP Não viola a cavidade peritoneal. Menor risco de lesões viscerais. Menor risco de obstrução intestinal e de hérnias nas incisões dos trocartes. Realização mais suscetível quando realizada com anestesia locorregional . Na maioria dos casos não precisa fixar a prótese.

Tabela 10.7

Complicações cirúrgicas para correção das hérnias inguinais Testículos: orquite isquêmica e atrofia testicular são as duas possíveis complicações que acometem o testículo, após herniorrafias inguinais. Apresentam-se como dor, edema e endurecimento do testículo associado a febre baixa. Essa condição pode progredir para atrofia testicular. A fisiopatologia da orquite isquêmica, provavelmente, tem início com a congestão venosa intensa dentro do testículo, secundária à trombose das veias do cordão espermático (veias pampiniformes). Vaso deferente: trauma no vaso deferente pode ser por transecção ou obstrução. A transecção, geralmente, ocorre em reparos abertos, principalmente nas hérnias recidivadas. A obstrução pode ocorrer pelo pinçamento excessivo causando fibrose de intensidade variada no lúmen do vaso. Hidrocele: é uma complicação pouco comum das operações para correção de hérnias inguinais. Provavelmente, está relacionada à esqueletização do cordão espermático e dissecção excessiva do saco herniário e do ânulo inguinal interno. Além disso, a persistência da parte proximal do saco herniário indireto pode ser um fator predisponente. Seromas: na região inguinal são raramente de relevância clínica. Entretanto, com a introdução das próteses, há uma tendência maior à formação de seromas. Vasculares: lesões da veia femoral podem ser causadas por suturas próximas à parede ante-

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rior da veia, ou por compressão da veia femoral por uma sutura colocada muito lateralmente, próxima ao ligamento de Cooper. A lesão da artéria femoral pode acontecer durante a reconstrução da parede posterior, próximo ao anel inguinal profundo; neste local a artéria femoral se situa 1 a 1,5 cm abaixo da fáscia transversal. Bexiga: a bexiga é posterior e medial à parede inguinal posterior e pode estar aderida ou “deslizar” em uma hérnia direta ou femoral. Além disso, retenção urinária, principalmente, após anestesias locorregionais, é uma complicação comum das herniorrafias inguinais. Intestinos: nos casos de encarceramento ou estrangulamento da hérnia há envolvimento direto do intestino, necessitando de inspeção rigorosa e, até mesmo, ressecção de alças em alguns casos. Indiretamente, pode haver laceração ou até ruptura de uma alça na presença de hérnia deslizante. Infecção: pode complicar todos os tipos de cirurgia. As mulheres têm maior índice de infecção que os homens. Hérnias encarceradas, recorrentes, umbilicais e femorais também apresentam maiores taxas de infecção, respectivamente 7,8%, 10,8%, 5,3% e 7,7%. A presença de prótese também aumenta os índices de infecção. A presença de infecção não exige necessariamente a retirada da prótese, a não ser que esta se encontre mergulhada em um abscesso ou banhada por secreção purulenta. Infecções tardias também podem acontecer quando houver próteses, até meses ou anos, após o implante.

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10 Hérnias Lesões de nervo: são infrequentes. Os nervos mais atingidos durante o reparo aberto da hérnia são o ilioinguinal, ramo genital e genitofemoral e íleohipogástrico. No reparo laparoscópico, os nervos cutâneo femoral lateral e genitofemoral são afetados com mais frequência. A dor inguinal crônica ou inguinodinia pode ser neurálgica ou neuropática. A neuralgia é caracterizada por hiperestesia sobre o dermátomo, com dor intensa sobre um neuroma ou nervo que foi incluído em uma sutura ou sob a tela. Se não houver resposta ao tratamento clínico, deve ser realizada a exploração cirúrgica com secção dos três nervos da região inguinal. A dor neuropática é caracterizada por um período inicial de anestesia e posterior hiperestesia da região e dor paroxística. Recidiva: permanece como a complicação mais comum da cirurgia para hérnias inguinais. A recidiva é elevada para as técnicas que não usam prótese, variando de 2,3% a 20% para hérnias inguinais e de 11,8% a 75% para hérnias femorais. A recidiva é bem menor com os procedimentos que usam tela (técnica sem tensão na sutura), de 1% a 2%.

Complicações da correção laparoscópica As complicações encontradas na herniorrafia laparoscópica abdominal são semelhantes às encontradas na experiência com cirurgia a céu aberto, a saber, infecção de ferida e formação de seroma. É comum o achado de enduração no orifício de entrada dos trocartes e foi observado em todos os pacientes em um estudo. Em geral, esta enduração cede completamente no prazo de 6 a 8 semanas. As infecções de ferida são muito raras, com incidência aproximada de 3%. Os seromas pós-operatórios foram raros, com incidência aproximada de 6%. Esta incidência pode ser mais minimizada se o saco herniário não for excisado. No entanto, se surgir um seroma, devemos evitar a tentativa de aspirar, pois este procedimento aumenta o risco de infecção e não acelera a resolução. Também há relatos de lesão intestinal acidental que ocorrem durante a retirada de aderências ou como consequência de uma lesão térmica da transmissão da corrente do eletrocautério. Consequentemente, devemos dar ênfase ao uso limitado do eletrocautério durante a dissecção e a lise das aderências.

Comparação entre correção laparoscópica e a céu aberto A comparação entre a herniorrafia laparoscópica e os controles realizados a céu aberto demonstrou que a abordagem laparoscópica é pelo menos tão eficaz quanto à abordagem a céu aberto no que diz respeito à infecção de ferida (12% vs. 3%), formação de seroma (14% vs. 6%) e taxa de recorrência (10% vs. 3%).

Materiais protéticos para herniorrafia Apesar das preocupações iniciais sobre possível rejeição e infecção resultantes do uso de próteses, a evidência de que hernioplastias “livres de tensão” usando um biomaterial têm uma taxa reduzida de recidivas e menores taxas de complicações, tornou esta conduta, atualmente, uma decisão sem conflitos.Telas simples e duplas de diferentes materiais passaram a ser uma preocupação do cirurgião. Materiais como: prolene, polipropileno, politetrafluoretileno, poliéster trançado, passaram a fazer parte dos materiais a serem incluídos na síntese cirúrgica.

Figura 10.23 Eletromicrografia de malha de polipropileno trançada monofilamentar (Marlex).

Taxa de recorrência da correção laparoscópica Aproximadamente 3%. No entanto, assim como na correção das cirurgias a céu aberto, a real incidência da recorrência só será evidente depois que dispusermos de um acompanhamento a longo tempo.

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Figura 10.24 Eletromicrografia da malha de Surgipro.

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Figura 10.25 Eletromicrografia da malha de Trelex.

Figura 10.26 Eletromicrografia da malha Atrium.

Figura 10.29 Visão macroscópica de placa de Gore Tex de politetrafluoroetileno expandida.

Figura 10.30 Eletromicrografia da malha de poliéster trançada (Mersilene).

Critérios para biomateriais

Figura 10.27 Eletromicrografia da malha de Prolene.

Biomateriais usados no reparo de hérnia não só têm de satisfazer estes critérios na maior extensão possível, como também devem ser fáceis de manusear. Estudos de próteses usadas em reparos de parede abdominal, geralmente, focalizaram-se no desenvolvimento de aderências, hérnia recorrente, infecção, formação de seroma, crescimento interno de tecido associado a seu uso, à força dos materiais e às várias técnicas para implantá-los.

Tela de polipropileno (PPM) A malha de polipropileno tem sido usada em reparos abertos convencionais de hérnia há mais de 30 anos, com resultados geralmente bons. O material satisfaz muitos dos critérios de Cumberland e Scales e é fácil de manusear. As taxas relatadas de recidiva depois da implantação de PPM foram inferiores àquelas após o fechamento primário, porém, a PPM foi associada a várias complicações sérias, especialmente quando usada em reparos ventrais. Estes incluíram sepse de ferida, fístula intestinal, erosão em órgãos intra-abdominais e exteriorização da tela. Figura 10.28 Visão macroscópica da malha de Composix. Note as duas superfícies de materiais diferentes.

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Muitas destas complicações se desenvolveram porque a PPM tende a evocar uma reação intensa, inflamatória, de corpo estranho, que no final das contas resulta no intestino ficando densamente aderido

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10 Hérnias ao material. Estas aderências são irregulares e desorganizadas, tornando o PPM especialmente difícil de remover, caso seja necessário. Vários investigadores aconselham que a PPM não seja usada em reparos de hérnia nos quais o material protético deva ser colocado diretamente sobre as vísceras, o que pode ser frequentemente necessário na hernioplastia ventral. A víscera também é um local exigido no reparo intraperitoneal laparoscópico com malha de hérnia inguinal ou de hérnia ventral. Um relato avaliando Marlex, Dexon (Davis & Geck, Wayne, NJ) e Gore-Tex defendeu o uso deste último material no fechamento temporário da parede abdominal no paciente traumatizado. Nesse estudo, três dos quatro pacientes com um implante de Marlex desenvolveram uma fístula intestinal. Outros estudos não encontraram nenhuma diferença estatística na formação de aderência entre Prolene, E-PTFE ou Marlex em modelos suínos. Critérios para biocompatibilidade de material protético O biomaterial ideal deve ter as seguintes características: Quimicamente inerte. Não carcinogênico. Resistente a tensões mecânicas. Capaz de ser fabricado na forma necessária. Capaz de ser esterilizado. O biomaterial ideal não deve: Provocar uma reação inflamatória ou de corpo estranho. Produzir alergia ou hipersensibilidade. Ser modificado fisicamente por líquidos teciduais.

Tabela 10.8 Atuais produtos de malha de polipropileno Marlex Trelex Atrium Surgipro Prolene Composix

Tabela 10.9

O uso de polipropileno como prótese no reparo da parede abdominal tem ampla base científica. Na realidade, atualmente, é o tipo de material mais utilizado mundialmente. O reparo livre de tensão, aberto, provou ser um excelente material para reparo de hérnias. O desenvolvimento de intensa formação de tecido cicatricial é um apelo para muitos cirurgiões. Isto levou ao reparo laparoscópico dos defeitos do abdome. Este material tem sido usado no reparo do assoalho inguinal, da superfície ventral do abdome e de vários outros locais por muitos anos, tanto com a abordagem aberta quanto com o método laparoscópico. Em ambas as técnicas, a taxa de recidivas é baixa e a taxa de complicações aceitável. O desenvolvimento de complicações severas pelo polipropileno é, felizmente, muito inco-

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mum. O desenvolvimento de uma infecção, embora infrequente, é tratado mais facilmente do que com E-PTFE e comumente não necessita da remoção do próprio material da malha. Foi sugerido que os seromas seriam menos prováveis depois de reparos com PPM do que aqueles em que foram utilizados outros materiais. Da mesma forma, há evidências de que o selamento da cavidade peritoneal acontece dentro de 12 horas, sendo usada ou não uma tela, e que nenhuma drenagem deve ser possível depois desse tempo.

Politetrafluoroetileno expandido (E-PTFE) As vantagens da E-PTFE em reparos de hérnia incluem sua inércia, força, baixa taxa de formação de aderências, características do crescimento interno de tecido, baixa taxa de infecção, e a suavidade e flexibilidade que muitos cirurgiões acreditam tornar mais fácil de controlar que outros biomateriais. Ao contrário de outros materiais, a E-PTFE não é macroporosa, portanto, permite a visualização de qualquer estrutura atrás dela. Estudos clínicos do uso de E-PTFE em enxerto vascular estabeleceram que o material seja inerte e biocompatível. A força material e a capacidade de reter uma sutura da E-PTFE foram avaliadas em testes mecânicos e estudos em animais e constatou-se ser maior ou igual ao de outros materiais protéticos usados no reparo de hérnia. Ao contrário da PPM, a E-PTFE produz apenas uma reação inflamatória mínima nos tecidos circunvizinhos, com pequena resposta de corpo estranho. Próteses de politetrafluoroetileno expandidas para reparos de hérnia estão agora disponíveis em seis formas. A placa de tecidos moles Gore-Tex é uma folha porosa lisa de E-PTFE. O biomaterial Gore-Tex Mycro-Mesh tem macroporos visíveis a olho nu, que são projetados para acelerar o crescimento interno de tecido. Este material também possui microporos com aproximadamente 22 µm de diâmetro para permitir a penetração celular e de colágeno. A adição do macroporos a este material não resulta em um aumento na resistência à tração do tecido cicatricial pós-implante sobre a PPM. Ela também não parece aumentar as aderências subsequentes que acontecem no processo de cicatrização. Uma forma de Gore-Tex MycroMesh com macroporos ainda maiores, facilita a visualização de tecidos e estruturas embaixo do material durante reparos inguinais laparoscópicos. O biomaterial Gore-Tex DualMesh tem duas superfícies: uma é muito lisa (microporos < 3 µm de diâmetro), e a outra é semelhante à placa de tecidos moles de Gore-Tex (microporos aproximadamente iguais a 22 µm). O DualMesh é projetado para ser implantado com a superfície lisa contra o tecido ou vísceras às quais uma mínima aderência

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Clínica Cirúrgica | Cirurgia Geral tecidual é desejada, e a outra contra a superfície onde a incorporação de tecido é desejada. Há duas escolhas estruturais do produto Gore-Tex DualMesh. Um é uma folha sólida e o outro é perfurado para permitir maior incorporação de tecido. Uma recente inovação nos produtos supracitados foi a incorporação de prata e clorexidine ao E-PTFE. A adição destes agentes resulta em uma cor marrom-clara em lugar do branco do E-PTFE. Os dois produtos têm ação antimicrobiana que objetiva reduzir o risco de infecção quando estes produtos forem usados. Estudos clínicos não encontraram qualquer evidência de efeito colateral pelo uso destes biomateriais saturados com antimicrobiano. Dados clínicos, em longo prazo, não estão disponíveis para avaliar qualquer benefício percebido na adição de um agente antimicrobiano a estes produtos. Produtos de PTFE expandido atuais Placa de tecidos moles MycroMesh

Malhas em tampão e em placa Durante os últimos anos, a proliferação do reparo em tampão e em placa de hérnias inguinais e ventrais foi proeminente. Em cada um destes tipos de reparo o biomaterial é uma textura de polipropileno. Este material é configurado em várias formas pelo fabricante (Perfix, C.R. Bard) ou modelado pelo defeito, enquanto o material é inserido (Atrium). Cada reparo confia no conceito livre de tensão porque um material de placa é usado em frente (Perfix, Atrium) ou atrás (Kugel, Surgical Sense, Arlington, TX) da musculatura da parede abdominal. O Prolene Hernia System coloca uma placa na frente e atrás da parede muscular. Produtos de malha em tampão/placa Tampão Prefix Placa Kugal Prolene Hernia System Tampão e Placa de malha de Atrium

Tabela 10.11

MycroMesh Plus DualMesh DualMesh Plus DualMesh com orifícios

Tabela 10.10 PTFE, politetrafluoroetileno.

Tela de fibra de poliéster A tela de fibra de poliéster trançada é usada, principalmente, na França em hernioplastias incisionais abertas, nas quais uma grande prótese é inserida entre os músculos abdominais e o peritônio (cirurgia de Stoppa). A prótese estende-se além das bordas do defeito e é mantida em posição, inicialmente, pela pressão intra-abdominal e depois por meio de crescimento interno fibroso. Cirurgiões que executam frequentemente estes procedimentos preferem uma prótese de poliéster em razão da sua flexibilidade, que permite moldar-se livremente ao saco visceral, sua textura granulada que permite agarrar-se ao peritônio e sua capacidade para induzir uma resposta fibroblástica rápida para assegurar sua fixação. Como o biomaterial perfeito ainda está por ser descoberto, os esforços continuam para desenvolver uma prótese que satisfaça as metas do cirurgião e do paciente. Este material asseguraria uma incorporação de tecido significativa, contudo limitaria o desenvolvimento de respostas teciduais anormais como aderências. A nova tela Composix representa a última tentativa de atingir essa meta. Recentes relatos comentam os primeiros resultados experimentais de uma tela impregnada por gelatina fluoropassivada, a TMS 2, uma estrutura de metano policarbonato coberta em um lado com elastômero de silicone e um composto de PPM impregnado com folhas de silastic vulcanizadas.

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Figura 10.31 Visão macroscópica do sistema de tampão e placa Prefix.

Figura 10.32 Placas de hérnia Kugel.

Figura 10.33 Prolene Hernia System. Esta é uma tela de polipropileno em camada dupla interconectada por uma peça de material.

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10 Hérnias Alguns relatos de acompanhamento têm mostrado bons resultados em curto prazo. Os resultados em longo prazo destes procedimentos relativamente novos são desconhecidos, particularmente os procedimentos que são executados em grande número pelo grupo maior de cirurgiões menos experientes. Adicionalmente, complicações em longo prazo, como erosão, fistulização ou encolhimento do material, que se sabe ocorrer com o polipropileno, podem tornar-se evidentes no futuro.

Telas absorvíveis Embora as telas absorvíveis não sejam úteis como próteses permanentes no reparo de hérnias de parede abdominal, elas têm um papel para proporcionar o fechamento temporário de grandes defeitos, contaminados. HÉRNIA INGUINAL Estrangulada

Sintomática

Assintomática/Oligossintomática

Cirurgia de emergência Reparo tecidual de risco de infecção ↑

Cirurgia eletiva

Unilateral primária

Bilateral primária

Reparo com tela: Lichtenstein ou endoscópico

Considerar observação

Recorrente

Reparo com tela: endoscópico ou Lichtenstein

Após cirurgia por via anterior

Após cirurgia por via posterior

Reparo com tela: endocópico ou aberto via posterior

Reparo com tela: Lichtenstein

Em qualquer situação, considerar cirurgia endoscópica se há proficiência por parte do cirurgião

Figura 10.34

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CAPÍTULO

2

Propedêutica cardiológica

Definição/Importância A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA). Associa-se frequentemente a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais. A HAS representa um fator de risco independente para doença cardiovascular (DCV) com custos médicos e socioeconômicos elevados decorrentes principalmente das suas complicações (por exemplo: doença cerebrovascular, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica e doença vascular de extremidades). A HAS tem alta prevalência e baixas taxas de controle, é considerada um dos principais fatores de risco (FR) modificáveis e um dos mais importantes problemas de saúde pública. No Brasil, a HAS atinge 32,5% (36 milhões) de indivíduos adultos, mais de 60% dos idosos, contribuindo direta ou indiretamente para 50% das mortes por DCV. Na metanálise de Picon et al., os 40 estudos transversais e de coorte incluídos mostraram tendência à diminuição da prevalência nas últimas três décadas, de 36,1% para 31,0%. Estudo com 15.103 servidores públicos de seis capitais brasileiras observou prevalência de HAS em 35,8%, com predomínio entre homens (40,1% vs. 32,2%). Junto com DM, suas complica-

ções (cardíacas, renais e AVE) tem impacto elevado na perda da produtividade do trabalho e da renda familiar, estimada em US$ 4,18 bilhões entre 2006 e 2015. As taxas de mortalidade têm apresentado redução ao longo dos anos, com exceção das doenças hipertensivas (DH), que aumentaram entre 2002 e 2009 e mostraram tendência a redução desde 2010. As taxas de DH no período oscilaram de 39/100.000 habitantes (2000) para 42/100.000 habitantes. As doenças isquêmicas do coração (DIC) saíram de 120,4/100.000 habitantes (2000) para 92/100.000 habitantes (2013), e as doenças cerebrovasculares (DCbV) saíram de 137,7/100.000 habitantes (2000) para 89/100.000 habitantes (2013); também houve redução da IC congestiva (ICC), que variou de 47,7/100.000 habitantes (2000) para 24,3/100.000 habitantes (2013). As DCV são ainda responsáveis por alta frequência de internações, com custos socioeconômicos elevados. As DCV são ainda responsáveis por alta frequência de internações, ocasionando custos médicos e socioeconômicos elevados. Como exemplo, em 2007 foram registradas 1.157.509 internações por DCV no SUS. Em relação aos custos, em novembro de 2009, houve 91.970 internações por DCV, resultando em um custo de R$165.461.644,33 (DATASUS). Em uma série histórica, observou-se significativa redução da tendência de internação por HAS, que passou de 98,1/100.000 habitantes em 2000 para 44,2/100.000 habitantes em 2013.


Cardiologia | volume 1

31,4%

29,5%

17,3% 13,8% 8,0%

DIC

DCbV

DH

ICC

Infelizmente, a taxa de controle da HAS no nosso país ainda está muito longe do ideal. Com base em 14 estudos populacionais realizados nos últimos quinze anos com 14.783 indivíduos (PA < 140/90 mmHg), foram observados baixos níveis de controle da PA (19,6%).

Outras DCV

Figura 2.1  Taxa de mortalidade no Brasil por doença cardiovascular (DCV) e distribuição por causas no ano de 2013. DIC: doenças isquêmicas do coração; DCbV: doença cerebrovascular; DH: doenças hipertensivas; ICC: insuficiência cardíaca congestiva. (Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016).

Fatores de risco Há uma associação direta e linear entre envelhecimento e prevalência de HAS, relacionada ao: i) aumento da expectativa de vida da população brasileira, atualmente 74,9 anos; ii) aumento na população de idosos ≥ 60 anos na última década (2000 a 2010), de 6,7% para 10,8%. Meta-análise de estudos realizados no Brasil incluindo 13.978 indivíduos idosos mostrou 68% de prevalência de HAS. Em relação à cor, a HAS é duas vezes mais prevalente em indivíduos de cor não branca. Estudos brasileiros com abordagem simultânea de gênero e cor demonstraram predomínio de mulheres negras com excesso de HAS de até 130% em relação às brancas. O estudo Corações do Brasil observou a seguinte distribuição: 11,1% na população indígena; 10% na amarela; 26,3% na parda/mulata; 29,4% na branca e 34,8% na negra. O estudo ELSA-Brasil mostrou prevalências de 30,3% em brancos, 38,2% em pardos e 49,3% em negros. O excesso de peso se associa com maior prevalência de HAS desde idades jovens. Na vida adulta, mesmo entre indivíduos fisicamente ativos, incremento de 2,4 kg/m2 no índice de massa corporal (IMC) acarreta maior risco de desenvolver HAS. A obesidade central também se associa com elevação da PA. Ingestão excessiva de sódio representa um dos principais fatores de risco para HAS, associando-se a eventos cardiovasculares e renais. Ingestão de álcool por períodos prolongados de tempo pode aumentar a PA e a mortalidade cardiovascular em geral. Consumo crônico e elevado de bebidas alcoólicas aumenta a PA de forma consistente. Meta-análise de 2012, incluindo 16 estudos

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com 33.904 homens e 19.372 mulheres comparou a intensidade de consumo entre abstêmios e bebedores. Em mulheres, houve efeito protetor com dose inferior a 10g de álcool/dia e risco de HA com consumo de 30-40g de álcool/dia. Em homens, o risco aumentado de HAS tornou-se consistente a partir de 31g de álcool/dia. Atividade física reduz a incidência de HAS, mesmo em indivíduos pré-hipertensos, bem como a mortalidade e o risco de DCV. Fatores socioeconômicos. Adultos com menor nível de escolaridade (sem instrução ou fundamental incompleto) apresentaram a maior prevalência de HAS auto referida (31,1%). A proporção diminuiu naqueles que completam o ensino fundamental (16,7%), mas, em relação às pessoas com superior completo, o índice foi 18,2%. No entanto, dados do estudo ELSA Brasil, realizado com funcionários de seis universidades e hospitais universitários do Brasil com maior nível de escolaridade, apresentaram uma prevalência de HAS de 35,8%, sendo maior entre homens. A contribuição de fatores genéticos para a gênese da HAS está bem estabelecida na população. Estudos brasileiros que avaliaram o impacto de polimorfismos genéticos na população de quilombolas não conseguiram identificar um padrão mais prevalente. Os mesmos mostraram forte impacto da miscigenação, dificultando ainda mais a identificação de um padrão genético para a elevação dos níveis pressóricos. Outros fatores possivelmente relacionados incluem: estresse psicossocial, menor acesso aos cuidados de saúde e baixo nível educacional.

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Fisiopatologia Cerca de 90% dos pacientes hipertensos apresentam hipertensão arterial primária (idiopática), sendo doença poligênica que sofre influência do meio ambiente. Diversos mecanismos estão implicados na gênese da HAS primária resultando em aumento do débito cardíaco ou aumento da resistência vascular periférica culminando com aumento da pressão arterial. PA = DC x RVP  *DC = débito cardíaco; RVP = resistência vascular periférica

Sistema nervoso simpático O sistema nervoso simpático é um mediador fundamental no controle da pressão arterial e da frequência cardíaca, podendo contribuir para o início e a manutenção da HAS. Na fase aguda, as mudanças na pressão arterial são determinadas pela ação do simpático mediando os aumentos da constrição arterial e venosa, bem como o débito cardíaco. A longo prazo, a ativação simpática causa vasoconstrição renal, contribuindo para o aumento da retenção de sódio, espessamento da parede dos vasos sanguíneos, aumento da resistência vascular e hipertrofia ventricular esquerda. Há ainda um feedback positivo com o sistema renina-angiotensina, uma vez que a ativação do sistema simpático promove o aumento da liberação de renina por meio da ligação com receptores β1 renais. Por sua vez, o sistema renina-angiotensina, através da angiotensina II, age periférica e centralmente, aumentando a atividade simpática. Tônus simpático / Tônus parassimpático

Metabólico Resistencia à insulina Dislipidemia

Diabetes Aterosclerose Disfunção endotelial Ganho de peso

Tróficas Catecolaminas Níveis de renina e angiotensina Hiperinsulinemia Shear stress e da pressão arterial

Hipertrofia do vaso Hipertrofia do ventriculo esquerdo Disfunção endotelial Disfunção endotelial

Hemodinâmica Frequência cardíaca Vasoconstrição Rarefação dos vasos

Trombótica Volume plasmático Hematócrito Pró-coagulação Ativação plaquetária

Arritimias Menor vasodilatação e reserva de oxigênio Isquemia tecidual

Trombose

Figura 2.2 O sistema simpático na patogênese da HAS.

Sistema renina-angiotensina-aldosterona O sistema renina-angiotensina-aldosterona tem uma participação de destaque na gênese da HAS. A partir de alterações volumétricas (hipovolemia) ocorre aumento de secreção da renina, que é uma enzima secretada pelas células justaglomerulares renais. A renina age convertendo o angiotensinogênio hepático em angiotensina I, que é convertida em angiotensina II pela ação da enzima conversora de angiotensina, que é secretada principalmente no pulmão. A angiotensina II exerce uma série de efeitos biológicos pela ligação sobre os receptores AT1. No sistema cardiovascular, a angiotensina II promove vasoconstrição com aumento da liberação de catecolaminas, hipertrofia e hiperplasia vascular, disfunção endotelial e hipertrofia ventricular; no sistema nervoso central, ocorre ativação dos centros vasopressores, liberação de hormônio antidiurético, sede e liberação de prostaglandinas. A atuação da angiotensina II sobre os rins leva à retenção tubular de sódio, bem como à vasoconstrição da arteríola eferente, um potente estímulo para a liberação de mais renina. Além disso, esse sistema é o estímulo primário para a secreção de aldosterona na região glomerulosa da glândula adrenal, promovendo uma maior reabsorção de sódio e água e excreção de potássio.

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Cardiologia | volume 1

Sistema de bradicinina Fator XII Ativado Pré-calicreína

Cininogênio +

Sistema de angeotencina Angiotensinogênio (Origem hepática) _ _ Renina

calicreína _ _

_

_

+ Endotélio Angiotensina I _ _ _ _ _ _ Bradicinina + _ _ _ Enzima _ _ Prostasglandinas Conversora + Óxido nítrico Peptídeo Angiotensina II inativo Vasodilatação rição onst c Potencialização Aumento da o s Va liberação de da atividade + aldosterona simpática Figura 2.3 Ação dos inibidores da ECA.

Disfunção endotelial

a doença é poligênica, ou seja, múltiplos genes estão envolvidos, cada qual contribuindo para exercer pequenos efeitos sobre a pressão arterial.

O endotélio é um órgão que modula a atividade da célula muscular lisa vascular, sendo um dos principais reguladores no controle da resistência periférica. Diversas substâncias vasoativas são produzidas pelo endotélio, como o óxido nítrico (potente vasodilatador com propriedades de inibição da adesão e agregação plaquetárias), prostaglandinas, agentes vasoconstritores como endotelina, tromboxano e radicais superóxido que permanecem em equilíbrio em condições normais. A disfunção do endotélio é um precursor para a aterosclerose. A angiotensina II exerce um papel fundamental na promoção da disfunção endotelial, e muito desse mecanismo provém do aumento da produção de espécies reativas de oxigênio.

A HAS é diagnosticada pela detecção de níveis elevados e sustentados de PA pela medida casual de consultório, através da monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou medida residencial de pressão arterial (MRPA).

Resistência à insulina

A medida da pressão arterial deve ser realizada em toda consulta, respeitando-se a técnica padronizada e utilizando-se equipamentos calibrados.

A resistência periférica à insulina se associa a níveis aumentados de glicemia e hiperinsulinemia. Apesar de a insulina ser um potente vasodilatador, o excesso desse hormônio promoverá a ativação do sistema simpático, a ação trófica sobre a musculatura do vaso e o aumento da reabsorção de sódio no túbulo renal, contribuindo assim para o surgimento de HAS.

Predisposição genética Estudos em irmãos mostram uma maior concordância da pressão arterial em gêmeos monozigóticos do que em gêmeos dizigóticos. Sabe-se também que indivíduos normais filhos de pais hipertensos têm pressão arterial maior do que os filhos de pais normotensos. Do ponto de vista genético, sabe-se que

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Diagnóstico e classificação

Medida da pressão arterial no consultório

O método mais utilizado para medida da pressão arterial na prática clínica é o indireto, com técnica auscultatória e esfigmomanômetro de coluna de mercúrio ou aneroide devidamente calibrados. A medida da PA pode ser realizada também com técnica oscilométrica pelos aparelhos semiautomáticos digitais de braço validados, estando também calibrados. A medida da pressão arterial na posição sentada deve ser realizada de acordo com os procedimentos descritos na Tabela 2.1, com manguitos de tamanho adequado à circunferência do braço, respeitando a proporção largura/ comprimento de 1:2. A largura da bolsa de borracha do manguito deve corresponder a 40% da circunferência do braço, e seu comprimento, corresponder a pelo menos 80%.

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Preparo do paciente para a medida da pressão arterial 1) Explicar o procedimento ao paciente 2) Repouso de pelo menos 5 minutos em ambiente calmo 3) Evitar bexiga cheia 4) Não praticar exercícios físicos 60 minutos antes 5) Não ingerir bebidas alcoólicas, café ou alimentos e não fumar 30 minutos antes 6) Manter pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso relaxado e recostado na cadeira 7) Remover roupas do braço no qual será colocado o manguito 8) Posicionar o braço na altura do coração (nível do ponto médio do esterno ou 4º espaço intercostal), apoiado com a palma da mão voltada para cima e o cotovelo ligeiramente fletido 9) Solicitar para não conversar durante a medida Procedimento de medida da pressão arterial

Dimensões da bolsa de borracha para diferentes circunferências de braço em crianças e adultos (D) Denominação do manguito

Circunferência do braço (cm)

Bolsa de borracha Largura

Comprimento

Recém-nascido

≤6

3

6

Criança

6-15

5

15

Infantil

16-21

8

21

Adulto pequeno

20-36

10

24

Adulto

27-34

16

38

Adulto grande

35-44

20

42

Coxa

45-52

20

42

Tabela 2.2 Dimensões da bolsa para diferentes circun-

ferências de braço em crianças e adultos Sentado em cadeira com apoio para as costas

1) Determinar a circunferência do braço no ponto médio entre acrômio e olécrano;

Centro do manguito no nível do coração

2) Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço (ver tabela 2.2). 3) Colocar o manguito sem deixar folgas acima da fossa cubital, cerca de 2 a 3 cm 4) Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial 5) Estimar o nível da pressão arterial sistólica (palpar o pulso radial e inflar o manguito até seu desaparecimento, desinflar rapidamente e aguardar 1 minuto antes da medida) 6) Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula do etetoscópio, sem compressão excessiva 7) Inflar rapidamente até ultrapassar 20 a 30 mmHg o nível estimado da pressão arterial sistólica 8) Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 a 4 mmHg por segundo)

Pés descruzados e apoiados no chão Figura 2.4 Posicionamento do paciente para aferição da pressão arterial.

9) Determinar a pressão sistólica na ausculta do primeiro som (fase I de Korotkoff), que é um som fraco seguido de batidas regulares, e logo após aumentar ligeiramente a velocidade de deflação 10) Determinar a pressão diastólica no desaparecimento do som (fase V de Korotkoff) 11) Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa 12) Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a pressão diastólica no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores da sistólica/diastólica/zero 13) Realizar pelo menos duas medições, com intervalo em torno de um minuto. Medições adicionais deverão ser realizadas se as duas primeiras forem muito diferentes. Caso julgue adequado, considere a média das medidas 14) Medir a pressão em ambos os braços na primeira consulta e usar o valor do braço onde foi obtida a maior pressão como referencia 15) Informar os valores de pressão arterial obtidos para o paciente 16) Anotar os valores exatos sem “arredondamentos” e o braço em que a PA foi medida Tabela 2.1 Técnicas para a medida da pressão arterial

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Figura 2.5 Posicionamento do braço durante o proce-

dimento de medida de pressão arterial.

A medição da PA pode ser feita com esfigmomanômetros manuais, semiautomáticos ou automáticos. Esses equipamentos devem ser validados e sua calibração deve ser verificada anualmente. A PA, como citado acima, deve ser medida no braço, devendo-se utilizar manguito adequado à sua

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Cardiologia | volume 1 circunferência. Na suspeita de HAS secundária à coarctação da aorta, a medição deverá ser realizada nos membros inferiores, utilizando-se manguitos apropriados. Recomenda-se, pelo menos, a medição da PA a cada dois anos para os adultos com PA ≤ 120/80 mmHg, e anualmente para aqueles com PA > 120/80 mmHg e < 140/90 mmHg.

Conceitos importantes:

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Evento do avental branco (EAB): corresponde à diferença de pressão entre as medidas obtidas no consultório e fora dele, desde que essa diferença seja igual ou superior a 20 mmHg na PAS e/ou 10 mmHg na PAD. Essa situação não muda o diagnóstico, ou seja, se o indivíduo é normotenso, permanecerá normotenso, e se é hipertenso, continuará sendo hipertenso; pode, contudo, alterar o estágio e/ou dar a falsa impressão de necessidade de adequações no esquema terapêutico. Hipertensão do avental/jaleco branco (HAB): define-se HAB quando o paciente apresenta medidas de PA persistentemente elevadas (≥ 140/90 mmHg) no consultório e médias de PA consideradas normais seja na residência, pela MRPA ou pela MAPA. Com base em quatro estudos populacionais, a prevalência global da HAB e de 13% (intervalo de 9-16%) e atinge cerca de 32% (intervalo de 25-46%) dos hipertensos, sendo mais comum (55%) nos pacientes em estágio 1 e 10% no estágio 3. Evidências disponíveis apontam para pior prognóstico cardiovascular para a HAB em relação aos pacientes normotensos. Até 70% dos pacientes com esse comportamento de PA terão HAS pela MAPA e/ou MRPA em um período de dez anos. Hipertensão mascarada (HM): é definida como a situação clínica caracterizada por valores normais de PA no consultório (< 140 x 90 mmHg), porém com PA elevada na MAPA durante o período de vigília ou na MRPA. A prevalência da HM é de 13% (intervalo de 10-17%) em estudos de base populacional. Vários fatores podem elevar a PA fora do consultório em relação à PA nele obtida, como idade jovem, sexo masculino, tabagismo, consumo de álcool, atividade física, hipertensão induzida pelo exercício, ansiedade, estresse, obesidade, DM, DRC e história familiar de HAS. A prevalência é maior quando a PA do consultório está no nível limítrofe. Meta-análises de estudos prospectivos indicam que a incidência de eventos CV é cerca de duas ve-

zes maior na HM do que na normotensa o, sendo comparada à da HAS. Em diabéticos, a HM está associada a um risco aumentado de nefropatia, especialmente quando a elevação da PA ocorre durante o sono.

Medição da PA fora do consultório A PA fora do consultório pode ser obtida através da MRPA, com protocolo especifico, ou da MAPA de 24 horas. As medições da PA fora do consultório devem ser estimuladas, podendo ser realizadas por equipamento semiautomático do próprio paciente ou dos serviços de saúde. As principais vantagens da medição da PA fora do consultório são: maior número de medidas obtidas, refletem as atividades usuais dos examinandos, abolição ou sensível redução do efeito de avental branco (EAB) e maior engajamento dos pacientes com o seu diagnóstico e seguimento. A MAPA e a MRPA (tabela 2.3) são os métodos habitualmente utilizados para realizar as medições fora do consultório. Ambas fornecem informações semelhantes da PA, porém só a MAPA avalia a PA durante o sono. Ambas, entretanto, estimam o risco CV, devendo ser consideradas aplicáveis para a avaliação da PA fora do consultório, respeitando-se as suas indicações e limitações. A MAPA (figura 2.6) e o método que permite o registro indireto e intermitente da PA (a cada 15-20 minutos) durante 24 horas ou mais, enquanto o paciente realiza suas atividades habituais durante os períodos de vigília e sono. Uma de suas características mais especificas é a possibilidade de identificar as alterações circadianas da PA, sobretudo em relação às medições durante o sono, que tem implicações prognosticas consideráveis. Nos pacientes em que não ocorre a queda de pressão arterial no período do sono, também chamados de pacientes sem “descenso noturno de pressão arterial”, são pacientes de maior risco cardiovascular. Tem-se demonstrado que este método é superior à medida de consultório em predizer eventos clínicos, tais como infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, insuficiência renal e retinopatia. São atualmente consideradas anormais as medias de PA de 24 horas ≥ 130/80 mmHg, vigília ≥ 135/85 mmHg e sono ≥ 120/70 mmHg. A MRPA e uma modalidade de medição realizada com protocolo especifico, consistindo na obtenção de três medições pela manhã, antes do desjejum e da tomada da medicação, e três à noite, antes do jantar, durante cinco dias. Outra opção é realizar duas medições em cada uma dessas duas sessões, durante sete dias. São considerados anormais valores de PA ≥ 135/85 mmHg. A tabela 2.4 cita a definição de HAS em diferentes situações.

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Indicações clínicas para MAPA ou MRPA Suspeita de HAB - HAS estágio 1 no consultório - PA alta no consultório em indivíduos assintomáticos sem LOA e com baixo risco CV total Suspeita de HM - PA entre 130/85 e 139/89 mmHg no consultório - PA < 140/90 mmHg no consultório em indivíduos assintomáticos com LOA ou com alto risco CV total Identificação do EAB em hipertensos Grande variação da PA no consultório na mesma consulta ou em consultas diferentes Hipotensão postural, pós-prandial, na sesta ou induzida por fármacos PA elevada de consultório ou suspeita de pré-eclâmpsia em mulheres grávidas Confirmação de hipertensão resistente Indicações específicas para MAPA Discordância importante entre a PA no consultório e em casa Avaliação do descenso durante e sono Suspeita de HAS ou falta de queda da PA durante o sono habitual em pessoas com apneia de sono, DRC ou diabetes Avaliação da variabilidade da PA Tabela 2.3  Indicações clínicas para a medição da PA fora do consultório para fins de diagnóstico. HA: hipertensão

arterial; HM: hipertensão mascarada; LOA: lesão de órgão-alvo; EAB: efeito do avental branco; DRC: doença renal crônica. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016.

Categoria

PAS (mmHg)

Consultório

≥ 140

PAD (mmHg) e/ou

≥ 90

MAPA Vigília

≥ 135

e/ou

≥ 85

Sono

≥ 120

e/ou

≥ 70

24 horas

≥ 130

e/ou

≥ 80

MRPA

≥ 135

e/ou

≥ 85

PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica Tabela 2.4  Valores de referência para a definição de HAS pelas medidas de consultório, MAPA e MRPA. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016. Tabela 2.4  Atenção!

200 Elevação matinal

180

Pressão arterial (mmHg)

160

Média diurna Queda no sono

135 mmHg

140 120

Limite dos valores normais da MAPA

100

Pressão de pulso

85 mmHg

80 60 40

Sono

20 0

8

10

12

14

16

18

20

22

24

2

4

6

8 horas

Figura 2.6 Monitoração ambulatorial da pressão arterial em paciente com hipertensão arterial.

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< 140 × 90 mmHg

Pressão medida no consultório

Cardiologia | volume 1

HIPERTENSÃO DO AVENTAL BRANCO

HIPERTENSÃO OU HIPERTENSÃO NÃO CONTROLADA

NORMOTENSÃO OU HIPERTENSÃO CONTROLADA

HPERTENSÃO MASCARADA

< 135 × 85 mmHg MRPA ou MAPA vigília < 135 × 80 mmHg MAPA 24h Figura 2.7 Possibilidades de diagnóstico de acordo com a medida casual de PA, MAPA ou medidas domiciliares. *Considerar o diagnóstico de pré-hipertensão para valores casuais de PAS entre 121 e 139 e/ou PAD entre 81 e 89 mmHg. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016.

Medição da PA em crianças, idosos, obesos e gestantes Crianças A medição da PA em crianças é recomendada em toda avaliação clínica após os três anos de idade, pelo menos anualmente, como parte do atendimento pediátrico primário, devendo respeitar as padronizações estabelecidas para os adultos. A interpretação dos valores de PA obtidos em crianças e adolescentes deve considerar idade, sexo e altura. Para a avaliação dos valores de PA de acordo com essas variáveis, devem-se consultar tabelas especificas ou aplicativos para smartphones, PA Kids e Ped(z).

Idosos Aspectos especiais na medição da PA na população idosa decorrem de alterações próprias do envelhecimento, como a maior frequência do hiato auscultatório, que consiste no desaparecimento dos sons durante a deflação do manguito, resultando em valores falsamente baixos para a PAS ou falsamente altos para a PAD. A grande variação da PA nos idosos ao longo das 24 horas torna a MAPA uma ferramenta muitas vezes útil. A pseudo-hipertensao, que está associada ao processo aterosclerótico, pode ser detectada pela manobra de Osler, ou seja, a artéria radial permanece ainda palpável após a insuflação do manguito pelo menos 30 mmHg acima do desaparecimento do pulso radial. Maior ocorrência de efeito do avental branco (EAB), hipotensão ortostática e pós-prandial e, finalmente, a presença de arritmias, como fibrilação atrial, podem dificultar a medição da PA.

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Obesos Manguitos mais longos e largos são necessários em pacientes obesos para não haver superestimação da PA. Em braços com circunferência superior a 50 cm, onde não há manguito disponível, pode-se fazer a medição no antebraço devendo o pulso auscultado ser o radial. Há, entretanto, restrições quanto a essa prática. Especial dificuldade ocorre em braços largos e curtos, em forma de cone, onde manguitos de grandes dimensões não se adaptam.

Gestantes A PA deve ser obtida com a mesma metodologia recomendada para adultos, reforçando-se que ela também pode ser medida no braço esquerdo na posição de decúbito lateral esquerdo em repouso, não devendo diferir da obtida na posição sentada. Considerar o quinto ruído de Korotkoff para a PAD. A hipertensão do avental branco (HAB) e a hipertensão mascarada (HM) são comuns na gravidez e, por isso, a MAPA e a MRPA podem constituir métodos úteis na decisão clínica.

Recomendações para diagnóstico e seguimento segundo a 7º Diretriz Brasileira de HAS (2016) Recomenda-se MRPA ou MAPA para estabelecimento do diagnóstico, identificação da HAB e da HM, seguindo-se o fluxograma na figura 2.8. Outra recomendação vem da suspeita sugerida pela automedição, devendo-se realizar MAPA ou MRPA para confirmar ou excluir o diagnostico frente à suspeita de HAB ou HM.

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Hipertensão arterial Estágio 1

Hipertensão arterial Estágios 2 e 3

Risco CV alto e muito alto

Risco CV baixo e moderado

Combinações Dois anti-hipertensivos de classes diferentes e em baixas doses

Monoterapia Todas as classes de anti-hipertensivos, com exceção dos vasodilatadores diretos

Resposta inadequada ou eventos adversos não toleráveis

Resposta inadequada ou eventos adversos não toleráveis

Aumentar a dose da monoterapia

Aumentar a dose da combinação

Trocar a monoterapia

Acrescentar o 2º fármaco

Trocar a combinação

Acrescentar o 3º fármaco

Resposta inadequada

Acrescentar outros anti-hipertensivos

Figura 2.8  Fluxograma para diagnóstico de hipertensão arterial. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016.

Classificação da HAS segundo a 7º Diretriz Brasileira de HAS (2016) Os valores que definem HAS estão expressos na Tabela 2.4. Considerando-se que os valores de PA obtidos por métodos distintos tem níveis de anormalidade diferentes, há que se considerar os valores de anormalidade definidos para cada um deles para o estabelecimento do diagnóstico. Quando utilizadas as medidas de consultório, o diagnóstico deverá ser sempre validado por medições repetidas, em condições ideais, em duas ou mais ocasiões, e confirmado por medições fora do consultório (MAPA ou MRPA), excetuando-se aqueles pacientes que já apresentem LOA detectada. A HAS não controlada e definida quando mesmo sob tratamento anti-hipertensivo, o paciente permanece com a PA elevada tanto no consultório como fora dele por algum dos dois métodos (MAPA ou MRPA). A normotensão cursa com medidas de consultório ≤ 120/80 mmHg e as medidas fora dele (MAPA ou MRPA) confirmam os valores considerados normais. Define-se HAS controlada quando, sob tratamento anti-hipertensivo, o paciente permanece com a PA controlada tanto no consultório como fora dele A pré-hipertensão (PH) caracteriza-se pela presença de PAS entre 121 e 139 e/ou PAD entre 81 e 89 mmHg. Os pré-hipertensos têm maior probabilidade de se tornarem hipertensos e maiores riscos de desenvolvimento de complicações CV quando comparados a indivíduos com PA normal, ≤ 120/80 mmHg, necessitando de acompanhamento periódico. A Hipertensão sistólica isolada (HSI) é definida como PAS aumentada com PAD normal. A HSI e a pressão de pulso (PP) são importantes fatores de risco CV em pacientes de meia-idade e idosos. Os limites de PA considerados normais são arbitrários. Entretanto, valores que classificam o comportamento da PAem adultos por meio de medidas casuais ou de consultório estão expressos na tabela 2.5. Classificação Normal Pré-hipertensão Hipertensão estágio 1 Hipertensão estágio 2 Hipertensão estágio 3

PAS (mmHg) ≤ 120 121-139 140-159 160-179 >180

PAD (mmHg) ≤ 80 81-89 90-99 100-109 >110

Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a maior deve ser utilizadapara classificação da PA. Considera-se hipertensão sistólica isolada se PAS > 140 mm Hg, devendo a mesma ser classificada em estágios 1, 2, 3. Tabela 2.5 Classificação da PA de acordo com a medição casual ou no consultório a partir de 18 anos de idade.

Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

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Cardiologia | volume 1 O resumo das recomendações conforme a última Diretriz brasileira de HAS (2016) está sumarizado na Tabela 2.6 Grau de recomendação

Recomendações

Nível de avidência

Triagem e diagnóstico de HA com PA medida no consultório.

I

B

Diagnóstico de HAS baseado em pelo menos duas medi|ções de PA por visita, em pelo menos duas visitas.

I

C

PA fora do consultório deverá ser considerada para confirmar o diagnóstico de HAS, identificar o tipo de HAS, detectar episódios de hipotensão e maximizar a previsão do risco CV.

IIa

B

PA fora do consultório, MAPA ou medidas residenciais podem ser consideradas, dependendo da indicação, disponibilidade, facilidade,custo de utilização e, se for o caso, preferência do paciente.

Tabela 2.6 Resumo das recomendações quanto ao diagnóstico de HAS conforme a 7º Diretriz Brasileira de HAS

Classificação de HAS segundo o 7º Joint (Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and the Treatment of High Blood Pressure - 2013) O VII Joint norte-americano para manejo da HAS reforça a importância da HAS como fator de risco cardiovascular e ressalta que podemos reduzir as suas consequências com o diagnóstico correto e condutas medicamentosas ou não. A classificação de HAS sugerida por esse consenso encontra-se disponível na Tabela 2.7. PA classificação Normal Pré-hipertensão Estágio 1 Hipertensão Estágio 2 Hipertensão

PAS mmHg < 120 120-139 140-159 > 160

PAD mmHg e ou ou ou

< 80 80-89 90-99 > 100

Tabela 2.7.  Diagnóstico e Classificação de HAS conforme o VII Joint (2013) Em 2014, foi disponibilizado o VIII Joint, que se restringiu apenas a recomendações de tratamento, não alterando a classificação de HAS proposta pelo VII Joint. O VIII Joint será abordado na seção de tratamento.

Avaliação clínica e laboratorial

A maioria dos casos de hipertensão arterial não apresenta uma causa aparente facilmente identificável, sendo conhecida como hipertensão essencial. Uma pequena proporção dos casos de hipertensão arterial é devida a causas muito bem estabelecidas, que precisam ser devidamente diagnosticadas, uma vez que, com a remoção do agente etiológico, é possível controlar ou curar a hipertensão arterial (hipertensão secundária). A hipertensão arterial sistêmica secundária (HAS-S) tem prevalência de 3 a 5%. Antes de se investigarem causas secundárias de HAS devem-se excluir:

medida inadequada da PA; hipertensão do avental branco; tratamento inadequado; não adesão ao tratamento; progressão das lesões nos órgão-alvos da hipertensão; presença de comorbidades; interação com medicamentos.

Em vista disso, para correta avaliação da HAS, são fundamentais: história clínica completa; exame físico; avaliação laboratorial inicial do hipertenso. Objetivos da investigação clinico-laboratorial

Confirmar a elevação da pressão arterial e firmar o diagnóstico de hipertensão arterial Identificar fatores de risco para doenças cardiovasculares Avaliar lesões de órgãos-alvo e presença de doença cardiovascular Diagnosticar doenças associadas à hipertensão Estratificar o risco cardiovascular do paciente Diagnosticar hipertensão arterial secundária Alguns dados da história e do exame físico do paciente são relevantes, e devemos ter especial cuidado com estes aspectos ao atender um paciente hipertenso. Estes aspectos estão discriminados abaixo. Tabela 2.8

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Dados relevantes da história clínica Identificação: sexo, idade, cor da pele, profissão e condição socioeconômica. A idade é o mais importante fator de risco cardiovascular não modificável. História atual: duração e nível da hipertensão arterial, adesão e reações adversas aos tratamentos prévios. Investigar sintomas e antecedentes de doença arterial coronária, insuficiência cardíaca, doença vascular encefálica, insuficiência vascular de extremidades, doença renal, gota, apneia do sono, diabetes mellitus ou indícios de hipertensão secundária. Fatores de risco modificáveis: dislipidemia, tabagismo, sobrepeso e obesidade, sedentarismo, etilismo e hábitos alimentares não saudáveis. Avaliar dieta, incluindo consumo de sal, bebidas alcoólicas, gordura saturada, cafeína e ingestão de fibras, frutas e vegetais. Também é importante conhecer o uso pregresso ou atual de medicamentos ou drogas que podem elevar a pressão arterial ou interferir em seu tratamento. Perfil psicossocial: questionar sobre fatores ambientais e psicossociais, sintomas de depressão, ansiedade e pânico, situação familiar, condições de trabalho e grau de escolaridade. História familiar: perguntar sobre antecedentes familiares de diabetes mellitus, dislipidemias, doença renal, acidente vascular cerebral, doença arterial coronariana prematura ou morte prematura e súbita de familiares próximos (homens < 55 anos e mulheres < 65 anos).

Dados relevantes do exame físico Dados antropométricos Após determinação do peso e estatura, deve-se calcular o índice de massa corporal (IMC) IMC = peso (kg)/altura(m)2. Define-se como sobrepeso IMC de 25-29,9 kg/ m2 e obesidade como IMC > 30 kg/m2. Atualmente a circunferência abdominal tem se correlacionado melhor com risco cardiovascular que o IMC. Valores maiores que 102 cm para homens e 88 cm para mulheres aumentam o risco cardiovascular e representam critério essencial para o diagnós-

tico de síndrome metabólica (Diretrizes Brasileiras de Síndrome Metabólica). Para correta aferição da circunferência abdominal, utiliza-se como referência o ponto localizado entre a metade da distância da crista ilíaca e o rebordo costal inferior, sendo a medida realizada na fase de expiração. Inspeção: avaliar fácies e aspectos sugestivos de hipertensão secundária (por exemplo, fácies cushingoide, fácies mixedematosa). Pescoço: proceder à palpação e ausculta das artérias carótidas, investigar presença de estase venosa e palpar tireoide. Fundo de olho (retina): investigar lesões à fundoscopia, como estreitamento arteriolar, cruzamentos arteriovenosos patológicos, hemorragias, exsudatos e papiledema. O exame de fundo de olho deve ser sempre feito ou solicitado na primeira avaliação, em especial em pacientes com HAS estágio 3, que apresentam diabete ou lesão em órgãos-alvo (Tabela 2.9). Exame do precórdio: avaliar íctus cordis para investigar hipertrofia ou dilatação do ventrículo esquerdo; arritmias; 3ª bulha, que sinaliza disfunção sistólica do ventrículo esquerdo; ou 4ª bulha, que sinaliza presença de disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, hiperfonese de 2ª bulha em foco aórtico, além de sopros nos focos mitral e aórtico. Exame do pulmão: pesquisar estertores, roncos e sibilos. Exame do abdome: procurar por massas abdominais indicativas de rins policísticos, hidronefrose, tumores e aneurismas. Identificação de sopros abdominais na aorta e nas artérias renais é sugestivo de hipertensão renovascular. Extremidades: proceder à palpação de pulsos arterias. A diminuição da amplitude ou o retardo do pulso das artérias femorais sugerem doença obstrutiva ou coartação da aorta. Se houver forte suspeita de doença arterial obstrutiva periférica, determinar o índice tornozelo-braquial (ITB). *Para o cálculo do ITB, utilizam-se os valores de pressão arterial sistólica do braço e tornozelo. ITB normal = acima de 0,9; obstrução leve = 0,71-0,90; obstrução moderada = 0,41-0,70; obstrução grave = 0,00-0,40.

Classificação de Keith-Wagener-Barker e modificada por Scheie, baseada no grau de gravidade das alterações retinianas Alterações hipertensivas H0: normal H1: estreitamento arteriolar, podendo existir áreas de constrição focal H2: estreitamentos focal e difuso são mais acentuados, e hemorragias retinianas, manchas algodonosas e exsudatos duros podem estar presentes H3: edema de papila, edema difuso de retina junto com os sinais de H1 e H2 A0: normal A1: alterações do reflexo dorsal e cruzamentos patológicos A2: artérias em fio de cobre e cruzamentos arteriovenosos patológicos evidentes A3: artérias em fio de prata e cruzamentos arteriovenosos severos

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Cardiologia | volume 1

Classificação de Keith-Wagener-Barker e modificada por Scheie, baseada no grau de gravidade das alterações retinianas Grau Grau I – hipertensão leve

Afinamento ou esclerose arteriolar leve generalizado

Grau II – retinopatia hipertensiva evidente

Afinamento focal definitivo e cruzamento arteriovenoso; esclerose das artérias retinianas moderada; aumento do reflexo dorsal arterial; assintomático

Grau III – retinopatia angioespástica leve

Hemorragia retiniana, exsudatos e manchas algodonosas; esclerose e lesões espásticas das artérias retinianas; sintomas visuais

Grau IV

Grau III severo e papiledema; sobrevida reduzida Tabela 2.9 Atenção!

Avaliação laboratorial inicial de rotina A avaliação complementar tem como objetivo detectar lesões subclínicas ou clinicas em órgãos-alvo, no sentido de melhorar a estratificação de risco CV. Para a estratificação do risco CV global, deverão ser levados em conta os R cardiovasculares clássicos: idade (homem > 55 e mulheres > 65 anos), tabagismo, dislipidemias (triglicérides > 150 mg/dl, LDL-C > 100 mg/dl, HDL-C < 40 mg/d), diabetes mellitus, história familiar prematura de DCV (homens < 55 anos e mulheres < 65 anos). Nos últimos anos, novas características clínicas e laboratoriais também vêm sendo apontadas como importantes FR cardiovasculares, como resistência à insulina (glicemia plasmática em jejum alterada: 100-125 mg/dl, teste oral de tolerância à glicose: 140-199 mg/dl em 2 horas ou hemoglobina glicada: 5,7 - 6,4%), obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2; circunferência abdominal ≥ 102 cm nos homens ou ≥88 cm nas mulheres), PP (PAS-PAD) > 65 mmHg em idosos, história de pré-eclâmpsia e história familiar de HAS (em hipertensos limítrofes). Os exames sugeridos na Tabela 2.10 devem fazer parte da rotina inicial de todo paciente hipertenso . Análise de urina (GR: I; NE: C) Potássio plasmático (GR: I; NE: C) Glicemia de jejum (GR: I; NE: C) e HbA1c (GR: I; NE: C) Ritmo de filtração glomerular estimado (RFG-e) (GR: I; NE: B) Creatinina plasmática (GR: I; NE: B) Colesterol total, HDL-C e triglicérides plasmáticos (GR: I; NE: C) ´=Acido úrico plasmático (GR: I; NE: C) Eletrocardiograma convencional (GR: I; NE: B) Tabela 2.10  Exames de rotina para o paciente hipertenso. * 0 LDL-C é calculado pela fórmula: LDL-C = colesterol total - (HDL-C + triglicérides/5) (quando a dosagem de triglicérides for menor que 400 mg/dL). Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

Algumas observações sobre os exames acima encontram-se a seguir:

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Análise de urina: detecção de proteinúria e/ou dismorfismo eritrocitário (este achado é compatível com nefrite).

Potássio plasmático: hipocalemia pode sugerir hiperaldosteronismo primário. Em 30% dos casos de hiperaldosteronismo o potássio está normal, porém nos casos de hipocalemia de pacientes hipertensos que não estão em uso de diuréticos devemos suspeitar de hiperaldosteronismo.

Creatinina plasmática: estima o estado da função renal. Calcular o ritmo de filtração glomerular estimados (RFG-e), expresso em ml/min/1,73m2, pela fórmula do CKD-EPI, que pode ser acessada em: www.nefrocalc.net. Abaixo, encontra-se a classificação de doença renal segundo o KDIGO conforme o RFG-e: estágio 1: ≥ 90 = normal ou alto; estágio 2: 60-89 = levemente diminuído; estágio 3a: 45-59 = leve a moderadamente diminuído; estágio 3b: 30-44 = moderada a extremamente diminuído; estágio 4: 15-29 = extremamente diminuído; estágio 5: < 15= doença renal terminal (KDIGO).

Glicemia de jejum: pesquisar glicemia de jejum alterada ou confirmar a presença de diabetes mellitus.

Colesterol total, HDL, triglicerídeos plasmáticos. Na síndrome metabólica, observa-se a coexistência de elevação de triglicérides, redução do HDL-c e aumento de LDL-c, que compõem em conjunto um perfil lipídico mais aterogênico.

Outros exames realizados na rotina incluem o eletrocardiograma convencional que pode demonstrar sobrecarga de ventrículo esquerdo configurando lesão de órgão-alvo e a dosagem de ácido úrico.

A Tabela 2.11 traz sugestão de exames recomendados em populações específicas.

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Exame/ avaliação

População recomendada e indicação Acompanhamento de pacientes com suspeita clínica de comprometimento cardíaco (GR: IIa; NE: C) e/ou pulmonar. Avaliação de hipertensos com comprometimento da aorta quando o ecocardiograma não está disponível.

Radiografia de tórax

Ecocardiograma Mais sensível do que o ECG no diagnóstico de HVE. Agrega valor na avaliação das formas geométricas de hipertrofia e tamanho do átrio esquerdo, análise da função sistólica e diastólica. Considera-se HVE quando a massa ventricular esquerda indexada para a superfície corpórea é igual ou superior a 116 g/m2 em homens e 96 g/m2 em mulheres.10 Albuminúria Mostrou prever eventos CV fatais e não fatais. Valores normais < 30 mg/24h (GR: I; NE: C).7,11 * US das carótidas A medida da EMI das carótidas e/ou a identificação de placas predizem a ocorrência de AVE e IM independente de outros FRCV. Valores da EMI > 0,9 mm têm sido considerados como anormais, assim como o encontro de placas ateroscleróticas (GR: IIa; NE: B).12 US renal ou com Doppler HbA1c

Teste ergométrico MAPA/medidas residenciais de pressão arterial. VOP Considerado “padrão” para avaliação da rigidez arterial. Valores acima de 12m/s são considerados anormais (GR: IIa; NE: B).16 RNM do cérebro: para detecção de infartos silenciosos e micro hemorragias (GR: IIa; NE: C).17

Presença de indícios de HVE ao ECG ou pacientes com suspeita clínica de IC (GR: I; NE: C).

Pacientes hipertensos diabéticos, com síndrome metabólica ou com dois ou mais FR. Presença de sopro carotídeo, sinais de DCbV ou presença de doença aterosclerótica em outros territórios. Pacientes com massas abdominais ou sopro abdominal (GR: IIa; NE: B). Quando glicemia de jejum > 99 mg/dl - História familiar de DM tipo 2 ou diagnóstico prévio de DM tipo 2 e obesidade (GR: IIa; NE: B). Suspeita de DAC estável, DM ou antecedente familiar para DAC em pacientes com PA controlada (GR: IIa; NE: C). Segue a indicação convencional dos métodos (GR: IIa; NE: B). Hipertensos de médio e alto risco. Pacientes com distúrbios cognitivos e demência

HVE: hipertrofia ventricular esquerda; CV: cardiovascular; FR: fator de risco; US: ultrassonografia; EMI: espessura mediointimal; AVE: acidente vascular encefálico; IM: infarto do miocárdio; FRCV: fator de risco cardiovascular; DCbV: doença cerebrovascular; HbA1c: hemoglobina glicada; DM: diabetes figmelito; DAC: doença arterial coronariana; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; VOP: velocidade da onda de pulso; RNM: ressonância nuclear magnética.

Tabela 2.11 Exames recomendados em populações indicadas conforme a 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016 Devemos nos lembrar de procurar causas secundárias de hipertensão arterial que são passíveis de cura, sendo as principais as seguintes: hiperaldosteronismo primário, feocromocitoma, hipo/hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, síndrome de Cushing, acromegalia, coarctação da aorta, hipertensão renovascular, síndrome da apneia obstrutiva do sono – SAHOS, doença renal crônica, e uso de alguns medicamentos/drogas ilícitas, como AINE, anfetaminas, sibutramina, antidepressivos tricíclicos, cocaína, etc.

Indícios de Hipertensão Secundária* Início da hipertensão antes dos 30 anos ou após os 50 anos de idade Hipertensão arterial grave (estágio 3) e/ou resistente à terapia Tríade do feocromocitoma: palpitações, sudorese e cefaleia em crises Uso de medicamentos e drogas que possam elevar a pressão arterial Fácies ou biótipo de doença que cursa com hipertensão: doença renal, hipertireoidismo, acromegalia, síndrome de Cushing Presença de massas ou sopros abdominais Assimetria de pulsos femorais Aumento da creatinina sérica ou taxa de filtração glomerular estimada diminuída Hipopotassemia espontânea (hiperaldosteronismo primário) Exame de urina anormal (proteinúria ou hematúria) Sintomas de apneia durante o sono Tabela 2.12 (*) HAS secundária será abordada nas respectivas especialidades.

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Cardiologia | volume 1

Estratificação de Risco Cardiovascular O risco CV global deve ser avaliado em cada indivíduo hipertenso, pois auxilia na decisão terapêutica e permite uma análise prognostica. A identificação dos indivíduos hipertensos que estão mais predispostos às complicações CV, especialmente infarto do miocárdio e AVE, e fundamental para uma orientação terapêutica mais agressiva. Informar ao paciente os seus FR pode melhorar a eficiência das medidas farmacológicas e não-farmacológicas para redução do risco global. Na pratica clínica, a estratificação do risco CV no paciente hipertenso pode ser baseada em duas

estratégias diferentes. Na primeira, o objetivo da avaliação e determinar o risco global diretamente relacionado à hipertensão. Nesse caso, a classificação do risco depende dos níveis da PA, dos fatores de risco associados, das LOAs (Tabela 2.13) e da presença de DCV ou doença renal. Essa estratégia encontra-se descrita com detalhes na Tabela 2.14 e figura 2.9. Na segunda estratégia, o objetivo e determinar o risco de um indivíduo desenvolver DCV em geral nos próximos 10 anos. Embora essa forma de avaliação não seja específica para o paciente hipertenso, pois pode ser realizada em qualquer indivíduo entre 30 e 74 anos, vale ressaltar que a HAS e o principal FR cardiovascular. A segunda estratégia (cálculo do escore de risco global) encontra-se discutida em detalhes no capítulo de Dislipidemias.

Identificação de lesões subclínicas de órgãos-alvo Hipertrofia do ventrículo esquerdo:

ECG: Sokolow-Lyon (SV1 + RV5 ou RV6) > 35 mm; Cornell (voltagem > 2440 mm*ms), RaVL > 11 mm ECO: massa do VE > 115 g/m2 nos homens ou > 95 g/m2 nas mulheres

Espessura médio-intimal de carótida > 0,9 mm ou presença de placa de ateroma Índice tornozelo-braquial < 0,9 Doença renal crônica estágio 3 (RFG-e entre 30-60 L/min./1,72 m2) Microalbuminúria com valores entre 30-300 mg / 24 horas ou relação albumina/creatinina > 30 mg/g Velocidade de onda de pulso (se disponível) > 10 m/s Doença CV e renal estabelecida para avaliação do risco adicional no hipertenso Doença cerebrovascular (AIT, AVE, alteração função cognitiva) Doença cardíaca (angina, infarto, insuficiência cardíaca, revascularização miocárdica prévia) Doença renal crônica estágio 4 (RFG-e < 30 ml/min/1,73m2) ou albuminúria > 300 mg/24 h Retinopatia avançada: exsudatos ou hemorragias, papiledema Doença arterial periférica sintomática dos membros inferiores Tabela 2.13 Fonte: VII Diretrizes Brasileira de Hipertensão Arterial (2016) AIT: Ataque isquêmico transitório; AVE: Acidente vascular encefálico.

PAS 130-139 ou PAD 85-89

HAS Estágio 1 PAS 140-159 ou PAD 90-99

Risco baixo

Risco moderado

Risco alto

Sem fator de risco

Sem risco adicional

Risco baixo

Risco moderado

Risco alto

1-2 fatores de risco

Risco baixo

Risco moderado

Risco alto

Risco alto

> 3 fatores de risco

Risco moderado

Risco alto

Risco alto

Risco alto

Risco alto

Risco alto

Risco alto

Risco alto

Presença de LOA, DCV, DRC ou DM

PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arteiral diastólica; HAS: hipertensão arterial sistêmica; DCV: doença cardiovascular; DRC: doença reanl crônica; DM: Diabetes Mellitus; LOA: lesão em órgão-alvo. Tabela 2.14  Estratificação de risco cardiovascular no paciente hipertenso de acordo com fatores de risco adicionais, presença de lesão em órgão-alvo e de doença cardiovascular ou renal. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016.

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Avaliação do Risco Cardiovascular Adicional no Hipertenso Paciente com diagnóstico de hipertensão arterial

PA < 180 x 110 mmHg

Diabetes

Sim

Não

História de AVE, DAC, IC, DAP ou DRC estágio > 4 ou RACur > 300 mmHg Não

PA > 180 x 110 mmHg

Risco alto

Sim

LOA: HVE, VOP > 10m/s, ITB<0,9, placa/espessamento parede carotídea, DRC estágio 3, RACur 30-300 mg/g Não

Padrão alimentar

Sim

Números de fatores de risco associados

0

>3

1-2

PAS: 130-139 PAD: 85-89

Sem risco adicional

PAS: 130-139 PAD: 85-89

PAS: 140-159 PAD: 90-99

Risco BAIXOl

PAS: 140-159 PAD: 90-99

PAS: 160-179 PAD: 100-109

Risco MODERADO

PAS: 160-179 PAD: 100-109

Figura 2.9  Fluxograma de classificação de risco cardiovascular adicional no paciente hipertenso. PA: pressão arterial; AVE: acidente vascular encefálico; DAC: doença arterial coronariana; IC: insuficiência cardíaca; DAP: doença arterial periférica; DRC: doença renal crônica; RACur: relação albumina/creatinina urinária; LOA: lesão de órgão-alvo; HVE: hipertrofia ventricular esquerda; VOP: velocidade da onda de pulso; ITB: índice tornozelo-braquial; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica. Fatores de risco: sexo masculino, idade > 55 anos (homem) ou > 65 anos (mulher), história familiar, tabagismo, dislipidemia, obesidade e resistência à insulina. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

Tratamento não medicamentoso Os principais fatores ambientais modificáveis da hipertensão arterial são os hábitos alimentares inadequados, principalmente ingestão excessiva de sal e baixo consumo de vegetais, sedentarismo, obesidade e consumo exagerado de álcool, podendo-se obter redução da pressão arterial e diminuição do risco cardiovascular controlando esses fatores.

Controle de peso O aumento de peso está diretamente relacionado ao aumento da PA tanto em adultos quanto em crianças. A relação entre sobrepeso e alteração da PA já pode ser observada a partir dos 8 anos. O au-

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mento da gordura visceral também é considerado um fator de risco para HAS. Reduções de peso e de circunferência abdominal correlacionam-se com reduções da PA e melhora metabólica, como queda da insulinemia, redução da sensibilidade ao sódio e diminuição da atividade do sistema nervoso simpático. É a medida não farmacológica mais eficaz para o controle da pressão arterial. Hipertensos com excesso de peso devem ser incluídos em programas de emagrecimento e aumento de atividade física. A meta é alcançar índice de massa corporal inferior a 25 kg/m² e circunferência da cintura inferior a 94 cm para homens e 80 cm para mulheres.

Os alimentos “de risco”, ricos em sódio e gorduras saturadas devem ser evitados, ao passo que os “de proteção”, ricos em fibras e potássio, são permitidos. A dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) enfatiza o consumo de frutas, hortaliças e laticínios com baixo teor de gordura; inclui a ingestão de cereais integrais, frango, peixe e frutas oleaginosas; preconiza a redução da ingestão de carne vermelha, doces e bebidas com açúcar. Ela é rica em potássio, cálcio, magnésio e fibras, e contem quantidades reduzidas de colesterol, gordura total e saturada. A adoção desse padrão alimentar reduz a PA.8,9 (GR: I; NE: A). A ingestão de fibras promove discreta diminuição da PA, destacando-se o beta glucano proveniente da aveia e da cevada (GR: IIb; NE: B). Os ácidos graxos omega-3 provenientes dos óleos de peixe (eicosapentaenoico – EPA e docosaexaenoico - DHA) estão associados com redução modesta da PA. Estudos recentes indicam que a ingestão ≥ 2g/dia de EPA+DHA reduz a PA e que doses menores (1 a 2 g/dia) reduzem apenas a PAS (GR: IIa; NE: B). O consumo de ácidos graxos monoinsaturados também tem sido associado à redução da PA (GR: IIb; NE: B). Existem evidencias que a ingestão de laticínios, em especial os com baixo teor de gordura, reduz a PA. O leite contém vários componentes como cálcio, potássio e peptídeos bioativos que podem diminuir a PA (GR: IIb; NE: B). Em alguns estudos, níveis séricos baixos de vitamina D se associaram com maior incidência de HAS. Entretanto, em estudos com suplementação dessa vitamina, não se observou redução da PA (GR: III; NE: B).

Suplementação de potássio A suplementação de potássio promove redução modesta da pressão arterial. Sua ingestão na dieta pode ser aumentada pela escolha de alimentos pobres em sódio e ricos em potássio, como feijões, ervilha, vegetais de cor verde-escuro, banana, melão, cenoura, beterraba, frutas secas, tomate, batata inglesa e laranja.

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Cardiologia | volume 1 É razoável a recomendação de níveis de ingestão de potássio de 4,7 g/dia. Para indivíduos com função renal diminuída é apropriada a ingestão de potássio inferior a 4,7 g/dia pelos riscos de hiperpotassemia.

a) redução da pressão arterial (em um estudo observou-se que uma dieta contendo cerca de 1 g de sódio promoveu rápida e importante redução de PA em hipertensos resistentes); b) menor prevalência de complicações cardiovasculares;

Suplementação de cálcio e magnésio Dieta com frutas, verduras e laticínios de baixo teor de gordura apresenta quantidades apreciáveis de cálcio, magnésio e potássio, proporcionando efeito favorável em relação à redução da pressão arterial e de acidente vascular cerebral. Não existem dados suficientes para recomendar suplementação de cálcio ou magnésio como medida para baixar a pressão arterial.

Redução do consumo de sal Inúmeras evidências mostram benefícios na restrição do consumo de sal:

c) menor incremento da pressão arterial com o envelhecimento; d) possibilidade de prevenir a elevação da pressão arterial; e) regressão de hipertrofia miocárdica. Há evidências de que a pressão arterial varia diretamente com o consumo de sal tanto em normotensos como em hipertensos. Portanto, mesmo reduções modestas no consumo diário de sal podem produzir benefícios. O limite de consumo diário de sódio em 2,0 g está associado à diminuição da PA. No entanto, o consumo médio do brasileiro é de 11,4 g/dia (GR: IIa; NE: B).

Fontes de maior teor de sódio Adição

Saleiro

Alimentos industrializados e conservas

Picles, azeitona, palmito, aspargo

Embutidos

Salsicha, mortadela, linguiça, presunto, salame, paio

Enlatados

Extrato de tomate, milho, ervilha

Temperos industrializados

Mostarda, shoyu, ketchup, caldos de carne, galinha ou legumes

Carnes processadas

Toucinho, presunto, defumados, salsicha, carne seca, bacalhau

Panifícios Queijos Fermento com bicarbonato de sódio Antiácidos Tabela 2.15

Moderação no consumo de bebidas alcoólicas O consumo habitual de álcool eleva a PA de forma linear e o consumo excessivo associa-se com aumento na incidência de HAS. Estima-se que um aumento de 10 g/dia na ingestão de álcool eleve a PA em 1 mmHg, sendo que a diminuição nesse consumo reduz a PA. Recomenda-se moderação no consumo de álcool (GR: I; NE: B). O álcool em pequenas doses apresenta efeito protetor cardiovascular, com efeito antioxidante e inibitório da aterogênese; no entanto, em grandes quantidades, correlaciona-se com aumento pressórico e com aumento de risco cardiovascular. Recomenda-se limitar o consumo de bebidas alcoólicas a, no máximo, 30 g/ dia de etanol para homens e 15 g/dia para mulheres ou indivíduos de baixo peso.

Exercício físico A pratica regular de atividade física pode ser benéfica tanto na prevenção quanto no tratamento da HAS, reduzindo ainda a morbimortalidade CV. Indivíduos ativos apresentam risco 30% menor de desenvolver HAS que os sedentários, e o aumento da atividade física diária reduz a PA. A prática de atividade física deve ser incentivada em toda a população, não havendo necessidade de nenhum exame prévio. O indivíduo deve ser orientado a procurar um médico se sentir algum desconforto durante a execução (GR: I; NE: A).

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2 Hipertensão arterial sistêmica

O treinamento aeróbico reduz a PA casual de pré-hipertensos e hipertensos. Ele também reduz a PA de vigília de hipertensos e diminui a PA em situações de estresse físico, mental e psicológico. O treinamento aeróbico e recomendado como forma preferencial de exercício para a prevenção e o tratamento da HAS (GR: I; NE: A). O treinamento resistido dinâmico ou isotônico (contração de segmentos corporais localizados com movimento articular) reduz a PA de pré-hipertensos, mas não tem efeito em hipertensos. Existem, porém, poucos estudos randomizados e controlados com esse tipo de exercício na HAS.

Abandono do tabagismo O tabagismo aumenta o risco para mais de 25 doenças, incluindo a DCV. O habito de fumar é apontado como fator negativo no controle de hipertensos, no desconhecimento da HAS e na interrupção do uso de medicamentos anti-hipertensivos. No entanto, não há evidencias que a cessação do tabagismo reduza a PA (GR: III, NE: B).

CPAP – SAHOS: Síndrome da Apneia/ Hipopneia Obstrutiva do Sono O uso do CPAP (pressão positiva contínua nas vias aéreas) está indicado para a correção dos distúrbios ventilatórios e metabólicos da SAHOS grave. Há indícios de que o uso desse dispositivo pode contribuir para o controle da PA, queda do descenso da pressão durante o sono, melhora da qualidade de vida e redução dos desfechos cardiovasculares. Não existem evidências quanto aos efeitos hipotensores de outras formas de tratamento da SAHOS.

Controle do estresse psicoemocional Estudos sobre as práticas de gerenciamento de estresse apontam a importância das psicoterapias comportamentais das práticas de técnicas de meditação, biofeedback e relaxamento no tratamento da HAS. Apesar de incoerências metodológicas, as indicações clinicas revelam forte tendência de redução da PA quando essas técnicas são realizadas separadamente ou em conjunto (GR: IIa; NE: B).

Modificações do estilo de vida no controle da pressão arterial (adaptado do VII Joint Norte-Americano para manejo da HAS) Modificação

Recomendação

Redução aproximada na PA sistólica

Controle de peso

Manter o peso corporal na faixa normal (índice de massa corporal entre 18,5 a 24,9 kg/m2)

Padrão alimentar

Consumir dieta rica em frutas e vegetais e alimentos com baixa densidade calórica e baixo teor de gorduras saturadas e totais. Adotar dieta DASH

8 a 14 mmHg

Redução do consumo de sal

Reduzir a ingestão de sódio para não mais que 2 g (5 g de sal/dia) = no máximo 3 colheres de café rasas de sal = 3 g + 2 g de sal dos próprios alimentos

2 a 8 mmHg

Moderação no consumo de álcool

Limitar o consumo a 30 g/dia de etanol para os homens e 15 g/dia para mulheres

2 a 4 mmHg

Exercício físico

Habituar-se à prática regular de atividade física aeróbica, como caminhadas por, pelo menos, 30 minutos por dia, 3-5 vezes/semana

4 a 9 mmHg

5-20 mmHg para cada 10 kg de peso reduzido

Tabela 2.16

Decisão e metas de tratamento medicamentoso conforme a 7º Diretriz Brasileira de HAS O objetivo primordial do tratamento da hipertensão arterial é a redução da morbidade e da mortalidade cardiovasculares. As evidências provenientes de estudos demonstram redução de morbidade e mortalidade em maior número de estudos com diuréticos, betabloqueadores, inibidores da ECA e, mais recentemente, com bloqueadores do receptor AT1. O tratamento medicamentoso associado ao não medicamentoso objetiva a redução da pressão arterial para valores inferiores a 140 mmHg de pressão sistólica e 90 mmHg de pressão diastólica, atingindo-

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-se a meta preconizada para cada paciente. Reduções da pressão arterial para níveis inferiores a 130 x 80 mmHg podem ser úteis em situações específicas, como em pacientes de alto risco cardiovascular, diabéticos – principalmente com microalbuminúria, insuficiência cardíaca, com comprometimento renal e na prevenção de acidente vascular cerebral. Abordagem de hipertensos estágios 2 e 3 e/ ou de alto risco Indivíduos com PA ≥ 160/100 mmHg e/ou portadores de risco CV estimado alto, mesmo no estágio 1, devem iniciar de imediato o tratamento medicamentoso associado à terapia não-medicamentosa. Estudos com fármacos anti-hipertensivos, a maioria realizada com esse perfil de pacientes,

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Cardiologia | volume 1 demonstraram eficácia na redução da PA e proteção CV. Admite-se que a terapia não-farmacológica isoladamente não possa promover reduções da PA suficientes para alcance da meta pressórica recomendada, apesar de constituir efetivo adjuvante no controle da PA e de outros FR cardiovasculares frequentemente presentes. Abordagem de hipertensos estágio 1 de risco baixo e moderado Em hipertensos estagio 1 e moderado ou baixo risco CV, a terapia não-farmacológica deve ser tentada por 3 e 6 meses, respectivamente (GR: I; NE: B), findos os quais, a falta de controle da PA condicionara o início de terapia farmacológica. Faz-se imperativo, contudo, acompanhar esses indivíduos com avaliação periódica da adesão às medidas não-farmacológicas. Constatada a falta de adesão ou a piora dos valores pressóricos, dever-se-á iniciar precocemente a terapia farmacológica. Vale destacar que a intervenção em hipertensos de baixo risco no estágio 1 pode prevenir a progressão para um risco CV mais elevado. Atualmente, a farta disponibilidade de fármacos anti-hipertensivos favorece o tratamento seguro e bem tolerado. Abordagem para níveis de PA de 130-139/8589 mmHg Ha várias meta-análises em portadores de pré-hipertensão mostrando maior risco de progressão para HAS e de eventos cardiovasculares nesse grupo, após ajuste para os demais fatores de risco. Estudos prospectivos, observacionais e de intervenção sobre estilo de vida, demonstraram menor risco de desenvolvimento de HAS nos que adotavam hábitos de vida saudável (GR: I; NE: A). O tratamento medicamentoso pode ser considerado nos pré-hipertensos com PA de 130-139/8589 mmHg e história prévia de DCV (GR: IIb; NE: B) ou naqueles com risco CV alto, sem DCV (GR: IIb, NE: B), mas não há evidências de benefício naqueles com risco moderado. Estudos com bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) em indivíduos com PA de 130-139/85-89mmHg de

alto risco CV mostraram redução da incidência de HAS. Não há evidencias consistentes do benefício da terapia anti-hipertensiva sobre desfechos cardiovasculares nesse grupo. Portanto, a decisão de instituir terapia farmacológica deve ser individualizada. Abordagem de Hipertensos Idosos O mecanismo mais comum da HAS no idoso é o enrijecimento da parede arterial dos grandes vasos, levando a aumento predominante da PAS, com manutenção ou queda da PAD. Não há estudos avaliando o impacto da terapia anti-hipertensiva nesse grupo com PAS basal entre 140 e 159 mmHg. Presumivelmente, os benefícios demonstrados sobre LOA na população geral não deveriam ser diferentes daqueles na população idosa. Em indivíduos ≥ 80 anos, realizaram‑se estudos com fármacos anti-hipertensivos naqueles com PA ≥ 160 mmHg, com demonstração de resultados favoráveis, em especial na prevenção de AVE e IC. Assim, recomenda-se o início da terapia farmacológica anti-hipertensiva em idosos a partir de níveis de PAS ≥ 140 mmHg, desde que bem tolerado e avaliando-se as condições gerais do indivíduo (GR: IIb; NE: B). Nos muito idosos, ou seja, naqueles com idade ≥ 80 anos, o limite para início da terapia farmacológica aumenta para uma PAS ≥ 160 mmHg (GR: I; NE: A). Abordagem de Jovens com Hipertensão Sistólica Isolada A HSI é frequente em jovens saudáveis do sexo masculino com menos de 30 anos e pode estar associada à pressão central normal. Nesses casos, o tratamento não teria benefícios significativos, sendo recomendada a adoção de medidas não-medicamentosas, com monitorização de LOA. O tratamento da HSI deve ter início imediato de terapia farmacológica caso seu risco CV seja alto. No caso de elevação da PAD, adotam-se os mesmos critérios de tratamento da população em geral. As Tabelas 2.17 e 2.18 apresentam as recomendações e níveis de evidencias para o início de tratamento.

Recomendações para início de terapia anti-hipertensiva: Intervenções no estilo de vida e terapia farmacológica Situação

Início de intervenções no estilo de vida

Abrangência (medida casual)

Recomendação

Classe

Nível de evidência

Todos os estágios de hipertensão e PA 135- 139/8589 mmHg

Ao diagnóstico

I

A

Hipertensos estágio 1 e alto risco CV

Ao diagnóstico

I

B

Hipertensos idosos com idade até 79 anos

PAS ≥140 mmHg

IIa

B

Hipertensos idosos com idade ≥ 80 anos

PAS ≥160 mmHg

IIa

B

Aguardar 3 a 6 meses pelo efeito de intervenções no estilo de vida

IIa

B

Ao diagnóstico

IIb

B

Não recomendado

III

-

Hipertensos estágio 1 e risco CV moderado ou baixo Início de terapia farmacológica

Indivíduos com PA 130-139/85-89 mmHg e DCV preexistente ou alto risco CV Indivíduos com PA 130-139/85-89 mmHg sem DCV pré-existente e risco CV baixo ou moderado

PA: pressão arterial; PAS: pressão arterial sistólica; CV: cardiovascular; DCV: doença cardiovascular. Tabela 2.17 - Recomendações para início de terapia anti-hipertensiva: Intervenções no estilo de vida e terapia farmacológica. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Categoria

Meta recomendada

Classe

Nível de evidência

Hipertensos estágios 1 e 2, com risco CV baixo e moderado e HA estágio 3

< 140/90 mmHg

I

A

Hipertensos estágios 1 e 2 com risco CV alto

< 130/80 mmHg*

I

A**

CV: cardiovascular; HA: hipertensão arterial. *Para pacientes com doenças coronarianas, a PA não deve ficar < 120/70 mmHg, particularmente com a diastólica abaixo de 60 mmHg pelo risco de hipoperfusão coronariana, lesão miocárdica e eventos cardiovasculares. **Para diabéticos, a classe de recomendação é IIB, nível de evidência B. Tabela 2.18 Metas de valores de PA a serem atingidas em conformidade com as características individuais. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016.

Decisão e metas de tratamento medicamentoso conforme o VIII Joint norte-americano para controle da HAS O VIII Joint (2014) traz as seguintes recomendações com relação ao início e metas do tratamento farmacológico em pacientes com HAS: 1. Na população em geral com idade ≥ 60 anos, iniciar tratamento farmacológico para reduzir a PA quando PAS ≥ 150 mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg, com o objetivo de atingir valores < 150/90mmHg. Nessa população (≥ 60 anos), se o tratamento farmacológico resultar em níveis pressóricos menores aos recomendados (por exemplo, PAS < 140 mm Hg), sendo, no entanto bem tolerado (sem efeitos adversos), a terapia anti-hipertensiva não necessita ser ajustada. 2. Na população em geral (< 60 anos), o tratamento farmacológico deve ser indicado quando a PAS ≥ 140mmHg e/ou PAD ≥ 140mmHg, com o objetivo de se atingir PA< 140/90 mmHg. 3. Na população com idade ≥ 18 anos e portadora de doença renal crônica (DRC), a recomendação segue aquela da população geral (tratamento farmacológico se PAS ≥ 140 mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg, com meta <140/90 mmHg). Não há mais recomendação específica com alvos mais baixos para estes pacientes. 4. A mesma situação se aplica para os pacientes portadores de diabetes com idade ≥ 18 anos: o tratamento farmacológico deve ser iniciado visando metas de PAS < 140mmHg e PAD < 90mmHg.

Estratégias de tratamento medicamentoso conforme a 7a Diretriz Brasileira de HAS

ser atingida, a maioria dos pacientes irá necessitar da associação de medicamentos. O tratamento deve ser individualizado e a escolha inicial do medicamento a ser utilizado como monoterapia deve basear-se nos seguintes aspectos: capacidade de o agente escolhido reduzir a morbimortalidade cardiovascular; mecanismo fisiopatogênico predominante no paciente a ser tratado; características individuais; doenças associadas; condições socioeconômicas. Com base nesses critérios, as classes de anti-hipertensivos atualmente consideradas preferenciais para o controle da PA em monoterapia inicial são: diuréticos tiazídicos (preferência para clortalidona), inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores dos canais de cálcio (BCC), bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA). Deve ser observado que os diuréticos são os fármacos que apresentam mais evidências de efetividade com relação aos desfechos cardiovasculares, com claros benefícios para todos os tipos de eventos. Ha situações em que a indicação de um ou outro grupo ganha destaque, de acordo com a comorbidade presente. Os betabloqueadores (BB) poderão ser considerados como fármaco inicial em situações específicas, como a associação de arritmias supraventriculares, enxaqueca, insuficiência cardíaca e coronariopatia, sendo que, nas duas últimas condições, deverão estar associados a outros fármacos. A posologia deve ser ajustada para que se consiga redução da PA até valores considerados adequados para cada caso (metas terapêuticas). Se o objetivo terapêutico não for conseguido com a monoterapia inicial, três condutas são possíveis:

Se o resultado for parcial, mas sem efeitos adversos, recomenda-se aumentar a dose do medicamento em uso, podendo também ser considerada a associação com anti-hipertensivo de outro grupo terapêutico;

Quando não houver efeito terapêutico esperado na dose máxima preconizada ou se surgirem eventos adversos, recomenda-se substituir o anti-hipertensivo inicialmente utilizado, reduzir a dosagem e associar outro anti-hipertensivo de classe diferente ou instituir uma outra associação de fármacos;

Se, ainda assim, a resposta for inadequada, devem-se associar três ou mais medicamentos.

O tratamento com medicamentos poderá ser realizado com uma ou mais classes de fármacos, de acordo com a necessidade, para que sejam obtidas as metas para a PA e de acordo com situações especificas. A monoterapia pode ser a estratégia anti-hipertensiva inicial para pacientes com HAS estágio 1, com risco cardiovascular baixo e moderado. Entretanto, deve-se observar que, de acordo com a meta a

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Cardiologia | volume 1 Salienta-se que a maioria dos pacientes hipertensos vai necessitar do uso de mais de um medicamento para que sejam atingidas as metas. Por esse motivo, os pacientes com HAS estágio 1 e com risco cardiovascular alto ou muito alto ou com DCV associada e aqueles com estágio 2 ou 3 com ou sem outros fatores de risco cardiovascular associados devem ser considerados para o uso de combinação de fármacos (Figura 2.10). A utilização de associações de dois medicamentos em baixas dosagens em hipertensos estágio 1, mesmo com baixo ou moderado risco cardiovascular, embora não preferencial, também poderão ser consideradas em casos individuais. Para a escolha dos medicamentos em associação, deve ser evitado o uso de anti-hipertensivos com mesmo mecanismo de ação. Fazem exceção a essa regra a associação de diuréticos tiazídicos com poupadores de potássio. O uso de diuréticos de alça deve ser reservado para aqueles com RFG abaixo de 30 ml/min ou com edema grave. As associações que tenham atuação sinérgica sempre propiciarão resultados melhores (Figura 2.11).

HIPERTENSÃO

Estágio 1 + RCVBaixo e Moderado

TM + MONOTERAPIA* DIU IECA BCC BRA BB (em casos específicos)

- Estágio 1 + RCVBaixo Alto - Estágios 2 e 3

TM + COMBINAÇÕES DOIS FÁRMACOS - CLASSES DIFERENTES EM DOSES BAIXAS

Não atingiu metas ou efeitos colaterais intoleráveis

Dose

Associar 2º

Trocar medicação

Dose

Associar 3º

Trocar combinação

Não atingiu metas

Acrescentar outros anti-hipertensivos

Figura 2.10 Fluxograma para o tratamento da hipertensão. RCV: risco cardiovascular; TNM: tratamento não medicamentoso; DIU: diuréticos; IECA: inibidores da enzima de conversão da angiotensina; BCC: bloqueador dos canais de cálcio; BRA: bloqueador do receptor de angiotensina; BB: betabloqueadores. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016.

Diuréticos tiazídicos

Bloqueadores dos recepatores de angiotensina

Betabloqueadores

Bloqueadores dos canais de cálcio

Outros anti-hipertensivos

Inibidores da ECA Combinações preferenciais Combinações não recomendadas Combinações possíveis, mas menos testadas

Figura 2.11 Esquema preferencial de associações de medicamentos, de acordo com mecanismos de ação e sinergia. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Situações clínicas que pedem anti-hipertensivos específicos Insuficiência cardíaca: betabloqueadores específicos para ICC (carvedilol ,metoprolol, bisoprolol), IECA ou BRA, antagonistas da aldosterona e diuréticos tiazídicos

Em resumo, o VIII Joint sugere a seguinte abordagem inicial em pacientes hipertensos:

Não-Negros: iniciar diurético tiazídico, IECA, BRA ou BCC (como monoterapia ou em combinação);

Alto risco cardiovascular: betabloqueadores, IECA, bloqueadores de cálcio e diuréticos tiazídicos

Negros: iniciar diurético tiazídico ou BCC (como monoterapia ou em combinação).

Diabetes: IECA, BRA, diuréticos tiazídicos, bloqueadores de canais cálcio

Se PA persiste não controlada, usar uma das estratégias abaixo:

Estratégia A: Maximizar a dose do anti-hipertensivo inicial antes de se iniciar um segundo anti-hipertensivo;

Estratégia B: Adicionar um segundo anti-hipertensivo antes de maximizar a dose do primeiro anti-hipertensivo;

Estratégia C: Iniciar o tratamento com dois anti-hipertensivos (separadamente ou em combinações fixas).

Se PA persiste não controlada, considerar:

Nesse consenso americano de HAS (2014), estão presentes as seguintes recomendações:

Reforçar aderências às medicações e modificação de estilo de vida;

1. Na população não-negra, incluindo aqueles com diabetes, o tratamento anti-hipertensivo inicial deve incluir um diurético tiazídico, bloqueadores do canal de cálcio (BCC), inibidor da enzima conversora de angiotensina (IECA), ou bloqueador do receptor de angiotensina II (BRA).

Para estratégias A e B, adicionar um terceiro anti-hipertensivo (adicionar diurético tiazídico, BCC, IECA ou BRA; evitar usar IECA e BRA concomitantemente);

Para estratégia C, maximizar doses das medicações anti-hipertensivas em uso.

Se PA persiste não controlada, considerar:

Reforçar aderências às medicações e modificação de estilo de vida;

Adicionar classes adicionais de medicações anti-hipertensivas (betabloqueadores, antagonistas da aldosterona, ou outros);

Encaminhar para médicos especialistas em tratamento de HAS.

Pós-infarto: betabloqueadores, IECA, antagonistas da aldosterona

Doença renal crônica: IECA ou BRA Prevenção de AVCI recorrente: IECA ou diuréticos tiazídicos Tabela 2.19 Atenção!

Estratégias de tratamento medicamentoso conforme o VIII Joint norte-americano para controle da HAS

2. Na população negra em geral, incluindo aqueles com diabetes, o tratamento anti-hipertensivo inicial deve incluir um diurético tiazídico ou BCC. 3. Na população com idade ≥ 18 anos, com doença renal crônica, o tratamento anti-hipertensivo deve incluir necessariamente um IECA ou BRA, a menos que não sejam tolerados, pelas suas características nefroprotetoras. Isso se aplica a todos os pacientes com DRC e hipertensão, independentemente da raça ou status do diabetes. 4. O principal objetivo do tratamento da HAS é atingir e manter a meta pressórica. Se o objetivo da PA não é alcançada dentro de um mês de tratamento, deve-se aumentar a dose da droga inicial ou adicionar uma segunda droga dentre as seguintes: diurético tiazídico, BCC, IECA ou BRA. 5. Se a meta pressórica não pode ser alcançada com duas drogas, o próximo passo envolve associar uma terceira droga. Não associar IECA e BRA em um mesmo paciente. Se os objetivos não foram alcançados apenas com as drogas acima citadas, ou quando houver alguma contraindicação ou a necessidade de usar mais de três drogas para se atingir a meta, anti-hipertensivos de outras classes podem ser usados. Além disso, o encaminhamento para um especialista em HAS pode ser necessário em caso de pacientes com HAS resistente ao uso de quatro ou mais drogas, ou pacientes com outras complicações clínicas.

SJT Residência Médica

Principais classes de medicamentos anti-hipertensivos Diuréticos O mecanismo de ação dos diuréticos relaciona-se inicialmente aos seus efeitos diurético e natriurético, com diminuição do volume extracelular. Posteriormente, após cerca de 4 a 6 semanas, o volume circulante praticamente se normaliza e há redução persistente da resistência vascular periférica. Os diuréticos reduzem a PA e diminuem a morbimortalidade cardiovascular. O seu efeito anti-hipertensivo não está diretamente relacionado às doses utilizadas, porém, os efeitos colaterais estão. Como anti-hipertensivos, são preferidos os diuréticos tiazídicos e similares, em baixas doses.

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Cardiologia | volume 1 Os diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida, clortalidona e indapamida) são os diuréticos mais utilizados na terapêutica da HAS. Agem na porção inicial do túbulo contorcido distal, inibindo o cotransportador Na+-K+ localizado na membrana apical. A fração de reabsorção de sódio relativamente pequena neste segmento tubular renal explica a baixa potência natriurética destes fármacos. Este efeito natriurético é perdido quando o clearance de creatinina for inferior a 30 mL/min/1,73 m². Estudos clínicos demonstram que os tiazídicos são geralmente bem tolerados. Os efeitos benéficos em morbidade e mortalidade foram obtidos com doses baixas (25 mg de hidroclorotiazida – HCTZ/12,5 a 25 mg de clortalidona). Doses elevadas não têm demonstrado efeito anti-hipertensivo adicional, sendo associadas a maior risco de hipocalemia e outros efeitos adversos. A hipocalemia pode aumentar o risco de ectopia ventricular e o risco de morte, particularmente em uso de altas doses e ausência de diurético poupador de potássio. Os diuréticos de alça (furosemida e bumetamida) apresentam a maior potência natriurética, diminuindo a reabsorção tubular de sódio no ramo ascendente espesso da alça de Henle, a partir da inibição do transporte de sódio pelo cotransportador Na+-K+-2Cl- localizado na membrana apical do túbulo renal. São reservados para situações de hipertensão associada à insuficiência renal (creatinina > 2,0 mg/dl ou RFG calculado < 30 ml/min/1,73m2) e situações de edema (ICC ou insuficiência renal). Os diuréticos poupadores de potássio são a amilorida, triantereno, espironolactona e eplerenona. Amilorida e triantereno agem bloqueando o canal de sódio da membrana apical da porção final do túbulo contornado distal. Neste segmento do túbulo renal, a reabsorção de sódio está associada com a secreção de potássio pelos canais de potássio do lado apical e pela ação da Na+-K+-ATPase no lado basolateral, a qual é estimulada pela aldosterona. A espironolactona e eplerenona, são antagonistas competitivas do receptor de aldosterona e, consequentemente, inibem a atividade da Na+-K+-ATPase. Essa classe de diuréticos apresenta pequena eficácia diurética, mas quando associados aos tiazídicos e aos diuréticos de alça são úteis na prevenção e no tratamento de hipopotassemia; seu uso em pacientes com redução da função renal poderá acarretar hiperpotassemia. De modo geral, os principais efeitos adversos dos diuréticos (tiazídicos e de alça) são fraqueza, cãimbras, hipovolemia e disfunção erétil. Do ponto de vista metabólico, o mais comum é a hipopotassemia, eventualmente acompanhada de hipomagnesemia e alcalose metabólica, que pode induzir arritmias ventriculares, sobretudo extrassistolia. Podem provocar intolerância à glicose por reduzir a liberação de insulina, aumentando o risco do desenvolvimento de DM tipo 2. O aumento do ácido úrico

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e um efeito quase universal dos diuréticos, mas de consequências clínicas não documentadas, exceto pela precipitação de crises de gota nos indivíduos com predisposição. O uso de doses baixas diminui o risco dos efeitos adversos, sem prejuízo da eficácia anti-hipertensiva, especialmente quando em associação com outras classes de medicamentos. Os diuréticos de alça apresentam outro efeito colateral a ototoxicidade. A espironolactona pode causar hiperpotassemia (em particular em pacientes com déficit de função renal), ginecomastia, disfunção sexual e amenorreia.

Drogas de ação central Os agentes alfa-agonistas de ação central agem através do estimulo dos receptores α2 que estão envolvidos nos mecanismos simpatoinibitorios.40 Nem todos são seletivos. Os efeitos bem definidos dessa classe são: diminuição da atividade simpática e do reflexo dos barorreceptores, contribuindo para bradicardia relativa e a hipotensão notada em ortostatismo; discreta diminuição no débito cardíaco; redução nos níveis plasmáticos de renina e retenção de fluidos. São representantes desse grupo: metildopa, clonidina, guanabenzo e os inibidores dos receptores imidazolínicos (moxonidina e rilmenidina). Seu efeito hipotensor como monoterapia é, em geral, discreto. Entretanto, eles podem ser úteis quando utilizados em associação com medicamentos de outros grupos, particularmente no caso de evidência de hiperatividade simpática. A metildopa é um medicamento muito mal tolerado, e não é droga de primeira escolha na HAS (exceção = gravidez, situação na qual a metildopa é uma das drogas de escolha). O uso da clonidina pode ser favorável em situações de hipertensão associada a: síndrome das pernas inquietas, retirada de opioides, “flushes” da menopausa, diarreia associada a neuropatia diabética e hiperatividade simpática em pacientes com cirrose alcoólica. Os principais efeitos colaterais dessa classe são decorrentes da sua própria ação central, como sonolência, sedação, boca seca, fadiga, hipotensão postural depressão e disfunção sexual. A alfametildopa pode provocar, galactorreia, anemia hemolítica e lesão hepática, sendo contraindicada na presença de disfunção hepática. No caso da clonidina, destaca-se a hipertensão rebote, quando da suspensão brusca da medicação, e a ocorrência mais acentuada de boca seca.

Alfabloqueadores Os medicamentos dessa classe agem como antagonistas competitivos dos α1-receptores pós-sinápticos, levando à redução da resistência vascular periférica sem maiores mudanças no débito cardíaco. São representantes dessa classe a doxazosina,

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2 Hipertensão arterial sistêmica

prazosina e terazosina. O efeito hipotensor é discreto como monoterapia, sendo a preferência pelo uso associado. Apresentam contribuição favorável e discreta no metabolismo lipídico e glicídico, e em especial na melhora da sintomatologia relacionada à hipertrofia prostática benigna. Como principais efeitos colaterais, pode-se citar a hipotensão postural, palpitações e, eventualmente, astenia. No estudo ALLHAT, a comparação entre o alfabloqueador doxazosina, frequentemente usado em hipertrofia prostática benigna, com a clortalidona resultou em maior ocorrência de eventos cardiovasculares no grupo doxazosina, especialmente de insuficiência cardíaca congestiva, reforçando a ideia de que alfabloqueadores não são fármacos de primeira escolha para o tratamento da HAS.

Betabloqueadores (BB) Promovem diminuição inicial do débito cardíaco e da secreção de renina, havendo readaptação dos barorreceptores e diminuição das catecolaminas nas sinapses nervosas. Os fármacos de terceira geração (carvedilol, nebivolol), além das ações anteriores, tem efeito vasodilatador por mecanismos diferentes: o carvedilol, pelo seu efeito de bloqueio concomitante do receptor alfa-1 adrenérgico; e o nebivolol, por aumentar a síntese e liberação de oxido nítrico no endotélio vascular. O propranolol mostra-se também útil em pacientes com tremor essencial, síndromes hipercinéticas, cefaleia de origem vascular e hipertensão portal. São eficazes no tratamento da HAS. A redução da morbidade e da mortalidade cardiovasculares é bem documentada em grupos de pacientes com idade inferior a 60 anos. Estudos e metanálises recentes não têm apontado redução de desfechos relevantes, principalmente de acidente vascular cerebral, em pacientes com idade superior a 60 anos, situação em que o uso dessa classe de medicamentos seria reservado para situações especiais, como coronariopatia, pacientes com disfunção diastólica, arritmias cardíacas ou infarto do miocárdio prévio. Em termos de reações adversas principais, citam-se broncoespasmo (especialmente, com os não seletivos, já que bloqueiam tanto os receptores β1 e β2 – exemplo: propranolol), bradicardia, distúrbios da condução atrioventricular, vasoconstrição periférica, insônia, pesadelos, depressão psíquica, astenia e, raramente, disfunção sexual. Podem acarretar também intolerância à glicose, hipertrigliceridemia com elevação do LDL-c e redução da fração HDL-c. Esse efeito está relacionado à dose e à seletividade, sendo quase inexistente com o uso de baixas doses de betabloqueadores cardiosseletivos (atenolol, metoprolol e acebutolol). A importância clínica das alterações lipídicas induzidas por betabloqueadores ainda não está comprovada. A suspensão brusca dos betabloqueadores pode provocar hiperatividade simpática, com hipertensão rebote e/ou manifesta-

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ções de isquemia miocárdica, sobretudo em hipertensos com pressão arterial prévia muito elevada. Os betabloqueadores são contraindicados em pacientes com bloqueio atrioventricular de 2º e 3º grau; os não seletivos são formalmente contraindicados em pacientes com asma brônquica e DPOC. Devem ser utilizados com cautela em pacientes com doença vascular de extremidade.

Bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) Os BCC agem primordialmente proporcionando redução da resistência vascular periférica como consequência da diminuição da quantidade de cálcio no interior das células musculares lisas das arteríolas, decorrente do bloqueio dos canais de cálcio na membrana dessas células. São classificados em 2 tipos básicos: os diidropiridínicos e os não di-idropiridínicos Os BCC di-idropiridínicos (amlodipino, nifedipino, felodipino, nitrendipino, manidipino, lercanidipino, levanlodipino, lacidipino, isradipino, nisoldipino, nimodipino) exercem um efeito vasodilatador predominante, com mínima interferência na frequência e na função sistólica, sendo, por isso, mais frequentemente usados como anti-hipertensivos. Os não di-idropiridínicos, como as fenilalquilaminas (verapamil) e as benzotiazepinas (diltiazem), têm menor efeito vasodilatador, e podem ser bradicardizantes e antiarrítmicos, o que restringe seu uso a alguns casos específicos. Os BCC não di-idropiridínicos podem deprimir a função sistólica cardíaca, principalmente em pacientes que já apresentavam tal disfunção antes do início do seu uso, devendo ser evitados nessa condição. Deve-se dar preferência aos BCC de ação prolongada para que se evitem oscilações indesejáveis na FC e na PA. São anti-hipertensivos eficazes e reduzem a morbimortalidade cardiovascular. Estudo de desfecho reafirmou a eficácia, tolerabilidade e segurança do uso dessa classe de medicamentos no tratamento da HAS de pacientes com DAC, constituindo-se uma alternativa aos BBs quando esses não puderem ser utilizados, ou mesmo, em associação, quando em angina refrataria. Edema maleolar costuma ser o efeito colateral mais registrado, e resulta da própria ação vasodilatadora (mais arterial que venosa), promovendo a transudação capilar. Cefaleia latejante e tonturas não são incomuns. O rubor facial é mais comum com os BCC di-idropiridínicos de ação rápida. Hipercromia do terço distal das pernas (dermatite ocre) e a hipertrofia gengival podem ocorrer ocasionalmente. Tais efeitos podem ser dose-dependentes. Verapamil e diltiazem podem agravar a ICC, além de causar bradicardia e bloqueio atrioventricular. Obstipação intestinal é observada com verapamil.

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Cardiologia | volume 1

Inibidores da ECA (IECA) São anti-hipertensivos eficazes que tem como ação principal a inibição da enzima conversora de angiotensina I, impedindo a transformação de angiotensina I em angiotensina II, de ação vasoconstritora. São eficazes no tratamento da HAS, reduzindo a morbimortalidade cardiovascular. São medicações comprovadamente úteis em muitas outras afecções cardiovasculares, como em ICC com fração de ejeção reduzida, anti-remodelamento cardíaco pós-infarto, além de possíveis propriedades antiateroscleróticas. Também retardam o declínio da função renal em pacientes com nefropatia diabética ou de outras etiologias. Com relação aos efeitos adversos, os mais comuns incluem tosse seca, alteração do paladar e, mais raramente, reações de hipersensibilidade com erupção cutânea e edema angioneurótico. Em indivíduos com insuficiência renal crônica, podem eventualmente agravar a hiperpotassemia (em consequência da diminuição da secreção de aldosterona induzida pelas IECAs). Em pacientes com hipertensão renovascular bilateral ou unilateral associada a rim único, são formalmente contraindicados por promoverem redução da filtração glomerular com aumento dos níveis séricos de ureia e creatinina. Seu uso em pacientes com função renal reduzida pode causar aumento de até 30% dos níveis séricos de creatinina, mas, a longo prazo, prepondera seu efeito nefroprotetor. Seu uso é contraindicado na gravidez pelo risco de complicações fetais. Desta forma, seu emprego deve ser cauteloso e frequentemente monitorado em adolescentes e mulheres em idade fértil.

IECAs disponíveis no Brasil, suas dosagens e número de tomadas diárias

Nome do medicamento Benazepril

Faixa habitual de dosagens diárias (mg) Mínima

Máxima

Número de tomadas via oral diárias

5

20

1

Captopril

25

150

2-3

Cilazapril

2,5

5

1

Delapril

15

30

1-2

Enalapril

5

40

1-2

Fosinopril

10

20

1

Lisinopril

5

20

1

Perindopril

4

8

1

Quinapril

10

20

1

Ramipril

2,5

10

1

Trandolapril

2

4

1

Tabela 2.20

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Bloqueadores do receptor AT1 da angiotensina II (BRA) Antagonizam a ação da angiotensina II por meio do bloqueio específico de seus receptores AT1. São eficazes no tratamento da hipertensão. Estudos recentes comprovam seu efeito benéfico em pacientes com ICC. São nefroprotetores nos pacientes diabéticos. São drogas indicadas para pacientes que apresentam indicação formal e não toleram os IECAs (por exemplo: tosse, angioedema). O tratamento com BRA II, assim como o uso de IECA, vem sendo associado a uma menor incidência de novos casos de diabetes mellitus tipo 2. São incomuns os efeitos adversos relacionados aos BRA, podendo causar tonturas e, raramente, exantema. Pelas mesmas razões dos IECA, são contraindicados na gravidez, devendo os mesmos cuidados ser tomados em mulheres em idade fértil.

Apresentação e frequência de ingestão dos BRAs BRA existentes e doses habituais

Freq. diária de ingestão

Losartana – 50 e 100 mg

1

Valsartana – 80, 160 e 320 mg

1

Candesartana – 8 a 16 mg

1

Telmisartana – 40 e 80 mg

1

Olmesartana – 20 e 40 mg

1

Irbersartana – 150 e 300 mg

1

Tabela 2.21

Inibidores diretos da renina Alisquireno, único representante da classe atualmente disponível para uso clínico, promove uma inibição direta da ação da renina com consequente diminuição da formação de angiotensina II. Estudos de eficácia anti-hipertensiva comprovam sua capacidade, em monoterapia, de redução da PA de intensidade semelhante aos demais anti-hipertensivos. Não existem, contudo, evidencias de seus benefícios sobre morbimortalidade. Apresentam boa tolerabilidade. “Rash” cutâneo, diarreia (especialmente com doses elevadas, acima de 300 mg/dia), aumento de CPK e tosse são os eventos mais frequentes, porém, em geral, com incidência inferior a 1%. Seu uso é contraindicado na gravidez.

Vasodilatadores diretos Atuam sobre a musculatura da parede vascular, promovendo relaxamento muscular com consequente vasodilatação e redução da resistência vascular periférica. Pela vasodilatação arterial direta, promovem retenção hídrica e taquicardia reflexa, o

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2 Hipertensão arterial sistêmica

que contraindica seu uso como monoterapia. São utilizados em associação a diuréticos e/ou betabloqueadores. Hidralazina e minoxidil são dois dos principais representantes desse grupo. A maior indicação da hidralazina é tratar pacientes com insuficiência cardíaca e insuficiência renal grave, especialmente em associação aos nitratos. É também o anti-hipertensivo de escolha para o controle pressórico em gestantes com pré-eclâmpsia. Os efeitos colaterais da hidralazina são cefaleia, flushing, taquicardia reflexa e reação lupus-like (dose-dependente). O uso dessa medicação deve ser cuidadoso em pacientes com DAC e deve ser evitado naqueles com aneurisma dissecante da aorta e episódio recente de hemorragia cerebral. Seu uso pode também acarretar anorexia, náusea, vômito e diarreia. Um efeito colateral comum do minoxidil é o hirsutismo, que ocorre em aproximadamente 80% dos pacientes. Um efeito menos comum é a expansão generalizada de volume circulante e taquicardia reflexa.

Situações especiais Idosos São considerados idosos, sob o ponto de vista cronológico, indivíduos com 65 anos ou mais de idade, vivendo em países desenvolvidos, ou com 60 anos ou mais, em países em desenvolvimento. Dentro desse grupo etário, são chamados de muito idosos aqueles que já alcançaram a oitava década de vida. Existe uma relação direta e linear da PA com a idade, sendo a prevalência de HAS superior a 60% na faixa etária acima de 65 anos. O Estudo de Framingham aponta que 90% dos indivíduos com PA normal até os 55 anos desenvolverão HAS ao longo da vida. Além disso, mostra que tanto a PAS quanto a PAD, em ambos os sexos, aumentam até os 60 anos, quando, então, a PAD começa a diminuir. Por outro lado, a PAS segue aumentando de forma linear. A alta prevalência de outros fatores de risco cardiovascular concomitantes nos idosos e o consequente incremento nas taxas de eventos cardiovasculares, bem como a presença de comorbidades, ampliam a relevância da HAS com o envelhecimento. O envelhecimento vascular e o aspecto principal relacionado à elevação da PA nos idosos, caracterizado por alterações na microarquitetura da parede dos vasos, com consequente enrijecimento arterial. Clinicamente, a rigidez da parede das artérias se expressa como hipertensão sistólica isolada, condição com alta prevalência na população geriátrica e considerada um FR independente para aumento da morbimortalidade cardiovascular. Outras consequências são o aumento da velocidade da onda de pulso e a elevação da pressão de pulso.

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Em um grande número de estudos randomizados de tratamento anti-hipertensivo em idosos, incluindo pacientes com 80 anos ou mais, demonstrou-se a redução de eventos cardiovasculares pela redução da PA; entretanto, os valores médios de PAS atingidos nunca foram inferiores a 140 mmHg. Dois estudos japoneses, comparando tratamentos mais intensivos a tratamentos menos intensivos, não foram capazes de demonstrar benefícios em reduzir valores médios de PAS entre 136 e 137 mmHg comparados a 145 e 142 mmHg respectivamente. Por outro lado, uma análise do subgrupo de idosos do estudo FEVER demonstrou redução de eventos cardiovasculares com a redução da PAS abaixo de 140 mmHg (comparado com 145 mmHg). Existem evidencias robustas do benefício de reduzir a PA com o tratamento anti-hipertensivo em idosos com 80 anos ou mais. Essa vantagem está limitada a indivíduos com PAS ≥ 160 mmHg, nos quais a PAS foi reduzida a valores < 150 mmHg (GR: I; NE: A). Em indivíduos idosos com menos de 80 anos, o tratamento anti-hipertensivo pode ser considerado para aqueles com PAS > 140 mmHg, para uma meta de PAS < 140 mmHg, desde que os indivíduos apresentem uma boa condição clínica e o tratamento seja bem tolerado (GR: IIb; NE: C). Comentário: VIII Joint recomenda manter em pacientes com > 60 anos (desde que não diabéticos ou portadores de DRC) a PAS < 150 mmHg e PAD < 90 mmHg. Estudos randomizados controlados que demostraram, com sucesso, os efeitos do tratamento anti-hipertensivo nos idosos usaram diferentes classes de medicamentos. Existe evidência em favor de diuréticos, BCC, IECA e BRA. Os três estudos em HSI usaram diuréticos ou BCC. Um aspecto que merece destaque é a possibilidade de HAS secundária no idoso, cujas causas mais frequentes são estenose de artéria renal, síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS), alterações de função tireoidiana e uso de medicamentos que podem elevar a PA. Investigação de HAS secundária em idosos pode ser necessária como parte do diagnóstico.

Anticoncepcionais orais e terapia de reposição estrogênica A hipertensão é duas a três vezes mais comum em usuárias de anticoncepcionais orais, especialmente entre as que possuem mais de 35 anos e obesas. Em mulheres hipertensas com mais de 35 anos e fumantes, o anticoncepcional oral está contraindicado. O aparecimento de hipertensão arterial durante o uso de anticoncepcional oral impõe a interrupção imediata da medicação, o que, em geral, normaliza a pressão arterial em alguns meses. A reposição estrogênica após a menopausa não está contraindicada para mulheres hipertensas, pois tem pouca interferência sobre a pressão arterial. Em mulheres de alto risco cardiovascular, a reposição hormonal é contraindicada. Por causa

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Cardiologia | volume 1 do aumento de risco de eventos coronarianos, cerebrovasculares e tromboembolismo venoso, a terapia de reposição hormonal não deve ser utilizada com o intuito de promover proteção cardiovascular.

Gravidez Considera-se hipertensão na gestação como a presença de PAS ≥140 mmHg e/ou PAD ≥90 mmHg, considerando‑se o 5º ruído de Korotkoff, confirmada por outra medida realizada com intervalo de 4 horas. A medida deve ser realizada idealmente com a paciente sentada e alternativamente com a gestante em decúbito lateral. Duas formas de hipertensão podem complicar a gravidez: a preexistente (crônica) e a induzida pela gravidez (pré-eclâmpsia/eclâmpsia), podendo ocorrer isoladamente ou de forma associada. Considera‑se proteinúria: a) ≥ 300 mg em urina de 24h, b) relação albumina/creatinina urinaria (RACur) ≥ 0,3 mg/mg em amostra isolada, c) fita reagente com ≥ 2 + em amostra (sendo sugerido quantificar).

Hipertensão arterial crônica É definida pela detecção de HAS precedendo a gestação ou antes de 20 semanas. É possível que ocorra com sobreposição de pré-eclâmpsia (PE). A hipertensão gestacional é caracterizada pela ocorrência de HAS após a 20ª semana sem a presença de proteinúria. Gestantes com pressão arterial inferior a 159 x 99 mmHg e/ou portadoras de diabetes mellitus, obesidade, gravidez gemelar, nulíparas, idade superior a 40 anos e antecedentes pessoais ou familiares de PE merecem avaliação periódica em razão da possibilidade de rápida elevação da pressão ou do surgimento de proteinúria, e podem receber tratamento medicamentoso com valores mais baixos, entre 120 x 80 e 159 x 99 mmHg, visando à proteção materno-fetal. O uso de IECA, BRA e inibidor direto de renina é contraindicado na gestação (GR: I; NE: B), e atenolol e prazosin devem ser evitados (GR: IIa; NE: B). No Brasil, os medicamentos orais disponíveis e usualmente empregados são a metildopa, BB (exceto atenolol), hidralazina e BCC (nifedipino, anlodipino e verapamil). O atenolol está associado com redução do crescimento fetal e o prazosin pode causar natimortalidade. A alfametildopa é a droga preferida por ser a mais bem estudada e não haver evidência de efeitos deletérios para o feto.

Pré-eclâmpsia/eclâmpsia Ocorrem geralmente após 20 semanas de gestação. Caracteriza-se pelo desenvolvimento gradual de hipertensão e proteinúria. A interrupção da gestação é o tratamento definitivo na PE e deve ser considerado em todos os casos com maturidade pul-

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monar fetal assegurada. Se não houver maturidade pulmonar fetal, pode-se tentar prolongar a gravidez, mas a interrupção deve ser indicada se houver deterioração materna ou fetal. O tratamento medicamentoso urgente é indicado em HAS grave (PAS > 155-160 mmHg) e na presença de sinais premonitórios. (GR: I; NE: B). O tratamento de HAS grave em situações de emergência pode ser feito com hidralazina intravenosa (IV) (5 mg, repetir 5-10 mg IV a cada 30 minutos até o máximo de 20 mg). A administração de nifedipina de ação rápida (5 mg a cada 30 minutos), por via oral, e uma alternativa empregada, mas há relatos de complicações associadas ao seu uso. Embora a nifedipina sublingual não seja indicada em outras formas de crise hipertensiva (CH), essa é uma alternativa mencionada na hipertensão da gestação. Seu uso em emergência hipertensiva (EH), porém, foi considerado como má pratica e lesiva à paciente em parecer do CREMESP. O tratamento medicamentoso deve ser iniciado quando a PA estiver acima de 150/100 mmHg, com o objetivo de mantê-la em 130-150/80-100 mmHg (GR: IIa; NE: B). Em pacientes com PE com quadro clinico estabilizado sem necessidade de parto imediato, está indicado tratamento anti-hipertensivo oral. O tratamento com anti-hipertensivo diminui o risco de HAS grave, mas não reduz o risco de PE, crescimento intrauterino restrito, descolamento prematuro de placenta ou desfechos neonatais. O tratamento para alcançar PAD alvo de 85 mmHg comparado com alvo de 100 mmHg não teve benefício materno ou obstétrico, exceto em relação à menor ocorrência de HAS grave no grupo com controle mais rigoroso. O uso de sulfato de magnésio é recomendado para a prevenção e tratamento da eclâmpsia (GR: I; NE: B). Em situações de encefalopatia ou de urgência hipertensiva requerendo hospitalização, monitoração intensiva, antecipação do parto e administração parenteral de anti-hipertensivos, recomendasse a administração IV de sulfato de magnésio, considerado medicamento de escolha para prevenção e tratamento da eclâmpsia. O sulfato de magnésio é administrado em dose de ataque de 4 a 6 g IV por 10 a 20 minutos, seguido por infusão de 1-3 g/h, em geral por 24h. Em caso de recorrência de convulsão, 2 a 4 g IV podem ser administrados. O uso intramuscular profundo de 10 g 5 g em cada glúteo), seguido por uso intramuscular 5 g de 4 em 4 horas por 24 horas constitui opção alternativa. O fármaco está indicado durante o trabalho de parto de pacientes com formas graves de PE. A administração do sulfato de magnésio deve continuar por até 24 horas após a convulsão, sinais de iminência de eclâmpsia ou o parto. A administração deve ser feita de forma liberal em pacientes com PE, preferencialmente antes da administração de anti-hipertensivo de ação rápida em pacientes onde o juízo clinico não descarte a possibilidade de ocorrer eclâmpsia.

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Medicamentos Recomendação DIU: hidroclorotiazida e espironolactona. Inibidores adrenérgicos: alfametildopa e propranolol. Vasodilatadores: hidralazina e minoxidil. Seguros BCC: verapamil, nifedipino, nimodipino e nitrendipino. IECA: benazepril, captopril e enalapril. DIU: indapamida, furosemida e triantereno. Inibidores adrenérgicos: atenolol, bisoprolol, carvedilol, metoprolol, sotalol. BCC: anlodipino, isradipino, nisoldipino. Moderadamente seguros IECA: lisinopril, ramipril. BRA: candesartana e olmesartana. Telmisartana após período perinatal. Inibidores adrenérgicos: reserpina, prazosina e terazosina. Potencialmente perigosos BRA: telmisartana, no período perinatal; valsartana. DIU: diuréticos; BCC: bloqueador dos canais de cálcio; IECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina; BRA: bloqueador dos receptores de angiotensina II. Tabela 2.22   Segurança para o lactente com o uso de medicações anti-hipertensivas pela lactante. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

Diabetes mellitus A associação de HAS e DM dobra o risco cardiovascular e tem aumentado a prevalência de HAS, fato ligado à elevação nas taxas de sobrepeso e obesidade, bem como ao aumento da população de idosos em nosso meio. A incidência de HAS em pacientes diabéticos tipo 1 aumenta de 5%, aos 10 anos de idade, para 33%, aos 20 anos, e para 70%, aos 40 anos. Há uma estreita relação entre o desenvolvimento de HAS e a presença de albuminúria nessa população. Esse aumento na incidência de HAS pode atingir 75-80% nos pacientes com doença renal diabética. Cerca de 40% dos pacientes com diagnóstico recente de DM tipo 2 tem HAS. Em aproximadamente 50% dos diabéticos tipo 2, a HAS ocorre antes do desenvolvimento de albuminúria. Todo hipertenso diabético é considerado de alto risco cardiovascular. Além de todos os exames complementares recomendados para os hipertensos, especificamente nos diabéticos, é necessária a pesquisa da excreção urinária de albumina, o exame de fundo de olho e a avaliação de provável hipotensão postural, que pode caracterizar a presença de disfunção do sistema nervoso autônomo. Quanto às metas de PA a serem atingidas, há muitas controvérsias. Tem havido, contudo, recente consenso para o alcance de valores de PA < 130/80 mmHg (GR: IIb; NE: B). Comentário: VIII Joint recomenda manter em pacientes diabéticos a PAS <140 mmHg e PAD < 90 mmHg. A escolha terapêutica deve ser baseada na eficácia do medicamento e na tolerabilidade ao mesmo. Considerando-se que todo diabético apresenta alto risco cardiovascular, o tratamento inicial inclui a associação de dois ou mais fármacos de classes diferentes. Nos hipertensos diabéticos sem nefropatia, todos os anti-hipertensivos podem ser utilizados. Entretanto, na presença de nefropatia diabética, o uso de medicamentos inibidores do SRAA é preferencial (GR: I; NE: A). A utilização simultânea de IECA e BRA deve ser evitada devido ao risco de complicações. Apesar de agravarem a resistência à insulina, os BB são úteis no controle pressórico dos diabéticos, em especial quando usados em combinação no tratamento de hipertensos com DAC ou ICC.

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Síndrome metabólica (SM) Caracteriza-se pela coexistência de fatores de risco CV (HDL baixo, triglicérides elevados, HAS e disglicemia) associada ou não à presença de obesidade central (identificada pela medida da circunferência abdominal). O tratamento inicial baseia-se em modificações do estilo de vida associada ou não ao uso de medicamentos. Uma vez que as medidas não farmacológicas isoladamente não sejam suficientes para o controle da PA, o tratamento medicamentoso se impõe toda vez que a PA estiver igual ou superior a 140/90 mmHg. Não existem evidencias de benefícios do uso de medicamentos anti-hipertensivos na SM com PA normal. Na presença de disglicemia, os medicamentos preferenciais para início de tratamento da HAS na SM são os bloqueadores do SRAA e os BCC.

Doença renal crônica A função excretória renal, representada pelo ritmo de filtração glomerular, deteriora-se com a idade, começando na terceira ou quarta década de vida. Em torno da sexta década, o ritmo de filtração reduz-se em cerca de 1 a 2 mL/min. por ano. Essa perda de função renal é proporcional ao nível pressórico, podendo haver diminuição de 4 a 8 mL/min. por ano se a pressão sistólica permanecer descontrolada. Na prevenção de doença renal crônica (DRC), a terapêutica anti-hipertensiva deve ser mais rigorosa nos indivíduos com graus maiores de albuminúria. No estudo MDRD (Modification of Diet and Renal Disease), indivíduos com proteinúria tiveram menor progressão para doença renal terminal (DRT) quando a PAS se encontrava em torno de 130 mmHg. Em uma metanálise de indivíduos com DRC e albuminúria, foram preditivos de evolução favorável níveis mais baixos de PAS (110 a 129 mmHg), menor taxa de excreção de albumina (< 1 g/dia) e uso de IECA. Muitos estudos demonstraram que regimes anti-hipertensivos incluindo IECA ou BRA são mais efetivos em reduzir a progressão da DRC. As metas pressóricas sugeridas na última Diretriz brasileira de HAS (2016) variam conforme a causa da DRC (se decorrente ou não de diabetes) e na presença ou não de microalbuminúria (Tabela 2.23). Comentário: VIII Joint recomenda manter em pacientes com DRC (com ou sem diabetes) a PAS < 140 mmHg e PAD < 90 mmHg.

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Cardiologia | volume 1

DRC não diabética Fármaco preferencial DRC diabética Fármaco preferencial

ALBUMINÚRIA <30mg/24 horas

ALBUMINÚRIA >30 mg/24horas

<140/90 mmHg Qualquer <130/80 mmHg Qualquer

<130/80 mmHg IECA ou BRA <130/80 mmHg IECA ou BRA

DRC: doença renal crônica; IECA: inibidor da enzima conversora da angiotensina; BRA: bloqueador dos receptores da angiotensina II. Tabela 2.23 Metas pressóricas para pacientes em tratamento conservador, de acordo com a etiologia da doença

renal e com a excreção urinária de albumina. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

Doença arterial periférica (DAP) Hipertensão, diabetes e tabagismo são fatores de risco maiores para DAP. DAP sintomática é associada com um risco aumentado de morte por doença cardiovascular, em parte em decorrência da aterosclerose difusa, presença de doença coronariana e doença renovascular associadas, que frequentemente coexistem nesses pacientes. Hipertensão renovascular deve ser fortemente considerada nessa população se a pressão arterial se mostra de difícil controle. O tratamento anti­ hipertensivo não é efetivo no controle dos sintomas de DAP. Agentes vasodilatadores, tais como IECA, BCC, alfabloqueadores ou mesmo vasodilatadores diretos, não melhoram os sintomas de claudicação. Betabloqueadores podem causar vasoconstrição e, potencialmente, aumentar a frequência de claudicação intermitente nesses indivíduos. No entanto, estudos recentes têm demonstrado um pequeno efeito na distância percorrida ou no fluxo sanguíneo em pacientes com claudicação intermitente. Assim, betabloqueadores podem ser usados em pacientes com DAP, especialmente se indicados para tratamento de DAC ou ICC. Tratar HAS em pacientes com DAP reduz o risco de IAM, acidente cerebrovascular e morte. Interrupção do tabagismo representa comumente a medida mais importante para a regressão de DAP, razão pela qual os pacientes devem ser fortemente aconselhados a pararem de fumar. Mudanças no estilo de vida, controle de peso e glicemia (controle agressivo em pacientes diabéticos), além do controle da dislipidemia, são apropriados.

Hipertensão resistente (HAR) É definida como a PA de consultório não controlada apesar do uso de três ou mais antihipertensivos em doses adequadas, incluindo-se preferencialmente um diurético, ou em uso de quatro ou mais medicamentos com controle pressórico. Por não incluir a verificação sistemática da terapêutica e da adesão, essa situação é melhor definida como HAR aparente (pseudorresistência). A identificação da HAR verdadeira é fundamental para estabelecer abordagens especificas. Estudos populacionais estimam prevalência em 12% da população hipertensa.

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A hipertensão refrataria é definida como a PA não controlada sob o uso de cinco ou mais anti-hipertensivos, e corresponde a 3,6% dos hipertensos resistentes. Para o diagnóstico de HAR é necessária medida ambulatorial de PA e verificação sistemática de adesão (GR: I; NE: C). Os fatores causais associados com HAR incluem maior sensibilidade ao sal, volemia aumentada (maior ingestão de sódio, DRC ou inadequada terapêutica diurética), substâncias exógenas que elevam a PA e causas secundárias (apneia obstrutiva do sono, hiperaldosteronismo primário, DRC e estenose de artéria renal). São características da HAR: idade mais avançada, afrodescendência, obesidade, síndrome metabólica, DM, sedentarismo, nefropatia crônica e HVE. Os aspectos fisiopatológicos relacionados à resistência incluem: (i) hiperativacão simpática e do SRAA, (ii) proliferação da musculatura lisa vascular, (iii) retenção de sódio e (iv) ativação de fatores pró-inflamatorios. Maior disfunção endotelial e rigidez arterial estão presentes. Na MAPA, há alta prevalência (30%) do evento do avental branco e atenuação do descenso noturno. Os hipertensos refratários têm maior prevalência de raça negra, DM e albuminúria.

Investigação diagnóstica A pseudorresistência deve-se à má técnica de medição da PA, má adesão e/ou esquema terapêutico inadequado. Estudos mostraram que 50-80% dos pacientes não aderem à medicação total ou parcialmente. O diagnóstico de HAR deve ser feito somente após a inclusão de um diurético apropriado e o ajuste do esquema anti-hipertensivo. Bioquímica sanguínea, avaliação urinária e ECG devem ser solicitados no momento do diagnóstico e repetidos pelo menos anualmente. Ecocardiograma e fundoscopia, quando disponíveis, devem ser repetidos a cada 2 ou 3 anos As causas secundarias são comuns na HAR (ver próxima seção), sendo a mais prevalente a SAHOS (80%, sendo 50% com apneia moderada-grave), seguida do hiperaldosteronismo (20%, principalmente hiperplasia adrenal) e da estenose de artéria renal (2,5%). Outras causas secundárias devem ser investigadas apenas quando o quadro clínico for sugestivo.

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Apesar de o diagnóstico da HAR ser baseado na PA de consultório, a avaliação da PA através da MAPA ou da MRPA é mandatória no diagnóstico inicial e no acompanhamento clínico. Estima-se que 30-50% dos hipertensos resistentes apresentem níveis tensionais normais fora do consultório. O diagnóstico obtido na MAPA irá definir a conduta diagnóstica e terapêutica. Na HAR verdadeira ou mascarada, a medicação deve ser progressivamente ajustada com introdução de doses noturnas de anti-hipertensivos. Pacientes com PA controlada na MAPA devem ter sua terapia mantida, independente dos valores da PA de consultório. Na HAR do avental branco, a MAPA confirmatória precisa ser realizada depois de 3 meses e repetida semestralmente (se PAS vigília ≥ 115 mmHg) ou anualmente (se PAS de vigília < 115 mmHg). A MRPA é bom método complementar quando não se dispõe da MAPA. Apesar de não avaliar o período noturno e superestimar os níveis pressóricos, apresenta uma concordância moderada no diagnóstico, com alta especificidade e baixa sensibilidade.

Tratamento Deve-se incentivar modificações do estilo de vida, como redução da ingesta de sal (até 2,0 g de sódio/dia); dieta DASH; perda de peso (IMC <25 kg/m2); atividade física; interrupção do tabagismo e consumo moderado de álcool. Também deve se interromper substâncias que aumentam a PA (ver próxima seção; Tabela 2.29).

O tratamento medicamentoso (Tabela 2.24) tem como princípio básico a associação de anti-hipertensivos que bloqueiem a maioria dos mecanismos fisiopatológicos de elevação da PA. Idealmente, devem ser prescritos um diurético, um bloqueador do SRAA e um BCC diidropiridínico, em doses plenas toleradas e a intervalos adequados. Em situações particulares como DAC, ICC e taquiarritmias, um BB pode substituir o BCC no esquema terapêutico inicial com 3 medicações. A espironolactona, antagonista da aldosterona, é a medicação de escolha como quarto medicamento nos pacientes com HAR verdadeira, possibilitando redução da PA em média de 15-20 mmHg na PAS e de 7-10 mmHg na PAD em doses de 25 a 50 mg/ dia. Entretanto, até 20-30% dos pacientes podem não tolerar seu uso, devido à piora da função renal, hiperpotassemia, ginecomastia ou mastalgia. Nesse caso, a amilorida pode ser utilizada (5-10 mg/dia), mas com resposta pressórica aparentemente inferior. O uso da clonidina como quarto fármaco também pode ser considerado. Os alfa-agonistas centrais (clonidina e alfametildopa), os vasodilatadores diretos (hidralazina e minoxidil), ou os agonistas centrais dos receptores imidazolínicos são geralmente utilizados como medicações de sexta ou sétima linha. Também associações de múltiplos diuréticos (tiazídicos, de alça e espironolactona), em especial em estados edematosos, ou de BCC di-idropiridínicos e não di-idropiridínicos podem ser usados nos pacientes mais graves.

Intervenção

Grau de recomendação

Nível de evidência

Institua MEV

I

B

Otimize tratamento com 3 medicações: clortalidona*, IECA ou BRA, e BCC†

I

B

Adicione espironolactona como 4ª medicação

IIa

B

Adicione BB como 5ª medicação†

IIb

C

Adicione sequencialmente simpatolíticos de ação central ou vasodilatadores diretos

IIb

C

Prescreva uma ou mais das medicações à noite

IIb

B

I

C

Confira e melhore adesão ao tratamento

Tabela 2.24 Tratamento da hipertensão arterial resistente. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

Hipertensão secundária Sempre devemos ter em mente a hipertensão secundária quando investigamos o hipertenso, pois é a única hipertensão que pode ser tratada e curada, sendo sua prevalência de 3-5%. A tabela a seguir resume as causas mais frequentes de hipertensão secundária e a investigação pertinente. Entretanto, antes de se prosseguir na investigação, deve-se fazer o diagnóstico diferencial com as seguintes possibilidades: medida inadequada da pressão arterial; hipertensão do avental branco; tratamento inadequado; não adesão ao tratamento; progressão da doença; presença de comorbidades e interação com medicamentos.

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30 Exame de urina, cálculo do RFG-e, US renal, pesquisa de albuminúria / proteinúria US com Doppler renal e/ou renograma, angiografa por RNM ou TC, arteriografa renal

US rins e vias urinárias, urografía excretora, TC Ecocardiograma e/ou angiografa de tórax por TC TSH e T4 livre TSH e T4 livre Cálcio sérico e PTH IGF-1 e GH basal e durante teste de tolerância oral à glicose

Fácies típica, edema, anorexia, fadiga, creatinina e ureia elevadas, alterações do sedimento urinário HAR, sopro abdominal, EAP súbito, alteração da função renal por medicamentos que bloqueiam o SRAA

HAR e/ou com hipopotassemia (não obrigatória) e/ou com nódulo adrenal

HAS paroxística com cefaleia, sudorese e palpitações Ganho de peso, diminuição da libido, fadiga, hirsutismo, amenorreia, “fácies em lua cheia”, “giba dorsal”, estrias purpúreas, obesidade central, hipopotassemia Hipertensão temporariamente associada com a introdução de medicamentos História de nefrolitíase, tumores etc. Pulsos em femorais ausentes ou de amplitude diminuída, PA diminuída em membros inferiores, alterações na radiografa de tórax Fadiga, ganho de peso, perda de cabelo, HAD, fraqueza muscular Intolerância ao calor, perda de peso, palpitações, exoftalmia, hipertermia, reflexos exaltados, tremores, taquicardia Litíase urinária, osteoporose, depressão, letargia, fraqueza ou espasmos musculares, sede, poliúria Cefaleia, fadiga, problemas visuais, aumento de mãos, pés e língua

Doença renal crônica

Hipertensão renovascular

Hiperldosteronismo primário

Feocromocitoma

Síndrome de Cushing (hiperplasia, adenoma e excesso de produção de ACTH)

Hipertensão induzida por agentes

Uropatia obstrutiva

Coarctação da aorta

Hipotireoidismo

Hipertireoidismo

Hiperparatireoidismo (hiperplasia ou adenoma)

Acromegalia

Tabela 2.25

SAHOS: síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono; HAR: hipertensão arterial resistente; RFG-e: ritmo de filtração glomerular estimado; EAP: edema agudo de pulmão; SRAA: sistema renina-angiotensina-aldosterona; TC: tomografia computadorizada; ACTH: adrenocorticotropina; TSH: hormônio tireoestimulante; PTH: paratormônio; IGF-1: fator de crescimento insulina-símile tipo 1; GH: hormônio do crescimento.

História clínica, pesquisa toxicológica

Cortisol salivar, cortisol urinário livre de 24h e teste de supressão: cortisol matinal (8h) e 8h após administração de dexametasona (1mg) às 24 h.

Dosagem de metanefrinas urinárias; catecolaminas urinárias e séricas cintilografia com I-123 MIBG; TC e RNM de abdome

Determinações de aldosterona (>15 ng/dL) e atividade/concentração de renina plasmática; cálculo da relação aldosterona/renina >30. Testes confirmatórios (furosemida e captopril). Exames de imagem: TC com cortes finos ou RNM

Questionário de Berlim, polissonografa ou poligrafa residencial com 5 ou mais episódios de apneia e/ou hipopneia por hora de sono

Como investigar?

Roncos frequentes, sonolência diurna, pausas respiratórias durante a noite

Quando suspeitar?

SAHOS

Causa

Formas secundárias de HAS

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2 Hipertensão arterial sistêmica

Hipertensão arterial renovascular (HARV) É secundária à estenose parcial ou total, uni ou bilateral da artéria renal (EAR) ou de um de seus ramos, desencadeada e mantida por isquemia do tecido renal. Sua prevalência é 5% dos pacientes hipertensos. A principal causa é a aterosclerose (90%), seguida por displasia fibromuscular, sendo a arterite de Takayasu a menos frequente. Independentemente do fator causal, é importante determinante de morbimortalidade cardiovascular. O diagnóstico e a avaliação do grau de envolvimento com LOA são fundamentais para escolha do tratamento. Uma investigação mais custo-efetiva sugere seleção apropriada do candidato e exames de avaliação anatômica e funcional da estenose, assim como métodos para correção do defeito anatômico e funcional (Tabela 2.26). Características clínicas

Nível de evidência

Início de hipertensão < 30 anos

B

Início de hipertensão grave > 55 anos

B

Hipertensão acelerada/maligna

C

Hipertensão resistente

C

Uremia ou piora da função renal após uso de IECA ou BRA (> 30% de queda na filtração glomerular)

B

Rim atrófico de causa não esclarecida ou discrepância de tamanho entre os dois > 1,5 cm

B

Edema pulmonar súbito inesperado (sobretudo em pacientes urêmicos)

B

Tabela 2.26  Recomendações da ACC/AHA para pesquisa de estenose de artéria renal no momento da realização de

cinecoronariografa. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

O diagnóstico pode ser suspeitado pela presença de hipertensão em mulheres jovens, perda do controle pressórico em idosos, hipocalemia, sopros abdominais e piora progressiva da função renal. É dado pela demonstração da estenose da artéria renal pela arteriografia intra-arterial, enquanto o de hipertensão renovascular ou nefropatia isquêmica é dado de forma definitiva pelo resultado de um procedimento bem-sucedido de revascularização renal na PA e na função renal. A probabilidade de hipertensão secundária à estenose de artéria renal é baseada nos indicadores clínicos demonstrados na Tabela 2.27. O método diagnóstico apropriado é escolhido a partir da probabilidade determinada na tabela anterior. Métodos não invasivos (cintilografia renal, Doppler de artérias renais, angiorressonância renal) são indicados aos pacientes com média probabilidade clínica, e a angiografia renal é indicada como primeiro exame para pacientes com alta probabilidade clínica. Na investigação inicial pode-se realizar a cintilografia renal com DTPA (renograma), que avalia a repercussão funcional da estenose, e o Doppler de artérias renais, que, além de detectar a significância hemodinâmica da estenose, é capaz de medir o índice de resistividade (marcador de prognóstico do tratamento intervencionista). Considera-se estenose significativa de artéria renal a que oclui pelo menos 60% da luz do vaso estimada visualmente com gradiente de lesão maior que 20 mmHg ou gradiente médio maior que 10 mmHg. O Doppler de artérias renais é dependente do observador e do biótipo do paciente, enquanto a cintilografia renal tem menor sensibilidade e especificidade na presença de insuficiência renal mais avançada. A angiorressonância de artérias renais pode ser o exame não invasivo de escolha, mas apresenta restrições devido ao seu custo e disponibilidade, e só pode ser indicada quando o RFG for acima de 30 mL/min/m2. A angiografia das artérias renais possibilita a visualização das artérias renais de modo preciso, devendo-se levar em conta os riscos inerentes ao uso de contraste iodado e do procedimento. Probabilidade

Características clínicas

Baixa (0,2%)

HA limítrofe ou leve/moderada não complicada

Média (5-15%)

HA grave ou resistente HA recente < 30 anos ou > 50 anos Presença de sopro abdominal Assimetria de pulsos radiais ou carotídeos HA moderada associada a tabagismo ou a aterosclerose em outro local (coronária ou carótida) Déficit da função renal indefinido Resposta pressórica exagerada ao IECA

Alta (25%)

HA grave ou resistente com insuficiência renal progressiva HA acelerada ou maligna EAP súbito Aumento de creatinina induzido por IECA Assimetria de tamanho ou função renal

Tabela 2.27 Indicadores clínicos de probabilidade de hipertensão renovascular. Fonte: 7º Diretriz Brasileira de Hiper-

tensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2016

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Cardiologia | volume 1

Testes para detecção de hipertensão renovascular Tipo de teste

Sensibilidade (%)

Especificidade (%)

Cintilografia com captopril

92-94

95-75

Ultrassom com Doppler

84-91

95-97

Angiografia digital

88

90

Angiorressonância*

90-95

95

Tabela 2.28 *Na identificação de estenoses da artéria renal acima de 50%.

O tratamento da hipertensão arterial renovascular pode ser clínico, cirúrgico ou por meio de revascularização percutânea com ou sem a colocação de próteses endovasculares (stents).

como fator de risco para aterosclerose e doença cardiovascular. A prevalência da SAHOS em pacientes com HAS é de 30-56%, atingindo 64-83% em pacientes com hipertensão arterial resistente (HAR).

O tratamento medicamentoso é uma opção terapêutica bastante aceitável na ausência de evidências sugestivas de que a estenose da artéria renal é causadora de HAS ou isquemia renal. Como a HAS secundária à estenose da artéria renal pode ser dependente da ativação do SRAA, o uso de medicamentos que o bloqueiem, como os inibidores da enzima conversora da angiotensina (nível de evidência A) e os bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II (nível de evidência B) podem ser especialmente eficazes. Contudo, esses medicamentos são contraindicados em pacientes com estenose de artéria renal bilateral ou unilateral em rim único. No mesmo nível de evidência em que estão os inibidores da enzima conversora da angiotensina estão os antagonistas dos canais de cálcio (nível de evidência A).

Fatores de risco para SAHOS são idade, sexo masculino, obesidade e síndrome metabólica. O questionário de Berlim pode ajudar em sua triagem, mas não parece ser útil em pacientes com HAR. Alterações no padrão do descenso fisiológico do sono pode indicar a presença de SAHOS. Clinicamente, esse diagnóstico deve ser lembrado em pacientes com queixas de ronco alto, episódios de engasgo frequentes, cansaço diurno, sonolência diurna excessiva, alterações de memória e capacidade de concentração prejudicada. Achados clínicos associados incluem obesidade, aumento da circunferência do pescoço, orofaringe pequena e eritematosa, insuficiência cardíaca congestiva, hiperten­são pulmonar e cor pulmonale. Apresentações clínicas atípicas envolvem palpitações noturnas, cefaleia matutina, tonturas, refluxo gastroesofágico e noctúria.

Evidências de benefício no tratamento mecânico percutâneo ou cirúrgico estão restritas a situações como perda progressiva da função renal, EAP e dificuldade de controle da PA, que promove LOA irreversível. Em pacientes com HARV por displasia fibromuscular, há 82-100% de controle da PA e reestenose em 10% (GR: IIa; NE: B). Na HARV aterosclerótica sem complicações, em 3 estudos randomizados, o implante de stent comparado ao tratamento clinico otimizado não mostrou benefícios no controle da PA, na progressão da doença renal, ou na ocorrência de eventos clínicos e mortalidade. Para pacientes com EAR aterosclerótica e PA controlada por tratamento clinico, sem complicações cardíacas e função renal estável ao longo de 6-12 meses, a intervenção mecânica não é recomendada, sendo o tratamento clinico a primeira opção (GR: II; NE: B).

O diagnóstico é confirmado por polissonografia ou poligrafia residencial pelo achado de 5 ou mais episódios de apneia e/ou hipopneia por hora de sono (índice de apneia-hipopneia - IAH), mas um IAH ≥ 15 eventos/hora parece ter maior impacto na HAS.

Apneia obstrutiva do sono A síndrome da apneia/hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) caracteriza-se por episódios recorrentes de redução significativa (hipopneia) ou cessação (apneia) do fluxo aéreo devido ao colapso inspiratório das vias aéreas durante o sono, seguida de queda da saturação arterial de oxigênio. A SAHOS está relacionada ao desenvolvimento de hipertensão arterial, principalmente com ausência do descenso noturno da PA, sendo reconhecida

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O tratamento de escolha para a SAHOS moderada ou importante é o uso da pressão positiva continua (CPAP) em vias aéreas superiores durante o sono. Metanálises demonstram pequeno efeito da CPAP na redução da PA, mas são limitadas por incluir estudos em normotensos e hipertensos controlados. Em pacientes com SAHOS e HAR, a maioria dos estudos randomizados mostrou reduções mais importantes da PA do que as verificadas em pacientes com HAS não resistente. A perda de peso combinada à CPAP mostrou maior redução da PA do que cada intervenção isolada em obesos com SAHOS. O avanço mandibular, com dispositivos moveis ortodônticos, para SAHOS leve a moderada, pode também promover redução da PA, mas novos estudos são necessários. Apesar de evidências testando diversas classes de anti-hipertensivos, não existem conclusões definitivas sobre a que seja preferencial para hipertensos com SAHOS.

Coarctação de aorta (CoAo) Representa causa de HAS secundária encontrada especialmente em crianças e adultos jovens, sendo a quarta causa mais frequente de cardiopatia

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2 Hipertensão arterial sistêmica

congênita, correspondendo a 7% das doenças cardíacas inatas. É mais prevalente no sexo masculino requerendo tratamento cirúrgico no primeiro ano de vida. Pode ocorrer em qualquer local da aorta, embora seja mais comum logo após a origem da subclávia esquerda. É muito importante o diagnóstico precoce, pois há uma relação inversa entre o tempo de exposição à HAS e a sua reversão após a correção.

O tratamento da coarctação de aorta é sempre intervencionista, ou por angioplastia com balão ou por correção cirúrgica. Em indivíduos mais jovens ou crianças, e ainda naqueles com istmo bem expandido e arco aórtico transverso, o tratamento de escolha é a dilatação por balão. Cirurgia é indicada quando há associação de hipoplasia do arco aórtico ou quando não é possível a dilatação.

A suspeita clinica baseia-se em sintomas (epistaxes, cefaleia e fraqueza nas pernas aos esforços ou manifestações de ICC, angina, dissecção de aorta ou hemorragia intracerebral) e no exame físico (HAS em membros superiores com PAS pelo menos 10 mmHg maior na artéria braquial em relação à artéria poplítea; ausência ou diminuição dos pulsos em membros inferiores; sopro sistólico interescapular e no tórax).

Há cura de hipertensão arterial prévia em até 50% dos pacientes, mas esta pode recorrer tardiamente, especialmente se a intervenção for feita em idades mais avançadas. Os medicamentos de escolha tanto para o período pré-operatório, reduzindo a chance da hipertensão paradoxal pós-operatória, quanto para a hipertensão residual após a cirurgia são os betabloqueadores adrenérgicos e os inibidores da enzima conversora da angiotensina.

Os exames de imagem incluem: radiografia de tórax (configuração em forma do número 3 da aorta torácica proximal descendente devido às dilatações pré e pós-estenóticas; sinal de Roesler: corrosão das margens inferiores das costelas uni ou bilateralmente, da terceira até a sétima costela; presente em 50% dos casos) – Figura 2.12, ecocardiograma (protuberância posterior, istmo expandido, arco aórtico transverso e jato contínuo de alta velocidade no local da coarctação); angiografia por RNM (detalhes da coarctação e das intercostais). A RNM é o melhor método para avaliação e seguimento pós-intervenção e, em indivíduos jovens, dispensa a realização da angiografia no pré-operatório. Angiografia invasiva é indicada quando as imagens de outros métodos não conseguem visualizar a coarctação, e em indivíduos mais velhos que podem ter DAC. A definição de coarctação significante requer gradiente de pressão pré e pós-coarctação > 20 mmHg.

Os pacientes não submetidos à correção cirúrgica geralmente morrem por insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana, dissecção ou ruptura de aorta, valvopatia aórtica concomitante, endarterite ou endocardite infecciosa, ou hemorragia cerebral.

Hiperaldosteronismo primário (HAP) O HAP é uma condição clínica determinada por produção excessiva, inadequada e autônoma de aldosterona (Aldo), causada por hiperplasia bilateral das adrenais (70% dos casos) ou por adenoma unilateral produtor de Aldo (APA) e, mais raramente, por hiperplasia adrenal unilateral, carcinoma adrenal ou de origem genética (monogênicas ou quimera cromossômica). A prevalência do HAP em hipertensos é de 3-22%, sendo mais alta em hipertensos em estágio 3 e/ou resistentes. Suspeita de HAP ocorre quando HAS se associa à: hipocalemia espontânea ou induzida por diuréticos; incidentaloma de adrenal; HAR; história familiar de HAS ou de doenças cerebrovasculares antes dos 40 anos; síndrome metabólica. A prevalência de hipocalemia no HAP é 9-37%.

Figura 2.12  Radiografia típica de Coarctação de Aorta (a imagem radiológica acima foi feita durante a cineangiocardiografia com catéter arterial - seta grossa, atingindo a raiz da aorta e mostrando o ponto de coarctação - seta fina)

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Para dosagens laboratoriais não é necessário suspender anti-hipertensivos, exceto a espironolactona por 4-6 semanas. Atividade de renina plasmática (ARP) suprimida e Aldo > 15 ng/dl, com relação Aldo/ ARP > 30, indica diagnóstico de HAP. Testes confirmatórios são preconizados quando Aldo > 15 ng/dl e < 25 ng/dl e relação Aldo/ARP > 30 e < 100. Os testes da furosemida e do captopril têm maior precisão diagnóstica que o teste da sobrecarga salina. No teste da furosemida, o paciente deve permanecer deitado por, no mínimo, 30 minutos, administrar furosemida 40 mg IV e dosar renina após 2 horas de deambulação. O teste é considerado positivo se a APR for < 2 ng/ml/h. No teste do captopril, administram-se 50 mg de captopril oral após o paciente ter permanecido sentado ou em pé por pelo menos 1 hora. Deve-se dosar renina e Aldo

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Cardiologia | volume 1 nos tempos 0, 60 e 120 minutos. O teste é considerado positivo se não houver queda > 30% da Aldo sérica ou se ela permanecer > 12 ng/dl. No teste de sobrecarga salina, administram-se 2 litros IV de soro fisiológico 0,9% em 4 horas. A dosagem de Aldo será ≥ 5 ng/dl. Para detecção de APA ou hiperplasia, é indicada TC de adrenais com cortes finos ou RNM. O cateterismo de veias adrenais é indicado quando, à TC, as adrenais são normais, têm anormalidades bilaterais (espessamento ou micronódulos) ou lesão unilateral em pacientes > 40 anos. O teste de supressão com dexametasona é indicado para investigar HAP supressível por glicocorticoide em pacientes com HAP e início de HAS antes dos 40 anos. A cirurgia por laparoscopia e indicada no APA, sendo o tratamento prévio com espironolactona até 3-4 semanas preferido. Para tratamento clínico da hiperplasia, recomenda-se espironolactona, 50 a 300 mg/dia, desde que bem tolerada. Cura da HAS com a cirurgia é observada em 35-60% dos pacientes.

Feocromocitomas (FEO) São tumores de células cromafins do eixo simpático-adreno-medular produtores de catecolaminas. De 10% a 15% sao extradrenais (paragangliomas), 10% são bilaterais e 10% são malignos. Formas familiares apresentam traço autossômico dominante ou são parte de síndromes com mutações genéticas reconhecidas. Presença de HAS persistente ou paroxística (50%), paroxismos de cefaleia, sudorese profusa e palpitações (tríade clássica) são indicativos da doença, tendo a concomitância da tríade clássica com crise hipertensiva sensibilidade de 89% e especificidade de 67% para o diagnóstico. O diagnóstico laboratorial é baseado em dosagens de catecolaminas e seus metabólitos no sangue e na urina. Metanefrina plasmática livre tem a maior sensibilidade e especificidade, mas devido ao seu maior custo, indica-se metanefrina urinária isolada ou associada às catecolaminas plasmáticas em casos de alta probabilidade. Dosagem de ácido vanilmandélico urinário tem boa especificidade, mas a menor sensibilidade entre os métodos, só sendo indicada na impossibilidade dos demais exames. Na dúvida diagnostica, teste de supressão com clonidina é indicado em hipertensos, e o estimulo com glucagon, em normotensos. Os métodos de imagem para localização são TC e RNM, com sensibilidade de 89% e 98% respectivamente, para tumores adrenais. A RNM é superior na identificação de paragangliomas. Mapeamento de corpo inteiro com MIBG e útil em FEO extradrenais, bilaterais, metástases e recidivas. Octreoscan, mapeamento ósseo e TC por emissão de pósitrons podem ser indicados quando os exames de localização citados são negativos ou na investigação de malignidade.

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O tratamento preferencial é cirúrgico, devendo-se fazer preparo pré-operatório com alfa1-bloqueadores (doxazosin ou prazosin) e hidratação adequada por pelo menos 2 semanas antes da cirurgia. Tratamento medicamentoso crônico inclui alfa1-bloqueadores, BB (apenas após início de alfa1-bloqueadores, quando taquicardia sintomática), BCC, IECA e agonistas de ação central. A crise hipertensiva paroxística do FEO e encefalopatia hipertensiva devem ser tratadas com nitroprussiato de sódio ou fentolamina injetável e reposição volêmica, se necessária.

Distúrbios da tireoide A HAS ocorre em 20% dos pacientes com hipotireoidismo. O diagnóstico é feito por níveis elevados de TSH e diminuição gradativa de T4 livre. Os achados clínicos mais comuns são ganho de peso, queda de cabelo e fraqueza muscular. O tratamento é iniciado com reposição de hormônio tireoidiano e, caso persista a HAS, indicam-se anti-hipertensivos (GR: II; NE: C). A HAS é um achado frequente no hipertireoidismo e a apresentação clinica mimetiza o quadro hiperadrenérgico. Os principais sintomas são palpitação, tremor, fadiga, intolerância ao calor, hiperatividade, perda de peso e labilidade emocional. Os sinais mais importantes são exoftalmia, hipertermia, reflexos exaltados e pele úmida. O diagnóstico é confirmado por nível baixo de TSH e elevado de T4 livre. O tratamento é em geral acompanhado por normalização da PA. O BB é a primeira escolha para controlar os sintomas adrenérgicos (GR: IIb; NE: C).

Síndrome de Cushing (SC) Causada por um excesso de cortisol associado à deficiência do mecanismo de controle do eixo adrenal-hipotálamo-hipofisário e do ritmo circadiano de secreção do cortisol. Pode surgir por tumores adrenais com produção autônoma de cortisol (adenoma benigno ou maligno), hiperplasia adrenal, produção excessiva de adrenocorticotropina (ACTH) ou tumor ectópico. A prevalência de HAS na SC é de 80% em adultos e 47% em crianças. Os principais sinais e sintomas são diminuição de libido, obesidade central, fácies em lua cheia, estrias, fraqueza muscular e hirsutismo. Os testes confirmatórios são: cortisol livre em urina de 24 horas; cortisol salivar no período noturno; teste de supressão com dexametasona; teste da dexametasona com hormônio liberador de corticotropina; e dosagem de ACTH. A RNM da hipófise demonstra adenoma em 35% a 60% dos pacientes.58 Pode haver cura da HAS com a remoção cirúrgica do tumor, mas 30% dos pacientes mantem HAS e 25%, HAD. Há correlação entre a duração da HAS antes da cirurgia e a persistência no pós-operatório. Tiazídicos e furosemida devem ser evitados, pois podem piorar a hipocalemia. São recomendados IECA ou BRA.

SJT Residência Médica


2 Hipertensão arterial sistêmica

Drogas indutoras de HAS Algumas substâncias químicas, agentes medicamentosos ou drogas ilícitas podem desencadear hipertensão arterial em pessoas predispostas ou agravar quadros hipertensivos preexistentes, determinando crise hipertensiva ou hipertensão grave, acelerada ou maligna. Entre as substâncias mais comuns, destacamos anticoncepcionais orais, anti-inflamatórios não hormonais, anoréticos, antidepressivos, psicotrópicos, imunossupressores e drogas ilícitas. Fármacos e agentes que podem induzir hipertensão arterial Classes

Efeito pressor

Imunossupressores Ciclosporina, tacrolimus

Intenso

Anti-inflamatórios Glicocorticoide Não esteroides (Inibidores da ciclo-oxigenase 1 e 2)

Ação sugerida

Inibidor da ECA e antagonista do canal de cálcio (nifedpino/anlodipino). Ajustar nível sérico. Reavaliar opções

Variável e frequente Eventual, muito relevante com o uso contínuo

Restrição salina, diuréticos, diminuir dose Observar função renal, uso por período curto

Anorexígenos/sacietógenos Anfepramona Sibutramina Vasoconstritores, incluindo derivados do Ergot

Intenso Moderado Variável, transitório

Suspensão/redução da dose Avaliar redução PA com perda de peso Usar por período curto determinado

Hormônios Eritropoetina Anticoncepcionais orais Terapia de reposição estrogênica

Variável Variável Variável

Avaliar hematócrito e dose Avaliar a substituição do método Avaliar riscos e custo/benefício

Antidepressivos Inibidores da monoamíno-oxidase Tricíclicos

Intenso, infrequente Variável e frequente

Abordar como crise adrenérgica Avaliar mudança para antidepressivo serotoninérgico

Drogas ilícitas e álcool Anfetaminas, cocaína e derivados Álcool

Efeito agudo/intenso Variável

Abordar como crise adrenérgica Tratamento não farmacológico

Tabela 2.29

SJT Residência Médica

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CAPÍTULO

6

Síndromes coronarianas agudas

Introdução O infarto agudo do miocárdio (IAM) é primeira causa de mortes no País, de acordo com a base de dados do DATASUS, que registra cerca de 100 mil óbitos anuais devidos à doença. Nos Estados Unidos a angina instável (AI) á a causa cardiovascular mais comum de internação hospitalar, sendo também a responsável pela maioria das internações em unidades coronarianas. Durante a evolução, uma parte destes pacientes desenvolve elevações nos marcadores bioquímicos de dano miocárdico, configurando o quadro de infarto agudo do miocárdio em supradesnível do segmento ST (IAMSSST). Estas duas entidades (AI e IAM), quando em conjunto, compõem as síndromes isquêmicas miocárdicas instáveis sem supra desnível do segmento ST. Por outro lado, em formas mais graves de síndromes coronarianas agudas (SCA), observa-se supradesnível do segmento ST, o que também é acompanhado por elevação dos marcadores de necrose miocárdica, configurando o IAM com supradesnível do segmento ST (IAMCSST). A maioria das mortes por IAM ocorre nas primeiras horas de manifestação da doença, sendo 40 a 65% na primeira hora e, aproximadamente, 80% nas primeiras 24 horas. Dessa forma, a maior

parte das mortes por IAM acontece fora do ambiente hospitalar e, geralmente, e desassistida pelos médicos. Esse foi o motivo para, a partir da década de 1960, ter havido maior interesse no atendimento pré-hospitalar do IAM. Com os avanços no tratamento da SCA, a mortalidade no IAM nos estudos observacionais caiu de 30% na década de 1950 para menos de 5% nos registros mais recentes em países desenvolvidos devido as terapias de reperfusão e novos medicamentos. O tratamento da doença coronária inicia-se com a prevenção de comorbidades e fatores de risco, incluindo dislipidemias, hipertensão arterial, diabetes mellitus e outros. Nos casos em que há evolução para as formas instáveis (ver figura 6.1), devemos seguir a abordagem descrita neste capítulo. Do ponto de vista terapêutico e prognóstico, é essencial a identificação dos quadros de SCA com supradesnivelamento do segmento ST, em que a abertura da artéria, quer seja com terapia fibrinolítica, quer seja com angioplastia primária, é o tratamento de escolha e deve ser realizado o mais precocemente possível, diferentemente dos quadros sem supradesnivelamento do segmento ST, em que essas medidas não estão indicadas inicialmente.


6 Síndromes coronarianas agudas

Admissão

Dor Torácica

Diagnóstico definitivo ou provável

Síndrome Coronariana Aguda (SCA)

Elevação persistente do segmento ST

ECG Eletrocardiograma Marcadores de Necrose Miocárdica (MNM)

IAMCSST (IAM com supradesnivelamento do segmento ST)

Diagnóstico

Alteração do segmento ST/T

ECG normal ou não diagnóstico

Troponina alterada

Troponina normal

IAMSSST (IAM sem supradesnivelamento Angina instável do segmento ST)

Figura 6.1 O espectro da Síndrome Coronariana Aguda. Fonte: European Society of Cardiology Guidelines for the Management of Acute Coronary Syndromes – 2011.

Em 2012, as sociedades de cardiologia publicaram a 3ª definição universal de infarto do miocárdio, aceita pela Organização Mundial de Saúde:

Critérios para Infarto Agudo do Miocárdio - 2012 O termo IAM deve ser usado quando há evidência de necrose miocárdica em um contexto clínico de isquemia miocárdica aguda. Sob essas condições, qualquer dos critérios abaixo satisfaz o diagnóstico de IAM: Detecção de um aumento e/ou uma queda dos valores de biomarcadores cardíacos (preferencialmente troponina cardíaca – cTn) com pelo menos um valor acima do percentil 99 do limite máximo de referência e pelo menos um dos seguintes: Sintomas de isquemia Alterações significativas novas ou presumivelmente novas de onda T/segmento ST ou novo bloqueio de ramo esquerdo (BRE) Aparecimento de ondas Q patológicas Evidência, em exame de imagem, de perda de miocárdio viável ou nova alteração segmentar de contratilidade ventricular Identificação de trombo intracoronário por angiografia ou autópsia Parada cardíaca com sintomas sugestivos de isquemia miocárdica e alterações isquêmicas presumivelmente novas no ECG ou novo BRE novo, mas em que a morte ocorreu antes da coleta de biomarcadores ou antes da elevação dos mesmos Critérios para Infarto do Miocárdio Prévio Qualquer um dos seguintes critérios abaixo: Desenvolvimento de novas ondas Q patológicas com ou sem sintomas na ausência de causas não isquêmicas. Evidência, em exames de imagem, de uma região de perda miocárdio viável que é fino e não se contrai, na ausência de uma causa não isquêmica. Achados patológicos de IAM prévio. Tabela 6.1

O IAM pode ainda ser classificado de acordo com a tabela seguinte, que contempla as situações contemporâneas relacionadas ao desenvolvimento da síndrome: Classificação

Descrição

IAM tipo 1

IAM primário ou espontâneo, relacionado à isquemia devido a evento coronário, como ruptura, fissura ou dissecção de placa aterosclerótica coronária

IAM tipo 2

IAM secundário a desequilíbrio isquêmico (inadequação de oferta/demanda de oxigênio pelo miocárdio), decorrente de espasmo coronário, anemia, taquiarritmias, hipotensão e hipertensão

IAM tipo 3

Morte cardíaca súbita, sem coleta de biomarcadores. Diagnóstico obtido em necrópsia

IAM tipo 4a

IAM relacionado à intervenção coronariana percutânea

IAM tipo 4b

Infarto do miocárdio relacionado à trombose de stent

IAM tipo 5

Infarto do miocárdio relacionado à cirurgia de revascularização miocárdica Tabela 6.2

SJT Residência Médica

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Cardiologia | volume 1

Fisiopatologia Atualmente, está bem estabelecido que a ruptura/erosão da placa aterosclerótica, levando à diversos graus de trombose e microembolização distal, levando à súbita e crítica redução na perfusão miocárdica é o evento causal comum das SCA em suas diversas formas de apresentação (ver capítulo de disfunção endotelial e aterosclerose). Os outros mecanismos responsáveis ou associados ao quadro estão resumidos na tabela a seguir: Instabilidade e ruptura da placa aterosclerótica Espasmo coronário

Mecanismos de isquemia miocárdica Diminuição da luz da artéria por formação de trombo oclusivo (IAMCSST) ou não oclusivo (AI/IAMSSST) sobre uma placa aterosclerótica préexistente Disfunção endotelial e hipercontratilidade da musculatura lisa coronária.

Causa mais comum e mais importante Causa da angina de Prinzmetal

Progressão do estreitamento da placa

Crescimento progressivo da placa

Comumente, leva à angina estável. Pode levar à angina pós-angioplastia (reestenose)

Desequilíbrio da oferta e consumo de O2

Aumento de consumo: taquicardia, hipertensão, febre, hipertireoidismo. Diminuição da oferta: anemia, hipotensão, hipóxia

Pode contribuir em qualquer um dos mecanismos acima

Tabela 6.3 Mecanismos de isquemia miocárdica.

A ruptura da placa tem causa multifatorial, com destaque para a inflamação, a anatomia do vaso, a velocidade do fluxo e a sua turbulência. A inflamação já foi comprovada pela detecção de marcadores inflamatórios alterados em dosagens séricas. Após a ruptura, há deposição de plaquetas na superfície da placa, ativação e agregação plaquetária, levando ao recrutamento progressivo e formação de um trombo plaquetário, também chamado de “trombo branco”. Este trombo normalmente causa apenas obstrução parcial da luz da artéria. Como é pouco coeso, é comum que esse trombo cause microembolizações distais, levando a um pequeno dano celular, podendo causar elevação de MNM, como as troponinas. Esse é o mecanismo responsável pelo desenvolvimento dos quadros de AI e dos IAMSSST. Também é esse mecanismo fisiopatológico que justifica a indicação terapêutica de antiagregantes plaquetários (AAS, clopidogrel e inibidores da glicoproteína IIb/IIIa) (Figura 6.2).

Ruptura de placa Lesão do vaso sanguíneo

Via do coágulo branco

Via do coágulo vermelho

Fator tecidual / complexo VIIa

Fator von Willebrand e colágeno

Adesão de plaquetas

ADP

ADP - inibidor da via

LMWH

TXA2

Aspirina

Heparina

Ativação de plaqueta e ligamento do fibrinogênio

Antagonista de GP IIb/IIIa

Trombina (IIa)

Agregação de plaqueta

Xa

Fibrinogênio

Fibrina

Fibrinolítico

Coágulo sanguíneo

Figura 6.2 Resumo da alteração de coagulação que leva a formação das SCA. À direita, demonstra-se a cascata da for-

mação do “trombo branco” e à esquerda, a cascata de formação do “trombo vermelho”. Em amarelo estão destacadas as principais medicações utilizadas e seus mecanismos de ação. LMWH = heparina de baixo peso molecular.

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6 Síndromes coronarianas agudas Se esse processo não for interrompido, há ativação da cascata de coagulação, levando à formação de trombos organizados, ricos em fibrina e trombina, capazes de levarem à obstrução completa da luz arterial. Nesses casos, a manifestação clínica será um IAMCSST, sendo necessária recanalização imediata da luz arterial através do uso dos trombolíticos ou da reperfusão mecânica (Intervenção Coronariana Percutânea - ICP).

Infarto subendocárdico Endocárdico Infarto transmural Epicárdio Infarto intramural Infarto subepicárdico

Figura 6.3 Localizações possíveis de infartos na parede ventricular.

Figura 6.4 Infarto agudo do miocárdio, predominante

do ventrículo esquerdo póstero-lateral, demonstrado histoquimicamente por uma ausência de coloração pelo cloreto de trifeniltetrazolium (TTC) nas áreas de necrose. O defeito de coloração deve-se ao extravazamento de enzimas que se segue à morte celular. A hemorragia miocárdica em uma das bordas do infarto foi associada à ruptura cardíaca e a cicatriz anterior.

O tamanho da área de miocárdio infartado e sua distribuição na parede ventricular varia de acordo com a artéria acometida e o grau de obstrução. No IAMSSST, o trombo produz estreitamento grave das artérias coronárias, sem levar à oclusão total, causando infarto subendocárdico, ao passo que o

SJT Residência Médica

IAMCSST se associa à obstrução completa da luz arterial e infarto transmural. Do ponto de vista anatomopatológico, a necrosa miocárdica se caracteriza por necrose de coagulação.

Diagnóstico Quadro clínico A dor torácica é a apresentação clínica mais comum da SCA, ocorrendo em aproximadamente 80% dos casos, possuindo características semelhantes à da angina estável, sendo, no entanto, os episódios mais intensos e prolongados, muitas vezes ocorrendo em repouso. Vem geralmente acompanhada de sudorese, náuseas, vômitos ou dispneia. Há casos de apresentação atípica, com queixas como mal-estar, indigestão, dor epigástrica, sudorese; ao mesmo tempo, pode haver ausência do desconforto torácico em cerca de 20% dos pacientes. Os pacientes com maior probabilidade de desenvolver uma SCA de apresentação atípica são os idosos (>75 anos), mulheres, diabéticos, portadores de IRC e pacientes demenciados. Até 10% dos pacientes com IAM são liberados sem diagnóstico da unidade de emergência. Entre os pacientes que apresentam angina pectoris, há três apresentações principais que sugerem o surgimento de uma SCA:

ngina de repouso com geralmente mais de A 20 minutos de duração;

Angina de início recente que limita a atividade;

ngina em crescendo (maior frequência, A maior duração ou que vem ocorrendo com menor esforço em comparação a eventos anginosos prévios).

A AI costuma apresentar-se como dor precordial, em repouso ou desencadeada por esforços leves, com duração maior que 20 minutos, como angina rapidamente progressiva ou como angina grave de início recente (< 2 meses) (Tabela 6.4). A angina pós-infarto, a angina variante e o IAMSSST também fazem parte do espectro clínico da AI. O espectro clínico da SCASSST pode variar de pacientes assintomáticos a pacientes apresentando isquemia contínua, instabilidade elétrica ou hemodinâmica ou mesmo parada cardíaca. A correlação patológica no nível do miocárdio envolve a necrose de cardiomiócitos (IAMSSST) ou, menos frequentemente, isquemia miocárdica sem perda de células (AI). Uma pequena proporção de pacientes pode apresentar isquemia miocárdica, caracterizada por um ou mais dos seguintes achados: dor torácica recorrente ou em curso, depressão importante do segmento ST ao ECG, insuficiência cardíaca e instabilidade hemodinâmica ou elétrica. Por outro lado, o quadro clínico do IAMCSST costuma apresentar dor precordial prolongada (> 30 minutos), em aperto, irradiada para membro superior esquerdo, dorso ou mandíbula, associada com náuseas, vômitos e sudorese fria. Como parte do quadro

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Cardiologia | volume 1 clínico, deve-se sempre palpar os pulsos de membros superiores e inferiores bilateralmente e investigar presença de sopro de insuficiência aórtica para descartar a possibilidade de dissecção aguda de aorta. A recorrência de angina após cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) ou intervenção coronariana percutânea (ICP) pode significar o desenvolvimento de complicações agudas, novas lesões, trombose tardia do stent ou reestenose. Dor torácica até 48 horas após intervenção percutânea e indicativa de obstrução aguda, espasmo coronariano transitório, trombo não oclusivo, oclusão de ramo ou embolização distal. A dor torácica recorrente até seis meses depois do procedimento está mais provavelmente relacionada com reestenose; por outro lado, o aparecimento de angina após este período geralmente se associa a nova lesão coronariana. No caso da CRM, o aparecimento precoce de dor geralmente se associa à obstrução trombótica do enxerto; do primeiro mês até o primeiro ano pôs-CRM, o mecanismo geralmente é o de hiperplasia fibrosa da intima. Após este período, é indicativo de nova lesão aterosclerótica e/ou degeneração não trombótica do enxerto. No paciente estável, o exame físico é frequentemente normal. O desconforto torácico está ausente em cerca de 20% dos pacientes que apresentam um infarto. A avaliação inicial do paciente consiste em um exame físico geral com medida da pressão arterial (PA) e da FC. A identificação de um sopro carotídeo uni ou bilateral, diminuição de pulsos periféricos, xantelasma ou xantomas e aneurisma de aorta abdominal reforçam o diagnóstico de doença aterosclerótica coronariana. Por outro lado, a presença de atrito pericárdico sugere pericardite aguda, atrito pleural sugere embolia com infarto pulmonar, diminuição de murmúrio vesicular sugere pneumotórax, assimetria de pulsos e/ou insuficiência aórtica sugerem dissecção de aorta, clicks ou sopros mesotelessistólicos mitral sugerem prolapso de válvula mitral, sopro sistólico ejetivo paraesternal sugere miocardiopatia hipertrófica e onda A gigante e segunda bulha hiperfonética sugerem hipertensão arterial pulmonar. Como regra, a avaliação isolada do exame físico normal ou com discretas alterações é insuficiente para a estratificação de risco, porque mesmo pacientes com lesões multiarteriais ou de tronco de coronária esquerda podem apresentar exame físico normal. No entanto, quando presentes, as alterações no exame físico podem ter implicações importantes na categorização do paciente como de alto risco. Entre estes marcadores de mau prognostico destacam-se: 1. A presença de sopro mitral, holossistólico ou não, transitório ou não, com ou sem irradiação, com primeira bulha normo ou hipofonética. A constatação de sopro durante os episódios dolorosos ou a intensificação de sopro pré-existente reforça sobremaneira o diagnóstico de isquemia ou mesmo rotura de músculo papilar.

40

2. A presença de taquicardia (FC > 100 bpm), taquipneia, hipotensão, sudorese, pulsos finos, terceira bulha e estertores pulmonares durante os episódios dolorosos indica grande comprometimento miocárdico, levando à falência cardíaca, e também seleciona uma população de alto risco. Os pacientes com maior probabilidade de desenvolver uma SCA de apresentação atípica são os idosos (>75 anos), mulheres, diabéticos, IRC e pacientes demenciados. Até 10% dos pacientes com IAM são liberados sem diagnóstico da unidade de emergência. Em pacientes sintomáticos, algumas características aumentam a probabilidade de SCA, são eles: idosos, sexo masculino, história familiar positiva (homem com IAM < 55 anos e mulheres com IAM < 65 anos), doença aterosclerótica cardíaca (ICP prévia, cirurgia de revascularização miocárdica prévia, IAM prévio) ou extracardíaca (doença carotídea ou arterial periférica), diabete, insuficiência renal crônica (IRC). O relato de exacerbação dos sintomas após realizações de esforço físico aumenta a probabilidade de isquemia miocárdica. Baseado nesses fatores de risco, na característica da dor torácica e do ECG pode-se estabelecer um algoritmo de Probabilidade de SCA já detalhado no capítulo 1 (tópico: Dor Torácica). Os pacientes com alta probabilidade de SCA e os com intermediária probabilidade cuja observação durante protocolo de Dor torácica sugere SCA devem ser estratificados quanto ao risco de evolução desfavorável para tratamento específico. Classificação de Braunwald para angina instável 1) Gravidade dos sintomas Classe I - Angina de início recente (menos de 2 meses), freqüente ou de grande intensidade (3 ou mais vezes ao dia), acelerada (evolutivamente mais freqüente ou desencadeada por esforços progressivamente menores). Classe II - Angina de repouso subaguda (1 ou mais episódios em repouso nos últimos 30 dias, o último episódio ocorrido há mais de 48h). Classe III - Angina de repouso aguda (um ou mais episódios em repouso nas últimas 48h). 2) Circunstâncias das manifestações clínicas Classe A - Angina instável secundária (anemia, febre, hipotensão, hipertensão não controlada, emoções não rotineiras, estenose aórtica, arritmias, tireotoxicoses, hipoxemia, etc). Classe B - Angina instável primária. Classe C - Angina pós- infarto do miocárdio (mais de 24h e menos de 2 semanas). 3) Intensidade do tratamento Classe 1 - Sem tratamento ou com tratamento mínimo. Classe 2 - Terapia antianginosa usual. Classe 3 - Terapia máxima. Tabela 6.4   Classificação de Braunwald para angina

instável

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

A

E

B

C

F

G

D

H

Figura 6.5 Sítios comuns da dor anginosa. A: parte superior do tórax; B: atrás do esterno, irradiando para o pes-

coço e mandíbula; C: atrás do esterno, irradiando para o braço esquerdo; D: epigástrica; E: epigástrica, irradiando para o pescoço, mandíbula e braços; F: pescoço e mandíbula; G: braço esquerdo; H: interescapular.

Diagnóstico diferencial Inúmeras doenças podem causar dor precordial, incluindo as esofágicas, pulmonares, de aorta, da parede torácica, entre outras. Em particular, tromboembolismo pulmonar e dissecção aguda de aorta devem sempre ser lembrados, pois são emergências clínicas com alto risco de morte, que exigem tratamento específico.

Dor Torácica Cardíaca Isquêmica Angina estável

Angina instável

Não cardíaca

Não isquêmica Infarto agudo do miocárdio

Gastroesofagiana

Refluxo gastroesofagiano

Pericardite

Espasmo esofagiano

Não gastroesofagiana Úlcera péptica

Valvular Dissecção aguda da aorta

Pneumotórax

Embolia pulmonar

Musculoesquelética

Psicoemocional

Figura 6.6 Dor torácica: diagnóstico diferencial

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Cardiologia | volume 1

Diagnóstico Marcadores de necrose miocárdica (MNM) CPK e CK-MB A CPK é uma enzima muscular. Sua elevação sérica indica lesão muscular, porém não é específica para lesão miocárdica. Pode apresentar resultados incorretos devido a doenças que diminuam o clearance de proteínas, por liberação para outros tecidos musculares e por uso de certas medicações. A CPK tem três isoenzimas diferentes, a forma MM, predominante nos músculos estriados, a forma βB, predominante no cérebro, e a forma MB, mais específica do músculo cardíaco. A forma MB representa até 30% da CPK miocárdica. A evolução da curva de CK-MB é a seguinte: começa a se elevar 4 horas após o início da dor, atinge seu pico em 18-24 horas e normaliza-se após 48-72 horas. Existem várias técnicas para a dosagem de CK-MB. As técnicas clássicas que dosam a atividade da CK-MB são menos específicas do que as dosagens mais recentes. As técnicas de dosagem de CK-MB mais recentes recebem o nome de CK-MB massa. São mais específicas, aumentam a sensibilidade e a especificidade do teste e costumam ter elevação mais precoce. Nestes casos não há necessidade de se calcular a relação da CK-MB com a CPK total. A CK-MB massa apresenta como principal limitação elevar-se após dano em outros tecidos não cardíacos (falsos positivos), especialmente após lesão em músculos liso e esquelético. Recomenda-se que a CK-MB seja dosada na admissão e após 6 a 9 horas do início dos sintomas. Para as CK-MB, o diagnóstico de IAM é dado quando pelo menos dois valores consecutivos estiverem acima dos valores normais, e ao menos um deles esteja pelo menos duas vezes acima do valor de referência. Para estes casos, há maior especificidade se calcularmos a relação entre a CK-MB e a CPK total da seguinte forma: CK-MB X 100/CPK. Quando < 4%, indica lesão muscular periférica. Quando 4-25%, indica IAM e, quando acima de 40%, indica presença de macroenzimas na circulação cardíaca. Nos casos em que a CK-MB está elevada e a troponina está normal, ambas dentro de sua janela cinética, deve-se basear a decisão clinica no resultado da troponina (hoje, considerada o marcador padrão-ouro de necrose miocárdica).

Mioglobina É uma proteína transportadora de oxigênio, presente nos músculos estriados esquelético e cardíaco. Eleva-se após duas a quatro horas do início dos sin-

42

tomas e atinge seu pico em 6 a 9 horas, retornando ao normal após 12 a 24 horas. Tem um bom valor preditivo negativo no IAM, que é acima de 83%. Sua dosagem, quando normal, auxilia em afastar o diagnóstico de lesão miocárdica bastante recente.

Troponinas As troponinas são um complexo de polipeptídios que participam na regulação do cálcio. Existem três formas de troponinas: C, I e T. Possuem maior sensibilidade e especificidade como marcadores de necrose miocárdica (MNM) do que a CPK, CK-MB e mioglobina. São utilizadas na prática clínica apenas as formas T e I, as quais são específicas para a musculatura cardíaca. A troponina I eleva-se 4 horas após sintomas, tem seu pico em até 48 horas e retorna ao normal em 5 a 7 dias. A forma T tem início e pico semelhantes, mas permanece elevada por 12 a 14 dias. A troponina C é coexpressa nas fibras musculares esqueléticas de contração lenta e não é considerada um marcador especifico cardíaco. Quando utilizadas após 8 a 12 horas do início da dor, elas têm grande sensibilidade para IAM, tendo se tornado, recentemente, o exame padrão no seu diagnóstico. Em geral, alterações acima do valor de referência é considerada infarto, no entanto, outras patologias podem mais raramente causar elevação de troponina (ver Tabela 6.6). Há alguns anos, estão disponíveis exames de troponina cardíaca de alta sensibilidade, que possuem as seguintes características em relação ao exame convencional de troponina: Sobem rapidamente (em torno de uma hora) após início do IAM; Possuem maior valor preditivo negativo para o diagnóstico de IAM; Resultam no aumento absoluto de 4% e relativo de 20% no diagnóstico do IAM tipo 1; Estão associadas com aumento de duas vezes na detecção do IAM tipo 2; Devem ser interpretadas de modo quantitativo (quanto mais altos forem os níveis de troponina ultrassensível, maior será a probabilidade de IAM); Elevações acima de 5x o limite superior da normalidade tem um valor preditivo positivo > 90% para o diagnóstico de IAM tipo I; Podem ser detectadas em níveis baixos em indivíduos saudáveis. Quando as troponinas não estão disponíveis, a CK-MB massa é a forma preferida. Quando também não estiver disponível, a CK-MB atividade será a forma de escolha no diagnóstico de IAM. Além de úteis no diagnóstico, as troponinas também têm elevado poder prognóstico. Independente do quadro clínico, elas, quando elevadas, indicam risco aumentado de morte ou de novo infarto, tanto no primeiro mês quanto em até três anos. Atualmente, as troponinas são consideradas os marcadores séricos padrão-ouro para o diagnóstico de IAM.

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6 Síndromes coronarianas agudas

Resumo para diagnóstico de IAM sem supradesnível de conforme uso de MNM 1. Troponina T ou I: aumento acima do percentil 99 em pelo menos uma ocasião nas primeiras 24 horas de evolução; 2. Troponina ultrassensível: nível acima do limite superior da normalidade. Repetir com 3 horas. 2. Valor máximo de CK-MB, preferencialmente massa, maior do que o limite superior da normalidade em duas amostras sucessivas; valor máximo de CK-MB acima de duas vezes o limite máximo da normalidade em uma ocasião durante as primeiras horas após o evento. Na ausência de CK-MB ou troponina, CK total acima de duas vezes o limite superior pode ser utilizada, mas este biomarcador é consideravelmente menos satisfatório do que a CK-MB.

Marcadores de necrose miocárdica Início de elevação Mioglobina

Pico sérico

Tempo de normalização

1-4 h

6-9 h

24 h

CK-MB massa

4-12 h

18-24 h

48-72 h

Troponina T

3-12 h

12-48 h

5-14 dias

Troponina I

3-12 h

24 h

5-10 dias

Tabela 6.5  Atenção!

Condições não secundárias a IAM tipo I que cursam com elevação de troponina cardíaca Taquiarritmias

Insuficiência cardíaca

Emergências hipertensivas

Septicemia/Queimaduras/Choque

Miocardite

Cardiomiopatia de Tako-Tsubo

Doenças cardíacas estruturais (estenose aórtica)

Dissecção aórtica

Embolia pulmonar/hipertensão pulmonar

Disfunção renal e doença cardíaca associada

Espasmo coronariano

Evento neurológico agudo (AVC, HSA, etc)

Contusão cardíaca ou procedimentos cardíacos (cirurgia de revascularização miocárdica, intervenção coronariana percutânea, colocação de marcapasso, cardioversão, biopsia endomiocárdica) Hipo e hipertireoidismo

Doenças infiltrativas (amiloidose, sarcoidose, hemocromatose)

Uso de drogas cardiotóxicas (bleomicina, 5 –fluouracil, herceptina) e venenos

Esforços físicos supramáximos/Rabdomiólise

Tabela 6.6 European Society of Cardiology – Guidelines 2015.

Outros marcadores O uso de aspartato aminotransferase (TGO ou AST) e de desidrogenase láctica (DHL) no diagnóstico de IAM não é mais recomendado e deve ser abandonado. IAM Comportamento enzimático

7 Mioglobina 6

CK total

5 4

LDH

3

CK -MB

2 1

Troponina I 0

20

40

60

80

100

120

tempo pós-infarto

140

160 h

Figura 6.7 Evolução temporal dos marcadores de necrose miocárdica.

OBS.: Todos os marcadores aqui descritos têm valor limitado no diagnóstico inicial de IAMCSST, já que aguardar o resultado de enzimas para instituir a terapêutica adequada pode piorar o prognóstico nestes casos.

SJT Residência Médica

43


Cardiologia | volume 1

Eletrocardiograma (ECG) O ECG é o método diagnóstico mais importante e deve ser realizado preferencialmente em até 10 minutos da chegada na Unidade de Emergência (UE) na avaliação inicial das dores precordiais. O registro eletrocardiográfico não somente ajuda a estabelecer a relação entre sintoma clínico e diagnóstico das SCA, como também a prover informações relevantes para a melhor opção terapêutica e a estratificação prognóstica. O ECG é a pedra fundamental do diagnóstico das SCA e é baseado nele que as SCA são subdivididas em SCASSST e IAMCSST. Na SCASSST, o ECG inicial pode ser normal em até 1/3 dos pacientes. A sensibilidade do ECG aumenta, chegando a 80-95%, quando o mesmo é feito de forma seriada, em outras palavras, a cada 3-4 horas durante as primeiras 12 horas. Alterações agudas de ondas T, como ondas T apiculadas, ou inversões simétricas, ou infradesnível de segmento ST, alterações dinâmicas da onda T/segmento ST são características de doença isquêmica em evolução (SCASSST). Alterações dinâmicas com infradesnível do segmento ST acima de 0,5 mm são altamente correlacionadas com doença isquêmica e são marcadores de alto risco nas SCASSST, devendo merecer destaque na avaliação dos traçados de ECG. Se o ECG-12 derivações é inconclusivo, especialmente em casos em que o paciente apresenta sinais ou sintomas de isquemia miocárdica, o uso de derivações adicionais deve ser considerado. Por exemplo, oclusão da artéria circunflexa esquerda ou infarto de ventrículo direito (VD) podem ser identificados com o uso das derivações V7-V9 e V3R e V4R, respectivamente. A identificação de

Lesão subendocárdica infradesnível do segmentoST

um supradesnível persistente ou recorrente do segmento ST é compatível com o diagnóstico de IAMCSST, o que exige terapia de reperfusão imediata, quer seja com terapia fibrinolítica, quer seja com angioplastia primária. Sempre, se possível, recomenda-se a comparação do traçado do ECG realizado na emergência com ECGs anteriores do paciente, o que é bastante útil sobretudo em pacientes com alterações prévias ao ECG. Ondas Q patológicas (Tabela 6.7), ou alterações inespecíficas de onda T, podem estar presentes e têm significado indeterminado para definição diagnóstica. Em pacientes com bloqueio de ramo esquerdo ou com ritmo de marcapasso, o ECG não auxilia na identificação de SCASSST. Além das alterações isquêmicas já descritas, o ECG também serve como armamento diagnóstico para a documentação de arritmias, complicação comum e potencialmente grave das SCA. Praticamente todos os tipos de arritmia podem ocorrer, desde arritmias atriais, como a fibrilação atrial, até bloqueios de ramo, bloqueios atrioventriculares, extrassístoles ventriculares, taquicardia ventricular e até mesmo fibrilação ventricular. “O ECG INICIAL FAZ DIAGNÓSTICO DE SCA, MAS NÃO DESCARTA SCA”. Portanto, idealmente o ECG deve ser realizado na admissão (em até 10 min.), após 3, 6 e 9 horas e após 24 horas ou imediatamente em caso de mudança do quadro clínico ou recorrência de dor torácica. Critérios para considerar ondas Q patológicas: Duração igual ou maior que 0,04 s Amplitude igual ou maior que 1/4 do QRS Alterações em, pelo menos, 2 derivações vizinhas Tabela 6.7

Lesão transmural supradesnível do segmento ST

ECG ST

ECG

ST

Isquemia subendocárdica → ST infradesnivelado (ECG de esforço, angina instável e IAM não Q)

Isquemia transmural ou subepicárdica → ST supra (IAM com ondas Q)

Figura 6.8 Padrão de lesões subendocárdica e transmural.

44

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas Os quadros de IAMCSST são definidos pela presença de supradesnível do segmento ST, maior que 1 mm em, no mínimo, duas derivações periféricas contínuas ou 2 mm em, no mínimo, duas derivações precordiais contínuas, ou presença de bloqueio completo do ramo esquerdo (BRCE) novo ou presumivelmente novo (representa aproximadamente 7% dos pacientes com IAMCSST).

A

Fase hiperaguda

B

Fase aguda inicial

C

Onda T alta

D

Fase de evolução completa Segmento ST elevado

E

Fase aguda tardia

Onda T alta

Segmento ST elevado

Segmento ST elevado

Onda T invertida

Fase cicatricial

Onda T invertida Onda Q

Onda Q

Figura 6.9 O padrão evolutivo do supradesnivelamento do segmento ST no infarto do miocárdio no ECG. Onda T hiperaguda (altas e pontiagudas) nos primeiros instantes. Supradesnivelamento ST – Corrente de Lesão – Após 30 minutos. Ondas Q de necrose - Após 6 horas. Inversão de Onda T - Após 24 horas.

Abaixo, encontra-se a classificação topográfica das lesões isquêmicas: - Parede Anterior: Septal ou ântero-septal: V1, V2, V3; Anterior: V1 a V4; Ântero-Lateral: V4, V5, V6, DI e aVL; Lateral alta: DI e aVL, ocasionalmente V2 e V3; Anterior extenso: V1 a V6.

- Parede Inferior (sempre realizar V7/V8/ V3R/V4R)

Inferior propriamente dito: DII, DIII, aVF (nos casos em que há supradesnivelamento de parede inferior, é necessária a realização das derivações V3R e V4R para diagnóstico de IAM de ventrículo direito e de V7 e V8 para diagnóstico de IAM de parede posterior. Ínfero-lateral: DII, DII, aVF, V5 e V6; Ínfero-látero-dorsal: DI, DII, DIII, aVL, aVF, V5, V6, V7 e V8 (ou infradesnível de ST em V1 e V2); Ínfero-ântero-septal: DII, DIII, aVF, V1 e V2; Ventrículo Direito: V3R e V4R.

- Parede Dorsal (aumento de R em V1 e V2): Dorsal propriamente dito: V7 e V8. Ínfero-dorsal: DII, DIII, aVF, V7 e V8 (ou infradesnível ST em V1 e V2). Látero-dorsal: DI, aVL, V5, V6, V7 e V8. O ECG também auxilia da identificação da artéria culpada no IAM:

- IAM inferior, lateral ou dorsal

Supradesnível de ST em DIII > DII é indicativo de oclusão de Artéria Coronária Direita (ACD); Infradesnível de ST em aVL indica oclusão de ACD;

- IAM anterior (supradesnível de V1 a V4)

SJT Residência Médica

Supradesnível de ST na parede inferior sem infradesnível em aVL sugere oclusão proximal de Artéria Circunflexa (ACX); Razão infradesnível de ST em V3/supradesnível de ST em DIII = 1,2 indica oclusão de ACX; se < 0,5 sugere oclusão proximal da ACD. Entre 0,5 e 1,2 sugere oclusão do terço médio de ACD; Ausência de infradesnível de ST em V1 e V2 exclui acometimento da ACX; Supradesnível de ST de V7-V9 associado a infra em V4R indica oclusão de ACX; Supradesnível de ST em V7 a V9 tem maior especificidade para o diagnóstico de IAM dorsal.

Supradesnível de ST em aVL e infra em DII, DIII e aVF simultâneos ao IAM anterior reforça a relação com obstrução da Artéria Descendente Anterior (ADA) proximal; Supradesnível de ST em aVR, desaparecimento de Q nas derivações laterais, infra ST em V5 e bloqueio de ramo direito (BRD) indicam oclusão da ADA ao nível da primeira septal; Onda Q em V4 -V6 com aumento de R indicam lesão distal de ADA; Em 7% dos casos, o supradesnível de ST de V1 a V4 pode representar oclusão de ACD; Supradesnível de ST de V1 a V6, DI e aVL indicam oclusão de ADA ao nível da primeira diagonal; Supradesnível de ST em aVL, V2, com infra em DIII, aVF ou V4 orientam para oclusão da primeira diagonal; Supradesnível de ST em DI e aVL, com infradesnível em V2 indica oclusão da primeira artéria marginal.

45


Cardiologia | volume 1 Além de servir para o diagnóstico de IAMCSST, a presença do supradesnível caracteriza a parede envolvida no IAM, a possível artéria obstruída, a área de miocárdio acometida e ajuda a prever as possíveis complicações arrítmicas associadas, conforme tabela abaixo:

Correlação do ECG com a anatomia coronária Derivação com supra-ST

Artéria culpada

Área de miocárdio acometida

Complicações associadas

V1-V2

DA, ramo septal

Septo, feixe de HIS

Bloqueio infranodal e bloqueios de ramo

V3-V4

DA, ramo diagonal

Parede anterior

Disfunção de VE, bloqueios de ramo, BAVT

V5-V6, DI, aVL

Cx

Parede lateral alta

Disfunção de VE, raramente BAVT

II, III, aVF

CD, ramo DP

Parede inferior e parede posterior

Hipotensão, sensibilidade a nitratos e morfina

V4R, (II, III, aVF)

CD ramo proximal

VD, parede inferior e posterior

Hipotensão, BAVs variáveis, FA, flutter atrial

V1-V4 (infraimportante)

Cx ou CD envolvendo DP

Parede posterior

Disfunção de VE

Tabela 6.8 Correlação entre a alteração eletrocardiográfica, a artéria culpada pelo infarto, a parede do ventrículo envolvida e as principais complicações associadas. DA: descendente anterior esquerda; CX: circunflexa; CD: coronária direita; DP: diagonal posterior.

As figuras de 6.7 a 6.22 ilustram as diversas apresentações de ECG que podem ocorrer nas SCA.

Aorta

Oclusão do tronco da coronária esquerda

Oclusão proximal da DA

Artéria septal Artéria circunflexa Artéria marginal

Artéria diagonal Oclusão média da DA

Artéria descendente anterior (DA)

Lateral I, aVL

Lateral V5, V6

I Lateral

aVR

V1 Septo

V4 Anterior

II Inferior

aVL Lateral

V2 Septo

V5 Lateral

III Inferior

aVF Inferior

V3 Anterior

V6 Lateral

Figura 6.11 Infarto da parede anterior. A obstrução da

Inferior II. III. aVF

Anterior V3, V4 Septal V1, V2

Figura 6.10 A superfície do coração em visão anterior.

46

porção média da artéria DA resulta em um infarto anterior. A obstrução proximal da DA pode-se tornar um infarto anterosseptal se o ramo septal estiver envolvido, ou um infarto anterolateral se o ramo marginal estiver envolvido. Se a obstrução ocorrer em uma porção proximal a ambos os ramos, septal e diagonal, um infarto anterior extenso (IM anterosseptolateral) irá ocorrer.

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Figura 6.12 IAM anterior extenso (supradesnível do segmento ST em V1-V6).

I

aVR

V1

V4

II

aVL

V2

V5

III

aVF

V3

V6

II

Figura 6.13 IAM ântero-lateral. Supradesnível do segmento ST em D1 e aVL e de V2 e V6.

Aorta

Artéria coronária direita dominante (CD)

Tronco da coronária esquerda Artéria septal Artéria circunflexa

a b

Artéria marginal obtusa

Ramo marginal ventricular direito

Artéria diagonal

Artéria descendente posterior

Artéria descendente anterior (DA)

Ramo posterolatelal da artéria circunflexa Figura 6.14 IAM da parede inferior. A anatomia coronária mostra uma CD dominante. Uma obstrução no ponto “A” resulta em um infarto de VD e inferior. Uma obstrução no ponto “B” origina somente um infarto da parede inferior.

SJT Residência Médica

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Cardiologia | volume 1

Aorta Tronco da coronária esquerda Artéria coronária direita não dominante (CD)

Artéria circunflexa dominante

b

Artéria marginal

a

Artéria diagonal

Ramo marginal ventricular direito

Artéria descendente anterior (DA)

Artéria descendente posterior I Lateral

aVR

V1 Septo

V4 Anterior

II Inferior

aVL Lateral

V2 Septo

V5 Lateral

III Inferior

aVF Inferior

V3 Anterior

V6 Lateral

Figura 6.15 IAM da parede inferior. A anatomia coronária mostra uma artéria circunflexa esquerda dominante. Uma

obstrução no ponto “A” resulta em um infarto inferior. Uma obstrução no ponto “B” pode resultar em um infarto de parede lateral e posterior.

I

aVR

V1

V4

II

aVL

V2

V5

III

aVF

V3

V6

II

Figura 6.16 IAM inferior e de ventrículo direito. Supradesnível do segmento ST em D2, D3 e aVF (parede inferior), infradesnível discreto de ST em V2 e V3 e supradesnível em V1. As alterações em V2 e V3 (imagens em espelho da parede posterior) indicam a extensão dorsal do infarto. O supradesnível em V1 sugere infarto do ventrículo direito, porque V1 corresponde a V2R. A elevação do segmento ST em D3 é maior do que em D2. Este ECG é característico de obstrução proximal da artéria coronária direita.

48

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Figura 6.17 Derivações especiais. O supradesnível do segmento ST em V4R comprova o IAM de ventrículo direito,

enquanto o supradesnível em V7 e V8 confirma a extensão para a parede dorsal. No infarto de parede inferior, o registro destas derivações permite avaliar melhor a sua extensão.

Aorta Tronco da artéria coronária esquerda Artéria circunflexa

Artéria coronária direita (ACD) a

Artéria marginal c

b

Artéria diagonal

Ramo marginal ventricular direito

Artéria descendente anterior esquerda (DA)

Artéria descendente posterior

I Lateral

aVR

V1 Septo

V4 Anterior

II Inferior

aVL Lateral

V2 Septo

V5 Lateral

III Inferior

aVF Inferior

V3 Anterior

V6 Lateral

Figura 6.18 IAM de parede lateral. A anatomia coronária mostra o seguinte: A: obstrução da artéria circunflexa; B: obstrução da porção proximal da artéria; C: obstrução da artéria diagonal.

SJT Residência Médica

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Cardiologia | volume 1

Figura 6.19 IAM de parede lateral. A derivação D1 mostra uma pequena onda Q, com supradesnível do segmento ST. Uma onda Q maior, com supradesnível do segmento ST, pode ser vista na derivação aVL. Este paciente teve um IAMCSST anterior quatro dias antes, com supradesnível do segmento ST e inversão da onda T nas derivações V2 a V6. Uma angiografia coronária na ocasião demonstrou uma obstrução da artéria DA distal a seu primeiro grande ramo septal. O supradesnível do segmento ST evoluiu e as ondas T em todas as derivações precordiais se tornaram positivas no dia anterior à obtenção desse traçado. O paciente então teve outro episódio de dor torácica associada ao aparecimento de sinais de IAM da parede lateral, como mostra esse traçado. Uma nova angiografia coronária demonstrou uma nova obstrução no ramo marginal da artéria circunflexa.

Aorta Tronco da artéria coronária esquerda

Artéria coronária direita (ACD)

Artéria circunflexa

Artéria descendente anterior (DA)

I Lateral

aVR

V1 Septo

V4 Anterior

II Inferior

aVL Lateral

V2 Septo

V5 Lateral

III Inferior

aVF Inferior

V3 Anterior

V6 Lateral

Figura 6.20 Infarto septal.

50

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Figura 6.21 IAM septal. Observa-se supradesnível do segmento ST máximo em V1 e V2, estendendo-se para V3,

em associação com um bloqueio de ramo direito.

Aorta

A

Artéria coronária esquerda Artéria circunflexa

Artéria descendente posterior

Artéria marginal Ramo descendente anterior esquerdo

Artéria coronária direita

Aorta Artéria coronária esquerda Artéria circunflexa Artéria marginal

B

Ramo descendente anterior esquerdo

Artéria descendente posterior

Artéria coronária direita

I Lateral

aVR

V1 Septo

V4 Anterior

V7 Posterior

II Inferior

aVL Lateral

V2 Septo

V5 Lateral

V8 Posterior

III Inferior

aVF Inferior

V3 Anterior

V6 Lateral

V9 Posterior

Figura 6.22 IAM posterior. A: a anatomia coronária mostra uma CD dominante. A obstrução da CD comumente

resulta em um infarto inferior e posterior; B: a anatomia coronária mostra uma artéria circunflexa dominante – a obstrução de um ramo marginal é a principal causa de infartos posteriores isolados.

SJT Residência Médica

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V2 Cardiologia | volume 1

aVF

III

V3

II

Figura 6.23 IAM inferior e posterior. Supradesnível acentuado do segmento ST em D2, D3 e aVF, acompanhado

de ondas Q nas referidas derivações. Infradesnível igualmente importante do segmento ST de V1 a V4 e ondas R aumentadas de V1 a V4. Trata-se de IAM comprometendo as paredes inferior e posterior, com tempo de evolução provavelmente maior que 6 horas, porque já há necrose evidente, e inferior há cerca de 24 horas porque ainda não houve inversão da onda T.

Aorta Artéria coronária esquerda principal

Artéria coronária esquerda

Artéria circunflexa

a b Ramo marginal ventricular direito

Artéria descendente anterior esquerda

Artéria descendente posterior Ramo posterolateral da artéria circunflexa

I Lateral

aVR

V1 Septo

V4 Anterior

V4R Vent. dir.

II Inferior

aVL Lateral

V2 Septo

V5 Lateral

V5R Vent. dir.

III Inferior

aVF Inferior

V3 Anterior

V6 Lateral

V6R Vent. dir.

Figura 6.24 IAM de ventrículo direito (VD). Em a, a obstrução da CD proximal ao ramo marginal ventricular direito

resulta em um infarto inferior e infarto de VD. Em b, a obstrução do ramo marginal ventricular direito resulta em um infarto de VD isolado.

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SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Figura 6.25 IAM inferior e de ventrículo direito antes do tratamento. Supradesnível de ST em D2, D3, aVF e em V1, sugestivos de infarto agudo em parede inferior e ventrículo direito por oclusão proximal da artéria coronária direita. A ausência de ondas Q patológicas (maiores que 1/3 da amplitude do QRS) sugere que a duração do processo seja inferior a 6 horas, ideal para tratamento de reperfusão (trombólise ou angioplastia).

A presença de supradesnível do segmento ST não é exclusiva do IAMCSST, como descrito na Tabela 6.9: Causas de elevação de segmento ST 1) Normal – Padrão masculino

Visto em 90% de homens saudáveis; 1-3 mm em precordiais, principalmente em V2, ST côncavo

2) Repolarização precoce

Comum em jovens negros, com elevação de 1 a 4 mm em derivações médio precordiais (mais marcada em V4, com entalhe no ponto J e ST côncavo)

3) Bloqueio de ramo esquerdo

Discordância entre complexo QRS e segmento ST é sugestiva de BRE, mas de V1-V3 o QRS é geralmente negativo neste distúrbio, o que pode prejudicar o diagnóstico de infartos ântero-septais Elevação do segmento ST > ou = 5 mm é sugestiva de infarto ânteros-septal (VPP = 94%)

4) Pericardite aguda

Elevação difusa do segmento ST em derivações precordiais e periféricas, associa-se à depressão do segmento PR

5) Hipercalemia

Elevação do segmento ST côncavo pode ou não estar associada a: QRS alargado, ondas T pontiagudas, ondas P de amplitude diminuída

6) Síndrome de Brugada

Padrão de BRD completo ou incompleto (rSR’ em V1 e V2). Elevação côncava do ST em V1 e V2, no início da onda R’ côncava e acaba em onda T invertida Responsável por 40-60% dos casos de fibrilação ventricular idiopática

7) Hipertrofia de VE

ST côncavo na presença de critérios de SVE

8) Angina de Prinzmetal

Elevações de segmento ST transitórias

9) TEP

Pode simular IAM de parede inferior e ântero-septal.

10) Cardioversão

Frequentemente cursa com supradesnível de ST > 10 mm, porém com duração de apenas 1-2 minutos

11) Infarto agudo do miocárdio

Elevação nova do segmento ST no ponto J em pelo menos duas derivações contíguas com os seguintes pontos de corte: ≥ 0,2 mV em homens e em mulheres ≥ 0,15 mV (V2-V3) ou ≥ 0,1 mV (nas demais); Características: em platô, convexo Tabela 6.9

Outros exames Na chegada ao PS, pacientes com SCA devem ter dosados eletrólitos, glicemia, ureia, creatinina, hemograma, coagulograma e perfil lipídico, além dos marcadores de necrose miocárdica descritos acima. Também deve ser realizada radiografia de tórax.

SJT Residência Médica

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Cardiologia | volume 1 O Consenso Europeu para SCASSST (ESC 2015) recomenda que o ecocardiograma deve ser realizado em todos os pacientes que foram hospitalizados por SCA, o que, em parte, se deve as suas vantagens de ser não invasivo, de rápida execução e podendo ser realizado à beira-leito. Este exame mostra-se útil para identificação de alterações sugestivas de isquemia ou necrose miocárdica (hipocinesia e acinesia, respectivamente). Além disso, o ecocardiograma pode ajudar na identificação de outras patologias cardíacas associadas com dor torácica, como dissecção aórtica aguda, derrame pericárdico, estenose de valva aórtica, cardiomiopatia hipertrófica ou dilatação de câmaras cardíacas direitas (em decorrência de TEP). A avaliação da função sistólica do VE, no momento da alta hospitalar, é importante para avaliação prognóstica.

Estratificação de Risco Diante de um paciente com SCA Sem Supra ST, a conduta mais importante é avaliar o risco de eventos cardíacos desfavoráveis (incluem: óbito, infarto, angina recorrente, ICC, acidente vascular encefálico ou arritmia grave). As tabelas seguintes são utilizadas para estratificar precocemente este risco. SCASSST = ESTRATIFICAR O RISCO

Abaixo, expomos três classificações muito usadas (ACC, TIMI e GRACE) para estratificar o risco do paciente e orientar as condutas terapêuticas específicas. A classificação proposta por Braunwald (ACC) apresenta alto grau de aceitação uma vez que leva em conta critérios clínicos. Estratificação de Risco para SCASSST (ACC/AHA) Alto risco

Médio risco

Baixo risco

Pelo menos uma das características seguintes deve estar presente:

Nenhuma característica de alto risco, mas com alguma das seguintes:

Nenhuma característica de risco intermediário ou alto, mas com alguma das seguintes:

Idade > 75 anos Agravamento dos sintomas nas últimas 48 horas

IAM ou cirurgia de revascularização prévia Uso prévio de AAS Idade > 70 anos Diabetes mellitus

Dor precordial

Dor prolongada (> 20 min) em repouso

Angina de repouso > 20 min, resolvida, com probabilidade de DAC moderada a alta. Angina em repouso ≤ 20 min, com alívio espontâneo ou com nitrato

Novo episódio de angina classe III ou IV da CCS* nas últimas duas semanas sem dor prolongada em repouso, mas com moderada ou alta probabilidade de DAC

Exame físico

Edema pulmonar, piora ou surgimento de sopro de regurgitação mitral, B3, novos estertores, hipotensão, bradicardia ou taquicardia

ECG

Infradesnível do segmento ST > 0,5 mm (associado ou não a angina), alteração dinâmica do ST, bloqueio completo de ramo, novo ou presumidamente novo. Taquicardia ventricular sustentada

Inversão da onda T > 2 mm; ondas Q patológicas

Normal ou inalterado durante o episódio de dor

Acentuadamente elevados (p. ex., TnTC > 0,1 ng/ml)

Discretamente elevados (p. ex., TnTc entre 0,03 e 0,1 ng/ml)

Negativos

Variável prognóstica

História clínica

Marcadores de necrose

Tabela 6.9 Estratificação de risco para SCASSST. Diretrizes da American College of Cardiology e American Heart

Association. *CCS: Canadian Cardiovascular Society

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SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Escore TIMI e probabilidade de eventos desfavoráveis* para SCASSST *Risco de morte, IAM ou de revascularização em duas semanas. Histórico Pontos 1 – Idade > 65 anos

1

2 – ≥ 3 fatores risco DAC (tabagismo, displidemia, história familiar DAC, DM, HAS)

1

3 – DAC conhecida (estenose coronária > 50%)

1

4 – Uso AAS nos últimos 7 dias

1

Apresentação 5 – Recorrência dos sintomas ( ≥ 2 episódios nas últimas 24 horas)

1

6 – Elevação dos sintomas (e episódios nas últimas 24 horas)

1

7 – Desvio segmento ST ≥ 0,5 mm

1

TOTAL

7 Somatória de cada um dos 7 itens Eventos cardíacos maiores em 14 dias

Pontos

Óbito / IAM

Óbito / IAM /revascularização urgente

0–1

3%

5%

2

3%

8%

3

5%

13%

4

7%

20%

5

12%

26%

6-7

19%

41%

Risco de eventos

Baixo Intermediário Alto

Tabela 6.10 Escore TIMI para estratificação de risco.

Morte / IAM / Revasc Urg 14 Dias (%)

50

40.9 40

x2 p < 0.001

Estatística C = 0.65

30

26.2 19.9

20

13.2 8.3

10

0

4.7

0 ou 1

2

3

4

5

6 ou 7

ESCORE “TIMI” SCASSST Figura 6.26  Estratificação de risco e % de pacientes com IAM que evoluíram com complicações conforme pontuação no escore TIMI. RM = revascularização miocárdica

O escore de risco Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE) permite uma estratificação mais acurada, tanto na admissão quanto na alta hospitalar, graças ao seu bom poder discriminatório. Entretanto apresenta maior complexidade na sua implementação, com a necessidade da utilização de computador ou aparelho digital de uso pessoal para o cálculo do risco. Neste escore, diversas variáveis prognosticas de mortalidade hospitalar foram identificadas, sendo o escore total de um determinado paciente obtido pela soma dos pontos de cada uma delas:

SJT Residência Médica

55


Cardiologia | volume 1 1. Idade em anos – variando de 0 ponto (< 30) a 100 pontos (> 90) 2. Frequência cardíaca (FC/bpm) – variando de 0 ponto (< 50) a 46 pontos (> 200); 3. Pressão arterial sistólica (PAS/mmHg) – variando de 0 ponto (> 200) a 58 pontos (< 80); 4. Níveis de creatinina (mg/dl) – variando de 1 ponto (< 0,40) a 28 pontos (> 4); 5. Insuficiência cardíaca (classe Killip) – variando de 0 ponto (classe I) a 59 pontos (classe IV); 6. Parada cardíaca na admissão – variando de 0 ponto (não) a 39 pontos (sim); 7. Desvio do segmento ST – variando de 0 ponto (não) a 28 pontos (sim); 8. Elevação dos níveis de marcadores de necrose cardíaca – variando de 0 ponto (não) a 14 pontos (sim). Quando a soma dos pontos e menor que 108, o paciente é considerado de baixo risco para óbito hospitalar, cuja incidência fica abaixo de 1%, quando se situa entre 109 e 140 (risco intermediário), a mortalidade fica entre 1% e 3%; quando a soma e maior que 140 (alto risco), a mortalidade e superior a 3%. Está disponível na internet: (http://www.outcomes.org/grace).

Escore Grace

Óbito hospitalar

Escore Grace

Óbito hospitalar

≤ 80

≤ 0,4%

170

7,3%

90

0,6%

180

9,8%

100

0,8%

190

13%

110

1,1%

200

18%

120

1,6%

210

23%

130

2,1%

220

29%

140

2,9%

230

36%

150

3,9%

240

44%

160

5,4%

≥ 250

≥ 52%

Tabela 6.11 Escore de risco GRACE

Tratamento Como vimos previamente, o ECG é a base para definição das formas de IAM, que podem ser subdivididas em IAMCSST e SCASSST. Essa diferenciação tem grande importância, pois há muita diferença no tratamento de cada um destes grupos. Nesta parte, descreveremos de forma separada a abordagem de cada um deles. Na SCASSST, o primeiro passo é definir qual estratégia de tratamento será utilizada:

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Estratégia invasiva precoce, que corresponde à realização de angiografia coronariana nas primeiras 4-48 horas após o início do quadro de SCA, com o objetivo de se estudar a circulação coronariana e, se possível, promover a revascularização das áreas comprometidas, seja por meio da realização de intervenção coronariana percutânea (ICP) ou cirurgia de revascularização miocárdica (Tabela 6.12). Recomenda-se realizar ICP primária de imediato, no entanto, em pacientes apresentando uma ou mais das seguintes características: instabilidade hemodinâmica ou choque cardiogênico, disfunção ventricular esquerda grave ou insuficiência cardíaca, angina recorrente ou persistente apesar de terapia médica anti-isquêmica intensiva, regurgitação mitral nova ou piora de regurgitação pré-existente ou identificação de novo defeito septal ventricular, ou presença de arritmias ventriculares persistentes. Caso a ICP não seja possível, avaliar os pacientes para cirurgia de revascularização miocárdica;

Estratégia conservadora, reservada sobretudo para pacientes de baixo risco. Inclui um tratamento inicial com anticoagulantes e medicações anti-isquêmicas, com o objetivo de se estabilizar o paciente. Após esse período, o paciente deverá ser submetido a testes não invasivos para estratificação de risco (teste ergométrico, ecocardiografia de estresse ou cintilografia miocárdica de perfusão). Opcionalmente, no baixo risco, a angiotomografia de coronária também pode ser considerada. Caso não se detecte isquemia ou obstrução coronária significativa, o paciente deve receber alta hospitalar com recomendação para seguimento ambulatorial. Caso se demonstre a presença de isquemia ou obstrução coronária grave, o paciente deve ser internado, seguindo as condutas recomendadas no risco intermediário e alto.

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6 Síndromes coronarianas agudas Para pacientes com diagnóstico de SCACSST, deve se proceder imediatamente à terapia de reperfusão, o que envolve o uso de trombolíticos ou ICP primária. Teste de estresse é recomendado em pacientes de baixo risco que estejam livres de isquemia em repouso ou aos mínimos esforços por no mínimo 12 h. Teste ergométrico é escolha na avaliação funcional de SCASSST de baixo risco. Fonte: Diretrizes para SCA do Ministério da Saúde – 2011.

Os pacientes com SCASSST estratificada inicialmente como baixo risco podem ser internados em unidade de dor torácica (UDT) com monitorização cardíaca contínua, ECG seriado (a cada 3 – 4 horas), enzimas cardíacas colhidas com 6 e 12 horas do início da dor e desfibrilador disponível. Se confirmado baixo risco (enzimas negativas após 12 horas de dor, ausência de alterações isquêmicas aos ECG´s seriados e ausência de outros critérios de alto risco), realizar teste de esforço (obviamente para os pacientes que já estão com mais de 12 horas sem dor). Proceder com alta hospitalar, se teste negativo para isquemia com baixa carga; ou conceder alta com retorno até 72 horas para realizar teste de esforço. Já os pacientes com SCASSST de risco intermediário e alto ou SCACSST devem ser internados em unidade coronária de terapia intensiva (UCO) sempre que possível. Idealmente, o paciente deve permanecer na UCO pelo menos até que a conduta definitiva para o seu caso seja tomada. Caso seja encaminhado para uma intervenção coronária percutânea (ICP), deve voltar à UCO após o procedimento. Caso não ocorram complicações, como, por exemplo, desconforto significativo, instabilidade hemodinâmica e/ou elevação de marcadores bioquímicos de lesão miocárdica, deve receber alta da UCO no dia seguinte. Quando a opção de tratamento for revascularização miocárdica direta cirúrgica, o paciente deve idealmente permanecer na UCO até o momento da cirurgia. Nos casos aos quais o tratamento clinico medicamentoso for o indicado, deve receber alta da UCO no dia seguinte ao da tomada desta decisão, desde que estável e sem necessidade de medicação intravenosa. Recomendação classe I (Nível de evidencia: C).

Indicações para ICP precoce na SCASSST Angina recorrente, refratária ou aos mínimos esforços com terapêutica anti-isquêmica otimizada (nitrato + betabloqueador em dose máxima possível) Taquicardia ventricular sustentada Alterações dinâmicas do segmento ST Angioplastia há menos de 6 meses ou revascularização cirúrgica prévia Aumento de troponinas Hipotensão arterial Angina que se acompanha de sinais ou sintomas de ICC ou regurgitação mitral Fração de ejeção menor que 40% Tabela 6.12

Medidas gerais A primeira abordagem ao paciente com suspeita de SCA é semelhante, apresentando ou não, no ECG, supradesnível do segmento ST. Essa abordagem inicial está resumida no fluxograma descrito na Figura 6.27.

MONA (M: morfina; O: oxigênio; N: nitroglicerina; A: aspirina) MONA é um mnemônico que pode ser utilizado para recordar as medicações utilizadas no tratamento da SCAs (porém, não na ordem em que devem ser administradas). Além deste esquema, betabloqueadores podem ser utilizados de rotina na maioria dos pacientes. Outras medidas vão depender da forma de apresentação, e encontram-se descritas a seguir.

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1

Desconforto precordial sugestivo de isquemia 2 Avaliação e conduta emergencial: • monitorar, fornecer “ABC”, estar preparado para realizar manobras de RCP e desfibrilação; • administrar oxigênio, AAS, nitroglicerina e morfina, se necessário; • realizar ECG, se disponível; se houver supradesnivelamento de ST: - informar ao hospital de referência - avaliar indicações e contraindicações à terapia fibrinolítica 3

Avaliação na unidade de emergência (< 10 min.): • checar sinais vitais e saturação de oxigênio; • traçar novo ECG e revisar o anterior; • realizar história e exame físico direcionados; • rever e completar a avaliação de indicações e contraindicações a fibrinolíticos; • solicitar avaliação laboratorial inicial; • solicitar radiografia de tórax (< 30 min.).

Tratamento na unidade de emergência: • iniciar O2 4 L/min. e manter SatO2 > 90%; • AAS 160 – 325 mg/d VO mastigado; • nitroglicerina sublingual, spray ou EV; • morfina se ainda com dor após nitroglicerina.

4 Rever ECG de 12 derivações iniciais

5

9

13

Se supradesnivelamento de ST ou BRE novo ou supostamente novo altamente suspeito de lesão miocárdica, INICIAR PROTOCOLO DE IAM COM SUPRA ST

Paciente com critérios clínicos ou eletrocardiográficos para angina de alto risco ou IAM sem supra ST

Paciente com AI de baixo ou médio risco

6

10

14

Iniciar tratamento adjunto: • betabloqueadores; • clopidogrel; • heparina (baixo peso ou não fracionada); • não atrasar a terapia de reperfusão.

Iniciar terapia adjunta com: • nitroglicerina; • betabloqueadores; • clopidogrel; • heparina (baixo peso ou não fracionada); • inibidores da glicoproteína IIb/IIIa.

7

Tempo de início dos sintomas < 12 horas?

> 12 horas

≤ 12 horas 8

Iniciar terapia de reperfusão: • lembrar das metas de tempo: - tempo porta-balão na angioplastia < 90 min.; - tempo porta-agulha na trombólise < 30 min. • continuar terapia adjunta e associar: - inibidor da ECA ou bloqueador do receptor de angiotensina II nas primeiras 24 horas; - estatinas.

Sim

15

Não

Admitir paciente para leito monitorado ou unidade de dor torácica em OS • Seriar troponina e CK-MB • Seriar ECG ou realizar monitoração contínua de ST • Considerar teste de esforço

11

Admitir em leito monitorado e reavaliar o risco 12

Se paciente de alto risco (isquemia refratária, infra ST persistente, taquicardia ventricular, instabilidade hemodinâmica, sinais de insuficiência cardíaca): • encaminhar o paciente para terapia invasiva precoce, para tentativa de reperfusão de urgência nas primeiras 24 horas; • continuar AAS, heparina e outras terapias adjuntas e associar: - inibidor da ECA ou bloqueador do receptor de angiotensina II nas primeiras 24 horas; - estatinas.

Apresenta sinais de alto risco ou troponina positiva?

16 Sim

Apresenta sinais de alto risco ou troponina positiva?

17

Não

Se não houve evidência de isquemia ou infarto, dar alta com retorno ambulatorial

Figura 6.27 Algoritmo de abordagem inicial de dor precordial segundo o ACLS.

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6 Síndromes coronarianas agudas

Oxigênio A Diretriz de SCASSST da Sociedade Brasileira (2015) indica administração de O2 em pacientes com risco intermediário e alto (2 a 4 l/min) por 3 horas, ou por tempos maiores na presença de desnaturação < 90% (nível de evidencia C). A diretriz da ESC (2015) de SCASSST recomenda administrar O2 na presença de saturação de O2 < 90% ou na presença de desconforto respiratório. Já a Diretriz de SCACSST recomenda administrar O2 em pacientes com saturação de oxigênio < 94%, congestão pulmonar ou na presença de desconforto respiratório. Quando utilizada de forma desnecessária, a administração de oxigênio por tempo prolongado pode causar vasoconstrição sistêmica, e aumento da resistência vascular sistêmica e da pressão arterial, reduzindo o débito cardíaco, sendo, portanto, prejudicial.

Ácido acetilsalicílico O ácido acetilsalicílico (AAS) deve ser administrado macerado, na dose de 162 a 300 mg, por via oral, assim que o paciente é recebido no pronto-socorro e tem dor sugestiva de isquemia miocárdica. Atua como antiagregante plaquetário, que age pela inibição da cicloxigenase plaquetária. A dose de manutenção é de 75–100 mg/dia, devendo ser mantida por tempo indefinido. Só há uma contraindicação absoluta para o uso de AAS: alergia à medicação. São contraindicações relativas: sangramento ativo, hemofilia, úlcera péptica ativa ou alta probabilidade de sangramento gastrointestinal ou geniturinário. Seu uso reduz a mortalidade em até 20% nos IAM.

Nitratos O emprego de nitratos fundamenta-se em seu mecanismo de ação e na experiência clínica de muitos anos de uso e no qual, entre outras ações, nota-se eficácia na melhora do sintoma doloroso. Não existem estudos clínicos controlados que tenham testado os efeitos dos nitratos em desfechos clínicos e mortalidade na angina instável, embora seu uso seja universalmente aceito. O seu efeito venodilatador, diminuindo o retorno venoso ao coração e o volume diastólico final do VE, reduz o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Adicionalmente observam-se efeitos de vasodilatação de artérias coronárias, normais ou ateroscleróticas, redirecionamento de fluxo intercoronariano, com aumento da circulação colateral e inibição da agregação paqueraria. Além do efeito sintomático, os nitratos agem reduzindo a congestão pulmonar,

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principalmente pela redução do retorno venoso sistêmico. Assim, podemos perceber que as principais indicações dos nitratos sublinguais incluem alívio da dor anginosa; formulações endovenosas são úteis em casos de angina recorrente, hipertensão não controlada ou sinais de insuficiência cardíaca (controle da congestão pulmonar). No caso das formulações sublinguais (nitroglicerina, mononitrato de isossorbida ou dinitrato de isossorbida), as doses recomendadas são: nitroglicerina (0,4 mg), mononitrato de isossorbida (5 mg) ou dinitrato de isossorbida (5 mg). Devem ser administradas no máximo três doses, separadas por intervalos de 5 minutos. A nitroglicerina IV é empregada na dose de 10 µg/min com incrementos de 10 µg a cada 5 minutos até obter-se melhora sintomática ou redução da pressão arterial (queda da PAS não deve ser superior a 20 mmHg ou PAS não atingindo < 110 mmHg), ou então aumento da FC (> 10% da basal). É de se esperar o aparecimento de tolerância aos efeitos hemodinâmicos do medicamento após 24 horas de uso. O fenômeno de tolerância tem sido atribuído à depleção dos radicais sulfidrila existentes na parede arterial. Esses radicais são responsáveis pela conversão dos nitratos orgânicos em óxido nítrico. O tratamento intravenoso deverá ser mantido por 24-48 horas depois da última dor anginosa e sua suspensão, feita de forma gradual. Estão contraindicados na presença de hipotensão arterial (Pressão Arterial Sistólica - PAS < 90 mmHg), uso prévio de sildenafil/vardenafil nas últimas 24 horas ou de tadalafil nas últimas 48 horas e quando houver suspeita de comprometimento do Ventrículo Direito (VD).

Morfina A dor precordial e a ansiedade costumeiramente associada presentes nas SCA geralmente levam à hiperatividade do sistema nervoso simpático. Esse estado hiperadrenérgico, além de aumentar o consumo miocárdico de oxigênio, predispõe ao aparecimento de taquiarritmias atriais e ventriculares. Assim, recomenda-se a utilização de analgésicos potentes a pacientes com dor isquêmica intensa, refratários à terapêutica antianginosa. O sulfato de morfina é o analgésico de eleição, sendo administrado por via intravenosa, na dose de 2 a 4 mg diluídos a cada 5 minutos até, no máximo, 25 mg, quando a dor não for aliviada com o uso de nitrato sublingual, ou nos casos de recorrência da dor apesar da adequada terapêutica anti-isquêmica, monitorando-se a pressão arterial. A administração em pequenos incrementos tem por objetivo evitar efeitos adversos como hipotensão e depressão respiratória. Contraindicações: bradipneia, confusão mental, hipotensão, infarto de VD (suspeita).

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Betabloqueadores Na ausência de contraindicações (Tabela 6.12), essa classe de medicamentos deve ser iniciada dentro das primeiras 24 horas, de preferência por via oral, após a admissão do paciente, reservando-se a via endovenosa para casos selecionados (isquemia recorrente, hipertensão arterial não controlada, taquicardia sinusal não relacionada à ICC). São úteis em reduzir o consumo de oxigênio pelo miocárdio, por reduzirem a FC, a contratilidade e a pressão arterial (PA). Também reduzem a ocorrência de arritmias, reinfartos, tamanho do IAM e o risco de morte na fase aguda das SCA, devendo ser usado o mais precocemente possível. Estão contraindicados em pacientes com bloqueio atrioventricular de 2o ou 3o grau, na presença de FC < 50 bpm, PA sistólica < 90 mmHg ou em pacientes com disfunção ventricular sintomática. Dados do estudo Clopidogrel and Metoprolol in Myocardial Infarction Trial (COMMIT) sugerem que a utilização rotineira de dose elevada de betabloqueador IV seguido de administração oral pode aumentar a incidência de choque cardiogênico, principalmente quando utilizado nas primeiras 24-48 horas de evolução e em pacientes com quadro clínico de disfunção ventricular esquerda. Assim, recomenda-se o uso rotineiro de betabloqueador oral aos pacientes sem contraindicação, devendo-se iniciar sua utilização com o paciente estável, em doses pequenas, aumentando-se as mesmas gradualmente no sentido de se manter a FC ao redor de 60 bpm. No caso de o paciente apresentar dor isquêmica persistente e/ou taquicardia (não compensatória de um quadro de insuficiência cardíaca), pode-se utilizar a formulação venosa. Em pacientes já em uso de terapia crônica com betabloqueadores, recomenda-se mantê-lo, a não ser quando houver evidência de disfunção ventricular esquerda grave (Killip III ou IV). Podem ser usados vários regimes terapêuticos na dependência do betabloqueador selecionado. Não existem evidências de superioridade de um betabloqueador sobre outro. O esquema a seguir relaciona as doses de metoprolol e atenolol, os mais usados em nosso pais com essa indicação: Metoprolol: IV – 5 mg (1-2 min) a cada 5 min até completar a dose máxima de 15 mg; VO – 50100 mg a cada 12 h, iniciado 15 min após a última administração IV; Atenolol: IV – 5 mg (1-2 min) a cada 5 min até completar a dose máxima de 10 mg; VO – 25-50 mg a cada 12 h, iniciado 15 min após a última administração IV.

60

Durante a administração IV deverão ser monitorados, cuidadosamente, a FC, a PA, o ECG e a ausculta pulmonar. O tempo de manutenção da terapia com betabloqueadores após IAM ainda não foi definitivamente estabelecido. Apesar de estar comprovado seu benefício na fase aguda, não há unanimidade em relação ao tempo de utilização na prevenção secundária. De forma geral, recomenda-se seu uso por pelo menos 1 ano, na ausência de outras indicações especificas (disfunção de VE com ou sem insuficiência cardíaca), quando deve ser utilizado indefinidamente.

Contraindicações para uso de betabloqueadores na SCA Frequência cardíaca < 60 batimentos/min. Pressão arterial sistólica < 100 mmHg Disfunção ventricular grave Intervalo PR > 0,24 s Bloqueio atrioventricular do segundo ou do terceiro grau Doença pulmonar obstrutiva crônica grave ou Asma Killip ≥ 2 Doença vascular periférica grave Angina associada com vasoespasmo coronariano (incluindo intoxicação por cocaína) Tabela 6.13

Antagonistas dos canais de cálcio Esse grupo de fármacos com ação anti-isquêmica diminui o influxo de cálcio através da membrana celular, reduzindo a contratilidade miocárdica e o tônus vascular, a velocidade de condução atrioventricular (AV). Verapamil e diltiazem também reduzem a condução ventricular no nó atrioventricular, diminuindo a FC. Podem ser utilizados como anti-isquêmicos nos quadros de isquemia resistente aos nitratos e betabloqueadores ou nos casos em que há contraindicação aos betabloqueadores. Outra indicação inclui os casos de angina vasoespástica, como a angina de Prinzmetal. Contraindicações: IAM e disfunção ventricular. Verapamil e diltiazen não devem ser utilizados em pacientes com FC < 50 bpm.

Potássio e Magnésio Recomenda-se manter níveis de potássio sérico acima de 4 mEq/L e magnésio acima de 2 mEq/L, segundo guidelines da ACC/AHA 2007.

AINES Deve-se descontinuar imediatamente devido ao aumento do risco cardiovascular (exceto AAS).

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6 Síndromes coronarianas agudas

Outras medidas clínicas utilizadas no tratamento das SCAs Inibidores da P2Y12 As últimas diretrizes de SCA, seja com ou sem supradesnível do segmento ST, recomendam a utilização de terapia de dupla antigregação plaquetária na ausência de contraindicações. Essa recomendação baseia-se em estudos prévios que mostrou que essa estratégia se associou com menor recorrência de eventos isquêmicos em comparação com o uso de aspirina isolada. Os medicamentos deste grupo (clopidogrel, ticlopidina, ticagrelor, prasugrel) bloqueiam a ligação do ADP ao receptor plaquetário P2Y12, o que interfere de modo significativo na ativação plaquetária (Tabela 6.13).

- ClopidogrelDroga da classe das tienopiridinas, devendo ser utilizado como um segundo antiagregante, na dose de ataque de 300 m (4 comprimidos) e mantido por pelo menos 12 meses com dose de 75 mg/dia. Os pacientes com mais de 75 anos devem receber apenas 75 mg de ataque (1 comprimido). Em pacientes submetidos à ICP e com baixo risco de sangramento, pode-se considerar dose de ataque de 600 mg, com manutenção de 150 mg nos primeiros seis dias e 75 mg ao dia após esse prazo. Em pacientes com SCACSST e submetidos à terapia fibrinolítica, a dose de ataque deve ser de 300 mg/dia (apenas em pacientes com ≤ 75 anos), seguido por 75 mg/dia. O tempo de uso do medicamento deve ser de pelo menos 12 meses, independentemente do tratamento recebido (clinico, percutâneo ou cirúrgico). Esta conduta é especialmente preconizada quando os pacientes tiverem sido tratados por ICP com implante de stents farmacológicos. Quando houver indicação de realização de procedimento cirúrgico, incluindo cirurgia de revascularização miocárdica, o fármaco deverá ser suspenso pelo menos cinco dias antes do procedimento devido ao risco de sangramento grave peri-operatório. A associação dos inibidores de bomba de prótons (IBP) ao clopidogrel merece destaque. Diversos estudos in vitro indicam a ocorrência de redução na inibição paqueraria induzida por clopidogrel quando da associação deste ao IBP e sugerem que isso seria especialmente frequente com o omeprazol. Entretanto os estudos que analisaram essa associação (de clopidogrel com IBP) com a ocorrência de eventos isquêmicos mostraram resultados conflitantes e encontraram correlação entre aumento de eventos isquêmicos e uso concomitante de clopidogrel + IBP; já uma subanálise do estudo Optimizing Platelet Inhibition with Prasugrel Thrombolysis in Mio-

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cardial Infarction (TRITON) não encontrou qualquer correlação e, interessantemente, subanálise similar do estudo Platelet Inhibition and Patient Outcomes (PLATO) encontrou aumento na incidência de eventos isquêmicos tanto no grupo clopidogrel quanto no grupo ticagrelor, quando utilizados em conjunto com IBP. Assim, um contingente apreciável de médicos e pesquisadores sugere que, em princípio, o uso de IBP (principalmente omeprazol) em conjunto com o clopidogrel deva ser evitado. Os pacientes com maior risco de sangramento gastrointestinal (antecedente de hemorragia digestiva, úlcera péptica diagnosticada, infecção por H. pylori, idade ≥ 65 anos, uso concomitante de anticoagulantes ou esteroides) podem empiricamente receber, bloqueadores dos receptores H2 (p. ex., ranitidina). Caso seja necessário o uso de um IBP, sugere-se o pantoprazol, cujo metabolismo via CYP P450 é menos pronunciado. Outra tienopiridina que pode ser utilizada é a ticlopidina, geralmente prescrita na dose de 250 mg, 2 vezes ao dia. No entanto, essa tem seu uso restrito pelos efeitos colaterais associados, em especial neutropenia.

- Prasugrel Enquanto o clopidogrel demora 3 a 6 horas para atingir o pico de inibição plaquetária (a depender da dose de ataque), o prasugrel demora apenas 30 minutos para fazer o mesmo. Esta medicação foi testada no estudo (TRITON – TIMI 38), sendo observados maiores benefícios em relação ao clopidogrel (diminuiu incidência de novo infarto e trombose de stents principalmente em diabéticos); associou-se, no entanto, a maior risco de sangramento em comparação com o clopidogrel em pacientes mais idosos (> 75 anos), com AVC/AIT prévios, ou que possuíam peso < 60 kg. Recomenda-se, portanto, não utilizar o prasurgel em pacientes com uma ou mais dessas caraterísticas. É administrado em dose de ataque de 60 mg seguida de dose de manutenção de 10 mg/dia. De modo semelhante ao clopidrogrel, após a sua introdução, deves ser mantido por pelo menos 12 meses. Se houver indicação de procedimento cirúrgico, suspender pelo menos 7 dias antes da cirurgia.

- Ticagrelor Esta medicação difere dos tienopiridínicos (clopidogrel e prasugrel) por inibir reversivelmente o receptor de ADP P2Y12 plaquetário. No estudo PLATO, foi mais eficaz que o clopidogrel em relação a desfechos cardiovasculares, causando taxas de sangramento semelhantes. Seu uso teve destaque em pacientes com IRC. Possui dose de ataque de 180 mg, seguido por dose de 90 mg a cada 12 horas. Deve ser suspenso pelo menos 5 dias antes de realização de procedimento cirúrgico.

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Cardiologia | volume 1

Inibidores da P2Y12 Clopidogrel

Prasugrel

Ticagrelor

Estudo

Cure

Triton TIMI 38

Plato

Classe

Tienopiridina

Tienopiridina

Triazolopirimidina

Reversibilidade de efeito nas plaquetas

Irreversível

Irreversível

Reversível

Ativação

Pró-droga, limitada pela metabolização hepática

Pró-droga, não limitada pela metabolização

Droga ativa

Início de ação

2-4 horas

30 minutos

30 minutos

Duração de efeito

3-10 dias

5-10 dias

3-4 dias

Suspender antes da cirurgia

5 dias

7 dias

5 dias

Tabela 6.13

Antagonistas dos receptores de glicoproteína IIb/IIIa (iGP) A iGP é um receptor da superfície das plaquetas, que é ativado quando essas são estimuladas. Ele é a via final comum que leva à agregação plaquetária. Inibidores desse receptor podem bloquear completamente a agregação plaquetária. Atualmente, existem três inibidores aprovados para uso clínico: abciximab, tirofiban e eptifibatide. Este último não está disponível no Brasil. Vários estudos comprovam o benefício deste grupo de drogas.

ICP, como terapia de resgate se houver evidência angiográfica de um grande trombo, ou evidência de ausência de fluxo ou ocorrência de complicação trombótica. A mesma diretriz cita que o uso rotineiro de inibidores de iGP pode ser considerado em pacientes que serão submetidos à ICP primária realizada com o uso conjunto de heparina não fracionada na ausência de contraindicações. No contexto de ICP primária, o abciximab foi o inibidor de iGP mais avaliado conformes estudos prévios. Salienta-se, no entanto, que nenhum estudo clínico randomizado comparou diretamente diferentes inibidores de iGP. Outros experts preferem utilizar tirofiban e eptifibatide, pelo fato de serem mais baratos e acreditarem que possuem eficácia semelhante ao abciximab.

A maioria dos pacientes com SCASSST com indicação de ICP primária não necessitam receber inibidores de iGP, sobretudo em pacientes que foram medicados com terapia de dupla antigregação plaquetária. Por outro lado, em pacientes que receberam terapia com dois antigregantes plaquetários e que persistem evoluindo com isquemia (dor torácica persistente e/ou alterações no ECG compatíveis), sugere-se adicionar um inibidor de iGP. O seu uso também deve ser considerado em pacientes de alto risco em que foi detectado um grande trombo após angiografia coronariana ou como terapia de resgate em casos de complicações trombóticas. Essa última recomendação torna-se ainda mais válida, caso os pacientes não tenham sido medicados inicialmente com prasurgel ou ticagrelor.

Na ausência de contraindicações, os pacientes com SCASSST devem receber assim que possível anticoagulação sistêmica, seja com heparina não fracionada (HNF), heparina de baixo peso molecular (HBPM – representada pela enoxaparina), bivalirudina, ou fondaparinux. A escolha de qual anticoagulante será utilizado será determinada inicialmente pelo tipo de SCA (com ou sem supradesnível de ST) e pelo tipo de estratégia a que o paciente será submetido.

De modo semelhante, para pacientes com SCACSST que serão submetidos à ICP primária e que receberam terapia com dupla antigregação plaquetária, muitos experts recomendam que o uso de inibidores de iGP também não se faz necessário. Na diretriz de ESC de SCACSST (2015), consta que os inibidores de iGP devem ser recomendados, após

Em pacientes com SCASSST e que serão conduzidos com estratégia conservadora, a diretriz da ACC/AHA (2014) recomenda fondaparinux, enoxaparina ou HNF, com preferência pelos dois primeiros. Bivalirudina não foi avaliada especificamente nessa população; ao mesmo tempo a enoxaparina nesses casos cursa com menos efeitos colaterais que a HNF,

62

Anticoagulação sistêmica

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6 Síndromes coronarianas agudas além de ser mais fácil a sua administração. Em pacientes com alto risco de sangramento, sugere-se preferir o fondaparinux em relação à enoxaparina. Em pacientes com SCASSST que serão submetidos à estratégia invasiva precoce, a diretriz de SCASSST da ACC/AHA (2014) recomenda fortemente o uso de enoxaparina, HNF ou bivalirudina. Entretanto, o risco de sangramento parece ser maior com a enoxaparina. Caso se opte pelo fondaparinux, HNF ou bivalirudina devem ser administrados antes da ICP. A Diretriz de SCASSST da ESC (2015) recomenda o uso do fondaparinux, independentemente de qual estratégia a ser utilizada, devido ao seu maior perfil de eficácia/segurança. Para pacientes com SCACSST tratados com ICP primária, a diretriz da ACC/AHA (2013) recomenda fortemente o uso de anticoagulantes nesses casos, com preferência pela bivalirudina sobre a HNF ou enoxaparina. Já a diretriz correspondente da ESC (2012) também recomenda como primeira escolha a bivalirudina.

OBS.: em pacientes que serão submetidos à ICP e que tenham recebido HNF, recomenda-se administrar bolus adicional de HNF após a inserção do cateter, procurando-se obter tempo de coagulação ativada de 200 a 250 segundos (se o paciente for tratado com inibidor de iGP) ou 250 a 300 segundos (se o paciente não receber inibidor de iGP). OBS.: em pacientes que serão submetidos à ICP e que tenham recebido apenas uma única dose enoxaparina há mais de 8 horas antes do procedimento, recomenda-se administrar bolus intravenoso de enoxaparina (0,3 mg/kg) ou bolus de HNF como descrito acima. SCACSST

HNF: em pacientes submetidos à terapia trombolítica, recomenda-se bolus intravenoso de 60-100 unidades/kg (máximo de 4000 unidades), seguido de infusão de 12 unidades/kg/hora, por via intravenosa, de modo a se obter TTPa de 50 a 70 segundos; em pacientes submetidos à ICP, recomenda-se bolus intravenoso de 50 a 70 unidades/kg (máximo de 5000 unidades), de modo a se obter tempo de coagulação ativada > 250 segundos (se o paciente tiver recebido inibidor de iGP, ter como meta tempo de coagulação ativada > 200 segundos); na ausência de terapia de reperfusão, administrar bolus intravenoso de 50 a 70 unidades/kg (máximo de 5000 unidades), e, após, manter infusão, também por via intravenosa, de 12 unidades/kg, procurando manter o TTPa entre 50 e 75 segundos;

Enoxaparina: para pacientes tratados com trombolíticos ou sem terapia de reperfusão e com menos de 75 anos de idade, recomenda-se dose de ataque de 30 mg, por via intravenosa, seguida de 1 mg/kg, SC, a cada 12 horas (máximo de 100 mg para as primeiras duas doses). A primeira dose subcutânea deve ser administrada junto com a dose de ataque. Em pacientes com mais de 75 anos, não administrar dose de ataque, com a dose de manutenção devendo ser de 0,75 mg/kg, SC, a cada 12 horas (máxima de 75 mg para as primeiras duas doses). Para pacientes com clearance de creatinina < 30 ml/min e com idade <75 anos, a dose de ataque deve ser de 30 mg, por via intravenosa, e, posteriormente, 1 mg/kg, SC, a

Para pacientes com SCACSST tratados com trombolíticos, a diretriz da ACC/AHA (2013) recomenda fortemente o uso de anticoagulantes nesses casos, com preferência pela enoxaparina sobre a HNF ou fondaparinux, recomendando anticoagulação por no mínimo 48 horas. Já a diretriz correspondente da ESC (2012) recomenda em pacientes tratados com estreptoquinase o uso de fondaparinux; com outros trombolíticos, usar HNF ou enoxaparina, sendo esta última a primeira opção. Para os casos de SCACSST e que não foram submetidos à terapia de reperfusão, a diretriz da ACC/AHA (2013) não traz nenhuma recomendação. Diferentemente, a diretriz da ESC (2012) favorece o uso do fondaparinux sobre a enoxaparina ou HNF.

Heparina A HNF atua por meio de dois mecanismos anticoagulantes diferentes: a inibição do fator Xa e a inibição direta da trombina. A HNF se liga à antitrombina, aumentando em mais de 1.000 vezes sua afinidade pelo fator Xa, inibindo assim a cascata da coagulação. Requer monitorização laboratorial (TTPa). A HBPM inibe o fator Xa, tendo como vantagens não requerer monitorização laboratorial; seu uso, no entanto, deve ser evitado em pacientes com insuficiência renal (especialmente grave). As doses estão descritas abaixo: SCASSST

HNF: bolus intravenoso de 60-70 unidades/ kg (máximo de 5000), seguido por 12 unidades/kg/hora, por via intravenosa, de modo a se obter TTPa de 50 a 75 segundos;

SJT Residência Médica

Enoxaparina: não requer dose de ataque; administrar 1 mg/kg, SC, a cada 12 horas; em pacientes com clearance de creatinina < 30 ml/min, administrar 1 mg/kg/SC, 1x/dia.

63


Cardiologia | volume 1 cada 24 horas. Se idade > 75 anos, não fazer dose de ataque. Para pacientes submetidos à ICP primária após múltiplas doses de enoxaparina, recomenda-se administrar dose adicional de 0,3 mg/kg por via intravenosa se a última dose subcutânea tiver sido há 8-12 horas ou se apenas uma dose tiver sido administrada. Se a última dose tiver sido feita há menos de 8 horas da realização da ICP, não há a necessidade de dose de ataque.

- SCACSST: administrar bolus inicial de 0,75 mg/kg e, após, infusão de 1,75 mg/kg/hora. Duração da anticoagulação Varia conforme o tipo de SCA e a estratégia terapêutica utilizada:

SCASSST (pacientes submetidos à ICP): interromper anticoagulação no final do procedimento nos casos não complicados;

SCASSST (pacientes submetidos à estratégia conservadora): HNF foi mantida por 2 a 5 dias na maioria dos estudos prévios realizados. Recomenda-se manter HNF por no mínimo 48 horas; a manutenção por períodos maiores é razoável em pacientes com baixo risco de sangramento. O fondaparinux e enoxaparina na maioria dos estudos foram utilizados durante o período de hospitalização (por até 8 dias);

SCACSST (pacientes submetidos à ICP): heparina deve ser interrompida no final do procedimento nos casos não complicados. No caso da bivalirudina, alguns experts também interrompem a sua infusão no final da ICP, enquanto outros preferem manter a infusão na dose de 1,75 mg/kg/ hora por 4 horas após o procedimento;

SCACSST (pacientes submetidos à terapia trombolítica ou que não receberam terapia de reperfusão): HNF é mantida por no mínimo 48 horas; se enoxaparina ou fondaparinux for utilizado, a terapia anticoagulante deve ser mantida por até 8 dias ou enquanto durar a internação (o que ocorrer primeiro).

Fondaparinux Trata-se de um pentassacarídeo com ação anti-fator Xa de ação indireta uma vez que se liga à antitrombina potencializando sua ação. É administrado via subcutânea, sendo a escolha em pacientes que tem maior risco de sangramento, pois reduziu em 48% o risco de sangramento quando comparado à enoxaparina. Aumentou risco de trombose de cateter durante ICP, porém este risco desaparece se administrada dose de heparina adicional durante ICP. Risco baixo de produzir trombocitopenia e é contraindicado se Cl creatinina < 20 mL/min. Obteve melhor desempenho que as heparinas, principalmente quando se opta pela terapêutica conservadora. As doses estão descritas abaixo: - SCASSST: administrar dose de 2,5 mg, SC, 1x/dia em pacientes conduzidos com estratégia conservadora. - SCACSSST: O fondaparinux não está aprovado nos EUA para uso em pacientes com SCACSSST, devendo o seu uso ser evitado em pacientes submetidos à ICP. Em pacientes que receberam fondaparinux e que acabaram sendo submetidos à ICP, deve-se administrar HNF ou bivalirudina, por via intravenosa, para prevenir trombose relacionada ao cateter. Em caso de terapia trombolítica ou em pacientes não submetidos à terapia de reperfusão, caso utilizado, recomenda-se dose intravenosa de 2,5 mg, e, posteriormente, dose de 2,5 mg, SC, a cada 24 horas.

Bivalirudina Corresponde a um inibidor da trombina, direto e específico. As doses estão descritas a seguir: - SCASSST: Bolus intravenoso de 0,1 mg/kg, seguida de infusão de 0,25 mg/kg/hora caso se inicie antes da ICP; se ICP for realizada, administrar bolus adicional de 0,5 mg/kg, com a infusão devendo ser aumentada para 1,75 mg/kg/hora. Caso seja iniciada durante ICP, usar bolus de 0,75 mg/kg e, após, infusão de 1,75 mg/kg/hora.

64

OBS.: Na SCA com ou sem supradesnível de ST, em alguns casos, pode ser necessária a prorrogação da terapia anticoagulante, como, por exemplo, nas seguintes situações: se ICP não ocorrer como planejada, com o paciente persistindo com isquemia; se houver alto risco de tromboembolismo venoso ou sistêmico (IAM anterior extenso, disfunção ventricular esquerda grave, insuficiência cardíaca, história de embolia pulmonar ou sistêmica, ou evidência ecocardiográfica de trombo em ventrículo esquerdo) ou condição pré-existente que requeira manutenção da anticoagulação (presença de valvas metálicas, fibrilação atrial).

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Resumo da abordagem clínica das SCASSST de acordo com o risco

Abordagem inicial

Baixo risco

Médio risco

Alto risco

MONA + betabloqueador

MONA + betabloqueador

MONA + betabloqueador

Antiagregação plaquetária

AAS + Inibidores da P2Y12

AAS + Inibidores da P2Y12

AAS + Inibidores da P2Y12 + inibidor da GPIIb/IIIa (se dor torácica persistente; identificação de grande trombo após angiografia coronariana ou como terapia de resgate em casos de complicações trombóticas).

Anticoagulação

Sim

Sim

Sim

Forma de estratificação preferencial

Não invasiva

Invasiva ou não invasiva

Invasiva

Tabela 6.14

SCASSST

Baixo risco

Não

Sim

Sim

Coronariografia ou Prova funcional

Prova funcional

Isquemia miocárdica

Risco Intermediário

Sim

Não

Acompanhamento ambulatorial

Não

Alto risco Sim

Coronariografia e Ecocardiograma

FEVE ≤ 40%

Não

ICP ou CRVM (revascularização da artéria relacionada ao IAM)

Sim

ICP ou CRVM (revascularização completa)

Figura 6.28 Fluxograma para estratificação de risco na SCASSST. Fonte: Diretriz de SCA do Ministério da Saúde Brasileiro – 2011. ICP: intervenção coronária percutânea. CRVM: Cirurgia de revascularização miocárdica.

Inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) ou bloqueadores da angiotensina II (BRA) As diretrizes recomendam o uso de iECA ou BRA nas primeiras 24 horas do IAM nos pacientes com IAM de parede anterior, ou que estão evoluindo com insuficiência cardíaca, ou que que apresentam fração de ejeção do VE ≤ 40%. Também estão recomendados para todos os outros pacientes com IAM, porém com menor evidência de benefício.

SJT Residência Médica

65


Cardiologia | volume 1 Eles agem favoravelmente no processo de remodelação ventricular. O IECA mais frequentemente usado é o captopril, por ser um fármaco já bem estudado e por sua posologia com meia-vida mais curta. Os antagonistas dos receptores da angiotensina II são opções quando o paciente não tolera o IECA, como descrito no capítulo de hipertensão arterial.

O tratamento deve ser iniciado com uma dose pequena, ajustada a cada 24 horas, desde que a condição clínica do paciente assim o permita. A dose deve ser aumentada até que se atinja a dose-alvo ou a maior dose tolerada. É recomendável que se estabeleça como dose-alvo a mesma que se mostrou efetiva nos grandes estudos

Estudo

IECA

Dose inicial

Dose-alvo

SAVE CCS-1

Captopril

6,25 mg (primeira dose) e 2 horas após: 12,5 mg duas vezes ao dia

50 mg três vezes ao dia

SOLVD

Enalapril

2,5 mg duas vezes ao dia

10 mg duas vezes ao dia

AIRE

Ramipril

2,5 mg duas vezes ao dia

5 mg duas vezes ao dia

GISSI-=3

Lisinopril

5 mg uma vez ao dia

10 mg uma vez ao dia

TRACE

Trandolapril

1 mg uma vez ao dia

4 mg uma vez ao dia

ISIS-4

Captopril

6,25 mg uma vez ao dia

50 mg duas vezes ao dia

Tabela 6.15 Principais estudos e doses utilizadas com inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) no

infarto agudo do miocárdio (Não colocar os número das referências quando criar a tabela).

Antagonistas da aldosterona Espironolactona ou eplerenona (não disponível no Brasil) estão recomendados em pacientes com IAM que apresentam FE do VE ≤ 40% e ICC ou diabetes, na ausência de disfunção renal significativa ou hipercalemia. A terapia deve ser iniciada antes da alta, uma vez que redução de mortalidade com essa classe de medicamentos é vista em torno de 30 dias. Os níveis de potássio devem ser monitorizados cuidadosamente durante o tratamento.

Estatinas Nas primeiras 24 horas após o início dos sintomas, a dosagem do perfil lipídico pode fornecer valores muito próximos dos que antecederam a SCA. Após esse período, são observadas reduções da Lipoproteína de Baixa Densidade-Colesterol (LDL-c) e da Lipoproteína de alta Densidade-Colesterol (HDL-c), que retornam gradativamente aos seus valores iniciais nos próximos 30 dias. Desse modo, o ajuste das metas lipídicas, particularmente do LDL-c, só é possível após esse período. Os Triglicérides (TG) podem aumentar ou reduzir como decorrência de uma série de moduladores como atividade neuro-humoral, produção de cortisol, indução de resistência à insulina e uso de heparina. Nesse contexto, a redução dos TG pode decorrer do aumento da atividade simpática e pode estar associada a um pior prognóstico. No entanto, um conjunto de evidências científicas apontam para benefício no uso de estatina, independentemente dos níveis lipídicos dosados na admissão, na introdução já na admissão hospitalar (< 24 horas) e da escolha de estatinas potentes em dose máxima. Com relação à dose a ser admi-

66

nistrada, o estudo MIRACL (Myocardial Ischemia Reduction with Aggressive Cholesterol Lowering), com pacientes com IAM não Q ou angina instável, com níveis médios de LDL-c de 124 mg/dL durante a hospitalização, demonstrou redução do risco relativo de subsequente evento coronariano com a introdução de atorvastatina 80 mg ao dia. Com relação à precocidade da introdução da estatina, o Swedish Register of Cardiac Intensive Care demostrou redução de 25% na mortalidade em 1 ano pós-IAM nos pacientes que iniciaram terapia nas primeiras 24 horas quando comparados aos demais. Com relação ao benefício mesmo em indivíduos com LDL-c da admissão não elevados, o Korea Acute Myocardial Infarction Registry demonstrou em pacientes com níveis de admissão de LDL-c < 70 mg/dL redução do risco de morte cardíaca em 53% naqueles tratados com estatinas. A suspensão de estatinas em indivíduos que já a usavam antes da SCA, por outro lado, deve ser evitada, por estar associada a um aumento expressivo da resposta inflamatória sistêmica e aumento da mortalidade. Portanto, o uso de estatinas potentes em doses máximas (atorvastatina 80 mg/dia ou rosuvastatina 20 ou 40 mg/dia) está indicado para os indivíduos com síndromes coronárias agudas iniciando a terapêutica na admissão hospitalar. Após os primeiros 30 dias, a terapia hipolipemiante deve ser ajustada para adequar a uma meta terapêutica de LDL-c < 70 mg.

Medidas clínicas utilizadas no tratamento das SCACSST No IAMCSST, a artéria encontra-se completamente obstruída, e o foco principal do tratamento de

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas bolíticos, o intervalo de tempo desde a chegada ao hospital até o início da infusão do fármaco fibrinolítico deve ser inferior a 30 minutos.

emergência é a abertura da artéria. Como descrito acima, o tratamento inicial do IAMCSST não difere, inicialmente, do descrito acima para as SCASSST, ou seja, os pacientes devem receber tratamento envolvendo MONA e betabloqueadores. Assim que se identificar a SCA como compatível com IAMCSST, o paciente deve ser preparado para a terapia de reperfusão disponível o quanto antes.

Comparações formais e extensivas entre as duas estratégias mostram benefício e custo-efetividade da angioplastia primária sobre a trombólise, especialmente em pacientes de alto risco. O benefício da ICP sobre a fibrinólise, porém, desaparece se o atraso para a realização da angioplastia for maior que 90 minutos (ou seja, tempo porta-balão > 90 minutos). Para os pacientes que se apresentam 12 a 24 horas após o início dos sintomas, os benefícios da ICP primária ainda se mostram razoáveis se o paciente apresentar insuficiência cardíaca grave, instabilidade hemodinâmica ou elétrica ou sintomas isquêmicos persistentes.

Existem duas opções terapêuticas para abertura emergencial da artéria no IAMCSST: o uso de fibrinolíticos ou a realização de ICP, também conhecida como angioplastia. Independentemente de qual tratamento será realizado, o tempo é uma variável extremamente importante nesses casos, sendo idealmente ≤ 90 minutos, após o primeiro contato médico, para pacientes submetidos à ICP (desde que admitidos em um hospital com serviço de hemodinâmica); caso o paciente tenha sido levado inicialmente para um hospital sem serviço de hemodinâmica, o tempo de tolerância para a realização da ICP eleva-se para até 120 minutos, considerando o tempo de transporte do paciente para um hospital mais equipado. Caso se opte pela terapia com trom-

Caso o tempo porta-balão seja superior a 90 minutos (em hospital com hemodinâmica) ou caso o paciente seja admitido em um hospital sem hemodinâmica (não havendo possibilidade de transporte para outro hospital), a terapia trombolítica deve ser iniciada (na ausência de contraindicações).

IAM com Supra ST ou BRE novo

Sim

Choque cardiogênico

Transferência rápida para UCo (< 24 h)

Não Tempo de sintoma < 36h e Tempo de choque < 18h

Não

Tto clínico otimizado

Não

Tempo de sintoma < 12h

Trombólise

Sim

Hospital com Hemodinâmica

Não

Não

Contraindicação à trombólise

Não

Tempo de sintoma < 3h

Não

Garantia de tempo de transferência < 60 min.

Sim Transferência para ICP primária

Sim

Sim

Tempo porta-balão < 90 min. e Tempo de atraso < 60 min.

Sim

Contraindicação à trombólise

Não

Sim ICP primária

Sim

Transferência para ICP primária

Sim

Não

Transferência rápida para UCO (< 24 h)

Trombólise

Critérios de reperfusão após 90 min.

Não

ICP de resgate

Sim Tto clínico otimizado

Figura 6.29 Fluxograma de Reperfusão Miocárdica no IAM com supra ST. ICP: intervenção coronária percutânea.

UCO: unidade coronariana. Tto: tratamento.

SJT Residência Médica

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Cardiologia | volume 1

Fibrinolíticos Inúmeros estudos mostram o benefício do seu uso no tratamento do IAMCSST, podendo levar a uma redução de mortalidade de até 42%. Há benefício em seu uso, pelo menos até 12 horas após o início da dor. Seu uso em pacientes com sintomas há mais de 12 horas é incerto. No entanto, quanto mais precoce seu uso, maior o benefício na redução da disfunção ventricular e da mortalidade. Mecanismo de ação: ativam o plasminogênio solúvel e o plasminogênio ligado à superfície para formar a plasmina. Essa degrada a fibrina e dissolve o coágulo. Podem ser divididos em fibrinolíticos seletivos (como o r-TPA) ou não seletivos (como a estreptoquinase). Os não seletivos induzem uma resposta lítica sistêmica. Já os seletivos levam a uma menor resposta lítica sistêmica. Complicações: as mais comuns são as complicações hemorrágicas. Dentre elas, a mais preocu-

pante é a ocorrência de AVC hemorrágico. Sua incidência, no entanto, está abaixo de 4% e depende do fibrinolítico utilizado. Outras complicações, como arritmias de reperfusão, náuseas e vômitos, podem ocorrer. A estreptoquinase pode causar hipotensão (geralmente responsiva ao volume e com melhora com redução da velocidade de infusão) e reações alérgicas (geralmente responsivas ao uso de anti-histamínicos ou corticoide). Indicações: dor torácica consistente com IAM, com início preferencialmente em até 12 horas do início de sintomas e que ao ECG se observe um dos seguintes achados: 1) elevação do segmento ST (≥ 2 mm nas derivações V1 a V6, e ≥ 1 mm nas demais derivações); ou 2) BRE novo ou presumivelmente novo. Antes de serem utilizados, é obrigatório pesquisar se existem contraindicações para o uso dos mesmos. As principais contraindicações encontram-se na tabela a seguir:

Contraindicações ao uso de fibrinolíticos

Absolutas

Relativas

AVC hemorrágico prévio

História de AVC isquêmico > 3 meses ou doenças intracranianas não listadas nas contraindicações absolutas

Punções vasculares não compressíveis

AVC isquêmico < 3 meses

Hipertensão arterial grave não controlada (PA > 180 x 110 mmHg)

História de hipertensão arterial crônica importante e não controlada

Neoplasia intracraniana conhecida/malformação arteriovenosa cerebral

Uso atual de antagonistas da vitamina K: quanto maior o INR maior o risco de sangramento

Sangramento interno recente (até 2-4 semanas)

Trauma fechado de crânio ou face < 3 meses

Reanimação cardiopulmonar prolongada (> 10 minutos) e potencialmente traumática

Uso prévio (de cinco dias a dois anos) de estreptoquinase ou anisteplase (contraindicação ao uso de estreptoquinase, somente)

Úlcera péptica ativa

Gravidez

Dissecção aguda de aorta Sangramento ativo ou diátese hemorrágica (exceto menstruação)

Exposição prévia à estreptoquinase (somente para estreptoquinase)

Discrasia sanguínea

Ressuscitação cardiopulmonar traumática e prolongada ou cirurgia de grande porte < 3 semanas Tabela 6.16 Contraindicações ao uso de fibrinolíticos.

Apesar de haver pequena diferença na eficácia entre os trombolíticos, deve-se utilizar o trombolítico disponível no serviço. As principais características farmacológicas de cada um dos trombolíticos, com as respectivas doses, velocidade de infusão e principais complicações estão na tabela 6.17. Para avaliarmos a eficácia da terapia fibrinolítica, podemos utilizar os seguintes critérios como critérios de sucesso: melhora clínica da dor, queda do supra de ST em pelo menos 50%, pico precoce de CK-MB (1218 horas do IAM) e/ou presença de arritmias de reperfusão.

68

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Propriedade

Estreptoquinase

t-PA

Tenecteplase

18-23

3-8

18-20

Não

++

+++

Indireta

Direta

Direta

1,5 milhões UI em 100 mL de SG 5% ou SF 0,9% em 3060 minutos

15 mg EV em bolus, seguidos por 0,75 mg/kg em 30 minutos e, então, 0,50 mg/kg em 60 minutos. A dose total não deve exceder 100 mg

Bolus único: 30 mg se <60 kg; 35 mg se 60-70 kg; 40 mg se 70-80 kg; 45 mg se 80-90 kg; 50 mg se > 90 kg. Em pacientes > 75 anos, deve-se usar metade da dose calculada de acordo com o peso.

Antigenicidade

+

Não

Não

Hipotensão arterial

+

Não

Não

Patência com 90 min.

+

+++

+++

Incidência de AVCh

+

++

++

Redução de mortalidade

+

++

++

Custo

+

+++

+++

Meia-vida (min.) Fibrino específico Ativação de plasminogênio

Dose

Necessidade de heparina associada Dupla antiagregação plaquetária Sangramento não cerebral

Sim. HNF ajustada ao peso por 48 horas ou enoxaparina por até 8 dias Sim. Para todos os pacientes desde que não haja contraindicação ao seu uso +++

++

+

Tabela 6.17 Principais características dos fibrinolíticos.

OBS.: o uso da estreptoquinase está restrito aos pacientes com mais de 75 anos de idade, sendo contraindicado em pacientes com reação alérgica em uso anterior. Deve ser respeitado um intervalo superior a 2 anos após o uso de estreptoquinase. Após a trombólise, os pacientes devem permanecer internados em terapia intensiva por ao menos 48 horas para monitorização clínica de complicações. Após o período inicial de terapia intensiva, caso o paciente esteja estável, deve-se realizar uma estratificação de risco de novos eventos coronarianos e programar tratamento clínico ambulatorial. Pacientes que após trombólise apresentarem instabilidade homodinâmica ou arritmias refratárias ao tratamento clínico devem ser prontamente encaminhados para angioplastia de resgate.

ou em casos nos quais há complicação mecânica, os pacientes deverão ser encaminhados para cirurgia de emergência. Após a angioplastia, estes pacientes devem permanecer internados em terapia intensiva por ao menos 48 horas para fins de monitorização. Abaixo, observamos um caso de uma paciente com dor torácica há 4 horas e ECG revelando supradesnível de ST anterior extenso, que foi submetida à ICP, na qual foi observado oclusão em artéria descendente anterior proximal após a emergência da primeira septal. Procedeu-se com angioplastia primária com stent convencional com sucesso.

Intervenção coronariana percutânea e cirurgia de revascularização primárias A angioplastia é superior ao uso de fibrinolíticos, em relação à redução de mortalidade, taxa combinada de morte e reinfarto. A maior limitação da angioplastia é a sua disponibilidade para realização imediata. A angioplastia é particularmente benéfica nos pacientes com sinais de hipotensão arterial, congestão pulmonar, taquicardia e choque cardiogênico. Na fase aguda, deve-se realizar a angioplastia com stent da artéria culpada. Apenas em casos nos quais a angioplastia não pode ser realizada,

SJT Residência Médica

Figura 6.30 ECG com supradesnível de ST anterior

extenso (V1-V6 + D1 e aVL). Observa-se imagem em espelho em parede inferior (infradesnível de ST).

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Cardiologia | volume 1

Figura 6.31 Oblíqua anterior direita mostrando DA

ocluída em 1/3 proximal após primeira septal. Observa-se ainda CX emitindo ramos marginais grandes e sem lesões.

Figura 6.34 Controle angiográfico pós-angioplastia com

stent: procedimento bem sucedido com fluxo TIMI III.

Revascularização cirúrgica Durante a evolução do IAM, a opinião predominante atualmente é a de que a revascularização cirúrgica deve se limitar a pacientes que tenham anatomia coronária favorável, que tenham sido contraindicados ou tenham tido falha da terapêutica intervencionista, e que estejam nas primeiras horas após o início da alteração isquêmica. Nesses casos, a revascularização cirúrgica pode limitar a área de necrose miocárdica, desde que seja idealmente realizada em um intervalo de 2 a 3 horas.

Figura 6.32 Passando a corda-guia pela lesão em DA.

Figura 6.33  Liberando stent em DA.

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A eficácia da revascularização cirúrgica indicada em caráter de emergência no tratamento de pacientes portadores de choque cardiogênico, complicando a evolução do IAM, é controversa. No entanto, os resultados do estudo SHOCK (Should We Emergently Revascularize Occluded Coronaries for Cardiogenic Shock) definiram um pouco melhor o emprego desse procedimento, que deve ser indicado na presença de choque cardiogênico apenas quando os outros tipos de intervenção tenham falhado ou tenham sido contraindicados. Nesse caso, o período ideal de indicação para a revascularização cirúrgica de emergência não deve passar de 4 a 6 horas após o início do episódio de infarto. No entanto, esse período pode se estender até 18 horas após a instalação do choque cardiogênico, quando a anatomia coronária for totalmente desfavorável para a ICP. Já nos pacientes que foram submetidos à ICP sem sucesso, a revascularização cirúrgica de emergência está indicada em pacientes com IAM em evolução, que apresentam angina persistente ou instabilidade hemodinâmica após ICP sem sucesso. No entanto, esses casos apresentam alta mortalidade, cujo risco se eleva na presença de choque cardiogênico, tempo de isquemia superior a 4 horas, doença multiarterial e revascularização cirúrgica prévia.

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Tratamento após estabilidade clínica Após a fase inicial do tratamento, deve-se planejar o esquema de tratamento a longo prazo que deve ser seguido. Esse tratamento inclui betabloqueadores, AAS, clopidogrel + outro inibidor de P2Y12 (manter por pelo menos 12 meses), com as mesmas indicações e doses descritas acima. Além desses medicamentos, os pacientes devem também receber: iECA ou BRA + bloqueadores da aldosterona (se indicados) e estatinas.

Cuidados após a alta hospitalar Aspirina

Usar 100 mg/dia indefinidamente

Inibidor P2Y12

Usar por pelo menos 12 meses

Betabloqueador

De forma geral, recomenda-se seu uso pós-IAM por pelo menos 1 ano, na ausência de outras indicações especificas (disfunção de VE com ou sem insuficiência cardíaca), quando deve ser utilizado indefinidamente.

IECA, BRA

Se função ventricular diminuída

Antagonista da aldosterona (espironolactona)

Se função ventricular diminuída e DM ou ICC, sem insuficiência renal importante

Estatina

Meta de LDL < 70 mg/dL

Mudança no estilo de vida

Detalhamento abaixo Tabela 6.18

Exames especiais no contexto das SCA 1) Pesquisa de uso de drogas ilícitas Idealmente, a pesquisa de uso de drogas ilícitas deve ser realizada em todos os pacientes jovens (< 40 anos) com coronariopatia aguda e sem obstruções coronárias detectáveis. Deve-se informar ao paciente sobre a importância da informação para a conduta terapêutica, principalmente no que se refere ao uso de betabloqueador que pode precipitar vasoespasmo coronariano nesses pacientes. Caso o paciente permita, pode-se proceder à pesquisa de metabólitos urinários para uso recente de drogas ilícitas. 2) Pesquisa de trombofilia a) Pacientes jovens (idade < 45 anos), independente do aspecto angiográfico encontrado. b) Pacientes sem coronariopatia obstrutiva ou com coronariopatia obstrutiva discreta, nos quais se imagina que o trombo deve ter tido papel preponderante no desenvolvimento do IAM, independentemente da idade. A pesquisa de trombofilia deve ser realizada, preferencialmente, 2-3 meses após o episódio agudo. Quando houver forte suspeita de trombofilia, o paciente deve receber alta com anticoagulação oral plena, sendo submetido aos seguintes exames: pesquisa de anticoagulante lúpico, anticardiolipina e anti-β2-glicoproteína 1; dosagem de anti-trombina, proteína C, proteína S; pesquisa de fator V Leiden.

até a certeza da estabilidade clínica para a alta hospitalar. A complicação mais comum do IAM são arritmias. Além de arritmias, outra complicação comum é a disfunção ventricular esquerda aguda, que pode levar a choque cardiogênico. Outras complicações menos comuns são a insuficiência mitral, a ruptura do septo interventricular e a ruptura de parede livre de ventrículo esquerdo.

Disfunção ventricular esquerda (DVE) Após as arritmias, é a complicação mais comum do IAM. Cerca de 15% dos pacientes com IAMSSST chegam ao hospital com clínica de insuficiência cardíaca (IC). Várias classificações de gravidade da IC pós-IAM foram descritas. Dentre elas, destacam-se as classificações de Killip e a de Forrester (Tabelas 6.19 e 6.20, respectivamente).

Classificação de Killip para disfunção ventricular esquerda pós-IAM Classe

Complicações pós-IAM Existe risco particularmente grande de complicações na evolução cínica nas primeiras horas e dias após o IAM. Por este motivo os pacientes devem permanecer internados nos primeiros dias,

SJT Residência Médica

IV

Clínica

Mortalidade

I

Sem sinais de congestão venosa e/ou pulmonar

5%

II

Presença de estertores em bases (menos de 50% do tórax) ou presença de B3

14%

III

Presença de estertores em mais de 50% do tórax ou edema agudo de pulmão

32%

Choque cardiogênico

58%

Tabela 6.19

71


Cardiologia | volume 1

Classificação hemodinâmica de Forrester Índice cardíaco (L/min./m2)

PCP* (mmHg)

Mortalidade

I – Sem congestão pulmonar ou hipoperfusão periférica

> 2,2

< 18

2.2%

II – Congestão pulmonar isolada

> 2,2

> 18

10,1%

III – Hipoperfusão pulmonar isolada

< 2,2

< 18

22,4%

IV – Congestão pulmonar e hipoperfusão periférica

< 2,2

> 18

55,5%

Classe

Tabela 6.20 (*) PCP: pressão capilar pulmonar.

O tratamento da ICC pós-IAM, quando o paciente não apresenta sinais de choque, deve incluir: 1. controle de ingestão de sódio e água, pois há melhora dos sintomas de congestão associados a DVE; 2. inibidores da ECA; 3. diuréticos para os pacientes com sinais clínicos de congestão; 4. nitratos, pois apesar de não haver evidência de diminuição de mortalidade, eles diminuem os sintomas de isquemia e congestão e estão indicados para os pacientes sintomáticos. Os betabloqueadores estão classicamente indicados para todos os pacientes pós-IAM sem sinais evidentes de choque. Têm indicação precisa no tratamento crônico da ICC. Na fase aguda dos pacientes com disfunção ventricular esquerda eles devem ser evitados.

Choque cardiogênico

precoce e de urgência, quer seja pelo uso de fibrinolíticos, quer seja por angioplastia ou cirurgia de revascularização. Além disso, são necessárias várias medidas de suporte clínico para estes pacientes. Dentre elas, merecem destaque a otimização da volemia para manutenção da pressão venosa em até 10-14 mmHg e pressão capilar pulmonar de até 18-20 mmHg; o controle adequado do ritmo cardíaco com uso de drogas, marcapasso e cardioversão elétrica, se necessário; otimização da ventilação com suporte com oxigênio, pressão não invasiva e até mesmo intubação e ventilação mecânica, se necessário; correção dos distúrbios eletrolíticos e acidobásicos; otimização da pressão arterial, débito cardíaco e perfusão periférica com uso de vasopressores, inotrópicos e balão intra-aórtico, conforme necessidade clínica.

Inotrópicos: de um ponto de vista fisiológico, serão necessários apenas quando persistirem evidências de perfusão inadequada, apesar das medidas iniciais descritas acima: lactato alto, excesso de bases > [-4], Gap de PCO2 alto (PCO2venoso – PCO2 arterial), saturação venosa central muito baixa (SVcO2), taxa de extração de O2 alta (refletindo o débito cardíaco reduzido), baixa pressão de pulso e redução de diurese. Só usar inotrópicos se for estritamente necessário.

Dobutamina: se houver hipotensão moderada (PAS entre 70 e 100 mmHg) sem sinais de choque, poderá ser usada em doses de até 15 mcg/kg/min., aumentando a contratilidade cardíaca, o que promove aumento do fluxo coronariano. Tem ação inotrópica positiva por causa do efeito beta-adrenérgico, que predomina sobre o efeito alfa-adrenérgico. Deve ser associada a outras drogas (dopamina ou noradrenalina) em caso de piora da hipotensão. No IAM de VD é a droga de primeira escolha, em razão de seus efeitos benéficos no território pulmonar.

Inibidores da fosfodiesterase: atuam como drogas coadjuvantes, aumentando o débito cardíaco e diminuindo a pressão capilar pulmonar. Não atuam sobre receptores adrenérgicos. São semelhantes à dobutamina

É a causa mais comum de óbito intra-hospitalar no IAM. Mais de 50% dos pacientes com choque cardiogênico morrem ainda no período intra-hospitalar. Suas principais causas são DVE por IAM anterior, IAM de ventrículo direito (VD) e complicações mecânicas do IAM. Os pacientes costumam apresentar-se pálidos, frios, sudoreicos. Podem estar agitados ou confusos por hipoperfusão cerebral. Costumam estar taquicárdicos, com pulso filiforme, e apresentar congestão pulmonar, exceto nos casos de tamponamento cardíaco por ruptura de VE ou nos casos de IAM de VD.

Monitorização hemodinâmica Deve-se realizar o controle de pressão arterial, pressão venosa central e débito cardíaco para um controle adequado do quadro clínico. Idealmente, a inserção de um cateter de artéria pulmonar (Swan-Ganz) possibilita um melhor controle clínico dos parâmetros hemodinâmicos e diagnóstico diferencial com complicações mecânicas do IAM.

Tratamento Todas as recomendações gerais acima descritas devem ser respeitadas e seguidas. No entanto, a única medida comprovadamente eficaz na redução da mortalidade é a revascularização miocárdica

72

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas na atividade farmacológica, porém apresentam ação vasodilatadora mais potente. Aumentam consideravelmente o risco de arritmias e hipotensão. Existem duas drogas representantes desse grupo:

Amrinone: a dose de ataque inicial é de 0,75 mcg/kg por 2 a 3 minutos. Quando efetiva, manter, em seguida, infusão de 5 a 10 mcg/kg/min por breves períodos;

Milrinone: dose de ataque de 50 mcg/kg durante 10 minutos, seguida por infusão de manutenção de 0,375 a 0,75 mcg/kg/min.

Balão intra-aórtico (BIA): indicado como “ponte” para estabilização hemodinâmica em candidatos à revascularização miocárdica (ICP ou CRVM) de emergência.

Realizar revascularização miocárdica, seja com ICP primária ou cirurgia de revascularização.

Complicações mecânicas São causas mais raras de choque cardiogênico. No entanto, devem ser sempre lembradas, pois sua detecção precoce pode reduzir muito a alta mortalidade associada.

Regurgitação da valva mitral com ou sem ruptura do músculo papilar A regurgitação mitral é uma complicação relativamente comum do IAM e, quando presente, pode exibir diferentes graus de importância, partindo de estados clínicos evidentes e hemodinâmicos claros, até se apresentar clinicamente silenciosa e detectada apenas acidentalmente, em achados durante cateterismo cardíaco ou por exame ecocardiográfico com Doppler. Sua incidência varia entre 13 a 45%, variando de regurgitações leves a graves. Embora a maior incidência da ruptura do músculo papilar tenha sido reportada entre o segundo e sétimo dia de evolução do IAM na era fibrinolítica, o registro do estudo SHOCK demonstrou uma média na ocorrência da ruptura na 13ª hora de evolução, sendo responsável por 5% dos óbitos pós-IAM. Em relação à etiologia, os mecanismos responsáveis são: isquemia do músculo papilar; dilatação ou aneurisma verdadeiro do VE; e ruptura parcial ou total da cordoalha ou músculo papilar. A regurgitação mitral é mais encontrada nos pacientes acometidos de IAM inferior, e o grau máximo de gravidade e encontrado naqueles portadores de ruptura parcial ou total do músculo papilar. O músculo papilar que mais frequentemente se rompe é o póstero-medial, com irrigação feita pela ACD ou artéria circunflexa. A presença da disfunção pode ser suspeitada mediante novo sopro sistólico em foco mitral, presença de congestão pulmonar ou choque cardiogê-

SJT Residência Médica

nico em paciente com IAM inferior ou por meio de ecocardiograma. A presença de ondas V gigantes na curva de pressão capilar pulmonar do cateter de Swan-Ganz é um achado nessa complicação; no entanto, o ecocardiograma é o exame de escolha para o diagnóstico. O tratamento cirúrgico é a única terapêutica definitiva. A estabilização clínica inicial deve ser realizada com o uso de vasodilatadores (nitroprussiato de sódio - com o objetivo de diminuir a pós-carga do ventrículo esquerdo e reduzir a regurgitação mitral) e balão intra-aórtico como forma de suporte até o tratamento cirúrgico.

Ruptura do septo ventricular Antes da era da repercussão, a incidência de ruptura do septo ventricular era de 1 a 3%, baixando para 0,2 a 0,3% na era da recanalização coronária. Ocorre com maior frequência entre o terceiro e o quinto dia pós-infarto sem terapia de repercussão, sendo seu aparecimento mais precoce nas primeiras 24 horas em pacientes que receberam terapia fibrinolítica. Ocorre mais frequentemente em IAM de parede anterior. A ruptura do septo interventricular pode ser anunciada pelo aparecimento de sopro alto, pansistólico, audível com maior nitidez em região do bordo esternal esquerdo baixo, geralmente associado a abrupto declínio do estado clínico do paciente, com sinais de IC e choque cardiogênico. A eletrocardiografia não é especifica, e o diagnóstico pode ser feito pelo ecocardiograma com doppler à beira do leito. A passagem do cateter de Swan-Ganz pode ser realizada para orientação terapêutica e comprovação do salto oximétrico, por meio da análise da saturação de oxigênio de amostras coletadas no átrio direito e na artéria pulmonar, o que caracteriza a presença de shunt ventricular. A cineangiocoronariografia e o estudo hemodinâmico confirmam o defeito septal e as lesões coronárias, possibilitando a programação cirúrgica. A abordagem cirúrgica imediata é recomendada porque, caso bem-sucedida, pode reduzir o índice de mortalidade de quase 100% para menos de 50%. O índice de mortalidade em 30 dias em relação aos pacientes que desenvolveram defeitos do septo ventricular perinfarto foi de 74%. Já em relação àqueles encaminhados para a cirurgia a mortalidade foi de 47%.

Ruptura da parede livre de ventrículo É a terceira causa de óbito no IAM, após a disfunção ventricular e as arritmias. Pode ocorrer em até 3% dos pacientes. É sete vezes mais frequente no VE que no VD, e na maioria dos casos está associada a infarto transmural extenso, com envolvimento da parede anterior ou da lateral, cuja área de irrigação vem da artéria coronária descendente anterior. Mais frequente em idosos, mulheres, pacientes hi-

73


Cardiologia | volume 1 pertensos na entrada e em pacientes trombolisados com > 14 horas do início dos sintomas. A ruptura pode ser completa ou aguda, levando geralmente a hemopericárdio acentuado e a suas consequências, podendo culminar na morte por tamponamento cardíaco. De outra forma, pode ser incompleta ou subaguda, quando um trombo ou hematoma, juntamente do pericárdio, selam a laceração da parede livre do ventrículo, evitando o hemopericárdio, progredindo para um pseudoaneurisma. Assim, a evolução clínica é variável. Na ruptura aguda e grave, e os pacientes frequentemente tem dissociação eletromecânica e morte súbita por tamponamento cardíaco. A Ativi-

dade Elétrica Sem Pulso (AESP) em pacientes com IAM pela primeira vez e sem insuficiência cardíaca prévia tem alta acurácia preditiva (95%) para o diagnóstico de ruptura da parede livre do VE. Na ruptura incompleta ou subaguda do VE, a manifestação clínica pode ser pela presença de dor precordial persistente ou recorrente, náusea, agitação e hipotensão transitória abrupta. O tratamento é cirúrgico de emergência, com a drenagem pericárdica podendo ser realizada para alívio do tamponamento cardíaco antes da correção cirúrgica.

Complicações mecânicas do IAM Ruptura de músculo papilar

Ruptura de septo ventricular

Ruptura de parede livre

Epidemiologia

1%, pico no 1º PIM

0,2 a 0,3%; pico entre 3º e 5 º PIM em pacientes sem terapia de repercussão; 1º PIM em pacientes que receberam terapia fibrinolítica

1-6%, pico no 3º PIM em trombolisados, ocorre em até 7 dias

Quadro clínico

Choque e edema agudo de pulmão súbitos; IAM inferior

Choque, hipertensão pulmonar por hiperfluxo; IAM anterior

Choque, morte súbita, dor torácica pleurítica; IAM lateral

Exame físico

Sopro sistólico de regurgitação mitral (não é obrigatório nem o frêmito, nem a presença do sopro)

Sopro e frêmito em borda esternal esquerda baixa (dependem do tamanho do shunt), B3, P2 hiperfonética

Pulso paradoxal, turgência jugular, parada cardíaca (ritmo mais comum: AESP)

Ecocardiograma

Regurgitação mitral (disfunção ou ruptura de músculo papilar, mais frequente: póstero-medial)

Shunt VE->VD

Derrame pericárdico, tamponamento

CAP (Swan-Ganz)

Onda V gigante

Aumento de PSVD, salto oximétrico AD->VD

Equalização das pressões diastólicas nas câmaras cardíacas

Vasodilatador IV se tolerável. Cirurgia na ruptura de músculo papilar

Cirurgia

Cirurgia, drenagem pericárdica para alívio temporário

Tratamento

Tabela 6.21 PIM: pós-infarto. PSVD: pressão sistólica do VD.

Aneurisma de ventrículo esquerdo Encontrado em menos de 5% dos casos pós-IAM, sendo mais frequente em IAM de parede anterior. A mortalidade é seis vezes mais frequente nos pacientes com aneurisma do VE do que naqueles sem aneurisma, e a causa de óbito está relacionada à ICC progressiva, sendo a morte súbita por arritmia ventricular grave a causa mais frequente. O diagnóstico clinico é feito pela presença de sinais de insuficiência cardíaca e/ou de arritmia ventricular acentuada, e com o auxílio de exames complementares. O ECG costuma apresentar persistência do supradesnível do ST. A ecocardiografia é um ótimo exame para identificar a presença do aneurisma e detectar ou não trombo cavitário. A cineangiocoronariografia e o estudo hemodinâmico tem indicação para o diagnóstico e auxiliam a programação cirúrgica, quando indicada. Inicialmente, o tratamento é clinico, com o uso de medicações inotrópicas, vasodilatadoras e utilização de balão intra-aórtico, com o objetivo de se conseguir estabilização do quadro. O tratamento cirúrgico do aneurisma do VE dentro do primeiro mês do IAM só é indicado nos pacientes que se apresentam em choque cardiogênico refratário à terapêutica clínica, com progressivo comprometimento da função ventricular, pois a área infartada apresenta-se friável, e o risco cirúrgico é elevado. São também de indicação cirúrgica aqueles pacientes que evoluem com arritmia ventricular refratária ao tratamento farmacológico ou ablação por radiofrequência, e no tromboembolismo recorrente, apesar da terapêutica anticoagulante adequada.

74

SJT Residência Médica


6 Síndromes coronarianas agudas

Figura 6.35 ECG de paciente com IAM anterior há 15 anos.

Pericardite É comum nos pacientes com IAM, em particular na evolução dos infartos transmurais. Em geral, quanto maior a área do infarto, maior a probabilidade de ocorrer pericardite. O quadro clínico é semelhante a outras causas de pericardite e inclui dor torácica tipo pleurítica, e o diagnóstico é realizado pela ecocardiografia bidimensional. A inflamação tardia do pericárdio, ocorrendo entre duas semanas e três meses após o IAM, é denominada síndrome de Dressler e muito provavelmente reflete um mecanismo autoimune. Isso costuma estar associado a grandes derrames pleurais e pericárdicos serossanguinolentos. O tratamento de escolha nesses casos é com ácido acetilsalicílico, anti-inflamatórios não esteroides (AINE) ou colchicina. Em alguns casos, pode ser necessário o uso de esteroides. A avaliação ecocardiográfica é adequada como método de acompanhamento desses pacientes para determinar a extensão do derrame e excluir tamponamento ou a possibilidade de ruptura parcial do miocárdio.

cia cardíaca e o estímulo nervoso autônomo. As extrassístoles ventriculares ocorrem em praticamente todos os pacientes. No entanto, raramente causam sintomas e não costumam ter indicação de tratamento específico. A fibrilação ventricular (FV) é causa frequente de morte e ocorre em 4 a 18% dos pacientes. Pode ser classificada como primária ou secundária. A FV primária ocorre nos pacientes sem sinais de disfunção ventricular (pacientes Killip I). É mais comum nas primeiras horas após o IAM. A FV secundária é relacionada à disfunção ventricular (pacientes Killip II, III ou IV) e pode ocorrer de forma mais tardia. As bradiarritmias podem ocorrer em até 30% dos pacientes, sendo até quatro vezes mais comuns em IAM de parede inferior. Suas formas de apresentação estão detalhadas no capítulo de arritmias. As indicações de marcapasso provisório estão na tabela a seguir. O tratamento específico de cada arritmia será discutido no capítulo de arritmias. Indicações de marcapasso provisório no IAM

Arritmias

Qualquer bradiarritmia sintomática não responsiva à atropina

Praticamente todos os pacientes com IAM apresentam algum tipo de arritmia, desde extrassístoles atriais isoladas até quadros de taquicardia e fibrilação ventricular, e podem incluir os mais variados quadros de bradiarritmias e bloqueios do sistema de condução. As arritmias são a segunda causa de óbito intra-hospitalar de pacientes internados por IAM.

BAV de 2o grau Mobitz II

A importância das arritmias durante a fase aguda do IAM depende da fase em que se manifestam, do tipo da arritmia e da repercussão que as acompanha. Essas arritmias podem causar síncope, angina, disfunção ventricular e até mesmo parada cardiorrespiratória. As taquiarritmias ventriculares ocorrem frequentemente logo após o início do IAM e têm como fatores predisponentes a extensão da área de isquemia, o aumento da frequên-

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BAT de 3o grau BAV de 1o grau + bloqueio bifascicular novo BAV de 1o grau + BRE Tabela 6.22

Infarto de ventrículo direito A isquemia ventricular direita pode ser demonstrada em até um terço dos pacientes com IAM de parede inferior, embora em somente 10 a 15% dos pacientes possam ser observadas alterações hemodinâmicas clássicas. Quando sintomáticos, apresentam hipotensão e turgência jugular com campos pulmonares limpos ao exame clínico.

75


Cardiologia | volume 1 A Artéria Coronária Direita (ACD) geralmente é responsável pelo suprimento sanguíneo de grande parte do VD. Dessa forma, a oclusão proximal da ACD leva à isquemia do VD. Pelo fato de o VD ter massa muscular muito menor que o VE (principalmente pela menor resistência vascular do circuito pulmonar), sua demanda de oxigênio miocárdica é significativamente menor que a do VE. A perfusão coronária do VD ocorre tanto na sístole como na diástole. Além do mais, o VD apresenta relação mais favorável entre oferta/ demanda de oxigênio que o VE, pelo maior fluxo colateral proveniente do sistema esquerdo. A avaliação sistemática da isquemia ventricular direita deve ser realizada em todo paciente com IAM inferior. A tríade clínica de hipotensão, campos pulmonares limpos e elevação da pressão venosa jugular, na presença de infarto inferior, é característica da isquemia do VD. Embora muito específica, essa tríade apresenta baixa sensibilidade. A distensão de veias do pescoço isolada ou a presença do sinal de Kussmaul (distensão da veia jugular durante inspiração) são sensíveis e específicas para a isquemia do VD em pacientes com infarto inferior. Esses achados podem estar mascarados na presença de depleção de volume e podem se tornar evidentes somente após teste volêmico adequado. Uma pressão de átrio direito de, no mínimo, 10 mmHg ou maior que 80% da pressão encunhada de artéria pulmonar é um achado relativamente sensível e específico de isquemia do VD. A elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas (V3R e V4R) são os achados eletrocardiográfico de maior valor preditivo em pacientes com isquemia do VD. Outros achados eletrocardiográficos sugestivos de IAM de VD são: maior elevação do segmento ST na derivação DIII do que em DII, presença de Bloqueio de Ramo Direito (BRD) e BAV de segundo e terceiro graus. A ecocardiografia pode ser útil em pacientes com suspeita clínica de isquemia do VD e achados não diagnósticos, ao demonstrar irregularidades de movimentação da parede do VD (hipocinesia) e aumento da incursão do septo no interior do ventrículo direito.

V7

V8

Figura 6.36 IAM com supradesnível de ST em parede

inferior(DIII > DII); observa-se na parede posterior infradesnível de ST (V2-3), supradesnível em V7-8 em associação com IAM de VD (supradesnível de ST em V4R), devido à obstrução proximal de artéria coronária direita.

O tratamento do infarto do VD inclui manutenção precoce da pré-carga, redução da pós-carga do VD, suporte inotrópico para o VD e repercussão precoce. Por sua influência na pré-carga, os nitratos, morfina e diuréticos podem reduzir o débito cardíaco e provocar hipotensão grave, devendo ser evitados em pacientes com isquemia de VD. Nessas situações, geralmente uma expansão volêmica, com solução salina fisiológica, normaliza a hipotensão e melhora o débito cardíaco. Em outros casos, porém, a sobrecarga de volume pode ocasionar elevação acentuada da pressão de enchimento do VD e o consequente agravamento da dilatação ventricular, com redução do débito cardíaco. Nesses casos, o suporte inotrópico (dobutamina) deve ser iniciado imediatamente. O prognóstico dos pacientes com infarto de VD costuma ser bom, especialmente com a recanalização e o tratamento de suporte. Na maioria dos pacientes, o VD retorna à função normal em um período de semanas a meses, sugerindo atordoamento isquêmico, ao invés de necrose irreversível. Os pacientes que apresentam IAM de VD em associação ao IAM de parede inferior apresentam pior prognóstico. Evidências recentes sugerem mortalidade de 6% para pacientes com IAM inferior isolado e de 31% para pacientes com IAM inferior complicado com IAM de VD.

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6 Síndromes coronarianas agudas te das vezes, o stress sofrido no trabalho é menor que o medido no teste de esforço, reforçando que o retorno ao trabalho deve ser encorajado.

Outras atividades Atividade sexual com parceiro habitual pode ser reassumida em 7-10 dias em pacientes sem complicações durante a internação. A direção de veículos pode ser permitida após 1 semana nos pacientes sem complicações e 2 a 3 semanas em pacientes com IAM complicado (arritmias, IC).

Dieta Pacientes devem ser encorajados a reduzir a ingesta diária de sal, gorduras saturadas, gorduras trans e colesterol, e aumentar a frutas, vegetais e peixes.

Veias cervicais distendidas

Perda de peso Peso corporal e circunferência abdominal devem ser medidos em todas as consultas. Os pacientes devem ser encorajados a atingir e manter IMC entre 18,5 – 24,9 Kg/m2 e a circunferência abdominal < 102 cm em homens e < 88 cm em mulheres. (I/B).

Pressão retrógrada

Ventrículo direito

Figura 6.37 Distensão das veias cervicais devido à fa-

lência do ventrículo direito.

Reabilitação cardíaca (RC) O principal foco da reabilitação é o exercício físico de caráter educacional, mais complexo que um mero programa de condicionamento físico. Recomendada reabilitação supervisionada por médico em casos de alto risco.

Atividade física Todos pacientes devem ser encorajados a realizar 30 a 60 minutos de atividade aeróbia em intensidade moderada, no mínimo 5 vezes por semana, além de aumentar o gasto energético diário (exemplo: atividades domésticas, jardinagem). Recomendado teste ergométrico para orientar prescrição do exercício.

Retorno ao trabalho Pacientes que frequentam programas de RC após alta retornam ao trabalho antes. Na maior par-

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Prognóstico O prognóstico de pacientes com SCA depende principalmente do tempo entre o início dos sintomas e o atendimento hospitalar. Além disso, diabetes, função ventricular esquerda e idade são os principais preditores de mortalidade nesses pacientes. Portanto, um diagnóstico rápido e o tratamento adequado são fundamentais para se reduzir a morbidade e a mortalidade nos pacientes com SCA. Fatores preditivos de óbito aos trinta dias após IAM com supradesnível de ST Fatores

Pontos

Idade entre 65 e 74

2

Idade > 75 anos

3

PA sistólica < 100 mmHg

3

FC > 100 bpm

2

Kilip & Kimball II-IV

2

Supra de ST anterior ou BCRE

1

História de angina HAS ou DM

1

Peso < 67 kg

1

Início de tratamento > 4 horas

1

Tabela 6.23

77


Cardiologia | volume 1

40

35,9

35 30

26,8

25

23,4

20

16,1

15

12,4

10 5 0

0,8

1,6

2,2

0

1

2

4,4

3

7,3

4

5

6

7

8

>8

Números de pontos Figura 6.38 Mortalidade aos trinta dias após IAM com elevação do segmento ST, de acordo com o TIMI risk score.

Recentemente, outros dois fatores prognósticos importantes vêm sendo utilizados (ESC Guideline 2012): BNP e PCR (proteína C reativa). O BNP ou NT-pró-BNP elevados predizem uma mortalidade 3 a 5 vezes maior, principalmente quando dosados após alguns dias da admissão. PCR > 10 mg/dL na SCA prediz mortalidade aumentada, mesmo que a troponina seja negativa. Lembrar que esses marcadores têm valor apenas prognóstico e não diagnóstico.

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SJT Residência Médica


2

CAPÍTULO

Estados de choque e monitorização hemodinâmica Definição Muitas tentativas foram feitas para caracterizar o termo “choque” por completo, mas sem sucesso. Ele pode ser caracterizado como um estado em que ocorre redução sistêmica significativa da perfusão tecidual, que resulta na diminuição da oferta de oxigênio, levando a uma lesão celular inicialmente reversível, mas que, perdurando, torna-se irreparável. Logo após, aparecem os sinais de hipoperfusão tecidual e disfunção orgânica. Em outras palavras, choque é o estado em que há um desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio, resultando em perfusão orgânica inadequada e sofrimento celular, caracterizado por grave alteração do metabolismo (que passa de aeróbio para anaeróbio).

Fisiopatologia O aspecto comum entre as diversas síndromes de choque é a hipoperfusão, cujas consequências podem incluir hipóxia tecidual, metabolismo anaeróbio, acidose, produção de mediadores inflamatórios, isquemia e reperfusão circulatória, ocasionando lesão celular ou até síndrome de disfunção de múltiplos órgãos. Quando há hipoperfusão e, consequentemente, insuficiência de oxigênio para as necessidades celulares, ocorre glicólise anaeróbia, que leva a uma maior produção e acúmulo de lactato, ocasionando alteração do pH sanguíneo. A resposta cardiovascular global à acidose metabólica é determinada por efeitos diretos justamente da acidose e pela estimulação de catecóis. Como resposta sistêmica à hipoperfusão e à hipóxia, ocorre o fenômeno homeostático da centralização: um desvio do fluxo sanguíneo a fim de ga-

rantir o aporte de oxigênio para órgãos nobres como coração e cérebro. Com essa redistribuição do fluxo sanguíneo para órgãos vitais, que os protege da isquemia, há um comprometimento das circulações esplâncnica e intestinal. A primeira tem importância porque há uma relação do aumento da resistência vascular sistêmica com hipoperfusão desta, ou seja, com a vasoconstrição esplâncnica. Quanto ao comprometimento intestinal, este pode perpetuar o estado de choque e resultar em irreversibilidade, em resposta inflamatória sistêmica ressaltada e na síndrome da disfunção de múltiplos órgãos. Como há quatro grupos etiológicos de choque com muitos subtipos, classificados segundo o comprometimento circulatório, existem algumas particularidades fisiopatológicas de relevância.

Quadro clínico geral Alterações do nível de consciência levando a letargia, confusão e sonolência costumam ser frequentes no estado de choque. A diminuição da perfusão periférica leva a cianose, queda de temperatura e palidez em extremidades, e aumento do tempo de enchimento capilar. Além disso, taquicardia e taquipneia também ocorrem com frequência. Os pulsos periféricos costumam estar fracos e, em casos graves, apenas o pulso carotídeo e o femoral podem ser, cuidadosamente, palpados. A hipotensão geralmente está presente em virtude dos vários mecanismos fisiológicos apresentados. Já o débito urinário se encontra diminuído tanto por um pequeno volume aferente quanto pela produção hormonal em resposta à hipotensão.


Infectologia | volume 1

mecanismos compensatórios (taquicardia, taquipneia), FC igual ou superior a 100 bpm, FR igual ou superior a 22 irpm, PAS abaixo de 90 mmHg e diurese abaixo de 0,5 mL/kg/h são sinais objetivos que podem ser observados. Os achados laboratoriais incluem: lactato > 3 mmol/L, deficit de base < –5 mEq/L e PaCO2 < 32 mmHg. É importante lembrar que nenhum desses parâmetros deve ser avaliado isoladamente, pois o estado de choque é uma síndrome.

A distinção entre choque cardiogênico e choque hipovolêmico deve ser feita cuidadosamente, pois a terapia de ambos difere bruscamente. Os dois evoluem com redução do débito cardíaco associado à compensação simpática, que leva a taquicardia e elevação da resistência vascular periférica. O achado de turgência jugular, ritmo galope com B3 e estertores conduz a suspeita para o choque cardiogênico. Outros sinais e sintomas surgirão de acordo com o tipo de choque e a presença de patologia subjacente. No choque distributivo, por exemplo, a pele encontra-se quente e hiperemiada na maior parte dos casos. No choque séptico, podem-se encontrar febre e sinais flogísticos. Dor torácica, turgência jugular, dispneia, dor abdominal e outros sintomas dependerão da etiologia do choque e de sua peculiar fisiopatologia.

Para uma avaliação completa dos pacientes em estado de choque, é necessário atentar aos parâmetros hemodinâmicos e de perfusão tecidual, os quais estão descritos a seguir (e serão comentados no decorrer deste capítulo):

As principais manifestações clínicas encontradas no paciente com choque, de forma geral, estão resumidas a seguir: sinais de hipoperfusão tecidual, hipotensão, taquicardia, pulso fino e taquicárdico, pele fria e pegajosa, sudorese abundante, mucosas descoradas e secas, palidez, cianose, enchimento capilar lento, oligúria, diurese < 0,5 mL/kg/h, resfriamento das extremidades, hipotermia, respiração superficial, rápida e irregular, sede, náuseas e vômitos, alterações neurossensoriais e alteração do nível de consciência.

Classificação dos tipos de choque Didaticamente, dividimos os tipos de choque em: Choque distributivo: Séptico. Neurogênico. Anafilático. Insuficiência adrenal. Choque cardiogênico Choque hipovolêmivo Choque obstrutivo

Diagnóstico O diagnóstico do estado de choque é baseado principalmente em parâmetros clínicos, ou seja, nos sinais e sintomas de hipoperfusão tecidual e seus Hipovolêmico

Pré-carga

Enchimento diastólico

Cardiogênico

Dano miocárdico

Funções sistólica e diastólica

PA, FC, diurese, nível de consciência, PVC/∆PVC, DC, POAP, ∆PP, ∆PS, lactato, SvcO2 e SvO2, ∆PCO2, DO2, VO2 e quociente respiratório.

A seguir, descreveremos cada um dos tipos de choque e suas peculiaridades (Figura 2.1) Distributivo

Obstrutivo

Enchimento diastólico

Pós-carga ventricular

Função diastólica

Função sistólica

Depressão miocárdica

Pré-carga RVS

Má distribuição de fluxo Débito cardíaco

PAM

CHOQUE

.

Disfunção de múltiplos órgãos

Figura 2.1 Tipos de choque. Fonte: Goldman C, Ausiello D. Cecil’s textbook of medicine. 22. ed. Philadelphia: Saunders, 2004.

2

SJT Residência Médica


2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

Hipotensão arterial

Tipos de choque 62% distributivo (séptico)

Sinais de hipoperfusão tecidual

Ausente

Hipotensão crônica? Síncope (retransitória)

Presente

Cérebro Alteração do estado mental

Choque circulatório

Taquicardia

Débito cardíaco estimado ou SvO2

Lactato elevado

4% distributivo (não-séptico)

Pele Fria

2% obstrutivo

Baixo

Normal ou alto

16% cardiogênico

16% hipovolêmico

PVC Rim Oligúria Baixo

Alto

Ecocardiografia Choque distributivo

Choque hipovolêmico

Choque cardiogênico

Câmaras cardíacas normais e (usualmente) contratividade preservada

Câmaras cardíacas diminuídas e contratividade normal

Ventrículos aumentados e contratividade diminuída

Choque distributivo vaso dilatação

Choque hipovolêmico

Choque obstrutivo No tamponamento: efusão pericárdica, ventrículos diminuídos, veia cava inferior dilatada; Na embolia pulmonar ou pneumotórax: ventrículo direito dilatado, ventrículo esquerdo diminuído

Choque cardiogênico

Choque obstrutivo

perda de plasma ou volume sanguíneo

obstrução

falência ventricular

tamponamento pericárdico

Figura 2.2 Apresentação inicial dos tipos de choque. A figura mostra um algoritmo da apresentação inicial do paciente em choque (A); frequência relativa dos principais tipos de choque (B); e representações esquemáticas dos quatro principais tipos de choque (C). O algoritmo se inicia com a apresentação mais comum (hipotensão arterial), mas a hipotensão, muitas vezes, pode ser mínima ou ausente. PVC = pressão venosa central, SvO2 = saturação venosa mista de oxigênio. Fonte: adaptado de NEJM 2013; 369:1726-34.

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Infectologia | volume 1

As causas de choque hipovolêmico podem ser divididas em dois grandes grupos:

Choque hipovolêmico Introdução O insuficiente aporte de oxigênio aos tecidos ocorre tanto por redução do débito cardíaco (fluxo de fluídos), secundário ao retorno venoso reduzido, quanto por queda da hemoglobina, no caso do hemorrágico. A fim de preservar e manter a perfusão tissular, o organismo apresenta mecanismos de defesa homeostáticos metabólicos e hemodinâmicos. Tratando-se do choque hemorrágico, mais comum entre os hipovolêmicos, a hemorragia ocasiona redução do retorno venoso e, consequentemente, do débito cardíaco, o que resulta em uma queda dos níveis pressóricos e estimula receptores simpáticos do seio carotídeo. A consequência disso é a produção de noradrenalina, levando à constrição de arteríolas e vênulas.

Perda de fluidos orgânicos: diarreia, vômitos, aumento das perdas insensíveis (febre, queimaduras), poliúria, sepse, extravasamento para o terceiro espaço (cirrose, obstrução intestinal, pancreatite), reposição insuficiente (jejum prolongado, desidratação por privação de ingesta hídrica).

Quadro clínico:

A medula adrenal também participa do choque, produzindo adrenalina. Esta, por sua vez, ocasiona aumento da contratilidade cardíaca e da glicose periférica, buscando hemostase para a situação de estresse.

O choque hipovolêmico resulta da redução da pré-carga, uma vez que é um dos determinantes do volume sistólico. Quando diminui, ocorre queda do débito cardíaco.

Hemorragias: traumas, cirurgias, hemorragias digestivas altas ou baixas, ruptura de aneurisma de aorta ou ventricular, ruptura de hematoma, pancreatite necro-hemorrágica, fraturas, entre outras.

Diagnóstico

Como resposta à hemorragia, ocorre a produção de renina. Este hormônio converte o angiotensinogênio em angiotensina, que subsequentemente leva à produção de angiotensina II aos pulmões e ao fígado. A angiotensina II atua causando vasoconstrição arteriolar de músculo liso e excitação de aldosterona pelo córtex adrenal, a qual acarreta retenção de sódio e água pelos néfrons.

Causas

Taquicardia, taquipneia. Cianose periférica. Hipotensão arterial: caracterizada por PA sistólica < 90 mmHg ou PAM < 60 mmHg ou redução de 40 mmHg na PA sistólica de base. Redução no turgor e temperatura da pele por vasoconstrição. Redução na umidade das mucosas e conjuntivas. Perda súbita de peso. Oligúria. Hipotermia. Hipotensão postural. Alteração do estado mental.

As manifestações da hipoperfusão serão mais ou menos exuberantes de acordo com a gravidade da perda volêmica. Confira as características da classificação do choque hemorrágico na Tabela 2.1.

Classificação do choque hemorrágico Classe I

Classe II

Classe III

Classe IV

Perda volêmica (%)

< 15%

15%-30%

30%-40%

> 40%

Perda volêmica (mL)

< 750

750-1.500

1.500-2.000

> 2.000

Frequência cardíaca

< 100/min.

> 100/min.

> 120/min.

> 140/min.

Pressão arterial

Sem alterações

Sem alterações

Hipotenso

Hipotenso

Enchimento capilar

Sem alterações

Reduzido

Reduzido

Reduzido

Frequência respiratória

< 20/min.

20-30/min.

30-40/min.

> 35/min.

Débito urinário (mL/h)

> 30

20-30

5-20

Desprezível

Nível de consciência

Pouco ansioso

Ansioso

Ansioso-confuso

Confuso-letárgico

Reposição volêmica

Cristaloide

Cristaloide

Cristaloide+CH*

Cristaloide+CH*

Tabela 2.1 Classificação do choque hemorrágico. Fonte: adaptado de ATLS. (CH*) – concentrado de hemácias.

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SJT Residência Médica


2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

Exames laboratoriais:

Podemos obter as seguintes medidas no paciente em choque hipovolêmico:

Aumento da densidade urinária.

Aumento da osmolaridade urinária > 450 mOsmol/kg.

-↑ ­ FC (frequência cardíaca).

Concentração de sódio urinário < 25 mEq/L.

- ↓ PA média.

Fração de excreção de sódio < 1.

Hipernatremia.

Aumento da relação ureia/creatinina séricos (> 10:1).

Aumento no hematócrito.

Elevação do lactato sérico.

Acidose metabólica.

- ↓ pressões de enchimento: ↓ PVC (pressão venosa central) e ↓ POAP (pressão de oclusão da artéria pulmonar). - ↓ PAP (pressão da artéria pulmonar). - ↓ IC e DC (índice e débito cardíacos). -↑ ­ IRVS (índice de resistência vascular sistêmico). - ↓ IS (índice sistólico). - ↓ ITSVE e ITSVD (índices de trabalho sistólico dos ventrículos esquerdo e direito). - Variação da pressão de pulso (∆pp) > 13%. (∆pp PPmáx – Ppmín %)

Padrão Hemodinâmico do Choque Hipovolêmico

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Pulso paradoxal ou interferência maior que o normal do ciclo respiratório na PA sistólica ou na pressão de pulso.

- ↓ volume diastólico final do VD (ventrículo direito). A variação de pressão de pulso, um índice hemodinâmico muito útil na medida da volemia, tem sua variação no ciclo respiratório (∆pp) obtida subtraindo-se a pressão de pulso máxima (obtida na inspiração) menos a pressão de pulso mínima (obtida na expiração). O resultado é dividido pela média dos dois valores. O ∆pp maior que 13% é indicativo de hipovolemia, possui valor preditivo positivo melhor que PVC e PAPO. Por ser menos invasivo, é um índice bastante útil na prática clínica, mas que possui algumas condições necessárias para que sua medida seja fidedigna, como a necessidade de que o paciente esteja bem sedado e, muitas vezes, curarizado, além de entubado sob ventilação mecânica e sem a presença de arritmias (especialmente FA), o que limita o uso deste método em algumas circunstâncias (Figura 2.2). PPmáx PPmín PA

Há ainda outros tipos de monitorização hemodinâmica à beira do leito que podem auxiliar no diagnóstico e no manuseio dos pacientes em choque. A literatura tem dado enfoque maior aos tipos de monitorização hemodinâmica minimamente invasivos. Entre eles é possível citar monitores que utilizam outras formas de estimar o débito cardíaco diferentes do cateter de artéria pulmonar ou Swan-Ganz, como o Vigileo acoplado ao sensor FloTrac, o LiDCO, o PICCO, entre outros. O ecocardiograma e o ultrassom à beira leito têm ganhado cada vez mais espaço na prática clínica e maior atenção da comunidade científica.

PPmédia

PVA

A monitorização hemodinâmica pode ser feita de maneira invasiva ou não, de acordo com a gravidade do caso e a resposta às medidas iniciais. A medida da pressão venosa central (PVC) é a forma mais comum de inferir pré-carga. Essa medida apresenta diversas possibilidades de erros por motivos mecânicos, sendo seu número absoluto pouco relacionado com o estado volêmico, no entanto, a análise de sua variação pode ser útil, embora bastante questionada por alguns autores. A medida da pressão da artéria pulmonar ocluída (PAPO) necessita da passagem do cateter de artéria pulmonar, possibilitando a construção da curva de pressões de enchimento versus débito cardíaco na beira do leito, visando obter o melhor débito cardíaco na ressuscitação volêmica. Na presença de pressões baixas, estamos diante de hipovolemia relativa, estando indicada reposição volêmica adequada. Pode-se lançar mão dos cateteres de artéria pulmonar volumétricos, os quais podem medir automática e seriadamente a fração de ejeção e o volume diastólico final do ventrículo direito. O emprego deste tipo de cateter ainda é limitado em decorrência dos riscos de um método invasivo.

Variáveis hemodinâmicas:

Figura 2.3 Variação da pressão de pulso em paciente ventilado com pressão positiva passiva. Fonte: arquivo pessoal dos autores.

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Infectologia | volume 1

Variáveis de perfusão tecidual:

- ↓ SvO2 (saturação venosa mista de oxigênio). nio).

- ↓ ScO2 (saturação venosa central de oxigê-

- ↑ pCO2- gap (diferença entre a pressão parcial de CO2 da mucosa gástrica e pressão parcial de CO2 no sangue arterial, se estiver disponível tonometria gástrica; ou diferença entre a pressão parcial de CO2 no sangue venoso menos no arterial). - ↑ níveis séricos de lactato arterial. - ↓ DO2 (oferta tecidual de oxigênio). nio).

- ↑ TEO2 (taxa de extração tecidual de oxigêSvO2

A taxa de extração de oxigênio, determinada pela dosagem de saturação venosa mista de oxigênio (SvO2), pode ser obtida com o cateter de artéria pulmonar e também auxiliar diretamente no manejo da volemia, principalmente se monitorada de maneira contínua. A SvO2 recebe tal denominação por ser a saturação do sangue venoso (que ainda não passou

pelos pulmões para ser oxigenado) contido na artéria pulmonar. Em pacientes com demanda de oxigênio estável, a SvO2 tem boa correlação com DC. ScvO2 A saturação central de oxigênio (ScvO2), colhida do sangue no acesso venoso central da veia cava superior ou átrio direito, pode fazer as vezes da SvO2 em pacientes sem cateter de artéria pulmonar. O famoso estudo de Rivers et al. mostrou benefício de seu uso como guia da ressuscitação volêmica (manutenção da ScvO2 acima de 70%) em pacientes com choque séptico nas primeiras 6 horas. Em tal estudo, aplicando-se o protocolo denominado early goal-directed therapy (Figura 2.3), conseguiu-se redução da mortalidade em 16%, da disfunção orgânica e da necessidade de monitorização invasiva. Estes resultados foram alcançados, provavelmente, em razão da melhor e mais precoce adequação da oferta de oxigênio, obtida pela menor deterioração cardiovascular e menor redistribuição de fluxo sanguíneo, acarretando na redução da resposta inflamatória e suas consequências.

INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL OU OXIGÊNIO SUPLEMENTAR

PRESSÃO VENOSA CENTRAL E PRESSÃO INVASIVA

SEDAÇÃO OU PARALISIA

CVP

< 8 mmHg

Cristaloide Coloide

8-12 mmHg MAP

< 65 mmHg < 90 mmHg

Drogas vasoativas

> 65 e < 90 mmHg

ScvO2

< 70%

Transfusão de hemácias

70%

até hematócrito ≥ 30%

< 70%

> 70% Objetivos Não

Agentes inotrópicos

alcançados Sim Admissão hospitalar

Figura 2.4 Terapia guiada por metas ou early goal-directed therapy. CVP: pressão venosa central; MAP: pressão arterial média; ScvO2: saturação venosa de oxigênio. Fonte: Rivers E, Nguyen B; Havstad, S, et al. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001; 345:1368-77.

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SJT Residência Médica


2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

Ainda em relação a ScvO2 e SvO2, é importante salientar que ambas são úteis na avaliação da relação entre DO2 e VO2, podendo apresentar boa correlação com o débito cardíaco (DC) em determinadas situações. Diversos fatores podem interferir na sua medida, como PaO2, aumento do consumo de O2 (por agitação, febre, convulsões), níveis de hemoglobina, entre outros (conforme demonstrado na Figura 2.4). 70%

– VO2

+

DO2

Estresse Dor

DO2

PaO2 (SaO2)

PaO2 (SaO2)

VO2 Hipotermia Anestesia

Hb

Hb

débito cardíaco

débito cardíaco

Figura 2.5 Fatores que interferem na SvO2. Fonte: arquivo pessoal dos autores.

100 90 95 85 80 75 70 65 60 5550 0

O aumento dos níveis de lactato sérico, importante índice de oxigenação, reflete metabolismo anaeróbico em virtude da hipoperfusão nos estados de choque. Medidas de pressão parcial de oxigênio (PO2) tecidual falharam em mostrar hipóxia na presença de acidose láctica no choque. Estudos sugerem que o aumento do lactato pode resultar mais de alterações do metabolismo celular do que da hipoperfusão tecidual. Além disso, o aumento da glicólise, a alta produção de piruvato e a menor depuração hepática podem estar presentes nesse processo. Por isso, a análise contínua dos níveis do lactato e sua tendência podem ser mais importantes que seu número absoluto. Conceito mais recentemente aplicado é o do clearance de lactato, ou seja, a porcentagem de queda do lactato após instituição da terapêutica. Ao final de 6 horas após a apresentação do choque séptico, clearance de lactato maior do que 10% se correlaciona com 52% de diminuição da mortalidade hospitalar.

Também é importante salientar que valores absolutos iniciais de lactato sérico acima de 4 mmol/L (ou 36 mg/dL) estão correlacionados com pior prognóstico em pacientes sépticos, conforme demonstrado na Figura 2.7.

50 -

40 -

SvO2 ScvO2 1

2

3

4

5

6

7

8

30 -

20 -

9 10 11 12 13 14 15 16

Figura 2.6 Correlação entre ScvO2 e SvO2. Saturação venosa de oxigênio na evolução da sepse. Fonte: Reinhart K, Bloos F. The value of venous oximetry. Current Opinion in Critical Care. 2005; 11:259-63.
Alguns anos após a publicação de Rivers, citada anteriormente, questionou-se a validade da medida de SvO2 e ScvO2 após as primeiras horas ou dias com intuito de guiar a terapia hídrica, não havendo benefício em se utilizar tais parâmetros tardiamente. Mais recentemente, o estudo ProCESS, publicado no NEJM, demonstrou não haver diferença na mortalidade quando comparada a estratégia de tratamento baseada em metas (early-goal directed therapy) com a terapia convencional (baseada ou não em protocolo clínico). Dois outros estudos sobre a mesma questão estão em andamento: ARISE (Australasian Resuscitation in Sepsis Evaluation trial) e ProMISE (Protocolised Management in Sepsis trial). Aguardaremos seus resultados para chegarmos a uma recomendação definitiva.

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Mortalidade (%)

Saturação (%)

Apesar de não haver consenso, alguns trabalhos mostram que há boa correlação entre ScvO2 e SvO2, salientando que ScvO2 é geralmente maior (em valores absolutos) nos estados de choque, com ambas apresentando comportamento semelhante ao longo do tempo (Figura 2.5).

Lactato arterial

10 -

0

n=21

n=123

n=20

0,0-2,0 (n=827)

n=59

n=22

n=43

2,1-3,9

≥ 4,0

(n=238)

(n=112)

Valor de lactato inicial (mmol/L) = morte ≤ 3 dias

= óbito hospitalar

Figura 2.7 Correlação entre o valor do lactato sérico inicial e mortalidade. Fonte: Trzeciak S, Dellinger RP, Chansky ME, et al. Serum lactate as a predictor of mortality in patients with infection. Intensive Care Med 2007;33:970-7.

∆PCO2 O gap de CO2 começou a ser estudado inicialmente, baseado em achados da tonometria gástrica, que possibilita a medida de pressão

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parcial de dióxido de carbono (PCO2) da mucosa gástrica, considerada um bom método para avaliar a perfusão local e é preditora de desfecho em pacientes graves. O intestino apresenta fluxo de contracorrente em sua microcirculação, levando a um maior risco de hipóxia da mucosa. A mucosa do trato Gastrintestinal apresenta um limiar menor para oferta crítica de oxigênio que outros órgãos e a isquemia intestinal é considerada fator perpetuador da cascata inflamatória no estado de choque. Este era o racional para utilizar-se o pCO2-gap (diferença entre pressão parcial de CO2 da mucosa gástrica e pressão parcial de CO2 no sangue arterial) para aferir perfusão local, estando essa medida aumentada nos estados de choque. Entretanto, a tonometria foi retirada do mercado. Com isso, utilizando-se raciocínio similar na prática clínica, o ∆PCO2 é calculado pela diferença entre a pressão parcial de CO2 no sangue venoso colhido do cateter central e a pressão parcial de CO2 no sangue arterial. Nos estados de choque, ocorre aumento da produção de CO2, em razão do metabolismo anaeróbio, combinado com diminuição da clearance de CO2, já que ocorre importante queda no fluxo sanguíneo local. Desta forma, há um acúmulo de CO2 no sangue venoso, o que explica um aumento no ∆PCO2 já que os valores de CO2 no sangue arterial se mantêm. Alguns estudos demonstram boa correlação entre a medida do ∆PCO2 (venoso central – arterial) com o DC (Figura 2.8).

Choque cardiogênico Introdução Este tipo de choque pode ocorrer por causas diversas, que podem ser agrupadas em quatro categorias: doenças cardíacas isquêmicas, doença cardíaca valvular, arritmias e trauma. Em cada caso, uma alteração relevante da função cardíaca resulta em hipotensão por índice cardíaco diminuído, tal qual uma resposta neuroendócrina (Figura 2.9). Sistólica

Disfunção miocárdica

Diastólica

Pressão arterial

Volume diastólico final do ventrículo esquerdo

Débito cardíaco Volume sistólico

Perfusão coronariana

Perfusão sistêmica

Hipoxemia Isquemia Vasoconstrição Retenção de líquido

Disfunção miocárdica progressiva

Morte

Figura 2.9 Fisiopatologia do choque cardiogênico. Fonte: arquivo pessoal dos autores.

Causas Outra forma de classificar as causas de choque cardiogênico de maneira didática é:

Miopáticas: infarto do miocárdio, contusão miocárdica (trauma), miocardite, cardiomiopatia, depressão miocárdica séptica, farmacológicas (bloqueadores do canal de cálcio).

Mecânicas: insuficiência valvar, cardiomiopatia hipertrófica, defeito do septo ventricular.

Arritmias: bradiarritmias, taquiarritmias.

2.5

Ln Cardiac Index

2.0

Diagnóstico

1.5 1.0 0.5 0.0 0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Central Venous-Arterial pCO2 Gradient (mmHg)

Figura 2.8  Correlação entre ∆PCO2 e índice cardíaco. Fonte: Cuschieri J, Rivas EP, Donnino MW, et al. Central venous-arterial carbon dioxide difference as an indicator of cardiac index. Intensive Care Med. 2005; 31:818-22.

8

O quadro clínico é caracterizado por hipotensão, congestão pulmonar, dispneia, oligúria e confusão mental, presentes na maioria dos casos de baixo débito. Tais achados clínicos são inespecíficos, o que dificulta o diagnóstico de certeza. A monitorização hemodinâmica invasiva através do cateter de artéria pulmonar pode auxiliar nos casos de dúvida diagnóstica e, principalmente, no manuseio do choque cardiogênico. Os achados mais característicos são pressão sistólica menor que 90 mmHg ou queda da pressão sistólica basal maior que 30 mmHg, índice cardíaco menor que 1,8 L/min/ m2, pressão de oclusão da artéria pulmonar, geralmente, maior que 18 mmHg e índice de resistência vascular sistêmica maior que 2.000 dyn/seg/m2. Pode ser observado aumento na fração de extração do O2, decorrente da diminuição da oferta e aumento do consumo.

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2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

Padrão hemodinâmico do choque cardiogênico

Choque Séptico

Variáveis hemodinâmicas:

Sepse é uma síndrome clínica caracterizada por inflamação sistêmica e dano tecidual generalizado de etiologia infecciosa. Assume indubitável e crescente posição de destaque na prática médica, principalmente na rotina do médico intensivista. A despeito das recentes conquistas no conhecimento de sua fisiopatologia e no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas, observamos aumento progressivo em sua incidência e elevados índices de mortalidade.

↑ FC , ↓ PA média, ↑ pressões de enchimento: ­↑ PVC;

↑ POAP, ↑­ PAP, ↓↓ IC e DC , ↑ IRVS , ↓ IS , ↓ ITSVE e ITSVD.

Variação da pressão de pulso (∆pp) <13%.

↑ volume diastólico final do VD (ventrículo direito).

Variáveis de perfusão tecidual:

↓ SvO2 , ↓ ScO2.

↑ ∆ CO2.

↑ níveis séricos de lactato.

↓ DO2.

↑ TEO2, na tentativa de manter o consumo de oxigênio (VO2).

Introdução

A sepse é a principal causa de óbito em pacientes críticos nos Estados Unidos e a décima causa de óbito geral, sendo responsável por cerca de 2% de todas as internações, com 59% dos pacientes sépticos necessitando cuidados intensivos, totalizando cerca de 10% das admissões em UTI. Este número vem aumentando progressivamente com o passar do tempo, em todo o mundo. Apesar dos avanços no conhecimento desta síndrome, a mortalidade continua extremamente elevada, principalmente se houver demora no diagnóstico e se as medidas terapêuticas conhecidas não forem tomadas rapidamente.

Definições Choque distributivo Pode ser classificado em:

choque vasoplégico;

choque neurogênico;

choque anafilático;

choque por hipotireoidismo/hipocortisolismo;

choque por hiperviscosidade.

Entre as causas de choque vasoplégico, as principais são:

Infecção: fenômeno microbiano caracterizado por uma resposta inflamatória à presença ou invasão de micro-organismos em tecido normalmente estéril do hospedeiro.

Bacteremia: presença de bactérias viáveis no sangue.

Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS): resposta inflamatória generalizada a uma variedade de insultos clínicos graves. Esta síndrome é clinicamente reconhecida pela presença de dois ou mais dos seguintes critérios:

- Temperatura > 38 ºC ou < 36 ºC; - Frequência cardíaca > 90 batimentos/min;

sepse;

intoxicação por CO;

- Frequência respiratória > 20 respirações/min ou PaCO2 < 32 mmHg;

hipotensão prolongada;

- Leucograma > 12.000 células/mm³, < 4.000 células/mm³, ou com mais de 10% de formas jovens.

doenças mitocondriais;

parada cardiorrespiratória, intoxicação por cianeto e metformina.

Abordaremos os principais tipos de choque distributivo neste capítulo: choque séptico, choque neurogênico e choque anafilático.

SJT Residência Médica

Sepse: sepse é definida como a presença de infecção (documentada ou presumida) acompanhada de manifestações sistêmicas secundárias.

Sepse grave: sepse associada à hipoperfusão ou disfunção orgânica:

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Cardiovascular - Pressão arterial sistólica ≤ 90 mmHg ou pressão arterial média < 70 mmHg ou redução > 40 mmHg na PAS basal, por pelo menos 1 hora, a despeito de adequada ressuscitação volêmica ou o uso de vasopressores para atingir os mesmos objetivos.

Hematológica - Plaquetas < 100.000/mm³ ou queda de 50% por três dias ou coagulação intravascular disseminada. Metabólica - pH ≤ 7,30 ou deficit de bases > 5,0 mmol/L e

Renal - Débito urinário < 0,5 mL/kg/h ou insuficiência renal aguda. Pulmonar - PaO2/FiO2 < 250 na ausência de pneumonia como causa de infecção ou < 200 na presença de pneumonia como causa de infecção.

- Lactato plasmático uma vez e meia acima do limite normal.

Choque Séptico: choque séptico é definido como hipotensão induzida pela sepse persistente, a despeito de adequada ressuscitação hídrica.

Hipoperfusão orgânica induzida pela sepse é definida como hipotensão induzida pela infecção, hiperlactatemia ou oligúria.

Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas (DMOS): presença de função orgânica alterada em um paciente agudamente enfermo tal que a homeostase não pode ser mantida sem intervenção.

Gastrintestinal - Disfunção Hepática (hiperbilirrubinemia, transaminases elevadas). Sistema Nervoso Central - Alteração aguda no estado mental (delirium).

Variáveis genéricas (Febre (temperatura central > 38,3 °C), ou hipotermia (temperatura central < 36 °C). Frequência cardíaca > 90 bpm, taquipneia, alteração do estado mental, edema ou balanço hídrico positivo > 20 ml/kg em 24 h, hiperglicemia > 140 mg/dL sem diabetes. Variáveis hemodinâmicas hipotensão arterial (PS < 90 mm Hg, PAM < 70 mm Hg, ou um PS diminuindo > 40 mm Hg. Variáveis de disfunção organica: hipoxemia (PaO2/FiO2 < 300), oliguria (< 0,5 mL/kg/h por no mínimo 2 h a despeito de adequada reposição volêmica). Elevação de Creatinina > 0,5 mg/dL ou 44,2 µmol/L Distúrbios de coagulação (INR > 1.5 or TTPA > 60 s). Íleo. Trombocitopenia (< 100,000 µl–1). Hiperbilirubinemia (> 4 mg/dL ou 70 µmol/L). Variáveis de perfusão tecidual: Hiperlactatemia (> 1 mmol/L), diminuição de reenchimento capilar. Variáveis inflamatórias: Leucocitose (leucócitos > 12.000 cels/mm3) ou leucopenia (leucócitos < 4.000 cels/mm3) ou presença de > 10% de formas jovens (bastões), proteína C reativa, ou procalcitonina > 2 desvios padrão acima dos valores de normalidade.

Figura 2.10 Critérios diagnósticos para sepse. Fonte: Crit Care Med 2013; 41:580-637.

Simplificando, pode-se dizer que o marco no choque séptico é um foco de infecção, que dissipa micróbios e libera mediadores pró-inflamatórios (sendo os principais o TNF-α, a IL-1 e a IL-6) e anti-inflamatórios na corrente sanguínea, ocasionando vasodilatação periférica, redução da resistência vascular e aumento do débito cardíaco (DC). Em razão da ação dos mediadores inflamatórios, ocorre dano endotelial, com ativação do fator tecidual (FT), que ativa a cascata de coagulação pelos fatores VIIa e Va. Há ainda prejuízo da fibrinólise, em virtude da liberação de PAI1 (fator inibidor do plasminogênio tecidual), que inibe o plasminogênio tecidual (t-PA). Concomitantemente, os mediadores inflamatórios são responsáveis pelo aumento da trombina, que, ligada à trombomodulina, libera o fator inibidor da trombólise ligado à trombina (TAFI). Além das ações antifibrinolítica e de pró-coa-

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gulação, a trombina possui ainda importante atividade pró-inflamatória, uma vez que ativa neutrófilos ligados à P-selectina e é responsável pela quimiotaxia de leucócitos. Portanto, no paciente séptico ocorre ativação das cascatas tanto inflamatória quanto de coagulação. A evolução final deste quadro é, muitas vezes, falência múltipla dos órgãos e morte.

Padrão hemodinâmico no choque séptico Em razão de sua própria fisiopatologia complexa, intervenções terapêuticas e eventos clínicos correlacionados, o choque séptico pode apresentar inúmeros padrões hemodinâmicos e de oxigenação.

SJT Residência Médica


2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

O choque séptico apresenta hipoperfusão tecidual, mesmo na presença de estado hiperdinâmico com DC alto, em virtude do quadro complexo de alteração de fluxo em vários leitos. A disfunção celular é o quadro final dos estados de sepse e seus mecanismos mais proeminentes são: isquemia celular, quebra do metabolismo celular causada pelos mediadores inflamatórios e efeito tóxico dos radicais livres. Metade dos pacientes vítimas fatais de choque séptico apresenta síndrome de disfunção de múltiplos órgãos. Cada vez mais têm se valorizado os índices de oxigenação e perfusão teciduais e celulares, e algumas particularidades devem ser destacadas: pacientes sépticos apresentam, geralmente, níveis de DC elevados e má distribuição do fluxo aos diversos órgãos. Isso pode manter a SvO2 alta, sem que isso signifique boa perfusão tecidual. Portanto, a interpretação da SvO2 nas primeiras horas do choque séptico deve ser realizada de forma linear e seu valor abaixo de 65% deve ser valorizado, uma vez que indica má perfusão. O aumento dos níveis de lactato sérico, importante índice de oxigenação, reflete metabolismo anaeróbico em virtude da hipoperfusão nos estados de choque. Porém, a interpretação dos níveis de lactato nos pacientes sépticos não segue um padrão linear apesar de se encontrar bastante aumentado na maioria das vezes. Estudos sugerem que no paciente séptico, o aumento do lactato pode resultar mais de alterações do metabolismo celular do que da hipoperfusão tecidual. Além disso, o aumento da glicólise, a alta produção de piruvato e a menor depuração hepática podem estar presentes nesse processo. Por isso, a análise contínua dos níveis do lactato e sua tendência podem ser mais importantes que seu número absoluto. A disfunção cardíaca da sepse é um evento de mecanismo complexo e multifatorial em que não há evidência de isquemia. O fluxo coronariano é normal e não há aumento do lactato na drenagem venosa do miocárdio. Acontece em até 30% dos casos e cursa com importante dilatação das câmaras cardíacas, queda da fração de ejeção e diminuição da resposta contrátil a aumentos das pressões de enchimento.

Variáveis hemodinâmicas:

↑ ↑ FC

↓ PA média

Pressões de enchimento inicialmente baixas: ↓ PVC e ↓ POAP

- Caso haja alteração da complacência ventricular direita, PVC pode aumentar. - POAP pode normalizar ou aumentar com o decorrer do quadro.

SJT Residência Médica

↑ ↑ IC e DC

- Se houver miocardiopatia séptica, o IC deve diminuir.

↓ ↓ IRVS

Variáveis de perfusão tecidual:

SvO2 e ScvO2 ↓ inicialmente e ↑ evolutivamente

↑ ∆ CO2

↑ níveis séricos de lactato

↓ TEO2 evolutivamente (pela disfunção mitocondrial)

Choque Neurogênico Ocorre quando há perda de função do sistema nervoso simpático ou interrupção deste, seja perto de sua origem hipotalâmica ou à altura da medula cervical e torácica. Esta perda do tônus simpático termina por ocasionar vasodilatação e diminuição da resistência vascular, o que leva a uma hipotensão clínica.

Padrão hemodinâmico no choque neurogênico

Pressão arterial sistólica de aproximadamente 100 mmHg, em posição supina, mas muito sensível à mudança de decúbito.

Hipotensão postural e bradicardia associada à hipotensão são características importantes desse tipo de choque.

Diminuição das pressões de enchimento (pressão venosa central e pressão de oclusão da artéria pulmonar) em razão do aumento do território venoso por perda da atividade simpática.

Débito cardíaco normal ou diminuído. Em geral, a queda do DC está associada a uma queda importante das pressões de enchimento.

A saturação venosa mista (SvO2) estará diminuída se houver queda importante do DC.

Choque Anafilático É um estado caracterizado por insuficiência respiratória, frequentemente associada ao choque, podendo ou não cursar com urticária e/ou angioe-

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Infectologia | volume 1

dema, ocorrendo minutos após a exposição a um antígeno específico. Inúmeras substâncias na natureza podem causar choque anafilático, que ocorre em 30% dos casos de anafilaxia. Há um aumento da permeabilidade vascular, com perda de 50% do volume intravascular, o que leva a hemoconcentração e hipovolemia. Em razão da queda do IRVS, ocorre diminuição do retorno venoso, gerando pressões de enchimento baixas. Isso, por sua vez, determina queda do DC, culminando com hipotensão arterial e consequente diminuição da perfusão tecidual. Pode ocorrer edema pulmonar com POAP baixa, em razão do aumento da permeabilidade vascular pulmonar (edema pulmonar não cardiogênico e de baixa pressão). O quadro respiratório pode se agravar pela presença de laringospasmo.

Padrão hemodinâmico do choque anafilático

Pressão arterial média diminuída.

Pressão de oclusão da artéria pulmonar e pressão venosa central diminuídas.

Índice de resistência vascular sistêmico diminuído.

Débito cardíaco diminuído, com evolução do quadro, em razão da queda nas pressões de enchimento.

Índice de resistência vascular pulmonar pode estar normal, mas pode estar aumentado devido à hipoxemia.

Saturação venosa mista (SvO2) diminuída.

Lactato sérico aumentado.

Choque obstrutivo Introdução O choque obstrutivo caracteriza-se pela presença de um obstáculo à saída de sangue, dificultando o trabalho cardíaco. Suas principais causas são embolia pulmonar e tamponamento cardíaco. As características hemodinâmicas dependerão do sítio de obstrução e as manifestações clínicas estão relacionadas com o tempo de obstrução.

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Causas Prejuízo no enchimento diastólico:

Obstrução na veia cava (tumores).

Aumento da pressão intratorácica (pneumotórax, ventilação mecânica, asma).

Redução da mobilidade cardíaca (pericardite constritiva, tamponamento cardíaco).

Prejuízo na contração sistólica:

Embolia pulmonar.

Hipertensão pulmonar aguda.

Dissecção de aorta ascendente.

Fisiopatologia O choque obstrutivo possui duas causas principais já citadas na introdução: embolia pulmonar e tamponamento cardíaco. A embolia pulmonar se caracteriza pela presença de material obstrutivo (trombo) na artéria pulmonar. O trombo, geralmente endógeno e formado por alterações endoteliais, estase ou trauma vascular, é proveniente, em 95% das vezes, de veias profundas da extremidade inferior. Após sua formação, o trombo pode se desprender do sítio de origem, formando o êmbolo, que viaja através dos vasos e aloja-se na artéria pulmonar. As manifestações clínicas e hemodinâmicas dependem, principalmente, da extensão da embolia e da reserva cardiopulmonar do indivíduo. Uma obstrução arterial submaciça causa hipoxemia, e esta estimula o tônus simpático a aumentar o retorno venoso, resultando em aumento do DC. Em um indivíduo com boa reserva funcional, portanto, não haverá manifestações clínicas graves. À medida que o grau de obstrução na artéria pulmonar for aumentando, a hipoxemia grave estimula ainda mais o tônus simpático, o que ocasiona aumento da pressão na artéria pulmonar e sobrecarga do ventículo direito, com redução importante da pré-carga e do DC. O limite extremo desta situação ocorre quando há deficit ventricular direito, resultante da incapacidade do VD em suportar a sobrecarga volumétrica proveniente do retorno venoso aumentado e da impossibilidade de realizar a sístole, devido à obstrução na artéria pulmonar. A insuficiência cardíaca direita será mais ou menos precoce de acordo com as condições basais do indivíduo. O tamponamento cardíaco se apresenta com prejuízo do enchimento ventricular, em razão acúmulo de líquido no espaço pericárdico. A pressão intrapericárdica normalmente é zero ou negativa, acompanhando a pressão intrapleural na respiração. O acúmulo de líquido no espaço pericárdico, frequentemente em razão da pericardite, causa aumento nas pressões intracardíacas e impede seu

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2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

enchimento durante a diástole, reduzindo o DC. Como resultado do aumento global das pressões intracardíacas, haverá uma equalização das pressões, elemento de grande valia no diagnóstico de tamponamento cardíaco pelo cateter de artéria pulmonar (Swan-Ganz). O tamponamento poderá se manifestar sob a forma de síndrome congestiva ou síndrome de baixo débito. Nos estágios iniciais, a taquicardia e a aceleração do relaxamento ventricular, desencadeadas pela hiperatividade simpática, podem manter o DC por algum tempo. Porém, com o esgotamento deste mecanismo compensatório, ocorrerão evolução para o choque franco (hipotensão progressiva), bradicardia e parada cardíaca.

Diagnóstico Tanto o histórico como o exame físico são notoriamente não específicos nos pacientes em investigação para embolia pulmonar. O sintoma mais comum desta patologia é a dispneia súbita, seguindo-se em ordem decrescente de frequência a dor pleurítica, a tosse, o edema e dor nos membros inferiores, a hemoptise, as palpitações e a dor do tipo angina. A taquicardia e taquipneia são os sinais mais encontrados, apesar de inespecíficos. A combinação dos sintomas da tríade clássica, dispneia súbita, hemoptise e dor torácica, pode ajudar no diagnóstico, mas ocorre com menos frequência. O que nos guiará na investigação diagnóstica é o forte grau de suspeição: pacientes com fatores de risco para trombose venosa profunda (imobilizados no leito pós-operatório de grandes cirurgias, portadores de neoplasias) que apresentarem sinais ou sintomas não explicáveis pela sua patologia de base e compatíveis com embolia pulmonar, devendo ser prontamente avaliados seguindo protocolo-padrão para embolia pulmonar. O tamponamento cardíaco pode manifestar-se clinicamente de três formas: subaguda, aguda grave e de baixa pressão. A forma subaguda é aquela que se apresenta após acúmulo de líquido no espaço pericárdico durante dias a semanas. O paciente apresentará ao exame físico turgência jugular patológica, pulso paradoxal, taquipneia, taquicardia, atrito pericárdico (30% dos casos), hipofonese de bulhas (35% dos casos) e poderá queixar-se de dispneia, ortopneia e dor torácica opressiva. A forma aguda grave ocorre quando há acúmulo rápido de líquido, geralmente sangue (hemopericárdio), após trauma torácico, ruptura iatrogênica do miocárdio ou pós-operatório. A tríade clássica deste evento é hipotensão arterial, turgência jugular e hipofonese de bulhas. É condição grave com risco iminente de morte, exigindo intervenção imediata. O tamponamento cardíaco de baixa pressão caracteriza-se pela associação de tamponamento cardíaco e hipovolemia. Constitui-se em desafio diagnóstico, uma vez que os sinais e sintomas de tamponamento cardíaco (turgência jugular, pulso paradoxal) estarão mascarados pela hipotensão. Pacientes com pericardite urêmica po-

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dem apresentar este quadro, assim como pacientes com pericardite tuberculosa e pericardite neoplásica muito depletados. A reposição volêmica melhora a pressão arterial e torna o quadro clínico mais típico. Todos os pacientes com suspeita de tamponamento cardíaco devem ser submetidos ao ecocardiograma para diagnóstico e guia terapêutico. Os pacientes hemodinamicamente instáveis (forma aguda grave) devem ser submetidos a pericardiocentese de alívio (punção de Marfan), mesmo se não houver tempo de realizar o ecocardiograma.

Padrão hemodinâmico no choque obstrutivo Achados hemodinâmicos na embolia pulmonar No choque obstrutivo por embolia pulmonar, a apresentação hemodinâmica dependerá de fatores como tamanho do êmbolo, número de êmbolos e velocidade de instalação (Tabela 2.2). Embolia Pulmonar (EP) EP não maciça

EP maciça ↑

FC

N ou ↑

PAM

N

PVC

N ou ↑

POAP

N ou ↓

IC

N

IRVS

N ou ↑

IRVP

↑↑

PAP

↑↑

SvO2

N ou ↓

Lactato arterial

N ou ↑

N: normal; ↑: aumentado; ↓: diminuído.

Tabela 2.2 EP: embolia pulmonar. FC: frequência cardíaca; PAM: pressão arterial média; PVC: pressão venosa central; POAP: pressão de oclusão da artéria pulmonar; IC: índice cardíaco; IRVS: índice de resistência vascular sistêmica; IRVP: índice de resistência vascular pulmonar; POAP: pressão de oclusão da artéria pulmonar; SvO2: saturação venosa mista. Fonte: elaborada pelos autores.

Achados hemodinâmicos no tamponamento cardíaco Os achados hemodinâmicos no tamponamento cardíaco são influenciados pela presença de hipovolemia, pela velocidade de acúmulo dos líquidos e pela resposta do sistema nervoso simpático. Por exemplo, a hipovolemia pode mascarar os sinais clínicos do tamponamento cardíaco, betabloqueadores podem atenuar a resposta do sistema nervoso simpático (Tabela 2.3).

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Tamponamento cardíaco e variáveis Tamponamento cardíaco FC

PAM

PVC

POAP

IC

IRVS

IRVP

↑ se hipoxemia e acidose estiverem presentes

PAP

Equalização das pressões diastólicas

SvO2

Lactato arterial

Tabela 2.3 Tamponamento cardíaco e variáveis. Fonte: elaborada pelos autores.

POAP = 15-18 mmHg.

Índice cardíaco > 2,2 L/min/m2..

Manutenção do fornecimento de O2:

Hb > 7,0 g/dL ou > 9,0 g/dL em casos de ICO.

Oxigênio suplementar e/ou ventilação mecânica para manutenção da SaO2 ≥ 94% e PaO2 ≥ 90 mmHg.

Reversão da disfunção orgânica:

Abordagem geral do paciente com choque O paciente com suspeita de choque poderá se apresentar ao exame físico com os seguintes sintomas: taquicardia, hipotensão, hipoperfusão periférica, oligúria e encefalopatia. O primeiro passo no direcionamento da investigação diagnóstica compreende a história clínica e exame físico, a avaliação laboratorial geral (hemograma, ureia, creatinina, eletrólitos, coagulograma, gasometria arterial, urina I, lactato e glicose), ECG e radiografia do tórax. Simultaneamente à solicitação destes exames, deverá ser puncionado acesso venoso central, efetuados monitorização cardíaca contínua, oximetria de pulso e suporte hemodinâmico (se PAM < 60), com a realização do desafio hídrico e uso de drogas vasoativas nos casos refratários ao desafio hídrico. Estes pacientes geralmente precisam de cuidados em ambiente de terapia intensiva, por isso a solicitação de vaga neste setor deve ser agilizada. Quando, apesar de todos os esforços, diagnóstico e/ou estabilização hemodinâmica não forem atingidos, o cateter de artéria pulmonar (demonstrando débito cardíaco, pressões de enchimento e oferta de O2) pode ajudar. O ecocardiograma também poderá mostrar anormalidades valvares, comunicações intracardíacas, presença de líquido no saco pericárdico e alteração da função cardíaca. É importante ter em mente os objetivos do tratamento inicial do choque para saber se as medidas tomadas estão sendo eficazes. Estes objetivos são:

Hemodinâmicos:

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PAM > 65 mmHg.

PVC = 8-12 mmHg.

Redução do lactato arterial. ScvO2 > 70%. ∆CO2 ≤ 6. Manutenção do débito urinário ≥ 1 mL/kg/h. Melhora do nível de consciência. Melhora no consumo de oxigênio (Tabelas 1.4 e 1.5).

Parâmetros que norteiam a reposição volêmica

Frequência cardíaca (FC), pressão arterial média (PAM) e diurese. PVC e POAP. Relação entre a POAP e o DC. Consumo de oxigênio (VO2), saturação venosa mista de oxigênio (SvO2) e lactato. Gradiente entre PgCO2 da mucosa gástrica (Imagem 1) e PaCO2 ou diferença venoarterial de CO2.

Tabela 2.4 Parâmetros que norteiam a reposição volêmica. Fonte: elaborada pelos autores.

Parâmetros indicadores de restauração adequada de volemia durante ressuscitação hídrica

Diminuição da FC, aumento da PAM e da diurese. Aumento da PVC e da POAP. Aumento concomitante da POAP e do DC. Quando o aumento da POAP não proporciona aumento adicional do DC, este é o ponto de interrompermos a infusão de líquidos. Aumento do VO2. Quando este não aumenta, mas também se reconhece como bom parâmetro para se interromper a infusão de líquidos. Manter SvO2 acima de 65%. Diminuição dos níveis séricos de lactato. Queda do gradiente entre PgCO2 e PaCO2 ou ∆CO2 < 6.

Tabela 2.5 Parâmetros indicadores de restauração adequada de volemia durante ressuscitação hídrica. Fonte: elaborada pelos autores.

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2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

Tratamento direcionado dos choques Tratamento do choque hipovolêmico A reversão do estado de choque hipovolêmico está relacionada à causa do choque, mas até ser identificada e tratada, medidas urgentes devem ser tomadas. O distúrbio hemodinâmico primário neste choque é a redução da pré-carga. Por isso, após garantia de abertura de vias aéreas e boa ventilação, a restauração da pré-carga pela da administração de fluidos será o objetivo principal. A reposição volêmica produz significativa melhora na função cardíaca e na oferta sistêmica de oxigênio, melhorando a perfusão tecidual e revertendo o metabolismo anaeróbico. Um cuidado importante a ser tomado, independentemente do tipo de fluido escolhido, é o aquecimento prévio à infusão, pois a hipotermia pode causar graves problemas, como distúrbios de coagulação e arritmias fatais. A quantidade de fluido inicial deve ser de pelo menos 20 mL/kg com monitorização: diminuição da taquicardia, melhora do volume urinário e do nível de consciência.

Tipos de solução para reposição volêmica O tipo de fluido a ser administrado e a rapidez da reposição serão ditados pelo conhecimento da patologia do doente e por cuidadosa monitorização clínica e hemodinâmica à beira do leito. A escolha deve levar em consideração os possíveis efeitos negativos de cada solução.

Cristaloides

Os cristaloides contêm água e eletrólitos em concentrações variáveis, podendo ser hipotônicos, isotônicos ou hipertônicos em relação ao plasma. São os fluidos mais frequentemente utilizados na ressuscitação volêmica, com eficácia demonstrada na literatura. Os principais exemplos são o Ringer Lactato e o soro fisiológico. De maneira geral, as soluções cristaloides são seguras, atóxicas, não reagentes, baratas e prontamente disponíveis. Existem estudos evidenciando que 20% do Ringer Lactato infundido permanece no vaso após duas horas do término de sua infusão. Grande parte deste líquido acaba extravasando para o espaço intesticial. Existem questionamentos em relação ao possível prejuízo na oxigenação celular, pois a distância a ser percorrida pelo oxigênio seria maior. Outra dúvida é se a diluição de proteínas plasmáticas não contribuiria para o edema periférico e para alterações na cascata da coagulação, perpetuando distúrbios hemorrágicos. O uso de soluções salinas hipertônicas a 7,5% induz expansão intravascular em maior grau que o volume infundido. Parece existir um efeito

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adicional com aumento da contratilidade cardíaca e redução da resistência vascular sistêmica. Adicionalmente, haveria também uma redução da pressão intracraniana, sendo bastante interessante em pacientes politraumatrizados e com TCE. Por outro lado, podem causar aumento da osmolaridade, do sódio e do cloro. Temem-se, ainda, a redução rápida do volume cerebral com risco de sangramento intracraniano e desencadeamento de mielinólise pontina. Nos pacientes sépticos, a recomendação atual do Surviving Sepsis Campaign (SSC) é a de que os cristaloides devem ser a primeira opção na reposição volêmica, na quantidade inicial de 30 mL/kg de peso. Os coloides não são mais recomendados, devido ao maior índice de insuficiência renal aguda e maior necessidade de terapia de substituição renal, além de maior mortalidade no grupo de pacientes que recebeu coloides, quando comparados aos cristaloides.

Coloides

Os coloides podem ser encontrados na forma de albumina, gelatinas, dextranos e hidroxietilamido (HES). A albumina é responsável por 80% da pressão coloidosmótica do plasma. Quando usada na reposição volêmica, é extraída do plasma humano e apresenta-se em concentrações de 5%, 20% e 25%. Quando é administrada em concentrações acima de 5%, causa transferência de líquido do espaço extra para o intravascular, permanecendo neste local durante 16 horas. Diversas críticas têm sido feitas ao seu uso, incluindo seu alto custo e a falta de estudos que comprovem aumento da sobrevida com sua utilização. Contudo, é inequívoco que o uso desta solução causa uma maior expansão volêmica com menor volume, causando menos edema e permitindo um intervalo de tempo maior entre as administrações. É recomendado seu uso na reposição volêmica de pacientes com sepse grave ou choque séptico, que necessitem de grandes volumes de cristaloides. As gelatinas são polipeptídeos derivados do colágeno bovino modificado, têm peso molecular de 35.000 dáltons, sendo facilmente eliminadas por via renal. Desta forma, seu tempo de permanência no vaso é de 2,5 horas. Sua principal complicação é a reação anafilática estimada em 0,1%. São pouco utilizadas na prática clínica. Os dextranos são misturas de polímeros de glicose de vários tamanhos e pesos moleculares produzidos por bactérias em meio contendo sacarose. A expansão volêmica causada pelo dextrano depende da velocidade de sua eliminação no plasma e do peso molecular. Infusão de 1 litro de dextrano-70 leva a um aumento do volume plasmático de 790 mL, porém a duração máxima da expansão não ultrapassa 1,5 hora após o término da infusão. A utilização destes expansores está relacionada a complicações como deposição nos túbulos

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renais causando disfunção, reações anafiláticas, defeitos na coagulação, interferências na tipagem sanguínea e alterações na glicemia. Em razão das tais complicações, estas substâncias são pouco usadas no nosso meio.

ser mantidos com Hb acima de 9-10 g/dL, exceto aqueles com IAM e angina instável. Obviamente, os pacientes com choque hemorrágico necessitam da reposição de hemoderivados, sendo outra exceção ao já comentado.

O hidroxietilamido é uma molécula sintética semelhante ao glicogênio, que forma soluções heterogêneas de peso molecular variável. Permanece no vaso por até 24 horas. A quantidade máxima a ser utilizada destas substâncias, conforme orientações do fabricante, é de 20 mL/kg, e doses maiores que estas estão associadas a coagulopatias por depressão do fator VII, efeito colateral destes expansores. Além disso, conforme comentado anteriormente, comprovou-se aumento no índice de IRA (insuficiência renal aguda) e maior necessidade de diálise em alguns trabalhos, bem como aumento da mortalidade em outros com o uso dos amidos sintéticos, quando comparados aos cristaloides.

O plasma fresco congelado deve ser utilizado com o intuito exclusivo de repor fatores de coagulação, sempre guiado pelo coagulograma.

Desta forma, em razão das evidências recentes da literatura, há uma forte tendência em se preferir cristaloides para a reposição volêmica. Para pacientes sépticos, isto já está bem estabelecido e a recomendação do SSC é do uso de cristaloides como primeira opção (grau 1B) e não utilização de coloides (grau 1B).

Transfusão de hemoderivados

A transfusão de hemoderivados tem, cada vez mais, indicações mais restritas na reposição volêmica. O concentrado de hemácias deve ser utilizado quando o transporte de oxigênio precisar ser otimizado. Embora o valor ideal do hematócrito para todos os pacientes ainda seja uma questão polêmica, pode-se dizer que cada paciente deve ser analisado na situação clínica que está inserido, levando-se em consideração sua reserva fisiológica coronária. Estudos prévios indicam que 85% dos pacientes com tempo de internação na UTI superior a uma semana são transfundidos, recebendo, em média, 3-4 unidades de concentrado de hemácias semanalmente. Mesmo nos pacientes admitidos para tratamento sem sangramento agudo, observa-se uma queda na concentração de hemoglobina (Hb) de 0,5 g/dL ao dia, nos primeiros dias, com uma tendência de estabilização a partir do terceiro dia. Além do risco de transmissão de infecções virais, a transfusão sanguínea está implicada em complicações microcirculatórias e imunossupressivas, sendo esta última associada ao maior risco de infecção hospitalar, observado em pacientes que foram transfundidos durante a internação na UTI. Entretanto, estudo multicêntrico, randomizado e controlado, desenhado para demonstrar que uma estratégia de transfusão mais restritiva, considerando 7 g/dL como limiar para indicar a prescrição de concentrado de glóbulos, determinou profundas mudanças nas antigas convicções de que pacientes graves deveriam

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Já o uso de plaquetas tem sua indicação nos casos de plaquetopenia acompanhada de sangramento ativo ou quando o valor absoluto é tão baixo que representa risco de sangramento espontâneo, caracterizando os casos mais graves.

Tratamento do choque cardiogênico O tratamento será direcionado às medidas de suporte: oxigenação, controle de arritmias, manutenção da PA. O controle da hipotensão é essencial para reversão do quadro. O uso de drogas inotrópicas, como a dobutamina, pode melhorar o DC, mas não a hipotensão. Por isso, o uso de vasopressores, como a noradrenalina, muitas vezes se faz necessário, associando-se o inotrópico após melhora pressórica. Outras drogas inotrópicas, como os inibidores da fosfodiesterase (amrinona e milrinona), dopamina em dose β, dopexamina (análogo da dopamina) e levosimendana (sensibilizador dos canais de cálcio), ainda precisam de estudos para seu uso no choque cardiogênico. O tratamento, quando direcionado para causa de base, como o IAM, tem uma particularidade. Neste caso, o uso de trombolíticos está contraindicado no choque cardiogênico causado por ele por vários motivos. A hipotensão prejudica a circulação e a ação do agente trombolítico, além de ser uma das principais contraindicações à trombólise. Além disso, o meio ácido pelo aumento do lactato não permite que o plasminogênio se transforme em plasmina. Desta forma, os pacientes com IAM e instabilidade hemodinâmica devem ser submetidos à angioplastia primária, preferencialmente com colocação de stent na coronária comprometida. O uso do balão intra-aórtico (BIA) (Figura 2.11) é outro recurso útil, principalmente nos casos mais graves, em que há refratariedade, mesmo após a abertura da artéria responsável pelo IAM. O BIA permite a estabilização hemodinâmica do paciente, melhorando a perfusão coronariana, DC e, principalmente, reduzindo a demanda metabólica cardíaca por reduzir pós-carga, com consequente melhora da sobrevida. Os pacientes que já apresentarem complicação mecânica do IAM necessitarão de abordagem cirúrgica sempre (Figura 2.12).

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2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

Figura 2.11 Balão intra-aórtico. Fonte: arquivo pessoal dos autores.

IAM com hipotensão

Avaliação de causas secundárias Desafio hídrico se as pressões de enchimento não estiverem melhores

Hipotensão persistente

Choque cardiogênico

Avaliação hemodinâmica Avaliar função de VE

Vasopressores, aspirina, heparina, trombólise se a revascularização não for possível

Colocação urgente de BIA e cateterização cardíaca

Angioplastia coronária transluminal percutânea

Angioplastia coronária transluminal percutânia

Revascularização miocárdica

Vassopressores; aspirina; heparina; trombólise se a revascularização não for possível

Figura 2.12 Conduta no choque cardiogênico de causa isquêmica. Fonte: adaptada de Goldman L, Ausiello D. Cecil’s textbook of Medicine. 22. ed. Philadelphia: Saunders, 2004.

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Tratamento do choque distributivo

a) PVC 8–12 mm Hg;

Tratamento do choque séptico

c) Débito urinário ≥ 0,5 mL/kg/h;

Abordagem da sepse grave baseada no sepsis surviving campaign Graus de recomendação A - (alta) ensaios clínicos randomizados controlados. B - (moderada) ensaios com menor grau de evidência, estudos observacionais. C - (baixa) estudos observacionais bem feitos com controle. D - (muito baixa) opinião de especialistas. Grau 1 recomendação forte Grau 2 recomendação fraca Seguem as recomendações atualizadas do Surving Sepsis Campaign na Tabela 2.6. Bundles (pacotes recomendados pelo Surviving Sepsis Campaign) Recomendações nas primeiras 3 horas:

1) Medida do nível sérico de lactato; 2) Tensão de hemoculturas antes da administração de antibióticos; 3) Administração de antibióticos de amplo espectro; 4) Administração de cristaloides 30 mL/kg para hipotensão ou lactato maior ou igual 4 mmol/L.

Recomendações nas 6 primeiras horas: 5) Vasopressores (para hipotensão refrataria à

ressuscitação hídrica inicial) para manutenção da pressão arterial média (PAM maior ou igual a 65 mmHg); 6) Persistência de hipotensão arterial a despeito da reanimação hídrica (choque séptico) ou lactato inicial maior ou igual 4 mmol/L (36 mg/dL): - Mensuração da pressão venosa central (PVC)*. - Mensuração da saturação venosa central de oxigênio (ScvO2)*.

7) Nova medida do lactato (clearance de lactato) inicial elevado*.

Tabela 2.6 Bundles (pacotes recomendados pelo Surviving Sepsis Campaign). *Meta para a ressuscitação: PVC maior ou igual a 8 mmHg, ScvO2 maior ou igual a 70% e normalização do lactato. Fonte: adaptado de Surving Sepsis Campaign.

b) PAM ≥ 65 mm Hg; d) Saturação venosa central de oxigênio (ScvO2), ou saturação venosa mista de oxigênio (SvO2) 70% ou 65%; e) Normalização dos níveis de lactato (marcador de hipoperfusão tecidual). Sugere-se que em pacientes em ventilação mecânica, disfunção diastólica, ou aumento de pressão abdominal os valores de PVC sejam 12-15 mmHg. Recentemente, um ensaio clinico randomizado4 (ProCESS) comparou o protocolo baseado em metas (early goal) com outras formas de acompanhamento da reposição volêmica com resultados semelhantes na mortalidade em 60 dias. 92/439 (21,0%) 81/446 (18,2%) 86/456 (18,9%); p 0,83. Basicamente o grupo considerado padrão não recebeu o acesso venoso central como o pilar do acompanhamento da evolução da sepse grave ou choque séptico (saturação venosa de O2, lactato). A pressão arterial sistólica e o índice de choque serviram como parâmetros da reposição volêmica.

Screening para o diagnóstico precoce (1c) Essa recomendação relaciona-se com os esforços de realização do diagnóstico precoce para implantação das terapias precoces e diminuição da mortalidade relacionada à sepse. A educação continuada das equipes, a participação multidisciplinar, o desenvolvimento de protocolos se relacionam com a melhora nos desfechos clínicos e de custo efetividade na sepse grave5.

Para o diagnóstico etiológico Há uma recomendação (1C) para a obtenção de adequadas culturas conforme a hipótese diagnóstica do paciente. No entanto, isso não deve significar atraso no início dos antibióticos (< 45 minutos). São recomendadas, no mínimo, duas amostras de hemoculturas, sendo uma amostra periférica e uma amostra de cada dispositivo vascular do paciente, exceto para dispositivos muito recentes < 48 horas (1C). Realizar exames de imagem se houver indicação para tentar diagnosticar a origem da sepse.

Reposição volêmica

Terapia antimicrobiana

Quando há a presença de hipoperfusão tecidual induzida pela sepse (hipotensão persistente pós-reposição volêmica inicial ou níveis de lactato > 4 mmol/L). O protocolo deve ser iniciado baseado nas metas que seguem (primeiras 6 horas):

Administrar antibióticos intravenosos na primeira hora de reconhecimento do choque séptico (1B) ou sepse grave sem choque séptico (1C).

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Observar terapia anti-infecciosa presumivelmente eficiente para as hipóteses diagnósticas (vírus,

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2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

bactérias, fungos), inclusive com penetração adequada nos tecidos possivelmente infectados (1B). A terapia deve ser revista diariamente para possível descalonamento (1B). Quando não houver evidência de infecção nos pacientes na evolução do caso, (pareciam infectados, mas não houve evolução clínica compatível) biomarcadores, como a procalcitonina, podem ser utilizados para avaliar a descontinuidade antibiótica (2C). Combinações empíricas de antibióticos devem ser utilizadas para pacientes neutropênicos com sepse grave (2B) e agentes multirresistentes. O descalonamento deve ser realizado o mais precocemente possível (2B). A duração da terapia antibiótica normalmente deve ser de sete a dez dias. Deficiências imunológicas, infecções fúngicas, virais, respostas individuais podem necessitar de terapias mais prolongadas (2C).

Suporte hemodinâmico e terapia adjuvante Os cristaloides devem ser a escolha para a terapia de reposição volêmica no paciente com sepse grave ou choque séptico (1B), conforme comentado anteriormente. Há recomendação de não utilização dos amidos sintéticos nos pacientes com sepse grave e choque séptico (1B). Quando os pacientes com sepse grave ou choque séptico necessitam de grandes quantidades de cristaloides, albumina pode ser utilizada (2C). Os pacientes com hipoperfusão tecidual induzida pela sepse devem receber um mínimo de 30 mL/ kg de cristaloides (parte pode ser albumina) (1C).

Vasopressores A pressão média alvo é de 65 mmHg com a terapia vasopressora (1C).

Controle da fonte da infecção

Noraepinefrina é a droga de primeira escolha (1B).

Diagnosticar o sítio anatômico específico e excluí-lo o mais rapidamente possível (intervenção dentro de 12 horas do diagnóstico) (1C).

A adrenalina pode ser adicionada quando for necessário manter a pressão arterial média pretendida (2B).

Recomenda-se utilizar preferencialmente os meios menos invasivos possíveis (intervenção percutânea).

Vasopressina (0,03 UI/min), quando adicionada, terá a intenção de diminuir as doses de norepinefrina ou elevar a pressão arterial média.

As necroses peripancreáticas devem aguardar mais tempo para delimitação de tecidos viáveis ou não (2B).

Dopamina pode ser considerada como alternativa à norepinefrina em pacientes específicos (bradicardia absoluta ou relativa e baixos riscos de taquiarritmias).

Caso haja identificação de acessos intravasculares como origem da infecção a recomendação é sua remoção depois de outros acessos terem sido realizados.

Fenilefrina não está recomendada, exceto quando a norepinefrina está associada a a ­ rritmias graves, com débitos cardíacos sabidamente elevados e pressões arteriais persistentemente baixas.

Como terapia de resgate em hipotensão refratária a utilização de vasopressores/inotrópicos e vasopressina. Potência relativa de vasopressores e agentes inotrópicos no choque Efeito cardíaco

Efeito na vasculatura periférica

Agente

Dose

Frequênciacardíaca

Contratilidade

Vasocontrição

Vasodilatação

Efeito dopaminérgico

Dopamina

1-4 µg/kg/min

1+

1+

0

1+

4+

4-20 µg/kg/min

2+

2-3+

2-3+

0

2+

Noraepinefrina

2-20 µg/min

1+

2+

4*

0

0

Dobutamina

2,5-15 µg/kg/min

1-2+

3-4+

0

2+

0

Isoproterenol

1-5 µg/min

4+

4+

0

4+

0

Epinefrina

1-20 µg/min

4+

4+

4+

3+

0

Fenilefrina

20-200 µg/min

0

0

3+

0

0

Vasopressina

0,1 U/min

0

0

4+

0

0

Tabela 2.7 Potência relativa de vasopressores e agentes inotrópicos no choque. Fonte: adaptada de Goldman L, Ausiello D. Cecil’s: textbook of medicine, 22. ed. Philadelphia: Saunders; 2004.

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19


Infectologia | volume 1

Recomenda-se a cateterização arterial para monitoração da pressão arterial nos pacientes em uso de vasopressores.

Terapia inotrópica A infusão de dobutamina 20 micr/kg/min deve ser administrada, ou adicionada aos vasopressores quando houver sinais de disfunção miocárdica (baixo débito, elevação de pressões de enchimento) ou sinais persistentes de hipoperfusão com adequada reposição volêmica e adequada pressão arterial média (1C).

Controle de glicemia Protocolos de controle de glicemia na UTI devem ser utilizados quando duas medidas consecutivas são superiores a 180 mg/dL. Esse protocolo deve ter como objetivo medidas menores ou iguais a 180 mg/dL (1A). Até que as medidas de glicemia e as necessidades de insulina se tornem estáveis, essas medidas devem ser realizadas a cada 1-2 horas. Depois a cada 4 horas (1C).

Corticoides

Terapia substitutiva renal

Não há recomendação do uso quando os pacientes tratados com adequada reposição volêmica e vasopressores são capazes de restaurar a estabilidade hemodinâmica. Quando isso não é possível pode ser utilizada a hidrocortisona 200 mg/dia (2C) em infusão contínua (2D).

Hemodiálise intermitente ou contínua é equivalente nos pacientes sépticos com insuficiência renal aguda (2B). A diálise contínua facilita a abordagem da manipulação de volume nos pacientes sépticos hemodinamicamente instáveis (2D).

Utilização de hemoderivados Uma vez que haja a resolução da hipoperfusão tecidual, e na ausência de isquemia miocárdica, hipoxemia grave e hemorragia aguda, há recomendação para transfusão de concentrado de hemáceas apenas com níveis inferiores a 7 g/dL (1B). Não há recomendação para o uso de eritropoetina ou antitrombina no choque séptico ou sepse grave (1B). O uso de plasma fresco congelado não se justifica apenas por um distúrbio de coagulação não acompanhado de sangramento ou necessidade de procedimentos invasivos (2D). Recomenda-se transfusão de plaquetas na sepse grave quando as contagens são inferiores a 10.000/mm3 na ausência de sangramento. Se houver risco significativo de sangramento a recomendação é com contagem inferior a 20.000 mm3. Para cirurgias, sangramentos ou procedimentos invasivos ≥ 50.000 mm3.

Sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular A sedação contínua ou intermitente deve ser minimizada nos pacientes sépticos em ventilação mecânica conduzida com objetivos específicos (1B). O bloqueio neuromuscular no paciente séptico sem diagnóstico de SDRA (síndrome de desconforto respiratório agudo) deve ser evitado, se possível, em razão do risco de prolongamento do bloqueio depois da descontinuação. Caso seja necessário, a monitorização “train-of-four” deve ser utilizada (1C). Um período de bloqueio neuromuscular < 48 horas pode ser mantido em pacientes com SDRA e sepse com PaO2/FiO2 < 150 mmHg (2C).

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Profilaxia da trombose venosa profunda O paciente séptico deve receber diariamente profilaxia farmacológica (1B). Pode ser utilizado heparina de baixo peso molecular ou não fracionada. Pacientes com clearence de creatinina < 30 mL/min deltaparina (1A) ou outra heparina de baixo peso e baixo metabolismo renal ou a heparina não fracionada (1A) deve ser utilizada. Pacientes sépticos devem ser tratados com profilaxia farmacológica mais a compressão intermitente pneumática quando possível (2C).

Profilaxia da úlcera de estresse Pacientes com sepse grave ou choque séptico que possuem fatores de risco para sangramento devem receber profilaxia com inibidores de bomba de próton ou bloqueadores de receptores H2 (1B).

Nutrição Não há recomendação para dietas com suplemento imunomodulado específicas nos pacientes com sepse (2C). Não há recomendação de utilização das calorias totais para necessidades dos pacientes sépticos na primeira semana (por exemplo, 500 kcal/dia). Depois progressão conforme aceitação (2B).

Tratamento do choque anafilático Tentar remover a toxina do local de introdução ou tentar retardar sua absorção sistêmica.

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2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica

Adrenalina

– Aumenta AMPc intracelular → diminui a liberação dos mediadores. – β-adrenégico: diminui broncospasmo e aumenta FC e contratilidade miocárdica. – α-adrenérgico: vasoconstrição → aumenta PA.

Tratamento do choque obstrutivo Abordaremos, resumidamente, o tratamento das duas principais condições que levam ao choque obstrutivo.

Embolia pulmonar

Trombólise: indicada quando há instabilidade hemodinâmica, até o 14º dia após o início do quadro clínico. Pode-se optar por TPA na dose de 100 mg, EV, em 2 horas. Outra opção é o uso de estreptoquinase 250.000 UI, EV, em bolus, seguido de 100.000 UI/h até que haja sinais de recanalização ou, no máximo, até 72 horas.

Heparinização plena: realizada com heparina não fracionada (HNF), ajustada conforme TTPA, ou heparina de baixo peso molecular (HBPM).

Tromboembolectomia cirúrgica.

– Anti-histamínicos associados: – Difenidramina (Benadryl): antagonista H1. – Cimetidina ou ranitidina: antagonistas H2. – Corticoides: aumentam a resposta tissular aos β-agonistas e inibem síntese de histamina e liberação dos mediadores.

Glucagon

– Aumenta AMPc intracelular por ativação de adenilato ciclase – usado em pacientes que receberam betabloqueador. – Suporte hemodinâmico: – Uso de vasopressores: adrenalina, dopamina, noradrenalina, fenilefrina. – Reposição volêmica adequada.

– Ventilação mecânica invasiva.

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Tamponamento cardíaco

Pericardiocentese ou punção de Marfan.

Janela pericárdica.

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CAPÍTULO

8

Hepatites virais Introdução O termo hepatite viral refere-se ao dano hepático causado por um conjunto de vírus hepatotrópicos (A, B, C, D e E), classificados, conforme a forma predominante de transmissão, em dois grupos: parenterais e entéricos. As dos tipos B, C e D estão incluídas nas hepatites parenterais e possuem potencial evolutivo para hepatite crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular. Já aquelas causadas pelos vírus A e E são de transmissão entérica e nunca se tornam crônicas.

Características clínicas, epidemiológicas e sorológicas dos diferentes vírus envolvidos na etiopatogenia das hepatites Hepatite Vírus Família Tamanho Genoma Envelope Antígeno Anticorpo

A VHA Picornavírus 27 nm ssRNA Não AgVHA Anti-VHA

B VHB Hepadna 42 nm dsDNA Sim AgHBs, AgHBc, AgHBe Anti-HBs, Anti-HBc, Anti-Hbe

Transmissão

Fecal/oral

Parenteral, sexual, perinatal

Mortalidade Cronicidade Risco de câncer

0,2% Não Não

0,2 a 1% Sim Sim

C VHC Flavivírus 30/60 nm ssRNA Sim

Delta VHD

Anti-VHC Parenteral, sexual, perinatal 0,2% Sim Sim

40 nm ssRNA Sim AgHD Anti-VHD Parenteral, sexual, perinatal 2 a 20% Sim Sim

E VHE Caliciviridae 32 nm ssRNA Não AgVHE Anti-VHE Fecal-oral 0,2% Raramente Não

Tabela 8.1 Atenção! Todos são RNA, exceto o vírus B. Características epidemiológicas e clínicas das hepatites virais 1. Transmissão 2. Período de incubação (dias) 3. Progressão para doença crônica

VHA Entérica 15 a 50 Nunca

VHB Parenteral 28 a 160 > 2 anos: < 5%, Perinatal: > 90%

VHC Parenteral 14 a 160 50 a 85%

VHD Parenteral 28 a 160 Coinfecção: < 5% Superinfecção: 70 a 90%

VHE Entérica 20 a 40 Raramente

Tabela 8.2

As hepatites virais são doenças de notificação compulsória regular (em até sete dias). Portanto, todos os casos confirmados e surtos devem ser notificados.


8 Hepatites virais

Hepatite A

tente elevação da bilirrubina sérica, a custa da bilirrubina conjugada. Exceto pelo prurido, o paciente se sente bem e o prognóstico é bom.

Manifestações clínicas

A insuficiência hepática aguda (IHA) é a apresentação clínica de maior gravidade da infecção pelo VHA, ocorrendo em cerca de 0,4% dos casos de hepatite A identificados, com mortalidade próxima de 50%. É definida como a rápida perda da função hepática em um paciente sem manifestações prévias de insuficiência hepática. Convencionou-se que os parâmetros utilizados para classificar o tempo de instalação da insuficiência hepática são, como evento inicial, a icterícia, e, como evento final, um distúrbio grave da coagulação (atividade de protrombina ou do fator V < 50%) ou o surgimento de encefalopatia hepática. Os termos hiperaguda, aguda e subaguda, empregados pelos autores ingleses, assim como os termos fulminante e subfulminante, utilizados pelos franceses, discriminam este critério. O termo fulminante só se aplica quando há encefalopatia e, diferentemente de sua conotação leiga, não significa que o quadro seja, necessariamente, letal.

A hepatite A pode ser assintomática. O risco de que a infecção se manifeste clinicamente é diretamente proporcional a idade do paciente. Portanto, a maioria das infecções em crianças com menos de 6 anos de idade é assintomática. As formas assintomáticas podem ainda ser subdivididas entre subclínicas, onde há somente alterações bioquímicas, e inaparentes, quando são perceptíveis somente por estudo sorológico. As formas sintomáticas, que compreendem um largo espectro de manifestações clínicas, podem ser ictéricas ou não. Crianças em idade mais avançada e adultos apresentam sintomatologia em 70% dos casos. A incidência da forma sintomática é 20% superior no gênero masculino, embora não haja evidências sugerindo que homens tenham maior suscetibilidade às formas graves que mulheres. A evolução da doença mostra três fases: incubação, infecção sintomática e convalescença. A excreção fecal ocorre durante o período de incubação até o início da fase sintomática. A alteração bioquímica característica da fase sintomática é a elevação das aminotransferases, sobretudo da alanina aminotransferase (ALT). A fase de infecção sintomática dura de uma a várias semanas. As principais manifestações clínicas, por ordem de frequência, são: colúria, náuseas, vômitos, mal-estar, febre com calafrios, icterícia cutaneomucosa e dor abdominal. Diarréia, cefaléia e faringite não são incomuns, ocorrendo em cerca de 20% dos casos clinicamente aparentes. Artralgia ocorre de 8 a 19% das vezes, raramente complicando-se com a artrite. A icterícia desaparece em duas semanas em 85% dos pacientes. Durante a fase ictérica, o exame físico evidencia hepatomegalia dolorosa em até 85% dos casos e esplenomegalia em 15%. Em 4% dos pacientes pode-se perceber linfadenomegalia, principalmente na cadeia cervical posterior. Após a fase sintomática de duração variável, há uma progressiva recuperação do estado geral na maioria dos pacientes. A hepatite A tem curso agudo e inexoravelmente autolimitado. Evoluções clínicas prolongadas são descritas em até 16% dos casos, sob as formas de hepatite recorrente ou colestática. A hepatite A recorrente, também conhecida como bifásica, é descrita em 6 a 10% dos pacientes, com um retorno dos sintomas de 4 a 15 semanas após as manifestações iniciais. A forma colestática se caracteriza por icterícia intensa e prolongada, acompanhada de colúria e acolia fecal. Pacientes com anemia falciforme são propensos a desenvolver esta forma de hepatite, sendo também mais comum nos adultos após o retorno a normalidade das aminotransferases; há uma persis-

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Descreve-se que a forma fulminante da hepatite A apresenta-se, caracteristicamente, com um curto período entre o início da icterícia e o da encefalopatia, geralmente inferior a duas semanas. Pacientes que desenvolvem encefalopatia hepática na primeira semana de icterícia têm maior sobrevida que aqueles que o fazem posteriormente. Isto significa que, quanto mais rápida a perda da função hepática, maior a chance de recuperação espontânea e de não haver necessidade de transplante hepático. A alta letalidade desta síndrome se deve principalmente às complicações infecciosas, ao edema cerebral e à síndrome de disfunção orgânica múltipla. Diferentemente da crença popular, não se conhece qualquer medicamento ou alimento que interfira na velocidade de regeneração hepática durante um quadro de hepatite A. Recomenda-se, evidentemente, a abstinência de álcool e de drogas potencialmente hepatotóxicas (anti-inflamatórios não esteroides, por exemplo), assim como evitar alimentos de difícil digestão (frituras, por exemplo), por poderem induzir náuseas ou distensão abdominal.

Diagnóstico laboratorial As aminotransferases (da alanina-ALT e do aspartato-AST) também denominadas transaminases (glutâmico-pirúvica-TGP e glutâmico-oxalacética-TGO) estão muito aumentadas, geralmente acima de 500 UI, sendo sua determinação útil para o diagnóstico e o seguimento. A relação TGO (AST): TGP (ALT) é, em geral, menor que 1. Importante ressaltar que elevações séricas de enzimas hepáticas (AST, ALT, fosfatase alcalina e GGT) não têm relação com função hepática e sim com dano hepático, ou seja, expressam a existência de dano ao fígado.

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Infectologia | volume 1

As bilirrubinas, fosfatase alcalina e GGT estão elevadas na hepatite colestática. O aumento do tempo de protrombina não corrigível pela administração de vitamina K é sugestivo de mau prognóstico, ocasionalmente de insuficiência hepática fulminante iminente. Segundo alguns autores, a insuficiência hepática fulminante inicial ou incipiente caracteriza-se por insuficiência hepática aguda com TP (tempo de atividade da protrombina) ou fator V abaixo de 50% do normal, antes do aparecimento de encefalopatia hepática. Do ponto de vista laboratorial, o diagnóstico de hepatite viral A aguda é estabelecido pela detecção de IgM anti-HVA. Esse teste sorológico identifica anticorpos que reagem contra as proteínas do capsídeo do vírus A, sendo positivo em praticamente 100% das pessoas infectadas pelo vírus A. O anticorpo IgM persiste por três a seis meses na maioria dos casos e é raramente detectado após a vacinação. As vacinas inativadas contra a HVA podem induzir a formação de anticorpos IgM anti-HVA, detectável por testes laboratoriais convencionais, principalmente se o teste for realizado logo após a vacinação. A IgM anti-HVA tem sido detectada duas a três semanas após a administração de uma dose

Contágio

da vacina em 8 a 20% dos adultos. Entretanto, quando realizado um mês após a vacina, apenas 1% de 311 adultos tinha IgM detectável. A IgG anti-HVA ou anti-HVA total, que persiste por longos períodos após a infecção, talvez por toda a vida, em títulos decrescentes, é responsável pela imunidade que se segue à infecção natural e confere proteção contra a doença. O anticorpo IgG é a maior fração do anti-HVA total. Baixos títulos de anticorpos neutralizantes podem ser detectados em algumas pessoas, embora estas apresentem resultados negativos ao radioimunoensaio convencional. Os testes que detectam o anticorpo IgG contra o vírus A podem ser qualitativos ou quantitativos. Os testes mais específicos, que medem a quantidade de anticorpos, utilizados nos trabalhos com resposta a vacinas, fornecem resultados em títulos geométricos médios (GMT). Os testes de imunoensaios disponíveis são sensíveis e específicos para detectar anti-HVA total ou IgG e IgM anti-HVA. Atualmente existem testes que detectam anti-HVA na saliva. Estudos mostram sensibilidade de 100% e 82,1% respectivamente, e especificidade de 100% na detecção de IgM anti-HVA e total, quando comparados com o teste sérico.

Icterícia anti-VHA IgG anti-VHA IgM

Vírus A nas fezes

Incubação 28 a 48 dias

Doença

40 a 90 dias

Tempo

Figura 8.1 Marcadores sorológicos da infecção pelo VHA.

Tratamento O repouso deve ser relativo, enquanto o paciente não apresentar boa disposição; mesmo porque na fase inicial da hepatite, os pacientes não se sentem bem quando em atividade física e buscam espontaneamente o repouso. Quando já houver boa disposição, o repouso é desnecessário.

Dieta Nos primeiros dias há frequentemente “digestão demorada”, inapetência e às vezes vômitos. Há geralmente gastrite aguda de etiologia viral associada. Assim, deve-se recomendar dieta branda fracionada (sempre respeitando as intole-

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râncias alimentares) até o desaparecimento dos sintomas. Após esse período, a dieta deve ser normal, sem restrições, salvo, eventualmente, o uso de condimentos. As bebidas alcoólicas devem ser proibidas durante, pelo menos, seis meses, para prevenir o dano hepático adicional. Anticoncepcionais e hormônios devem ser proibidos (podem causar colestase).

Medicamentos Na hepatite colestática, principalmente quando prolongada e intensa, com muito prurido, pode-se utilizar corticosteroides (não é consenso). Quando houver contra indicação formal para

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8 Hepatites virais

seu uso (exemplos: casos de diabetes mellitus ou osteoporose), pode-se recorrer a colestiramina ou eventualmente ao ácido ursodesoxicólico ou ao S-adenosil-L-metionina. O tratamento sintomático de náuseas e vômitos pode ser feito com metoclopramida ou domperidona; como analgésico, pode-se utilizar o acetaminofen (na dose máxima de 2 gramas ao dia). Deve-se suspender de imediato (sempre que possível) todas as drogas que o paciente vinha utilizando. Quando for necessário, procurar conhecer seu metabolismo para adaptar a dose a ser utilizada em razão de o distúrbio hepático ou (se possível) substituí-la por outra droga de excreção renal.

Virion HBsAg

Viral DNA

Prevenção A vacina está indicada para crianças, moradores nas áreas endêmicas e/ou para pessoas com risco aumentado de contrair a virose (homossexualismo masculino, usuários de drogas, residentes em instituições para doentes mentais), ou naqueles que possam ter evolução complicada de hepatite (portadores de doenças hepáticas crônicas e hemofílicos). A partir de 2017 a vacina hepatite A passou a ser disponibilizada para crianças até 5 anos de idade. Antes, a idade máxima era até 2 anos. Segundo o portal da saúde, essa vacina é altamente eficaz, com taxas de soroconversão de 94% a 100%. Em países que adotaram o esquema de vacinação com uma dose, houve controle da incidência da doença, principalmente em creches e instituições semelhantes, proporcionando proteção de rebanho para a população geral. Além disso, estudos também têm demonstrado que, em cerca de 95% dos vacinados, há produção de anticorpos em níveis protetores, quatro semanas após a vacinação com uma dose.

Hepatite B Etiologia HBV, constituído de DNA pertence à família Hepadnaviridae, que infecta hepatócitos. A partícula viral completa tem envoltório externo contendo proteínas antigênicas denominadas de antígeno de superfície do HBV (HBsAg); e o envoltório interno que envolve o core (HBcAg), que contém o DNA, a enzima DNA-polimerase e um antígeno solúvel (HBeAg).

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Core 42 nm

Figura 8.2 Estrutura do HVB.

Epidemiologia O vírus B é transmitido a indivíduos susceptíveis através do contato com sangue e secreções (principalmente sexuais) de portadores crônicos do HBV ou de pessoas com hepatite aguda B. Portanto, a transmissão pode ser parenteral ou percutânea (transfusão de sangue, uso de drogas EV, piercing, tatuagem, procedimentos cirúrgicos/ odontológicos e de hemodiálise, quando desrespeitam as normas de biossegurança); sexual; vertical ou perinatal e horizontal/domiciliar (promiscuidade ou compartilhamento de alicates, barbeadores, etc.). A transmissão vertical/perinatal é muito importante e o risco é maior em recém-nascidos de mães HBeAg positivas (70 a 90%), sendo que 90% dessas crianças se tornam portadores crônicos do vírus B. O risco de transmissão para o RN quando a mãe é HBsAg + é de 10 a 40%. Existem 7 genótipos (A a G) com distribuição geográfica diferente no mundo e sem importância clínica. A endemicidade é considerada alta quando 8% da população é portadora de HBsAg, sendo que nessas áreas 70-90% da população tem sorologia positiva (evidência de infecção prévia) e a transmissão é principalmente vertical/perinatal ou na infância antes dos 5 anos. Essas regiões altamente endêmicas são a África Sub-Sahariana, Ásia, Pacífico e a região amazônica. Nas regiões desenvolvidas do mundo, a prevalência de infecção crônica é menor do que 1% e a taxa de infecção de 5-7%. No Brasil, a Região Sul é considerada como área de baixa endemicidade. As regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste são intermediárias. A Amazônia Legal, Espírito Santo e a região oeste de Santa Catarina são considerados de alta endemicidade.

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Patogenia O HBV não é diretamente citotóxico. A resposta imune do hospedeiro mediada por linfócitos T CD4+ contra antígenos virais na superfície do hepatócito é a principal causa de lesão hepatocelular. Quando ocorre a elevação das transaminases na hepatite aguda, ocorre a diminuição da replicação viral, com o desaparecimento progressivo nas semanas seguintes do HBeAg e a eliminação do vírus B na infecção aguda. Está relacionada também ao desenvolvimento dos anticorpos neutralizantes específicos anti-HBs junto com linfócitos T de memória. Os pacientes que adquirirem o HBV na vida adulta e se tornam cronicamente infectados apresentam defeito na resposta T específica. A alta incidência de cronificação na transmissão vertical se explica pela imaturidade do sistema imune do recém-nascido na resposta T e na produção de INF alfa e gama no fígado. Esses indivíduos que se infectaram verticalmente ou antes dos 5 anos passam por uma fase de imunotolerância que pode durar décadas (15 a 35 anos), mantendo DNA-HBV e HBeAg elevados (carga viral alta) e as transaminases sempre normais. Por razões controversas, inicia-se depois de algumas décadas uma resposta celular que leva à progressão para cirrose, com diminuição da carga viral (dos níveis de DNA) e elevação da enzimas/ transaminases. Existe outra possibilidade evolutiva, quando a resposta imune controla a infecção o indivíduo fica em uma fase não replicativa ou inativa com níveis muito baixos de DNA (carga viral baixa), HBeAg negativo, anti-HBe positivo, HBsAg+, fase não replicativa ou portador crônico ou inativo do vírus B.

Síndromes clínicas Hepatite aguda Período de incubação: 60 a 180 dias (média de 75 dias). O quadro clínico é semelhante ao da hepatite A com período pré-ictérico ou prodrômico, quando o paciente apresenta sintomas inespecíficos e ocorre a elevação das transaminases e são detectados no soro, anticorpos IgM e IgG contra o core (anti-HBc). Com a instalação da icterícia, os sintomas gerais melhoram, a TGP/ALT está elevada > 1.000 UI/L, demonstrando a lesão hepatocítica. Estão presentes no soro os antígenos HBe e HBs. Com o desenvolvimento da resposta imune, ocorre progressiva diminuição da multiplicação do vírus e o HBe e HBs são eliminados, sendo detectados os anticorpos contra esses antígenos.

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Adultos com hepatite aguda B desenvolvem doença autolimitada com resolução clínica em 2030 dias e posterior soroconversão anti HBe e anti HBs. Vale ressaltar que nesta fase, cerca de 70% dos pacientes apresentará doença anictérica. O estado de portador crônico é definido pela persistência do HBsAg após 6 meses e ocorre em 5% dos adultos com hepatite aguda. O risco de tornar-se crônica é inversamente proporcional à idade em que ocorre a infecção, com adultos apresentando taxas de cronicidade inferiores a 5% e, nos infectados durante o período neonatal, taxas de cerca de 90%. A hepatite fulminante ocorre em 1% dos casos em decorrência da necrose maciça, imunemediada pelo desenvolvimento de sinais de insuficiência hepática aguda com encefalopatia e coagulopatia. Manifestações extra-hepáticas ocorrem entre 10 e 20% dos pacientes com hepatite B crônica e incluem glomerulonefrite membranosa, crioglobulinemia mista essencial (esta se associa com maior frequência ao HCV), anemia aplástica e poliarterite nodosa (PAN). De fato, 10 a 30% dos pacientes com PAN são AgHBs positivo.

Hepatite crônica B A persistência da elevação das amino­transferases por seis meses ou mais indica progressão da doença e estabelece o diagnóstico de hepatite crônica. Mais de 1/3 dos pacientes com hepatite B crônica não apresentam história pregressa de hepatite aguda e este percentual é ainda maior nas regiões de alta prevalência desta infecção, devido ao aumento da proporção de casos de transmissão vertical. O risco de tornar-se crônica é inversamente proporcional a idade em que ocorre a infecção, com adultos apresentando taxas de cronicidade inferiores a 5% e, nos infectados durante o período neonatal, taxas de cerca de 90%. Nesta situação, as manifestações clínicas são discretas ou podem estar ausentes. Em alguns casos, o paciente refere fadiga crônica e sensação de peso no hipocôndrio direito. Frequentemente a hepatite crônica é diagnosticada durante uma exacerbação aguda associada a elevação transitória das aminotransferases (flare) ou, mais tardiamente, devido a alguma complicação da cirrose hepática. Neste caso, a história e o exame físico podem evidenciar estigmas de insuficiência hepática (ginecomastia, rarefação pilosa e atrofia testicular em homens, sangramento fácil, telangiectasias, eritema palmar ou encefalopatia hepática), sinais de hipertensão portal (esplenomegalia, circulação colateral, varizes esofagianas) ou consequentes a associação de ambos (ascite). Quando a cirrose hepática está presente, o exame laboratorial pode revelar hiperesplenismo (plaquetopenia, leucopenia e, menos comumen-

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8 Hepatites virais

te, anemia) ou perda da função hepatocelular (ictericia, hipoalbuminemia ou prolongamento do tempo de pro­trombina). Métodos de imagem como a ultrassonografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética evidenciam alterações da forma e da consistência do fígado, além da presença de circulação colateral, de esplenomegalia, de nódulos hepáticos ou de ascite. A endoscopia digestiva é útil para o diagnóstico e estadiamento das varizes esofagianas e da gastropatia hipertensiva portal, podendo atuar de forma profilática ou terapêutica no sangramento por ruptura desses vasos. Fases na história natural da hepatite B crônica Fase Imunotolerância Hepatite crônica HBeAg-positiva Hepatite crônica HBeAgnegativa

ALT Normal ou minimamente elevada Elevada, em geral persistentemente Elevada, com frequência flutuante

Histologia hepática

DNA do VHB

HBeAg

HBsAg

Atividade mínima, flbrose rara

Altos níveis (108 a 1011 cópias/mL)

Presente

Presente

Ativa com quantidades variáveis de flbrose

Altos níveis (106 a 1010 cópias/mL)

Presente

Presente

Ativa com quantidades variáveis de fibrose

Níveis moderados, geralmente flutuantes (103 a 108 cópias/mL)

Ausente

Presente

Estado de portador inativo

Normal

Inativa, geralmente com mínima, quantidade de fibrose

Níveis baixos ou Indetectáveis (< 104 cópias/mL)

Ausente

Presente

Recuperação

Normal

Inativa com rara quantidade de fibrose

Níveis não detectáveis no sangue (baixos níveis podem estar presentes no fígado)

Ausente

Ausente

Tabela 8.3

Anatomopatologia

o infiltrado inflamatório é intenso, com significativa permeação acinar.

A hepatite crônica, assim como a maioria das doenças hepáticas, acomete difusamente o fígado. Todavia, devemos estar atentos para o tamanho e a representatividade da amostra, pois podem não ser adequados. As hepatites crônicas podem apresentar áreas que variam de arquitetura acinar preservada a formação de nódulos ou, ainda, leve a intensa atividade necroinflamatória, o que torna de grande importância o número de espaços portais presentes na amostra, que deve conter um número mínimo de 6 a 10, para possibilitar a avaliação histológica adequada. A descrição a seguir diz respeito às hepatites crônicas por vírus B, C e autoimune.

As alterações parenquimatosas se traduzem por necrose hepatocitária focal, com afluxo de infiltrado inflamatório mononuclear e necrose confluente, que denota a morte de vários hepatócitos adjacentes, e pode levar à formação de pontes que unem estruturas vasculares. A necrose em ponte tem sido considerada importante no desenvolvimento da cirrose. Os corpos apoptóticos (corpúsculos de Councilman) constituem outra forma de morte celular. Os hepatócitos podem ainda mostrar retração acidofílica e esteatose macrovesicular, encontradas na infecção pelo VHC, que além de representar um achado morfológico importante na sua diferenciação com a hepatite autoimune, pode estar relacionada com o aumento da massa corpórea, diabetes e, consequentemente, à esteatohepatite. Pannain e cols. observaram que a biópsia de pacientes com hepatite autoimune apresentou maior atividade necroinflamatória, traduzida por significativa necrose de interface e confluente, quando comparadas com pacientes infectados pelo VHC.

Nas hepatites crônicas, observa-se infiltrado inflamatório portal, composto principalmente por linfócitos e plasmócitos, cujo predomínio e intensidade dependem da etiologia da replicação viral e da resposta imune do hospedeiro. Agregados e folículos linfoides, com centros germinativos envolvendo ou não ductos biliares interlobulares, podem ser encontrados na infecção pelo VHC. O predomínio de plasmócitos em tratos portais e em áreas de necrose é encontrado na hepatite autoimune e auxilia na diferenciação com a hepatite C crônica. O infiltrado inflamatório pode estar restrito ao espaço portal ou se estender além deste, com destruição da placa limitante acinar e lesão dos hepatócitos periportais, caracterizando a “hepatite de interface”. Este é um processo de intensidade variável, sendo encontradas desde formas leves com discreto infiltrado inflamatório associado a alguns hepatócitos lesados, até formas mais graves em que

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O citoplasma hepatocitário de aspecto homogêneo (geralmente circunscrito por halo claro [vidro fosco]) e o núcleo “arenoso” decorrem da presença do AgHBs e do AgHBc, respectivamente. A regeneração hepatocitária ocorre sob a forma de bi ou trinucleação, duplicação das trabéculas e pseudorrosetas, cujos hepatócitos são volumosos e se arranjam em torno de canalículos levemente dilatados. O encontro de pseudorrosetas periportais e de hepatócitos multinucleados é relatado na hepatite autoimune. As células de Kupffer podem

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Infectologia | volume 1

estar hipertrofiadas e conter restos celulares, que se coram positivamente ao PAS. Linfócitos intrassinusoidais, granulomas epitelioides e pigmento férrico também podem ser encontrados na hepatite crônica pelo VHC. A mutação encontrada na hemocromatose (C282Y/H63D) pode contribuir para este último achado. À medida que a hepatite crônica progride, a fibrose se instala, expande espaços portais, emite septos fibrosos, que podem unir espaços portais entre si (porta-porta), ou com as estruturas vasculares (porta-centro), e o resultado final deste processo é a cirrose. A intensidade da atividade necroinflamatória e o grau da esteatose são considerados determinantes importantes na progressão da fibrose, em pacientes com hepatite crônica. O emprego de técnicas imuno-histoquímicas permite a detecção das proteínas virais do VHB, VHC e do VHD no tecido. O AgHBs é encontrado no citoplasma dos hepatócitos, enquanto o AgHBc no núcleo e, eventualmente, no citoplasma. Entretanto, o anticorpo para a detecção do VHC, apesar de disponível comercialmente, necessita ter o seu emprego consolidado na rotina do diagnóstico anatomopatológico. A pesquisa do VHC-RNA empregando-se a hibridização in situ e a reação em cadeia de polimerase (PCR) no tecido ainda está restrita à pesquisa. Dries e cols. mostraram a presença do VHC-RNA no tecido hepático de pacientes cuja PCR foi negativa no soro. A contribuição da biópsia hepática nas hepatites crônicas vai além do seu diagnóstico, pois também auxilia no possível prognóstico, avalia a participação de outros fatores etiológicos envolvidos e permite o monitoramento da terapêutica empregada.

Classificação Diferentes sistemas de classificação das hepatites crônicas foram desenvolvidos ao longo das últimas décadas, muitos deles com importância histórica. Mesmo nos dias atuais, vários sistemas têm sido usados na literatura, o que pode criar alguma confusão na interpretação dos dados das publicações. No entanto, todos esses sistemas baseiam-se na medida do estadiamento (fibrose e distorção arquitetural) e da graduação (atividade inflamatória) da doença, segundo critérios morfológicos interpretativos. De acordo com a Portaria n. 863 da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, de 4 de novembro de 2002, recomenda-se o uso de uma de duas classificações de hepatites crônicas: a da Sociedade Brasileira de Patologia ou a Metavir. Essas duas classificações são, na verdade, muito similares, levando em conta os aspectos básicos já destacados das hepatites crônicas – atividade periportal, lobular e fibrose. Além delas, diversos trabalhos internacionais têm usado a classificação proposta por lshak em 1995. Trata-se de uma atualização da classificação proposta por esse mesmo autor em 1981, que fi-

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cou muito conhecida como classificação de Knodell e que não deve ser mais usada. A tabela a seguir dá uma correspondência aproximada entre esses sistemas, tanto para a fibrose (alteração arquitetural) quanto para a atividade inflamatória.

Alteração arquitetural (fibrose)* SBP (2000)

Metavir (1994)

Ishak (1995)

0

0

0

1

1

1 ou 2

2

2

3

3

3

4 ou 5

4

4

6

Atividade inflamatória** SBP (2000) e Ishak (1995)

Metavir (1994)

Atividade periportal

Atividade parenquimatosa

A

0 ou 1

0

0

0 ou 1

1 ou 2

1

2

0a1

1

2

2

2

2

3a4

3

3

0a2

2

3

3a4

3

4

0a4

3

Tabela 8.4 Equivalência aproximada das classificações mais usadas no estadiamento e na graduação das hepatites crônicas. (*)  Na classificação de Ishak, o escore de fibrose vai até 6, enquanto na Metavir e na SBP vai até 4. (**)  Correspondendo à atividade periportal e parenquimatosa independentemente para SBP e Ishak, e um misto de periportal e lobular para Metavir; nesta, o escore de atividade vai até 3 enquanto em Ishak e SBP vai até 4.

Protocolo de avaliação histológica para biópsias hepáticas de pacientes com hepatite crônica viral O seguinte protocolo pode ser aplicado para padronizar a análise e o relatório de casos de hepatite crônica, incluindo, além da hepatite C, o vírus da hepatite B, a hepatite autoimune e, com menos frequência, a doença de Wilson ou hepatites medicamentosas. O protocolo está centrado nos critérios do Consenso Nacional das Hepatites Crônicas, da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP). 1. Tipo de amostra: biópsia por agulha, biópsia em cunha, peça cirúrgica de ressecção, outro. 2. Tamanho da amostra:

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8 Hepatites virais

Número de espaços-porta na biópsia: _____

– Atividade parenquimatosa:

3. Variáveis histológicas:

(  ) 0 (ausente)

– Fibrose portal:

(  ) 1 (tumefação, infiltrado linfocitário sinusoidal e ocasionais focos de necrose lítica hepatocitária)

(  ) 0 (ausente) (  ) 1 (discreta, sem formação de septos)

(  ) 2 (numerosos focos de necrose lítica hepatocitária)

(  ) 2 (com septos porta-porta) ( ) 3 (com septos porta-porta e porta-centro, esboçando formação de nódulos – em “transformação nodular”) (  ) 4 (cirrose)

(  ) 3 (áreas de necrose confluente ocasionais) (  ) 4 (numerosas áreas de necrose confluente ou áreas de necrose panacinar) – Evidências histológicas de associação com outras condições:

– Inflamação portal: (  ) 0 (ausente) (  ) 1 (discreta)

(  ) siderose grau _____

(  ) 2 (moderada)

(  ) marcadores de esteato-hepatite _____

(  ) 3 (acentuada)

(  ) outros: _____

(  ) 4 (muito acentuada) – Atividade periportal (atividade de interface): (  ) 0 (ausente) (  ) 1 (presença apenas de spill over) (  ) 2 (necrose em “saca-bocados” discreta - focos ocasionais em alguns espaços-porta) ( ) 3 (necrose em “saca-bocados” moderada-focos ocasionais em muitos espaços-porta ou numerosos focos em poucos espaços-porta) (  ) 4 (necrose em “saca-bocados” acentuada numerosos focos em muitos espaços-porta)

Hepatocarcinoma O hepatocarcinoma ocorre 30 a 50 anos após a infecção pelo HBV. A incidência entre os que já tem cirrose é de 2 a 6%, e entre os sem cirrose, de 0,5%. Para se diagnosticar precocemente e tratar o hepatocarcinoma, portadores crônicos do vírus B deverão ser submetidos à exame de imagem (ultrassonografia) ou a marcador sorológico de hepatocarcinoma (alfafetoproteína) a cada 6 meses.

Espectro clínico da Hepatite B Fase

Forma clínica Assintomática Forma benigna e limitada anictérica (15 a 30 dias de duração, em média)

Aguda (até seis meses de infecção)

Forma ictérica limitada (30 a 60 dias de duração, em média) Forma colestática prolongada (60 a 180 dias de duração) Forma grave (fulminante) (duas a três semanas de duração) Forma de portador sadio (?)

Crônica (após seis meses de infecção)

Forma crônica persistente (geralmente benigna) Forma crônica ativa (evolução mais grave para cirrose) Forma crônica lobular (geralmente benigna e prolongada) Hepatocarcinoma

Tabela 8.5

Marcadores sorológicos do vírus B O diagnóstico da infecção pelo VHB baseia-se nos testes imunoenzimáticos que visam à identificação de antígenos e anticorpos no soro, os quais podem sugerir a fase da infecção (aguda, crônica ou resolução).

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Infectologia | volume 1

Contágio

Contágio

Incubação

4 a 12 semanas

Viremia

Infecção aguda recente

Imunidade

Viremia aguda

HBsAg

Anti-HBc IgM

anti-HBc IgG

HBeAg

Anti-HBe

Anti-HBs

1 a 3 meses

Intubação

2 a 16 meses semanas

anos

Viremia crônica AgHBs Anti-HBc AgHBe

Tempo

Figura 8.3 Marcadores do vírus B (hepatite B aguda).

4 a 12 semanas

6 semanas

semanas

Anti-HBe

Tempo

Anos

Figura 8.4 Marcadores do vírus B (hepatite B crônica).

Marcadores sorológicos e moleculares na hepatite B Marcadores

Hepatite aguda

HBsAg

Pode ser clareado

Anti-HBs

Doença crônica HBeAg-positivos

Doença crônicaHBeAg-negativos

+

+

Vacinação com sucesso

+

Anti-HBc IgM

+

Anti-HBc

+

HBeAg

+

+ Pode estar presente

Pode estar presente

+

+

+

+

Anti-HBe DNA

Recuperação de hepatite aguda

Em alguns casos

+

Pode ser único marcador durante a incubação

+

+

Tabela 8.6 Resumo. Atenção!

Interpretação dos diversos marcadores sorológicos do vírus B Marcador

Significado

HBsAg +

Principal marcador da presença do vírus B Positivo por mais de seis meses é preditivo de evolução crônica Sua negativação deverá indicar clearance viral

HBeAg +

Indica atividade replicativa do vírus B Tendência à cronicidade enquanto positivo Grande infectividade do portador Está ausente nas infecções por vírus B mutante (mutações nas regiões do pré-core ou core promoter)

HBcAg +

Não costuma estar presente no soro É marcador do tecido hepático nas infecções pelo vírus B

Anti-HBs +

Tendência à cura Desenvolvimento de imunidade Quando só ele está presente, indica imunidade vacinal ao HBV

Anti-HBe +

Parada da replicação viral Evolução para a cura Baixa infectividade do portador do vírus B

Anti-HbcAg IgM +

Infecção atual ou recente Sua persistência tem valor preditivo de gravidade

Pode ser marcador de infecção recente ou tardia Anti-HBcAg IgG + Quando o HBsAg está ausente, (raramente) pode ser único marcador do vírus B Também pode significar cura (geralmente associado ao anti-HBsAg) DNA-HBV +

Sua presença associa-se ao HBeAC. Alto risco de transmissão

Tabela 8.7

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SJT Residência Médica


8 Hepatites virais

Tratamento da hepatite crônica pelo vírus B O principal objetivo do tratamento é reduzir o risco de progressão da doença hepática e de suas consequências como cirrose, hepatocarcinoma e óbito. A perda sustentada do HBsAg, com ou sem soroconversão para anti-HBs, é o resultado ideal da terapia. Esse perfil corresponde a completa remissão da atividade da hepatite crônica; porém, raramente é alcançado. Portanto, devem-se buscar desfechos alternativos para pacientes com HBsAg persistente e HBeAg reagente (busca-se soroconversão para anti-HBe e negativação do HBeAg, normalização da ALT e a redução do HBV-DNA para menos de 2.000 UI/ml ou no limite de indetectabilidade) ou HBeAg não reagente e anti-HBe reagente (busca-se normalização da ALT e a redução do HBV-DNA para menos de 2.000 UI/ml ou no limite da indectabilidade). Em pacientes com cirrose hepática a redução da carga viral e o desaparecimento do HBeAg associam-se a diminuição no risco de carcinogênese, descompesação clínica e melhora da qualidade de vida. Pacientes com diagnóstico de hepatite B crônica (definido como persistência do vírus ou a presença do HBsAg por mais de seis meses) devem ser avaliados quanto a indicação de tratamento. A decisão sobre tratamento e conduta terapêutica devem considerar características individuais e familiares (história de CHC, comorbidades e gestação); quadro clinico apresentado; perfil sorológico (HBeAg); elevação dos níveis de ALT, quando excluídas outras causas; níveis de HBV-DNA; e histologia hepática, quando disponível. Descreve-se abaixo os critérios para tratamento de hepatite B crônica, segundo o Ministério da Saúde (Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para Hepatite B e coinfecções, 2017): a. Critérios de inclusão para tratamento da hepatite B sem agente Delta:

Paciente com HBeAg reagente e ALT > 2x limite superior da normalidade (LSN);

Adulto maior de 30 anos com HBeAg reagente;

Paciente com HBeAg não reagente, HBV-DNA >2.000 UI/mL e ALT > 2x LSN.

b. Outros critérios de inclusão para tratamento independentemente dos resultados de HBeAg, HBV-DNA e ALT para hepatite B sem agente Delta:

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Historia familiar de CHC;

Manifestações extra-hepáticas com acometimento motor incapacitante, artrite, vasculites, glomerulonefrite e poliarterite nodosa;

Coinfecção HIV/HBV ou HCV/HBV;

Hepatite aguda grave (coagulopatias ou ictericia por mais de 14 dias);

Reativação de hepatite B crônica;

Cirrose/insuficiência hepática;

Biópsia hepática METAVIR ≥ A2F2 ou elastografia hepatica > 7,0 kPa;

Prevenção de reativação viral em pacientes que irão receber terapia imunossupressora (IMSS) ou quimioterapia (QT).

c. Contraindicações ao tratamento com alfapeguinterferona:

Consumo atual de álcool e/ou drogas;

Cardiopatia grave;

Disfunção tireoidiana não controlada;

Distúrbios psiquiátricos não tratados;

Neoplasia recente;

Insuficiência hepática;

Antecedente de transplante, exceto hepático;

Distúrbios hematológicos: anemia, leucopenia, plaquetopenia;

Doença autoimune;

Intolerância ao medicamento.

d. Contraindicações ao tratamento com tenofovir:

Doença renal crônica;

Osteoporose e outras doenças do metabolismo ósseo;

Terapia antirretroviral com didanosina (ddI) (83);

Cirrose hepática (contraindicação relativa);

Intolerância ao medicamento.

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Infectologia | volume 1

Fluxograma para tratamento da Hepatite B Crônica HBeAg Reagente Hepatite B crônica HBeAg reagente

Não

Contraindicação PEG?

- PEG 2a 180 mcg/semana ou Não - PEG 2b 1,5 mcg/semana

HBV-DNA 24a semana > 20.000

(48 semanas)

Sim

Sim

Cirrose com descompensação clínica?

Não

Soroconversão HBsAg em 48a semana?

Não

Não

Contraindicação ao TDF?

Iniciar tratamento com análogos de nucleot(s)ídeos

Não

Sim

Sim

Tenofovir 300 mg/dia

Sim

Sim Entecavir 1,0 mg/dia

Entecavir 0,5 mg/dia

Realizar monitoramento clínico e laboratorial Sim

HBV-DNA Indetectável, perda de HBsAg e soroconversão anti-Hbe em 2 exames anuais?

Não

Sim

Cirrose

Não

Resultado ideal alcançado

Sim Manter tratamento com análogos de núclet(s)ídeos

Figura 8.5 Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para Hepatite B e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017. Fluxograma para o Tratamento da Hepatite B crônica HBeAg Não Reagente Hepatite B crônica HBeAg não reagente

Cirrose com descompensação clínica? Sim Entecavir 1,0 mg/dia

Realizar monitoramento clínico e laboratorial

Não

Contraindicação ao TDF?

Não

Tenofovir 300 mg/dia

Sim Entecavir 0,5 mg/dia

Realizar monitoramento clínico e laboratorial Sim

HBV-DNA Indetectável, perda de HBsAg e soroconversão anti-Hbs em 2 exames anuais?

Não

Sim Manter tratamento com análogos de núclet(s)ídeos

Sim

Cirrose

Não

Resultado ideal alcançado

Figura 8.6 Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para Hepatite B e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

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SJT Residência Médica


8 Hepatites virais

Alfapeguinterferona A alfainterferona é um grupo de proteínas e glicoproteínas com atividade antiviral, antiproliferativa e imunomoduladora. Trata-se de uma medicação de aplicação subcutânea semanal, indicada para tratamento alternativo de 48 semanas, reservado a pacientes portadores de infecção pelo vírus da hepatite B com exame HBeAg reagente. A terapia com alfapeguinterferona em pacientes que não apresentarem soroconversão do anti-HBs ao final da 48a semana de tratamento deverá ser substituída por tenofovir (TDF) ou entecavir (ETV).

Entecavir É um antiviral potente com alta barreira genética. Deve ser utilizado em situações em que houver contraindicação ao uso do tenofovir. É o medicamento de primeira linha para pacientes em tratamento de imunossupressão e quimioterapia. O entecavir apresenta eficácia reduzida quando há presença de

mutações encontradas especialmente em virus de pacientes experimentados com análogos de nucleosideo, como lamivudina e telbivudina . A posologia recomendada para pacientes virgens de tratamento e/ou portadores de cirrose compensada deve ser de 0,5 mg/dia, e de 1 mg/dia para pacientes portadores de cirrose descompensada.

Tenofovir Análogo de nucleotídeo que bloqueia a ação da enzima transcriptase reversa.Medicação aprovada para uso em portadores do HIV mostrou nos estudos em coinfectados com VHB redução significativa nos níveis de DNA do VHB. Como o entecavir, é considerado um inibidor potente do VHB e com alta barreira genética para resistência. A função renal deve ser monitorada durante o tratamento. Diminuição da densidade mineral óssea tem sido raramente descrita em pacientes com HIV tratados com tenofovir. Constitui a primeira linha de tratamento para a hepatite B crônica.

Tipos de resposta Definições de resposta terapêutica na hepatite B crônica HBeAg

Bioquímica Virológica Completa Histológica

Tipos de resposta Normalização sérica das aminotransferases Diminuição sérica do DNA do VHB por PCR para níveis indetectáveis (preferencialmente) ou < 2.000 UI/mL Respostas bioquímica e virológica, e perda sérica do HbsAg Diminuição da atividade necroinflamatória ≥ 2 pontos sem piora da fibrose (comparada com os achados histológicos pré-tratamento) Tempo de avaliação da resposta

Resposta durante a terapia Precoce ou primária Inicial Mantida na terapia No final da terapia Resposta virológica precoce Falha primária ou ausência de resposta Falha secundária ou escape virológico Resposta sustentada sem terapia

Resposta alcançada em qualquer tempo nos primeiros 3 a 6 meses de terapia Resposta alcançada em qualquer tempo dos primeiros 6 a 12 meses de terapia Resposta que persiste ao longo da terapia Resposta até o final de um curso definido de terapia Resposta virológica Diminuição do DNA do VHB sérico ≥ 1 ou ≥ 2 log10 UI/mL nos primeiros três ou seis meses de terapia, respectivamente Ausência de resposta virológica precoce Aumento do DNA do VHB sérico ≥ 1 log10 UI/mL acima do nadir após resposta virológica precoce, apesar da terapia continuada

Manutenção da resposta ≥ 12 meses após interrupção da terapia

Tabela 8.8

Monitoração do tratamento Durante o tratamento, as consultas são quinzenais no primeiro mês e, posteriormente, mensais até o término do tratamento. Devem ser solicitados hemograma, testes hepáticos (AST, ALT, FA, GGT, bilirrubinas, atividade de protrombina, albumina), testes da função renal (ureia e creatinina) e TSH, mensalmente. A eficácia dos tratamentos instituídos deve ser verificada pela mudança no perfil sorológico, aminotransferases e níveis de HBV-DNA dos pacientes. Pacientes em tratamento com alfapeguinterferona devem ter avaliação de resposta ao tratamento:

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Infectologia | volume 1

- HBsAg, anti-HBs, HBeAg, anti-HBe ao final da 48ª semana; - HBV-DNA ao final da 24a e 48a semana de tratamento: pacientes que apresentarem HBV-DNA > 20.000 UI/mL podem ter o tratamento com alfapeguinterferona substituido por tenofovir ou entecavir, em virtude da baixa probabilidade de resposta terapeutica.

Resistência A resistência aos antivirais pode ser classificada em categorias: - Resistência genotípica: definida como substituições, em populações virais, de aminoácidos na região da transcriptase reversa do gene da polimerase do VHB, que surgem durante a terapia antiviral e conferem resistência aos testes fenotípicos para antivirais. - Resistência fenotípica: é definida como um decréscimo na suscetibilidade in vitro de um antiviral, o que significa ser necessário aumentar as concentrações de determinado fármaco para alcançar 50 ou 90% de inibição da HBV polimerase. - Resistência cruzada: suscetibilidade reduzida a mais de um antiviral, conferida pela mesma substituição de aminoácido ou pela mesma combinação de substituições de aminoácidos. - Breakthrough virológico: corresponde ao aumento do DNA do VHB no soro > 1 log10 UI/mL, durante o tratamento, após o paciente ter alcançado resposta virológica. - Breakthrough bioquímico: corresponde à elevação da ALT no soro, durante o tratamento, nos pacientes em que esta já havia normalizado. Na maioria das vezes, corresponde a uma reativação da atividade viral que pode chegar à exarcebação (flare), com elevação da ALT > 5 vezes o limite superior normal, ocasionalmente causando descompensação da hepatopatia. Em pacientes cirróticos, pode ser grave, com êxito letal.

Imunoglobulina humana anti-HBV (HBiG) Devem receber HBiG os recém-nascidos de mães portadoras de HBsAg (+); contatos sexuais de portadores HBsAg (+) ou com hepatite aguda; os profissionais da saúde não vacinados que sofrem acidente perfurocortante de fonte HBsAg(+).

Coinfecção HIV/HVB Em pacientes coinfectados, o HIV aumenta a replicação do HBV, levando a forma mais grave de doença hepática. Uma vez portador do HBV, o indivíduo tende a evoluir com menores taxas de soroconversão espontânea do HBeAg/ anti-HBe e HBsAg/anti-HBs – e apresentar altas taxas de replicação viral. A TARV para HIV deve ser instituída prontamente e deve-se optar por fármacos com atividade contra o HIV e o HBV, como o tenofovir.

Hepatite C Introdução O vírus C (HCV) é um vírus RNA, da família Flaviridae, descrito em 1989. A triagem de Banco de sangue passou a ser feita para o vírus C em 1991. Existem pelo menos 6 genótipos numerados de 1 a 6 e subtipos do vírus C (1a, 1b, 2a, 2b, 2c, 3a, 3b, 4a e 6a). O genótipo 1 é o mais prevalente e o que apresenta menor probabilidade de responder ao tratamento.

Em geral, fármacos da mesma classe tendem a ter resistência cruzada.

A vacina da hepatite B Utiliza-se uma vacina de antígeno de superfície do vírus B obtida por técnica de engenharia genética (DNA-recombinante); portanto, o indivíduo que recebe a vacina passa a apresentar anticorpos anti-HBs (3 doses, sendo a segunda dose dada 30 dias após a primeira e a terceira, 6 meses após).

Indicação oficial no Brasil O Ministerio da Saude, por meio da Nota Informativa N° 149/2015/ CGPNI/DEVIT/SVS/MS, de 23 de outubro de 2015, instituiu a universalizacao da vacinação da hepatite B para todas as faixas etárias, independentemente de vulnerabilidades.

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Figura 8.7 Vírus da he­patite C (VHC); podemos ver o envelope em cas­tanho, em azul o nucleocapsídio e em vermelho o RNA.

SJT Residência Médica


8 Hepatites virais

Epidemiologia

Evolução da hepatite C

De acordo com o Ministério da Saúde (MS) em protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite c e coinfecções, 2017, estima-se que 3% da população mundial esteja infectada pelo vírus da hepatite C, e que entre 60% e 70% das pessoas infectadas desenvolverão doença hepática crônica, necessitando de assistência à saúde especializada e de alta complexidade.

A maioria das infecções aguda passa despercebida (hepatite aguda anictérica; somente 20% dos casos são sintomáticos). Considera-se diagnóstico de hepatite C aguda:

Ainda segundo o MS, 2017, estima-se que existam entre 1,4 e 1,7 milhão de pessoas cronicamente infectadas pelo HCV no Brasil. De 1999 a 2015, foram notificados 289.459 casos de hepatite C no Brasil. Do total de casos notificados nesse período, 64,2% se concentraram na região Sudeste, 24,2% na região Sul, 5,6% na região Nordeste, 3,2% na região Centro-Oeste e 2,7% na região Norte. Entre os casos confirmados de hepatite C, aproximadamente 150.000 casos (58,8%) ocorreram entre homens e 41,2% entre mulheres. A transmissão do HCV é principalmente parenteral. Os grupos de maior risco para infecção incluem usuários de drogas intravenosas, receptores de transfusões e órgãos e hemofílicos, além de práticas como acupuntura, manicures, tatuagem, piercing e etc. O uso de injeções não seguras por usuários de drogas ilícitas injetáveis correspondem ao principal mecanismo nos EUA e na maioria dos países industrializados. Transmissão sexual do vírus C é possível, mas remota (0-3%) entre casais discordantes. Uso de preservativo não é recomendado em relações estáveis (embora sexo seguro só com preservativo). É possível a transmissão por uso de drogas inalatórias (sangramento). Recomendações aos portadores de vírus C incluem: não doar sangue ou órgãos, não compartilhar escovas de dente, barbeadores, alicate e etc. Não existe nenhuma vacina ou imunoglobulina contra o HVC. Os portadores de vírus C deverão ser vacinados contra os vírus A e B. O risco estimado de transmissão vertical é de 2% e não existe intervenção que reduza o risco de transmissão. O aleitamento materno deve ser permitido. O fator de risco para transmissão perinatal é a coinfecção pelo HIV e a carga viral alta para o HCV. A prevalência de vírus C em doadores de banco de sangue no Brasil é de 2-2,5%. Grande parte dos portadores crônicos do vírus C (40%) não tem fonte/epidemiologia definida. Grupos populacionais que devem fazer sorologia para hepatite C (EASL Consensus Panel) indivíduos que receberam transfusão de sangue antes de 1992, usuários de drogas injetáveis, hemofílicos, pacientes em hemodiálise, pós-exposição ocupacional com agulha/material biológico, filhos de mães infectadas com o vírus C, doadores de órgãos, indivíduos com sinais e sintomas de hepatopatia sem etiologia e os indivíduos infectados pelo HIV.

SJT Residência Médica

Quando houver soroconversão documentada do anti-VHC.

Quando houver positivação do RNA do VHC, a partir de duas semanas da exposição.

Em casos de hepatite aguda (elevação da ALT > 10 a 20 vezes o limite superior da normalidade) com anti-VHC e/ou RNA do VHC-positivo em que outras causas foram afastadas e houve fator de risco para a aquisição da infecção. Definição de caso de hepatite aguda C

Soroconversão recente (menos de 6 meses) do anti-HCV documentada (anti-HCV não reagente no início dos sintomas ou no momento da exposição, convertendo para anti-HCV reagente na segunda dosagem, realizada com intervalo de 90 dias) ou Anti-HCV não reagente e detecção no HCV-RNA por volta de 90 dias após o início dos sintomas ou da data da exposição, quando esta for conhecida em indivíduos com histórico de exposição potencial ao HCV

Tabela 8.9

Eventualmente, quando a soroconversão não pode ser documentada, a biópsia hepática pode ser útil na diferenciação entre casos de hepatite C aguda e aqueles resultantes de reativação de infecção crônica (atenção: somente na dúvida diagnóstica). A eliminação viral espontânea, apos a infecção aguda pelo HCV, ocorre em 25% a 50% dos casos. Os fatores envolvidos com essa evolução desfavorável para cirrose são o abuso de álcool, a esteatose hepática (doença metabólica/resistência à insulina), a alta carga viral, o genótipo 1, a coinfecção com outros vírus como vírus B e o HIV (além de fatores genéticos ligados à imunidade inata, etnia como afro-americanos, o sexo masculino e a idade > 40 anos). Definição de caso de hepatite crônica C

Anti-HCV reagente por mais de seis meses;

Confirmação diagnóstica com HCV-RNA detectável por mais de seis meses;

Presença de sinais clínicos ou histológicos de hepatite crônica (EASL, 2017) na presença de HCV-RNA, detectáveis por mais de seis meses.

E

E/OU

Tabela 8.10

Manifestações extra-hepáticas ocorrem em 15% dos pacientes com hepatite C, muitas delas regredindo com o tratamento da infecção viral.

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Infectologia | volume 1

A associação entre hepatite crônica e a disfunção da tireoide tem sido relatada em todas as formas de acometimento da tireoide (hipotireoidismo, hipertireoidismo, doença de Hashimoto e presença de anticorpos isolados antitireoidianos). Contudo, a revisão da literatura indica que esta associação com o VHC se restringe à presença de altos títulos de anticorpos antitireoide em mulheres, com frequência superior àquela observada nas infecções crônicas pelos VHB e Delta. Uma forma leve de sialoadenite linfocítica parece ser bastante comum (14 a 57%) na hepatite crônica pelo VHC, mas manifestações clínicas e alterações histológicas expressivas como as encontradas na síndrome de Sjögren são raras. As desordens linfóides e hematológicas relacionadas ao VHC podem ser consequentes ao seu linfotropismo, com envolvimento etiopatogênico direto do vírus, ou mesmo indireto, através do estímulo antigênico contínuo do sistema linfoide, devido à replicação viral. Crioglobulinemia mista (CM) essencial é considerada uma desordem imunomediada, caracterizada pela tríade clássica que consiste em púrpura, artralgia e fraqueza, associada ou não ao envolvimento de outros órgãos, como fígado, rins, nervos perifé­ricos e pequenos vasos. A associação entre VHC e CM já foi tão amplamente confirmada, que esta entidade, no contexto da infecção pelo VHC, não deve mais ser referida como “essencial”, mas sim como “CM associada à hepatite pelo VHC”. Esta associação está presente em 1/3 a 1/4 dos pacientes portadores da infecção crônica pelo VHC, com um criócrito médio de 2%. A utilização de IFN-alfa é eficaz na resolução das manifestações clínicas e redução do criócrito em cerca de 50% dos pacientes. A linfoproliferação crônica observada na CM associada à hepatite pelo VHC pode converter-se em outra complicação linfo-hematológica: o linfoma B não Hodgkin. A presença do anti-VHC e do RNA do VHC tem sido observada com frequência elevada na glomerulonefrite membranoproliferativa, principalmente em associação com CM. Outras formas de acometimento glomerular já foram descritas. Líquen plano e porfiria cutânea tarda (PCT) também estão definitivamente associados à doença hepática, independentemente de sua etiologia. Embora não esteja invariavelmente associada à PCT, a infecção pelo VHC é vista com frequência maior neste grupo do que na população em geral, principalmente nas formas esporádicas de PCT. Líquen plano tende a se correlacionar com infecções de longa duração pelo VHC, tem distribuição generalizada e envolvimento mucoso mais frequente do que o usual.

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Doenças e manifestações extra-hepáticas descritas em associação com a hepatite C Órgão ou sistema acometido

Endócrino

Olhos e glândulas salivares Hematológico e linfoide Rins Musculo esquelético

Manifestação Hipertireoidismo Hipotireoidismo Tireoidite de Hashimoto* Anticorpos antitireoidianos* Diabetes mellitus Sialoadenite* Úlcera corneana de Mooren Uveíte Crioglobulinemia mista e vasculite* Anemia aplástica Trombocitopenia idiopática Linfoma B não Hodgkin* Glomerulonefrite membranoproliferativa* Fraqueza muscular Anormalidades musculares latentes Artrite e artralgia Artrite reumatoide Vasculite necrosante cutânea (leucocitoclástica)*

Dermatológico

Miscelânea

Porfiria cutânea tardia* Líquen plano* Eritema multiforme Eritema nodoso Malacoplaquia Urticária Prurido Poliarterite nodosa Fibrose pulmonar Síndrome CREST Hepatite autoimune tipos 1 e 2 Presença de autoanticorpos*

Tabela 8.11 (*) Evidências significativas de associação.

15 a 30% cura

Infecção

Hepatite aguda (sintomática ou assintomática)

Hepatocarcinoma 5%

4 a 8 meses

75 a 85% hepatite crônica

15 a 40 anos

Cirrose 30%

Figura 8.8 História natural da infecção pelo vírus C.

Em pacientes sintomáticos, as manifestações extra-hepáticas devem ser consideradas, pois nesses pacientes justifica-se o tratamento independentemente da histologia, ou seja, não há necessidade de realizar biópsia hepática.

Diagnóstico Os testes diagnósticos da infecção compreendem duas categorias: os exames sorológicos que detectam a presença de anticorpos contra o VHC e os testes moleculares de detecção de partículas virais. O teste sorológico para detecção de anticorpos anti-HVC é o imunoenzimático (Elisa), sendo o de terceira geração o mais sensível e específico.

SJT Residência Médica


8 Hepatites virais

O Elisa III tem sensibilidade de 99% em indivíduos imunocompetentes e especificidade de 99%. Resultados falso-negativos podem ocorrer em renais crônicos em hemodiálise, em pacientes com imunodeficiência e na infecção viral precoce. E falso-positivos em doença autoimune. O ensaio imunoblot recombinante (RIBA) apresenta três gerações, sendo o RIBA III o de maior sensibilidade. É um exame complementar para confirmar Elisa positivo. Seu emprego tem diminuído muito com o emprego dos testes virológicos moleculares. A detecção do RNA do VHC pela reação em cadeia de polimerase (RNA-VHC por PCR) consiste na ampliação de parte do genoma viral, apresenta limite inferior de detecção abaixo de 100 cópias virais/mL (alguns laboratórios abaixo de 50 cópias virais/mL) e tem sido a técnica utilizada para confirmar infecção e avaliar a resposta terapêutica. A quantificação da carga viral tem importância na avaliação dos fatores preditivos da resposta terapêutica, mas não é indicativa de progressão da doença. O primeiro exame a ser realizado deve ser pelo método de Elisa II ou III e a confirmação pela determinação qualitativa do RNA do VHC. Nos pacientes com anti-HVC positivo e RNA negativo, com fatores de risco para infecção, é recomendada a realização do RNA do VHC no intervalo de seis meses para validar a ausência de viremia.

O HCV-RNA é indicado:

Para confirmar diagnóstico de hepatite C Para caracterizar transmissão vertical Em acidentes com materiais biológicos, para definir a transmissão No monitoramento clínico, para avaliar resposta virológica

A presença de anti-HCV não define isoladamente a presença de infecção ativa e deve ser interpretada como contato prévio com o HCV. O resultado reagente desse marcador deverá ser confirmado por testes moleculares para detecção de ácidos nucleicos de HCV.

O diagnóstico de hepatite aguda pelo VHC é confirmado em pacientes com RNA positivo e anti-VHC inicialmente negativo ou quando houver soroconversão. As aminotransferases séricas elevam-se 4 a 12 semanas após o início da infecção, refletindo a lesão hepatocelular. O risco de insuficiência hepática fulminante é de, aproximadamente, 0,5%. A determinação da genotipagem é importante para avaliar a orientação terapêutica dos portadores de HC crônica. A carga viral nos pacientes com genótipo 1 deve ser determinada antes do início do tratamento e 12 semanas após. Recentemente surgiu teste sorológico que exprime o grau de fibrose e de atividade necroinflamatória. Trata-se do “Fibro Test - Acti Test”. O “Fibro Test” ofereceria alternativa não invasiva para “medir” fibrose em pacientes com hepatite crônica pelo VHC, e em outras hepatopatias. O “Acti Test” poderia expressar a atividade necroinflamatória. A classificação utilizada em ambos os testes tem bases em escores Metavir. O exame de genotipagem do HCV utiliza testes moleculares baseados em amplificação do RNA viral, capazes de identificar os diversos genótipos, subgenótipos e populações mistas do HCV. A caracterização genotípica apenas complementa a avaliação clinico-laboratorial na definição da estratégia para o tratamento da hepatite crônica. O MS em protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite c e coinfecções, 2017, recomenda a realização do teste de genotipagem para os casos com indicação de tratamento.

Contágio

Anti-VHC

VHC-RNA

1a2 semanas

8 semanas

Hepatite clínica

12 semanas

Tempo

Figura 8.9 Marcadores sorológicos da infecção pelo VHC.

SJT Residência Médica

37


Infectologia | volume 1

Biópsia hepática

SBP, 2000 e ISHAK, 1995

É exame importante para confirmar a presença de hepatite crônica, avaliar o grau e o estadiamento da doença, além de excluir ou detectar a presença de outras doenças. Este procedimento não é necessário para o diagnóstico de Hepatite C aguda.

Atividade periportal

0 ou 1

0

0

0 ou 1

1 ou 2

1

2

0-1

1

2

2

2

2

3-4

3

3

0-2

2

3

3-4

3

4

0-4

3

A biópsia hepática é o exame padrão-ouro para definição do grau de acometimento hepático. O diagnóstico histológico de hepatite crônica C baseia-se na presença de infiltrado inflamatório portal predominantemente linfocitário, geralmente com número variável de plasmócitos e histiócitos, acompanhada por grau variável de atividade periportal (atividade de interface ou necrose em saca-bocado), atividade parenquimatosa (lobular) e fibrose.

A biópsia ideal deve ser cilindríca, não fragmentada, contendo de 10-20 espaços-porta. Critérios para realização da biópsia hepática para indicação terapêutica: Doença hepática compensada Contagem de plaquetas > 60.000/mm3 Atividade de protrombina > 50%

Tabela 8.14 Classificação da Atividade Inflamatória (A). Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

O tratamento está indicado para todos os pacientes com biópsia hepática ou elastografia hepática que indique METAVIR >ou= F2.

Elastografia hepática

Tabela 8.12

A biópsia hepática percutânea esta contraindicada nas seguintes situações:

Contraindicações relativas: ascite, obesidade mórbida, possibilidade de lesões hepáticas vasculares, amiloidose, incapacidade de cooperação do paciente.

Contraindicações absolutas: coagulopatia grave, infecção no parênquima hepático, obstrução biliar extra hepática.

Para os pacientes que apresentem contraindicações ou não preencham os critérios necessários, estão indicados os métodos não invasivos de avaliação hepática. Os resultados da biópsia hepática devem ser avaliados conforme a classificação da alteração arquitetural (grau de fibrose) e da atividade inflamatória. A correspondência das classificações anatomopatológicas à escala METAVIR esta detalhada nas tabelas a seguir: SBP, 2000

ISHAK, 1995

METAVIR, 1994

0 1 2 3 4

0 1 ou 2 3 4 ou 5 6

0 1 2 3 4

Tabela 8.13 Classificação da alteração arquitetural (Fibrose). Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

38

METAVIR, 1994

Atividade parenquimatosa

Realizado por meio de diferentes metodologias, esse procedimento não invasivo permite a estratificação dos graus de fibrose (Lupsor, Stefanescu, Feier, & Badea, 2012; Morikawa & Hiroyasu, 2012). Uma de suas principais vantagens é a avaliação de uma área maior do que a avaliada por fragmento de biópsia hepática. Outra vantagem – mediante o adequado treinamento do operador – é a obtenção de resultados que reproduzem a real situação do parênquima.

APRI e FIB4 Os índices APRI e FIB4 podem ser empregados tanto para identificar a fibrose avançada e a cirrose quanto para deferir o tratamento da infecção – após a avaliação médica e na ausência de métodos preferenciais como biópsia ou elastografia. As duas determinações – fibrose avançada e fibrose ausente ou inicial – são realizadas por meio de pontos de corte elaborados pela OMS. Os métodos estão amplamente validados e recomendados oficialmente pela Organização no Guidelines for the screaning, care and treatment of persons with hepatitis C infection, publicado em abril de 2014 (World Health Organization, 2014).

APRI =

Para calcular o APRI: Valor de AST (UI/L) Limite Superior Normal de AST (UI/L)

× 100

Contagem de Plaquetas (109)

SJT Residência Médica


8 Hepatites virais

Para calcular FIB4:

FIB4 =

HCV. Coinfecções podem afetar substancialmente o resultado do exame, superestimado o grau de envolvimento hepático.

Idade (anos) × AST (UI/L) Contagem de Plaquetas (109) × √ALT (UI/L)

Recomenda-se que esses índices sejam empregados somente em casos de monoinfecção pelo

O MS, 2017 utiliza-se a escala METAVIR para caracterizar o grau de fibrose e a cirrose hepática. A correlação dos resultados de APRI e FIB4 com a escala METAVIR está apresentada na Tabela abaixo:

METAVIR

APRI (baixo corte)

APRI (alto corte)

FIB4 (baixo corte)

FIB 4 (alto corte)

METAVIR F2 (fibrose moderada)

0,5

1,5

1,45

3,25

1

2

-

-

METAVIR F4 (cirrose)

Tabela 8.15 Caracterização de fibrose moderada e cirrose conforme valores de APRI e FIB4. Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017. O tratamento está indicado para pacientes monoinfectados pelo HCV com APRI > 0,5 ou FIB4 > 1,45 - caracterizando METAVIR > F2.

APRI e FIB4 são escores de biomarcadores que apresentam boa especificidade, porém baixa sensibilidade. Caso o paciente não seja classificado como F3 ou F4 por esses métodos, está indicada a realização de métodos complementares, como a biópsia hepática ou a elastografia hepática, com o objetivo de esclarecer o estadiamento da doença hepática (MS, 2017).

Tratamento O tratamento da Hepatite C crônica baseado no uso de Interferon, Ribavirina e inibidores de protease (Telaprevir e Boceprevir) é lembrança de um passado recente. Estamos em uma nova era, os DAAs de segunda onda, com taxas de respostas superiores a 90%. Os fármacos disponíveis no SUS para tratamento da hepatite C crônica são: daclatasvir (inibidor do complexo enzimático NS5A); simeprevir (inibidor de protease); e sofosbuvir (análogo de nucleotídeo que inibe a polimerase do HCV). Também esta disponivel no SUS a associação dos fármacos ombitasvir (inibidor de NS5A), dasabuvir (inibidor não nucleosídico da polimerase NS5B), veruprevir (inibidor de protease NS3/4A) e ritonavir (potencializador farmacocinético) – 3D. Todos esses medicamentos atuam diretamente no HCV, interrompendo a sua replicação.

Objetivos do tratamento Erradicação do vírus por meio do tratamento constatada com o resultado de HCV-RNA indetectável na 12ª ou 24ª semana de seguimento pós-tratamento, conforme o regime terapêutico instituído. Essa condição caracteriza a resposta virológica sustentada (RVS).

SJT Residência Médica

Nos pacientes com cirrose hepática instalada, a erradicação do HCV não remove o risco de hepatocarcinoma ou descompensação clínica. Estes pacientes devem ser seguidos a cada seis meses com US do andar superior do abdome com Doppler e alfafetoproteína.

Indicações de tratamento De acordo com o MS, 2017, a terapia da hepatite C crônica esta indicada, prioritariamente, para os pacientes não tratados previamente com daclatasvir, simeprevir, sofosbuvir e associação dos fármacos ombitasvir hidratado, veruprevir di-hidratado/ritonavir e dasabuvir sódico monoidratado (3D) e que apresentem os seguintes resultados de exames indicativos de doença hepática moderada a avançada:

METAVIR F3 ou F4 – por APRI/FIB4, biópsia ou elastografia hepática;

OU

Evidências de cirrose (varizes de esofago, ascite, alterações da morfologia hepática compatíveis com cirrose) (AASLD; IDSA, 2016);

OU

Biópsia hepática ou elastografia hepática com resultado METAVIR F2.

Na ausência de doença hepática moderada a avançada, o tratamento da hepatite C esta indicado para os pacientes com diagnóstico de hepatite C crônica incluídos nas situações abaixo:

Coinfecção pelo HIV; Coinfecção pelo HBV;

39


Infectologia | volume 1

Manifestações extra-hepáticas com acometimento neurológico motor incapacitante, porfiria cutânea, líquen plano grave com envolvimento de mucosa; Crioglobulinemia com manifestação em órgão-alvo (glomerulonefrite, vasculites, envolvimento de olhos, pulmão e sistema nervoso periférico e central); Poliarterite nodosa; Insuficiência renal crônica avançada (depuração de creatinina inferior ou igual a 30 mL/min); Púrpura trombocitopênica idiopatica (PTI); Pós-transplante de fígado e de outros órgãos sólidos; Linfoma, gamopatia monoclonal, mieloma múltiplo e outras doenças hematológicas malignas; Hepatite autoimune; Hemofilia e outras coagulopatias hereditárias;

Hemoglobinopatias e anemias hemolíticas.

tasvir, veruprevir/ritonavir e dasabuvir (3D) esta contraindicada em pacientes com cirrose Child-Pugh B ou C. A associação de veruprevir, ritonavir, ombitasvir e dasabuvir (3D) não deve ser utilizada concomitantemente ao uso de anticoncepcionais orais combinados contendo etinilestradiol. O tratamento da hepatite C durante a gestação está contraindicado devido aos efeitos teratogênicos da ribavirina e da alfapeguinterferona e à ausência de estudos que garantam a segurança dos medicamentos antivirais de ação direta.

Posologia

Contraindicações ao tratamento com os antivirais de ação direta (Sofosbuvir, simeprevir, daclatasvir e associação de veruprevir, ritonavir, ombitasvir e dasabuvir (3D))

Arritmia cardíaca: não há dados na literatura que garantam a segurança dos novos medicamentos sofosbuvir, simeprevir e daclatasvir em pacientes portadores de arritmia cardíaca, particularmente em pacientes em tratamento com amiodarona ou digoxina (European Medicines Agency, 2015; U.S. Departament of Health and Human Services, 2015). Até a elucidação das interações medicamentosas com antiarrítmicos e da severidade da arritmia cardíaca nos eventos adversos registrados, não se pode recomendar o tratamento concomitante com esses medicamentos – e alternativas terapêuticas devem ser buscadas para evitar a interação e minimizar os riscos de eventos adversos.

A utilização de esquemas terapêuticos que incluam simeprevir ou a associação dos fármacos ombiGenótipo 1a Monoinfecção HCV sem cirrose Monoinfecção HCV com cirrose Child-Pugh A Coinfecção HCV/HIV com ou sem cirrose Child-Pugh A Monoinfecção HCV ou coinfecção HCV/HIV em paciente experimentado com telaprevir ou boceprevir sem cirrose Monoinfecção HCV ou coinfecção HCV/HIV ou paciente experimentado com telaprevir/boceprevir com cirrose Child-Pugh BeC

Alfapeguinterferona 2a 40 KDa – 180 mcg/semana SC Alfapeguinterferona 2b 12 KDa – 1,5 mcg/kg/semana SC Daclatasvir comprimidos de 30-30 mg/dia VO Daclatasvir comprimidos de 60-60 mg/dia VO Simeprevir comprimidos de 150-150 mg/dia VO Sofosbuvir comprimidos de 40-400 mg/dia VO Ribavirina comprimidos de 250-11 mg/kg/dia ou 1 g (< 75 kg) e 1,25 g (> 75 kg) VO Veruprevir 75 mg / ritonavir 50 mg / ombitasvir 12,5 mg – 2 comprimidos uma vez ao dia (pela manhã) + 1 comprimido de dasabuvir 250 mg – duas vezes ao dia (manhã e noite)

Tratamento de acordo com o genótipo Genótipo 1 Os esquemas de tratamento são definidos com base no subgenótipo, na presença ou não da coinfecção pelo HIV, na prévia experimentação com DAA e no estágio de fibrose avançada.

Regime terapêutico Sofosbuvir + simeprevir +/- ribavirina Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina Ombitasvir + veruprevir + ritonavir e dasabuvir com ribavirina Sofosbuvir + simeprevir +/- ribavirina Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

Tempo 12 semanas 12 semanas

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

12 semanas

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

12 semanas

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

12 semanas

Tabela 8.16 Regimes terapêuticos para os pacientes com hepatite C crônica genótipo 1a. Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

40

SJT Residência Médica


8 Hepatites virais

Genótipo 1b

Regime terapêutico

Tempo

Monoinfecção HCV com ou sem cirrose Child-Pugh A

Ombitasvir + veruprevir + ritonavir e dasabuvir +/- ribavirina

12 semanas

Coinfecção HCV/HIV com ou sem cirrose Child-Pugh A

Sofosbuvir + daclatasvir +/ribavirina

12 semanas

Monoinfecção HCV ou coinfecção HCV/HIV em paciente experimentado com telaprevir ou boceprevir sem cirrose

Sofosbuvir + daclatasvir +/ribavirina

12 semanas

Monoinfecção HCV ou coinfecção HCV/HIV em paciente experimentado com telaprevir ou boceprevir com cirrose Child-Pugh B e C

Sofosbuvir + daclatasvir +/ribavirina

24 semanas

Tabela 8.17 Regimes terapêuticos para os pacientes com hepatite C crônica genótipo 1b. Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

Genótipo 2 Os esquemas de tratamento são definidos segundo presença ou não de intolerância a ribavirina e de acordo com o grau de fibrose avançada. Genótipo 2

Regime terapêutico

Tempo

Tolerantes à ribavirina sem cirrose

Sofosbuvir + ribavirina

12 semanas

Intolerantes à ribavirina sem cirrose

Sofosbuvir + daclatasvir

12 semanas

Com cirrose

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

12 semanas

Tabela 8.18 Regimes terapêuticos para os pacientes com hepatite C crônica genótipo 2. Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

Genótipo 3 Genótio 3

Regime terapêutico

Tempo

Sem cirrose ou com cirrose Child A

Sofosbuvir + alfapeguinterferona + ibavirina

12 semanas

PEG-IFN contraindicado sem cirrose

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

12 semanas

PEG-IFN contraindicado com cirrose (Child A, B ou C)

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

24 semanas

Tabela 8.19 Regimes terapêuticos para os pacientes com hepatite C crônica genótipo 3. Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

Genótipo 4 Genótipo 4

Regime terapêutico

Sem cirrose ou com cirrose Child A

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

Com cirrose Child B e C

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

Sofosbuvir + simeprevir +/- ribavirina

Tempo 12 semanas 24 semanas

Tabela 8.20 Regimes terapêuticos para os pacientes com hepatite C crônica genótipo 4. Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

Genótipos 5 e 6 Genótipos 5 e 6

Regime terapêutico

Tempo

Sem cirrose ou Cirrose Child A

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

12 semanas

Com cirrose Child B e C

Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina

24 semanas

Tabela 8.21 Regimes terapêuticos para os pacientes com hepatite C crônica genótipos 5 e 6. Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

SJT Residência Médica

41


Infectologia | volume 1

Monitoramento da eficácia terapêutica A mensuração do HCV-RNA deve ser realizada por metodologia de Real Time PCR com limite de detecção < 12 UI/mL. Recomenda-se a realização do HCV-RNA para confirmar o diagnóstico de Hepatite C crônica imediatamente antes de instituído o tratamento, ao final da 12a semana após o término do tratamento ou na 24a semana após o término do tratamento, para avaliar a eficácia terapêutica. Tratamento da Hepatite C aguda O tratamento da hepatite C aguda tem por objetivo reduzir o risco de progressão para hepatite C crônica bem como diminuir a transmissão do vírus. Quando a infecção é tratada precocemente, as taxas de RVS alcançam valores superiores a 80% e, em algumas situações, próximos de 98% (MS, 2017). Nos casos sintomáticos de Hepatite C aguda, sobretudo nos ictéricos, o clareamento viral espontâneo pode ocorrer em 15% a 45% dos casos. Nas infecções causadas pelo genótipo 3, a probabilidade de clareamento viral espontâneo é maior. O clareamento viral espontâneo, quando observado, ocorre mais frequentemente nas primeiras 12 semanas após o início da infecção (Hofer, et al., 2003). O tratamento deve ser sempre considerado em casos de Hepatite C aguda, sendo necessário um esforço contínuo para diagnosticá-la o mais precocemente possível. Critérios para início do tratamento da Hepatite C aguda Pacientessintomáticos Pacientesassintomáticos

Aguardar 12 semanas após o início dos sintomas; caso não haja eliminação viral espontânea (HCV-RNA negativo), indica-se o tratamento. Iniciar o tratamento imediatamente após o diagnóstico – em média, quatro semanas apos a exposição, principalmente nas situações de maior vulnerabilidade.

Tabela 8.22

De acordo com o MS, 2017, nos grupos populacionais de maior vulnerabilidade, ou em situações em que houver a suspeita de infecção aguda pelo HCV e não seja possível definir a data provável de exposição ao HCV, indica-se:

Realizar o HCV-RNA quantitativo na suspeita clinica de infecção aguda pelo HCV.

Repetir o HCV-RNA quantitativo na quarta semana após o primeiro exame:

» Caso não ocorra diminuição da carga viral de pelo menos 2 log10, deve-se iniciar o tratamento. » Caso a carga viral tenha se reduzido mais do que 2 log10, avaliar na 12ª semana antes de indicar o tratamento. HCV Agudo 4ª semana

HCV Agudo

HCV Agudo 12ª semana

Redução > 2log10

Negativo

HCV Agudo na 24ª e 48ª semana para confirmar cura expontânea

Redução < 2log10 Positivo

Tratamento PEG-IFN +/- ribavirina

HCV Agudo 4ª semana Negativo

Interromper tratamento após 24 semanas

Positivo

Tratamento por 48 semanas. Interromper se redução do HCV-RNA < 2log10 na 12ª semana

Figura 8.10 Fluxograma para o manejo da hepatite C aguda em pacientes monoinfectados pelo HCV e em pacientes coinfectados HCV/HIV. Fonte: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite C e coinfecções, Ministério da Saúde, 2017.

42

SJT Residência Médica


8 Hepatites virais

Vírus Delta

Vírus B

Hepatite D O vírus D (delta) foi identificado por Rizzeto em 1977. É um vírus RNA e defectivo (dependente do vírus B), que por si só não consegue infectar o fígado para replicar-se e necessita da presença do HBV. Dependendo da situação do hospedeiro em relação ao HBV, pode haver coinfecção (suscetível ao HBV, o indivíduo se infecta pelos 2 vírus, B e D) ou superinfecção (portador crônico do HBV, se infecta pelo vírus D). Pode evoluir para hepatite fulminante; existe alta probabilidade de evolução para a cronicidade. A letalidade é mais elevada na superinfecção do que na coinfecção. A infecção aguda pelo HDV (Delta) é diagnosticada pela presença de HBsAg e o anti-Delta IgM e RNA do HDV. A transmissão do vírus delta é semelhante a do HBV, a via parenteral, sexual e vertical. A HD é endêmica nas áreas de alta prevalência do HBV (região amazônica).

AgHBs Anti-HBc IgG

Anti-HBc IgM

Portador crônico B

Anti-D IgM

Anti-D IgG

Superinfecção

Figura 8.12 Hepatites B e Delta (superinfecção).

Hepatite E O vírus E foi identificado em 1980 durante epidemia de hepatite não A na Índia e o sequenciamento do genoma em 1990. É um vírus RNA da família Caliciviridae. A infecção é de transmissão fecal oral. Ocorre na Índia, África, Sudeste Asiático e México. Acomete mais adultos e adultos jovens. Foram observadas formas agudas graves em gestantes (até 30% dos casos). Raramente VHE pode levar à cronificação, e indivíduos imunossuprimidos são os mais suscetíveis a essa evolução desfavorável cuja fisiopatologia ainda é pouco clara.

Tratamento e profilaxia

O tratamento da hepatite delta deve ser realizado com a administração simultânea de alfapeguinterferona 2a e um análogo de nucleos(t)ideo durante 48 semanas, renovada por outras 48 sePeríodo de incubação de 28-45 dias. O diagnóstico é feito pela detecção no soro de anticorpos manas mediante avaliação clínica e laboratorial. anti-HEV IgM na fase de hepatite aguda e os antiA presença de sinais e sintomas que demonstram corpos IgG persistem por anos. atividade da doença hepática e/ou exames de função hepática com elevação dos índices de AST/ ALT justificam imediata renovação do tratamento Icterícia por mais 48 semanas, totalizando 96 semanas de Contágio terapia combinada. Ao final da 48a ou da 96a seAnti-VHE IgG mana, os pacientes deverão continuar apenas com Anti-VHE IgM os medicamentos de administração oral. A prevenção da hepatite delta é feita pelas mesmas medidas preventivas da hepatite B, com destaque especial ao uso da vacina.

Vírus E nas fezes

Contágio simultâneo

Vírus B

Vírus Delta

AgHBs Anti-Delta IgM

Doença Incubação 2 a 9 semanas

45 a 112 dias

Tempo

Figura 8.13 Marcadores sorológicos da infecção pelo VHE.

Anti-HBc IgM Anti-HBs

Tratamento Incubação

Doença

Imunidade

Meses

Figura 8.11  Hepatite B e Delta (coinfecção).

SJT Residência Médica

O tratamento da hepatite E nas formas comuns, que são a maioria, é apenas de suporte, pois a doença pode, em alguns casos, ser autolimitada.

43


Infectologia | volume 1

Entretanto na hepatite fulminante, especialmente na gestante, é necessário internação hospitalar, com cuidados intensivos e lembrando que esse quadro grave pode ser causado por diversas causas que poderiam eventualmente estar associadas, poderiam coexistir com a etiologia viral.

Prevenção Como prevenção deve haver condições sanitárias adequadas e cuidados muito especiais com os reservatórios de água para beber. Medida fundamental é evitar a ingestão de água não tratada, de mariscos crus, carnes cruas ou mal cozidas (de porco, veado), sorvetes de origem duvidosa e, de modo geral, alimentos mal lavados. Dispõe-se atualmente de vacina recombinante (vacina na fase 2), que em população de alto risco foi eficaz na prevenção da hepatite E. A vacinação compreende três doses que devem ser administradas aos tempos 0, 30 e 180 dias, cuja eficácia foi de 95,5% e cuja reação adversa foi dor no local da injeção.

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CAPÍTULO

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Crescimento da criança Introdução A análise e a vigilância do crescimento constituem ações fundamentais do pediatra, sendo também os diagnósticos do estado nutricional e do crescimento das crianças reveladores e indicadores de saúde de uma população. A monitorização do crescimento infantil permite a detecção precoce de atrasos e desvios, os quais deverão ser seguidos por adequadas medidas corretivas e de investigação. O crescimento, componente físico (somático) das transformações da criança em desenvolvimento, é um fenômeno multifatorial, determinado por dois conjuntos de fatores: os intrínsecos e os extrínsecos. Os fatores intrínsecos, endógenos ou constitucionais são representados pela complexa integração hormonal e pela bagagem/instrução genética que o indivíduo carrega desde a sua concepção e que identifica o seu potencial para o crescimento. Essa é uma herança direta de seus pais, mas que também se relaciona de maneira imediata com o(s) grupo(s) étnico(s) que os mesmos integram. Entretanto, e de modo mais especial, o fenômeno do crescimento é bastante sensível às influências externas, fatores considerados extrínsecos ou exógenos. Desta forma, mesmo reconhecendo a importância dos fatores da “programação pré-estabelecida”, a real evolução do crescimento acaba sendo modulada também pelo ambiente. Condições relacionadas à saúde e à nutrição da gestante, nutrição infantil e morbidade, sem dúvida alguma, influenciam no crescimento infantil. Entretanto, o

ambiente deve ser entendido na sua concepção mais ampla, incluindo uma variedade de fatores e características sociais, econômicas, culturais, psicológicas e biológicas que o compõem e nos quais o indivíduo está imerso durante toda a sua vida. Assim, de uma adequada interação biológica-ambiental resulta o crescimento normal de uma criança, que, apesar dessa complexidade, até certo ponto, ocorre de maneira previsível. Espera-se, particularmente se o puericultor cumpre o seu papel de monitorar as condições ambientais mais favoráveis possíveis, que, na fase adulta, haja a expressão máxima do potencial genético. Em cada etapa do crescimento humano, fatores intrínsecos e extrínsecos tomam maior ou menor importância nessa interferência no crescimento. Ao nascer, por exemplo, o peso e a estatura da criança relacionam-se melhor com as condições de vida intrauterina (ambiente) do que com a herança genética. Da mesma forma, durante o primeiro ano de vida, alimentação adequada, estímulos, carinho da família e ausência de doenças propiciam, de maneira geral, um crescimento adequado. Por outro lado, quando um adolescente preocupado com sua estatura é atendido, informações relacionadas à altura e ao desenvolvimento puberal dos pais devem, agora, necessariamente ser avaliados.

Etapas do crescimento Para a monitorização do crescimento esquelético, utiliza-se uma variável de avaliação evolutiva, que permite acompanhar os incrementos anuais de estatura: a velocidade de crescimento (VC), expressa na unidade “centímetros por ano”.


Pediatria | volume 1 Esses dados podem ser projetados em função da idade, resultando em uma curva de velocidade de crescimento (Figura 2.1). A análise da velocidade de crescimento se constitui como o método mais sensível para se reconhecer os desvios do crescimento normal. O crescimento apresenta fases distintas, caracterizadas por amplas variações em sua velocidade, relacionadas à oferta alimentar, às influências psicossocial e ambiental, bem como à ação hormonal predominante em cada fase. O crescimento intrauterino é composto por uma fase inicial (embrionária) com intensa proliferação celular, caracterizando um período acelerativo do crescimento, no qual o incremento estatural chega a valores da ordem de 10 cm por mês (entre o quarto e quinto meses de gestação). Segue-se uma fase de crescimento estatural menor, embora de maior incremento de peso. Assim, considera-se que a aceleração do crescimento intrauterino ocorra particularmente na primeira metade da gestação, havendo uma desaceleração no final do período gestacional. A criança nasce, portanto, expressando um movimento desacelerativo de seu crescimento estatural, que pode ser graficamente observado na curva de velocidade de crescimento pós-natal. 24 23 22 21

comuns nos consultórios pediátricos queixas familiares do tipo “meu filho não come” e “meu filho não cresce”, por ser um momento de “baixa” velocidade de crescimento, particularmente quando comparada à fase pregressa. A VC média varia de 4 a 6 cm por ano (5 a 7 cm/ano, segundo algumas referências) e é chamada de infantil ou pré-puberal, pois somente se modificará na fase seguinte. Fase 3 (puberdade): novamente uma fase de crescimento rápido, com aceleração e posterior desaceleração, até, finalmente, o término do processo de crescimento. Os períodos de intenso crescimento são momentos de grande vulnerabilidade aos agravos exógenos, particularmente os nutricionais, que, quando ocorrem, promovem prejuízos irreparáveis. Serão momentos nos quais a vigilância deve se intensificar. Atualmente, atenção especial tem sido dedicada ao acompanhamento de crescimento na terceira fase do crescimento (adolescência); historicamente, sempre houve muita atenção e cuidado com os bebês (puericultura clássica), justificada pelo intenso crescimento que aí se processa. Não podemos desconsiderar, entretanto, que agravos que ocorram durante a puberdade (e não são raras as situações de doenças crônicas que nesse período se manifestam ou distúrbios nutricionais e transtornos alimentares, como alguns exemplos) comprometem sobremaneira a estatura final do indivíduo.

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Velocidade de crescimento cm/ano

19

Monitorização do crescimento e os referenciais

18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

Idade (anos)

Figura 2.1 Curva de velocidade de crescimento expressa pela idade (VC).

A observação da curva de velocidade de crescimento permite a identificação de três momentos fundamentais do crescimento humano: Fase 1 (lactância): fase de crescimento rápido, porém desacelerado. A velocidade de crescimento do primeiro ano de vida é a mais alta da vida extrauterina e é cerca de 25 cm/ano, reduzindo-se drasticamente nos dois primeiros anos de vida. Fase 2 (infância propriamente dita): fase de crescimento lento, mas estável e constante. São

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Uma das tarefas do puericultor na avaliação do crescimento de uma criança é a identificação de fatores de risco que o comprometam. Um pré-natal bem realizado já é a primeira profilaxia para agravos estaturais futuros. Em uma anamnese cuidadosa, dados de instrução e profissão dos pais, das condições habituais de vida da criança (saneamento ambiental, salubridade domiciliar), acesso aos recursos de saúde, renda familiar, condições de gestação e nascimento (doenças maternas, uso de medicamentos ou drogas, peso e comprimento ao nascer, intercorrências perinatais), passado e presente mórbido na infância, história alimentar e padrão de crescimento familiar facilitam a identificação de fatores de risco para os distúrbios de crescimento. O maior desafio que então se estabelece é a avaliação da normalidade do crescimento. Para tanto, utiliza-se a análise de parâmetros mensuráveis (antropometria clínica). Com equipamentos simples (balança, régua e fita métrica), peso, comprimento (estatura da criança deitada, obtida com a régua antropométrica horizontal, até cerca de dois anos) ou altura (estatura da criança em posição ortostática, aferida com estadiômetro vertical), perímetro cefálico, perímetro braquial, pregas cutâneas, diâmetros, relação segmento superior/inferior e outros

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2 Crescimento da criança índices podem ser facilmente obtidos. Essas medidas podem ser tomadas e analisadas de forma isolada ou, o que é preferível, de maneira sequencial (evolutiva), derivando-se o conceito de tendência e de velocidade, pois o crescimento é um processo contínuo e dinâmico. Em particular, as medidas de estatura devem ser tomadas a intervalos entre quatro a seis meses, pois, sendo o crescimento um fenômeno que sofre oscilações, medidas consideradas em intervalos muito curtos podem induzir erro de cálculo. Sendo o crescimento caracterizado basicamente pela variabilidade individual, as observações são baseadas na posição do indivíduo em relação a um grupo de referência. Portanto, para a análise desses parâmetros, recorrem-se aos referenciais, construídos com base em amostras representativas da variabilidade de uma população. Em Pediatria, esses instrumentos são comumente conhecidos como “curvas de crescimento”. Na prática diária, os referenciais antropométricos são de extrema utilidade em Pediatria, pois ainda não se dispõe de instrumentos que permitam predizer, de maneira individualizada, qual é o padrão normal de crescimento da criança ou do adolescente avaliado. Como consequência, a única forma mais objetiva de avaliar a normalidade é comparar as medidas de cada indivíduo com as de seus pares, isto é, crianças e adolescentes de mesma idade e mesmo sexo, e analisar a evolução de seus parâmetros antropométricos em função da idade. Dessa forma, os estudos auxológicos populacionais geram curvas úteis para a avaliação do crescimento e do estado nutricional de uma população, mas também se constituem no instrumento do pediatra para avaliar o crescimento de seus pacientes individualmente. Nesses instrumentos, são identificados os pontos de corte para a interpretação da “normalidade” do parâmetro estudado. Alguns critérios são necessários para a construção de um adequado referencial de crescimento, como a utilização de indivíduos normais e sadios, amostragem randomizada, equipamentos de aferição adequados e calibrados e utilização de procedimentos estatísticos e matemáticos corretos no tratamento dos dados. O objetivo de todos esses cuidados é produzir dados precisos, acurados e confiáveis. Os dados podem ser coletados prospectivamente, ao longo do tempo, sempre da mesma amostra de crianças, mensuradas em diversas idades à medida que crescem. Esse tipo de estudo é chamado de longitudinal. Como alternativa se utilizam diversas amostras de crianças e adolescentes, de diferentes idades, medidas num mesmo momento, cujos dados são posteriormente tratados matematicamente como se fossem de uma mesma amostra acompanhada ao longo do tempo. Essa forma de elaboração de referenciais é a mais frequente na literatura e corresponde aos estudos denominados transversais. Realizados todos os

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cálculos com base em modelos matemáticos complexos, os valores são reunidos em tabelas e gráficos, organizados sob a forma de percentil e/ou de escore z. Na clínica pediátrica prática, o percentil é uma escala muito utilizada, devido à sua simplicidade de interpretação. Percentil é um termo estatístico e refere-se à posição ocupada por determinada observação no interior de uma distribuição. Para obtê-lo, os valores da distribuição devem ser ordenados do menor para o maior, em seguida, a distribuição é dividida em 100 partes de modo que cada observação corresponda a um percentil daquela distribuição. O percentil, indicado com a letra “p” seguida do número que lhe corresponde, portanto, situa o parâmetro estudado em relação ao grupo de 100 (cem) de seus semelhantes. P50, por exemplo, indica que 50% das crianças estão acima dessa cifra, e 50% abaixo. No caso de uma criança que está no percentil 70 de peso para idade, interpreta-se que 70% das crianças na mesma idade têm peso inferior e que 30% têm peso maior. Assim, os valores de tendência central (próximos ao percentil 50) são também os mais frequentemente observados na população normal, enquanto os de extremos são os mais raros. Essa característica proporciona a quem utiliza a classificação em percentil uma percepção quase intuitiva do risco de anormalidade (ou de normalidade), do parâmetro observado. Quanto mais próximo dos valores extremos for o valor obtido do paciente, menor será sua chance de ser normal, embora, por definição, ainda possa sê-lo, pois todos os valores previstos no gráfico são de indivíduos supostamente normais, mesmo que alguns sejam muito pouco frequentes na população. Quando se estudam os dados antropométricos de um grupo de indivíduos, os dados dispostos em um gráfico de valor e frequência originam uma curva em forma de sino, uma curva de distribuição normal (curva de Gauss). O pico da curva corresponde à mediana (que coincide com a média) dos dados. O desvio-padrão (dp) é a forma matemática que permite quantificar o grau de dispersão dos dados em relação ao ponto central. A distância da mediana é avaliada em unidades de desvios-padrão, considerando-se que cada desvio-padrão de diferença da mediana corresponde a uma unidade de escore z. Para variáveis que seguem a distribuição gaussiana, a amplitude de valores +/−1 dp engloba aproximadamente 68% dos indivíduos. Entre +/−2 dp, encontram-se 95% dos indivíduos. Uma das metodologias utilizadas para análise de um parâmetro é o “z score” que, grosso modo, indica o “afastamento” (em dp) da média do referencial. A utilização da análise do escore Z tem sido recomendada nos gráficos atuais (em substituição a análise dos dados em percentis). O escore Z, portanto, representa a distância, medida em unidades de desvio-padrão, que os vários valores daquele parâmetro podem assumir na população em relação ao valor médio

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Pediatria | volume 1 que a mesma apresenta. O escore Z de um parâmetro individual, qualquer que seja (peso, estatura, perímetro cefálico etc.) é a relação da diferença entre o valor medido naquele indivíduo e o valor médio da população de referência, dividida pelo desvio-padrão da mesma população, representado pela fórmula: ESCORE Z = (valor observado para o indivíduo) – (valor da mediana do referencial)/ desvio-padrão do referencial. Um escore Z > 0 (positivo) significa que o valor da medida do indivíduo é maior do que a média da população de referência e um escore Z < 0 (negativo) corresponde a um valor menor que a média. No caso específico da antropometria, o escore Z representa o desvio do valor da média de um indivíduo (exemplo: seu peso ou sua estatura), em relação ao valor da média da população de referência, dividido pelo desvio-padrão dessa população. Exemplo: se para meninos de 7 anos a altura média é de 121,7 cm e o desvio-padrão da medida é de 5 cm, um menino que tenha uma altura de 124 cm terá um escore Z de 0,46 de altura para a idade. Média ou mediana p 50

p 2.28

p 0.13

p 15.8

p 84.2

p 10

-1.0

0.0

1.282

1.0

1.881

2.0

3.0

-3

0,1

-2

2,3

-1

15,9

0

4

50,0

84,1

+2

97,7

+3

99,9

Espera-se que em uma população saudável sejam encontradas 84,1% das crianças abaixo desse valor, ou seja, apenas 15,9% estariam acima desse valor. Convenciona-se que o equivalente ao escore-z +1 é o percentil 85. Espera-se que em uma população saudável sejam encontradas 97,7% das crianças abaixo desse valor, ou seja, apenas 2,3% estariam acima desse valor. Convenciona-se que o equivalente ao escore-z +2 é o percentil 97. Espera-se que em uma população saudável sejam encontradas 99,9% das crianças abaixo desse valor, ou seja, apenas 0,1% estariam acima desse valor.

A Organização Mundial da Saúde tem recomendado cada vez mais o uso do escore Z, o que permite uma padronização e uma maior comparabilidade entre as estatísticas dos diferentes países. Contudo, como historicamente o Brasil vinha adotando o sistema em percentis, será realizada uma modificação gradual entre os sistemas, sempre lembrando o seguinte quadro da relação de equivalência entre os percentis e os escores-z:

-2 -1 0 +1 +2 +3

Figura 2.2 Curva de Gauss evidenciando as correlações entre percentil e escore Z e sua distribuição ao redor da mediana.

Percentil

+1

Interpretação

Tabela 2.1 Correlações entre percentil e escore Z e sua interpretação.

-3

Escore Z

Escore-z

Percentil

Escore-z

p 97

-1.881 -1.282

-2.0

p 99.87

p 90

p3

-3.0

p 97.72

Escore-z

Interpretação Espera-se que em uma população saudável sejam encontradas 0,1% das crianças abaixo desse valor. Espera-se que em uma população saudável sejam encontradas 2,3% das crianças abaixo desse valor. Convenciona-se que o equivalente ao escore-z -2 é o percentil 3. Espera-se que em uma população saudável sejam encontradas 15,9% das crianças abaixo desse valor. É o valor que corresponde à média da população, isto é, em uma população saudável, espera-se encontrar 50% da população acima e 50% da população abaixo desse valor.

Percentil 0,1 3 15 50 85 97 99,9

Tabela 2.2 Resumo da correlação entre percentil e escore Z.

Nos últimos anos numerosos autores, de vários países, produziram diversos referenciais, gerando uma ampla discussão acerca de qual seria melhor utilizar. Para tal resposta, era entendimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) ser desejável que todas as nações tivessem seu próprio referencial antropométrico, por uma questão de identidade genética. Infelizmente, a própria OMS reconhecia que as dimensões da tarefa e dos recursos necessários para a sua elaboração e atualização contínua inviabilizam a sua realização. Em nosso meio, dois referenciais historicamente merecem ser destacados. O estudo do Center for Diseases Control e National Center of Health Statistics (CDC/NCHS – versão 2000), atualização do gráfico NCHS-1977, realizado com crianças norte-americanas, era o mais conhecido referencial internacional de crescimento, sugerido pela própria OMS, durante um tempo,

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2 Crescimento da criança para os países que não tinham referencial próprio, adequadamente confeccionado. Apesar de passível de alguns questionamentos metodológicos (um dos principais era o fato de as crianças terem recebido fundamentalmente fórmulas infantis), esse referencial é interessante pelos parâmetros que apresenta: peso, estatura, perímetro cefálico para idade e sexo, peso para estatura e também IMC (Índice de Massa Corpórea) por idade e sexo. Particularmente no estado de São Paulo, o estudo de Marcondes e cols. (1982), realizado no município de Santo André, Grande São Paulo, e conhecido como Referencial Santo André – Classe IV, foi muito utilizado, em serviços de Pediatria brasileiros. Embora se considere que um referencial, idealmente, deve ser geneticamente o mais próximo possível do correspondente à população na qual é utilizado, instituições internacionais como a OMS admitem que se possa utilizar um referencial internacional comum. Além disso, o uso de um mesmo referencial teria a vantagem de viabilizar comparações entre diversos grupos populacionais. Desde a metade da década de 1990, um grupo de peritos, contando com apoio da OMS, trabalhou na elaboração de um referencial (ou de um padrão) de crescimento aplicável para as crianças de até cinco anos de idade. Torna-se, neste momento, importante a diferenciação entre “referencial” e “padrão”. Referencial, conforme já apresentado, representa, num determinado momento, uma “fotografia” que reflete a variabilidade de determinada população, supostamente normal, do mesmo sexo e idade, que vive em boas condições e que serve para que se façam comparações. Padrão de crescimento engloba, de maneira mais ampla e com mais “pretensão”, o crescimento que “devemos esperar” que o nosso paciente siga durante sua evolução. A construção das novas curvas para menores de 5 anos incorporou uma série de métodos estatísticos mais sofisticados, os quais permitiram lidar melhor com a variabilidade do crescimento infantil. Por isso, estas curvas são mais que uma referência, tratam-se de um padrão de crescimento. Um padrão é, portanto, um modelo a que todos devem se igualar. Logo, pode-se afirmar que todo padrão é uma referência, mas nem toda referência é um padrão. As curvas de crescimento recentemente apresentadas pela OMS, a partir de 2006 (Multicentre Growth Reference Study – MGRS), resultam de um estudo multicêntrico, com amostras de crianças saudáveis de seis países: Brasil (Pelotas, RS), Gana (Acra), Índia (South Deli), EUA (Davis, Califórnia), Noruega (Oslo) e Omã (Muscat), de diferentes etnias, vivendo em condições as mais adequadas possíveis para expressar seu potencial de crescimento, incluindo, entre estas, um padrão de aleitamento materno condizente com o preconizado pela OMS como adequado. Trata-se de um estudo semilongitudinal. A faixa etária de menores de cinco anos foi prioriza-

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da em decorrência dos maiores riscos de morbimortalidade que apresentam. O empenho da OMS e dos peritos que realizaram esse estudo foi no sentido de produzir valores prescritivos, e não apenas de referencial, já que pelos pressupostos metodológicos envolvidos na sua realização, o que se procurou elaborar foi um padrão de crescimento que fosse muito semelhante ao padrão de crescimento, biologicamente, em condições ideais. A disponibilização do referencial OMS, metodologicamente bem confeccionado, praticamente tornou obsoletas as polêmicas existentes acerca de qual o melhor referencial a ser adotado na ausência de um referencial local. Quais as consequências de sua adoção na rotina em dados de prevalência, seu impacto sobre as políticas e os programas de atenção, somente poderão ser aquilatadas com a experiência adquirida em decorrência do tempo de sua utilização. Este referencial, a OMS 2006, indubitavelmente tem vantagens sobre o anteriormente preconizado (CDC/NCHS 2000), inclusive por trazer referência para mais parâmetros antropométricos, além de ter referencial de índice de massa corporal também para as crianças com menos de 2 anos de idade. No endereço eletrônico da OMS (www.who.int/childgrowth/standards/en) é possível baixar livremente os gráficos. Em decorrência do fato do novo referencial ser adotado, a OMS identificou a necessidade de oferecer outro, que pudesse ser utilizado em continuidade ao de 2006, ou seja, para os maiores de 5 anos. Assim, em 2007 a OMS propôs um novo referencial, para ser utilizado para crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos de idade. Denominado Referencial OMS 2007, contempla tabelas e gráficos de estatura para idade, de peso para idade (estes apenas até os 10 anos) e de índice de massa corporal para idade, obviamente referentes a ambos os sexos. A limitação do referencial de peso apenas até os 10 anos foi uma decisão adotada pelos peritos, principalmente em decorrência da grande variabilidade que o surto de desenvolvimento puberal exerce sobre o peso a partir dessa idade. Na realidade, o Referencial OMS 2007 pode ser considerado novo apenas por se tratar de uma reconstrução de tabelas e gráficos a partir dos dados do CDC/NCHS 1977, realizada de maneira a atenuar algumas limitações de interpretação anteriormente existentes. Após esse reprocessamento dos dados, a OMS considerou válida a utilização do referencial resultante na rotina, inclusive pelo fato de os novos dados não apresentarem grande discrepância no ponto de junção com o Referencial OMS 2006, aos 5 anos de idade. Esses gráficos também podem ser baixados livremente no endereço eletrônico da OMS. O Ministério da Saúde do Brasil adota as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto ao uso de curvas de referência para avaliação do estado nutricional. Assim, para

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Pediatria | volume 1 crianças menores de cinco anos, recomenda-se utilizar a referência da OMS lançada em 2006 (WHO 2006), que já consta na Caderneta de Saúde da Criança. Para as crianças com cinco anos ou mais e adolescentes, recomenda-se o uso da referência internacional da OMS lançada em 2007 (WHO 2007). Os novos referenciais, portanto, os novos valores estimados como normais, resultam obviamente numa reclassificação de todos os casos, particularmente dos que já estavam próximos do limite da normalidade, seja superior, seja inferior. Isso implica numa análise muito cuidadosa dos resultados obtidos nestas fases iniciais de sua utilização. É muito provável que crianças consideradas de risco nutricional deixem de sê-lo ou vice-versa, de maneira que nunca é demais relembrar que o diagnóstico de crescimento e/ou nutricional de uma criança ou adolescente não deve nunca se basear apenas nos dados antropométricos. As medidas corpóreas, na maioria das vezes, servem apenas para uma triagem inicial ou ajudam na elaboração do diagnóstico – que, exceto em casos muito pronunciados, só pode ser confirmado por uma avaliação clínica completa. Mas, na prática, como se comparam a curva antiga (NCHS) com a nova curva da OMS? O que se observa na comparação do crescimento que as crianças alcançaram aos cinco anos de vida é que os valores de peso e estatura são muito semelhantes entre os dois referenciais (CDC/NCHS e OMS). Entretanto, o padrão médio de evolução ponderal é completamente diferente entre os referenciais. O da OMS apresenta o que seria, pelo CDC/NCHS, uma aceleração inicial do ganho de peso, seguida por uma importante desaceleração do ganho ponderal, começando entre os 3-4 meses de idade e persistindo até os 18 meses, quando se inicia uma nova fase de ganho de peso. Quanto ao crescimento estatural, pode-se ver que a evolução de sua tendência é muito semelhante, porém apresentando inflexões de intensidade muito menor. O crescimento linear desacelera nos mesmos momentos de vida, entretanto, o faz de modo muito menos acentuado, nunca atingindo valores inferiores aos do CDC/NCHS. Esse aspecto de que o crescimento em estatura não é afetado significativamente durante o período de desaceleração do peso sugere que o padrão observado de evolução do peso deve ser realmente o natural, caso contrário, por sua intensidade e duração, certamente comprometeria de maneira importante o comprimento da criança. A importância clínica desse fenômeno é muito grande, pois, ao se aceitar que o da OMS é o padrão normal de evolução de peso, não há necessidade de se fazer nenhuma intervenção que vá além do acompanhamento. Essa interpretação ainda está sendo esclarecida e somente será definitiva após a utilização crítica do novo referencial. Em resumo, a utilização dos gráficos permite, em um determinado momento, classificar uma criança em relação a uma população eutrófica de referência. Entretanto, a comparação

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deve ser, se possível, prospectiva, observando-se o processo evolutivo de crescimento. Em condições normais, uma criança seguirá, com pequenas oscilações, um canal de crescimento que será seu padrão individual. Grandes oscilações, que modifiquem essa tendência, devem alertar o pediatra quanto à necessidade de investigação de fatores interferentes no processo de crescimento. É importante lembrar, entretanto, que existe ampla variabilidade no crescimento normal nos primeiros dois anos de vida e, durante a adolescência, períodos em que podem ocorrer mudanças fisiológicas no canal de crescimento. A curva de crescimento representa um instrumento para a monitorização desse fenômeno. A interpretação correta, contudo, além de depender da confiabilidade no referencial escolhido (já discutido acima), ainda depende de outros requisitos importantes: confiabilidade na obtenção e no registro dos dados antropométricos. A correta determinação da estatura depende de um rigor no posicionamento do paciente e da repetição das medidas. Em especial, para crianças maiores e adolescentes, os estadiômetros (réguas) de primeira escolha são os que permitem o apoio de toda a região dorsal (instrumentos de parede), em detrimento das réguas convencionais de balança; seguimento evolutivo do crescimento da criança. Do ponto de vista antropométrico, uma única anotação de peso, por exemplo, no percentil 5, pode não significar carência nutricional; consultas subsequentes poderão mostrar que o percentil 5 é o de crescimento normal (canal de crescimento) de determinada criança; correlação entre peso e estatura (vide parâmetro índice de massa corpórea em capítulo mais à frente).

Figura 2.3 A medida da estatura da criança e do adolescente deve ser realizada no antropômetro vertical, diferentemente da medida do bebê que é realizada no antropômetro horizontal.

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2 Crescimento da criança A estatura final de um indivíduo depende de inúmeros fatores, porém se correlaciona de forma estreita com a estatura dos pais. Dessa forma, o conceito do que é uma estatura normal para determinado paciente deve considerar não apenas a comparação de sua estatura com a população geral, mas também relacioná-la à estatura dos pais. A estatura final, que reflete o potencial genético familiar, é definida como estatura-alvo (target height = TH) e pode ser calculada com várias fórmulas. A previsão da TH torna-se menos precisa quanto maior é a diferença de estatura entre os pais (mais que um desvio-padrão, recomenda-se cautela na interpretação). O intervalo de previsão ao redor do TH deve incluir 9 cm para mais e para menos, com o objetivo de acertar 90% das previsões. Algumas proporções corporais são características de um crescimento normal. A medida da proporção entre segmento superior (SS = diferença entre estatura e segmento inferior) e o segmento inferior (SI = medida da sínfise púbica até o chão) pode ser útil na avaliação do crescimento. Ao nascimento, a relação SS/SI é habitualmente de 1,7. Os membros crescem proporcionalmente mais que o tronco, fazendo com que a relação seja de 1,3 aos três anos de idade e se torne igual a um entre oito e dez anos.

Avaliação do perímetrocefálico (PC) O PC deve ser aferido sistematicamente nas consultas pediátricas, com fita métrica, particularmente nos lactentes, passando-se pelos pontos entre a protuberância ocipital e a região da glabela (eminência frontal). Apresenta notável crescimento até os dois ou três anos de idade. A análise do PC pode ser realizada utilizando-se a curva referencial de perímetro cefálico para idade (OMS). Valores abaixo do esperado podem decorrer de falha do crescimento neurológico ou do fechamento precoce de suturas (craniossinostose), e valores acima do esperado justificam-se por lesões expansivas intracranianas (hidrocefalia ou tumores). Regras práticas para avaliação do crescimento do perímetro cefálico na infância PC ao nascimento: 34 cm (p50) Crescimento no primeiro trimestre: 6 cm (2 cm/mês) Crescimento no segundo trimestre: 3 cm (1 cm/mês) Crescimento no terceiro semestre: 3 cm (0,5 cm/mês)

Tabela 2.3 Avaliação do perímetro cefálico.

Portanto, no fim do primeiro ano o PC está em torno de 46 cm (uma velocidade de crescimento espantosamente alta, de 10 a 12 cm/ano). Entre um e três anos, o crescimento é de cerca de 0,25 cm/mês (3 cm/ano) e entre quatro e seis anos é de 1 cm/ano. O PC é um pouco maior que o perímetro torácico (PT) ao nascimento. Esses geralmente se igualam no quinto mês de vida, a partir do qual o PT torna-se progressivamente maior. A fontanela anterior, ou bregmática, em forma de losango, tem em média, ao nascimento, 2 cm (sentido coronal) e 3 cm (sentido sagital). Até os nove meses 50% e até um ano e meio 100% das crianças não mais a apresentam. A fontanela posterior (lambdoide) é bem menor, presente em 40% dos bebês, com cerca de uma polpa digital e, em geral, se fecha até os dois meses de idade. No RN termo, acavalgamento de suturas pode ocorrer na primeira semana em função do amoldamento da cabeça no canal de parto. Após esse período, as suturas devem estar justapostas.

Figura 2.4 A aferição do perímetro cefálico é etapa obrigatória do exame físico antropométrico de todos os lactantes.

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Dentição A dentição decídua (de leite) inicia-se por volta dos sete meses (com a erupção dos incisivos centrais inferiores e, a seguir, dos incisivos medianos superiores) e termina aos trinta meses, com número total de vinte dentes. Aos 6-7 anos, começa a queda dos dentes de leite e a erupção dos dentes definitivos, iniciada pelo molar dos 6 anos. Também existe para esse parâmetro de crescimento uma grande variabilidade: algumas crianças iniciam dentição por volta dos cinco meses ou perto do primeiro aniversário, sem que isso represente qualquer implicação patológica. Regras práticas para a avaliação do crescimento em Pediatria Peso Primeiros dias: perda de cerca de 10% do peso de nascimento Ganho ponderal no primeiro ano de vida: 1º trimeste: 25-30 g/dia (800 g/mês) 2º trimestre: 20 g/dia (600 g/mês) 3º trimestre: 15 g/dia (400 g/mês) 4º trimestre: 10-12 g/dia (350 g/mês) 1-3 anos: 240 g/mês Pré-escolar: 3 kg/ano Peso de nascimento dobra no 4º mês (+/− 6 kg) Peso de nascimento triplica no 1º ano (+/− 10 kg) Peso de nascimento quadruplica com 2 anos (+/− 12 kg) Cálculo do peso (1 a 6 anos): idade (anos) × 2 + 8

Estatura Estatura ao nascimento: em torno de 50 cm Velocidade de crescimento do primeiro ano: 25 cm (15 cm no primeiro semestre) Cresce entre 1 e 3 anos cerca de 10 cm/ano (atinge 1 metro com cerca de 4 anos) 3-10 anos (infância): velocidade de crescimento pré-puberal: 4 a 6 cm/ano Cálculo da estatura-alvo (TH) na menina: (altura do pai - 13) + altura da mãe 2 Cálculo da estatura-alvo (TH) no menino: altura do pai + (altura da mãe + 13) 2 Cálculo da altura (2-12 anos): idade (anos) × 6 + 77

Tabela 2.4 Regras práticas para a avaliação do crescimento em Pediatria.

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2 Crescimento da criança

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CAPÍTULO

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Desenvolvimento infantil siológicas adequadas. A estrutura biológica necessita estar apta, amadurecida, para que a habilidade seja adquirida. A antecipação exagerada de informações sem o devido preparo não resultará, portanto, em aprendizado;

Conceitos gerais Crescimento e desenvolvimento são fenômenos diferentes em sua concepção fisiológica, paralelos em seu curso e integrados em seu significado. Nenhum marco do desenvolvimento, entendido como a capacidade de realizar funções cada vez mais complexas, surge repentinamente sem que uma estrutura física e funcional já exista. As várias etapas do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) da criança refletem o desenvolvimento de seu sistema nervoso central, sendo, portanto, importantes marcadores semiológicos de sua integridade. A queixa de atraso no desenvolvimento é carregada de ansiedade pelos pais, pois a perspectiva de que o filho possa estar “atrasado” compromete as expectativas em relação àquela criança. O desenvolvimento é um processo basicamente seriado e somativo, de aquisições de habilidades cada vez mais complexas pela criança. Existe sempre uma sequência, fixa e invariável para cada espécie, porém com um ritmo particular e variável. O desenvolvimento segue duas direções: céfalo-caudal e próximo-distal. Outra característica importante é que as respostas gerais precedem as particulares: um RN responde, por exemplo, com o corpo todo a um estímulo no pé, enquanto um lactente expressa resposta local. O processo de desenvolvimento recebe influência de três fatores fundamentais:

estrutura biológica: desde a concepção, o SNC aparelha-se e modifica-se estruturalmente, oferecendo condições anatomofi-

estimulação adequada: uma criança de cinco meses, por exemplo, com condições biológicas para sustentação cervical quando no colo, poderá não fazê-la se permanecer a maior parte do tempo deitada em seu berço;

participação afetiva: o vínculo mãe-bebê e o ambiente afetivo da família são elementos essenciais para o interesse da criança e o favorecimento do aprendizado.

Basicamente, existem quatro campos para a avaliação do desenvolvimento:

motor: dos movimentos grosseiros até os mais finos;

adaptativo: ajuste constante para as atividades mais complexas;

linguagem;

pessoal-social.

A variabilidade individual e o ritmo de cada criança implicam a flexibilidade da avaliação do desenvolvimento, e não se deve ficar preso a esquemas rígidos correlacionados simplesmente à idade para avaliação. Algumas crianças, sem qualquer anormalidade, poderão ultrapassar os limites habitualmente estabelecidos para alguns aprendizados (variações da normalidade). É preciso ficar atento e perceber quando esses limites são discrepantes e persistentes, ou estão


Pediatria | volume 1 associados a outras alterações. Propõe-se, dessa forma, que a avaliação do desenvolvimento seja ampla, não se restringindo às etapas do desenvolvimento neurológico, mas valorizando principalmente as atividades que a criança já realiza. Nessa perspectiva, a avaliação do desenvolvimento não se restringe às clássicas perguntas referidas à mãe sobre o que a criança já é capaz de fazer, mas abrange a completa observação da criança durante o desenrolar da consulta. A criança, para desenvolver uma habilidade, deve vivenciar situações que favoreçam a aquisição dessa habilidade. A estimulação infantil é necessária para um adequado desenvolvimento. Como referia Marcondes, “se a alimentação é o combustível do corpo, a estimulação é do espírito”. Essa estimulação é feita espontaneamente, na maioria dos casos, em ambiente social adequado, no contato diário com os pais, os familiares e na escola. Entretanto, em nosso meio, onde a carência psicossocial acompanha a desnutrição, a abordagem do desenvolvimento e da estimulação precoce da criança torna-se prioridade para o pleno desenvolvimento das potencialidades da criança. A detecção precoce dos atrasos do desenvolvimento de causas não orgânicas resulta em recuperação satisfatória em 80 a 90% dos casos, com estímulos simples, adequados e oportunos. Para avaliação específica do desenvolvimento, em geral, surgem as perguntas clássicas sobre as idades em que a criança sustentou a cabeça, sentou, andou, falou e controlou os esfíncteres. Esses são marcos, em geral, insuficientes para uma conclusão global sobre o processo de desenvolvimento. Por outro lado, existem vários instrumentos, ou testes, dos mais simples aos mais complexos, como, por exemplo, o Teste de Triagem e Desenvolvimento de Denver (mais detalhado), que funciona como teste de triagem, no qual os dados podem ser observados ou relatados pela mãe. A avaliação adequada não pressupõe a mera aplicação de testes e escalas, pois, ainda assim, são limitados para captar a complexidade do desenvolvimento infantil. De maneira geral, muito se questiona a respeito da aplicação de testes, que podem levar a distorções e conclusões precipitadas, pois são elaborados e padronizados para determinadas populações, com características geográficas, culturais e sociais eventualmente diferentes das crianças estudadas. Além disso, não medem o potencial da criança, mas apenas avaliam as habilidades já desenvolvidas. Ao usar um teste, por exemplo, no qual haja uma situação de relacionamento com lápis e papel, é necessário que a criança esteja familiarizada com esses objetos, com o hábito de escrever, desenhar ou simplesmente rabiscar, para que possa ter um bom desempenho. Crianças que nunca foram à pré-escola terão um desempenho “inferior” às demais, por exemplo.

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Particularmente nos primeiros dois anos de vida, trata-se de uma fase em que as aquisições são notáveis, período acompanhado do crescimento do perímetro cefálico, que reflete o crescimento do cérebro, como em nenhuma outra fase da vida da criança.

Marcos fundamentais do desenvolvimento A fixação do olhar à mãe enquanto mama é muito precoce no RN, assim como a capacidade de sucção reflexa inicial (a partir das 32-34 semanas). O choro espontâneo é vinculado às necessidades fisiológicas e, durante o exame, provocado por desconforto ou manobras (como pesquisa do reflexo de Moro). No primeiro mês de vida, observa-se a atitude de semiflexão generalizada dos membros (hipertonia fisiológica), com as mãos fechadas, em contraposição à hipotonia paravertebral. O bebê dorme a maior parte do tempo e apresenta uma série de movimentos que não dependem de sua vontade, os reflexos, entre os quais os mais evidentes e conhecidos são o de sucção, de preensão e o de Moro. Os reflexos primitivos devem ser pesquisados e acompanhados até a época de seu desaparecimento. No segundo mês a criança mantém a cabeça mais firmemente, elevando-a, quando em decúbito ventral. Até os dois meses, geralmente inicia o sorriso social e, dos três aos seis meses, a lalação, expressa por sons guturais, inicialmente e balbucio de vogais, com amplos movimentos labiais, aos estímulos da mãe ou do examinador. Até os três meses de idade, a criança costuma acompanhar com o olhar um foco luminoso ou objetos próximos. No terceiro mês, começa, aos poucos, a segurar objetos e a olhar para as próprias mãos. No quarto mês, já levanta a cabeça, procura a mãe quando ouve sua voz, leva as mãos à boca. Aos três ou quatro meses, a postura do bebê é simétrica, os membros costumam estar preferencialmente estendidos, com as mãos abrindo e fechando espontaneamente. Ao final do quarto mês, espera-se que todas as crianças nascidas de termo estejam firmando a cabeça. Quando colocada em pé, a criança suporta o peso nos membros inferiores, ainda que momentaneamente (aquisição dos 3 aos 7 meses de vida). Com cinco meses, reconhece sua imagem no espelho e se alegra com isso; leva tudo à boca. No sexto mês, estende os braços para ganhar colo, senta-se com apoio, rola o corpo (nem sempre na direção do cuidador, daí o risco das quedas) e segura objetos com as duas mãos. Dos seis aos dez meses, os bebês iniciam o processo de associar consoantes com vogais, dizem, por exemplo, ma-ma, sem necessariamente significar mamãe ou mamar. Até o final do primeiro ano, o bebê elabora dissílabos com significado

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6 Desenvolvimento infantil (MAMA, PAPA). No segundo semestre, o bebê já não responde mais com um sorriso a qualquer pessoa, ele passa a distinguir o familiar do estranho. Chora e grita com frequência, expressando seu medo e a recusa de entrar em contato com ele, isso faz parte do desenvolvimento normal da criança. No oitavo mês, a criança reconhece seu próprio nome e o “não”. No nono mês, os dedos podem funcionar como pinça para pegar objetos. Em relação ao desenvolvimento motor, ao final de nove meses, a criança nascida a termo já deve ficar sentada sem apoio, com a cabeça e o tronco eretos. A capacidade de passar da posição deitada para a sentada sozinha pode estabelecer-se dos 6 aos 11 meses. Até 18 meses expressa palavras-frase (ÁGUA = dá água). Até os 24 meses, constrói frases (dá água) e, aos três anos, introduz o pronome EU, importante passo na distinção “eu-outro”. A linguagem compreensiva precede a expressiva e, no primeiro ano, desde os primeiros contatos com o meio, se percebe isso quando o bebê reage positiva ou negativamente aos estímulos. Efetua tarefas simples por imitação sob comando, no final do primeiro ano. A sequência do desenvolvimento postural obedece sempre à mesma ordem: primeiro, o bebê firma o pescoço e, em seguida, sucessivamente com e sem apoio, senta-se, ergue-se e anda. Variações culturais no manejo do bebê modificam o período das fases, mas não sua sequência. O controle cervical ocorre primeiro no grupo posterior ou extensor e depois, até o final do terceiro mês, no grupo anterior. O “sentar com apoio” deve ser observado em duas fases. A primeira ocorre em torno do sexto mês, quando, colocando-se o bebê sentado, ele permanece por algum tempo sem cair para os lados. Há curvatura da coluna vertebral, com cifose lombar, em decorrência da hipotonia do tronco. Outra fase ocorre por volta do nono mês, quando a criança senta por si própria, agarrando-se a um suporte. O “sentar sem apoio” também deve ser observado pelo menos em duas fases: uma, em torno dos nove meses, quando, colocando-se o bebê sentado, permanece por algum tempo sem apoio das mãos, mas pode desequilibrar-se para os lados. Outra fase ocorre até o décimo segundo mês, quando o bebê pode passar sozinho do decúbito dorsal para a posição sentada. Quanto à marcha sem apoio, ocorre até 12 meses em 20% das crianças e pode ser considerada até os 18 meses. Para atingir a fase do sentar-se sem apoio, é necessário, além da maturação cervical, ter completado a fase de mudança de decúbito. Até o final do quinto mês, os bebês mudam de decúbito prono para supino e, até o final do sétimo mês, de supino para prono. Cerca de 10 a 20% dos bebês não engatinham, e alguns manifestam o engatinhar atípico (de nádegas, de barriga ou reptando). A preensão palmar passa a ser voluntária em 100% das crianças aos quatro meses. De início, é predominantemente ulnar, em seguida, medial e, até o fim do primeiro ano, deve ser em pinça. Alguns importantes reflexos primitivos transitórios do RN Reflexo de Moro: abdução dos membros superiores e abertura das mãos após som súbito ou após soltá-lo durante movimento de tração pelos punhos. Fragmenta-se e desaparece até cerca de seis meses (na sua forma completa, aos três meses). Reflexo da marcha: atinge sua manifestação máxima nas 37 semanas e desaparece, em 100% dos casos, no terceiro mês. Reflexo tonicocervical - Magnus-Kleijn (posição do esgrimista): rodando a cabeça para um dos lados, ocorre abdução e flexão do membro superior do lado occipital e abdução e extensão do membro superior do lado facial – desaparecimento até cerca de três ou quatro meses. Reflexo de sucção: até quatro a seis meses. Reflexo da voracidade (pontos cardeais): estimula-se a comissura labial, com desvio dos lábios para o lado examinado – desaparece em cerca de três a seis meses. Preensão palmar reflexa: até cerca de quatro a seis meses. Reflexo cutaneoplantar em extensão: quando pesquisado na porção lateral do pé do bebê, observa-se extensão do hálux em 100% dos RN. A inversão do reflexo, isto é, a resposta em flexão do hálux ocorrerá em 80% dos lactentes, por volta dos 12 meses, podendo chegar à metade do segundo ano de vida. Reflexo de Galant: encurvamento lateral do tronco, provocado pelo estímulo tátil aplicado no sentido vertical, paravertebral. Reflexo do arraste: movimentos de reptação reflexa no decúbito ventral; não está presente em todos os RN.

Tabela 6.1 Reflexos primitivos do recém-nascido.

Na tabela a seguir, um resumo de alguns marcos mais importantes que caracterizam o desenvolvimento do lactente. Não existe um padrão rígido de referência. O setor motor apresenta maior regularidade, embora não haja universalidade.

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Marco

Idade média da conquista

Sorriso social Segue com o olhar Sustentar a cabeça Balbucio e lalação Muda de decúbito Mãos juntas na linha média Segura objetos colocados na mão Olha e brinca com a própria mão Transfere objetos para a outra mão Senta sem apoio De pé, sustenta o corpo (segurada) Inibida por “não” Preensão polegar-indicador (pinça) Reação de estranhamento Põe-se sentado Bate palmas Acena “adeus” Fica em pé sozinho Anda Primeiras palavras com sentido Sobe degraus Corre Controle esfincteriano

1 mês (aos 3 meses toda criança deve apresentar) 2 meses 2-3 meses (aos 4 meses deve sustentar-se quando levantado pelos braços) 2 meses 2-5 meses 3 meses 3-4 meses 3-4 meses 6 meses 6 meses (aos 9 meses já deve sentar-se sem apoio) 4-7 meses 7 meses 8-9 meses 9 meses 7-9 meses 7-11 meses 6-14 meses 10-13 meses 11-14 meses (aos 18 meses já deve estar andando) 12 meses 15 meses 16 meses 18 a 36 meses

Tabela 6.2 Desenvolvimento infantil.

Recentemente, nos estudos da Organização Mundial da Saúde realizados para a confecção do novo referencial de crescimento (MGRS – 2006), foram coletadas complementarmente informações básicas sobre seis eventos importantes do desenvolvimento neuromotor de crianças, em função da faixa etária em que essas aquisições se tornam presentes. Essas informações foram colocadas em forma gráfica e representam, hoje, mais um instrumento para a avaliação clínica das crianças. Intervalos de aquisição de 6 habilidades motoras Andar sozinho

Aquisição motora

Permanecer em pé sem apoio

Caminhar com assistência

Engatinhar

Permanecer em pé com apoio

Sentar sem apoio 3

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Idade em meses

Figura 6.1 Reference: WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Motor Development Study: Windows of achievement for six gross motor development milestones. Acta Paediatrica Supplement 2006; 450: 86-95.

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CAPÍTULO

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Roteiro propedêutico básico em ginecologia Introdução

da perguntando do número de absorventes utilizados durante cada fluxo menstrual).

Em ginecologia, como em toda especialidade médica, o roteiro propedêutico diagnóstico começa pela história e pelo exame físico. A anamnese ginecológica segue o mesmo padrão da clínica médica, iniciando-se pela queixa e duração (QD), partindo para a história pregressa da moléstia atual (HPMA), na qual se caracteriza a queixa da paciente, seguida da investigação sobre os diferentes aparelhos (ISDA).

Ainda nos antecedentes ginecológicos deve-se perguntar sobre a vida sexual, sendo registrados: a frequência das relações, a utilização de métodos contraceptivos e o tempo de uso, se há dor (dispareunia) ou sangramento (sinusiorragia) ao coito.

Independentemente da queixa da paciente ou mesmo que ela não tenha nenhuma alteração, tendo vindo apenas para exame ginecológico de rotina, na ginecologia temos sempre que fazer algumas perguntas para caracterizar o padrão menstrual e as histórias, ginecológica e obstétrica, por meio do chamado Antecedentes Ginecológico (AG) e Obstétrico (AO). No AG, devemos colher informações quanto à idade da menarca (primeira menstruação), para saber se o eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano está maduro; e a idade da primeira relação sexual. Atenção: apesar de ser muito utilizado nas faculdades de medicina, não existe os termos coitarca e sexarca!. Caracterizamos o ciclo menstrual perguntando à paciente a data da última menstruação (DUM), que representa o 1º dia da última menstruação (o período em que a paciente ficou menstruada pela última vez). Registramos o intervalo entre as menstruações, que é dito ciclo menstrual. Já o fluxo é caracterizado pela duração, em dias, da menstruação. É importante ainda questionar a quantidade de sangue perdido por ciclo menstrual (essa investigação pode ser realiza-

Nos AO questiona-se à paciente sobre o número de gestações, caracterizando-se o tipo de parto e o número de abortamentos, como, por exemplo: uma paciente com dois partos, sendo um, normal e outro fórcipe, e um abortamento seriam representados como: IIIG IIP (1 normal, 1 fórcipe) IAb. É anotada a data do primeiro e do último parto, a fim de identificar se os órgãos genitais já retornaram à sua fisiologia. Questiona-se sobre aleitamento e por quanto tempo ele foi realizado. Nos antecedentes pessoais (AP), feitos nos mesmos moldes da clínica médica, não podemos nos esquecer de perguntar sobre cirurgias realizadas nas mamas e na pelve, além de cirurgias ginecológicas. Muito importante é o questionamento sobre doenças de base, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, tabagismo, cardiopatias e antecedentes trombóticos, pois tais doenças têm influência no método contraceptivo a ser usado pela paciente. Quanto ao uso de medicamentos, não podemos deixar de questionar a realização de terapêutica hormonal (TH), com sua constituição e o tempo de uso. E, por fim, nos antecedentes familiares (AF), é importante verificar histórico familiar de câncer de


Ginecologia | volume 1 mama e ovário, além de outras doenças crônico-degenerativas. Em relação ao câncer de mama, dois genes já foram isolados, o BRCA1, que se encontra no cromossomo 17, e o BRCA2, que está no cromossomo 13. O BRCA1 associa câncer de mama com câncer de ovário, sendo considerado risco aumentado o parentesco de primeiro grau (mãe, irmã e filha).

O exame físico O exame físico de uma paciente ginecológica deve-se iniciar exame físico geral, com maior ênfase para a região abdominal. Apesar de os órgãos genitais internos se encontrarem na pelve, quando eles estão comprometidos por um processo neoplásico, principalmente os ovários, podem atingir até o andar superior do abdome. Muito embora as mamas não sejam consideradas órgãos genitais, o exame ginecológico específico começa por elas. A análise mamária tem início pela inspeção estática, com a paciente sentada, o tórax desnudo e os braços ao longo do corpo. A paciente deve posicionar-se de frente para o examinador, que vai simplesmente olhar as mamas, seu formato, simetria, contornos e a presença de algum abaulamento, retração ou lesões de pele das mamas, aréolas e mamilos. Segue-se a inspeção dinâmica, quando a paciente, ainda sentada de frente para o examinador, com o tórax descoberto, faz movimentos para contrair e relaxar o músculo peitoral maior. A mama repousa sobre esse músculo e na presença de lesões mamárias profundas, aderidas ao músculo peitoral maior, há acentuação de abaulamentos e retrações nas contrações musculares. Após a inspeção estática e dinâmica, inicia-se a palpação, que se divide na palpação da glândula mamária e dos linfonodos. Com a paciente ainda sentada, o tórax descoberto e de frente para o examinador, começamos a palpação dos linfonodos, iniciando pelas cadeias cervicais, supra e infraclaviculares, interpeitorais e, por fim, axilares. Agora, a paciente deita-se em decúbito dorsal horizontal para a realização da palpação das mamas, preferencialmente com um coxim abaixo da mama a ser examinada. Não importa por qual mama começar, nem se a palpação é do centro para a periferia ou da periferia para o centro. O importante é que os quatro quadrantes das duas mamas sejam palpados. A mama apresenta dois quadrantes superiores (o medial e o lateral), dois quadrantes inferiores (o medial e o lateral) e o complexo areolomamilar (CAM). Existem duas técnicas de palpação mamária: a de Valpeau (apertando a mama) ou, a mais utilizada, do dedi-

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lhamento da mama (como tocar piano; ver capítulo de Mama, da apostila volume 2). A expressão mamilar, apesar de ser considerada o último tempo do exame clínico mamário, não é mais obrigatória, devendo ser realizada apenas nos casos em que a paciente referir saída de secreção pelos mamilos (fluxo papilar). No exame ginecológico, faz-se necessário o esvaziamento vesical prévio, para reduzir o desconforto durante o exame e facilitar a palpação do fundo e da parede anterior do útero. Exceção se faz aos casos em que a paciente apresentar queixa de perda de urina aos esforços pois, segundo a Sociedade Internacional de Continência Urinária, devemos demonstrar clinicamente essa perda de urina, por meio da manobra de Valsalva, para afirmar sua existência. Imposta ressaltar que no exame ginecológico apenas ficará descoberta a parte da paciente a ser examinada. O exame da genitália tem início pela inspeção estática da vulva. Com a paciente em posição ginecológico o examinador avalia o monte pubiano, a região clitoridiana, os pequenos e grandes lábios, a fúrcula vaginal (principal sítio de encontro das lesões iniciais das DSTs, exceto do gonococo, que tem trofismo pela endocérvice) e regiões perineal e perianal. Feita a inspeção estática, partimos para a dinâmica, na qual a paciente faz a manobra de Valsalva (aumenta a pressão abdominal) e verificamos a presença de procedência de estruturas genitais e a perda de urina. O examinador calça luvas e procede à palpação vulvar (tempo muito esquecido nas faculdades pelo constrangimento), palpando-se o monte pubiano (sítio comum de foliculites), região periclitoridiana (nunca o clitóris, para não estimulá-lo), palpa-se e afastam-se os pequenos dos grandes lábios, região de fúrcula vaginal, perineal e perianal. Na sequência, realiza-se o exame especular, dando sempre preferência para o de plástico ou transparente, por permitir a visualização das paredes vaginais. O uso de lubrificante está indicado apenas nos casos em que não será necessária a coleta de secreção vaginal e/ou cervical. Durante o exame especular, avaliam-se as rugosidades vaginais, o conteúdo vaginal e as características do colo uterino. E, por fim, realiza-se o toque vaginal bimanual. Introduz-se o indicador e o dedo médio, lubrificados, na vagina da paciente e avalia-se a elasticidade vaginal, a consistência, o formato e a mobilidade do colo uterino. A outra mão é colocada no abdome da paciente e empurra-se o colo uterino para cima, acentuando a anteversoflexão uterina e avalia-se a

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2 Roteiro propedêutico básico em ginecologia parede anterior e o fundo do útero quanto à sua superfície, tamanho e à sua consistência. Em alguns casos, dependendo do biótipo da paciente, é possível a palpação dos ovários. Após, com o colo uterino ainda empurrado para cima, deve-se avaliar os anexos, direito e esquerdo, quanto aos seus tamanhos e regularidades. Além disso, devem ser avaliados os fórnices posterior, anterior e laterais, no intuito de identificar abaulamentos, retrações e presença de massas pélvicas. O toque retal tem apenas duas indicações na ginecologia: avaliar útero e anexos na paciente virgem (sensibilidade infinitamente menor do que o toque vaginal) e, principalmente, avaliar paramétrios laterais (que faz parte do estadiamento do câncer de colo uterino, que é clínico).

Figura 2.3 Técnica para inspeção dos lábios.

Os métodos propedêuticos mais específicos serão abordados de acordo com cada capítulo.

Figura 2.1 Exame das mamas: palpação axilar.

Figura 2.4 Técnica para palpação da glândula de Bartholin.

Figura 2.5 Técnica para a realização do exame de Figura 2.2 Exame das mamas: palpação mamária.

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toque vaginal bidigital.

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Ginecologia | volume 1

Figura 2.6 Técnica para o exame bimanual.

Figura 2.10 Técnica para inserção do espéculo vaginal. Note os dedos do examinador pressionando o períneo posteriomente.

Bexiga

Figura 2.7 Posições do examinador, da assistente e da paciente para o exame bimanual.

Espéculo vaginal

Útero Retirada de amostra

Vagina

Cérvix

Reto

Figura 2.11 Exame da genitália: especular com coleta de material cervical.

Figura 2.8 Técnica para palpação do anexo esquerdo. Posição das mãos do examinador.

Figura 2.12 Técnica para inserção do espéculo vaFigura 2.9 Exame da genitália: toque vaginal bimanual.

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ginal. Note que o espéculo se move sobre os dedos do examinador, evitando contato com o meato uretral e o clitóris.

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2 Roteiro propedêutico básico em ginecologia

Figura 2.13 Técnica para a inspeção da cérvice. A: abertura do espéculo após ter sido completamente inserido e rodado para a posição transversa. B: vista interna da cérvice quando o espéculo é corretamente inserido.

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CAPÍTULO

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Fisiologia do ciclo menstrual Introdução Por volta da 6ª a 8ª semanas de vida intrauterina, a superfície externa do ovário é recoberta pelo epitélio germinativo. À medida que o feto se desenvolve, os ovócitos diferenciam-se deste epitélio e migram para o córtex ovariano. Cada ovócito é circundado por uma camada de células fusiformes do próprio estroma ovariano e que constituem as células da granulosa. O conjunto ovócito mais granulosa, assim constituído, é denominado folículo primordial, que, aos poucos, aumenta seu volume. Neste folículo, o ovócito que o constitui está estacionado na primeira divisão meiótica graças a produção de substâncias inibidores de meiose pela granulosa. Todos os ovócitos vão se diferenciar do epitélio germinativo em folículos primordiais, e grande parte apresentará degeneração ainda na vida fetal e que continuará até a menopausa. O ovário de um feto de 20 semanas apresenta em torno de seis milhões de folículos primordiais. Ao nascimento, restam apenas um milhão desses folículos e calcula-se um total de 300 a 400 mil na puberdade. A degeneração folicular indepente da regulação hormonal e está relacionada à primeira divisão meiótica, sendo que os óvulos que passaram por tal processo não degeneram. Durante os anos reprodutivos da mulher, cerca de 400 desses folículos desenvolvem-se o suficiente para expelir seus ovócitos, um a cada mês, e os restantes degeneram. Na menopausa (final da fase reprodutiva), apenas poucos folículos permanecem nos ovários e acabam se degenerando.

O funcionamento ovariano Os anos reprodutivos caracterizam-se por alterações rítmicas mensais na velocidade da secreção dos hormônios femininos e por mudanças correspondentes nos ovários e nos órgãos sexuais. Esse padrão rítmico é chamado ciclo menstrual ou ciclo sexual feminino. Consagrou-se como padrão o ciclo menstrual com intervalo em torno de 28 dias, com duração de dois a seis dias e com uma quantidade de sangue, perdido por menstruação, entre 20 a 80 mL. Geralmente, logo após a menarca (primeira menstruação), o ciclo é irregular e tende a se tornar cada vez mais rítmico. Cerca de cinco anos após a menarca o ciclo torna-se próximo do padrão convencional. De dois a sete anos que antecedem a menopausa, a menstruação em geral, torna-se gradativamente mais irregular.


3  Fisiologia do ciclo menstrual A princípio o ovócito aumenta três vezes seu diâmetro, aumentam as células da granulosa e o folículo passa de primordial a primário. É o início da fase folicular, ainda pouco dependente de gonadotrofinas.

5,0

Durante os primeiros dias após o início da menstruação, verifica-se aumento leve a moderado nas concentrações de FSH e LH, sendo que o do FSH precede o do LH em alguns dias. Esses hormônios, principalmente o FSH, são os responsáveis pelo crescimento acelerado de 6 a 12 folículos a cada mês. Há rápida proliferação de células da granulosa e a formação, externamente e adjacente a esta, de conjunto celulares derivados do interstício ovariano que recebem o nome de teca.

3,0

Nascimento

Número de células germinativas (milhões)

7,0

1,0 0,6 0,3 3

6

9

5 10

Fatores intrínsecos

50

30

idade (meses do útero)

idade (anos)

Figura 3.1 Número de oócitos presentes em ambos

Sistema nervoso Central / Hipotálamo

os ovários em diferentes idades.

Folículo pré-antral

Retroação alça curta

Zona pelúcida 25 µm Oc

T

80 µm Oc

G 50 µm

a

Folículo antral G

80 µm Oc

200 µm

Oc

T

G 50 µm

G

Cumulus oophorus

Hipófise Ovário

FSH, LH

Regulação intraovariana

r

500 µm

80 µm a

Folículo primário

Retroação alça ultracurta

GnRH

Retroação alça longa Folículo primordial

Fatores extrínsecos

Figura 3.3  O feedback no sistema hipotálamo-hipófise-ovário. r

20 µm Folículo pré-ovulatório

Figura 3.2 Fases do crescimento folicular. G: camada granulosa; T: camada da teca; Oc: oócito; r: receptores.

Entre os nove e dez anos de idade, o núcleo arqueado do hipotálamo secreta pulsos de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas) que atuam na adeno-hipófise, e esta, por sua vez, inicia secreção progressiva de FSH (hormônio folículo estimulante) e LH (hormônio luteinizante), culminando com a presença dos ciclos menstruais mensais entre 11 e 16 anos. A pulsatilidade do GnRH pode ser modulada por neurotransmissores cerebrais como a noradrenalina (que aumenta a produção de GnRH), a dopamina e a endorfina (que deprimem a liberação de GnRH). Nesse processo de ciclicidade ovariana ocorre evolução de alguns folículos recrutados em fases, como explicitado a seguir. A secreção de FSH e LH pela hipófise levam à produção hormonal ovariana, de modo que os folículos, e órgão como um todo, apresentam crescimento.

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Na granulosa há formação de líquido folicular, por estímulo do FSH, que possui altas concentrações de estrogênio. O acúmulo desse líquido gera um antro e o folículo passa a ser chamado de antral (Figura 3.4). Esses folículos crescem e formam suas variantes vesiculares. Isto porque o estrogênio secretado no folículo induz a formação de mais receptores de FSH pelas células da granulosa.

Figura 3.4 Folículo antral.

7


Ginecologia | volume 1 Na teca há colesterol que, na presença de LH, se transforma em testosterona e androstenediona. Esses androgênios atingem as células da granulosa, e na presença de FSH, sofrem ação da enzima aromatase, originando estrona e estradiol. Esta é a teoria das duas células.

Célula da teca

LH

Colesterol

Androstenediona

Testosterona

Célula da granulosa

FSH

Androstenediona

Testosterona

Aromatização

Estrona

Estradiol

Figura 3.5 Sistema das duas células. Após uma semana ou mais de crescimento, um dos folículos começa a se destacar dos demais, pois secreta maior quantidade de estrogênio e aumenta o número de seus receptores para FSH. Com isso ele continua a crescer mesmo com baixos níveis deste hormônio cuja secreção passa a ser reduzida por feeedbck negativo de estrogênio e inibida em ascensão. O folículo de maior tamanho cresce enquanto os demais entram em atresia. Estamos frente ao folículo dominante, pré-ovulatório, maduro ou de Graaf, quando já houve grande desenvolvimento da granulosa e produção de estradiol que, com o FSH, produz proteína receptora para LH nas células da granulosa, tornando-a capaz de se luteinizar, ou seja, produzir progesterona. O estradiol vai sendo produzido cada vez em maior quantidade até atingir seu pico. Esse pico de estradiol, após 12 a 24 horas, desencadeia o pico do LH.

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Figura 3.6 Folículo dominante, pré-ovulatório, maduro ou folículo de Graaf. O pico de LH ocorre, aproximadamente, 12 horas antes da ovulação e leva ao crescimento muito rápido do folículo, à diminuição da secreção de estrogênio e ao início da secreção de progesterona. Dentro de poucas horas, a teca começa a liberar enzimas proteolíticas dos lisossomas que tornam a parede folicular enfraquecida, com degeneração do estigma (área mais delgada do folículo dominante, próxima a periferia do ovário) e ruptura do folículo nesta região, para liberação do ovócito. Auxilia nesta ruptura o intumescimento folicular provocado por transmudação local de plasma causada por elevação de prostaglandinas. Assim, a ovulação ocorre 24 a 48 horas após o pico de estradiol e 12 a 24 horas após o pico de LH (início do pico de LH ocorre 32 a 36 horas antes da ovulação). Em seguida, as células da granulosa remanescentes, sob ação do LH, transformam-se em células luteínicas (duas ou mais vezes maiores que as células da granulosa e com inclusões lipídicas), formando o corpo lúteo produtor principalmente de progesterona e de pequena quantidade de estrogênio. Após 12 a 14 dias, o corpo lúteo perde sua função secretora e começa a involuir, sendo substituído por tecido conjuntivo, transformando-se no corpo albicans ou corpo branco, que não tem nenhuma função hormonal. No final da fase lútea, aparecem nas células da teca-granulosa luteinizadas receptores sensíveis ao hCG (hormônio gonadotrófico coriônico humano), fazendo com que o corpo lúteo persista na presença de tal hormônio, que tem sua produção iniciada após a fecundação. O pouco estrogênio liberado pelo corpo lúteo inibe a secreção de FSH e LH, assim como a progesterona inibe a secreção de LH. Além disso, as células luteínicas secretam inibina que, por sua vez, diminui a secreção de FSH. O resultado é queda

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3  Fisiologia do ciclo menstrual de FSH e LH, responsável pela degeneração do corpo lúteo. Após 12 a 14 dias de vida do mesmo, a falta de secreção de estrogênio, de progesterona e de inibina estimula a secreção de FSH e LH, que iniciam o crescimento de novos folículos para outro ciclo ovariano.

e citoplasmática de RNA. Durante a proliferação, o endométrio cresce de aproximadamente 0,5 mm para 3,5 mm a 5 mm de altura. Essa proliferação ocorre principalmente na camada funcional do endométrio, pelo espessamento do estroma. Uma característica importante dessa fase de crescimento endometrial é o aumento de células ciliadas e microvilosas, responsáveis pela mobilização e distribuição de secreções endometriais durante a fase secretória.

Figura 3.7 Esquema da anatomia microscópica do ovário. Indicam-se, em sentido horário, as alterações nos componentes do complexo folicular que ocorrem durante a atresia e a ovulação de um folículo primordial (em cima, à esquerda) até a formação de um corpo albicans (embaixo, à esquerda).

As fases do ciclo menstrual Em um ciclo menstrual ovulatório ocorrem alterações anatômicas e funcionais específicas nos componentes glandulares, vasculares e estromais do endométrio. O endométrio pode ser dividido, do ponto de vista morfológico, na camada funcional, que compreende os dois terços superiores, e na camada basal, que compreende o terço inferior. A finalidade da camada funcional é preparar-se para a implantação do embrião em fase de blastocisto. Na fase folicular ou proliferativa do ciclo menstrual, o esteroide sexual ovariano que predomina é o estrogênio, que age proliferando as células endometriais, daí o nome dessa fase: proliferativa. As glândulas representam a porção mais responsiva do endométrio à ação estrogênica. A princípio, elas são estreitas e tubulares, revestidas por células de epitélio colunar baixo. Graças à ação do estrogênio, mitoses tornam-se proeminentes e se observa a pseudoestratificação endometrial, sendo que as glândulas tornam-se alongadas e um pouco tortuosas. O componente estromal evolui a partir de sua condição menstrual celular densa, através de um breve período de edema, para um estado final semelhante a um sincício frouxo. As arteríolas espiraladas tornam-se finas. Todos os componentes teciduais (glândulas, células estromais e endoteliais) demonstram proliferação, com pico nos dias 8 a 10 do ciclo. Essa proliferação é marcada por aumento da atividade mitótica e da síntese nuclear de DNA

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No início da fase lútea, a taxa de crescimento endometrial diminui significativamente, no entanto o endométrio atinge uma espessura máxima em torno de 8 mm a 10 mm. O número de receptores estrogênicos cai, mas os receptores de progesterona permanecem abundantes, principalmente no estroma. Sabemos, de larga data, que o endométrio é relativamente insensível à progesterona, a menos que previamente exposto a estímulo estrogênico. Dessa forma, no endométrio proliferado, a progesterona é capaz de provocar intensas modificações, produzindo uma resposta secretora. A ação prévia dos estrogênios estimula a síntese dos receptores de progesterona, dando ao endométrio a capacidade de responder a este esteroide. Assim, as glândulas endometriais tornam-se mais tortuosas e sofrem um aumento em seu lúmen, passando a secretar grande quantidade de glicogênio, preparando-se para a implantação do blastocisto. Na fase lútea tardia, o estroma desenvolve características de reação decidual pré-menstrual, com grande infiltrado de linfócitos e aspecto edematoso. De um modo geral, a atividade mais importante durante a fase folicular do ciclo menstrual é a secreção de gonadotrofinas, que controla a foliculogênese e influencia a proliferação endometrial. Os eventos dominantes da fase periovulatória são o pico de LH e a ovulação. A alteração significativa que ocorre na fase lútea é a produção de glicogênio pelas glândulas endometriais, em preparação para um blastocisto embrionário. Esses eventos (e os processos metabólicos que os regulam) têm um amplo efeito sobre todo o organismo. A influência do ciclo menstrual ilustra a extensão da importância do processo reprodutivo sobre todo o corpo humano (Figura 3.9). Valores de referência do FSH e LH sanguíneos Período

FSH

LH

Pré-puberal

< 2 mUI/mL

< 1 mUI/mL

Fase folicular

5 a 20 mUI/mL

10 a 30 mUI/mL

Fase ovulatória

12 a 50 mUI/mL

30 a 150 mUI/mL

Fase luteínica

5 a 20 mUI/mL

10 a 30 mUI/mL

Menopausa

30 a 150 mUI/mL

40 a 150 mUI/mL

Tabela 3.1

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Ginecologia | volume 1

Usos clínicos da dosagem basal de gonadotrofinas Condição clínica

FSH

LH

Mulher adulta normal

5-30 mUI/mL

5-20 mUI/mL

Estado hipogonadotrófico

< 5 mUI/mL

< 5 mUI/mL

Pré-puberal Disfunção hipotalâmica-hipofisária Estado hipergonadotrófico

> 30 mUI/mL

> 40 mUI/mL

Pós-menopausa Falência ovariana prematura

ºC

Tabela 3.2 Temperatura corporal basal

39.6

30 IU

IU

LH

40

200

FSH

20

100

10

Largura do orifício cervical

mm

5 4 3 2

Quantidade de muco cervical

mm³

800 600 400 200

Viscosidade cm

15 10 5

1

2

3

4

4

3

2

2

1

1

1

0

1

2

3

4

3

2

2

1

1

1

0

1

2

3

4

2

1

0

0

0

0

6

8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28

Transparência Arborização

2

4

Penetração do espermatozoide

Dia do ciclo

Figura 3.8 Alterações fisiológicas associadas ao ciclo menstrual. Os números de 0-4 indicam uma característica crescente do muco cervical. Note que o padrão arboriforme, a transparência e a penetração do espermatozoide são máximos no meio do ciclo. FSH: hormônio folículo-estimulante; LH: hormônio luteinizante.

Figura 3.9 Alterações cíclicas idealizadas observadas nas gonadotrofinas: Estradiol (E2), progesterona (P) e endométrio uterino durante o ciclo menstrual normal. Os dados são centralizados em torno do dia do surto de LH (dia 0). Os dias do sangramento menstrual estão indicados por M.

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3  Fisiologia do ciclo menstrual

Mecanismos da remodelação endometrial

teliais quanto nas estromais. Esses dados sugerem que a progesterona teria ação antifibrinolítica no endométrio, diminuindo o fluxo menstrual.

Com a queda dos níveis de progesterona ao final do ciclo menstrual, dada a falta de estímulo decorrente da inibição de LH, o endométrio não se sustenta e descama provocando o fluxo menstrual e caracteriza início de um novo ciclo. No entanto, mecanismos hemostáticos são criados pela própria progesterona.

Outro fator desencadeante de maior fluxo sanguíneo seria o aumento local de mastócitos, produtores de grande quantidade de heparina, podendo aumentar a ativação do fibrinogênio em fibrina e a degradação do trombo nas artérias espiraladas e, portanto, o fluxo menstrual.

O fluxo menstrual depende do controle hemostático, da descamação endometrial e do processo de remodelação ou reparação endometrial. O sistema hemostático é importante para o controle do fluxo menstrual e dependente dos seguintes fatores: contratilidade vascular local; adesão plaquetária; e formação do coágulo com o reforço da fibrina e do sistema fibrinolítico (estabilidade do trombo nas artérias espiraladas). As prostaglandinas e os hormônios sexuais atuam na regulação desse sistema.

O processo de descamação endometrial é importante para a quantidade do fluxo menstrual. Nesse sistema, participam as metaloproteinases matriciais, os lisossomos (hidrolases), os macrófagos, os mastócitos e as moléculas de adesão intercelular (ICAM-1 e PECAM). A autofagocitose endometrial é realizada pelos lisossomos que destroem o citoplasma. A heterofagocitose é feita pelos macrófagos, que digerem as fibras reticulares do estroma, fragmentando o tecido de conexão estromal. A redução dos níveis de progesterona no final da fase lútea permite o aumento da produção de IL-8 nas células endometriais, acarretando aumento da migração de leucócitos e da degranulação aos mastócitos.

Ha várias substâncias que controlam a contratilidade vascular no endométrio, regulando o fluxo menstrual. Assim, a endotelina, a prostaglandina F2-alfa (PGF2-alfa), o tromboxano, a vasopressina e citocinas, principalmente a interleucina 8 (IL-8), são responsáveis pela vasoconstrição das artérias espiraladas. Essas substâncias são influenciadas pela ação da progesterona. O óxido nítrico, a prostaciclina e a prostaglandina E2 (PGE2) agem na vasodilação e sua regulação está relacionada aos níveis de estrogênios circulantes. Mulheres com ciclos menstruais normais têm aumento tanto da PGF2-alfa quanto da PGE2 no endométrio durante o período final da fase secretora, e a menstruação apresenta predominância da PGF2-alfa. Esse fato sugeriria que a progesterona seria necessária para a elevação aos precursores da PGF2-alfa. Como provoca contração de musculatura lisa, seja de parede de vasos ou do miométrio, destaca-se que seu excesso é uma das causas de dismenorreia. O sistema fibrinolítico é importante para o controle hemostático. A degradação do coágulo é dependente da plasmina, que é formada a partir de seu precursor, o plasminogênio. Este pode ser ativado pelo ativador do plasminogênio tecidual (tPA) ou ser dependente da uroquinase (u-PA). Sua inibição está relacionada aos inibidores do tipo I e 2 (PAI-1 e PAI-2), bem como pela alfa2-antiplasmina. A progesterona suprime a produção de u-PA e aumenta a produção de PAI-1 tanto nas células epi-

SJT Residência Médica

A progesterona também mantém a estabilidade aos lisossomos, que contêm enzimas que atuam na destruição de mucopolissacarídeos, colágeno e outras proteínas que dão suporte ao crescimento endometrial. As metaloproteinases da matriz são colagenases que atuam nos elementos da matriz extracelular e na membrana basal, aumentando a descamação endometrial; também estariam relacionadas aos níveis de progesterona. Por outro lado, o incremento desse leucócito no endométrio é dependente do estrogênio. Além da ação do sistema hemostático e do processo de descamação no sangramento genital, a reparação ou remodelação endometrial é essencial para o controle do fluxo menstrual. Esse processo é dependente do estrogênio, que promove proliferação endometrial. A ação estrínica é mediada por fatores de crescimento, principalmente fator de crescimento vasculoendotelial (VEGF), fator fibroblástico básico (b-FCF), fator epidermal de crescimento (ECF), fatores insulinoides e, ainda, as citocinas. Caso haja retardo ou deficiência na reparação, o fluxo menstrual pode se prolongar. Os sangramentos de pequena quantidade e de coloração escura, que ocorrem imediatamente após o fluxo, estão também vinculados ao retardo na remodelação endometrial por deficiência estrogênica.

11


11

CAPÍTULO

Doenças sexualmente transmissíveis Introdução Não restam dúvidas de que as doenças sexualmente transmissíveis (DST) têm papel importante nas queixas de homens e mulheres, nos consultórios de ginecologia, de urologia ou de clínica geral. Além disso, elas adquiriram uma importância muito grande em saúde pública no Brasil e, particularmente, no estado de São Paulo, pela sua frequência e pela sua atualidade. São, portanto, consideradas problema de saúde pública. As DSTs atualmente conhecidas, de transmissão predominantemente sexual, são: gonorreia, sífilis, cancro mole, linfogranuloma venéreo, donovanose, condiloma acuminado e herpes simples. A experiência clínica do estado de São Paulo tem revelado um aumento progressivo das infecções gonocócicas e da sífilis. Com frequência semelhante, aparece a tricomoníase. Esta, embora menos grave, tem taxa de morbidade de aproximadamente 10% das mulheres sexualmente ativas.

Gonorreia Também é conhecida como blenorragia, é doença causada pela Neisseria gonorrhoeae (gonococo), um DIPAlococo Gram-negativo intracelular com pouca resistência às alterações do meio ambiente. O gonococo tem nítida predileção pelo epitélio cilíndrico e pelo pH alcalino. Sua propagação é superficial, planimétrica e ascendente. O período de incubação varia de 3 a 7 dias, sendo mais variável em mulheres em que podem atingir 10 dias.

O risco de contágio, para a mulher, após uma única relação sexual, é de 60% a 90%, e as manifestações iniciais mais comuns são de endocervicite, acompanhada de uretrite em 70 a 90% dos casos. Os sintomas mais comuns nestes casos são: corrimento vaginal abundante e amarelo-esverdeado, disúria, sangramento intermenstrual e metrorragia. No colo uterino, é frequente a presença de secreção mucopurulenta, eritema, friabilidade e ectopia. Havendo histerectomia prévia, a uretrite isolada é a regra. O comprometimento das glândulas de Skene e de Bartholin é mais raro na ausência da endocervicite gonocócica, mas casos presentes caracterizam-se pelo aumento doloroso destas glândulas. Nos casos de sexo oral, está relacionada à faringite gonocócica, e havendo sexo anal pode ocorrer retite. O gonococo pode ainda ascender à tuba, fixando-se na mucosa tubária, onde elabora polissacarídeos, o que contribui para a destruição das células dessa mucosa, e promovem intensa reação inflamatória. Tais evidências facilitam a compreensão das sequelas da salpingite gonocócica. A dor, despertada ao toque vaginal combinado, é sintoma sugestivo de infecção ascendente. A ação patogênica do gonococo é facilitada pela presença dos pilli, que são prolongamentos proteicos que auxiliam a fixação nas células epiteliais e bloqueiam a fagocitose, e pela presença da proteína II, que intervém na adesão intergonocócica e fixação dos mesmos nas células epiteliais.


11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Diagnóstico

A coloração de secreção suspeita pelo método de Gram demonstra a presença de leucócitos polimorfonucleares com bactérias gram-negativas intracelulares; mostra sensibilidade de apenas 30%, não sendo indicada.

Cultura (Thayer-Martin): método ideal para o diagnóstico da cervicite gonocócica. As vantagens da cultura incluem a capacidade de isolar a bactéria em qualquer sitio genital ou extragenital e avaliar a suscetibilidade a antibióticos. Sua sensibilidade varia de 72 a 95%.

O PCR (Polymerase Chain Reaction) para diagnóstico da cervicite gonococo é considerada juntamente com a cultura como padrão-ouro, entretanto só está disponível em alguns laboratórios de referência para pesquisa. É recomendado como o método ideal pelo CDC para o diagnóstico de infecções do trato genital causadas por N. gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis.

A captura híbrida também pode ser utilizada para diagnóstico de N. gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis.

Tratatamento O tratamento de escolha para a infecção gonocócica é feito com ceftriaxone, e tem-se preferido a dose única de 250mg IM para facilitar a adesão. Outras opções terapêuticas são: 1ª opção: ciprofloxacina 500 mg VO, dose única; cefixima 400 mg via oral, dose única; ofloxacina 400 mg via oral, dose única; espectinomicina 2 g IM, dose única; azitromicina 1 g via oral, dose única; doxiciclina 100 mg, via oral, a cada 12 horas, por sete dias. As grávidas podem ser tratadas com ceftriaxone ou outras cefalosporinas, havendo ainda opção de uso de azitromicina. Pacientes infectadas com N. gonorrhoeae são frequentemente co-infectadas com C. trachomatis; de modo que na persistência de sintomas esta bactéria deve ser combatida também. Cabe lembrar que as quinolonas (ciprofloxacina, olfoxacina) não devem ser utilizadas em menores de 18 anos e em gestantes pelo risco de afetarem as epífises ósseas, e que a doxiciclina não deve ser utilizada em gestantes. Os parceiros devem ser examinados e tratados, independentemente da presença de sintomas. Pacientes portadores devem ser examinados e tratados, independentemente da presença de sintomas. Pacientes portadores de HIV devem se tratados com os mesmos esquemas acima referidos. Vale lembrar que o tratamento do parceiro é mandatório. Os parceiros sexuais devem receber tratamento para infecção pela N. gonorrhoeae até sessenta dias antes do início dos sintomas ou do diagnóstico. Conduta terapêutica na infecção gonocócica Medicamentos de escolha em regiões de alta resistência bacteriana Ceftriaxona a 250 mg, IM, dose única Ciprofloxacina a 500 mg, VO, dose única Espectinomicina a 2 g, IM, dose única Opções terapêuticas Norfloxacina a 800 mg, VO, dose única Cefotaxima a 1 g, IM, dose única Drogas utilizáveis em regiões de baixa resistência bacteriana Penicilina G procaína a 4.800.000 UI, IM, dose única (2.400.000 em cada nádega) + probenecida a 1 g, VO Cloridrato de tetraciclina a 500 mg, VO, a cada 6 horas, por 7 dias Amplicilina a 3,5 g, VO, dose única + probenecida 1 g, VO Amoxicilina a 3 g, VO, dose única + probenecida 1 g, VO Tianfenicol a 2,5 g, VO, dose única Atenção: desde 2007, as quinolonas não são mais recomendadas nos EUA para tratamento da gonorreia e condições associados.

Tabela 11.1

Seguimento e recomendações Pacientes com gonorreia não complicada, tratadas com o regime recomendado (cefalosporina), não necessitam de retorno para avaliar a cura. Porém, aquelas sintomáticas, após o tratamento, devem ser avaliadas pela cultura e testada sua suscetibilidade ao antimicrobiano.

SJT Residência Médica

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Ginecologia | volume 1

Paciente com queixa de corrimento uretral Anamnese e exame físico Bacterioscopia disponível no momento da consulta? Não

Sim Diplococos Gram-negativos intracelulares presentes Sim

Não

Tratar clamídia e gonorreia

Tratar só clamídia

Aconselhar, oferecer anti-HIV e VDRL, enfatizar a adesão ao tratamento, notificar, convocar parceiros e agendar retorno Figura 11.1 Fluxograma para casos de corrimento uretral.

Sífilis

ta a visualização e diagnóstico. Há grande quantidade de espiroquetas na lesão.

Também conhecida como Lues, a sífilis é uma DST cujo agente etiológico é a bactéria espiroqueta Treponema pallidum. Pode ser adquirida por contato sexual, circulação placentária e, mais raramente, através de transfusão sanguínea e inoculação acidental. O número mínimo de treponemas requeridos para o estabelecimento da infecção não é conhecido. A multiplicação dos organismos é muito lenta, com tempo de divisão em coelhos de, aproximadamente, 33 horas. Do mesmo modo, o crescimento lento dos treponemas em humanos talvez seja responsável, em parte, pela natureza prolongada da doença e pelo período de incubação relativamente longo.

3. Sífilis secundária: surge cerca de três a seis semanas após o desaparecimento da lesão primária e é caracterizada por lesões eritematosas e indolores nas mucosas e na pele, inclusive em região palmo-plantar. Estas são chamadas de roséolas sifilíticas e, em geral, acompanham-se de febre discreta, cefaleia, artralgias e dores musculares. Podem ocorrer ainda: lesões esbranquiçadas e vegetantes na vulva (condiloma plano), alopecia, linfadenomegalia (o aumento do linfonodo epitroclear é patognomônico). Por vezes apresentam alterações tão discretas que passam despercebidas. Em cerca de 30 dias há remissão das lesões, independentemente de terapêutica instituída. Igualmente à sífilis primária, há grande quantidade de espiroquetas nas lesões.

História natural 1. Período de incubação: em média, três semanas (de 10 a 90 dias). 2. Lesão inicial ou cancro duro (sífilis primária): lesão de bordas endurecidas (protossifiloma), geralmente única, superfície limpa e indolor, além de frequentemente estar acompanhada de adenopatia locorregional discreta; tem duração de 10 a 20 dias e desaparece sem deixar cicatriz local, com ou sem o tratamento instituído. Em mulheres, costumam se localizar no colo, ou parte interna dos lábios vulvares, o que, associado ao fato de serem indolores, dificul-

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4. Período de infecção subclínica ou sífilis latente: apenas detectada por testes sorológicos. Divide-se em sífilis latente precoce (até um ano do aparecimento do cancro duro) e latente tardia (após um ano do surgimento da lesão inicial). Cerca de 1/3 dos casos de doença latente precoce evoluem para cura. 5. Sífilis tardia ou terciária: com repercussões cardiovasculares (aneurismoa de aorta proximal), cutâneas (goma sifilítica) e neurológicas (lesão de raízes de nervos sensitivos – tabes dorsalis, entre outras).

SJT Residência Médica


11 Doenças Sexualmente Transmissíveis Já as reações treponêmicas têm alta especificidade e sensibilidade, sendo o FTA-ABS (Absorção de Anticorpos Treponêmicos Fluorescentes) a mais utilizada. Esta prova não se aplica para controle de cura uma vez que, sendo reagente, persistirá positivo por toda a vida.

Treponema pallidum (espiroqueta)

Sexual

Maternofetal

Adquirida

Congênita

Recente • primária • secundária • latente

Tardia • latente tardia • terciária

Recente

Tardia

Diagnóstico até um ano de evolução

Diagnóstico até um ano de evolução

Diagnóstico até 2º ano de vida

Diagnóstico até 2º ano de vida

Figura 11.2 Fluxograma esquemático da classificação da sífilis. cura 1/3

contato primária 10 dias

secundária

35 dias 60 dias

Latente precoce

90 dias

tardia 1 ano

3 a 20 anos - terciária (goma / aneurisma / SNC) Figura 11.3 História natural da sífilis.

Diagnóstico O diagnóstico baseia-se no quadro clínico e é confirmado pelo exame direto (método de eleição nos casos de lesões primárias) e das sorologias, que podem ser treponêmicas ou lipídicas (não treponêmicas). Na fase primária da doença, a visualização do protossifiloma (cancro duro), embora seja difícil, trará a hipótese diagnóstica. A confirmação pode ser feita por exame microscópico em campo escuro do material obtido da profundidade da lesão, que mostrará os espiroquetas, presentes em grande quantidade. Essa forma de diagnóstico não será possível em fases latentes ou doença terciária. Os testes sorológicos nesta fase, em geral, são negativos. As sorologias serão realizadas a partir de lesões secundárias. Entre elas há os testes treponêmicos e não treponêmicos. Entre estes últimos destaca-se a reação VDRL (Veneral Diseases Research Laboratory). Esta se torna positiva 14 dias após o surgimento do cancro sifilítico, tem alta sensibilidade e baixa especificidade, tornando-se negativa ou com títulos baixos (cicatriz sorológica) um ano após a cura da doença, de modo que pode servir de controle para essa cura (através da titulação).

SJT Residência Médica

Para pacientes sem evidências históricas ou clínicas de sífilis, mas com resultado de FTA-Abs reativo, o teste deve ser repetido. O uso de outro teste treponêmico, como o TP-PA (micro-hemaglutinação), pode ser útil em casos problemáticos. O teste TP-PA é menos sensível do que os testes VDRL ou o FTA-ABS na sífilis inicial. Sua sensibilidade e especificidade são, sob os demais aspec­tos, aproximadamente idênticas às do teste FTA-Abs. Os imunoensaios ligados a enzima (EIAs) para detecção de anti­corpos antitreponêmicos usam antígenos de T. pallidum clonados, gerados a partir de sistemas de expressão bacterianos. Os testes sorológicos EIA permitem a triagem de grande número de soros e têm características de desempenho (sensibilidade, especificidade e valores preditivos) semelhantes àquelas de outros testes treponê­micos. As pessoas com diagnóstico de sífilis por EIAs, como em outros testes de antígenos treponêmicos, devem ser avaliadas com testes não treponêmicos quantitativos, como o VDRL, para confirmar e validar a res­ posta subsequente à terapia, já que aqueles permanecem positivos mesmo após o tratamento eficaz. Para identificação da neurossífilis, analisa-se o líquido cefalorraquidiano. Classicamente, há aumento de proteínas totais, pleiocitose e VDRL positivo. Essa conduta deve ser realizada em todas as pacientes com história de sífilis com mais de 1 ano de evolução ou nas soropositivas, como veremos a seguir.

Sífilis e HIV Estas pacientes podem ter resultados de testes sorológicos anormais (títulos anormalmente altos ou baixos, falsos negativos ou atraso na sororreatividade). Entretanto, geralmente, os testes sorológicos podem ser interpretados da forma usual. Se os achados clínicos sugerem sífilis, mas a sorologia não é reativa ou a interpretação não é muito clara, pode-se usar testes alternativos como a biópsia da lesão, a microscopia de campo escuro ou a pesquisa direta de anticorpos fluorescentes, obtida do material da lesão. O quadro clínico da sífilis é muito variável em todos os estágios nessas pacientes. Pode-se desenvolver neurossífilis mais precoce e facilmente. Para essas pacientes sempre será indicada a punção lombar para que se possa definir a extensão da doença e o esquema terapêutico mais apropriado.

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Ginecologia | volume 1

Lesão rosada ou ulcerada Única Endurecida Fundo liso Brilhante

Cancro duro

Acompanhada de adenopatia regional Não supurativa Móvel Indolor Múltipla Sem sinais flogísticos

Duração da lesão: 10 a 20 dias colo uterino / vulva / períneo

Figura 11.4 Fluxograma esquemático do quadro clínico da sífilis primária. Positividade dos testes quanto à
época do diagnóstico Sífilis

Campo escuro positivo

VDRL reativo (%)

FTA-Abs reativo (%)

80 30 50

60 (até 1:16) 70 100

85 100 100

Fase latente

-

100

100

Fase tardia

-

60

100

Recente não tratada (< 5 dias de evolução) Recente não tratada (> 15 dias de evolução) Secundária não tratada Tardia não tratada

Tabela 11.2

Tratamento A penicilina é o antibiótico de eleição para o tratamento da sífilis. Sua posologia e via de administração variam conforme a fase da doença. Alternativas terapêuticas, embora menos eficazes, são eritromicina e doxiciclina, que devem ser utilizadas somente em casos de exceção. É importante ressaltar que, com o tratamento, pode ocorrer a reação de Jarisch-Herxheimer, caracterizada pela ocorrência de febre acompanhada de cefaleia, mialgia e outros sintomas gerais que incidem, normalmente, nas primeiras 24 horas após o inicio do tratamento. É mais frequente nas fases precoces e decorre da liberação maciça de endotoxinas pela destruição das espiroquetas. As pacientes devem ser avisadas sobre a possibilidade da reação e orientadas a utilizar antipiréticos, a fim de não confundirem os efeitos com reação alérgica penicilina e interromperem o tratamento. Antibiótico

Dose

Duração do tratamento

A. Sífilis primária, secundária e latente recente Penicilina benzatina

2,4 milhões de UI, IM

Dose única

Doxiciclina

100 mg, a cada 12 h

15 dias

Tetraciclina

500 mg, a cada 6 h

15 dias

B. Sífilis latente tardia Penicilina benzatina

2,4 milhões de UI/ semana, IM

3 semanas

Dioxiclina

100 mg, a cada 12 h

30 dias

Tetraciclina

500 mg, a cada 6 h

30 dias

C. Neurossífilis Penicilina Cristalina

12 a 14 milhões de UI/dia, EV

14 dias

Dioxiclina

200 mg, a cada 12 h

30 dias

Tetraciclina

500 mg, a cada 6 h

30 dias

Tabela 11.3 Tratamento de sífilis.

16

SJT Residência Médica


11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Seguimento

Diagnóstico laboratorial

Após o tratamento da sífilis, recomenda-se o seguimento sorológico quantitativo de três em três meses, durante o primeiro ano e, se ainda houver reatividade em titulações decrescentes, deve-se manter o acompanhamento de seis em seis meses. Elevação de duas diluições acima do último título do VDRL justifica novo tratamento, mesmo na ausência de sintomas (20% a 30% dos pacientes experimentam recorrências). As mulheres com história comprovada de alergia à penicilina devem ser dessensibilizadas. Na impossibilidade, deve ser administrado o estearato de eritromicina (2 gramas diários, durante duas semanas na sífilis recente, prolongando para três semanas na latente ou tardia). Caso a gestante tenha sido tratada com eritromicina não se deve considerar o feto tratado em decorrência do reduzido potencial de transferência placentária da droga.

Cancro mole O cancro mole ou lesão cancroide é uma DST causada pela bactéria Haemophylus ducreyi. Tem período de incubação curto (três a sete dias), é altamente contagioso e caracteriza-se por lesões ulcerosas e autoinoculáveis, que se acompanham de linfadenite. Promiscuidade e precárias condições de higiene são fatores importantes na prevalência desta infecção. A penetração do agente na epiderme ocorre na região do trauma, com solução de continuidade local. A lesão cancroide é iniciada por uma pápula, circundada por halo eritematoso. Entre 24 e 48 horas após seu surgimento a pápula adquire aspecto de pústula, com posterior erosão e ulceração. A úlcera formada é geralmente rasa, com bordas bem delimitadas, dolorosa (diferentemente do cancro duro), possuindo uma base purulenta e friável. Outra diferença em relação ao cancro duro reside no fato de que este é único, enquanto no cancroide, em geral, as lesões são múltiplas devido à característica de serem autoinoculáveis (tanto que podem se apresentar em espelho). São localizadas nos grandes lábios, na fúrcula vaginal e no clitóris. A adenopatia inguinal com características inflamatórias ocorre em 30% a 50% das pacientes, sendo em geral unilateral e do lado homólogo à úlcera inicial. Lábios genitais Fúrcula

Pode surgir enfartamento ganglionar (bubão unilateral)

Úlceras

Supurar / fistulizar

Múltiplas Dolorosas Bordas irregulares Eritematoedematosas Fundo sujo Sangra fácil

Único orifício

Exame direto das lesões: a coloração pelo Gram ou Giemsa da secreção da lesão evidencia cocobacilos curtos, gram-negativos, com disposição em “cardume de peixe”, em “impressão digital”, em paliçada ou mesmo em cadeias idsoladas. O material para análise deve ser coletado das bordas da lesão, evitando-se o pus superficial. Pode também ser feito esfregaço de secreção obtida pela aspiração dos linfonodos comprometidos.

A cultura é de difícil execução, com sensibilidade menor que 80%, e deve ser semeada imediatamente após coleta.

PCR multiplex (M-PCR): é o exame de maior sensibilidade e especificidade, porém não comercialmente disponível.

A biópsia não é recomendada, pois não confirma a doença.

Tratamento As medidas de higiene local, como utilização de permanganato de potássio 1:10.000 ou água boricada 2% são aconselhadas em todos os casos, seguidas de antibióticos sistêmicos.

Os esquemas terapêuticos são:

Eritromicina 500 mg, a cada 4 horas, via oral, por sete dias.

Ceftriaxone 250 mg, via intramuscular, em dose única.

Sulfametoxazol/trimetoprim 800/160 mg, a cada 12 horas, via oral, por sete dias.

Tianfenicol granulado, dois envelopes de 2,5 g, diluídos em meio copo de água, via oral, durante sete dias.

Nos casos de sucesso terapêutico, ocorre cicatrização da lesão cancroide sete dias após o início do tratamento.

Gestantes

Figura 11.5 Fluxograma esquemático do quadro clínico do cancro mole.

SJT Residência Médica

Aparentemente, o cancro mole não representa uma ameaça para o feto ou neonato. Nas mulheres grávidas, os analgésicos sistêmicos estão liberados, tanto para o controle da dor espontânea como aquela provocada pelas manobras de higienização. Os analgésicos como DIPAirona e acetaminofeno geralmente são suficientes controlar o processo doloroso.

17


Ginecologia | volume 1 O antibiótico de escolha para tratar a doença é o ceftriaxone (250 mg, via intramuscular, dose única), tendo como alternativa o estearato de eritromicina (2 g/dia, via oral, por sete dias).

pecialistas sugerem a eritromicina (2 g/dia, via oral, por sete dias) como droga de escolha para tratar as pacientes infectadas pelo HIV.

Vantagens objetivas em termos de adesão são obtidas com o uso dos esquemas terapêuticos de dose única.

Seguimento

Mulheres infectadas pelo HIV Podem necessitar de maior tempo de tratamento em relação às HlV-negativo e a falha do tratamento pode ocorrer com qualquer regime terapêutico. Os dados quanto à eficácia terapêutica, com a terapia em dose única (ceftriaxona e azitromicina) são limitados, mas este regime terapêutico pode ser usado se a paciente for acompanhada. Alguns es-

As pacientes devem ser reavaliadas três a sete dias após iniciarem a terapia. Se o tratamento é eficaz, dentro de três dias a úlcera melhora sintomaticamente e, objetivamente, dentro de sete dias. Se a melhora clínica não é evidente, o médico deve considerar se: o diagnóstico está correto, a paciente está coinfectada com outra DST, a paciente está infectada pelo HIV, o tratamento não foi feito corretamente pela paciente, e o H. Ducreyi é resistente à medicação prescrita (tem-se registrado resistência à ciprofloxacina e eritromicina). O parceiro sexual deve ser examinado e tratado, independentemente de ter ou não sintomas.

Principais diferenças entre cancro duro e cancro mole Cancro duro Período de incubação - 21 a 30 dias Lesão única Erosão ou ulveração Base dura (infiltrando linfoplasmocitário) Fundo limpo, eritematoso, seroso Bordas planas Adenopatia bilateral, não inflamatória, indolor, múltipla, não fistulizante, ocorrendo em quase 100% dos casos

Cancro mole Período de incubação - 2 a 5 dias Lesões múltiplas Ulceração Base mole (reação purulenta) Fundo sujo, purulento, anfractuoso Bordas escavadas Adenopatia unilateral, inflamatória, dolorosa, única, fistulizante por orifício, em 30% a 60% dos casos

Tabela 11.4 Diferenças entre cancro duro e cancro mole.

Linfogranuloma venéreo É uma DST que acomete preferencialmente o sistema retículo-histiocitário, em particular os linfonodos inguinais e ilíacos, ocasionada pela bactéria Chlamydia trachomatis sorotipos L1, L2 e L3. A lesão inicial pode não chamar muito a atenção por ser uma pápula, uma vesícula ou uma ulceração indolor na fúrcula vaginal e que não alerta a paciente para procurar um médico. Também é conhecida como doença de Nicolas-Favre ou Bubão climático. O período de incubação é muito variável, oscilando entre uma e oito semanas. A primeira suspeita pode ser com o surgimento da linfadenopatia inguinal, uma vez que, como dito, a lesão na fúrcula vaginal é indolor e, em geral, passa desapercebida. A linfadenopatia é acompanhada de febre e cefaleia. Ela, quando se apresenta amolecida à palpação, tende à supuração; já quando endurecida, tende à necrose (semelhante à linfonodo metastático de neoplasia maligna). Havendo a supuração, podem surgir, nos linfonodos, trajetos fistulosos para a pele, que costumam deixar cicatriz retrátil com a resolu-

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ção. A fase de fistulização é alcançada em duas a quatro semanas após o surgimento da lesão inicial. A fistulizacão é capaz de se cronificar, permanecendo durante meses e anos. Há cicatrização de algumas fístulas pelo organismo, mas novas são formadas de modo que, com o tempo, surgem verdadeiras fibroses em couraça sem nenhum ponto de clivagem, tornando-se impossível qualquer ressecção cirúrgica. Pode haver também a formação de úlceras crônicas na fúrcula com fundo granulomatoso, que sangra facilmente, mas é indolor. Essas são conhecidas como síndrome de Clémont-Simon. A este quadro vulvar podem somar-se lesões vegetativas tipo verrucosas, que envolvem o períneo, a região perianal e o reto, com muitas ulcerações, abscessos e fístulas perineais. A cicatrização perianal pode retrair o ânus a causar incontinência fecal. Com o acometimento linfonodal fica comprometida a drenagem linfática e consequentemente há edema duro progressivo na vulva, que pode ulcerar. A esse quadro dá-se o nome de elefantíase vulvar ou estiômeno vulvar de Huguier.

SJT Residência Médica


11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Sinais e sintomas: são de três tipos, dependendo da fase da doença

1ª fase:

lesão de inoculação, presença de úlcera indolor, pápula ou pústula no pênis ou na parede vaginal. Frequentemente não é notada pelo paciente e raramente é vista pelo médico.

2ª fase: disseminação linfática, aparecimento de linfadenopatia inguinal que se desenvolve uma a seis semanas após a lesão inicial. Geralmente unilateral e que se constitui no principal motivo de consulta. O comprometimento ganglionar evolui para supuração e fistulização múltipla. 3ª fase: sequelas, devido à obstrução linfática crônica, pode haver elefantíase genital. Tabela 11.5

Diagnóstico laboratorial O diagnóstico clínico não é fácil, pois se assemelha às outras DSTs, e sua confirmação é obtida com o isolamento da Clamídia no aspirado dos linfonodos, através de cultura em meio de Mc Coy. O processo é dispendioso e demorado (cinco dias). O teste de reação intradérmica imunológica de Frei é um auxiliar diagnóstico e consiste na inoculação de antígenos na pele, sendo positivo se houver surgimento de halo eritematoso de mais de 5 mm 48 horas pós-inoculação. Antígenos bacterianos podem ser detectados por imunofluorescência direta, utilizando-se anticorpos monoclonais fluorescentes. Nos casos positivos por este método, os corpúsculos elementares podem ser identificados no material obtido do bubão. Os testes sorológicos, como fixação do complemento ou Elisa, tornam-se positivos após quatro semanas da infecção, sendo sugestivos de infecção atual títulos superiores a 1:64. No entanto, essas provas apresentam-se positivas em casos de uretrite, cervicite, conjuntivite e psitacose (causadas por outros subtipos de clamídia). Apesar do alto custo operacional, a técnica mais precisa no diagnóstico é por meio da amplificação do DNA com reação em cadeia da polimerase (PCR).

Tratamento Para tratamento desta moléstia, recomenda-se a administração de:

Doxiciclina a 100 mg, a cada 12 horas, por 21 dias;

Eritromicina a 500 mg, a cada 6 horas, por 21 dias;

Tetraciclina a 500 mg, a cada 6 horas, por 21 dias.

O uso de azitromicina 1 g/semana durante 3 semanas é alternativa terapêutica eficaz.

SJT Residência Médica

Está contraindicada a drenagem do bubão com bisturi. No entanto, pode ser aspirado com agulha grossa, nos casos em que a descompressão for imperativa. Na gravidez e lactação a mulher deve ser tratada com estearato de eritromicina 500 mg VO 6/6 horas, por sete dias. O tianfenicol também pode ser utilizado (1,5 g/dia via oral por três semanas), restringindo-se aos trimestres finais da gestação.

Seguimento As pacientes devem ser seguidas clinicamente até o desaparecimento dos sinais e sintomas. Os parceiros sexuais devem ser examinados e tratados se tiver havido contato sexual com a paciente nos trinta dias anteriores ao início dos sintomas.

Donovanose Também chamada de granuloma inguinal, é uma infecção granulomatosa crônica, causada pela bactéria gram-negativa Calymmatobacterium granulomatis, também conhecida como Donovania granulomatis. Seu período de incubação é muito difícil de ser determinado, variando de uma semana a seis meses. A inoculação se dá em pequenas soluções de continuidade da pele ou mucosa resultante do traumatismo pelo coito.

Diagnóstico clínico Após o referido período de incubação variável, surge lesão nodular subcutânea única ou múltipla, cuja erosão forma ulcerações com base granulosa de aspecto vermelho vivo e sangramento fácil, com bordas planas ou hipertróficas. Não ocorre adenite. As lesões são mais frequentes nas dobras das regiões genitais e perigenitais. São descritas ainda lesões extragenitais e sistêmicas. As úlceras tendem a se unir formando uma única e grande lesão avermelhada (lesão em “bife vermelho”). Calymmatobacterium granulomatis

Regiões de dobras e perianal

Úlcera plana ou hipertrófica Delimitada Granulosa Indolor Vermelho-vivo e sangra fácil

Úlcera evolui lenta e progressivamente, podendo se tornar ulcerovegetante

Deforma a genitália

Figura 11.6 Fluxograma esquemático do quadro clínico da donovanose.

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Ginecologia | volume 1

Diagnóstico laboratorial A identificação dos corpúsculos de Donovan pode ser obtida no material colhido por biópsia da borda da lesão, em estudo histológico corado pelos métodos de Giemsa, Leishman ou Wright. Os corpúsculos podem ser identificados também em esfregaços citológicos de fragmentos da lesão corados por Giemsa. O diagnóstico é, então, suspeitado pela história clínica, sendo confirmado pela demonstração dos corpos de Donovan no raspado das úlceras ou nos fragmentos das lesões. A biópsia é aconselhável para se afastar malignidade.

Tratamento A Donovania é sensível a um grande espectro de antibióticos e quimioterápicos. Preconiza-se a administração de doxiclina a 100 mg, a cada 12 horas ou a associação de sulfametaxazol-trimetoprim (160/800 mg), a cada 12 horas, ou azitromicina a 1 g/semana. Essas medicações devem ser prescritas até 3 semanas após o desaparecimento das lesões; de modo que se torna necessário acompanhar, semanalmente, a melhora da paciente. A ressecção cirúrgica, cauterização com eletrocautério ou com laser deve ser considerada nos casos de lesões muito extensas que não regridem com o tratamento clínico.

Seguimento As pacientes devem ser seguidas clinicamente até a resolução dos sinais e sintomas. Os parceiros que tiveram contato sexual dentro de sessenta dias antes do início do aparecimento dos sintomas devem ser examinados e tratados. Entretanto, devido à baixa infectividade, o valor da terapia na ausência de sinais e sintomas não está bem estabelecido.

Herpes simples A infecção herpética é causada pelo herpes-vírus simples tipo I e tipo II. A transmissão pode ocorrer quando o vírus, abrigado em uma lesão ou secreção, ganha entrada em um novo hospedeiro, através das membranas mucosas ou microtraumas e lesões da pele. O Herpes Simples Vírus (HSV) tipo I ou tipo II pode produzir infecção oral ou genital, e após o surgimento da primoinfecção, pode tornar-se recidivante. Uma vez adquiridos, os vírus das células epiteliais infectadas dirigem-se pelos nervos para gânglios sensoriais, onde permanecem quiescentes.

20

Embora não se saiba por qual estímulo, eventualmente ocorrerá a replicação dos vírus albergados, que seguem o caminho dos nervos para o local da infecção inicial, promovendo infecções recorrentes. Não há cura. Após um período de incubação de 1 a 26 dias (em média sete dias), sinais clínicos da infecção primária são usualmente evidentes e podem persistir por vários dias. Há dor local exacerbada, além de lesões vesiculares no início, e que passam à úlceras pequenas com bordas irregulares e centro sujo. As lesões podem coalescer, formando bolhas que resultam em ulcerações maiores. A formação de novas lesões leva cinco dias, a dor, dez dias, e a cura, cerca de dezesseis dias. A infecção herpética genital primária pode ser acompanhada por sintomas gerais, tais como cefaleia, febre, meningite, encefalite, mialgia, retenção urinária e disúria, que podem inclusive preceder os sintomas locais. As recidivas apresentam a mesma sintomatologia, porém de forma mais leve.

Diagnóstico O diagnóstico baseia-se na anamnese, no exame físico e nos achados laboratoriais. O material deve ser coletado das lesões suspeitas, rompendo-se as vesículas, raspando-se o assoalho desta e preparando-se o esfregaço, que será corado pelo método de Giemsa, Leishman, Wrigh ou Papanicolaou. Na histologia, observam-se os corpúsculos de inclusão intranucleares em células isoladas. A cultura é o método diagnóstico mais específico e sensível, permitindo realizar a tipagem do vírus e obter informações sobre prognóstico e recorrência. Outra técnica é a citologia vaginal com a coloração de Tzanck, cujo encontro de inclusões nucleares virais em células gigantes multinucleadas sugere a herpes. Apesar da simplicidade de execução desse método, sua sensibilidade é de apenas 40%. A sorologia pode ser útil no diagnóstico da infecção primária, mas tem pouco valor nas recorrências. Estima-se que aproximadamente 90% da população tenha anticorpos IgG para o HSV-1 e 22%, para o HSV–2. A transmissão do vírus herpes simplex tipo II (HSV II) ocorre por um derrame viral na pele ou em membrana das mucosas acometidas. A seguir os anticorpos neutralizantes são produzidos no início da infecção e persistem, mas não previnem recidivas da fase ativa da doença. Dessa forma, a transmissão do vírus (HSV II) é mais comum entre parceiros assintomáticos que eliminam vírus, do que entre parceiros com lesões ativas.

SJT Residência Médica


11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Tratamento O tratamento inclui a redução da severidade e/ou o encurtamento do curso da infecção primária, redução da frequência e/ou severidade das recorrências e prevenção das mesmas na presença do vírus latente estabelecido.

Medicamentos utilizados:

Aciclovir oral, que atua diminuindo a infectividade e o aparecimento de novas lesões, na dose de 200 mg, a cada 4 horas, durante dez dias.

Aciclovir tópico, creme a 5%, cinco vezes ao dia.

Interferon-alfa, que impede a instalação viral.

Atualmente, dispõe-se de novos agentes antivirais, que diminuem a frequência das tomadas diárias e oferecem melhor comodidade posológica à paciente. Assim, utilizam-se:

Drogas, posologia e duração do tratamento na infecção primária da herpes Droga

Posologia

Duração do tratamento

Aciclovir

400 mg, 3 vezes/dia

7 a 10 dias

Famciclovir

250 mg, 3 vezes/dia

7 a 10 dias

Valaciclovir

1 g, 2 vezes/dia

7 a 10 dias

Aciclovir

400 mg, 3 vezes/dia

5 dias

Famciclovir

150 mg, 2 vezes/dia

5 dias

Valaciclovir

500 mg, 2 vezes/dia

3 a 5 dias

Drogas e posologia na herpes genital recorrente Droga

Posologia

Aciclovir

400 mg, 2 vezes/dia

Famciclovir

250 mg, 2 vezes/dia

Valaciclovir

500 mg a 1 g, 1 vez/dia

Tabela 11.6 Paciente com queixa de úlcera genital Anamnese e exame físico História ou evidência de lesões vesiculosas? Sim

Tratar herpes genital

Não

Tratar sífilis e cancro mole

Aconselhar/solicitar anti-HIV e VDRL, enfatizar adesão ao tratamento, notificar, convocar parceiros e agendar retorno

Lesões com mais de 4 semanas?

Não

Sim

Tratar sífilis e cancro mole Fazer biópsia, iniciar tratamento para donovanose

Figura 11.7 Fluxograma de conduta em úlcera genital.

SJT Residência Médica

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Ginecologia | volume 1

Figura 11.8 Infecção gonocócica cervical.

Figura 11.9 Bartolinite gonocócica.

Figura 11.10 Bartolinite gonocócica.

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Figura 11.11 Cancro duro.

Figura 11.12 Roséola sifilítica.

Figura 11.13 Cancro mole.

SJT Residência Médica


11 Doenças Sexualmente Transmissíveis

Figura 11.14 Donovanose.

Figura 11.15 Linfogranuloma venéreo.

Abordagem síndromadas úlceras genitais Para facilitar a abordagem diagnóstica e terapêutica das úlceras genitais em locais que não dispõem de muitos recursos complementares ou mesmo de especialistas, o Ministério da Saúde, em seu manual de DST, cria uma abordagem síndrome de úlceras genitais: Por esta, diante da visualização de úlcera, deve-se perguntar se há histórico de lesões vesiculares, ou observar se há evidência clínica de sua presença. Sendo a resposta positiva deve-se tratar como herpes genital. Na negativa da questão acima deve-se tratar sífilis e cancro mole e, estando presente a úlcera há mais de 4 semanas, ainda é preciso biopsiá-la e tratar donovanose. Não obstante, é preciso convocar o parceiro, notificar a doença, colher sorologias para HIV, Hepatites B e C e oferecer vacina para Hepatite B, caso a paciente não seja imunizada.

SJT Residência Médica

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CAPÍTULO

2

Diagnóstico de gravidez

Introdução O diagnóstico da gravidez, ou sua exclusão, se alicerça em eventos clínicos e elementos la­boratoriais. Como forma didática de apresentar o tema, o diagnóstico laboratorial da gestação será aqui dividido em métodos hormonais e exame ultrassonográfico.

Diagnóstico clínico O diagnóstico clínico é caracterizado pelo conjunto de sinais e sintomas que são identificados por anamnese, inspeção, palpação, toque vaginal e ausculta de batimentos cardíacos fetais. Esses sinais podem ser chamados de probabilidade ou de certeza. São considerados de probabilidade aqueles dependentes do organismo materno, que se devem à ação estrogênica e embebição gravídica, sendo observados primordialmente no início da gestação. Os de certeza são representados pelos batimentos cardíacos fetais e pela movimentação fetal. Durante o interrogatório importa saber se a mulher está em amenorreia e qual é a duração. Considera-se gestação como primeira hipótese de atraso menstrual em pacientes sexualmente ativas. Por vezes, pode ocorrer perda sanguínea vaginal de pequena quantidade, geralmente próxima do 24º dia após a menstruação, fenômeno conhecido por sinal de Hartman, que decorre da perda de tecido endometrial erodido durante a nidação.

À inspeção, deve-se examinar sucessivamente o segmento cefálico, pescoço, tórax, abdome, genitais externos e membros inferiores, sendo que sinais sugestivos de gravidez poderão ser encontrados em todos eles. Atendo-se ao segmento cefálico, verifica-se a formação de lanugem, conhecida por Hypertrichosis gravidarum lanuginensis, provavelmente devido à maior atividade circulatória local com maior nutrição do folículo piloso. A lanugem excede os limites do couro cabeludo e esta situação é conhecida pelo sinal de Halban. Nota-se, ainda, na face, pigmentação amarelo-escuro, de modo circunscrito ou difuso, predominantemente em regiões expostas à luz solar, como nariz, região malar, lábio superior, mento, fronte e, às vezes, pescoço. Essas alterações são chamadas de cloasma gravídico ou máscara da gravidez; felizmente ela costuma se dissipar dois a três meses após o parto, embora possa persistir por anos, em alguns casos. Na região cervical é possível notar aumento da glândula tireoide. Isso porque o hCG possui uma fração alfa idêntica à do TSH e acaba estimulando esta glândula. Isso explica porque grande parte das mulheres com moléstia trofoblática estaciona, doença em que há elevação exacerbada de hCG, apresentam sinais de hipertiroidismo. No tórax, destacam-se as modificações na glândula mamária, que aumenta de volume por efeito da intensificação vascular, hipertrofia e desenvolvimento


Obstetrícia | volume 1

acinar e tubular, desencadeados pelas alterações hormonais, seja o aumento de estrogênios, seja o de progestágenos. As mamas tornam-se pesadas e pendentes, mesmo em primigestas. A partir do segundo mês de gestação, observa-se secreção gradual de colostro, transudato do soro sanguíneo, de aspecto aquoso e de coloração amarelada. Ao redor do mamilo agrupam-se os tubérculos de Montgomery, em número de doze a quinze, sendo constituídos por minúsculos ácinos glandulares, com 2 a 4 mm de diâmetro e que regridem incompletamente no puerpério. Ao redor da aréola primitiva, que se torna mais escurecida, surge a aréola secundária ou externa, também denominada gravídica ou sinal de Hunter, concêntrica ao mamilo, mas de contornos imprecisos, com pigmentação menos evidente. Decorrente da maior vascularização da mama gravídica. A vascularização exacerbada da mama confere à mesma o aspecto de marmorização, o que constitui a rede venosa de Haller. Durante a gravidez há nenhuma ou pouca produção de leite, isso porque o estrogênio elevado, produzido pela placenta, inibe a liberação de prolactina. Com a desquitação, cai o nível de estrógeno e a prolactina se torna abundante.

cimento do istmo, verificado a partir da 6ª semana de gestação. Já o amolecimento da face anterior do corpo uterino é conhecido como sinal de Ladin. Com o aumento volumétrico e o amolecimento, o corpo uterino torna-se mais depressível ao toque bimanual, fenômeno conhecido como sinal de Holzapfel. A acentuação da anteversoflexão constitui o sinal de Mac Donald. À medida que ocorre a implantação placentária, na face anterior ou posterior, os ligamentos se voltam respectivamente para trás ou para diante, cunhando o sinal de Palm. O aumento do calibre da artéria vaginal longa torna perceptível o pulso vaginal (sinal de Osiander). As hemorroidas e varizes são comuns na gestação e tendem à regressão no puerpério. Até aqui forma descritos sinais de probabilidade de gravidez; existem, ainda, aqueles de certeza, como seguem:

ausculta dos batimentos cardíacos fetais: possível a partir de 10 semanas com sonar Doppler ou a partir de 20 semanas com estetoscópio de Pinard.

percepção dos movimentos fetais pelo examinador: possível a partir de 20 semanas em primigestas e 16 semanas em multíparas.

sinal de Puzos: chama-se sinal de Puzos o rechaço intrauterino que se obtém impelindo de baixo para cima o fundo do saco anterior. Nem todos os autores consideram este um sinal de certeza.

No abdome distinguem-se as estrias, a pigmentação da linha alba, que passa a se chamar linha negra, e a depressão da cicatriz umbilical. Na inspeção da vulva, nota-se o sinal de Jacquemier ou Chadwick, que consiste no seu arroxeamento. A propagação desta coloração à vagina denomina-se sinal de Kluge. Estes sinais também decorrem de embebição gravídica. Durante a palpação, o útero adentra a cavidade abdominal a partir da 12ª semana de gestação e atinge a cicatriz umbilical na 20ª semana. O toque simples e combinado fornece recurso adicional na suspeição precoce de gravidez. É sobre a consistência do colo não grávido, semelhante à cartilagem nasal, ou grávido, semelhante a dos lábios, que se fundamenta a Regra de Goodell (amolecimento do colo uterino). No toque dos fundos de sacos laterais é possível a percepção do abaulamento do corpo uterino, chamado sinal de Noble-Budin, decorrente do crescimento piriforme do útero até 20 semanas. Até então o útero cresce por hipertrofia e hiperplasia de células miometriais, sendo que após o crescimento se dá por alongamento, o que faz com que o útero deixe de se expandir lateralmente. Nas implantações cornuais, observa-se a presença de sulco longitudinal, que divide o corpo uterino em duas porções: uma maior, na qual se insere o ovo, e outra menor, constituindo o sinal de Piskachek ou Braun-Fernwald. A consistência do útero lembra à de um figo maduro, segundo Bonnaire, ou elástico-pastoso-cístico, de acordo com Löhlein. Dá-se o nome de sinal de Hegar ao amole-

2

Figura 2.1 Técnica para a avaliação da presença do sinal de Hegar.

SJT Residência Médica


2  Diagnóstico de gravidez

Figura 2.2 Sinal de Hegar identificado em útero em retroversão.

Figura 2.5 Sinal de Puzos. A pressão rápida sobre a apresentação provoca sua elevação e, ao retornar, choca-se com o dedo do tocólogo.

Cronologia da gravidez É de grande importância para o médico conhecer precisamente a idade gestacional. Em gestação de alto risco, as condutas obstétricas variam conforme a mesma. Isso pode ser observado na amniorrexe prematura, na placenta prévia, na doença hipertensiva específica da gestação etc. Essa deve ser calculada em semanas, pois esta apresentam número fixo de 7 dias, diferentemente dos meses Para o diagnóstico de idade gestacional, pode-se recorrer à propedêutica clínica, à ultrassonográfica e à radiológica.

Figura 2.3 Sinal de Piskacheck. Assimetria do corpo uterino.

Os principais dados da propedêutica clínica são a data da última menstruação, a altura uterina, a época do aparecimento dos movimentos fetais e a dos batimentos cardíacos do feto. Data da última menstruação: é a principal informação com a qual se baseia para o cálculo da idade gestacional. Para sua utilização correta é necessário que se trate de mulher eumenorreica e que informe a data com segura exatidão; isso ocorre em apenas 18% das gestantes. O cálculo da idade gestacional em semanas é simples, bastando dividir-se por sete o número de dias que se passaram desde a data da última menstruação. A partir do 1º dia da última menstruação, soma-se 280 dias ou 40 semanas para se conhecer a data provável do parto. A regra de Naegele, com a soma de 7 dias e 9 meses ao 1º dia da última menstruação, facilita esse cálculo. De forma prática, para se calcular a data provável do parto em gestante tida como eumenorreica, soma-se 7 dias ao primeiro dia do último ciclo menstrual e subtrai-se 3 meses. Assim, sendo 8 de maio o 1º dia do último ciclo, a data provável do parto será 15 de fevereiro do ano vindouro.

Figura 2.4 Sinal de Noble-Budin. Note preenchimento dos fundos de sacos vaginais.

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Em pacientes com ciclos irregulares ou que engravidaram usando anticoncepção hormonal, a data

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da última menstruação tem pouca confiabilidade. Além disso, não se deve esquecer que, por vezes, a perda sanguínea correspondente à nidação (que ocorre 7 dias após a fecundação) pode, ao ser confundida com menstruação, levar a erros quanto à idade gestacional. Altura uterina: utiliza-se em casos de gestante com feto único e volume normal de líquido amniótico. O fundo uterino na altura da cicatriz umbilical indica gravidez de 20 semanas aproximadamente. A partir dessa medida (marco factível de ser apreciado), o útero cresce 4 cm a cada mês, atingindo 36 cm (a partir da sínfise púbica até o fundo uterino) nas multíparas e 32-34 cm nas primigestas, nas quais a fixação e/ou a insinuação da apresentação ocorre precocemente e é chamada “queda do ventre” . É pouco confiável, pois varia com posição e atitude fetal. Movimentos fetais: acima afirmamos que seu início é referido pelas multíparas ao redor da 16ª semana e, nas primigestas, na 20ª semana. Por depender muito da acuidade da paciente, tem valor apenas relativo. Sua percepção decorre da sensibilidade da parede abdominal. Por isso, em gestantes obesas eles serão percebidos mais tardiamente e não serão referidos pelas gestantes com lesões nervosas sensitivas da coluna medular.

produção de hCG começa imediatamente após a diferenciação do trofoblasto, podendo ser detectada na circulação materna 10 dias após a fertilização, antes do atraso menstrual. Em gestações normais, a produção de hCG é crescente, observando-se a duplicação dos níveis plasmáticos a cada 48-72 horas, com um pico 50-70 dias após a ovulação (50.000 a 100.000 UI/L). O pico coincide com 8 a 10 semanas de gestação. Em geral, um título de b-hCG menor que 5 mUI/L é negativo para gravidez, ao passo que um título maior que 25 mUI/mL, em exame de sangue, ou 125 mUI/L, em análise urinária, é considerado positivo. Valores entre 5 e 25 mUI/L podem ser falsos-positivos e devem ser repetidos. A produção ectópica de hCG em tumores não trofoblásticos é rara, mas pode ocorrer em tumores ovarianos, hepáticos, gástricos, pulmonares. Os resultados falsos-positivos podem ocorrer em elevação do LH hipofisário (por exemplo: menopausa) e pacientes em uso de drogas psicotrópicas, neoplasias secretantes de hCG, lúpus e hipertireoidismo. Isso faz com que este não seja sinal de certeza de gravidez.

Batimentos cardíacos: como referido, a audibilidade inicia-se na 10ª semana, quando se utiliza o sonar-Doppler, e na 20ª semana, quando se emprega o estetoscópio de Pinard.

Apesar das limitações é o melhor método disponível atualmente para quadros gravídicos normais e patológicos, podendo diagnosticar gestações incipientes, neoplasias secretantes de b-hCG e neoplasias trofoblásticas gestacionais.

Gestantes obesas, edemaciadas ou que apresentam placenta com inserção anterior podem ter a ausculta dificultada, invalidando a estimativa da idade gestacional.

mcg/ml 8

hPL 6

Os testes laboratoriais para o diagnóstico de gravidez podem ser subdivididos em três categorias: testes biológicos (de valor histórico), imunológicos e radioimunoensaio. Eles se baseiam na dosagem de b-hCG.

Nível sérico

Diagnóstico laboratorial

4 2

Os testes biológicos apresentam valor puramente histórico e mostram a importância da busca por métodos diagnósticos de gravidez. O hCG é uma glicoproteína produzida pelo sinciciotrofoblasto e constituída por duas subunidades alfa e beta, sendo esta última responsável por sua atividade biológica específica. A

hCG

0

10

20

30

40

Semanas de gestação

Figura 2.6 Níveis séricos da gonadotrofina coriônica (hCG) e do hormônio lactogênio-placentário (hPL).

Níveis médios das dosagens hormonais plasmáticas durante a prenhez b-hCG (mUI/mL) 3ª semana 4ª semana 5ª semana 6ª/8ª semana 2º/3º mês 2º trimestre 3º trimestre

100-500 500-1.000 1.000-3.000 3.000-5.000 10.000-100.000 5.000-15.000 5.000-50.000

Progesterona (ng/mL) 5-10 10-20 20-30 30-40 40-80 80-120 120-200

Estriol (ng/mL) — — — — 10-50 50-150 150-400

hPL (mg/mL) — — — — 2-3 3-6 6-9

Tabela 2.1

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2  Diagnóstico de gravidez

Ultrassonografia obstétrica O diagnóstico radiológico consiste na detecção do esqueleto ósseo fetal e, portanto, só é exequível a partir da 14ª semana de gestação. O advento da ultrassonografia trouxe novos rumos para a prática obstétrica, por tratar-se de método seguro, eficaz e relativamente barato, fornecendo inúmeras informações sobre a gestação. No início da gravidez, pode-se visualizar reação decidual ao redor da 4ª semana, a presença de saco gestacional ao redor da 5ª semana e de embrião por volta da 6ª semana. É útil, ainda, informar o número de fetos, se são tópicos ou ectópicos e datar a gestação. É o melhor método para cálculo de idade gestacional quando realizado no primeiro trimestre (idealmente entre 8 e 12 semanas), época em que o feto ainda não possui características pessoais. Para tanto se mede o CCN (comprimento crânio-nádega) do embrião/feto.

Figura 2.7 Ultrassonografia do saco gestacional de um feto de 8 semanas. Os sinais indicam o comprimento fetal (15 mm), e C, parte do cordão umbilical.

Marcos importantes à ultrassonografia transvaginal no primeiro trimestre Marco

Época (semanas)

Saco gestacional (SG)

4

Vesícula vitelina

5-6

Eco fetal com bcf *

6-7

Placenta

12

Dissolução do SG

11-13

Cabeça fetal

11-12

Tabela 2.2 bcf: batimentos cardiofetais.

A ecografia obstétrica Entre 7-10 semanas

Erro de + 3 dias

Entre 14-20 semanas

Figura 2.8 Feto de 11 semanas. O feto é visto no corte sagital, e a cabeça está claramente visível à esquerda e o corpo à direita.

Erro de + 7 dias

Terceiro trimestre

Erro de + 3-4 semanas

Observação: a ecografia é mais confiável no primeiro trimestre.

Tabela 2.3 A correlação entre a dosagem do b-hCG e a visualização do embrião tem extrema importância para a diferenciação entre uma gestação tópica e uma gestação não tópica. Somente será possível a visualização de saco gestacional por USG transvaginal quando o βhCG for maior que 1.000 UI/L- 1.500 UI/L. E por via abdominal quando maior que 2.000 UI/L. Com esses níveis hormonais ou acima, a não visualização do embrião no interior do útero faz pensar em ectópica.

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Figura 2.9 Visão da placenta num corte longitudinal ultrassonográfico, na 18ª semana de gestação.

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Figura 2.10 Ultrassom da placenta prévia. A placenta está no menor segmento uterino e cobre a posição cervical interna. O pontilhado marca a posição do canal cervical. B representa a bexiga, e P, a placenta.

Figuras 2.12 e 2.13 Imagem fetal em 3D.

Períodos da gestação Nomenclatura utilizada na prática clínica diária e que depende da idade gestacional merece aqui conceituações para possibilitar, correto intercâmbio de informações e condutas, emprego universal e uniforme.

Figura 2.11 Aparelho GE Voluson 730 - Tecnologia 4D que permite a visualização da anatomia interna com movimentos em tempo real em três planos.

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Ovo: nome que se dá ao resultado da junção dos gametas feminino e masculino, ou seja, resulta da fecundação do óvulo pelo espermatozoide. Também chamado de zigoto é uma estrutura de início unicelular que sofre sucessivas divisões, ao mesmo tempo em que transita pela salpinge em direção ao útero. Quando possui 16 células chama-se Mórula, e quando essas células se organizam em uma concentrado periférico, deixando uma cavitação, tem-se o blastocisto.

Embrião: chama-se embrião o resultante embrioblástico quando em sua fase de diferenciação orgânica, da segunda à oitava semana de gravidez propriamente dita ou da quarta à décima semana de atraso menstrual, etapa conhecida como período embrionário.

Feto: vencida a oitava semana de gravidez (ou décima de atraso menstrual), o embrião, já diferenciado, passa a ser denominado “feto”, nome que o acompanha até o nascimento.

Abortamento: é o processo pelo qual a cavidade uterina se esvazia de seu conteúdo gestacional antes que a gravidez atinja 20-22 semanas ou que o concepto ultrapasse 500 g de peso. Pode ser espontâneo, quando iniciado de modo não intencional, ou induzido, quando motivado por ações externas premeditadas, tanto do médico quanto da paciente. Em capítulo específico apresentaremos detalhes de suas classificações.

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2  Diagnóstico de gravidez

Aborto: é o produto do abortamento, seja ele espontâneo ou provocado, e compreende o embrião ou feto e seus anexos. Como já afirmado, a gestação há que ter menos de 20-22 semanas ou o concepto pesar menos que 500 g.

Parto prematuro: parto prematuro ou pré-termo é aquele que ocorre antes de a gestação completar 37 semanas e após ultrapassar 20-22 semanas. O neonato fruto de parto nessa época gestacional é chamado prematuro.

Viabilidade fetal: é conceito que traduz a ca­pacidade de sobrevida do recém-nascido no meio externo. A viabilidade fetal está intima­mente ligada ao grau de amadurecimento de seus órgãos e aos recursos disponíveis para a assistência ao neonato prematuro. Grosso modo, a viabilidade fetal é alcançada com 26 semanas de gestação embora vários centros de trata­mento intensivo neonatal consigam adequada so-

brevida do recém-nascido a partir de 24 semanas de gravidez. Como consequência, ob­serva-se tendência em classificar os prematuros em pré-viáveis (de 22 a 24 semanas de gravidez) e viáveis (de 24 a 36 semanas de gravidez), conceitos dinâmicos, como já exposto, por depender dos recursos assistenciais disponíveis.

Gestação a termo: toda gravidez que se encontra entre 37 semanas completas e 42 semanas incompletas é chamada gestação a termo. O termo ainda se subdivide em: termo precoce (de 37 a 38 semanas e 6 dias), termo completo (de 39 a 40 semanas e 6 dias), e termo tardio (de 41 a 41 semanas e 6 dias). Essa classificação baseia-se em prognóstico, mais favorável em termo completo.

Gravidez prolongada: é aquela com duração igual ou superior a 294 dias ou 42 semanas completas. Também é chamada de gestação serotínea.

Diagnóstico de gravidez: resumo Sinais de presunção

Sinais de probabilidade

Náuseas e vômitos (no 1º trimestre e tipicamente durante a manhã com alívio ao longo do dia). Alterações mamárias (aumento do volume e aumento da sensibilidade nas mamas). Alterações urinárias (polaciúria e nictúria). Percepção de movimentos fetais pela paciente. Mudanças no apetite (desejos alimentares, pica*). Fadiga, tontura, sialorreia, distenção abdominal e constipação, dispneia, congestão nasal, cãibras, lombalgia.

Alterações em forma e consistência do útero: sinal de Hegar (flexão do corpo sobre o colo uterino no toque bimanual) e sinal de Nobile-Budin (preenchimento do fundo de saco vaginal).

Sinais de presunção Amenorreia (atraso menstrual de 10-14 dias).

Consistência cervical amolecida. Aumento do volume abdominal.

Sinais de certeza Ausculta de BCF (pela US transvaginal a partir da 6ª/7ª semana; pelo sonar Doppler a partir da 10ª semana de gestação; e pelo estetoscópio de Pinard a partir da 18ª/20ª semana). Sinal de Puzos (rechaço fetal intrauterino).

Alterações mamárias (congestão e mastalgia, pigmentação das aréolas e surgimento dos tubérculos de Montgomery, aparecimento de colostro, rede venosa visível). Alterações na vulva e na vagina (sinal de Chadwik – coloração violácea vaginal, cervical e vulvar). Alterações no muco cervical (maior quantidade de muco e ausên- Percepção de movientos e partes fetais pelo examinador (a partir cia de cristalização com padrão arboriforme). de 18/20 semanas). Alterações cutâneas (estrias, hiperpigmentação da face – cloasma e linha nigra).

Tabela 2.4 *Avidez por substâncias sem poder nutritivo.

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CAPÍTULO

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Pré-natal Introdução Assistência pré-natal, também chamada antenatal, anteparto ou higiene da gravidez, consiste nos cuidados que visam proporcionar higidez ao organismo materno, pesquisando e tratando estados mórbidos preexistentes, orientando a gestante, amparando-a social e psicologicamente, educando-a para o parto e assegurando a perfeita estruturação somatopsíquica do nascituro. A consulta de pré-natal fundamenta-se no exame clínico geral e obstétrico, nos retornos periódicos, nos exames subsidiários e na preparação para o parto. Portanto, são objetivos do pré-natal:

confirmar a gravidez;

diagnosticar e então tratar doenças maternas, inclusive as preexistentes;

promover orientações higiênico-dietéticas;

O Ministério da Saúde recomenda no mínimo seis consultas de pré-natal, uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro.

A primeira consulta Como dito, a anamnese da primeira consulta pré-natal deve ser completa, buscando patologias ou fatores de risco que possam influir na saúde da mulher, do feto e da gestação. Assim, nela serão dados importantes a identificação da gestante, a idade, o estado civil, a profissão, a cor, a nacionalidade, a naturalidade e a procedência. Como em outras consultas médicas, o pré-natal não foge à regra, valorizando-se a queixa e a duração, a história pregressa da moléstia atual, o interrogatório sobre os diversos aparelhos, os antecedentes familiares, pessoais, ginecológicos e obstétricos.

No tocante aos antecedentes obstétricos, uma série de informações são importantes na anamne acompanhar a evolução gravídica, certificanse. Uma delas é a paridade da gestante, haja vista do-se de que a mesma ocorre normalmente; que determinadas doenças são mais prevalentes em diagnosticar e tratar intercorrências gestacionais; primigestas (por exemplo: DHEG), enquanto outras, promover atitudes preventivas, inclusive pre- em multíparas (por exemplo: rotura uterina). Deve-se parando a gestante para o parto e para os ressaltar que, em gemelaridade, condidera-se duas cuidados com o bebê. gestações e dois partos. Também é relevante saber A primeira consulta é a mais importante, sobre a evolução das gestações anteriores, pois alpois o Obstetra identificará situações de risco guns estados mórbidos tendem a recorrer em futuras que possam desencadear morbidades ao binômio gestações como, por exemplo, o trabalho de parto mãe-feto e tratará doenças preexistentes. O obstetra prematuro, o descolamento prematuro de placenta, aproveita este momento particular para estabelecer a gravidez ectópica, entre outros. Via de parto de vínculo de confiança médico-paciente, iniciando a jor- gestações anteriores é outra informação importante, nada que terá a duração média de 40 semanas, ou pois pode determinar como será o novo nascimento; 280 dias. Nesta a anamnese e o exame físico devem por exemplo, mulheres com duas ou mais cesarianas ser completos. anteriores devem ser submetidas novamente a esse


4 Pré-natal procedimento; além de indicar alguns riscos, como de placenta prévia. Cabe ainda colher informações sobre amamentação a fim de se detectar dificuldades prévias nesse sentido visando preparo para maior sucesso nesse sentido. Pesos de recém-nascidos de partos anteriores também podem ter correlação clínica, como, por exemplo, fetos macrossômicos associam-se a maior risco diabetes gestacional. A idade gestacional aos nascimentos também é informação relevante, na medida em que partos prematuros apresentam chances altas de recorrência, e medidas preventivas podem ser adotadas. Sobre a gestação atual, pergunta-se à paciente o tempo de amenorreia. Com o uso da regra de Naegele, obtém-se a data provável do parto – DPP – e o tempo de gestação. Essa regra fundamenta-se no fato de se admitir que a gestação em humanos dura 280 dias, tempo este já citado por Aristóteles. Para obter a DPP, seleciona-se a DUM – primeiro dia da última menstruação – adiciona-se 7 ao número correspondente aos dias e subtrai-se 3 do número correspondente ao mês. Por exemplo, se a paciente refere que a última menstruação aconteceu em 7/4/2006 e terminou em 11/4/2006, então sua DUM é 7/4/2006, e DPP 7 + 7 / 4 - 3 / 2006 = 14/01/2007.

que no termo da prenhez e em condições de normalidade mede 90-92 cm. A fita métrica envolverá o abdome, passando ao nível da cicatriz umbilical. A medida sequencial da altura uterina, feita pelo mesmo médico, permite avaliar o crescimento uterino e, de certo modo, o desenvolvimento fetal, trazendo as hipóteses principais de macrossomia e polidrâminio, se elevada, e restrição de crescimento e oligoâmnio, se reduzida. A confirmação dessas condições deverá ser feita por ultrassonografia.

Figura 4.1 Mensuração da altura uterina.

Ao se referir à idade gestacional, dá-se preferência ao uso de semanas de gestação em vez de meses, pois os meses solares são irregulares, variando de 28 a 31 dias, enquanto as semanas são constantes. Desta forma, a gestação em humanos dura em média quarenta semanas.

Mensuração e palpação Na primeira consulta deve-se realizar exame físico geral completo, bem como o ginecológico (mamas, especular etc.). Na primeira, e igualmente em consultas subsequentes, sistematicamente será feito o exame obstétrico, com medida de altura uterina, palpação obstétrica e verificação dos batimentos fetais. Avaliação de PA e peso materno também deverão ser rotineiros. O exame obstétrico inicia-se pela mensuração da altura uterina. A extremidade da fita métrica, fixada no meio da borda superior da sínfise púbica, é estendida sobre a superfície mediana da parede abdominal pela borda cubital da mão até encontrar o fundo uterino. A altura do útero aumenta 4 cm a cada mês da gestação. Assim, no oitavo mês, a altura uterina atingirá, em condições normais, 32 cm, e 15 dias após, 34 cm. Nas primigestas, após a queda do ventre, ela retrocede e medirá 32 cm no termo da gestação. Nas multigestas, em que não se comprova a referida queda do ventre, a altura uterina pode alcançar, normalmente, valores de até 36 cm. Pode-se medir ainda a circunferência abdominal,

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Figura 4.2 Mensuração da circunferência abdominal. A palpação obstétrica tem por finalidade principal reconhecer a situação intrauterina do feto, sua apresentação e posição. Cabe aqui algumas definições:

situação: relação entre o maior eixo fetal e o maior eixo uterino, pode ser longitudinal, transversa vou oblíqua.

apresentação: parte fetal que ocupa o estreito superior e nele tende a se insinuar. Nas situações longitudinais pode ser cefálica ou pélvica, e nas transversas e oblíquas é córmica.

posição: lado materno em que se encontra o dorso fetal (ou acrômico nas situações transversas).

A palpação obstétrica pode ser realizada de

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duas maneiras, segundo as escolas francesa ou alemã. Pela escola francesa, liderada por Pinard, existem os seguintes tempos: exploração da escava (parte baixa da pelve), exploração do fundo uterino, exploração do dorso fetal.

Figura 4.6 Palpação dos flancos (dorso e membros).

Figura 4.3 Exploração da escava.

Figura 4.7 Manobra de Budin. A mão do auxiliar força a flexão fetal. Notar a saliência do flanco à direita. Figura 4.4 Palpação do fundo uterino (bimanual).

Figura 4.5 Pesquisa do rechaço cefálico (bimanual).

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Na escola alemã os tempos são: exploração do fundo uterino, exploração do dorso fetal, exploração da mobilidade cefálica – manobra de Leopold Zweifel ou Pawlick – e exploração do estreito superior. Algumas manobras complementares podem ser usadas para facilitar a palpação obstétrica. Chama-se manobra de Budin o recalcamento do fundo uterino para tornar mais acessível o dorso fetal. Nas apresentações defletidas de terceiro grau, também chamadas de apresentações de face, encontra-se o sinal do Golpe de Machado de Tarnier, produzido pela depressão occipitodorsal, ou seja, um sulco entre a cabeça e a coluna. Quando a apresentação é cefálica, diz-se que a escava (parte da pelve imediatamente acima da sínfise púbica) está totalmente ocupada; se a apresentação é pélvica, a escava está parcialmente ocupada; se córmica, a escava está vazia.

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4 Pré-natal

Figura 4.9 Tamanho aproximado de acordo com as semanas de gestação. Correlação entre o tamanho uterino e a IG Semanas Até a 6ª semana de gestação Na 8ª semana Na 10ª semana Na 12ª semana Na 16ª semana Na 20ª semana A partir da 20ª semana

Tamanho uterino Não ocorre alteração do tamanho uterino O útero corresponde ao dobro do tamanho normal Corresponde a três vezes o tamanho habitual Ocupa toda a pelve, sendo palpável na sínfise púbica Encontra-se entre a sínfise púbica e a cicatriz umbilical Situa-se na cicatriz umbilical Existe uma relação aproximada entre as semanas de gestação e a medida da altura uterina, e quanto mais próximo ao término da gestação, menos fiel é a correspondência.

Tabela 4.1

Ausculta obstétrica De grande importância é a ausculta obstétrica, que permite verificar a vitalidade fetal, a prenhez única ou múltipla, e ajuda na confirmação do diagnóstico da apresentação e posição do feto. É sinal inequívoco de gestação.

Figura 4.8 Manobras de Leopold. A: primeira manobra: posicione a(s) mão(s) sobre o fundo do útero e identifique a parte fetal. B: segunda manobra: use a superfície palmar de uma das mãos para localizar o dorso do feto. Use a outra mão para sen­tir as irregularidades, tais como mãos e pés. C: terceira mano­bra: use o polegar e o terceiro dedo para pegar a parte apre­ sentada da sínfise pubiana. D: quarta manobra: use ambas as mãos para delinear a cabeça fe­tal. Com a cabeça apresentada profunda na pelve, somente uma pequena parte pode ser sentida.

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Os batimentos cardíacos fetais podem ser ouvidos a partir da 20ª semana de gestação com a utilização do estetoscópio de Pinard, ou a partir da 10ª semana de gestação com a utilização do sonar-doppler. Considera-se normal, para fetos de termo, freqüências entre 110 a 160 batimentos por minuto, embora possam existir momentos de aceleração. Define-se como foco o ponto de maior audibilidade dos batimentos cardíacos fetais, que se encontra na parte torácica póstero-superior do feto. Nas apresentações cefálicas fletidas anteriores, o foco está entre os terços distal e médio da linha de Ribemont-Dessaignes, que vai da cicatriz umbilical à eminência ileopectínea, ipsilateral ao dorso do feto.

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gestação. A maioria dos autores considera 11 g% o limite inferior de normalidade da concentração plasmática de hemoglobina na gravidez. Também como normais são consideradas a hematimetria igual ou superior a 3,5 milhões/mm3 e o hematócrito igual ou superior a 30%. Há que se lembrar que a leucocitose (até 20 mil) é evento comum da gravidez, em especial à custa de neutrófilos segmentados e a partir da metade da gestação, e que a concentração plasmática de plaquetas mostra tendência a discreta diminuição. Diante de anemia é impositiva a pesquisa de verminose intestinal por exame protoparasitológico de fezes. Anemias com nível de hemoglobina abaixo de 8 g/dL devem ser referenciadas ao alto risco, as demais tratadas com altas doses de sulfato ferroso, visto que mais de 90% das anemias na gravidez são ferroprivas. Tipagem sanguínea: o conhecimento do grupo sanguíneo (ABO) e do fator Rh da gestante é necessário para que se possa selecionar aquelas com risco para a isoimunização. Quando Rh-negativo, é fundamental a tipagem sanguínea do pai da criança que está sendo gerada. Glicemia de jejum: presta-se para excluir o diabete clínico. Valores da glicemia de jejum iguais ou superiores a 85 mg/dL, em pacientes sem história de risco para diabete, indicam a necessidade de realização de teste oral de tolerância à glicose (TOTG 75). A recomendação atual do American Diabetes Association é a de que se utilize a glicemia de jejum como rastreamento na primeira consulta para as mulheres sem fator de risco para DM, seguindo-se a seguinte sequência:

Figura 4.10 Escuta obstétrica. Origem e propagação sonora dos batimentos cardíacos fetais nas apresentações cefálica fletida e defletida. C: estetoscópio de Pinard; D: ausculta fetal.

1. As gestantes com glicemia de jejum inferior a 85 mg/dL e sem fatores de risco são consideradas como rastreamento negativo. A investigação deve ser retomada entre 24 e 28 semanas com teste oral de tolerância à glicose com sobrecarga de 75g e três dosagens (TOTG 75), ou caso surjam intercorrências ao longo da evolução da gravidez vigente, como o excessivo ganho ponderal materno e estigmas fetais sugestivos de diabetes, aferidos pela assistência clínica e ultrassonográfica.

Exames subsidiários

O TOTG 75 baseia-se na coleta de glicemia de jejum, ingestão de 75 g de dextrose, e coletas de novas glicínias 1 e 2 horas pós sobrecarga. Os valores de referência são 92 mg/dL para jejum, 180 mg/dL para uma hora pós sobrecarga e 153 mg/dL para 2 horas. Um único valor alterado caracteriza diabetes gestacional.

Hemograma completo – fundamental para que se possa rastrear as anemias, importando que se considerem as modificações fisiológicas do organismo materno para a sua interpretação. O maior aumento do volume plasmático em relação ao crescimento da massa eritrocitária conduz à hemodiluição e altera os valores normais da série vermelha, caracterizando o quadro de anemia fisiológica da

2. No caso de gestantes com glicemia de jejum entre 85 mg/dL e 92 mg/dL, associadas ou não a fatores de risco, ou aquelas com glicemia de jejum menor que 85 mg/dL, mas com fatores de risco, devem ser consideradas como rastreamento positivo e prosseguir para a segunda fase, que é a realização do TOTG 75 imediatamente. Caso esse esteja normal será repetido com 24 a 28 semanas.

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4 Pré-natal 3. Se a glicemia de jejum for maior ou igual a 92 mg/dL, a gestante é considerada portadora de diabetes. Um vez feito o diagnóstico, ela deverá ser encaminhada para um centro de referência, com uma equipe multiprofissional especializada na assistência à gestante diabética. Tal assistência contribuirá de maneira marcante para o bom resultado materno-perinatal. Pesquisa de infecções congênitas – a seguir são listados os exames que devem ser realizados no plasma materno para rastrear, durante a assistência pré-natal, as principais infecções congênitas, todas importantes causas de morbidade e de mortalidade perinatal. No entanto, são obrigatórios pelo Ministério da Saúde apenas: VDRL, HIV, HbsAg, toxoplasmose IgM. VDRL (veneral disease research laboratory) para a sífilis. Deve ser solicitado VDRL (Veneral Disease Research Laboratory) para triagem na primeira consulta do pré-natal. Se o VDRL for negativo, a recomendação do Ministério da Saúde é repeti-lo no terceiro trimestre e novamente na internação para o parto. Se o VDRL for positivo, o ideal seria a realização de um teste treponêmico (FTA-Abs) para excluir falso-positivo (que pode estar relacionado com a própria gestação ou com doenças concomitantes, como o lúpus). Se o FTA-Abs for positivo, deve ser prescrito tratamento para sífilis. Em caso de paciente de difícil seguimento ou impossibilidade de realizar o FTA-Abs prontamente, justifica-se prescrever tratamento imediatamente após o resultado de VDRL positivo, mesmo sem exame confirmatório, excetuando-se valores menores que 1:8 em mulheres já submetidas a tratamento prévio, pois é possível cicatriz sorológica. Nesse caso, acompanha-se para verificar se há aumento do VDRL, que indicaria doença ativa. Atualmente tem-se usado teste rápido treponêmico, que servirá de triagem para maior investigação caso positivo. IgM e IgG pela técnica ELISA (enzyme linked sorbent assay) para toxoplasmose. O melhor seria a dosagem tanto de IgG quanto de IgM para toxoplasmose. O IgG permanecerá detectável na corrente sanguínea da pessoa infectada a vida inteira, enquanto os níveis de IgM estarão positivados por até 2 anos. Essa longa permanência de IgM na toxoplasmose a diferencia das demais infeções e dificulta o reconhecimento do momento da infestação em alguns casos, ou seja, se a mulher foi contaminada na gravidez ou antes dela. Esta informação é importante já que a forma lesiva ao feto é de taquizoítos, presente apenas nos primeiros dias de infeção de imunocompetentes. Assim criam-se três cenários sorológicos para esta doença, que costuma ser assintomática em indivíduos saudáveis:

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– IgG e IgM negativos: indica susceptibilidade, nunca houve contato com parasita. A sorologia deve ser repetida nos trimestres subsequentes. Orientar profilaxia (verduras bem lavadas, carne bem cozida). –  IgG positivo e IgM negativo: trata-se de infecção muito antiga, em imunocompetentes não há risco de recorrência. – IgG e IgM positivos: nesse caso, a doença pode ter acontecido em qualquer dia nos últimos dois anos, o que pode ou não incluir o período gravídico. Há duas formas de se dirimir tal dúvida: pelo comportamento dos níveis de IgM, que de negativos passam a positivos na doença recente, ou por meio de teste de avidez de IgG. * Anticorpos IgG com alta avidez indicam infecção antiga e excluem infecção aguda nas últimas 16 semanas. * Anticorpos com baixa avidez geralmente indicam infecção aguda. Após as 16 semanas, mesmo com avidez alta, não se pode excluir infecção adquirida na gestação. Isso porque a avidez do IgG ao antígeno demora cerca de 16 semanas para se tornar alta. A diferenciação entre infecção antiga ou recente é extremamente relevante para a decisão da conduta, já que o risco para o feto existe apenas em caso de primoinfecção aguda durante a gestação atual, sendo praticamente inexistente em casos de infecção antiga ou reinfecção. Em casos de infecção aguda durante a gestação é importante também definir a idade gestacional em que ela ocorreu: com o avançar da gravidez, aumenta o risco de infecção congênita, porém diminui a gravidade do acometimento fetal. De qualquer forma, constatada possibilidade de que a doença tenha sido adquirida na gravidez (IgG e IgM positivos com avidez baixa ou desconhecida antes de 16 semanas, IgM que positiva na gravidez), cabe investigação de contaminação fetal, por PCR do DNA do toxoplasma em amostra de líquido amniótico colhida por amniocentese. Mulheres que contraíram toxoplamose na gravidez, mas não possuem contaminação fetal, devem receber espiramicina 3g/dia até o final da gravidez, como forma de paralisar taquizoítos porventura fixados na placenta. Aquelas que tem feto contaminado fazem tratamento com sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico, alternado semanalmente com espiramicina, na tentativa de se tratar o feto. A sulfadiazina deve ser retirada após 36 semanas de gravidez, a partir de quando pode levar a anemia fetal.

HBsAg para a hepatite B Recomenda-se o rastreamento da hepatite B mediante pesquisa do HBsAg no terceiro trimestre,

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independentemente de haver fatores de risco identificáveis (história de hepatite, transfusões sanguíneas e uso de drogas injetáveis). Se a gestante for HBsAg-positivo, deve-se encaminhar a paciente para atenção especializada. Nesses casos, além de vacina, o nascituro receberá imunoglobulina. A transmissão materno-fetal pode ocorrer intraútero, no momento do parto ou após o parto. A alta eficácia da vacinação do RN sugere que a maioria das infecções ocorre durante ou após o parto e que a transmissão transplacentária é muito rara. O risco da transmissão tem relação direta com o status de replicação em que se encontra a mãe (86-90% em mães com HBeAg-positivo e 32% em mães com HBeAg-negativo – a positividade desse antígeno indica replicação viral). A conduta está resumida na Tabela 4.2. A amamentação não parece aumentar o risco e não há indicação formal de suspensão de aleitamento materno em filhos de mulheres HbsAg-positivo que tenham recebido profilaxia neonatal. Não há evidências de que a cesariana eletiva dimínua os riscos de transmissão vertical.

Conduta em caso de gestantes portadoras do HBsAg Mães HBsAg+

HBsAg desconhecido

HBsAg–

Vacina 1ª dose HBIG (0,5 mL) 2ª dose 3ª dose 1ª dose HBIG (0,5 mL) 2ª dose 3ª dose 1ª dose 2ª dose 3ª dose

Idade até 12 horas até 12 horas 1 mês 6 meses até 12 horas até 12 horas 1 a 2 meses 6 meses ao nascer 1 a 2 meses 6 a 18 meses

Tabela 4.2

Sorologia anti-HIV pela técnica ELISA para HIV/aids O teste deve ser realizado na primeira consulta de pré-natal e repetido a cada trimestre. Antes da solicitação do teste, deve-se obter consentimento por parte da paciente e informá-la sobre as consequências em caso de teste positivo ou indeterminado. A estratégia recomendada como padrão-ouro para o diagnóstico de HIV é a combinação de dois imunoensaios enzimáticos diferentes mais um ensaio confirmatório com Western Blot ou imunofluorescência. Isso aumenta a sensibilidade, porém apresenta algumas restrições operacionais, e o resultado demora até duas semanas, podendo dificultar o acompanhamento de pacientes e retardar o início do tratamento. Como alternativa, pode-se chegar ao diagnóstico com dois testes rápidos distintos positivos.

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O pré-natal da paciente HIV positivo deve ser diferenciado, incluindo uma avaliação clínica complementada com a laboratorial. Devem ser solicitados, além de VDRL, HBsAg e sorologia para toxoplasmose, rastreamento para outras DSTs, teste de Mantoux, anti-HCV, citomegalovírus e herpes (principalmente nas paciente já imunodeprimidas), dosagem de plaquetas, CD4, carga viral e provas de função hepática e renal. A paciente deve receber acompanhamento concomitante por um médico infectologista.

IgM e IgG pela técnica ELISA para rubéola O Ministério da Saúde não recomenda rastreamento de rotina para rubéola na gestação. No caso de gestantes no início da gravidez com suspeita de infecção ou com história de possível exposição à doença, há consenso de que a solicitação da sorologia está indicada. De qualquer forma não há atitude curativa ou que minimize os efeitos da doença, pré ou pós-parto. Em caso de infecção aguda durante a gestação, sabe-se que os defeitos congênitos mais graves ocorrem quando a infecção aguda acontece no primeiro trimestre da gestação. A síndrome da rubéola congênita se caracteriza por catarata, surdez e cardiopatia. Mulheres suscetíveis a rubéola (IgG e IgM negativos) não podem ser vacinadas na gravidez, devendo-se aguardar o pós parto, pois a vacina é de vírus vivo atenuado. Caso a vacinação tenha acontecido acidentalmente, basta tranquilizar a gestante, pois é rara a rubéola congênita por vírus vacinal.

IgM e IgG pela técnica ELISA para a citomegalovirose Apesar da alta prevalência, o rastreamento de rotina não é recomendado, devido à ausência de um tratamento efetivo que possa ser administrado durante a gestação para prevenir ou reduzir a morbidez da doença para o feto. Em gestantes imunossuprimidas (HIV-positivo, transplantadas), entretanto, a realização de sorologia para CMV está indicada. Vale ressaltar que IgG positivo não garante imunidade dada a variedade de sorotipos virais, de qualquer forma a primoinfecção materna costuma ter maior gravidade fetal.

Rastreamento de Streptococus do grupo B A partir de 2002, o CDC passou a recomendar que seja realizado o rastreamento universal das gestantes com cultura de swab vaginal e anal para identificar a colonização pelo SGB entre 35 e 37

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4 Pré-natal semanas de gestação. Essa visa estabelecer a necessidade de profilaxia contra infecção neonatal por essa bactéria no momento do parto. O Streptococcus do grupo B (SGB) acomete o neonato pela transmissão vertical intraparto, causando infecções graves, como sepse neonatal precoce, pneumonia e meningite, além disso a colonização materna por SGB está associada a infecções do trato urinário, corioamnionite, endometrite, sepse e meningite na gestante. Estima-se que 10 a 30% das gestantes sejam colonizadas pelo SGB, e 63% dessas pacientes não apresentam qualquer fator de risco. Se houver positividade da cultura e o parto for normal, indica-se profilaxia, desnecessária em culturas negativas. Se a cultura for desconhecida as gestantes são candidatas a profilaxia antibiótica intraparto, se: urocultura positiva para SGB na gestação atual (colonização maciça do trato genital); RN de gestação anterior acometido por sepse neonatal por SGB; trabalho de parto pré-termo (menos de 37 semanas); RPMO por 18 horas ou mais e febre de origem indeterminada durante o trabalho de parto. A urinocultura positiva, ou passado de infecção neonatal por estreptococo, torna desnecessária a coleta dos swabs, pois já indicará profilaxia. O esquema recomendado é uma dose de ataque de penicilina G cristalina 5.000.000 UI e, após, 2.500.000 UI de 4/4 horas até o momento do parto. Alternativamente pode ser usada ampicilina 2 g de ataque e 1g IV de 4/4h até o parto. Mulheres com alergia a betalactâmicos devem receber clindamicina. A resistência bacteriana a esses antibióticos exige o uso de vancomicina.

Exame de urina O EAS (ou urina Tipo I) e a urinocultura no caso de alteração da primeira, deverão ser solicitados trimestralmente. Para as pacientes com histórico de infecções urinárias, prematuridade ou litíase, a periodicidade ideal é mensal, já que as alterações da anatomia e da fisiologia do trato urinário impostas pela gravidez facilitam o desenvolvimento de bacteriúria assintomática. Até 40% dos casos de bacteriúria assintomática não tratados podem evoluir para pielonefrite, situação que cursa com risco de trabalho de parto pré–termo de até 20% e sepse neonatal precoce. Esses dados justificam, portanto, o tratamento rigoroso da bacteriúria assintomática (além do tratamento da infecção sintomática) na gestação. Após 7 a 10 dias do término do tratamento, deve-se realizar nova urocultura para controle de cura. A presença de uma pielonefrite na gravidez, malformações urinárias maternas ou recorrência de ITU requerem profilaxia até o final da gestação, preferencialmente com cefalexina 500 mg/dia. Cabe ressaltar que infecção urinária é a principal causa de internação não obstétrica em gestantes.

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Exame parasitológico de fezes Infestações crônicas e maciças, cada vez mais raras, podem conduzir a deficiências nutricionais, anemias e síndromes de má-absorção. Assim, o exame de fezes será obrigatório sempre que houver anemia materna e, se possível, o tratamento deve ser estabelecido.

Exames de secreção vaginal e citopatológico cervical As vulvovaginites devem ser identificadas e tratadas na gestante. Existem estudos que associam a vaginose bacteriana a trabalho de parto pré-termo, ruptura prematura de membranas, endometrite puerperal e até morte fetal intrauterina. Há evidências de que, fazendo-se o rastreamento e tratamento das gestantes com vaginose, seja possível reduzir pelo menos a frequência de um dos desfechos associados (trabalho de parto prematuro). Como para muitas pacientes a gestação é uma rara oportunidade de ser avaliada por um médico ginecologista, deve-se aproveitar a primeira consulta para a realização do exame citopatológico cervical, caso haja indicação.

Ultrassonografia Embora não seja comprovada a redução da morbidade fetal com esse exame, no acompanhamento da gestação de baixo risco há que se solicitar, no mínimo, uma ultrassonografia entre a 20ª e a 26ª semana de gravidez, ocasião em que o método ainda exibe razoável precisão na estimativa da idade da prenhez e as malformações estruturais maiores do concepto já se mostram. Quando possível, e conforme orientação do Fetal Medicine Foundation, da Inglaterra, aconselha-se a realização de três exames ecográficos ao longo da gestação normal: 1) USG morfológico de primeiro trimestre - pela via vaginal ou abdominal, entre 11 e 13 semanas e 6 dias, para verificar o número de embriões, diagnosticar a implantação do saco gestacional, estimar a idade da prenhez, atestar a vitalidade ovular, mensurar a translucência nucal e outros marcadores de cromossomopatias. 2) USG morfológico de segundo trimestre pela via transabdominal, entre 20 e 24 semanas, para confirmar a implantação placentária, estimar o volume do líquido amniótico e investigar a morfologia fetal. 3) USG Obstétrico com ou sem Doppler colorido - próximo ao termo da gestação, ainda pela via transabdominal, para avaliar o crescimento fetal, estimar o seu peso e o volume do líquido amniótico, estudar a maturidade placentária e investigar a vitalidade fetal.

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Rastreamento das doenças cromossomiais Embora não seja conduta universalmente aceita, o rastreamento rotineiro das doenças genéticas do concepto durante a assistência pré-natal pode ser conseguido:

pela mensuração ultrassonográfica da translucência nucal, com 11-13 semanas e 6 dias de gravidez.

pela solicitação de marcadores bioquímicos dosados no plasma materno. No primeiro trimestre da gestação, o teste duplo: b-hCG livre e proteína plasmática A associada à gravidez – PAPP-A. No segundo trimestre, o teste triplo: estriol, alfafetoproteína e b-hCG.

por marcadores outros, caso o risco baseado nos marcadores acima seja intermediário, como a ausência do osso do nariz, a alteração da dopplerfluxometria do ducto venoso no primeiro trimestre da gravidez, a regurgitação tricúspide e o ângulo maxilofacial.

Determinação da idade gestacional As condutas assumidas durante a gravidez dependem do correto e seguro diagnóstico da idade gestacional. Na ausência ou na imprecisão da data da última menstruação, parâmetro principal para o cálculo da idade da prenhez, alguns elementos clínicos e laboratoriais são de grande valia: O útero é órgão intrapélvico até 12 semanas de gravidez. Palpa-se o fundo uterino acima da sínfise púbica a partir de 12 semanas de prenhez, a meio caminho da cicatriz umbilical em torno de 16 semanas e tangenciando essa região do abdome materno por volta de 20 semanas. Os movimentos fetais são percebidos entre 16 e 20 semanas. Com o sonar-doppler consegue-se auscultar os batimentos cardíacos do concepto a partir de 10 semanas de gestação, e com o estetoscópio de Pinard, a partir de 20 semanas. A biometria fetal obtida pelo exame ultrassonográfico estima a idade gestacional com precisão média de uma semana, para mais ou para menos, no primeiro trimestre da gravidez; de duas semanas, no segundo trimestre; e de três semanas nos últimos três meses da gestação. A maneira mais precisa de se chegar à idade gestacional é por meio da medida do CCN (comprimento crânio-nádega) do embrião entre 8 e 12 semanas.

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Aconselhamento e recomendações Quanto ao aconselhamento à gestante, a atenção deve ser dirigida para: higiene corporal, vestuário, exercícios físicos, função gastrointestinal, ptialismo, tonturas e vertigens, câimbras, palpitações, viagens, cirurgias, coito, tabagismo, álcool, drogas, vacinações e nutrição. A higiene não deve ser descuidada, mantendo-se banhos mornos diários, evitando-se banhos de imersão ou duchas vaginais. O vestuário deve favorecer o conforto e a comodidade. Meias elásticas de média ou forte compressão são recomendadas por favorecerem o retorno venoso prejudicado pela compressão uterina da veia cava. Exercícios físicos moderados são permitidos, respeitando-se os limites gravídicos, que impõem mudanças posturais, cardiovasculares, pulmonares e instabilidade articular. Vale lembrar que o exercício físico excessivo pode levar à hipertermia (> 38ºC) que, por sua vez, pode causar dano fetal. O que se recomenda é que é possível manter a carga pré-gravídica, mas não a aumentar. Com relação à função gastrointestinal, é quase regra a constipação durante a gestação, graças a ação relaxaste da progesterona sobre a musculatura lisa. Para contorná-la, recomenda-se a ingestão de frutas, grãos integrais, vegetais, ameixa preta e, se necessário, laxantes. É relativamente comum a queixa de pirose retroesternal, relacionada ao refluxo gastroesofágico devido ao deslocamento gástrico promovido pelo crescimento uterino, e por causa do relaxamento do esfíncter inferior do esôfago também pela ação da progesterona. Para combatê-lo, deve-se evitar a ingestão de grandes volumes hídricos e reduzir a quantidade de alimentos em cada uma das refeições, fracionando-as. Não deitar após as refeições e não ingerir bebidas gasosas são outras medidas úteis. Náuseas e vômitos ocorrem até 16 semanas de gestação, com pico entre 8 e 10 semanas, incidindo principalmente no período da manhã, tem causa desconhecida mas provavelmente relacionada ao hCG, já que coincide com seu pico sério. O ptialismo ou sialorreia é frequente no primeiro trimestre, podendo persistir até fases mais avançadas da gravidez. Tonturas e vertigens são justificadas pela maior labilidade neurovegetativa, também melhorando com o evoluir da gestação. As cãimbras são relacionadas à hipocalcemia e, apesar do uso de agentes terapêuticos como tiamina, fisostigmina e cocarboxilase, seu tratamento ainda é empírico, orientando-se o parceiro da paciente a realizar massagens quando elas ocorrerem. As viagens aéreas após a 36ª semana são desaconselhadas, mas se necessárias devem ser feitas na companhia de um médico. Também deve-se evitar viagem de longa duração em fases precoces da gestação. Em viagens aéreas

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4 Pré-natal ou rodoviárias de longa duração recomenda-se uso de meia elástica. Apesar de incômodo, o uso do cinto de segurança é fundamental, de preferência o cinto de três pontas, para evitar o choque ventre materno contra o volante ou contra o painel do carro.

Acrescente-se a isso o agravo fetal observado quando do alcoolismo crônico (dependência química) decorrente da agressão adicional ao concepto imposta por doenças orgânicas maternas como a desnutrição, a anemia megaloblástica e a insuficiência hepática, frequentes entre os dependentes da droga.

As cirurgias, sempre que possível, são contraindicadas. Fica ao critério do obstetra da paciente indicar o melhor momento para realizá-las. Entretanto, ressalta-se que cirurgias realizadas no primeiro trimestre aumentam o risco de perda fetal.

Todas as drogas ilícitas têm associação com desfechos adversos na gestação, devendo ser contraindicadas. O uso de cocaína/crack está associado a deslocamento prematuro da placenta, ruptura prematura de membranas, hipertensão arterial, proteinúria e convulsões.

O coito é permitido até o momento do parto, salvo se houver contraindicações formais como placenta prévia, amniorrexe prematura ou trabalho de parto prematuro. O tabagismo está totalmente contraindicado na gestação, sendo relacionado à calcificação placentária, à prematuridade, ao crescimento intrauterino restrito e à ruptura prematura das membranas ovulares. O etanol é considerado teratogênico e seus efeitos sobre o feto dependem da dose diária ingerida, efeitos esses mais evidentes quando a droga é consumida no primeiro trimestre da gestação. A quantidade segura para o uso do álcool pela grávida ainda não foi estabelecida, assim, por prudência, aconselha-se abstinência às gestantes ou às mulheres que pretendem engravidar. É certo que o uso moderado da droga, cerca de 30 mL/dia (duas doses de bebida destilada, em média), se associa à prevalência aumentada de abortamento espontâneo e que seu uso mais intenso e por períodos mais prolongados pode se manifestar por um quadro completo, Síndrome Alcóolica Fetal (SAF), ou incompleto, Efeito Alcóolico Fetal. A primeira apresenta uma prevalência de 1/1.000 nascidos vivos no Brasil e se caracteriza por restrição do crescimento, fissura palpebral pequena, ptose palpebral, hemiface achatada, orifícios nasais orientado anteriormente, filtro do lábio superior liso e fino, microcefalia, hipotomia, irritabilidade e dificuldade de vínculo.

As radiografias devem ser evitadas, mas podem ser realizadas quando forem extremamente necessárias. As vacinas com germes vivos ou atenuados são contraindicadas na gestação, a exceção da vacina de febre amarela, em casos de extrema necessidade (vírus vivo atenuado: sarampo, caxumba, varicela, rubéola, SABIN). As vacinas com vírus inativado são permitidas se forem necessárias (Influenza A e B, poliomielite do tipo IPV, raiva). Vacinação com toxoide tetânico e com vacinas de vírus mortos ou inativos não acarreta problemas. Para a profilaxia do tétano neonatal indica-se a vacinação antitetânica no 3º trimestre, cujas doses devem ter intervalo mínimo de um mês. Nas gestantes não vacinadas indica-se três doses, iniciando após o 5º mês de gestação, com intervalos de oito semanas. Se há vacinação incompleta, então devem ser aplicadas as doses necessárias para completar. Caso a vacinação esteja completa há menos de cinco anos, não há necessidade de reforço. Porém, se estiver completa há mais de cinco anos, então, é necessário aplicar uma dose de reforço. Também é disponível a todas as grávidas, e deve ser aplicada entre 27 e 36 semanas de gravidez, a vacina contra coqueluche, que geralmente vem associada a difetria e tétano (DPTa ou tríplice bacteriana acelular). Essa passou a ser de uso universal para que anticorpos contra as bactérias da coqueluche passem para o feto protegendo-o nos primeiros meses de vida. Na Europa, pela estratégia chamada de Cocoon, vacinam-se todos aqueles que mantém contato com o recém-nascido.

Vacinação antitetânica na gestação Situação

Conduta

Não vacinadas ou passado vacinal ignorado

Aplicar três doses da vacina, com intervalo de oito semanas a partir da 20ª semana. Se estiver em fase avançada da gestação, realizar duas doses (medida que já protege o feto) e realizar a terceira no puerpério. Se não houver tempo para as duas doses, reduzir o intervalo para quatro semanas

Vacinação incompleta (1 ou 2 doses)

Completar o total de três doses, com intervalo de 8 semanas a partir da 20ª semana

Vacinadas com esquema completo e última dose há Aplicar uma dose de reforço logo que possível mais de cinco anos Vacinadas com esquema completo e última dose há Imunizadas menos de cinco anos

Tabela 4.3

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Vacinação na gestação Tipo

Recomendação

Inativa e recombinante

Hepatite B Influenza, gripe H1N1 Raiva e hepatite A Febre amarela Sarampo, caxumba, rubéola, varicela H. influenzae N. meningitidis Pneumococcus

Vírus inativo ou morto Vírus inativo ou morto Vírus vivo e atenuada Vírus vivo e atenuada Polissacarídeos Polissacarídeos Polissacarídeos

Sem riscos para o feto. Vacinar na gravidez, se houver alto risco para adquirir a doença (profissionais de saúde, usuárias de drogas, contato sexual com portadores, politransfundidas) Vacinar na gravidez, se o 2o e 3o trimestres coincidirem com os meses de outono e inverno ou se a gestante estiver em condições médicas de alto risco Podem ser usadas na gestação Não deve ser aplicada em gestantes ou mulheres que pretendam gestar nos próximos três meses. Só deve ser feita em casos de exposição iminente Não devem ser aplicadas em gestantes ou mulheres que pretendam gestar nos próximos três meses Pode ser usada na gravidez Pode ser usada na gravidez, mesmas indicações das não gestantes Pode ser usada na gravidez, especialmente em pacientes transplantadas, cardiopatas, pneumopatas, hepatopatas, alcoolistas, diabéticas, asplênicas, nefropatas crônicas ou imunossuprimidas

Tabela 4.4

Aspectos nutricionais

Recomendações para o ganho de peso na gestação de acordo com o IMC pré-gestacional

A assistência pré-natal, do ponto de vista da medicina preventiva, salienta o aspecto nutricional. Idealmente, a mulher deveria estar eutrófica ao engravidar. As desnutridas têm maior risco de parir recém-nascidos de baixo peso, enquanto as obesas, conceptos macrossômicos. Assim, a avaliação antropométrica pré-gestacional é realizada para diminuir os agravos perinatais e nutricionais, por meio de um plano de ganho ponderal no evoluir da gravidez. O método antropométrico mais utilizado atualmente, que tem estrita relação com a quantidade de gordura corporal, é o índice de massa corporal (IMC), obtido da divisão do peso pré-gestacional (em kg) pelo quadrado da estatura (em m2).

Categorias de peso corporal de acordo com o índice de massa corporal (IMC) Categoria IMC Baixo peso

IOM (kg/m2)

OMS (kg/m2)

< 19,8

< 18,5

Peso normal

19,8 - 26

18,5 - 24,9

Sobrepeso

26,1 - 29

25 - 29,9

Obesidade classe I

< 29

30 - 34,9

Obesidade classe II

35 - 39,9

Obesidade classe III

≥ 40

Tabela 4.5 Na revisão das recomendações de ganho de peso gestacional publicada recentemente pelo IOM (Institute of Medicine, 2009), os pontos de corte da classificação da OMS foram incorporados e, mais importante, foi determinado um ganho de peso específico para gestantes obesas (Tabela 4.6).

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IMC pré-gestacional (kg/m2) Baixo peso (> 18,5) Peso normal (18,5 - 24,9) Sobrepeso (25,0 - 29,9) Obesa ( ≥ 30)

Ganhototal de peso (kg) 12,5 - 18 11,5 - 16 7 - 11,5 5,9

Taxa de ganho de peso no 2o e 3o trimestres (kg) 0,51 (0,44-0,58) 0,42 (0,35-0,50) 0,28 (0,23-0,33) 0,22 (0,17-0,27)

Tabela 4.6 O IMC pré-gestacional mostrou-se preditor independentemente de vários desfechos adversos da gestação, portanto as mulheres devem ser orientadas a iniciar a gestação com o IMC dentro da categoria de peso normal. Mulheres nas categorias mais altas de IMC podem necessitar de cirurgia bariátrica para atingir o peso adequado antes da concepção. Revisões sistemáticas sugerem que os desfechos da gestação entre mulheres submetidas à cirurgia bariátrica são melhores do que entre aquelas que permanecerem obesas. Não há evidências para recomendar ganho de peso diferenciado em adolescentes, entre mulheres de diferentes etnias e em mulheres com baixa estatura (< 1,57 m). Para mulheres com gestações múltiplas, as recomendações provisórias são baseadas em dados cumulativos de mulheres com gestação gemelar com peso de nascimento ≥ 2.500 g e idade gestacional de nascimento entre 37-42 semanas: em mulheres de peso normal – 17 a 25 kg; com sobrepeso – 14 a 23 kg; em mulheres obesas – 11 a 19 kg. Não há evidência, nem mesmo para recomendações provisórias, de ganho de peso em mulheres com baixo peso e gestação múltipla.

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4 Pré-natal Para mulheres com gestação tripla, o ganho médio de peso foi de 20,5 a 23 kg durante a 32ª e 34ª semanas; e, para quádruplos, de 20,8 a 31 kg durante a 31ª e a 32ª semana. Rosso (1985), que propôs a utilização da relação peso/estatura na avaliação do estado nutricional materno, recomenda que todas as mulheres alcancem, no final da gestação, 120% do padrão peso/estatura, com um ganho de peso maior ou menor, dependendo da relação peso/estatura pré-gestacional. A curva de avaliação do estado nutricional proposta por Rosso tem como objetivo, então, avaliar o ganho de peso com base na adequação do peso/estatura, de acordo com a idade gestacional, possibilitando, além do diagnóstico nutricional na primeira consulta, o monitoramento do ganho ponderal na gestação, tendo a vantagem de se constituir em instrumento de fácil execução e baixo custo, sendo por essa razão recomendada pelo Ministério da Saúde (Brasil, Ministério da Saúde, 1988).

Cereais

Legumes

Frutas

Produtos Lácteos

Carnes e feijões

Óleos e Gorduras

Figura 4.11 ova pirâmide de guia alimentar.

As gestantes precisam, considerando que o feto está em desenvolvimento, de maior quantidade de nutrientes e, por isso, elas acabam aumentando o consumo tanto de vitaminas do complexo B, como a B6 (2,5 mg) e a B12 (4 mg), como também de ácido fólico (0,8 mg). Em alguns países, a suplementação sistemática de ácido fólico é preconizada em todas as mulheres na faixa etária reprodutiva, a fim de prevenir a ocorrência de defeitos do tubo neural no concepto. No Brasil, este nutriente vem acrescentado à farinha conforme lei federal. A maior compreensão atual sobre o metabolismo do ácido fólico, a homocisteína e as vitaminas do complexo B sobre a morfogênese do tubo neural tem realçado a importância da suplementação desses nutrientes não só no período pré-concepcional, como também no embriogênico. A dose preconizada de ácido fólico é de 400 mcg/dia da pré-concepção até 14 semanas, sendo que essa dose deve ser aumentada em 10 vezes a mulheres com histórico de filhos com defeito de tubo neutral, ou aquelas que fazem uso de anticonvulsivantes. É também de interesse clínico que a cianocobalamina (vitamina B12) só é encontrada nos alimentos de origem animal. A vitamina C fica reduzida no plasma em estado de estresse e nas tabagistas. Nesses casos, a suplementação desse nutriente (100130 mg) pode ser de grande valia. Quanto aos minerais, o ferro ingerido na alimentação, em geral, não é suficiente para suprir as necessidades do feto e da mãe. Assim, sua suplementação se faz necessária e é recomendada pelo Ministério da Saúde, a partir da 20ª semana, na dose de 30 a 60 mg de ferro elementar/dia, exceto em casos de anemia ferropriva, em que se eleva a dose para 120 a 150 mg de ferro elementar/dia.

Componentes do aumento de peso materno durante a gestação Aumento de peso (g) desde a concepção até a semana indicada 10ª 20ª 30ª

40ª

Depósitos de gorduras Líquido intersticial Sangue Útero Glândulas mamárias Total

Componentes maternos 310 2050 0 30 100 600 140 320 45 180 595 3180

3480 80 1300 600 360 5820

3345 1680 1250 970 405 7650

Feto Líquido amniótico Placenta Total Aumento de peso total

Componentes fetais 5 300 30 350 20 170 55 820 650 4000

1500 750 430 2680 8500

3400 800 650 4850 12500

Tabela 4.7

SJT Residência Médica

19


Obstetrícia | volume 1

CURVA-PADRÃO 150

150

140

140

D

130

130

B

110

140

30 35

Baixo peso

B

Normal

C

Sobrepeso

144

D Obesidade

146

100

148

120

150

50

152

55

110

154

100

A

160

70

162

80

80

166

164

10

15

20

25

30

35

40

Idade gestacional (Semanas)

Figura 4.12 Gráfico de aumento de peso para gestante. Evolução do ganho ponderal, localizando-se o peso auferido na primeira consulta, acompanhar o ganho ponderal, considerando se é normal, menor ou está abaixo do justificado pela idade gestacional.

95 100 105

115 120 125 130

80

168 170

90

172

90

75

85

174

85

110

65

90

75 80

60

158

90

70

40 45

156

Porcentagem do Peso / Altura

Peso (kg)

142

A

C

120

Porcentagem peso/altura

Altura (cm)

Categoria de estado nutricional

135

95 100

Figura 4.13 Nomograma para classificação da relação peso/altura da mulher (%).

Ingestão diária recomendada para gestantes

Energia (kcal) Proteínas (g) (RE µg) Vitamina A (µg) Vitamina D (µg) Vitamina E (TE, mg) Vitamina C (mg) Tiamina (mg) Riboflavina (mg) Niacina (mg) Vitamina B6 (mg) Vitamina B12 (µg) Folato (µg) Cálcio (mg) Fósforo (mg) Ferro (mg) Zinco (mg) Iodo (µg) Selênio (µg)

Mulheres adultas (19-50 anos)

Gestantes

Aumento (%) sobre a mulher adulta

2200 50 700 5 15 75 1,1 1,1 14 1,3 2,4 400 1000 700 18 8 150 55

2500 60 770 5 15 85 1,4 1,4 18 1,9-2,4 2,6-4 600 1000 700 27 11 220 60

14 20 10 0 0 13 27 27 29 46 8 50 0 0 50 38 47 9

Tabela 4.8 Terapêutica com sulfato ferroso na gestação Hb > 11 g%

Ausência de anemia. Administrar 300 mg (1 drágea) de sulfato ferroso (60 mg de Fe++ elementar)/dia: a partir da 20ª semana

Hb de 8 a 11 g%

Anemia leve ou moderada. Tratar com 900 mg/dia. Repetir Hb e Ht 4 a 8 semanas após. Se mantiver ou diminuir os níveis, referir para pré-natal de alto risco

Hb < 8 g%

Anemia grave, referir para pré-natal de alto risco

Tabela 4.9

20

SJT Residência Médica


CAPÍTULO

6

A grávida HIV+ Introdução Atualmente, cerca de 90% dos casos de HIV pediátrico são resultantes da transmissão vertical. A taxa de transmissão vertical do HIV sem qualquer intervenção situa-se na faixa de 25,5%, embora varie de acordo com a região, no entanto, com o uso de antirretrovirais, visando manter a carga viral em zero, há redução na transmissão em índices que variam de 0 a 2%. A realização de testes sorológicos justifica-se na conduta para mulheres grávidas pelo risco de transmissão vertical e horizontal (para os profissionais da saúde) e pela soroprevalência da infecção pelo HIV na população obstétrica. A Resolução nº. 95/00 do CREMESP torna dever do médico oferecer à mulher, durante o acompanhamento pré-natal, exames para detecção do HIV, com aconselhamento pré e pós-teste, resguardando o sigilo profissional. Deve ser lembrado que este diagnóstico é de caráter voluntário e confidencial, devendo constar da ficha médica o consentimento ou a recusa da paciente em realizá-los. Esse rastreamento da infecção pelo HIV na rotina pré-natal permite diagnóstico precoce e estabelecimento de conduta adequada. Quando negativos, os exames devem ser repetidos no 3º trimestre da gravidez. Foram desenvolvidos vários métodos de diagnóstico para o HIV. Não basta um teste de triagem positivo para confirmar a infecção. Atualmente o diagnóstico é feito por dois exames de ELISA positivos e um Western Blot (ou imunofluorescência indireta) confirmatório. Os testes rápidos, baseados na detecção de anticorpos anti-HIV, devem ser utilizados para determinar a doença na urgência permitindo a

adoção de profilaxia medicamentosa para a infecção pelo HIV. O diagnóstico, nesses casos, será estabelecido por dois testes rápidos distintos positivos.

T1+T2

NEG/NEG

NEG/POS

POS/NEG

POS+POS

T3 NEG Amostra negativa

POS Amostra positiva

Figura 6.1 Algoritimo para o diagnóstico da infecção pelo HIV utilizando testes rápidos. NEG: Negativo; POS: Positivo; T: Teste.

Influências da gestação sobre a infecção pelo HIV A gravidez cursa com certa depressão do estado imunológico, a qual poderia potencializar a imunodeficiência causada pelo HIV. Consequentemente, seria possível prever uma evolução clínica adversa, maior número de intercorrências, maior morbidade e menor sobrevida para gestante HIV+. De fato, nas pacientes com AIDS manifesta e acentuada depressão imu-


Obstetrícia | volume 1

nológica, subnutridas, com outras DSTs ou em uso endovenoso de drogas ilícitas, ocorre um sinergismo adverso não observado usualmente em gestantes portadoras assintomáticas.

Influências da infecção pelo HIV sobre o ciclo gravídico puerperal Todos os estudos evidenciam maior incidência de abortamento espontâneo, prematuridade, amniorrexe prematura, mecônio, RCIU, óbito fetal e infecção puerperal, principalmente quando a gestante se encontra em estádio clínico avançado com acentuado comprometimento imunológico. Não existe, no entanto, uma “embriopatia aidética” específica, como aventado por alguns autores.

Assistência pré-natal A patogênese da transmissão vertical está relacionada a:

fatores virais, como carga viral, genótipo e fenótipo viral;

fatores maternos, incluindo estado clínico e imunológico, presença de DST e outras coinfecções, estado nutricional da mulher e tempo de uso de antirretrovirais na gestação;

fatores comportamentais, como uso de drogas e prática sexual desprotegida;

fatores obstétricos, como tempo de rotura de membranas, via de parto e hemorragias intraparto;

fatores inerentes ao RN, como baixo peso e prematuridade;

fatores relacionados ao aleitamento materno.

A carga viral elevada e o tempo de rotura de membranas são os principais responsáveis na transmissão vertical do HIV. Dados epidemiológicos e de ensaios clínicos sugerem que mulheres que recebem terapia antirretroviral potente apresentam taxas muito baixas de transmissão materno fetal, estando amplamente comprovada a diminuição da carga viral plasmática. Além disso, está comprovado que a cesárea eletiva é um fator protetor da transmissão do HIV ao feto de mulheres com carga viral detectável. As gestantes com sorologia positiva para HIV devem ser acompanhadas por equipe multiprofissional, objetivando cobrir as diferentes necessidades do ciclo gravídico puerperal, incluindo as de origem social, familiar e emocional. É importante que o enfoque seja holístico, abrangendo o aspecto humano e não apenas médico-científico, tendo a participação de infectologista, ginecologista-obstetra, pedia-

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tra, enfermeiro, psicólogo, nutricionista e assistente social. O atendimento pré-natal oferecido dessa forma resultará em maior adesão da grávida HIV+ e, consequentemente, em melhor saúde para o concepto e para a mãe. Dois objetivos são primordiais na assistência pré-natal: a) Manutenção da saúde materna na melhor condição possível; b) Redução da taxa de transmissão vertical. O objetivo de reduzir a transmissão vertical requer a redução da carga viral, mantendo-a com níveis preferencialmente indetectáveis, e faz com que toda gestante infectada pelo HIV seja medicada com antirretroviral (ARV), independentemente de seu estado imunológico ou virológico. O Guia de Tratamento do Ministério da Saúde vigente, Recomendações para Terapia Antirretroviral em Adultos e Adolescentes, em suas orientações, torna imperativo o tratamento com múltiplas drogas na gestação. Segundo esse manual, pacientes com doença definidora de AIDS ou assintomáticos com T-CD4+ ≤ 350 células/mm³ devem receber terapia antirretroviral (TARV) imediatamente. As mulheres que já usavam tal terapia devem mantê-la, apenas trocando drogas contraindicadas na gestação, para as outras o esquema será com zidovudina + lamivudina + lopinavir/ritonavir. A resposta será avaliada pelo comportamento da carga viral, que deve cair 1 log em 30 dias, do contrário escolhe-se a medicação baseada na genotipagem do vírus. No caso de gestantes com T-CD4+ > 350 células/mm³, faz-se profilaxia com o mesmo esquema a partir de 14 semanas de gestação, ou assim que possível. Critérios laboratoriais para uso de AZT durante a gestação Hemoglobina > 8 g/dL Neutrófilos > 1.000 cél/mm³ TGP < 2,5 x o valor superior da normalidade Plaquetas > 100.000 cél/mm³ Creatinina < 1,4 mg/dL Obs.: Controle mensal Critérios para interrupção do uso do AZT na gestação Hemoglobina < 8 g/dL Neutrófilos < 750 cél/mm³ Creatinina > 1,4 mg/dL Transaminases 5x o valor superior da normalidade Obs.: Avaliar os riscos e benefícios da suspensão do AZT

Tabela 6.1 As consultas de rotina são mensais até a 32ª semana, quinzenais entre a 32ª semana e a 36ª semana, e semanais após esse período. Perante quaisquer intercorrências, devem ser agendadas outras consultas.

SJT Residência Médica


6  A grávida HIV + A avaliação clínica pelo infectologista segue a rotina de pacientes HIV+, com estadiamento clínico e imunológico, adoção, manutenção ou alteração da conduta terapêutica antirretroviral e profilaxia de infecções oportunistas quando indicada (ver Tabela 6.2). Deve-se fazer esquema de vacinação completo para hepatite B, diante de sorologia negativa. Agente oportunista

Condição imunológica

Pneumocystis jiroveci

CD4 < 200 cél./mm³

Toxoplasma gondii

CD4 < 100 cél./mm³

Medicação

Dose

Bactrim® Bactrim F® Bactrim® Bactrim F®

2 comprimidos/dia, 3x/semana 1 comprimido/dia, 3x/semana 2 comprimidos todos os dias 1 comprimido todos os dias

Tabela 6.2 Profilaxia de acordo com o CD4. O acompanhamento obstétrico precisa ser cuidadoso, atento às influências recíprocas entre a infecção pelo HIV (sobretudo em estado clínico mais avançado) e o ciclo gravídico puerperal, em especial prematuridade, aminiorrexe prematura, RCIU. A avaliação deve incluir exame ultrassonográfico (precoce e seriado, com estudo morfológico e de desenvolvimento fetal detalhados, principalmente pelo uso frequente de drogas durante a gestação), dopplerfluxometria, provas de vitalidade e de maturidade fetal, sendo contraindicados procedimentos invasivos pelo risco de sangramento e contato de sangue mãe-feto.

responderem mal ao esquema vacinal, elas podem apresentar complicações inerentes à vacina. O fato de haver possibilidade de um aumento da viremia após a imunização é um sinal para que se evite a administração de vacinas no final da gestação, pois é nesse período e durante o parto propriamente dito que os casos de transmissão vertical ocorrem em sua maior parte.

Intercorrências ginecológicas são comuns, principalmente vulvovaginites, HPV, NIC, sendo, portanto, necessária a avaliação rotineira de genitália externa, exame especular, colpocitológico e colposcópico.

Medidas para redução da taxa de transmissão vertical na gestação:

A propedêutica laboratorial, além da rotina do pré-natal de baixo risco, deve incluir exames de avaliação virológica (carga viral) e imunológica (CD4+ e CD8+), função renal e hepática (sobretudo pelo uso de medicamentos antirretrovirais), sorologia para toxoplasmose, rubéola, citomegalia, herpes, hepatites A, B e C, pesquisa de tuberculose (PPD ou Mantoux) e de DST (lues, gonorreia, HPV e infecção por Chlamydia ou Micoplasma). Em geral, são feitos hemograma e provas de função hepática (AST, TGP, bilirrubinas e fosfatase alcalina) mensalmente, além de carga viral e CD4 a cada dois a três meses. Os testes sorológicos para infecções (em especial lues e toxoplasmose), quando negativos, devem ser repetidos a cada três meses. Em gestantes portadoras do HIV, a imunização deve ser considerada quando o risco de exposição a determinado patógeno for alto, quando o risco de infecção tanto para a mãe quanto para seu recém-nascido for alto e quando a vacina disponível, sabidamente, não causar danos à saúde da mãe e a de seu recém-nascido. Como regra, as vacinas de vírus vivo ou bactérias vivas estão contraindicadas em pessoas portadoras do HIV, sendo seu emprego nessa população condicionado a uma análise individual de risco/benefício. As pessoas infectadas pelo HIV sintomáticas, ou com baixa contagem de linfócitos T-CD4+, em nenhuma circunstância devem ser imunizadas, pois, além de

SJT Residência Médica

A melhora das condições clínicas, a preservação e/ou recuperação imunológica e a supressão máxima da carga viral refletem acompanhamento pré-natal bem-sucedido.

Oferecer assistência pré-natal adequada, propiciando melhora da condição clínica e psicológica materna;

Adotar terapêutica antirretroviral com o intuito de reduzir ao máximo a carga viral (ver recomendações a seguir);

Evitar procedimentos invasivos, como amniocentese ou cordocentese;

Impedir comportamentos que tragam risco de novas infecções, como a não utilização de preservativos, número elevado de parceiros ou uso endovenoso de drogas ilícitas;

Evitar tabagismo, alcoolismo e nutrição inadequada.

Terapia antirretroviral em gestantes – recomendações

A escolha do esquema depende do estadiamento clínico, da carga viral e do CD4+, seguindo as mesmas indicações para o tratamento de adultos;

Caso a gravidez ocorra quando já há uso de medicação antirretroviral, o tratamento deve ser mantido, com consentimento da paciente, após esclarecimentos referentes aos riscos e benefícios do binômio mãe-feto. Deve-se trocar apenas as medicações contraindicadas na gravidez (efavirenz, darunavir etc.);

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Obstetrícia | volume 1

Não é recomendado o uso de dois análogos de nucleosídeos (NRTI) sem adição de um nucleosídeo não análogo (NNRTI) ou de um inibidor de protease, devido à inadequada supressão viral e ao rápido desenvolvimento de resistência a estes antirretrovirais;

Visando somente à profilaxia da transmissão vertical, o tratamento deve ser iniciado a partir da 14ª ou 28ª semana da gestação;

É considerada como boa resposta terapêutica a redução da carga viral maior ou igual a 1 log, dentro de um mês, e de 2 log, em três meses, ou quando o vírus não é mais detectável.

Para gestantes com indicação clínica, imunológica ou virológica, aconselha-se tratamento com AZT associado a outros antirretrovirais; Drogas antirretrovirais

NRTIs 3TC DdC* AZT DDI d4T Abacavir*

NNRTIs Delavirdina* Efavirenz* Nevirapina**

Inibidores de protease Indinavir** Nelfinavir*** Saquinavir Ritonavir Amprenavir* Lopinavir*

Novas drogas Inibidores de fusão Inibidores de receptores das citocinas

Tabela 6.3 *Proibido o uso na gravidez; **evitar na gravidez; ***retirado do mercado. de evolução muito rápida (< 1 hora), administrar a dose inicial em 30 minutos;

Parto Os conhecimentos acerca da transmissão vertical do HIV demonstram que entre 65 e 80% ocorrem durante ou próximo ao período intraparto, sugerindo que intervenções obstétricas, como o parto cesáreo, poderiam reduzir essas taxas. Vários estudos demonstraram o benefício adicional do parto cesáreo na redução da transmissão vertical em mulheres em uso de zidovudina. Diversos trabalhos científicos relatam não haver maior incidência de complicações puerperais e anestésicas após parto cesáreo em mulheres com HIV quando comparadas às soronegativas. Os dados existentes ainda são insuficientes para demonstrar o benefício da cesárea em mulheres com CV indetectável ou menor do que mil cópias/mL. Assim, nesses casos, deve-se considerar a via vaginal para o parto, caso as condições obstétricas sejam favoráveis. Portanto, segundo as recomendações do Ministério da Saúde, pacientes com carga viral maior/igual a 1.000 cópias por mL ou desconhecida devem ser submetidas à cesárea eletiva (antes do trabalho de parto e com membranas íntegras). Em pacientes com carga viral menor do que 1.000 cópias por mL ou indetectável, a via de parto tem indicação obstétrica. Para efeito de via de parto, considerar carga viral desconhecida, se realizada antes da 34ª semana de gestação.

Redução da transmissão vertical durante o trabalho de parto e o parto (vaginal ou cesáreo) Esquema de medicação

24

AZT, na 1ª hora de trabalho de parto, na dose de 2 mg/kg, por via EV, devendo ser mantida dose de 1 mg/kg/hora, até o parto. Em caso

Em cesáreas eletivas, se possível, administrar AZT por via endovenosa nas 4 horas precedentes à cirurgia: na 1ª hora, 2 mg/kg e nas seguintes 1 mg/kg/hora. A concentração intracelular máxima é atingida após 3 horas do início da medicação.

Atenção:

Evitar trabalho de parto prolongado;

Se previsto parto cesáreo eletivo e a mulher iniciar trabalho de parto espontâneo, então só deve ser realizada a cesariana se houver dilatação menor que 3-4 cm e bolsa íntegra;

Impedir mais de 4 horas de bolsa rota;

Evitar procedimentos invasivos, como monitoração interna ou escalpe fetal;

Impedir partos traumáticos, fórcipe e episiotomia;

Adotar técnica de cesárea com detalhes específicos, baseada em hemostasia cuidadosa de todos os planos, em especial no segmento inferior e, quando possível, a retirada do feto “empelicado”, sem rotura da bolsa amniótica.

Atualização em condutos clínicas e epidemiológicas para eliminação da transmissão vertical do HIV Para os recém-nascidos (expostos) de mães soropositivas ao HIV, resumidamente: iniciar a Zidovudina (AZT) nas primeiras 02 (duas) horas de vida, por via oral e por 6 semanas + Nevirapina (NVP) nos re-

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6  A grávida HIV + cém-nascidos ≥ 35 semanas de mães infectadas pelo HIV que não receberam antiretroviral na gestação, mesmo que a mãe tenha recebido AZT injetável no momento do parto. Não há estudos que comprovem benefício do início do AZT após 48 horas de vida. AZT

solução oral: 1 mL = 10 mg.

4 mg/kg/dose cada 12 horas.

NPV

solução oral: 1 mL = 10 mg.

peso ao nascer: 1,5 a 2 kg: 0,8 mg (0,8 mL)/ dose.   peso ao nascer: > 2 kg: 12 mg (1,2 mL)/dose. Doses

1ª dose nas primeiras 48 horas de vida.

2ª dose 48 horas após a 1ª dose.

3ª dose 96 horas após a 2ª dose.

Atenção:

Para a gestante que recebeu AZT durante a gestação, continua indicado apenas o AZT para o recém-nascido, em solução oral, 4 mg/kg/dose, de 12/12 horas, via oral por 6 semanas.

Para os RN com idade gestacional < 35 semanas ou peso ao nascer < 1,5 kg, continua indicado apenas o AZT.

Para o RN grave, sem condições de receber dieta ou o medicamento por via oral ou sonda orogástrica até 48 horas de vida, usar apenas o AZT intravenoso na dose de 1,5 mg/kg/dose a cada 6 horas, mesmo que a mãe tenha recebido antirretroviral durante a gestação.

Os RN saem de alta com ambas as drogas e com orientação para o Ambulatório de AIDS. Devem retornar para controle laboratorial com 15 dias de vida.

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Orientação no puerpério O aleitamento materno é uma das formas de transmissão vertical do HIV. Esse risco situa-se em torno de 14%, podendo chegar a 29% se a infecção materna for aguda e recente (por exemplo, por transfusão de sangue no parto), na presença de fissuras, de viremia materna ou de estado clínico avançado. Portanto, a orientação para puérperas HIV+ é não amamentar, porém é necessário disponibilizar esquemas de nutrição adequados ao recém-nascido, como leite de vaca modificado ou leite humano pasteurizado. Outra medida preconizada para redução de transmissão vertical no período puerperal, além da contraindicação de aleitamento materno, é a remoção imediata de sangue e secreções em contato com a pele e mucosas do recém-nascido. Igualmente o aleitamento misto não é indicado, sendo preferível apenas o materno em relação a este. A inibição da lactação deve ser feita de preferência antes da alta hospitalar, por meio de medidas gerais (restrição de líquidos e enfaixamento torácico) e de medicamentos, como bromocriptina (Parlodel® ou Bagren®, um comprimido de 2,5 mg, duas vezes ao dia, por 10 a 14 dias ou cabergolina (Dostinex®, usada em duas doses de um comprimido com intervalo de 12 a 24 horas). A suspensão da monoterapia com o AZT deverá ocorrer imediatamente após o parto. É preciso sempre enfatizar a importância do planejamento familiar às mulheres HIV+. Idealmente, a gravidez deve ser programada para ocorrer nas condições mais propícias possíveis, tanto no aspecto clínico como no familiar e social, minimizando dessa forma as consequências relativas à infecção pelo HIV para a paciente e para o ciclo gravídico puerperal. O eficiente planejamento da gestação permitiria o seguimento do conjunto de medidas preconizadas, resultando assim em importante redução na incidência de AIDS pediátrica.

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CAPÍTULO

10

Trabalho de parto

Definição Trata-se de função da mulher, pela qual os produtos conceptuais – feto, líquido amniótico, placenta e membranas – são descolados e expelidos do útero para o meio externo, pelo canal vaginal. Caracteriza-se pela tríade: contrações, esvaecimento e dilatação. O trabalho de parto (TP) é o conjunto de ações que levam ao parto. Para se aferir que para ele estar presente é preciso que as contrações sejam rítmicas, tipicamente uma a cada cinco minutos, associadas dilatação do colo uterino maior ou igual a 2 cm ou esvaecimento maior ou igaul a 80% para fetos de termo ou 50% para prematuros. Quando o trabalho de parto ocorre sem intercorrências e a apresentação é cefálica e fletida, diz-se que é eutócico. Quando anormal, é distócico. O determinismo do trabalho de parto é ainda obscuro. A principal hipótese considera que, havendo maturidade suficiente, a suprarrenal do feto produz grande quantidade de corticosteroides, que chegam ao líquido amniótico, atuando na decídua onde estimulam a produção de prostaglandinas. Essas substâncias geram incremento na exposição de receptores de ocitocina, hormônio de liberação neuro-hipofisária capaz de estimular contrações. O aumento da produção de ocitocina e sua liberação pulsátil parecem também ser fatores importantes para determinar o começo do trabalho de parto. Simultaneamente há queda de progesterona (um po-

tente miorrelaxante) pelo envelhecimento da placenta, seu principal produtor. Além disso, durante todo a gestação houve aumento progressivo de estrogênio que atua sobre o útero aumentado as gap junctions entre as fibras musculares, facilitando a propagação do estímulo contrátil. São fenômenos preliminares no início do trabalho de parto a queda do ventre – que ocorre duas a três semanas antes do termo – e a perda do tampão mucoso, também conhecida como “perda do sinal”. A gestante refere ainda aumento do desejo e frequência miccional, que ocorre à custa da insinuação fetal, com consequente compressão vesical. Esses fenômenos são mais frequentes em primigestas e explicam a redução da altura uterina, geralmente de cerca de 34 para aproximadamente 32 cm. É importante diferenciar o verdadeiro trabalho de parto do falso trabalho de parto. Como já foi exposto, para que exista o verdadeiro trabalho de parto é preciso que haja contrações rítmicas modoficando o colo, seja esvaecendo-o, seja promovendo sua dilatação. Por outro lado, as contrações encontradas no falso trabalho de parto são ineficazes e irregulares e duram poucos segundos, às vezes associadas a espasmos vesicais ou intestinais ou contrações da parede abdominal. Caracteristicamente, não dilatam nem esvaecem a cérvix. Seu tratamento é direcionado à causa, se houver, ou à prescrição de sedativo eficaz que interrompa as falsas dores sem interferir no verdadeiro trabalho de parto.


10  Trabalho de parto

Critérios para diferenciar entre TP verdadeiro e falso Verdadeiro

Falso

Contrações

Regulares

Irregulares

Intervalos

Gradativamente decrescentes

Irregulares

Duração

Aumento gradativo

Irregulares

Intensidade

Aumento gradativo

Irregulares

Alterações cervicais

Dilatação e apagamento progressivo

Sem alterações

Descida da apresentação

Progressiva

Sem alteração

Localização da dor

Costas e abdome

Apenas no abdome

Efeitos da sedação

As contrações não cessam

As contrações cessam

Tabela 10.1

Períodos do parto Classicamente um parto é divido em 4 períodos sequenciais: dilatação, expulsão, desquitação e quarto período.

Primeiro período Fase de dilatação: do início do trabalho de parto verdadeiro até a dilatação completa do colo. Pode durar até 20 horas em primigestas e até 16 horas em multíparas.

Segundo período Fase de expulsão: da dilatação completa do colo até a saída do feto e o clampeamento do cordão umbilical. A duração média é de 20 minutos nas multíparas e de 50 minutos nas primigestas. Também chamado de período expulsivo, é considerado prolongado quando ultrapassa 3 horas em nulíparas analgesiadas ou 2 horas sem analgesia. Para multíparas, esses valores serão respectivamente 2 e 1 hora.

Terceiro período Fase de dequitação: do clampeamento do cordão até a saída da massa placentária principal. Dura até 30 minutos, período que, se ultrapassado, caracteriza retenção placentária.

Quarto período Conhecido como quarto período de Greenberg ou golden hour, que vai da dequitação até uma hora após o parto. É o período crítico do puerpério, quando ocorrem as suas principais complicações hemorrágicas. Vejamos desalmadamente cada um desses períodos e como deve ser a assistência neles prestada.

SJT Residência Médica

Primeiro período do trabalho de parto Ocorre do início do trabalho de parto até a dilatação cervical completa. As contrações são intermitentes e dolorosas e o endurecimento uterino é facilmente sentido com a mão sobre o abdome. As dores tornam-se mais frequentes e intensas à medida que o trabalho prossegue. Em geral, iniciam-se no dorso e dirigem-se à região anterior do abdome e pube. Durante a maior parte da gestação a cérvix tem 2,5 cm de comprimento e está fechada. Ao seu final ocorrem mudanças no colo, que incluem amolecimento, esvaecimento (encurtamento), dilatação e anteriorização, tudo de maneira gradual. Iniciado o trabalho de parto a sua primeira fase é lenta e dita preparatória, nela há poucas contrações uterinas. Além disso, outras mudanças hormonais (envolvendo prostaglandinas, progesterona, estrogênios e relaxina), promovem a maturação do colo uterino, reorganizando as fibras colágenas, que ficam mais flexíveis e deslizam umas sobre as outras. Com essas mudanças, o orifício interno desaparece à medida que o canal cervical torna-se parte do segmento inferior do útero. A dilatação, nessa fase, evolui pouco e não ultrapassa 3 a 4 cm. A seguir inicia-se a fase ativa do trabalho de parto, conforme descrito por Friedman e explicitado abaixo. A maturidade cervical pode ser medida de acordo com vários índices, sendo mais utilizado o de Bishop Modificado. Quando o colo estiver suficientemente dilatado para permitir a passagem da cabeça do feto (usualmente 10 cm), diz-se que está completamente dilatado.

27


Obstetrícia | volume 1

Índice de Bishop Pontos atribuídos 0 1 2 Altura da apresentação fetal (DeLee) -3 -2 -1 Colo uterino Dilatação (cm) 0 1-2 Apagamento (%) 0-30 40-50 Consistência Firme Médio Posição Posterior Pontuação total igual ou superior a 9 indica colo uterino maduro. Parâmetros avaliados

3 0 ou abaixo 3-4 >5 60-70 > 80 Amolecido Central Anterior

Tabela 10.2 Friedman observou também a descida da apresentação de forma independente, a que chamou de período pélvico.

feriores a 1 cm/h em nulíparas e 2 cm/h em multíparas são sugestivas de distocia, sugerindo atenção para o caso.

Fase de latência

Assistência ao primeiro período

Como dito, esta fase é caracterizada por fenômenos preparatórios. Existe um período variável depois do trabalho de parto se iniciar, quando as contrações estão se tornando coordenadas, mais intensas, mais polarizadas e eficientes. Concomitantemente, o colo torna-se mais amolecido, flexível e elástico. A fase de latência dura, em média, 8 horas em nulíparas e 5 horas em multíparas. Não deve exceder 20 horas nas primeiras, ou 14 horas nas últimas. As pacientes que entram em trabalho de parto com colo completamente maduro apresentam fase de latência menor do que aquelas com colo não completamente maduro. A transição para a fase ativa ocorre quando são atingidos o padrão contrátil regular de, ao menos, 3 contrações de 40 segundos em 10 minutos, e dilatação de ao menos 3 a 4 cm.

Desde que a paciente seja hígida e tenha apresentação fetal normal, e o feto esteja em boas condições, permite-se que esta deambule, sente-se, banhe-se e assuma a posição mais confortável para si. Nota-se que as pacientes nessas condições necessitam de analgesia com menor frequência e trabalhos de parto mais eutócicos e rápidos.

Fase ativa A dilatação cervical é superior a 3-4 cm. As contrações uterinas são mais intensas, rítmicas e duradouras (mais de 40 segundos), o colo sofreu alterações importantes que o tornaram mais responsivo e está, se não completamente, quase todo esvaecido, e a dilatação prossegue rapidamente. A duração média da fase ativa é de 6 horas para nulíparas e 2,5 horas para multíparas, sendo os limites de normalidade 12 e 6 horas respectivamente. Em média, na fase ativa, a dilatação evolui 1 cm/h, embora haja fases distintas de aceleração, inclinação máxima e desaceleração, como veremos adiante. Por conceito, essa fase termina com a dilatação de 10 cm do colo uterino.

Descida da parte apresentada Durante a fase de latência e o início da fase ativa de dilatação cervical, a descida fetal pode ser mínima. Iniciada a fase de dilatação cervical rápida, tem início a descida fetal contínua. O maior grau de descida ocorre quando o colo se aproxima da dilatação completa e normalmente a descida se finda juntamente com a dilatação completa. Descidas in-

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Checa-se, periodicamente, o estado geral da parturiente, como pulso, temperatura e pressão arterial, pelo menos a cada 2 horas. Os batimentos cardíacos fetais são auscultados a cada trinta minutos, ou mais frequentemente, se arrítmico ou bradicárdico. A progressão do trabalho de parto é acompanhada de exames abdominais e vaginais, que informam sobre a qualidade da contratilidade uterina e o grau de dilatação cervical e descida fetal. A dinâmica uterina (observação das contrações, por 10 minutos) deve ser feita de horário, já os toques vaginais podem ser mais espassados no início. Há tocólogos que preconizam de rotina a realização de esvaziamento retal por meio de enema, quando da admissão desta à enfermaria. Sua realização não apresenta benefícios comprovados. Está contra-indicada na ocorrência de amniorrexe prematura, por risco de corioamnionite. A paciente deve descansar e manter seu autocontrole. Para que isso ocorra é necessário que esta tenha sido preparada adequadamente em seu pré-natal. Caso as dores se tornem mais intensas durante as contrações, pode ser feita analgesia de condução por duplo bloqueio (raquianestesia + cateter peridural com infusão contínua de anestésico). Deve-se encorajar a gestante com frequência. O acompanhamento clínico da fase ativa é feito por meio do Partograma (descrito em capítulo específico). É direito da parturiente ter um acompanhante durante todo o trabalho de parto e parto.

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10  Trabalho de parto As membranas costumam romper ao término do segundo período, mas podem romper a qualquer momento, durante ou antes do trabalho de parto.

Bolsa das águas Considera-se bolsa das águas o pool de íquido amniótico que se localiza à frente da apresentação fetal, delimitado externamente pelas membranas ovulares (âmnio e córion). Ela pode adotar várias formas, a saber:

Forma de vidro de relógio, contendo pequena quantidade de líquido amniótico, conhecido pelos ingleses como forewaters (primeiras águas);

Forma de cone, quando as membranas apontam para dentro;

Forma acolada, quando as membranas estão grudadas à cabeça fetal.

Sabe-se que após a ruptura das membranas, quer espontânea ou artificialmente, as contrações uterinas tornam-se mais vigorosas, com encurtamento da duração do trabalho de parto. Apesar disso, não devem ser rotina segundo a maioria dos autores, pois aumentam as chances de prolapso de cordão; todavia, em trabalhos de parto distócicos, a amniotomia artificial é método de grande valia. Para minimizar os riscos, idealmente ela seria feita com a cabeça insinuada e uma dilatação de, ao menos, 3 cm. Em dilatações superiores a 8 cm, essa amniotomia é considerada oportuna.

Fase de Latência

Fase Ativa

10

estágio de inclinação máxima

estágio de desaceleração

Período Expulsivo

Cervicodilatação (cm)

8

6 estágio de aceleração

4

2

0

2

4

8 10 6 Tempo (h)

Divisão Preparatória

12

14

Divisão Divisão Pélvica de Dilatação

Figura 10.1 Curva das fases da cervicodilatação.

Segundo período do trabalho de parto Assistência ao segundo período

Figura 10.2 Bolsa das águas.

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O segundo período do trabalho de parto estende-se do final do primeiro período, quando o colo atingiu a dilatação plena, até a expulsão do feto e o clampeamento do cordão umbilical. As contrações agora se tornam mais frequentes e intensas, sendo as mais dolorosas desde então. Ocorre aumento do sangramento, a paciente começa a realizar manobras de prensa abdominal (Valsalva) a cada contração e refere pressão no reto, com grande desejo de evacuar (reflexo de puxos). Náuseas e vômitos tornam-se mais frequentes após a dilatação máxima.

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Obstetrícia | volume 1

A posição da gestante para o parto varia de acordo com sua cultura e adaptabilidade. Pode ser vertical, horizontal ou semi-horizontal. Na posição vertical, também chamada ortostática, estão inclusas a sentada, de cócoras e joelhos com o tronco reto. A maior parte de gravuras pré-históricas mostra a parturiente de joelhos, com o tronco ereto e as coxas abduzidas, indicando que as mulheres preferiam esse método na época. Há evidências de que a posição ereta aumenta o diâmetro anteroposterior e transverso da bacia, e a mulher pode produzir mais 30% de pressão intra-abdominal nesta posição. Os benefícios da posição vertical incluem menor tempo de período expulsivo, menor incidência de parto instrumentado, menor necessidade de anestesia e menor frequência de hipóxia neonatal. Na posição horizontal ou semi-horizontal, estão inclusas as posições lateral, em pronação, semideitada, de joelhos, cotovelos e dorsal. Foram desenvolvidas pelos obstetras com o intuito de alcançar maior facilidade e eficiência ao lidar com as complicações do parto. No decúbito dorsal horizontal, deve-se atentar para o risco da síndrome da hipotensão supina. O quadro clínico caracteriza-se por hipotensão arterial, náuseas, dispneia, lipotimia, palidez, taquicardia e pressão venosa femoral aumentada, com rápida recuperação quando a parturiente assume decúbito lateral. O risco da referida síndrome é aumentado porque, quando a gestante se deita sobre suas costas, seu útero insinua-se sobre a coluna vertebral e a veia cava inferior. Isso aumenta o volume de sangue nos membros inferiores, mas diminui o retorno venoso para o coração, abaixando a pressão interna do átrio direito, diminuindo o débito cardíaco e causando hipotensão. A hipotensão, por sua vez, pode promover hipoperfusão uterina, com consequente hipoxia fetal.

tante do polo cefálico, à medida que se exteriorizam pela vulva o brega, a fronte, o nariz, a boca e o queixo. Ao passar a cabeça pelo introito, a paciente tem a sensação de estar sendo dilacerada. Algumas vezes ocorre laceração da vulva.

Durante o primeiro período do trabalho de parto, é mais eficiente que a paciente relaxe durante as contrações. No segundo período ocorre o inverso, e a parturiente deve contrair a musculatura abdominal, encurtando sua duração. Isso geralmente ocorrerá de forma reflexa, pela compressão retal imposta pelo polo cefálico insinuado, o que se conhece como reflexo de puxos acima referido.

Na episiotomia mediana (central) é seccionado o nó perineal, de modo que há menor sangramento, apesar do maior risco de lesão de esfíncter anal e reto e do fato de se lesar a inserção da maioria dos músculos do períneo. Já na episiotomia médio-lateral seccionam-se, além de pele e vagina, os músculos bulbocavernoso, transversos superficial e profundo do períneo e, a depender da extensão, fibras puboretais do músculo elevador do ânus, além de ramos do nervo pudendo e vasos sanguíneos. Embora apresente maior sangramento, envolve menor risco de lesão anal.

A cabeça do feto avança a cada contração, retrocedendo quando o útero relaxa. Cada vez avança um pouco mais. O introito vaginal torna-se de vertical a oval, e finalmente circular, permitindo a saída da cabeça fetal. As fezes podem ser impelidas para fora do reto. Abrindo-se o ânus, sua parede anterior protrai-se. Com a descida, o occipício acocha-se sob a sínfise púbica. A cabeça continua a avançar e a retroceder com as contrações, até que uma contração mais forte force o maior diâmetro da cabeça pela vulva, quando se tem o coroamento. Ocorrido isto, não há mais retorno, e, nas cefálicas fletidas, por um processo de deflexão, ocorre a saída do res-

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Já totalmente fora da vagina, ocorre a restituição ou a rotação externa, com rotação do pescoço e retorno do ponto de referência fetal para o lado original. O desprendimento assistido da cabeça é realizado com o intuito de proporcionar a saída desta de forma suave, lenta e gradual, minimizando a chance de rotura perineal. Por muito tempo praticada, a manobra de Kristeler pode ser lesiva a mãe e feto e não deve ser utilizada. Nela o médico ou seu auxiliar exerciam violenta pressão sobre o abdome materno, tentando a expulsão fetal. Rotura hepática e descolamento placentário eram frequentes, o que causou a proibição do método na atualidade. No momento da expulsão e visando evitar ou minimizar as lacerações, procede-se a manobra de Ritgen modificada, que consiste em exercer preensão do nó perineal com os dedos indicador e polegar, evitando-se sua distensão exagerada, e fazendo com que a cabeça fetal permaneça fletida, o que permite manter o menor diâmetro de desprendimento. Outra atitude assistencial pode ser a episiotomia, mas esta não deve ser rotineira, pois eleva riscos de sangramentos, hematomas, infecções. O obstetra decidirá sobre sua necessidade, mas esta decisão deve ser baseada em constatação de impedimento vulvar à expulsão do feto. Ela consiste em corte linear, envolvendo fúrcula vaginal posterior. Pode ser central ou médio-lateral, embora já tenha se praticado a episiotomia lateral.

Assim que ocorra a rotação externa, a face fetal deve ser suavemente limpa com compressa úmida A região do pescoço deve ser investigada em busca de circulares de cordão umbilical. Se o laço de cordão está solto em volta do pescoço, ele pode ser simplesmente desfeito por sobre a cabeça. Se, ao contrário, estiver fortemente envolto sobre o pescoço, deve ser duplamente pinçado e cortado entre as pinças.

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10  Trabalho de parto Tem-se, então, o desprendimento dos ombros, devendo o obstetra, apreendendo nas mãos os parietais do feto, abaixar a sua cabeça em direção ao reto para que o ombro anterior emerja sob a sínfise púbica. Desprendido o ombro anterior, levanta-se a cabeça fetal em direção ao pube, liberando-se o ombro posterior. Desprendidos a cabeça e os ombros, o restante do corpo desliza facilmente, em geral com jato de líquido amniótico. A síndrome de aspiração meconial deve ser evitada. Para tanto, fica proscrita a estimulação fetal quando notada a presença de mecônio.

Ao se descolar a placenta, o útero sobe e se desvia para a direita, retornando à posição inferior à cicatriz umbilical a seguir. Os sinais do cordão, depois do descolamento da placenta, constam da descida progressiva do mesmo – sinal de Ahlfeld –, da rotação simultânea do cordão e da placenta – sinal de Hochenbichler –, bem como da não transmissibilidade à mão que palpa o fundo uterino das trações feitas sobre o funículo – sinal de Fabre, também chamado manobra do Pescador. Colocando-se a mão pouco acima da sínfise púbica, pode-se realizar leve pressão sobre o segmento inferior do útero, observando-se elevação do cordão se a placenta está aderida ou, então, imobilidade deste se a placenta já se descolou – sinal de Kustner.

Terceiro período do trabalho de parto

A presença ou ausência de propagação ao cordão de ligeiros movimentos rítmicos de percussão sobre o fundo uterino constitui o sinal de Strassmann.

O desprendimento da placenta é uma consequência da continuação das contrações uterinas após a expulsão fetal. Outros nomes são: delivramento, dequitação ou dequitadura.

Logo após a expulsão do feto, o útero apresenta forma arredondada, abaulada no sentido anteroposterior. Seu fundo encontra-se à altura da cicatriz umbilical.

O desprendimento da placenta ocorre em dois períodos: primeiro, descolando-se da parede uterina em direção ao segmento inferior e à vagina, e, posteriormente, sendo expulsa do canal de parto. Não se deve tracionar o cordão, o que pode ocasionar irregularidades no descolamento da placenta e das membranas e, às vezes, inversão uterina. Embora não haja consenso, há evidências de que a conduta deve mudar de expectante para ativa, se dequitação não ocorrer em até 30 minutos após a expulsão fetal. A placenta pode descolar-se de duas formas: Baudelocque-Schultze, forma presente em 75% dos casos, ocorre quando o descolamento se inicia pelo centro da inserção placentária, fazendo com que a face fetal se exteriorize primeiro seguida pelo o sangue retesado atrás da placenta; e Baudelocque-Duncan, que ocorre nos outros 25% dos casos, quando o descolamento é marginal, a face materna é a primeira a se exteriorizar e o sangramento ocorre concomitantemente à dequitação. O volume sanguíneo geralmente não ultrapassa 500 mL.

Figura 10.3 Manobra de Freund para favorecer a descida da placenta já descolada.

Uma das manobras que permite a extração placentária é a de Freund, que consiste em deprimir o segmento inferior uterino com leve pressão sobre a borda superior da sínfise púbica, desta forma retificando o ângulo corpóreo-cervical. Com saída da massa placentária, realiza-se a manobra de Jacob-Dublin, que consiste em rodar a placenta quando esta se apresenta à fenda vulvovaginal, com o intuito de entrançar-lhe as membranas e evitar que estas se rompam e fiquem retidas. Outra atitude possível para facilitar o descolamento planetário é injetar ocitocina no cordão umbilical. Pode-se, periodicamente, antes da dequitação, verificar-se se houve o descolamento da placenta.

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Figura 10.4 Manobra de Ritgen.

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Obstetrícia | volume 1

Figura 10.5 Desprendimento das membranas ovula-

Figura 10.8 Mecanismo da dequitação segundo Baudelocque–Schultze.

res auxiliado pela manobra de Jacob-Dublin.

Figura 10.6 Face materna da placenta. Notar o perfeito aconchegamento dos cotilédones.

Figura 10.9 Mecanismo da dequitação segundo Baudelocque–Duncan. Após a dequitação, o parteiro deve examinar a placenta em sua face materna e fetal, em busca de possíveis falhas em seu conteúdo que indicariam que partes ficaram retidas no interior do útero. O cordão umbilical e seus vasos devem ser observados. Deve-se também inspecionar o canal de parto e reparar eventuais lacerações, seguida de episiorrafia, caso se tenha realizado episiotomia.

Figura 10.7 Técnica para identificar a integridade das membranas.

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Inicia-se, então, o quarto período do trabalho de parto, ou de Greenberg, para o qual é necessário manter vigilância intensa sobre a puérpera, checando seus sinais vitais a cada quarto de hora.

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10  Trabalho de parto Como forma de profilaxia de hemorragia pós-parto, é imprescindível, no terceiro período, a administração de 5 UI de ocitocina via parenteral (IM ou IV).

Ligamento ovaríano Ligamento redondo

Tuba

Ligamento redondo Tuba

Quarto período do trabalho de parto Trata-se de um período clínico, que se estende até o final da primeira hora pós-parto, e em que se deve observar se foram efetivos os mecanismos hemostáticos, sendo eles: Miotamponagem: logo após a expulsão da placenta, o útero se contrai e é palpável num ponto intermediário entre o pube e o umbigo. Esta retração inicial é extremamente útil como mecanismo de defesa contra hemorragias, pois tem a capacidade de campear os vasos que atravessam o miométrio. Trombotamponagem: consiste na formação de trombos nos grandes vasos uteroplacentários, recobrindo dessa forma a ferida aberta no sítio uterino de inserção da placenta. A contração do miométrio e a pressão do trombo determinam o “equilíbrio miotrombótico”.

Ligamento largo

Vista posterior

Vista anterior

Vista anterior

Figura 10.10 Figura representando a técnica de realização do ponto de B-Lynch. (Sass, N. et al, 2007)

Fenômenos mecânicos do parto No mecanismo de parto reconhecem-se seis tempos, sendo eles: insinuação, descida ou progressão, rotação interna, desprendimento da cabeça, rotação externa da cabeça e desprendimento do tronco.

Indiferença miouterina: o útero torna-se apático e, do ponto de vista dinâmico, apresenta fases de contração e de relaxamento, o que acarreta o risco de acúmulo progressivo de sangue. Contração uterina fixa: normalmente uma hora após o parto, o útero apresenta maior tono e, dessa forma, se mantém. Contraído fixamente diz-se que o útero forma o globo de segurança de Pinard. A falha desse mecanismos pode gerar a hemorragia pós-parto (perda de mais de 500 mL de sangue). Essa geralmente se deve a atonia uterina, mas também pode ser decorrente de inversão uterina aguda, laceração de canal de parto ou retenção placentária. Nesta última o sangramento costuma ser mais tardio, mas nas demais é bem precoce. Serão diferenciadas clinicamente, pois na atonia o útero é amolecido e hipoinvoluído, na inversão não se palpa o fundo e há tumor vaginal e na laceração o útero está normal e há lesão do canal de parto. O tratamento é sutura primária em casos de laceração; reposicionamento uterino por manobra de Taxe, ou histerectomia em sua falha, nas inversões agudas; e na atonia toma-se as seguintes medidas sequenciais, partindo-se à seguinte na falha da anterior: massagem uterina, uso de uterotônicos (ocitocina, metilergonivina, misoprostol), passagem de balão hemostático intrauterino (balão de Bakri), sutura uterina de B-Lynch, ligadura de artérias ilíacas internas, histerectomia.

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Figura 10.11  canal do parto.

Insinuação Passagem pelo estreito superior do maior diâmetro fetal, perpendicular à linha de orientação da apresentação. Em cefálicas seria o bipariteral e, em pélvicas, o bitrocantérico. Ocorre graças às contrações e assinclitismo, ou seja, movimentos de lateralização da cabeça fetal. É o assinclitismo posterior (obliquidade de Litzmann), quando a sutura sagital está próxima do pube e o parietal posterior é o primeiro a penetrar

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na escavação. Diz-se assinclitismo anterior (obliquidade de Nägele), quando a sutura sagital está mais aproximada do sacro e o parietal anterior desce em primeiro lugar. O primeiro é o mais comum e o segundo é típico de multíparas. Espinha ciática

A

Espinha ciática

B

Figura 10.14 Diagnóstico da insinuação e da altura

da cabeça fetal pelo toque vaginal bidigital. A: cabeça insinuada; B: cabeça não insinuada.

Descida ou progressão Percurso do estreito superior ao inferior.

Rotação interna

Figura 10.12 proteção ao períneo.

Figura 10.13 Flexão da cabeça fetal mostrando o diâmetro de insinuação. A: cabeça defletida; B: cabeça fletida.

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Passagem da linha de orientação de um dos oblíquos ou diâmetro transverso do estreito superior para o diâmetro anteroposterior do estreito inferior. Em apresentações cefálicas ela se dá de modo a levar o ponto de referência, seja qual for (occipício em fletidas, bregma em defletidas de primeiro grau e mento em defletidas de terceiro grau), para o pube, seguindo o caminho mais curto. É referida em graus. Em pélvicas, o ponto de referência fica em um dos transversos e, como a insinuação sempre ocorre em um dos oblíquos (SEA, DAS. SEP, SDP), a rotação será sempre de 45 graus.

Figura 10.15 Rotação da cabeça fetal nas variedades de posição anteriores. A: occípito-esquerda-anterior; B: occípito-direita-anterior.

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10  Trabalho de parto

Figura 10.16 Rotação da cabeça fetal nas variedades de posição posteriores. A: occípito-direita-posterior; B: occípito-esquerda-posterior.

Figura 10.17 Descida e rotação interna da cabeça fetal na apresentação cefálica fletida. As letras apontam o occipital do concepto.

Desprendimento da apresentação Em apresentações cefálicas, a região que contém o ponto de referência se apoia no pube para que haja deflexão (em cefálicas fletidas) ou flexão (em cefálicas defletidas) e o desprendimento do resto da cabeça. O local que se apoia se chama hipomóclio.

Figura 10.18 Desprendimento da cabeça fetal na va-

Em pélvicas, o hipomóclio é o trocanter do fêmur e o feto se desprende por movimentos de lateralização do quadril.

Ocorre quando o ponto de referência da apresentação retorna ao lado homônimo à posição, deixando os ombros em anteroposterior.

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riedade de posição occípito-sacra.

Rotação externa

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Desprendimento fetal final Nas cefálicas é o desprendimento do ovoide córmico (tronco e membros apensos) e do tronco e da cabeça fetal (nas apresentações pélvicas).

aumentada desse tipo de apresentação por ocasião do parto, o que não acontece quando do diagnóstico antes dessa idade gestacional. Diante da elevada morbidade e mortalidade perinatais associadas à apresentação pélvica, o conhecimento das manobras para auxiliar o parto pélvico por via vaginal é de grande importância para o obstetra. Mesmo que o profissional, nestes casos, se proponha a realizar a operação cesariana, a necessidade de assistência ao parto vaginal pode se impor pela precipitação do processo da parturição. As figuras a seguir trazem as principais manobras para desprendimento biacromial e do polo cefálico.

Figura 10.19 Mecanismo do parto em occípito-esquerdo-anterior (OEA). A e B: o movimento de restituição da cabeça ou de rotação externa; C e D: respectivamente, o desprendimento do ombro anterior e do posterior.

Figura 10.21 Manobra de Bracht visa realizar o parto dos ombros e da cabeça. É de fácil realização e respeita o mecanismo fisiológico do parto pélvico.

Figura 10.20 Mecanismo do parto em occípito-esquerdo-transversa (OET). A e B: a insinuação e a descida da cabeça por movimentos de assinclitismo; C e D: a rotação interna e o desprendimento cefálico.

Manobras utilizadas no parto pélvico Em cerca de 3% dos partos a termo o feto se encontra em apresentação pélvica, número que sobe para 25% quando o nascimento ocorre prematuramente, antes de 30 semanas de gravidez. O achado ultrassonográfico da apresentação pélvica após 25 semanas de prenhez indica probabilidade

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Figura 10.22 Manobra de Rojas (manobra da rotação axial do feto). Dorso à esquerda. Deflexão dos braços; o anterior entre a cabeça e o arco anterior da bacia; o posterior em relação com a metade esquerda da cabeça. O feto é apreendido pela cintura pélvica e rodado no sentido do seu dorso, ficando o biacamial no diâmetro anteroposterior do estreito inferior.

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10  Trabalho de parto

Figura 10.23 Preensão do polo pélvico. Imprime-se ao tronco fetal um movimento de translação e de rotação para a direita, de maneira que o dorso passe da esquerda para a região do púbis, e depois para a direita. O braço posterior desloca-se para diante, e, ao toque, reconhece-se o ângulo inferior da omoplata.

Figura 10.26 Manobra de Rojas. Desprendido o braço anterior, executa-se idêntico movimento de translação e rotação do corpo fetal, agora em sentido inverso, isto é, da direita para a esquerda. Desse modo, transforma-se o braço posterior em anterior, e o dorso ficará voltado para a esquerda. Essa transformação rotativa deve ser ajudada por trações constantes.

Figura 10.24 Manobra de Rojas. O braço posterior está transformado em anterior e exibe-se sob a arcada púbica, graças à tração contínua e à rotação para trás e para a direita do tronco.

Figura 10.25 Manobra de Rojas. Desprendimento do braço pelo indicador, que vai à procura da dobra do cotovelo para liberação do braço anterior, facilitada por trações para baixo.

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Figura 10.27 Manobra de Rojas. Terminada a rotação, o braço posterior fica anterior com o coto desprendido sob a arcada púbica.

Figura 10.28 Manobra de Rojas. Por trações para baixo associadas à rotação e à translação solta-se o braço anterior ou, então, ultima-se o desprendimento das espáduas por depressão digital da flexura do cotovelo.

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Obstetrícia | volume 1

Figura 10.29 Manobra de Denventer-Muller. Consiste em fazer encaixar, em assinclitismo, os ombros do concepto, o que se consegue por meio de movimentos alternados de abaixamen­to e elevação do tronco fetal — movimentos pen­dulares. Dessa forma, o diâmetro biacromial é substituído pelo colo-acromial, que é menor. Primeiro tempo: anteroposteriorização do biacromial.

Figura 10.32 Manobra de Pajot. Aplicado o polegar

na axila e apoiados o índice ao longo do úmero e o médio na prega do cotovelo, onde a tração é exercida, desliza-se o membro sobre a face do feto e seu plano ventral.

Figura 10.33 Manobra de Pajot. Desprendimento do braço posterior. Liberado o anterior, sustenta-se o concepto pelos pés, com uma das mãos, que o levanta e o aproxima do abdome materno.

Figura 10.30 Manobra de Denventer-Muller. Segundo tempo: oscilação do feto para baixo.

Figura 10.31 Manobra de Denventer-Muller. Terceiro tempo: oscilação do feto para cima. Esta é uma manobra pouco utilizada e cuja finalidade é da liberação dos membros superiores.

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Figura 10.34 Manobra de Pajot. Desprendimento do braço posterior (em seguimento ao representado na Figura 9.31). Elevado o concepto com a mão que, pela face palmar, lhe corresponde ao dorso, a oposta desvencilha, com a manobra de Pajot, o braço posterior. O pormenor expõe o tempo imediato, quando o membro acaba de deslizar pela face anterior do segmento córmico.

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10  Trabalho de parto

Sequência das manobras para a liberação dos braços no parto pélvico por via vaginal Desprendimento in situ. Rotação axial do feto – Manobras de Lövset e de Rojas. Manobra oscilatória de Deventer-Muller. Manobra de Pajot.

Tabela 10.3

Figura 10.35 Manobra de Mauriceau. A: primeiro tempo; B: segundo tempo. Esta manobra é utilizada para a extração da cabeça fetal ou cabeça derradeira. Tem por objetivo flexionar o polo cefálico fetal, acomodá-lo ao estreito superior no sentido anteroposterior e desprendê-lo. O corpo do con­cepto é posto a cavalgar o antebraço do operador. Os dedos médio e indicador, ou somente o mé­dio, são introduzidos profundamente na boca do feto, pressionando a base da língua ou toda a bor­da alveolar inferior e flexionando a sua cabeça. O indicador e dedo médio da mão oposta (dor­sal) apreendem, em forquilha, o pescoço fetal, apoiando-se sobre as clavículas (a pressão nas fossas supraclaviculares pode lesar o plexo bra­quial). A ação conjugada dos dedos introduzidos na boca com os da mão externa procura fletir a cabeça, trazendo o mento ao contato do manú­brio, ao mesmo tempo em que roda o occipital e o dorso para diante e traciona para baixo as es­páduas. A tração deve ser feita principalmente pela mão aplicada sobre os ombros, e não pelos dedos introduzidos na boca. O surgimento da re­gião suboccipital sob a arcada púbica indica o le­vantamento do corpo do feto, impulsionado pelo antebraço. A liberação da cabeça se fará suavemente, com leve tração auxiliada por pressão abdominal a cargo do auxiliar.

Após o parto, uma revisão sistemática do canal de parto deve ser realizada:

Cavidade uterina – pesquisa de restos placentários.

Colo uterino – identificar e suturar lacerações.

Revisão da mucosa vaginal.

Revisão perineal – identificar e corrigir lesões anorretais.

Classificar as lacerações existentes e corrigi-las:

– Laceração de primeiro grau: mucosa e pele. – Laceração de segundo grau: musculatura e fáscia. – Laceração de terceiro grau: esfíncter anal. – Laceração de quarto grau: mucosa retal.

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Resumo dos tempos do mecanismo de parto

1. Flutuação da cabeça antes do encaixe

2. Encaixamento, flexão descida

3. Continuação da descida, rotação interna

4. Rotação completa, início da extensão

5. Extensão completa

6. Resttuição (rotação externa)

7. Liberação do ombro anterior

8. Lieração do ombro posterior

Figura 10.36 Evolução dos tempos do mecanismo de parto normal.

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CAPÍTULO

2

Indicadores de saúde Introdução Indicador é medida que reflete uma característica particular. Um indicador de saúde tem como objetivo revelar a situação de saúde de um indivíduo ou de uma população. Indicadores de saúde são parâmetros utilizados internacionalmente com o objetivo de avaliar, sob o ponto de vista sanitário, a higidez de agregados humanos, bem como fornecer subsídios aos planejamentos de saúde, permitindo o acompanhamento das flutuações e tendências históricas do padrão sanitário de diferentes coletividades consideradas à mesma época ou da mesma coletividade em diversos períodos de tempo. A preparação de indicadores envolve a contagem de unidades: doentes, óbitos, acidentados, ou a medição de alguma característica dos indivíduos: peso, altura, PA etc. A forma mais simples de expressar um resultado é com um número absoluto, mas essa forma não permite comparações. Para facilitar as comparações e suas interpretações, os valores absolutos são expressos em relação a outros valores absolutosabsolutos (ou as frequências relativas), são expressos em relação a outros valores absolutos e frequências, que guardam entre si alguma relação coerente

Mortalidade Historicamente, o primeiro indicador utilizado em avaliações de saúde coletiva, e ainda hoje, um dos mais empregados. São os mais utilizados pela facilidade do cálculo e disponibilidade das fontes de dados. A morte é objetivamente definida, ao contrá-

rio da doença, e é obrigatoriamente registrada pela Declaração de Óbito. Assim, os indicadores de mortalidade são mais confiáveis (fidedignos) do que os de morbidade (adoecimento). As principais desvantagens são: a mortalidade expressa a gravidade de uma situação e não reflete uma história completa da doença e seus fatores determinantes; alguns danos raramente levam ao óbito; as mudanças nas taxas de mortalidade são de pequena amplitude com o passar do tempo, tornando-se inútil para avaliações de curto prazo. Os coeficientes de mortalidade são definidos como quocientes entre as frequências absolutas de óbitos e o número dos expostos ao risco de morrer.

Coeficientes São relações (fração, quociente) entre o número de eventos reais e os que poderiam acontecer. Os coeficientes são medidas que procuram expressar risco de ocorrer o evento do numerador de um quociente entre os indivíduos componentes do denominador deste.

Principais indicadores de saúde

Coeficiente (taxa) de mortalidade geral.

Coeficiente (índice; taxa) de mortalidade infantil.

Anos potenciais de vida perdidos.

Coeficiente (razão) de mortalidade materna.

Coeficiente de mortalidade por doenças transmissíveis.


Medicina Preventiva | volume 1

Esperança de vida (ao nascer).

Razão de mortalidade proporcional (de Swaroop e Uemura).

Curva de mortalidade proporcional (de Nelson de Moraes).

Coeficiente de mortalidade geral (CMG) Total de óbitos registrados em certa área no ano População da área estimada para o meio do ano (1º de julho)

× 1.000

Mede o risco geral de morrer em um dado local, sem considerar causas de morte, idade ou outra característica da população do local. É sintético e fácil de ser calculado. Apesar de ser um dos indicadores mais utilizados em saúde pública, não serve para comparações entre populações com diferentes estruturas (pirâmides) etárias e nem para comparar uma mesma população ao longo de muitos anos, pois sua estrutura etária pode estar se modificando no tempo. Populações mais idosas podem ter melhores condições de vida e saúde que populações mais jovens e, mesmo assim, apresentar maior risco (bruto) de morte, simplesmente pela presença de maior proporção de idosos. Para compararmos coeficientes de mortalidade geral, é necessária a padronização, ou o ajuste, desses coeficientes. Existem técnicas estatísticas que eliminam o efeito das diferenças de estrutura etária dessas populações. As taxas de mortalidade calculadas com a aplicação dessas técnicas estatísticas são denominadas taxas de mortalidade padronizadas (ou ajustadas) por idade. O ajuste ou padronização de um coeficiente deve ser realizado se o que estamos comparando depende da idade e a composição etária é diferente entre os grupos que estão sendo comparados. Um coeficiente de mortalidade padronizado nos informa qual seria a mortalidade da população de um dado local, em um dado ano, se a composição etária daquela população fosse a da população-padrão. Assim, populações com diferentes estruturas etárias são comparadas como se todas tivessem uma única estrutura etária. Outros problemas que influenciam o CMG: subnotificação de óbitos, invasão de óbitos para centros mais avançados em tecnologia médica e erros nas estimativas populacionais (denominador).

Coeficiente de mortalidade infantil (CMI) Total de óbitos de < 1 ano em certa área no ano Total de nascidos vivos nesta área no ano

2

x 1.000

Este é um indicador que reflete as condições de vida de uma população, pois a criança menor de um ano é sensível às condições do ambiente; porém, também é sujeito a distorções em razão de sub-registros tanto de óbitos como de nascimentos. O coeficiente ou índice de mortalidade infantil pode ser subdividido em dois ou três componentes que, somados, constituem a mortalidade infantil total. Quando dividido em três componentes, esses são:

Coeficiente de mortalidade infantil neonatal precoce (CMINP) Total de óbitos de < 7 dias em certa área no ano Total de nascidos vivos nesta área no ano

x 1.000

Coeficiente de mortalidade infantil neonatal tardio (CMINT) Total de óbitos de crianças de 7 a 27 dias em certa área no ano Total de nascidos vivos nesta área no ano

x 1.000

Coeficiente de mortalidade infantil pós-neonatal (CMIPN) Total de óbitos de crianças de 28 dias a 1 ano em certa área no ano

x 1.000

Total de nascidos vivos nesta área no ano

Quando dividido em dois componentes apenas, ajuntam-se os dois primeiros (CMINP e CMINT), que passam a constituir o CMI neonatal ou, simplesmente, CMI precoce (atenção: não confunda este coeficiente com o CMINP). O terceiro componente (CMIPN) é também conhecido como CMI tardio (atenção: não confunda este coeficiente com o CMINT). A maioria dos óbitos no período neonatal (0 a 28 dias incompletos de vida) é decorrente de causas perinatais (problemas de gestação, de parto, vários fatores maternos) e de anomalias congênitas. Seu controle é mais difícil em virtude de causas como anomalias congênitas, de origem genética, problemas em berçários e efetiva cobertura da atenção pré-natal. A mortalidade infantil pós-neonatal (ou tardia) tem seu controle mais associado à melhoria das condições gerais de vida das populações do que a neonatal; depende da redução de óbitos por gastroenterites, sarampo, pneumonia, ou seja, por fatores mais ligados ao saneamento básico, à adequada nutrição e à oferta de imunizações (vacinas).

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2 Indicadores de saúde

Uma observação importante: quanto melhores as condições de vida de uma população, mais sua mortalidade infantil se concentrará no componente neonatal; quanto piores as condições, maior será a participação do componente pós-neonatal na mortalidade infantil total.

Coeficiente de mortalidade perinatal Nº de nascidos mortos (22 semanas ou mais de gestação) + Nº de óbitos de crianças de 0 a 7 dias em certa área no ano

x 1.000

Total de nascidos vivos + total de nascidos mortos nesta área no ano

Coeficiente de natimortalidade Nº de nascidos mortos (22 semanas ou mais de gestação) ocorridos em certa área no ano Total de nascidos vivos + total de nascidos mortos nesta área no ano

x 1.000

Coeficiente de mortalidade na infância Nº de óbitos de < 5 anos em certa área no ano

x 1.000

Total de nascidos vivos nesta área no ano

Nota-se, claramente, que este coeficiente não expressa risco de vida, pois o numerador não está contido no denominador; ele costuma ser utilizado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para comparar a mortalidade de crianças em uma faixa etária na qual, sob condições razoáveis de vida, ocorrem poucos óbitos.

Anos potenciais de vida perdidos (APVP) A morte de uma criança de 5 anos pode significar 70 anos de vida perdidos (porque a esperança de vida – EV – aos 5 anos pode ser de 70 anos mais). A morte de um idoso de 70 anos pode significar apenas 18 anos de vida perdidos (porque a EV aos 70 anos pode ser de 18 anos mais). Assim, os APVP são um interessante indicador de saúde porque atribuem mais valor à vida de uma criança do que a de um idoso. São úteis, também, porque podem ser comparadas diferentes causas de morte (doenças ou agravos à saúde) quanto a seu impacto na população não apenas relacionado ao número de óbitos. Nos últimos anos vem-se dando maior importância à qualidade de vida e não apenas à duração (quantidade) de vida. Dessa forma, tem-se procura-

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do “ajustar” os APVP. Surgem, então, os Daly (Disability adjusted life years; em português, Avai: Anos de vida ajustados por incapacidade) e os Qaly (Quality adjusted life years; em português, Avaq: Anos de vida ajustados por qualidade de vida). Avai estendem o conceito de APVP para incluir também os anos vividos com saúde debilitada ou “imperfeita”; é uma medida que une (soma) morbidade à mortalidade. É um indicador de “carga de doença” (burden of disease) em uma população. Avai por uma doença é a soma dos anos de vida perdidos por morte prematura por essa doença com os anos de vida vividos com incapacidade em razão da doença (a incapacidade é avaliada com um escore que varia de zero (saúde perfeita) a 1 (morte)). Avai avaliam adequadamente doenças altamente incapacitantes, mas que tenham baixa letalidade. Avaq ajustam os anos de vida segundo a “utilidade” ou qualidade de vida. É um produto aritmético entre anos de vida e qualidade de vida; esta última requer um julgamento qualitativo. Um Avaq corresponde a um ano de vida em gozo de perfeitas condições de saúde; isso pode corresponder a dois anos com qualidade de vida reduzida à metade ou a quatro anos com a qualidade de vida reduzida a 25% do máximo possível. Avaq são utilizados para avaliar benefícios gerados a partir de diferentes intervenções em análises econômicas de saúde; quando combinados com o custo dessas intervenções, indicam o valor a ser gasto para gerar um ano em perfeita saúde (1 Avaq). Podem ser feitas comparações entre custo por Avaq de diferentes intervenções (cirurgias, transplantes, diálises ou outros procedimentos). Enfim, quando se pretende valorizar a qualidade de vida (anos de vida vividos sem incapacidades) não basta que sejam comparados os APVP de cada população; é preciso que esses APVP sejam ajustados por incapacidade: viver muito pode não significar viver com qualidade!

Coeficiente (razão) de mortalidade materna Nº de óbitos por causas ligadas à gestação, parto ou puerpério em certa área no ano

x 100.000

Total de nascidos vivos nesta área no ano

Inclui a morte de toda mulher que esteja grávida ou durante os 42 dias completos, após o fim da gravidez (independentemente de sua duração ou localização), por qualquer causa relacionada ou agravada pela gestação ou por seu manejo. São excluídas as causas acidentais ou incidentais (por exemplo, epidemias). Óbitos maternos podem ocorrer por causas obstétricas diretas (complicações obstétricas na gravidez, no parto e puerpério, decorrentes de intervenções, omissões, tratamen-

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Medicina Preventiva | volume 1

to incorreto ou eventos desencadeados por estes). Podem ser em decorrência de causas obstétricas indiretas, quando resultantes de doenças pré-existentes ou que se desenvolveram durante a gravidez. As mortes maternas são causadas por afecções do Capítulo XV da CID-10 e por afecções classificadas em outros capítulos da CID, especificamente: tétano obstétrico, transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério, osteomalacia puerperal, doença causada pelo HIV, mola hidatiforme maligna ou invasiva e necrose hipofisária pós-parto. A CID-10 estabelece ainda os conceitos de morte materna tardia, decorrente de causa obstétrica, ocorrida após 42 dias e menos de um ano depois do parto (código O96); e morte materna por sequela de causa obstétrica direta, ocorrida um ano ou mais após o parto (código O97). Esses casos também não são incluídos para o cálculo da Razão de Mortalidade Materna. A Nota Informativa sobre registros e notificação compulsória de doenças e agravos, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, por meio do ofício circular Nº 124/2014, de 20 de agosto de 2014 pontua que óbitos maternos são definidos como “a morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de até 1 ano, após o término da gestação, independentemente de duração ou da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela, porém, não devida a causas acidentais ou incidentais”. Essa nota informativa refere-se à notificação compulsória dos óbitos maternos.

Esperança/expectativa de vida ou vida média (ao nascer) É um excelente indicador das condições de vida e saúde de uma população, pois reflete o efeito de todas as forças de mortalidade que agem nessa população; é, porém, difícil de ser calculado, pois requer a construção de tábuas de vida que se baseiam em taxas de mortalidade específicas por idade dos falecidos e cálculos de probabilidade de morte e, complementarmente, de vida, a cada idade. Indica o número médio de anos que restam a ser vividos se forem mantidas as condições de mortalidade existentes até então (ou seja, se não houver epidemias, catástrofes, guerras etc.). A esperança de vida é costumeiramente referida para a idade de zero ano (ao nascer), mas pode ser definida e calculada para qualquer idade (dado que se viveu até tal idade, restam ainda, em média, tantos anos a serem vividos).

Coeficiente de mortalidade por Doenças transmissíveis As doenças transmissíveis são aquelas em que há a transmissão de um agente vivo, de uma fonte de infecção para um novo hospedeiro humano. Em tese, a cadeia de transmissão sempre pode ser inter-

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rompida. Assim, a mortalidade por tais doenças pode indicar falhas no controle dessas ocorrências e, indiretamente, condições insatisfatórias de vida e saúde.

Coeficiente de letalidade Letalidade é o maior ou menor poder de uma doença em provocar a morte das pessoas que por ela adoeceram. É sempre expresso em porcentagem; permite avaliar a gravidade clínica de uma doença. Nº de óbitos por determinada doença em determinado período de tempo

x 100

Nº de casos desta doença neste mesmo período

Índices de mortalidade proporcional Tais índices são proporções (o numerador está contido no denominador) que não expressam risco. O denominador é sempre o total de óbitos ocorridos em um dado local e ano-calendário. O numerador é uma parcela (uma “fatia”, uma fração) desses óbitos.

Índice de mortalidade infantil proporcional (IMIP) Nº de óbitos de < 1 ano em certa área no ano Total de óbitos registrados nesta área no ano

x 100

Razão (índice) de mortalidade proporcional de Swaroop e Uemura (ISU) É um bom indicador do nível de vida de uma população. Este índice significa a porcentagem de pessoas que morreram com 50 anos ou mais em relação ao total de óbitos ocorridos em determinada população. Vantagens:

Simplicidade do cálculo.

Disponibilidade de dados, na maioria dos países.

Possibilidade de comparabilidade nacional e internacional.

Dispensa dados de população (censitários).

Nº de óbitos de pessoas ≥ 50 anos em cada certa área no ano x 100 Total de óbitos registrados nesta área no ano

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2 Indicadores de saúde

Analisam-se as condições de vida e saúde de diversas regiões com base nesse indicador. 1º Nível: índice ≥ 75% – situam-se aqui os países com alto grau de desenvolvimento e adequada situação de saúde de sua população. Por exemplo, Suécia, Cuba, Estados Unidos e Japão. 2º Nível: índice variando de 50% a 74% – países com alto grau de desenvolvimento, porém, ainda sem superar alguns problemas de saúde de seus povos. Por exemplo, Costa Rica, Brasil, Tailândia. 3º Nível: índice variando de 25% a 49% – situam-se aqui países em desenvolvimento. Por exemplo, El Salvador, Guatemala. 4º Nível: valores < 25% – estão incluídas as regiões com alto grau de subdesenvolvimento, em que as pessoas morrem muito jovens. Por exemplo, alguns países da África subsaariana. Atualmente, a proporção de óbitos de pessoas com 50 e mais anos de idade já não tem o poder descriminatório de condições de saúde demonstra-

Tipo I Nível de saúde muito baixo

% 80 70 60 50 40 30 20 10 0

<1 1

1-4

5-19

20-49

das há algumas décadas. Por isso, já se considera a proporção de óbitos de pessoas com 75 e mais anos de idade como um melhor indicador do que o ISU. Para ter uma ideia, essa proporção, em anos próximos a 2000, era 29,3% no Egito, 29% no Brasil, 56,5% nos Estados Unidos e 79,7% na Suécia.

Curva de mortalidade proporcional de Nelson de Moraes Com base em mortalidade proporcional por idade, o brasileiro Nelson de Moraes desenvolveu a chamada Curva de Mortalidade Proporcional. São calculadas cinco proporções de óbitos sobre o total dos ocorridos no ano: aqueles em menores de 1 ano de idade (o próprio IMIP), os ocorridos em crianças de 1 a 4 anos, em crianças e adolescentes de 5 a 19 anos, nos adultos de 20 a 49 anos e nos indivíduos de 50 anos ou mais (o próprio ISU). Essas cinco porcentagens são colocadas em um gráfico que fornece imediata impressão sobre o nível de saúde local.

Tipo II Nível de saúde baixo

%

50 e +

80 70 60 50 40 30 20 10 0

<1 1

1-4

idade (anos)

80 70 60 50 40 30 20 10 0

<1 1

1-4

5-19 idade (anos)

20-49

50 e +

idade (anos)

Tipo III Nível de saúde regular

%

5-19

20-49

Tipo IV Nível de saúde elevado

%

50 e +

80 70 60 50 40 30 20 10 0

<1 1

1-4

5-19

20-49

50 e +

idade (anos)

Figura 2.1 Níveis de saúde segundo curvas de Nelson de Moraes.

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CAPÍTULO

3

Medidas de frequência e risco

Morbidade Expressa a situação das doenças na população. O conhecimento do perfil de morbidade é essencial para inferir os riscos de adoecer a que as pessoas estão sujeitas, investigar os fatores condicionantes e determinantes e propor medidas de controle. Comparando as medidas de morbidade com as de mortalidade, as primeiras são mais sensíveis para expressar mudanças em curto prazo. As medidas de morbidade podem não ser tão fidedignas como as de mortalidade, uma vez que o óbito é um evento que não gera dúvidas (a causa do óbito, sim). A morbidade é, também, quantificada por meio de frações, relações, quocientes. São os coeficientes de morbidade que medem a prevalência e a incidência. Ambos coeficientes dependem muito de um serviço de vigilância epidemiológica contínuo e interligado as redes públicas e privadas de saúde.

Prevalência Nº de casos (novos + antigos) em um ponto do tempo em uma área

x 10n

População desta área no mesmo ponto do tempo

A prevalência mede a proporção de pessoas, em uma população, que apresentam uma especí-

fica doença ou atributo, em um determinado ponto no tempo. No cálculo da prevalência, o numerador abrange o total de pessoas que se apresentam doentes, não importando se são casos novos ou antigos da doença ou agravo em um ponto do tempo. Por sua vez, o denominador é a população (número de pessoas) da comunidade no mesmo ponto do tempo. A prevalência pode ser entendida como um instantâneo, uma fotografia da população em determinado ponto no tempo. Nesse momento, determina-se quem tem e quem não tem certa doença. Conforme as características da doença investigada, podemos encontrar pessoas que adoeceram há uma semana, um mês, um ano ou, ainda, cinco, dez ou mais anos. De modo geral, quando estimamos a prevalência de uma doença na comunidade, não levamos em conta a duração da doença. Dado que o numerador da prevalência inclui pessoas acometidas por determinada doença, independentemente de sua duração, essa medida de morbidade não nos oferece uma estimativa da dimensão do risco. Por outro lado, indica, claramente, qual parcela ou proporção da população está acometida por aquela doença; reflete a força de subsistência (magnitude) de uma doença. Quando se divide o numerador (casos existentes) pelo denominador (população do local em um ponto do tempo), obtém-se um número, geralmente,


3 Medidas de frequência e risco

muito pequeno (0,000...). Por isso, costuma-se multiplicar tal valor por uma potência de 10 (100, 1.000, 10.000 ou 100.000) para que se obtenha pelo menos um número inteiro à esquerda da vírgula, em alguns casos, a potência também é denominada “ base”. Essa multiplicação tem como papel principal a ordenação dos resultados, deixando-os mais fáceis de serem interpretados Por vezes, utiliza-se a chamada prevalência por (ou de) período (prevalência lápsica); trata-se de computar, no numerador, em um dado período de tempo, todos os casos que existiram, em qualquer época, naquele período (novos, antigos, que morreram, que se curaram, que foram considerados como perda de acompanhamento etc.). O denominador é constituído pela população da metade do período. A prevalência tende a aumentar por:

Casos novos que surjam na população de interesse, sejam vindos de fora (alóctones ou importados), sejam originando-se na própria população (autóctones); estes últimos caracterizam, conforme será visto a seguir, a própria incidência.

Emigração de não doentes.

Imigração de doentes.

Maior sobrevida dos doentes (tratamentos que controlam a doença, mas não a curam: ocorre redução da letalidade pela doença).

Melhora do sistema de informação ou dos recursos diagnósticos (os casos da doença são desvelados: o aumento da prevalência é aparente).

A prevalência tende a diminuir por:

Redução da incidência da doença (menor velocidade de surgimento de novos casos).

Emigração de doentes.

Imigração de pessoas sadias.

Maior letalidade da doença (evento difícil de acontecer porque, no geral, com o avanço da tecnologia e da terapêutica, a tendência é haver redução da letalidade, que é a proporção de óbitos entre os casos de uma doença em um período de tempo).

Aumento das taxas de cura da doença.

Incidência A incidência pode ser quantificada de duas maneiras: incidência acumulada (ou cumulativa) e densidade ou taxa de incidência. Infelizmente, o termo “taxa” ou “coeficiente” de incidência é utilizado para ambas as medidas, sem discriminá-las adequadamente.

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Incidência acumulada (risco) Nº de novos casos em uma área em um período de tempo

x 10n

População em risco na área

A população em risco será a do início do período caso se trate de estudo individual de coorte, quando existe uma lista de todas as pessoas livres da doença cuja incidência se quer quantificar a partir do início do período de acompanhamento; será, porém, a população do meio do período (1º de julho), quando se tratar do estudo em populações maiores, em que não existe uma lista que individualize todos os elementos da população. A incidência quantifica o número de novos casos de uma doença, ao longo de um período de tempo, em relação a uma população em que os indivíduos apresentem algum risco de se tornar um novo caso de doença; para que seja uma medida de risco, é importante que todos os indivíduos do grupo representado pelo denominador sejam acompanhados por todo o período. Quando se lida com uma população bem definida, em que cada elemento pode ser identificado e acompanhado (como ocorre nos estudos individuais de coorte – veja o Capítulo 6), a população referida é aquela do início do período de acompanhamento e livre do evento (desfecho, doença) que se quer medir. Quando, porém, se trata de incidência cumulativa em um distrito, cidade ou país, a população utilizada no denominador é, por convenção, aquela da metade do período (geralmente, dia 1º de julho do ano em questão, que é a data para a qual o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística faz suas projeções populacionais). Da mesma forma que a prevalência, a incidência acumulada resulta em um número muito pequeno, que será multiplicado por uma potência de 10 (geralmente, 10.000 ou 100.000). Em resumo: a prevalência é a proporção de casos existentes em um ponto do tempo, e a incidência acumulada é a proporção de casos novos em um período de tempo. A prevalência mede a magnitude de um problema da população; a incidência mede o risco a que esta está submetida, a intensidade com que surge a doença. A prevalência é muito útil para medir a frequência e a magnitude de problemas crônicos, ao passo que a incidência é mais aplicada na mensuração de frequência de doenças de curta duração. Isso não quer dizer que não se meça também a incidência de doenças crônicas. Mas a prevalência de doenças agudas não é útil para descrever sua ocorrência. Quando tratamos de doentes, mas não os curamos, a tendência é de a prevalência deste agravo aumentar (por exemplo, diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial (HA)). Por vezes, logo após iniciadas certas campanhas que buscam sen-

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Medicina Preventiva | volume 1

sibilizar médicos e pacientes, parece aumentar a incidência de doenças (por exemplo, hanseníase), mas o que está aumentando pode ser só a detecção de casos que já existiam.

Taxa de ataque É o mesmo que incidência cumulativa; usa-se, frequentemente, para grupos particulares observados por períodos limitados de tempo e em condições especiais, como em uma epidemia. As taxas de ataques são usualmente expressas em porcentagem (quando envolvem pequenas populações) e costumam ser mais usadas quando se trata de doenças transmissíveis.

P

P

P

P

Figura 3.2

Taxa de ataque secundário É a medida de frequência de casos novos de uma doença, entre contatos próximos de casos conhecidos, ocorrendo dentro de um período de incubação aceito, após exposição ao caso-índice. Essa taxa é frequentemente calculada para contatos domiciliares (caso-índice é o primeiro, entre vários de natureza similar e epidemiologicamente relacionados; é, muitas vezes, identificado como fonte de infecção).

Relação entre prevalência (P) e incidência (I) P ≅ I x d, onde d = duração média da doença.

Observe o gráfico a seguir. Cada segmento de reta horizontal representa um caso de doença; os traços verticais delimitam períodos de tempo.

P

P

P

P

P

Figura 3.1 Em cada período surgem três novos casos (I); se a duração da doença for de 4 períodos, a prevalência da doença (P) será = 3 x 4 = 12. É importante observar que, em relação à situação mostrada no gráfico anterior, mesmo com um risco muito maior (I = 5 novos casos em cada período), a prevalência – que não mede risco – pode ser menor (P = 10), como representado no gráfico a seguir. 2 novos casos de ITU (1 pessoa x 1 dia) + (1 pessoa x 2 dias) + (1 pessoa x 7 dias) + (1 pessoa x 30 dias) + (1 pessoa x 60 dias)

8

=

Densidade (taxa) de incidência (DI) Nº de novos casos numa área num período de tempo ∑ [cada pessoa em risco x seu respectivo tempo em risco]

Esta medida é aplicada em duas situações: quando as pessoas ficam expostas ao risco de adoecer (apresentar complicações, ou morrer) por períodos diferentes de tempo umas das outras ou quando apresentam o evento que se quer medir mais de uma vez cada uma. Imagine que se queira aferir o risco de uma primeira infecção do trato urinário (ITU) em uma enfermaria, ao longo de um semestre, segundo o uso de sonda vesical de demora. No numerador do coeficiente seriam computados os novos casos de ITU no período; no denominador estariam os indivíduos que receberam sondagem vesical de demora. Entretanto, o risco de ITU dependerá também da duração da sondagem vesical; não seria justo colocar conjuntamente no denominador pessoas que ficaram sondadas por 1, 2, 7, 30 ou 60 dias. Assim, no denominador da DI entrarão todas as pessoas, cada uma com seu tempo de exposição ao risco de apresentar o evento (tempo que termina quando incide o evento ou quando, por qualquer motivo, o indivíduo deixa de estar em risco, seja por óbito, por término do estudo ou por perda de seguimento). O denominador assim constituído não é a população exposta ao risco, mas um somatório de pessoas vezes seu tempo (pessoas-tempo) em risco. Por exemplo: 2 novos casos de ITU 1 pessoa x (1 + 2 + 7 + 30 + 60 dias)

=

2 novos casos de ITU 100 pessoas x dias

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3 Medidas de frequência e risco

Como 1 dia = 1/3 mês = 0,0333 mês, então: 2 novos casos

=

100 pessoas-dias ↓ 0,02/dia

2 novos casos 100 x 0,0333 pessoas-meses

=

2 novos casos 3,33 pessoas-meses

=

60 novos casos 100 pessoas-meses ↓ 0,6/mês

Note-se, então, que 0,02 dia-1 (2 eventos novos/100 pessoas-dias) é o mesmo que 0,6 mês-1 (60 eventos novos/100 pessoas-meses) ou que 0,14 semana-1 (14 eventos novos/100 pessoas-semanas).

um tempo, resultará um risco; em outro tempo, outro risco. Costumeiramente, por meio de uma função matemática (a função logística), calcula-se o risco, em um período de tempo, a partir da DI.

Enquanto a incidência acumulada mede a proporção de pessoas que sofre a transformação de um estado a outro (por exemplo, de não doente a doente) durante um período de tempo, a DI mede a velocidade com que essa transformação ocorre. O risco varia de 0 a 1 (ou 100%). A DI varia de zero a infinito (se todos em risco sofrerem a transformação em um tempo que tenda a zero); ela é também entendida como uma força, um potencial que existiria a cada instante, responsável pela transformação que se está medindo. Essa força, se aplicada por

A DI 0,02 dia-1 equivale a dizer que existe uma força de incidência na população de interesse capaz de transformar de não doente em doente 2% das pessoas a cada dia (risco em 1 dia), ou 14% a cada semana (risco em 1 semana), ou 60% a cada mês (risco em 1 mês).

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O cálculo direto do risco (incidência acumulada), no exemplo dado, teria resultado em 40% (2 novos casos em 5 pessoas expostas à sondagem vesical) em 60 dias, que é o tempo que teria durado o estudo.

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CAPÍTULO

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Raiva humana, tétano acidental e tétano neonatal Raiva humana

Situação no Brasil

Aspectos epidemiológicos

Entre 1980 e 2004, houve uma importante redução (83%) do número de casos de raiva humana no Brasil. A maioria dos casos concentra-se nas regiões Norte e Nordeste. A raiva humana transmitida pelo cão está controlada na região Sul, e em alguns estados da região Sudeste, e há perspectiva de eliminação dessa transmissão até o fim do ano de 2012, conforme compromisso com os países das Américas e a OPAS/OMS. Entre setembro e outubro de 2005, porém, confirmaram-se 17 casos de morte por raiva no município de Turiaçu, a 320 km de São Luís, no Maranhão. Foi o maior surto de raiva humana transmitida por morcegos já registrado no país. Todos moravam na zona rural de um pequeno povoado distante 32 km da sede do município. No Brasil, ao término de 2005, foram registrados 44 óbitos por raiva (17 no Pará e 24 no Maranhão). Em 2006, houve nove óbitos, sendo cinco no Maranhão. Em 2007, apenas um óbito. No ano de 2008*, foram notificados três casos de raiva humana, sendo dois por morcego e um por sagui. Não houve transmissão por cão ou gato (Gráfico 9.1). Ressalte-se que, naquele ano, foi registrado o primeiro caso de cura de raiva humana no Brasil, em Pernambuco. De 2012 até 2015 ocorreram 11 casos da doença em humanos. Em 2014 e 2015 houve 883 casos em bovinos, 167 em morcegos não hematófagos, 126 em equinos e 61 casos em cães.

A raiva é uma antropozoonose transmitida ao homem pela inoculação do vírus rábico contido na saliva do animal infectado, cujo agente etiológico pertence à família Rhabdovirida e ao gênero Lyssavirus principalmente por meio de mordedura. Ainda é um problema de saúde pública em países em desenvolvimento, especialmente a transmitida por cães e gatos em áreas urbanas. Há dois ciclos básicos de transmissão: o urbano e o silvestre (envolvendo morcegos, macacos e raposas). Na zona rural, a doença afeta animais de produção como bovinos e equinos. Tem grande importância epidemiológica por apresentar letalidade praticamente de 100% (todos os casos de raiva morrem de raiva, com apenas três exceções mundiais). O período de incubação da raiva é muito variável. No homem, em geral, vai de 2 a 10 semanas, em média 30 a 45 dias. Porém, há relatos de poucos dias até vários anos. Esse período depende da natureza da exposição (extensão, profundidade, localização da lesão etc.), da quantidade de inóculo (carga viral) e da cepa do vírus. A raiva é uma doença em que o período de incubação tende a ser maior do que o período de carência da vacina (tempo que leva até esta produzir anticorpos protetores); assim, a vacinação após a exposição (o que não é a regra nas vacinações) tem capacidade de proteger o comunicante de raiva (que é o indivíduo agredido por um animal).


9 Raiva humana, tétano acidental e tétano neonatal *Em 2008 foi notificado o primeiro caso brasileiro – e o segundo relato no mundo – de cura da raiva humana em ambiente de terapia inten-siva, no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, no qual um jovem de 15 anos – infectado pela mordedura de um morcego hematófago – apresentou recuperação. O procedimento terapêutico aplicado e conduta empregada foram reunidos no primeiro protocolo brasileiro de tratamento para raiva – o Protocolo de Recife. (Fontes: 1. Brasil. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Protocolo para Tratamento de Raiva Humana no Brasil. Epidemiol Serv Saúde 2009;18(4):385-94. 2. Gomes AP, Esperidião-Antonio V, Mendonça BG e col. Raiva Humana. Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 jul-ago;10(4):334-40)

Proteção da população Ante a suspeita de caso de raiva, deve-se organizar um bloqueio vacinal em cães e gatos em até 72 horas após a notificação, em um raio de 5 km na zona urbana e 12 km na zona rural, em relação ao local em que o indivíduo foi agredido. São necessários, ainda, a captura e o envio de amostras de animais da área de atuação para o diagnóstico laboratorial e/ou comprovação da circulação viral. As informações sobre as coberturas vacinais dos animais da área endêmica, quando disponíveis, são importantes para o processo de decisão quanto à extensão inicial e seletividade do bloqueio (em áreas silvestres, sendo a fonte de infecção da espécie quiróptera (morcegos), a extensão da ação de bloqueio deve ser feita em um raio de até 12 km: vacinação nos rebanhos, captura e combate aos morcegos hematófagos e educação sanitária).

O animal envolvido no acidente

Gráfico 9.1 Casos de raiva humana por espécie animal de transmissão – Brasil, de 2000 a 2011. Fonte: SVS/MS.

Vigilância epidemiológica Sem dúvida, a ocorrência de um caso de raiva humana representa a falência do sistema de saúde local. Na vigência da raiva, os dados epidemiológicos são essenciais tanto para os médicos, para que seja tomada a decisão de tratamento pós-exposição, como para os veterinários, que devem adotar medidas relativas ao animal envolvido. Todo caso humano suspeito de raiva é de notificação individual, compulsória e imediata aos níveis municipal, estadual e federal. A primeira medida a ser adotada é sempre a assistência médica ao paciente, que, conforme avaliação, poderá receber vacinação, sorovacinação ou acompanhamento durante o período de observação do animal (se houver).

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No caso de cães ou gatos, é importante saber o estado de saúde do animal no momento da agressão, a maneira como ocorreu o acidente (reação em defesa própria ou das crias, momento de alimentação, provocação de dor etc.), a possibilidade de observação do animal por dez dias, a região de procedência (área de raiva controlada ou não), os hábitos de vida do animal (domiciliado exclusivo ou não). No caso de animais silvestres, mesmo que domiciliados e/ou domesticados, a agressão sempre deve ser considerada de risco, pois neles a patogenia da raiva não é bem conhecida. Toda agressão por morcego, hematófago ou não, deve ser classificada como grave. No caso de agressão por bovinos, bubalinos, equídeos, caprinos, ovinos e suínos, pode haver risco; é importante conhecer o grau de contato dos tratadores e outros profissionais com esses animais e a incidência de raiva na região para indicar ou não o tratamento pré ou pós-exposição. Não é necessário indicar tratamento profilático de raiva em caso de acidentes causados por ratazanas de esgoto, ratos-de-telhado, camundongos, cobaias, porquinhos-da-Índia, hamsters e coelhos (lagomorfos).

Profilaxia da raiva pré-exposição É indicada para pessoas que, por causa de suas atividades profissionais ou de lazer, estejam expostas permanentemente ao risco de infecção (profissionais e estudantes de medicina veterinária, auxiliares de laboratórios de virologia/anatomia patológica para raiva, pessoas que trabalham na captura e vacinação de animais, funcionários de zoológicos etc.).

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Medicina Preventiva | volume 1

Profilaxia da raiva pós-exposição A tabela 9.4 orienta a profilaxia pós-exposição:

Tipo de exposição

Cão ou gato sem suspeita de raiva no momento da agressão

Cão ou gato clinicamente suspeito de raiva no momento da agressão

Cão ou gato raivoso, desaparecido ou morto; animais silvestres (inclusive os domiciliados); animais domésticos de interesse econômico ou de produção

Contato indireto

Lavar com água e sabão Não fazer esquema pós-exposição

Indivíduos com esquema de pré-exposição, com comprovação sorológica (título maior ou igual a 0,5 UI/mL)

Duas doses de vacina, uma no dia 0 e outra no dia 3 Não indicar soro

Acidentes leves Ferimentos superficiais, pouco extensos, geralmente únicos, em tronco e membros (exceto mãos, polpas digitais e planta dos pés). Podem acontecer em decorrência de mordeduras ou arranhaduras causadas por unha ou dente. Lambedura de pele com lesões superficiais.

Acidentes graves Ferimentos na cabeça, face, pescoço, mão, polpa digital e/ ou planta do pé. Ferimentos profundos, múltiplos ou extensos, em qualquer região do corpo. Lambedura de mucosas. Lambedura de pele onde já existe lesão grave. Ferimentos profundos causados por unhas de animais. Qualquer ferimento provocado por morcego.

Lavar com água e sabão Iniciar esquema profilático com duas doses, uma no dia 0 e outra no dia 3 Lavar com água e sabão Observar o animal durante 10 Observar o animal durante 10 dias após a exposiçãoa Lavar com água e sabão dias após a exposiçãoa: se o Se a suspeita de raiva for desIniciar imediatamente o esqueanimal permanecer sadio no cartada após o 10º dia de obma profilático com 5 doses de período de observação, encerservação, suspender o esquevacina, administradas nos dias rar o caso; se o animal morrer, ma profilático e encerrar o caso 0, 3, 7, 14 e 28 desaparecer ou se tornar raivoSe o animal morrer, desapareso, administrar 5 doses de vacicer ou se tornar raivoso, comna (dias 0, 3, 7, 14 e 28) pletar o esquema até 5 doses. Aplicar uma dose entre o 7º e o 10º dia e uma dose nos dias 14 e 28 Lavar com água e sabão Observar o animal durante 10 dias após exposiçãoa,b Iniciar esquema profilático com Lavar com água e sabão duas doses, uma no dia 0 e ouIniciar o esquema profilático tra no dia 3 com soro e 5 doses de vacina Se o animal permanecer sadio Lavar com água e sabão nos dias 0, 3, 7, 14 e 28 no período de observação, enIniciar imediatamente o esqueObservar o animal durante 10 cerrar o caso ma profilático com soro 5 doses dias após a exposição. Se o animal morrer, desapade vacina, administradas nos Se a suspeita de raiva for desrecer ou se tornar raivoso, dar dias 0, 3, 7, 14 e 28 cartada após o 10º dia de obcontinuidade ao esquema proservação, suspender o esquefilático, administrando o soro e ma profilático e encerrar o caso completando o esquema até 5 doses – aplicar uma dose entre o 7º e o 10º dia e uma dose nos dias 14 e 28

Tabela 9.4 Esquema para profilaxia pós-exposição antirrábica humana com vacina de cultivo celular. aÉ necessário orientar o paciente para que ele notifique imediatamente a unidade de saúde se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso, uma vez que podem ser necessárias novas intervenções de forma rápida, como a aplicação do soro ou o prosseguimento do esquema de vacinação.

É preciso avaliar, sempre, os hábitos do cão e do gato e os cuidados recebidos. Podem ser dispensadas do esquema profilático as pessoas agredidas pelo cão, ou gato, que, com certeza, não têm risco de contrair a infecção rábica. Por exemplo, animais que vivem dentro do domicílio (exclusivamente); que não tenham contato com outros animais desconhecidos; que somente saem à rua acompanhados dos seus donos e que não circulem em área com a presença de morcegos. Em caso de dúvida, iniciar o esquema de profilaxia indicado. Se o animal for procedente de área de raiva controlada, não é necessário iniciar o esquema. Manter o animal sob observação durante 10 dias e somente iniciar o esquema indicado (soro + vacina) se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso nesse período.

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A vacina de cultura celular, quando comparada à antiga vacina Fuenzalida-Palacios, é mais potente, segura e isenta de risco. É produzida em cultura de células (diploides humanas – VCDH, células Vero, de rim de macaco verde africano – VCV, células de embrião de galinha etc.). Sua dose independe da idade e do peso do paciente; a via de aplicação é a intramuscular, na região deltoide ou no vasto lateral da coxa. A vacina não deve ser aplicada na região glútea. Não tem contraindicações. Sempre que possível, recomenda-se a interrupção do tratamento com corticoides e/ou imunossupressores ao se iniciar o esquema de vacinação. As manifestações adversas mais frequentemente relatadas são reação local, febre, mal-estar, náuseas e cefaleia. Não há relato de ocorrência de óbito. Reações neurológicas, diferente-

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9 Raiva humana, tétano acidental e tétano neonatal

mente do que ocorria com a vacina Fuenzalida-Palacios, são muito raras (cerca de um para cada 500 mil pacientes tratados). Nos Estados Unidos, a incidência de reações alérgicas (OMS) foi de 11 casos por 10 mil pacientes tratados (0,11%), sendo apenas um caso de reação anafilática do tipo I. O soro antirrábico pode ser heterólogo, preparado em equídeos imunizados (dose: 40 UI/kg de peso do paciente) ou homólogo (imunoglobulina humana antirrábica; dose: 20 UI/kg de peso do paciente). Pode ser aplicado na região glútea.

Tétano acidental Aspectos epidemiológicos O tétano é uma doença aguda não contagiosa causada por exotoxinas produzidas pelo Clostridium tetani, bacilo Gram-positivo esporulado anaeróbico, comumente encontrado na natureza, sob a forma de esporo, nos seguintes meios: pele, trato intestinal de animais (especialmente do cavalo e do homem, sem causar doença), fezes, terra, reino vegetal, águas putrefatas, instrumentos perfurocortantes enferrujados, poeira das ruas etc. O período de incubação (para o esporo germinar, elaborar toxinas e permitir que essas atinjam o sistema nervoso central) varia de um dia a alguns meses, mas, usualmente, é de 3 a 21 dias. Não há transmissão de um doente a um novo hos-

pedeiro. A suscetibilidade é universal, independentemente de sexo ou idade. A imunidade permanente é conferida pela vacina com três doses e reforço a cada 5 ou 10 anos. A doença não confere imunidade. Os filhos de mães imunes apresentam imunidade passiva e transitória até 4 meses de vida. Recomenda-se um reforço da vacina em caso de nova gravidez, se essa distar mais de 5 anos da última dose. A imunidade por soro antitetânico (SAT) dura até 14 dias, em média uma semana, e a conferida pela imunoglobulina humana dura de 2 a 4 semanas, em média 14 dias.

Situação no Brasil No Brasil verifica-se tendência de declínio das taxas médias de incidência no período de 1990 a 2009. Ao longo de toda a década de 1980, os casos confirmados variaram de 1.500 a 2.200. Na década de 1990, de 1.500 a cerca de 700 casos. O Gráfico 9.2 mostra a evolução da doença no século XXI. Esta situação pode ser atribuída ao maior desenvolvimento socioeconômico e educacional e ao maior acesso a serviços de saúde, inclusive da população que migrou da zona rural para a urbana como consequência da mecanização da agricultura. A letalidade do tétano acidental está acima de 30%, afetando principalmente os menores de 5 anos e os idosos. Em 2012 e 2013 houve 106 e 87 óbitos pela doença, respectivamente (SINAN, 2013).

Gráfico 9.2 Casos confirmados e coeficiente de incidência por tétano acidental. Brasil – 1990 a 2013.

Vacinação Os eventos adversos são raros (dor local, hiperemia, edema, induração, febrícula, sensação de mal-estar de intensidade variável e passageira). Recomenda-se o esquema vacinal completo contra o tétano a todas as pessoas ainda não vacinadas ou àquelas com esquema incompleto, independentemente de idade e

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sexo. Devem-se considerar como doses válidas apenas as que puderem ser comprovadas por caderneta de vacinação. As vacinas existentes são: A) tetravalente (contra a difteria, tétano e coqueluche e doença invasiva por Haemophilus influenzae tipo b): tem eficácia de 80% contra a difteria, 99% contra o tétano e de 75% a 80% contra a coqueluche; B) dupla adulto – dT (a quantidade de toxoide diftérico é menor do que a presente na vacina infantil e não contém o componente anti-Pertussis, da coqueluche): deve ser aplicada após os 7 anos de idade e para mulheres em idade fértil, ou seja, de 12 a 49 anos; além desses, para pessoas que não tenham recebido o esquema completo e os dois reforços.

Soroterapia Existe o soro antitetânico (SAT), indicado para a prevenção e o tratamento do tétano, que é produzido a partir de equinos hiperimunizados com toxoide tetânico; é administrado por via intramuscular, podendo ser no quadrante superior do glúteo (ao contrário da vacina antirrábica). Ao administrar o SAT, juntamente com a vacina contra o tétano, utilizar regiões musculares diferentes. A dose profilática é de 5.000 UI (para crianças e adultos), que corresponde a uma ampola de 5 mL. A dose terapêutica é de 20.000 UI. Além do SAT, existe a imunoglobulina humana hiperimune antitetânica (IGHAT), indicada em substituição ao SAT em situações de hipersensibilidade ao soro heterólogo, história pregressa de alergia ou hipersensibilidade ao uso de outros soros heterólogos. Sua administração, também, é por via intramuscular.

Conduta na presença de ferimentos suspeitos História de vacinação prévia contra tétano

Ferimentos com risco mínimo de tétanoa Vacina

SAT/IGHAT

Incerta ou menos de 3 doses

Sim

Não

Simc

Sim

3 doses ou mais, sendo a última dose há menos de 5 anos

Não

Não

Não

Não

3 ou mais doses, sendo a última dose há mais de 5 anos e menos de 10 anos

Não

Não

3 ou mais doses, sendo a última dose há 10 ou mais anos

Sim

Não

3 ou mais doses, sendo a última dose há 10 ou mais anos em situações especiais

Sim

Não

Outras condutas

Ferimentos com alto risco de tétanob Vacina

Limpeza e desinfecção, lavar com Sim soro fisiológico e (1 reforço) substâncias oxidantes ou antissépticas e desbridar o Sim foco de infecção (1 reforço)

Sim (1 reforço)

SAT/IGHAT

Nãod

Nãod

Outras condutas

Desinfecção, lavar com soro fisiológico e substâncias oxidantes ou antissépticas e remover corpos estranhos e tecidos desvitalizados Desbridamento do ferimento e lavagem com água oxigenada

Sime

Tabela 9.5  Esquema de condutas profiláticas de acordo com o tipo de ferimento e situação vacinal. a- Ferimentos superficiais, limpos, sem corpos estranhos ou tecidos desvitalizados. b- Ferimentos profundos ou superficiais sujos; com corpos estranhos ou tecidos desvitalizados; queimaduras; feridas puntiformes ou por armas brancas e de fogo; mordeduras; politraumatismos e fraturas expostas. c- Vacinar e aprazar as próximas doses, para complementar o esquema básico. Essa vacinação visa proteger contra o risco de tétano por outros ferimentos futuros. Se o profissional que presta o atendimento suspeita que os cuidados posteriores com o ferimento não serão adequados, deve considerar a indicação de imunização passiva com SAT (soro antitetânico) ou IGHAT (imunoglobulina humana antitetânica). Quando indicado o uso de vacina e SAT ou IGHAT, concomitantemente, devem ser aplicados em locais diferentes. d- Para paciente imunodeprimido, desnutrido grave ou idoso, além do reforço com a vacina, está também indicada IGHAT ou SAT. e- Se o profissional que presta o atendimento suspeita que os cuidados posteriores com o ferimento não serão adequados, deve considerar a indicação de imunização passiva com SAT ou IGHAT. Quando indicado o uso de vacina e SAT ou IGHAT, concomitantemente, devem ser aplicados em locais diferentes.

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9 Raiva humana, tétano acidental e tétano neonatal

Tétano neonatal Conhecido também como tétano umbilical ou “mal de sete dias”, é doença grave, não contagiosa, que acomete o recém-nascido, tendo como manifestação clínica inicial a dificuldade de sucção. A infecção ocorre quando são utilizados instrumentos cortantes contaminados para a secção do cordão umbilical ou pelo uso de substâncias contaminadas na ferida umbilical, como teia de aranha, pó de café, esterco etc. A incubação dura, em média, sete dias, podendo variar de 2 a 28 dias. A imunidade só é conferida pela vacinação adequada da mãe (importância do pré-natal), com três doses (mínimo de duas). A principal forma de prevenir o tétano neonatal é a vacinação de todas as mulheres em idade fértil (Tabela 9.6). Os filhos de mães adequadamente vacinadas nos últimos cinco anos apresentam imunidade passiva e transitória até os quatro meses de vida extrauterina. No entanto, recomenda-se um reforço em caso de nova gravidez, se essa ocorrer cinco ou mais anos após a última dose recebida. A imunidade passiva por SAT e IGHAT dura, em média, uma e duas semanas, respectivamente. No tétano neonatal, o SAT é utilizado na dose de 10 a 20 mil UI por via endovenosa, diluído em soro glicosado a 5%, em gotejamento lento. A IGHAT disponível no Brasil é de uso muscular exclusivo, e sua dose é de 1 a 3 mil UI, distribuída em duas massas musculares. MIF

História de vacinação prévia contra tétano

Não gestantes

Gestantesa

Iniciar o esquema vacinal com dT o mais precocemente Esquema vacinal com 3 doses, intervapossível com 2 doses, intervalo de 60 dias e, no mínimo, lo de 60 dias e, no mínimo, 30 dias 30 dias e 1 dose de dTpa Se 1 dose, completar com 1 dose de dT e 1 dose de dTpa. Completar o esquema vacinal com dT, inSe 2 doses dT, completar o esquema com dTpa, intervalo tervalo de 60 dias e, no mínimo, 30 dias de 60 dias e, no mínimo, 30 dias Aplicar 1 dose de dTpa a cada gestação Não é necessário vacinar

Sem nenhuma dose registrada

(registrado) 3 doses ou mais registradas

Tabela 9.6 Protocolo de imunização de mulheres em idade fértil (MIF). *Recomenda-se que todas as gestantes tenham 3 doses de dT ou dT mais dTpa até 20 dias antes da data provável de parto. Mas, se a gestante chegar tardiamente ao serviço de saúde e não tiver o esquema completo de vacinação para os componentes difteria, tétano e pertussis acelular, deverão ser asseguradas no mínimo 2 doses, sendo, preferencialmente, a primeira dose com dTpa e, a segunda, com dT, devendo a 2ª dose ser administrada até 20 dias antes da data provável do parto. O esquema vacinal deverá ser completado no puerpério ou em qualquer outra oportunidade. O tétano neonatal continua existindo como problema de saúde pública apenas nos países de menor desenvolvimento econômico e social, principalmente no continente africano e no sudeste asiático. A OMS preconiza, como meta a ser alcançada, a incidência máxima de um caso a cada mil nascidos vivos, por distrito ou município, internamente a cada país. O quadro a seguir mostra a situação brasileira de 1982 a 2013. Casos 800

700

OMS propôs eliminação até 1995

600

Implantação do Plano de Eliminação

500

400

Plano Emergencial para os municípios de alto risco

300

Fortalecimento das ações nos municípios e áreas potenciais de risco para ocorrência de TNN

200

100

0 82

83

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85

86

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88

89

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91 92

93

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01

02

03

04

05

06

07

08

09

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Fonte: CGDT/DEVEP/SVS/MS *Dados preliminares

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Gráfico 9.3 Casos confirmados de tétano neonatal – Brasil, 1982 a 2013.

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60,0

7,0 6,0

Coberturas vacinais (%)

50,0

5,0

40,0

4,0 30,0 3,0 20,0

2,0

10,0

1,0

3 04 05 06 07 08 09 10 11 93 4 95 96 97 98 99 00 01 2 19 199 19 19 19 19 19 20 20 200 200 20 20 20 20 20 20 20 20

Cobertura vacinal

0,0

Coeficientes de incidência por 1.000 nascidos vivos

O Gráfico 9.4 mostra a relação entre a vacinação de gestantes e o tétano neonatal.

Coef. incidência/1.000 NV

Fonte: SVS/MS. Gráfico 9.4 Coeficientes de incidência por tétano neonatal e cobertura vacinal em gestantes com a vacina dupla tipo adulto – Brasil, de 1993 a 2011.

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Reforçando o aprendizado Você encontrará nos próximos capítulos, questões comentadas e atualizadas dos últimos concursos de Residência Médica. Leia cada questão com muita atenção e aproveite ao máximo os comentários. Se necessário, retorne ao texto de sua apostila. Sugerimos que você utilize esta área de treinamento fazendo sua autoavaliação a cada 10 (dez) questões. Dessa forma, você poderá traçar um perfil de rendimento ao final de cada treinamento e obter um diagnóstico preciso de seu desempenho. Estude! E deixe para responder as questões após domínio dos temas. Fazê-las imediatamente pode causar falsa impressão. O aprendizado da Medicina exige entusiasmo, persistência e dedicação. Não há fórmula mágica. Renove suas energias e se mantenha cronicamente entusiasmado. Boa sorte! Você será Residente em 2019! Atenciosamente, Equipe SJT

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QUESTÕES PARA TREINAMENTO Pré-operatório

PUC-PR – 2017 Paciente adulto, com menos de 40 anos e sem comorbidades, será submetido a um procedimento cirúrgico sem risco de sangramento. Com relação à avaliação pré-operatória, assinale a alternativa CORRETA: a) é necessário solicitar eletrocardiograma, radiografia de tórax, ureia e creatinina, glicemia e hemograma b) é necessário solicitar eletrocardiograma e radiografia de tórax c) é necessário solicitar ureia e creatinina, glicemia e hemograma d) é necessário solicitar eletrocardiograma, radiografia de tórax, ureia e creatinina, glicemia e hemograma e coagulograma e) não é necessário fazer exame algum pré-operatório PSU-CE – 2017 Mulher de 64 anos, diabética, em uso de metformina, 1 comprimido (850 mg) 2 vezes ao dia, às refeições. Internou-se para realização de colecistectomia videolaparoscópica, agendada para 14 horas. Não apresenta outras comorbidades. Os exames pré-operatórios mostram glicemia em jejum 118 mg/dL, hemoglobina glicada 6,8%, demais exames normais. Diante do exposto, em relação ao diabetes, qual a conduta recomendada para essa paciente, no dia da cirurgia? a) suspender o uso da metformina

b) substituir a metformina por sulfonilureia c) administrar insulina regular pela manhã e soro glicosado d) administrar insulina de longa duração no período da manhã

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AMP – Clínica Cirúrgica – 2016 Paciente masculino, 60 anos, renal crônico, hemodialítico, em pré-operatório para correção de hérnia umbilical e colocação de cateter para diálise peritoneal. Sem outras comorbidades e sem alterações significativas no exame físico. Assinale a alternativa que contenha medida a ser realizada para este paciente no pré ou no perioperatório. a) aumento da hidratação no pré-operatório com intuito de correção da hiponatremia b) solicitação de radiografia de tórax, exame de urina e análise dos eletrólitos urinários c) correção com bicarbonato de sódio dos quadros de acidose metabólica associados a hipoperfusão d) realização de hemodiálise antes da operação para equilibrar seu volume intravascular e controlar o nível de potássio e) a anemia quando presente é de caráter conservado, não sendo necessário tratamento específico pois sua correção é realizada durante a hemodiálise pré-operatória AMP – Clínica Cirúrgica – 2016 Paciente masculino 60 anos, em avaliação pré-operatória de artroplastia de joelho.


Cirurgia geral | Questões para treinamento

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5.

6.

7.

Ex-tabagista, apresentando atualmente, bronquite crônica em uso de terapia broncodilatadora. Analise as medidas abaixo e assinale aquelas que podem diminuir as complicações pulmonares no período pós-operatório deste paciente.

8.

I. Uso de anestesia peridural. II. Terapia continuada com broncodilatador no período perioperatório. III. Fisioterapia pré e pós-operatória. IV. Uso de antibioticoterapia de amplo espectro. Estão CORRETAS: a) I e III apenas b) III e IV apenas c) I, II e III apenas d) I, III e IV apenas e) todas estão corretas AMRIGS – Clínica Cirúrgica – 2016 Em relação ao manejo das medicações de uso contínuo pelos pacientes no período pré-operatório, é CORRETO afirmar que: a) hipoglicemiantes orais devem ser administrados em dose reduzida (metade) no dia da cirurgia b) warfarin deve ser suspenso de 7 a 10 dias antes da cirurgia, em todos os casos c) medicações para a asma devem ser suspensas 2 dias antes da cirurgia d) aspirina deve ser sempre suspensa 7 dias antes da cirurgia e) estatinas devem ser continuadas mesmo no dia da cirurgia AMRIGS – Clínica Cirúrgica – 2016 Paciente de 50 anos, feminina, sem comorbidades, vai ser submetida a uma colecistectomia videolaparoscópica por colelitíase. Que exame(s) deveria(m) ser solicitado(s), entre outros, com vistas a avaliação pré-operatória? a) hemograma e glicose de jejum b) ecocardiograma c) antígeno carcinoembriônico d) polissonografia e) colesterol e triglicerídeos AMRIGS – Clínica Cirúrgica – 2016 NÃO é considerada cirurgia de risco cardíaco intermediário (1-5%): a) endarterectomia de carótida b) cirurgia intraperitoneal c) cirurgia de próstata d) cirurgia de mama e) cirurgia ortopédica

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HAC – Clínica Cirúrgica – 2016 Segundo a classificação da Sociedade Americana de Anestesistas (ASA). Um paciente em pré-operatório que apresenta risco ASA III é: a) paciente com doença sistêmica moderada b) paciente com doença que o deixa incapacitado e que é uma ameaça constante à vida c) paciente com doença sistêmica grave que limita atividades, mas não o deixa incapacitado d) paciente normal e saudável e) paciente moribundo, que não tem expectativa de vida de 24h com ou sem operação. HAC – Clínica Cirúrgica – 2016 Com relação à transfusão de plaquetas. Assinale a alternativa CORRETA: a) indicada para contagem de plaquetas recente < 30000/mm³ b) após transfusão o número de plaquetas aumenta no mínimo 50000 mm³ c) indicada em caso de hipotermia com sangramento d) transfusões repetidas nunca alteram resposta a transfusão e) indicada profilaticamente em cirurgias de grande porte em paciente com leucemia com 50.000 plaquetas/mm³

HAC – Clínica Cirúrgica – 2016 10. Sobre os fios utilizados para sutura, pode-se afirmar que: a) o fio de poliglactina 910 (vicryl) é totalmente absorvido num prazo máximo de 45 dias da sutura na aponeurose da parede abdominal b) o fio de seda é um fio de absorção lenta, estando ainda intacto após 6 meses de seu uso em suturas intestinais c) fio de polidioxanona (PDS) tem sua absorção iniciada após 90 dias e é completamente absorvido após 6 meses d) o fio de algodão tem mais resistência e menor tendência a floculação quando comparado ao fio de seda e) o fio de Nylon é o fio mais utilizado para suturas da pele por ser multifilamentar, o que confere resistência a grandes tensões INCA – Clínica Cirúrgica – 2016 11. O paciente com cirrose pode ser avaliado utilizando-se a classificação de Child-Pugh, que estratifica o risco cirúrgico de acordo com, EXCETO: a) níveis alterados de albumina b) níveis alterados de bilirrubina c) grau de ascite d) níveis alterados de fosfatase alcalina SJT Residência Médica


1 Pré-operatório PUC-PR – Clínica Cirúrgica – 2016 12. Já se foram os tempos em que o cirurgião se restringia aos aspectos técnicos apenas do ato operatório. Hoje, um bom cirurgião deve estar envolvido em todas as fases relacionadas à cirurgia. Em relação ao pré, per e pós-operatório, assinale a alternativa CORRETA. a) a tricotomia, quando possível, deve ser feita em ambiente domiciliar pelo próprio paciente, 24 horas antes do ato operatório. Essa técnica reduz o ingresso de micro-organismos no sítio cirúrgico, reduzindo, assim, o risco de desenvolvimento de infecções da ferida operatória b) paciente ASA II é o paciente que apresenta distúrbio sistêmico de grau leve, como consequência do processo que motivou a operação ou de doenças associadas. Ou seja, alteração sistêmica leve ou moderada relacionada com patologia cirúrgica ou enfermidade geral c) embolia gasosa é uma complicação grave no pós-operatório. O quadro clínico simula uma embolia pulmonar e pode ocorrer nas infusões venosas com frascos de vidro, principalmente se sob pressão. Uma das medidas de profilaxia é, ao introduzir ou retirar cateteres na veia cava superior, fazer essa retirada com o paciente na posição sentada d) a colecistite aguda alitiásica representa cerca de 5 a 10% do total das colecistites. Ocorre com menos frequência em pacientes traumatizados e sua incidência é maior em pacientes jovens, do sexo feminino e com uma taxa de mortalidade menos elevada e) nos pacientes submetidos à raquianestesia existe uma vasoconstrição na região anestesiada e um consequente aumento relativo da volemia, que causa, em geral, picos hipertensivos logo após a indução anestésica. UERJ – Clínica Cirúrgica – 2016 13. O manejo perioperatório do paciente diabético é fundamental para um bom resultado da cirurgia. Em relação a um paciente com diabetes tipo 2, é CORRETO afirmar que: a) a metformina deve ser suspensa pelo menos 24 horas antes da cirurgia b) a insulina regular deve ser substituída por insulina NPH na véspera da cirurgia c) está contraindicado o uso de soluções com glicose na reposição volêmica durante o pós-operatório d) deve-se aplicar, na manhã do dia da cirurgia, o dobro da dose habitual de insulina regular para prevenção de hiperglicemia durante a cirurgia SJT Residência Médica

UERJ – Clínica Cirúrgica – 2016 14. O envelhecimento da população tem aumentado o número de pacientes com idade elevada que precisam ser submetidos a um procedimento cirúrgico. Entre as alterações fisiológicas identificadas nesse grupo, encontra-se o aumento no(a): a) dependência da pré-carga para manutenção do débito cardíaco b) resposta ventilatória à hipoxemia c) fluxo sanguíneo renal d) número de miócitos UERJ – Clínica Cirúrgica – 2016 15. Mulher de 57 anos, com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico e em uso crônico de prednisona 30 mg/d, foi diagnosticada com quadro de adenocarcinoma em antro gástrico. No período perioperatório, essa paciente deverá receber: a) dose habitual de corticosteroides b) 60 mg de prednisona na manhã do dia da cirurgia c) 50 mg de dexametasona nas primeiras 24h de pós-operatório d) reposição venosa de hidrocortisona no ato anestésico e nas primeiras 72h de pós-operatório UFG – Clínica Cirúrgica – 2016 16. É uma das medidas preconizadas pelo protocolo ERAS – Enhence Recovery After Surgery: a) ingestão de carboidrato até duas horas antes da cirurgia b) analgesia com opioide c) sonda nasoenteral para alimentação precoce d) hidratação generosa UFRN – Clínica Cirúrgica – 2016 17. É imprescindível ao cirurgião o pleno conhecimento sobre as características dos fios cirúrgicos, tais como força tênsil, capacidade e tempo médio de absorção, coeficiente de atrito e construção filamentar (monofilamento ou polifilamento). São considerados fios absorvíveis: a) ácido poliglicólico e seda b) ácido poliglicólico e polidioxanona c) polipropileno e categute cromado d) polidioxanona e seda UNAERP – Clínica Cirúrgica – 2016 18. A efetividade da profilaxia antibiótica sistêmica em pacientes cirúrgicos depende principalmente de uso de antibiótico a) em múltiplas doses, por um curto período b) bactericida

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Cirurgia geral | Questões para treinamento c) de largo espectro d) antes da cirurgia, na indução anestésica e) no pós-operatório imediato UNESP – Clínica Cirúrgica – 2016 19. Com relação à antibioticoterapia profilática em cirurgias eletivas de hemorroidectomia, assinale a alternativa CORRETA. a) não está indicada antibioticoterapia profilática, mas sim terapêutica por trata-se de cirurgia contaminada b) antibioticoterapia profilática por 24 horas c) dose única de antibiótico que deve ser administrada na indução anestésica d) não é necessário antibioticoterapia profilática e nem terapêutica UNAERP – Clínica Cirúrgica – 2015 20. Qual das seguintes é uma das variáveis do escore MELD (modelo para doença hepática terminal)? a) creatinina b) idade c) grau de encefalopatia d) causa da insuficiência e) sangramento digestivo UNICAMP – Clínica Cirúrgica – 2015 21. Em relação aos índices de gravidade de pacientes cirúrgicos, assinale a alternativa CORRETA: a) são definidos como uma classificação numérica relacionada a determinadas características apresentadas pelos pacientes e não proporcionam meios para avaliar as probabilidades de mortalidade b) os índices de gravidade Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE) e o Simplified Acute Physiological Score (SAPS) devem ser utilizados após 48 horas de internação c) em pacientes submetidos à cirurgia eletiva o melhor índice de gravidade é o Injury Severity Score (ISS) d) para descrever a disfunção orgânica dos pacientes cirúrgicos é indicado o uso do Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) UNIFESP – Clínica Cirúrgica – 2015 22. Qual a diretriz atual para a solicitação de exames subsidiários de rotina para avaliação pré-anestésica de um indivíduo hígido de 40 anos de idade para correção eletiva de hérnia inguinal unilateral por técnica convencional (não videolaparoscópica)? a) hematócrito ou hemoglobina, glicemia e eletrocardiograma b) hematócrito ou hemoglobina, glicemia, eletrocardiograma e creatinina

c) hematócrito ou hemoglobina, glicemia, eletrocardiograma, creatinina e radiografia de tórax d) apenas hematócrito ou hemoglobina e) nenhum exame de rotina

IAMSPE – Clínica Cirúrgica – 2015 23. ‘Sobre o jejum prolongado no paciente cirúrgico, assinale a alternativa CORRETA. a) as alterações endócrinas metabólicas não são encontradas para um jejum até 12h no pré-operatório b) o paciente pode apresentar diminuição do metabolismo de drogas anestésicas, dificultando a anestesia c) o paciente pode apresentar aumento de insulina e glucagon d) o paciente apresenta diminuição do tempo de internação hospitalar, pois reduz o risco de broncoaspiração quanto maior o tempo de jejum em todas as cirurgias e) encontram-se lipólise, glicogenólise, proteólise e resistência insulínica, processo semelhante às alterações do trauma IAMSPE – Clínica Cirúrgica – 2015 24. Paciente de 62 anos, com câncer gástrico não obstrutivo, tem indicação de gastrectomia total (com possibilidade de ressecção total curativa). Está com hiporexia, porém sem vômitos, ingerindo dieta com baixo teor calórico (< 60% do VCT) há 2 semanas. Apresenta perda de peso de 8 kg em 5 meses. Tem 1,70 m, peso habitual = 78 kg, peso atual = 70 kg, IMC atual = 24,2 kg/m². Apresenta albumina sérica de 3,8 g/dl e hematócrito de 37%. Na avaliação nutricional pré-operatória, pode-se inferir que este paciente está:

I. nutrido, apesar da perda de peso, pois o IMC está normal. II. nutrido, pois a albumina sérica está normal. III. desnutrido pelo parâmetro de IMC para idoso. IV. desnutrido, pois tem perda de peso > 10%. É CORRETO o que está contido em: a) I, apenas b) II, apenas c) III, apenas d) IV, apenas e) I e II, apenas

IAMSPE – Clínica Cirúrgica – 2015 25. Sobre a prescrição de dieta enteral para os pacientes gravemente enfermos, assinale a alternativa CORRETA. SJT Residência Médica


1 Pré-operatório a) suplementação enteral deve ser realizada naqueles que não têm a ingestão calórica adequada b) os dados antropométricos e as dosagens séricas de albumina e pré-albumina são melhores para avaliar o estado nutricional do que a história de perda de peso e a ingesta calórica prévias c) deve ocorrer no máximo até 7 dias nos pacientes eutróficos e desnutridos leves d) o uso de noradrenalina ou dopamina deve retardar o início do suporte nutricional enteral e) só deve ser realizada após a ausculta dos ruídos hidroaéreos peristálticos ou a eliminação de flatos ou fezes Santa Casa-BH – Clínica Cirúrgica – 2015 26. A Nutrição Parenteral – NP –, é indicada nos casos clínicos a seguir, EXCETO: a) em pacientes com sangramento gastrointestinal com necessidade de repouso prolongado do trânsito digestivo b) em pacientes submetidos a cirurgias extensas com previsão de íleo prolongado por mais de 5 a 7 dias c) em pacientes com diarreia grave por má absorção

d) em pacientes com instabilidade hemodinâmica Santa Casa-BH – Clínica Cirúrgica – 2015 27. São testes laboratoriais aconselháveis para a identificação de alterações metabólicas, em pacientes estáveis em uso de Nutrição Parenteral – NP, EXCETO: a) eletrólitos: Na+, K+, Cl-, CO2, Mg++, Ca++, Cr, com controle de uma a duas vezes por semana b) hemograma com plaquetas e leucometria, uma vez por semana c) triglicérides plasmáticos, uma vez por semana d) triglicérides plasmáticos e proteína visceral transferrina ou pré-albumina uma vez por semana

Santa Casa-BH – Clínica Cirúrgica – 2015 29. Em relação à antibioticoprofilaxia e antibioticoterapia, assinale a alternativa INCORRETA. a) cirurgias limpas não requerem antibioticoprofilaxia, exceto quando se utilizam próteses b) cirurgias potencialmente contaminadas devem ser abordadas por antibioticoprofilaxia c) cirurgias infectadas são cirurgias realizadas em tecidos com quadro infeccioso previamente instalado d) cirurgias infectadas têm como indicação a antibioticoprofilaxia, independente do sítio cirúrgico Santa Casa-BH – Clínica Cirúrgica – 2015 30. Quanto à prevenção do tromboembolismo (TEV e TEP) na cirurgia abdominal, assinale a alternativa INCORRETA. a) pacientes submetidos à cirurgia abdominal, com riscos moderado e alto de TEV, devem receber profilaxia medicamentosa com heparina (HNF ou HBPM) b) pacientes com alto risco de TVP beneficiam-se da profilaxia de longa duração (duas a três semanas após alta hospitalar) com heparina c) pacientes com idades inferiores há 40 anos não necessitam receber profilaxia específica para TEV d) pacientes submetidos a cirurgias videolaparoscópicas com a utilização do pneumoperitônio, mesmo diminuindo o retorno venoso, não aumenta o risco de TEV Santa Casa-BH – Clínica Cirúrgica – 2015 31. PC, 72 anos, masculino, portador de diabetes e hipertensão arterial, com controle regular das patologias de base, sem complicações, independente para as atividades de vida diária e praticante de atividades físicas regulares.

Santa Casa-BH – Clínica Cirúrgica – 2015 28. Referente à antibioticoterapia na prevenção de Infecção do Sítio Cirúrgico – ISC –, assinale a alternativa INCORRETA. a) a ISC é responsável por um terço das infecções relacionadas à assistência à saúde b) o uso profilático de antibióticos é um componente importante no programa de prevenção da ISC c) a primeira dose de antimicrobiano, em antibioticoprofilaxia, deve ser feita 2 horas antes do início da cirurgia d) a antibioticoprofilaxia em cirurgia é definida como a utilização de antimicrobianos em pacientes sem evidência da ISC SJT Residência Médica

Comparece ao setor de emergência com queixa de dor abdominal em hipocôndrio direito, com 24 horas de evolução, em cólica e de forte intensidade, associada à febre, náusea e vômitos. Apresenta melhora parcial da dor após analgesia com escopolamina e dipirona. Ao exame físico encontrado presença de sinal de Murphy. Exames laboratoriais evidenciam leucocitose com desvio para esquerda, PCR elevada, discreta elevação de TGO, TGP, fosfatase alcalina e G-GT. Realizado US de abdômen que evidenciou espessamento de parede de vesícula biliar, vesícula biliar distendida e de tamanho aumentado. Foi realizado tratamento cirúrgico imediato considerando-se tratar-se de paciente idoso e diabético.

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Cirurgia geral | Questões para treinamento

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Utilizando a classificação do risco anestesiológico proposta pela Sociedade Americana de Anestesiologia, assinale a alternativa que apresenta a classificação de risco cirúrgico desse paciente. a) ASA 1 b) ASA 2 c) ASA 3 d) ASA 4

Santa Casa-BH – Clínica Cirúrgica – 2015 32. No preparo pré-operatório do paciente com icterícia obstrutiva NÃO está indicado. a) administração da vitamina K+ b) antibioticoterapia c) hidratação com solução glicosada d) hiparinização profilática para tromboembolismo Hospital Infantil Varela Santiago – 2015 33. Um paciente de 45 anos do sexo masculino tem hérnia inguinal à direita e será submetido à correção cirúrgica, com tela. Não é hipertenso nem diabético. Não faz uso habitual de nenhuma medicação. Nunca foi internado. Nega outras morbidades. Que exames devem ser solicitados no pré-operatório. a) eletrocardiograma (ECG) b) hemograma e função renal c) hemograma e coagulograma d) hemograma, coagulograma e ECG e) hemograma, coagulograma, ECG e Rx tórax Instituto de Olhos de Goiânia – 2015 34. Um paciente de 70 anos, coronariopata e diabético, em uso diário de Aspirina®, é internado com quadro de colecistite agudalitiásica com indicação de tratamento cirúrgico de urgência. O cirurgião deverá solicitar a reserva do seguinte componente sanguíneo. a) plasma fresco b) sangue total c) plaquetas d) fator VII AMRIGS – Clínica Cirúrgica – 2015 35. Paciente portador de isquemia miocárdica, em tratamento com antiagregante plaquetário, será submetido à colecistectomia videolaparoscópica. Quanto tempo antes do precedimento devemos suspender o uso da medicação? a) 24 horas b) 48 horas c) 7 dias d) 9 dias e) 10 dias

AMRIGS – Clínica Cirúrgica – 2015 36. Alguns eventos aumentam o risco cirúrgico, um dos mais importantes e o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM). Quanto tempo geralmente deve-se aguardar, após o IAM, para realizar uma cirurgia eletiva? a) duas a quatro semanas b) quatro a seis semanas c) seis a oito semanas d) oito a dez semanas e) dez a doze semanas AMRIGS – Clínica Cirúrgica – 2015 37. Em 2007, o estudo POISE mostrou os riscos e benefícios do uso do betabloqueador no período perioperatório. Qual o risco destacado por esse estudo? a) aumento do risco de IAM b) aumento do risco de morte cardiovascular c) aumento da mortalidade total d) aumento de paradas cardíacas e) aumento de infarto pulmonar AMRIGS – Clínica Cirúrgica – 2015 38. O teste de subir dois lances de escada e um método prático e barato de avaliar o risco cardiopulmonar para cirurgias não cardíacas de grande porte. A incapacidade de realizar esse teste significa: a) preditor independente de mortalidade perioperatória b) preditor independente de mortalidade pós-operatória c) preditor independente de morbidade pós-operatória d) preditor independente de mortalidade e morbidade perioperatória e) preditor independente de morbidade perioperatória AMRIGS – Clínica Cirúrgica – 2015 39. Qual a função da avaliação pré-operatória no paciente idoso? a) identificar e quantificar as magnitudes das comorbidades e otimizar a condição pré-operatória b) identificar a condição cardiovascular, corrigindo todas as alterações c) identificar e quantificar a condição cardiovascular e respiratória para corrigir as alterações encontradas d) quantificar os níveis de hemoglobina e creatinina, corrigindo esses níveis para os valores normais e) identificar e quantificar as comorbidades para prevenção de complicações pós-operatórias SJT Residência Médica


1 Pré-operatório SURCE – Clínica Cirúrgica – 2015 40. Sra. Joana, de 58 anos, portadora de insuficiência renal crônica oligúrica, realiza diálise três vezes por semana, deverá ser submetida a uma gastrectomia subtotal por adenocarcinoma de antro. No pré-operatório, qual das opções abaixo relacionadas representa o exame que NÃO tem importância na avaliação e preparo dessa paciente? a) sumário de urina b) eletrólitos séricos c) eletrocardiograma d) hemograma completo SURCE – Clínica Cirúrgica – 2015 41. Mulher de 75 anos, portadora de HAS (compensada por uso de três medicações), DM e história de AVC há 3 anos com sequela de hemiplegia à esquerda, deverá ser submetida a colecistectomia por videolaparoscopia eletiva. Segundo a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA), qual a sua classificação? a) II b) III c) IV d) V SURCE – Clínica Cirúrgica – 2015 42. Sra. Joana, 41 anos, com passado de Trombose Venosa Profunda de membro inferior direito, irá se submeter a histerectomia. Foi programado uso de dispositivos de compressão pneumática no intraoperatório. Na abordagem pré-operatória, qual outro cuidado está mais indicado para essa paciente? a) heparina regular em infusão contínua via intravenosa b) heparina de baixo peso molecular via subcutânea c) implante de filtro de veia cava inferior d) uso de warfarina via oral SURCE – Clínica Cirúrgica – 2015 43. O uso de β-bloqueadores no período pós-operatório tem-se provado valioso na redução do impacto negativo de comorbidades cardíacas em pacientes com fatores de risco de complicações cardíacas. Qual das opções abaixo, por si só, representa uma indicação do uso de β-bloqueador perioperatório? a) cardiopatia isquêmica b) idade > 65 anos c) hipertensão d) tabagismo SJT Residência Médica

SURCE – 2015 44. Paciente de 68 anos, sexo feminino, internada na noite anterior como pré-operatório de uma artroplastia total do joelho direito, a qual deverá ser realizada no dia seguinte. No que diz respeito aos sistemas de segurança exigidos, qual das opções abaixo NÃO faz parte da lista de verificação pré-operatória a ser checada no centro cirúrgico, imediatamente antes da indução anestésica, por toda a equipe cirúrgica? a) revisão da história clínica b) identidade correta do paciente c) posição do paciente, sítio e lado corretos d) disponibilidade de implantes e equipamentos necessários FMABC – Clínica Cirúrgica – 2015 45. Paciente masculino com 54 anos de idade, sob tratamento com warfarina, chega ao Pronto-Socorro vítima de ferimento por arma de fogo no flanco esquerdo. O paciente está pálido e hipotenso e você suspeita de uma lesão esplênica com indicação cirúrgica. Seu INR está em 3,0. De que maneira você poderá converter o estado de hipocoagulabilidade deste paciente com vistas à cirurgia de emergência? a) transfusão de plasma fresco congelado b) vitamina K+ via oral c) vitamina K+ intravenosa d) transfusão de unidades de glóbulos vermelhos UNAERP – Clínica Cirúrgica – 2015 46. Um paciente em tratamento crônico com varfarina apresenta apendicite aguda. A razão normatizada internacional é de 1,4. Qual das seguintes é a conduta mais adequada? a) parar a varfarina, administrar o plasma fresco congelado e prosseguir com a cirurgia b) proceder, imediatamente, à cirurgia sem parar com a varfarina c) parar a varfarina e prosseguir à cirurgia em 8 a 12hs d) parar a varfarina e prosseguir à cirurgia em 24 a 36hs e) proceder à cirurgia parando com uso da varfarina UNIFESP – Clínica Cirúrgica – 2015 47. Qual a diretriz atual sobre ingestão de água, chá, café ou refrigerantes e sucos sem resíduos sólidos no período pré-operatório de pacientes hígidos que serão submetidos a cirurgias eletivas? a) liberado até duas horas antes do início da anestesia b) liberado até quatro horas antes do início da anestesia

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Cirurgia geral | Questões para treinamento c) liberado até seis horas antes do início da anestesia d) liberado até oito horas antes do início da anestesia e) liberado até às 22:00 horas da noite que antecede a cirurgia IAMSPE – Clínica Cirúrgica – 2015 48. Em relação ao jejum pré-operatório, assinale a alternativa CORRETA a) o jejum prolongado diminui a resistência insulínica periférica b) o teste para avaliar a resistência à insulina é o Índice de Homa c) o jejum para sólidos deve ser de, no mínimo, 3h d) apesar dos benefícios comprovados da abreviação do jejum, a Sociedade Americana de Anestesiologia não recomenda esta prática e) o jejum para líquidos é de 6h para cirurgia eletiva UFRN – 2015 49. Em pacientes diabéticos bem controlados, a medicação que deve ser suspensa 48 horas antes de cirurgias eletivas de grande porte é: a) insulina regular b) clorpropamida c) rosiglitazone d) insulina NPH UFRN – 2015 50. Ao ser aplicada a lista de verificação de segurança cirúrgica da OMS, no momento antes da incisão cirúrgica, deve-se confirmar se: a) a via aérea do paciente é difícil b) o paciente possui alguma alergia conhecida c) o oxímetro de pulso está em funcionamento d) a profilaxia antimicrobiana foi realizada corretamente UFG – Clínica Cirúrgica – 2015 51. Na profilaxia antimicrobiana em cirurgia, quando a droga de escolha é a Vancomicina, o período correto de início da infusão, antes da incisão na pele, em minutos, é de: a) 20 a 30 b) 30 a 60 c) 60 a 120 d) 90 a 120 UERN – 2015 52. O entendimento da microbiologia das infecções de sítio cirúrgico é importante para guiar a escolha da antibioticoterapia empírica inicial e também para selecionar a estratégia mais correta que diz respeito à profilaxia antibiótica. Qual o patógeno mais comumente encontrado nas infecções de sítio cirúrgico?

a) Staphilococus aureus b) Pseudomonas aeruginosa c) Escherichia coli d) Candica albicans UFF – Clínica Cirúrgica – 2015 53. A alternativa em que estão arroladas as cefalosporinas de segunda geração ativas contra bacteroides é: a) cefoxitina e cefmetazol b) cefazolina e cefapirina c) cefalotina e ceftriaxona d) aztreonam e meropenen e) cefalexina e cafadroxil Santa Casa-BH – Clínica Cirúrgica – 2015 54. No preparo pré-operatório do paciente com icterícia obstrutiva NÃO está indicado. a) administração da vitamina K b) antibioticoterapia c) hidratação com solução glicosada d) heparinização profilática para tromboembolismo HAE – Clínica Cirúrgica – 2015 55. O uso de antibiótico profilático traz maiores benefícios para a seguinte operação: a) ressecção de lipoma da parede anterior do abdome b) tireoidectomia total c) retossigmoidectomia d) herniorrafia umbilical e) colecistectomia eletiva Hospital da Cruz Vermelha – 2015 56. Paciente feminino, 5 anos, chegou ao pronto atendimento com ferimento corto-contuso em face interna do lábio inferior, com cerca de 2,5 cm de extensão, profundo, necessitando sutura. Qual o tipo de fio que você utilizaria neste caso? a) inabsorvível, número 2 b) absorvível, número 1 c) inabsorvível, número 10-0 d) absorvível, número 4-0 e) inabsorvível, número 5 HAC – Clínica Cirúrgica – 2015 57. A aspirina exerce sua ação por meio de: a) agonismo total b) agonismo parcial c) antagonismo competitivo d) antagonismo não competitivo e) nenhuma SUS-SP – 2014 58. Associação correta entre o risco perioperatório específico e a escala ou índice utilizado para sua avaliação: SJT Residência Médica


1 Pré-operatório a) renal − Detsky b) nutricional − Goldmann c) cardiológico − Apache II d) pulmonar − Braden e) pulmonar − Torrington e Henderson AMP-PR – 2014 59. Paciente masculino, 40 anos, realizando avaliação pré-operatória para herniorrafia inguinal esquerda, vem a consulta pré-anestésica com história de diabetes insulinodependente há 3 anos. Sem outras comorbidades e queixas. São exames complementares pré-operatórios que devem ser solicitados para estes pacientes: a) glicemia de jejum, hemoglobina glicada e raio X de tórax b) eletrocardiograma, glicemia de jejum e espirometria c) ecocardiograma, eletrólitos e hemoglobina glicada d) glicemia de jejum, creatinina e coagulograma e) hemograma, creatinina e eletrocardiograma FMABC – 2014 60. Quais as alterações fisiológicas observadas no perfil glicêmico de um indivíduo no estado de jejum prolongado (mais de 48 horas de jejum)? a) glicemia cai, secreção de insulina é suprimida, resultando em diminuição na captação de glicose periférica e aumento da glicogenólise, lipólise, proteólise e neoglicogênese b) glicemia é mantida, secreção de insulina é mantida, mas há resistência à sua ação periférica pelo aumento do glucagon e pelo estímulo à glicogenólise e neoglicogênese c) glicemia é mantida, secreção de insulina é suprimida, resultando em diminuição na captação de glicose periférica e aumento da lipólise e proteólise d) glicemia cai, secreção de insulina é mantida, resultando em aumento dos hormônios contrarregulatórios (glucacon, cortisol, norepinefrina e GH) e consequentemente aumento da resistência periférica à ação da insulina UFPR – Clínica Cirúrgica – 2014 61. Nas primeiras horas do jejum não complicado, a glicemia é mantida por: a) glicogenólise hepática e periférica b) gliconeogênese a partir dos aminoácidos c) lipólise e gliconeogênese a partir do glicerol d) degradação dos corpos cetônicos e) gliconeogênese a partir da glutamina UFPR – Clínica Cirúrgica – 2014 62. Desnutrição pré-operatória associa-se a maior número de complicações pós-operatórias. AsSJT Residência Médica

sim, é importante reconhecer fatores de risco para desnutrição no período pré-operatório. Qual dos seguintes pacientes apresenta maior risco de estar desnutrido? a) paciente com 70 anos com diverticulite aguda há 2 dias b) paciente com 32 anos que sofreu politrauma há 24 horas c) paciente com 65 anos com úlcera hemorrágica d) paciente com 63 anos com plano de gastrectomia por câncer gástrico, internado há 15 dias, com pneumonia aspirativa e) paciente com 55 anos com diagnóstico de câncer de mama há 10 dias UFG – Clínica Cirúrgica – 2014 63. Qual é a melhor opção de profilaxia medicamentosa para um paciente cirúrgico, do sexo masculino, com 90 kg, considerado de alto risco para desenvolvimento de trombose venosa profunda? a) dalteparina 15.000 UI, via subcutânea, uma vez/dia b) enoxaparina 40 mg, via subcutânea, uma vez / dia c) heparina 5.000 UI, via subcutânea, uma vez / dia d) nadroparina 2.850 UI, via subcutânea, uma vez/dia UFG – Clínica Cirúrgica – 2014 64. Paciente do sexo masculino teve diagnóstico de pólipo séssil de 1,5 centímetros de diâmetro em sigmoide. Foi submetido a cirurgia cardíaca há cinco meses, com colocação de bioprótese valvar. Faz uso contínuo de warfarin, com INR de 3,2. As recomendações para a realização de polipectomia endoscópica incluem: a) interromper o uso de warfarin por um período mínimo de três dias e, se INR estiver abaixo de 2, realizar a polipectomia endoscópica com antibioticoprofilaxia administrada meia hora antes do procedimento b) reduzir a dose do warfarin pela metade e associar a aspirina na dose de 80 mg por cinco dias e, se INR estiver abaixo de 2,5, realizar a polipectomia e iniciar antibiótico oral seis horas antes do procedimento e mantê-lo até o 5º dia após o procedimento c) prescrever, por três dias, ácido vanoleico e, 30 minutos antes do procedimento, associação venosa de ampicilina e gentaminina; se INR estiver abaixo de 3, realizar a polipectomia com bisturi de argônio, seguida da administração de 1 grama de amoxacilina d) manter o warfarin em dose plena, desde que INR se mantenha em 3,2, e devido à baixa incidência de complicações sépticas, associar antibiótico no pós-operatório caso o paciente apresente sinais de bacteremia, como calafrios, febre e taquicardia

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Cirurgia geral | Questões para treinamento UFPI – Clínica Cirúrgica – 2014 65. Na avaliação pré-operatória de homem de 55 anos com hérnia umbilical, encontrou-se baixos níveis de transaminase e uma relação aspartato/alanina transaminase (AST/ALT) maior que 2. Isto sugere: a) hepatite alcoólica b) hepatite A c) hepatite B d) hepatite C e) cirrose UFPI – Clínica Cirúrgica – 2014 66. Sobre o uso de antibioticoprofilaxia em cirurgia, pode-se afirmar: a) nunca deve ser realizado em cirurgias limpas, a fim de se evitar resistência bacteriana b) deve ser administrado sempre em dose única e antes da incisão da pele c) a melhor indicação é para as cirurgias classe II (potencialmente contaminada) d) nas cirurgias classe III, a cefazolina é o antibiótico de eleição e) nas cirurgias por vídeo, não há justificativa para seu uso UFRN – Clínica Cirúrgica – 2014 67. Para reverter a anticoagulação causada pelo uso da heparina, utilizam-se: a) infusão de antitrombina III e plasma fresco b) vitamina K e plasma fresco c) plasma fresco e sulfato de protamina d) ácido épsilon aminocaproico e sulfato de protamina UNESP – Clínica Cirúrgica – 2014 68. Assinale a alternativa correta sobre os anticoagulantes. a) as heparinas de baixo peso molecular atuam sobre o fator XIIa e têm risco de sangramento mais elevados do que as heparinas não fracionadas b) as heparinas de baixo peso molecular atuam sobre a antitrombina III e têm risco de sangramento menor do que as heparinas não fracionadas c) as heparinas de baixo peso molecular atuam sobre o fator VII e têm risco de sangramento igual ao das heparinas não fracionadas d) as heparinas de baixo peso molecular atuam sobre o fator V e têm risco de sangramento mais elevado do que as heparinas não fracionadas e) as heparinas de baixo peso molecular atuam sobre o fator Xa e têm risco de sangramento similar ao das heparinas não fracionadas

AMP – Clínica Cirúrgica – 2014 69. Paciente masculino, 40 anos, realizando avaliação pré-operatória para herniorrafia inguinal esquerda, vem a consulta pré-anestésica com história de diabetes insulino dependente há 3 anos. Sem outras comorbidades e queixas. É medida perioperatória a ser adotada a este paciente: a) suspensão da insulina de longa duração e substituição por doses menores de insulina de ação intermediária b) infusão de solução glicosada com insulina de longa duração a partir do início do procedimento cirúrgico c) insulina de ação intermediária em infusão contínua e solução fisiológica 0,9% d) infusão de insulina de ação intermediária na manhã da cirurgia e) infusão de solução de glicose hipertônica e hidratação adequada SURCE – Clínica Cirúrgica – 2014 70. Paciente, 37 anos, com quadro de hipertensão grave, refratária, em uso de três medicações com controle parcial, investiga nódulo suprarrenal. Exames laboratoriais: hemoglobina: normal; sódio: normal; potássio: normal; catecolaminas séricas: elevadas; catecolaminas urinárias: elevadas. Foi indicada cirurgia para remoção do nódulo. Qual dos seguintes anti-hipertensivos deve ser iniciado duas semanas antes da cirurgia para efetivamente diminuir a mortalidade perioperatória? a) alfabloqueador b) betabloqueador c) epironolactona d) furosemida UERJ – Clínica Cirúrgica – 2014 71. Uma das causas de plaquetopenia secundária à diminuição da produção plaquetária pela medula óssea, que pode estar associada a maior incidência de complicações hemorrágicas em pacientes cirúrgicos é: a) intoxicação alcoólica aguda b) trombocitopenia idiopática c) hipertensão portal d) linfoma PUC-PR – Clínica Cirúrgica – 2014 72. Em relação à terapia nutricional enteral (TNE), terapia nutricional parenteral (TNP) e complicações relacionadas à nutroterapia, assinale a alternativa CORRETA. SJT Residência Médica


1 Pré-operatório a) pacientes que serão submetidos a cirurgias de grande porte de cabeça e pescoço (laringectomia e faringectomia); cirurgia de grande porte para tratamento de câncer e pacientes politraumatizados não se beneficiam com o uso de imunonutrientes no pré-operatório b) a TNE deve ser utilizada sempre que o paciente não pode, não deve ou não quer deglutir e quando o uso do trato gastrointestinal tem a função preservada. Porém ela só pode ser indicada e iniciada se o paciente estiver estável hemodinamicamente c) a via de administração da TNP é exclusivamente feita por acesso venoso central. O acesso periférico é contra indicação absoluta para TNP pelo alto risco de flebite e desencadeamento de processo infeccioso d) a monitorização laboratorial do paciente em TNP deve ser feita somente após o sétimo dia de uso de TNP, pois somente a partir deste período que os distúrbios hidroeletrolíticos são significativos e) um dos sintomas e sinais clínicos das carências de micronutrientes secundários à desnutrição em pacientes submetidos a jejum prolongado é a hipovitaminose D que tem como manifestação clínica principal a xeroftalmia PUC-PR – Clínica Cirúrgica – 2014 73. Sobre terapia nutricional no paciente cirúrgico, são, feitas as seguintes assertivas: I. A calorimetria indireta permite o cálculo preciso da necessidade calórica. II. As fórmulas enterais poliméricas são constituídas por aminoácidos ou oligopeptídeos, monossacarídeos e triglicerídeos. III. Aminoácidos, carboidratos e lipídios são nutrientes que habitualmente compõem as soluções de nutrição parenteral. Está/Estão correta(s) a(s) afirmativa(s): a) I, apenas b) II, apenas c) I e III, apenas d) II e III, apenas e) I, II e III HNSG – Clínica Cirúrgica – 2014 74. Em relação à avaliação pré-operatória é INCORRETO afirmar que: a) pacientes saudáveis, com menos de 40 anos, submetidos a procedimentos eletivos geralmente não necessitam nenhum exame pré-operatório b) paciente com doença sistêmica grave, com limitação da função, porém não incapacitante são classificados como ASA IV SJT Residência Médica

c) a suspensão do tabagismo, por pelo menos 4 a 8 semanas, diminui o risco de complicações pulmonares d) as complicações cardíacas são a principal causa de óbito após anestesia e procedimento cirúrgico em geral e) paciente com cardiopatia hipertrófica vai realizar colecistectomia laparoscópica têm indicação de profilaxia para endocardite bacteriana com amoxacilina 2 g via oral uma hora antes do procedimento Unificado-MG – Clínica Cirúrgica – 2014 75. Em relação às condutas no perioperatório de tireoidectomia em paciente com diagnóstico de hipertireoidismo, assinale a afirmativa ERRADA: a) manter o uso de soluções iodadas por via oral no pré-operatório pode reduzir o fluxo sanguíneo, a friabilidade e o sangramento da tireoide no pré-operatório b) está contraindicado o uso de iodo por via oral no pré-operatório de tireoidectomia em paciente com bócio nodular tóxico c) na presença de tireotoxicose, é necessário administrar drogas antitireoidianas, betabloqueadores e glicocorticoides antes da tireoidectomia d) soluções iodadas e tionamida devem ser mantidas por, pelo menos, cinco dias após a tireoidectomia Unificado-MG – Clínica Cirúrgica – 2014 76. Pacientes com distúrbios de coagulação são, frequentemente, um desafio para o cirurgião. A avaliação e o controle pré, per e pós-operatórios desses pacientes incluem, além da história e de exame clínicos, uma série de testes complementares. Sobre a coagulação é CORRETO afirmar: a) o tempo de protrombina mede a função do fator VII e da via intrínseca da coagulação b) o tempo da trombopalstina parcial ativado detecta níveis baixos dos fatores das vias extrínsecas e comum c) a warfarina bloqueia a síntese dos fatores dependentes da vitamina K (fatores VIII, IX, XI da coagulação) d) a tromboelastografia pode avaliar a hipercoagulabilidade, a hipocoagulabilidade, a função plaquetária e a fibrinólise Unificado-MG – Clínica Cirúrgica – 2014 77. Paciente H. D. P. de 55 anos, sexo masculino, publicitário, estava em uso de warfarina em doses adequadas, com RNI mantido em torno de 2,0 quando apresentou dor abdominal aguda. Ao exame foi encontrado abdome em

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Cirurgia geral | Questões para treinamento tábua e a radiografia simples de abdome e tórax confirmou pneumoperitônio. Em relação a este caso assinale a afirmativa correta: a) a administração de plasma fresco congelado possibilita a operação de urgência b) a droga deve ser suspensa e o paciente ser operado tão logo o RNI chegue a valores abaixo de 1,5 c) a relação custo-benefício justifica uma cirurgia de urgência sem necessidade de condutas adicionais d) deve-se administrar vit K e aguardar a diminuição do RNI para 1,5 antes de operar Unificado-MG – Clínica Cirúrgica – 2014 78. K. P. S., 70 anos, sexo masculino, empresário, fazia controle de hipertensão arterial e usava AAS há vários anos, quando foi diagnosticada neoplasia gástrica. No preparo para a cirurgia, foi detectada piora da doença coronariana prévia. Em relação às possíveis condutas para este paciente listadas abaixo, assinale a afirmativa ERRADA: a) em caso de coloração de stent a cirurgia oncológica pode ser efetuada após sete dias b) o uso de AAS não é contraindicação para a coloração de stent c) o uso de betabloqueador deve ser incentivado por ocasião da cirurgia oncológica d) se for realizada a revascularização miocárdica, a cirurgia oncológica deve ser protelada por, pelo menos, 30 dias AMP – 2013 79. Em relação à avaliação pré-operatória do paciente cirúrgico qual a alternativa CORRETA? a) a creatinina sérica superior a 2 mg/dL é um dos critérios para identificação de risco cardíaco em pacientes que serão submetidos a cirurgias não cardíacas b) o objetivo da avaliação pré-operatória é identificar uma doença não diagnosticada pela história e exame físico c) o tipo da cirurgia e a idade do paciente não balizam a escolha dos exames complementares pré-operatórios, estes devem ser rotineiros d) o raio X de tórax deve ser solicitado em pacientes acima de 55 anos independentemente de serem tabagistas ou não e) dos métodos de estratificação do risco cardíaco o mais adequado é o da Sociedade Americana de Anestesiologia AMP – 2013 80. Qual das seguintes alternativas está ERRADA?

a) pacientes com anemia normovolêmica, sem risco cardíaco significativo ou que tenham perspectiva de perda sanguínea transoperatória relevante, podem ser operados sem transfusão, se níveis de hemoglobina estiverem maiores que 6 ou 7 g/dL b) o paciente pode ser submetido a qualquer tipo de cirurgia se a contagem de plaquetas estiver acima de 50.000/mm3 c) em caso de necessidade de heparinização pré-operatória, devemos suspendê-la 6 horas antes e reiniciar 12 horas após a intervenção d) o uso do filtro de veia cava inferior deve ser considerado, em pacientes com trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar, que estiverem em anticoagulação por menos que 15 dias e) entre os fatores de risco para tromboembolismo venoso estão: câncer, idade, obesidade, síndrome nefrótica, doença inflamatória intestinal, uso de estrogênio e disfunção cardíaca Santa Casa-SP – Medicina Intensiva – 2013 81. Sobre o manejo perioperatório podemos afirmar: a) pacientes em pós-operatório de prótese do quadril podem receber tromboprofilaxia com aspirina de forma isolada b) pacientes com hemoglobina glicosilada acima de 7,0% deverão ter a cirurgia eletiva adiada c) a cessação do tabagismo em período pré-operatório não reduz a incidência de complicações cirúrgicas d) pacientes com hipotireoidismo subclínico deverão ter a cirurgia eletiva adiada pelo risco elevado de hipotermia, hipotensão e depressão miocárdica e) cirurgia ortopédica, prostática, intraperitoneal e endarterectomia de carótidas apresentam risco cardiovascular intrínseco intermediário Unificado-MG – 2013 82. S. D. S. M., 62 anos, sexo masculino, funcionário público foi submetido à hepatectomia parcial para tratamento de tumor maligno de fígado. Antes da indução anestésica recebeu 1 g de cefazolina como antibioticoprofi-laxia. No transcorrer do ato operatório teve intercorrência com sangramento de cerca de 1.200 mL. Em relação a este caso assinale a afirmativa CORRETA: a) a antibioticoprofilaxia visa também evitar infecções do trato respiratório e urinária b) não havia necessidade de antibiótico profilático por se tratar de cirurgia limpa c) pelo risco aumentado de infecção neste tipo de operação deveria ser feita associação de antibióticos SJT Residência Médica


1 Pré-operatório d) tem indicação de repique da dose, independentemente da meia-vida da droga e do tempo cirúrgico Unificado-MG – 2013 83. T. M. F., 55 anos, sexo feminino, será submetida a duodenopancreatectomia cefálica, devido à presença de adenocarcinoma de cabeça do pâncreas. É portadora de varizes de membros inferiores. Em relação à profilaxia para tromboembolismo pulmonar, assinale a MELHOR opção, dentre as abaixo: a) deve-se utilizar enoxaparina por via subcutânea, na dose de 20 mg, de 24 em 24 horas b) deve-se utilizar enoxaparina por via subcutânea, na dose de 40 mg, de 24 em 24 horas associada a meias de compressão pneumática dos membros inferiores no per e pós-operatório c) deve-se utilizar heparina não fracionada, por via subcutânea, na dose de 5.000 UI, de 12 em 12 horas d) deve-se utilizar meias de compressão pneumática dos membros inferiores no pré-operatório SES-RJ – 2013 84. Sobre o preparo pré-operatório do paciente com proposta de ressecção cirúrgica de feocromocitoma é CORRETO afirmar: a) o uso de insulina é frequentemente necessário, tendo em vista o efeito hiperglicemiante da liberação de catecolaminas pelo tumor b) algum preparo especial somente está indicado para tumores maiores do que 5 cm c) o feocromocitoma extra-adrenal não necessita de preparo pré-operatório específico d) o uso de a-bloqueadores adrenérgicos deve preceder o uso dos β-bloqueadores adrenérgicos SES-RJ – 2013 85. Dos parâmetros abaixo, o mais importante na avaliação pré-operatória da função hepática é: a) tempo parcial de tromboplastia b) tempo de protrombina c) dosagem do fator VIII da coagulação d) transaminases hepáticas SES-RJ – 2013 86. A respeito da avaliação pré-operatória e dos princípios operatórios é correto afirmar, EXCETO: a) um nível pré-operatório de creatinina = 2,0 mg/ dL é um fator de risco independente de complicações cardíacas b) albumina sérica < 3 g/dL é fator de risco para complicações respiratórias como insuficiência respiratória pós-operatória SJT Residência Médica

c) no paciente portador de patologia hepática, baixos níveis de transaminases e uma relação aspartato/alanina transaminase (AST/ALT) > 2 sugerem a hepatite alcoólica d) nas prescrições pós-operatórias de pacientes diabéticos devem estar incluídos testes de glicemia capilar e uso de insulina de curta duração orientado pelos valores da glicemia. A hidratação venosa com solução glicosada é contraindicada nestes pacientes SES-RJ – 2013 87. Sobre a avaliação perioperatória do sistema hematológico é correto afirmar, EXCETO: a) até 30% de perda rápida da volemia provavelmente não requer transfusão sanguínea nos indivíduos previamente sadios b) nas cirurgias abdominais de grande porte, recomenda-se transfusão de plaquetas naqueles pacientes com plaquetometria < 70.000/mm³ c) a heparinização sistêmica, em doses anticoagulantes, pode ser suspensa por 6 horas antes do procedimento cirúrgico e reiniciada 12 horas após, no pós-operatório d) os pacientes que estiverem em anticoagulação por menos de duas semanas devido a uma embolia pulmonar devem ser considerados para a colocação de um filtro de veia cava inferior, antes da operação SES-RJ – 2013 88. Sobre o risco de tromboembolismo em pacientes cirúrgicos, sua profilaxia e estratégias de prevenções, podemos afirmar, EXCETO: a) o uso subcutâneo de heparina não fracionada, em doses profiláticas, não é capaz de induzir trombocitopenia b) em uma cirurgia de urgência em um paciente que faz uso de heparina não fracionada em doses anticoagulantes, o efeito desta droga pode ser neutralizada usando-se sulfato de protamina na dose de 1 mg para cada 100 unidades de heparina c) as heparinas de baixo peso molecular (HBPM) possuem atividade antifator Xa e não acarretam prolongamento de PTTa (tempo de tromboplastina parcial ativada). Comparadas às heparinas não fracionadas, as HBPM possuem menor afinidade pelas proteínas plasmáticas, ocasionando uma meia-vida mais longa d) um paciente, sexo masculino, 45 anos, sem comorbidades, que será submetido à gastrectomia total devido a adenocarcinoma gástrico é classificado como de risco alto devendo fazer uso profilático de heparina não fracionada, por via subcutânea, de 8 em 8 horas, além de compressão pneumática intermitente e deambulação precoce

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Cirurgia geral | Questões para treinamento SES-RJ – 2013 89. Sobre a avaliação do estado nutricional dos pacientes cirúrgicos é correto afirmar, EXCETO: a) nota-se um aumento relativo da água corporal e a diminuição de gordura e massa magra total nos pacientes desnutridos b) na triagem nutricional segundo a ESPEN – Sociedade Europeia para Nutrição Clínica e Metabolismo (NRS-2002) um escore maior = a 3 indica paciente em risco, devendo-se, dessa maneira, ser intuitivo um plano nutricional conforme as necessidades do paciente c) a perda não intencional de mais de 7,5% em 3 meses sugere desnutrição grave d) a avaliação subjetiva global (Detsky e cols.) aborda alterações funcionais como modificação da ingestão alimentar e presença de sintomas gastrointestinais, além de considerar valores de exames laboratoriais, como a dosagem sérica de albumina SES-RJ – 2013 90. Com relação à avaliação bioquímica do estado nutricional dos pacientes cirúrgicos é correto afirmar, EXCETO: a) a albumina possui longo período de meia-vida sérica, assim como grande reserva corporal, o que determina uma má correlação com processos agudos que levam à desnutrição b) a pré-albumina, assim como albumina, leva semanas para seus níveis séricos reduzidos, não sendo, dessa forma, um bom marcador para processos agudos que levam à desnutrição c) a transferrina sérica reflete bem alterações agudas do estado nutricional, tendo em vista sua meia-vida curta e sua baixa reserva corporal d) o índice creatinina/estatura é utilizado para o cálculo da massa muscular. Sua determinação deve ser feita mediante coleta de urina de 24 h, por três dias consecutivos SES-RJ – 2013 91. São alterações metabólicas consequentes do jejum, EXCETO: a) queda dos níveis séricos de insulina e aumento dos níveis séricos de glucagon b) elevação das catecolaminas e aumento da excreção urinária de potássio c) os estoques hepáticos de glicogênio são capazes de suprir as necessidades energéticas do jejum por uma semana aproximadamente, sendo a gliconeogênese iniciada em fases tardias do jejum prolongado d) com o prolongamento do jejum, a excreção urinária de amônia aumenta e passa a ser a forma de excreção nitrogenada mais comum

SES-RJ – 2013 92. Sobre a classificação de risco cardiológico dos pacientes cirúrgicos proposta por Goldman e cols., é CORRETO afirmar: a) infarto agudo do miocárdio há mais de 3 meses não altera a classificação de Goldman b) o índice de Goldman classifica o risco de pacientes que se submeterão a cirurgias cardíacas, não se prestando para aqueles que se submeterão a outras cirurgias, como as do aparelho digestivo, por exemplo c) o tipo da cirurgia (eletiva ou urgência) a qual o paciente se submeterá é critério relevante na classificação de Goldman d) exames laboratoriais da função renal e transaminases hepáticas não são considerados na avaliação de Goldman FADESP – 2013 93. O tratamento cirúrgico desafia a hemostasia, e o risco do sangramento não depende apenas de alterações hemostáticas preexistentes, mas também da extensão, localização e do tipo de procedimento que será realizado. Como exame de laboratório pré-operatório, por não prever sangramento cirúrgico anormal, não deve ser solicitado, como rotina, a dosagem do tempo de: a) protrombina b) sangramento c) tromboplastina parcial d) tromboplastina parcial ativada UFRN – Clínica Cirúrgica – 2013 94. Uma paciente de 52 anos, hipertensa, diabética, portadora de artrite reumatoide, em uso de propranolol, metformina, insulina NPH e prednisona 20 mg/dia, há 6 meses, será submetida a uma colecistectomia. Em relação a esse caso, é CORRETO afirmar: a) os corticosteroides devem ser suspensos na véspera da cirurgia, pois sua manutenção no transoperatório está relacionado a maior incidência de sangramento digestivo e insuficiência renal b) os anti-hipertensivos devem ser mantidos no período pré-operatório, com exceção dos betabloqueadores, pois o seu uso pode bloquear a resposta simpática ao trauma c) o ajuste dos medicamentos é desnecessário, pois todos podem ser utilizados no período transoperatório d) a reintrodução da metformina e da insulina NPH só deve acontecer quando a aceitação da dieta oral for adequada SJT Residência Médica


1 Pré-operatório UFT – Clínica Cirúrgica – 2013 95. Com relação à avaliação clínica pré-operatória, são considerados parâmetros clínicos e de exames complementares para a estratificação do risco de morte e complicações cardíacas pós-operatórias. Para esta avaliação, utiliza-se os critérios contidos nas tabelas de: a) ASA (American Society of Anesthesiology) e Goldman b) ASA (American Society of Anesthesiology) e Detsky c) Goldman e Detsky d) NAS (National Academy of Sciences) e Goldman e) NAS (National Academy of Sciences) e Detsky ICC-CE – 2013 96. Anormalidades da coagulação podem estar presentes no paciente cirúrgico, sendo os defeitos adquiridos mais comuns do que os congênitos. Em relação a estas anormalidades assinale a opção INCORRETA: a) a varfarina causa prolongamento do tempo de protrombina b) a varfarina causa leve aumento do tempo parcial de tromboplastina ativado c) a deficiência de vitamina K prolonga o tempo de protrombina d) a insuficiência renal e uremia leva a decréscimo na agregação e adesividade plaquetária e) a heparina causa alteração de todos os testes de coagulação, sendo o tempo de protrombina mais sensível UFMA – 2013 97. Assinale a alternativa incorreta em relação ao tabagismo e dos resultados perioperatórios: a) em pacientes cirúrgicos não cardíacos, o tabagismo está associado a um acréscimo de aproximadamente 40% no risco de mortalidade em 30 dias e um risco de 30-100% de maior morbidade, incluindo infecção do sítio cirúrgico, pneumonia, intubação não planejada, parada cardíaca, infarto do miocárdio e choque séptico b) o tabagismo determina piora na atividade fagocítica e bactericida dos neutrófilos e macrófagos, resultando em uma reduzida capacidade de controle da contaminação bacteriana da ferida operatória, determinando maior predisposição à infecção de sítio cirúrgico c) o tabagismo altera a função das células inflamatórias, determinando uma degradação do tecido conectivo devido a uma excessiva liberação de proteases, associada a uma redução na liberação de fatores inibidores de proteases SJT Residência Médica

d) o tabagismo determina um efeito vasoconstrictor deletério permanente e não reversível, após sua interrupção (cessar de fumar) no fluxo sanguíneo periférico, oxigenação e metabolismo anaeróbio; favorecendo o surgimento de hipóxia, necrose e infecção de sítio cirúrgico e) a resposta inflamatória é reversível dentro de 3 a 4 semanas após a interrupção do tabagismo, com o retorno à normalidade da função das células inflamatórias, liberação de enzimas proteolíticas e mecanismos oxidativos, porém a resposta proliferativa parece não ser reversível (função do fibroblasto, regeneração epidérmica, síntese e degradação do colágeno) UFPE – 2013 98. Um homem de 59 anos, obeso e hipertenso, deverá ser submetido a uma intervenção cirúrgica de grande porte sobre o trato digestivo. A avaliação pré-operatória classificou o caso como ASA IV. Considerando que a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologia é universalmente aceita, assinale a alternativa INCORRETA: a) excelente avaliador do risco cirúrgico b) a avaliação leva em conta apenas as características do paciente c) é um bom preditor de mortalidade d) estratifica o estado físico do paciente UFPR – Clínica Cirúrgica – 2013 99. Sobre a transfusão de sangue, assinale a alternativa CORRETA: a) a diluição normovolêmica aguda reduz a necessidade de sangue, por reaproveitá-lo do campo cirúrgico b) pacientes com grandes tumores abdominais se beneficiam da recuperação do sangue do campo operatório c) um coagulograma normal indica ausência de doenças da coagulação do sangue d) paciente renal crônico não deve se submeter a cirurgias eletivas se tiver taxa de hemoglobina inferior a 7 g/dL e) a pressão arterial se mantém estável em paciente adulto que perdeu 1.000 mL de sangue com infusão de 3.000 mL de solução fisiológica UERJ – Clínica Cirúrgica – 2013 100. Segundo os critérios de Child-Turcotte-Pugh, no paciente cirrótico sem encefalopatia, mas com ascite leve controlada, bilirrubina de 2,7 mg/dL, albumina de 2,9 g/dL e tempo de protrombina (valor de referência = 14 s) de 17 segundos, seu total de pontos e sua classificação são, respectivamente:

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Cirurgia geral | Questões para treinamento a) 5 – classe A b) 6 – classe A c) 8 – classe B d) 9 – classe B UFPI – Clínica Cirúrgica – 2013 101. A terapia nutricional no pré e pós-operatório com a finalidade de diminuir o risco cirúrgico está indicada no caso de: a) perda de peso superior a 10% nos últimos 6 meses b) a albumina sérica ser inferior a 4,0 g/dL c) o IMC ser inferior a 20 d) neoplasia com evolução superior há 1 ano e) pacientes com acalasia de esôfago UFPI – Clínica Cirúrgica – 2013 102. A avaliação nutricional é a interpretação conjunta de vários parâmetros, permitindo a obtenção de um diagnóstico preciso. Baseando-se, assim, na anamnese e no exame físico do paciente, NÃO se utiliza para avaliação do estado nutricional: a) proteína carreadora do retinol b) albumina c) alfafetoproteína d) transferrina e) pré-albumina UFPI – Clínica Cirúrgica – 2013 103. Constitui recomendação pré-operatória: a) solicitar raio X de tórax em PA e perfil para tabagista crônico (mais de 10 cigarros/dia) do sexo masculino com 52 anos de idade e que apresenta dispneia aos esforços moderados b) suspender o cigarro por duas semanas no pré-operatório c) em pacientes com hepatite crônica sem cirrose que irão submeter-se a cirurgia eletiva, geralmente a cirurgia é considerada de alto risco d) paciente diabético em uso de insulina NPH 20 UI pela manhã e 15 UI à noite, administrar 10 UI à noite na véspera da cirurgia e 10 UI na manhã da cirurgia e) o paciente com histórico de uso de esteroides (< 5 mg dia) pode necessitar de uma suplementação para uma suposta resposta adrenal anormal ao estresse perioperatório HNSG – Clínica Cirúrgica – 2013 104. Paciente do sexo masculino de 64 anos, apresenta hérnia inguinal esquerda sintomática. É portador de hipertensão arterial sistêmica controlada com inibidor da enzima de conversão da angiotensina e diurético. Trabalha na bolsa de valores e realiza caminhadas de 30

minutos em dias alternados. Qual é a classificação de ASA (Sociedade Americana de Anestesilogia) deste paciente: a) ASA 1 b) ASA 2 c) ASA 3 d) ASA 3E e) ASA 4E UFSC – 2012 105. Na avaliação pulmonar pré-operatória, é CORRETO afirmar que: a) a pressão parcial de oxigênio (PO2) no sangue arterial é o melhor indicador de ventilação alveolar b) idealmente se deve suspender o uso do tabaco, nos tabagistas, uma semana antes do procedimento cirúrgico c) os parâmetros espirométricos mais importantes são o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), a capacidade vital forçada (CVF) e a relação VEF1/CVF d) a chance do desenvolvimento de parada cardíaca no período perioperatório é a mesma quando se compara população de asmáticos com de não asmáticos e) a capacidade de tolerância ao exercício físico tem importância na avaliação da doença pulmonar obstrutiva crônica, mas não se correlaciona com os riscos pós-operatórios SUS-SP – 2012 106. Uma paciente de 45 anos de idade, portadora de hepatite C e cirrose, será submetida a colecistectomia de hepatite C e cirrose, será submetida a colecistectomia eletiva, para tratamento de litíase biliar sintomática. Melhor indicador de mortalidade perioperatória: a) carga viral b) MELD c) aspecto do fígado na tomografia d) classificação de Child-Pugh e) aspecto dos cálculos na ultrassonografia SES-RJ – 2012 107. Homem de 51 anos prepara-se para cirurgia de hérnia inguinal esquerda. Ele é tabagista, diabético e hipertenso. Faz uso regular de losartan e hidroclorotiazida para controle da pressão arterial e de metformina para controle glicêmico. Apresenta-se em bom estado geral, PA 120/84 mmHg, FR 16 irpm, FC 80 bpm, sem arritmias. A revisão laboratorial mostra glicemia de jejum de 185 mg/dL e função renal normal. A radiografia de tórax e eletrocardiograma encontram-se sem alterações. Sua classificação de risco anestésico (ASA) é: SJT Residência Médica


1 Pré-operatório a) 1 b) 2 c) 3 d) 4 SES-RJ – 2012 108. Com relação ao preparo pré-operatório do paciente cirúrgico em uso regular de medicamentos é correto afirmar, EXCETO: a) o lítio e os medicamentos antidepressivos tricíclicos devem ser descontinuados duas semanas antes das cirurgias eletivas b) os hormônios tireodianos devem ser mantidos antes e após as cirurgias eletivas c) o AAS interfere de forma irreversível na função plaquetária e deve ser suspenso 7 a 10 dias antes das cirurgias eletivas d) as biguanidas ou sulfonilureias devem ser suspensas antes das cirurgias eletivas sendo a glicemia controlada com insulina regular ou soro glicosado, conforme necessidade SES-RJ – 2012 109. Paciente masculino, 45 anos, não tabagista, sem comorbidades e sem fatores de risco adicionais para fenômenos tromboembólicos, será submetido a colectomia direita devido à adenocarcinoma de cólon ascendente. A respeito da tromboprofilaxia deste paciente, podemos afirmar, EXCETO: a) a prevenção é a chave para a redução da morbimortalidade no tromboembolismo venoso e sua relação custo-benefício já foi repetidamente demonstrada, sendo eficaz e segura, com poucos efeitos colaterais b) a tromboprofilaxia tem como objetivo, nesse paciente, tanto a prevenção da trombose venosa profunda quanto do tromboembolismo pulmonar c) trata-se de um paciente de risco moderado de apresentar tromboembolismo venoso, sendo indicadas medidas não farmacológicas e heparina não fracionada ou de baixo peso molecular, em doses profiláticas d) a tromboprofilaxia farmacológica é indicada para esse paciente e uma das opções seria a heparina não fracionada, 5.000 UI, no subcutâneo, de 8 em 8 horas, iniciada 12 horas antes da cirurgia e mantida enquanto durar o risco de fenômeno tromboembólico UERJ – 2012 110. No repouso masculino está sendo reavaliado um alcoólatra com possível indicação de laparotomia exploradora. Ele sofre de cirrose hepática e tem ascite moderada a grave, mas não SJT Residência Médica

há evidências de encefalopatia. A bioquímica sanguínea revela bilirrubina de 2,5 mg/dL, albumina de 3,8 g/dL e tempo de protrombina prolongado em 5 seg (INR aproximadamente de 1,9). O somatório de pontos alcançado, à luz da classificação de Child-Pugh, é de: a) 6 b) 7 c) 8 d) 9 Santa Casa-BH – 2012 111. No preparo pré-operatório do paciente com icterícia obstrutiva não está indicada: a) administração de vitamina K b) antibioticoterapia c) hidratação com solução glicosada d) heparinização profilática para tromboembolismo Unificado-MG – 2012 112. L.B.D., sexo feminino, 60 anos, cabeleireira, está em tratamento de tromboembolismo pulmonar há dois meses e em uso de varfarin. Ela deverá ser submetida a tratamento cirúrgico de câncer de cólon esquerdo. Em relação a este caso, assinale a afirmativa CORRETA: a) o ato cirúrgico deverá ser protelado por mais quatro meses para completar o tratamento do tromboembolismo b) o varfarin deve ser mantido até a véspera da cirurgia, pois esta paciente é de altíssimo risco para eventos tromboembólicos c) o varfarin deve ser reiniciado no pós-operatório imediato d) o varfarin deve ser suspenso 5 dias antes da operação e iniciado o uso de heparina não fracionada por via endovenosa ou heparina de baixo peso molecular por via subcutânea UFPR – 2012 113. Durante seu estágio em cirurgia, você foi acompanhar, no centro cirúrgico, a tireoidectomia total por carcinoma papilífero de uma mulher, 27 anos, sem comorbidades, ASA I e IMC 21 kg/m². Durante a indução anestésica, o cirurgião pede ao anestesista a administração endovenosa de 1 g de cefazolina como antibioticoprofilaxia. Qual a interpretação correta a ser feita referente à medida tomada? a) indicação inadequada que eleva custos e aumenta riscos de efeitos colaterais e aparecimento de bactérias denominadas resistentes b) indicação precisa, pois, apesar da inexistência de fatores de risco para infecção de sítio cirúrgico, é caso de câncer e haverá manipulação do esôfago e traqueia

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Cirurgia geral | Questões para treinamento c) indicação precisa, mas escolha errônea do antibiótico, por não cobrir anaeróbios presentes no esôfago d) indicação precisa, mas escolha errônea do início do antibiótico, que deveria ter sido iniciado 24 horas antes da operação e) indicação precisa, pois haverá a necessidade de colocação de dreno tubular para aspiração pós-operatória UFPR – 2012 114. O método mais apropriado para a identificação de um paciente com potencial para desenvolver uma diátese hemorrágica é: a) obter exames de sangue baseados em incidências internacionais b) verificar o seu tempo de sangramento c) fazer uma história e exame físico completo d) fazer um hemograma e) verificar o tempo de retração do coágulo ICC-CE – 2012 115. Em relação aos cuidados pré-operatórios de pacientes diabéticos é correto afirmar: a) o uso de hipoglicemiantes orais deve ser suspenso 36 a 48 horas antes da cirurugia b) pacientes em uso de clorpropamida devem manter a medicação em doses habituais até o dia da cirurgia c) a substituição de hipoglicemiantes orais por insulina deve ser instituída 48 horas antes da cirurgia d) pacientes em uso de insulina de longa duração devem substituir seu uso por insulina regular 48 horas antes da cirurgia e) as preparações de insulina de ação curta (regular) geralmente são suspensas a partir do início do jejum ICC-CE – 2012 116. Não representa fator de risco aumentado para tromboembolia venosa: a) utilização de tela de Marlex para correção de hérnias b) lúpus eritomatoso sistêmico c) síndrome nefrótica d) uso de anticoncepcional oral e) doença inflamatória intestinal AMP – 2012 117. Conforme a classificação da Sociedade Americana de Anestesistas (ASA), paciente com doença sistêmica grave, que limita atividades, mas não o deixa incapacitado: a) V b) IV

c) III d) II e) I SUS-SP – 2012 118. Um paciente de 45 anos do sexo masculino tem hérnia inguinal direita e será submetido a correção cirúrgica com tela. Não é hipertenso nem diabético. Não faz uso habitual de nenhuma medicação. Nunca foi internado. Nega outras morbidades. Exames pré-operatórios que devem ser solicitados: a) hemograma, coagulograma, eletrocardiograma e radiografia de tórax b) eletrocardiograma e radiografia de tórax c) hemograma e função renal d) hemograma e coagulograma e) hemograma, coagulograma e eletrocardiograma SES-SC – 2012 119. Em relação às recomendações para exames de avaliação pré-operatória, assinale a alternativa CORRETA: a) o eletrocardiograma deve ser solicitado para todos os pacientes cirúrgicos, independente do tipo de cirurgia b) a indicação de solicitação da radiografia do tórax em pacientes tabagistas é relativa c) a glicemia deve ser solicitada para pacientes de 20 a 40 anos devido ao risco de diabete melito tipo 1 d) a hemoglobina deve ser solicitada em todas as cirurgias com anestesia local, mesmo com perda sanguínea desprezível e) o exame qualitativo de urina deve ser solicitado para todos os pacientes diabéticos, hipertensos, etilistas pesados e tabagistas SES-CE – 2011 120. Distúrbio de coagulação é rotineiramente pesquisado em pacientes que se submeterão, principalmente, a cirurgias de grande porte. Acerca do assunto, assinale a alternativa CORRETA: a) as plaquetas aderem rapidamente ao colágeno subendotelial exposto e a proteínas da membrana basal b) a presença de vitamina K e do fator de Von Willebrand é importante para o sucesso na adesão plaquetária c) a denominada prostaglandina A2 é um importante agregador plaquetário d) a hemostasia se inicia com a interação entre a parede do vaso e os fatores da coagulação e) com a liberação de adenosina trifosfato pelas plaquetas ocorre maior adesão plaquetária SJT Residência Médica


1 Pré-operatório IMPARH – 2011 121. Qual das opções abaixo NÃO representa uma situação onde há indicação de transfusão de plaquetas? a) paciente apresentando contagem de plaquetas recente (dentro das 24 horas) < 10.000/mm3 b) paciente apresentando contagem de plaquetas recente (dentro das 24 horas) < 50.000/mm3 com um procedimento cirúrgico planejado c) profilaxia na púrpura trombocitopênica idiopática d) sangramento microvascular evidente e queda rápida na plaquetometria Hospital Albert Einstein – 2011 122. Um homem de 58 anos deverá ser submetido a ressecção prostática por robótica. O paciente refere que dois familiares seus de primeiro grau já apresentaram sinais de tromboembolismo pulmonar em intervenções cirúrgicas ablativas de próstata. Assinale a alternativa que NÃO expressa dosagem plasmática importante para a configuração de estado de hipercoagulabilidade: a) fator X da coagulação b) proteína C c) proteína S d) antitrombina III e) anticorpos antifosfolípides Cruz Vermelha-PR – 2011 123. Paciente masculino de 52 anos com índice de massa corporal de 23, será submetido à colecistectomia por vídeo, eletivamente. Na sua história clínica constatou-se que o mesmo faz atividade esportiva três vezes por semana há mais de 10 anos, não é tabagista e não toma medicações de forma contínua. Qual das alternativas abaixo relaciona os exames laboratoriais pré-operatórios mais coerentes? a) hemograma, sódio, potássio, ureia, creatinina, glicemia, coagulograma completo b) hemograma, parcial de urina, glicemia e creatinina

c) glicemia, coagulograma, creatinina, ureia d) hemograma, creatinina, ureia e) hemograma, creatinina, ureia, glicemia e coagulograma SUS-SP – 2011 124. A respeito da avaliação pré-operatória é INCORRETO afirmar que: a) o objetivo principal da avaliação pré-operatória é detectar e corrigir as alterações eventualmente presentes, antes de realizar a operação b) os exames de rotina não baseados em avaliação e suspeita clínica trazem pouca ajuda no cuidado e preparo pré-operatório SJT Residência Médica

c) os exames laboratoriais e de imagem são os melhores métodos para se identificar os fatores de risco d) a solicitação de exames exige que o médico tenha conhecimento de sensibilidade, especificidade, riscos, custo e relevância clínica e) a avaliação do risco no pré-operatório auxilia na decisão pelo melhor procedimento para se obter o maior benefício com o menor risco UFSC – 2011 125. Em relação à avaliação nutricional do paciente cirúrgico, qual dos itens abaixo não contribui para o cálculo do gasto energético basal: a) idade b) sexo c) altura d) peso e) atividade metabólica CREMESP – 2011 126. A respeito dos distúrbios de coagulação no paciente cirúrgico é CORRETO afirmar: a) em pacientes que serão submetidos à cirurgia eletiva, o uso de ácido acetilsalicílico (AAS) deve ser suspenso pelo menos 15 dias antes da cirurgia b) pacientes com icterícia obstrutiva prolongada não se beneficiam com o uso de vitamina K c) a reposição de plasma fresco congelado é a melhor forma de corrigir rapidamente as alterações de coagulação associadas ao uso de anticoagulante oral d) a vitamina K reverte rapidamente as alterações de coagulação associadas à cirrose hepática e) a principal causa de sangramento nos pacientes politransfundidos é a coagulopatia de consumo USP-RP – 2010 127. Considerando-se a meia-vida da proteína, a dosagem sérica de albumina, como parâmetro de controle da eficácia da terapêutica nutricional, deve ser realizada em intervalos de: a) 7 dias b) 10 dias c) 120 dias d) 21 dias FMJ – 2010 128. Mulher de 54 anos, fumante, diabética, hipertensa, em uso de valsartana/hidroclorotiazida 160 /12,5 mg, fazendo dieta hipossódica com restrição de açúcar e portadora de colelitíase, necessita colecistectomia laparoscópica. BEG, PA: 125/80, FC: 80 bat/min, rítmico. Glicemia 95 mg e sem alterações de Na+ e K+. Raio X de tórax: normal. Sua classificação de risco anestésico (ASA) é:

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Cirurgia geral | Questões para treinamento a) ASA 1 b) ASA 2 c) ASA 3 d) ASA 4 e) ASA 5 FESP – 2010 129. Em pacientes desnutridos, a adequação do regime nutricional pode ser avaliada pela dosagem de proteínas plasmáticas. Das proteínas abaixo, a que é mais sensível por apresentar uma meia-vida mais curta é: a) pré-albumina b) transferrina c) globulina d) albumina FESP – 2010 130. Um paciente de 57 anos, portador de hipertensão controlada, encontra-se em pré-operatório de colectomia direita. A sua classificação, segundo a American Society of Anesthesiologists (ASA) é: a) I b) II c) III d) IV SUS-BA – 2010 131. Define-se como transfusão maciça, como sendo a:

a) reposição de, pelo menos, uma volemia em um intervalo de até 24 horas b) reposição de, pelo menos, uma volemia, em um intervalo de até 12 horas c) administração de mais de 4 unidades de concentrado de hemácias em curto período de tempo d) administração de mais de 6 unidades de concentrado de hemácias em curto período de tempo e) administração de mais de 8 unidades de concentrado de hemácias em curto período de tempo HUEC – 2010 132. Na avaliação nutricional do paciente cirúrgico, assinale qual dos seguintes parâmetros não tem importância: a) impedanciometria b) dosagem da albumina sérica c) dosagem da transferrina sérica d) medida da prega cutânea do tríceps e) peso UEL – 2010 133. O plasma fresco congelado tem sua melhor indicação na:

a) hipovolemia como expansor plasmático b) trombocitopenia causada pela heparina c) disfunção plaquetária com sangramento d) na recuperação da pressão coloidosmótica e) deficiência de fatores de coagulação Unificado-MG – 2010 134. Paciente do sexo feminino, 68 anos, apresenta HAS de 160 × 110 mmHg, DM tipo 1 e angina estável. Indicado tratamento cirúrgico para colecistolitíase sintomática não complicada. Em relação ao pré-operatório dessa paciente podemos afirmar, exceto: a) ela é mais categorizada como ASA 2 b) raio X de tórax, hemograma e provas de função renal são exames que devem ser solicitados c) para definição de seu risco cardíaco, deveriam ser solicitados, dentre outros: ECG e gasometria arterial d) a presença de angina instável ou de infarto do miocárdio recente (ocorrido nos últimos 3 meses antes da avaliação), deveria contraindicar ou adiar o procedimento Unificado-MG – 2010 135. Paciente do sexo masculino, 55 anos, sem fatores de risco adicional para complicações tromboembólicas, deverá ser submetido a gastrectomia subtotal no tratamento de carcinoma gástrico distal. Em relação à indicação de tromboprofilaxia podemos afirmar, EXCETO: a) a relação custo-benefício da tromboprofilaxia, em casos como esse, já foi repetidamente demonstrada b) trata-se de um paciente de risco moderado de apresentar tromboembolismo venoso c) a tromboprofilaxia tem como objetivo, nesse paciente, a prevenção de trombose venosa profunda, mas também de tromboembolismo pulmonar d) a melhor estratégia para a tromboprofilaxia, neste caso, seria o emprego de heparina não fracionada 5.000 UI SC de 8 em 8 horas IJF – 2010 136. São indicações gerais de suporte nutricional, EXCETO: a) ingestão oral inferior a 50% das necessidades energéticas totais b) duração do jejum superior a 7 dias de inanição c) valor da albumina sérica < 3,5 g/100 mL medida na ausência de um estado inflamatório d) perda superior a 10% do peso corporal quando da internação SJT Residência Médica


1 Pré-operatório SES-SC – 2010 137. É considerada uma contraindicação formal para a transfusão de plaquetas: a) coagulação intravascular disseminada b) púrpura trombocitopênica trombótica c) púrpura trombocitopênica imunológica d) plaquetopenia secundária à leptospirose e) plaquetopenia secundária à meningococcemia SES-SC – 2010 138. Na avaliação pré-operatória é importante conhecer condições pre-existentes que possam interferir na completa recuperação do paciente. Medicações que o paciente ingere podem alterar o curso de um procedimento operatório, desde que não sejam suspensas antecipadamente. Assim sendo, assinale a alternativa correta em relação ao ácido acetilsalicílico. a) não há necessidade de se preocupar com isso, pois as consequências da administração do ácido acetilsalicílico são desprezíveis na coagulação sanguínea b) o ácido acetilsalicílico não necessita ser suspenso antecipadamente em pacientes candidatos à cirurgia eletiva, pois atua na via extrínseca da cascata de coagulação c) se, em sua opinião, ele necessitar ser suspenso previamente e não houver tempo para isso, eventuais efeitos colaterais podem ser controlados com a administração intravenosa de vitamina K d) no paciente que o utiliza diariamente e que precisa ser operado e não interrompe a sua administração, mesmo com o número de plaquetas normais, pode acontecer sangramento por distúrbio de coagulação, pois há inibição seletiva da via de formação do tromboxano pela droga e) a obtenção da contagem de plaquetas no pré-operatório é importante, pois se o número de plaquetas estiver dentro dos valores normais pode-se operar o paciente sem risco de sangramento, sem a necessidade de suspensão prévia da droga HPM-MG – Endoscopia – 2009 139. Qual das alternativas abaixo não faz parte do grupo de alto risco de tromboembolismo venoso no pós-operatório: a) cirurgia geral em paciente com mais de 40 anos de idade e história de tromboembolismo venoso profundo e embolia pulmonar b) cirurgia pélvica ou abdominal extensa para patologia maligna c) grande cirurgia ortopédica dos membros inferiores

d) cirurgia geral em paciente com mais de 40 anos de idade e com duração maior de 30 minutos

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UFSC – Medicina Intensiva – 2009 140. Em relação ao sistema de classificação de risco anestésico da Associação Americana de Anestesia (ASA), podemos afirmar: a) pacientes com classificação ASA-V apresentam total normalidade fisiológica b) quanto maior o número na classificação, menor o risco para procedimentos anestésicos/ cirúrgicos c) pacientes com classificação ASA-III ou ASA-IV não podem ser submetidos a cirurgia, mesmo de urgência, pelo elevado risco de óbito transoperatório d) os pacientes classificados como ASA-II são aqueles com distúrbio fisiológico leve a moderado, controlado. Sem comprometimento da atividade normal. O risco de óbito na cirurgia é baixo (< 5%) e) pacientes com classificação ASA-I não apresentam distúrbios fisiológicos, mas podem apresentar distúrbios bioquímicos e/ou psiquiátricos UFRJ – 2009 141. Dorival, 68 anos, em pré-operatório de carcinoma bem diferenciado localizado no colo esquerdo. História de colonoscopia há dez anos, com remoção de pólipo de 1 cm de diâmetro. Seu irmão mais velho foi operado de câncer no colo aos 80 anos. Tem história prévia de trombose venosa profunda fêmoro-poplítea direita há 10 anos após fratura de ossos da perna e imobilização com aparelho gessado. O ecodoppler venoso recente mostra total recanalização do sistema venoso profundo direito, com discreto refluxo na veia femoral superficial. A heparina de baixo peso molecular deverá ser utilizada em dose: a) profilática, após o procedimento cirúrgico e manutenção por 24 horas b) plena, 12 horas antes do procedimento cirúrgico até alta hospitalar c) plena, 12 horas após o procedimento cirúrgico até deambulação d) profilática, 12 horas antes do procedimento cirúrgico e a cada 24 horas até deambulação UFRN – 2009 142. A profilaxia para tromboembolismo pulmonar, recomendada a um paciente de 20 anos que será submetido a uma apendicectomia, é: a) heparina subcutânea b) deambulação precoce c) heparina intravenosa d) compressão pneumática intermitente

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Cirurgia geral | Questões para treinamento UFF – 2008 143. Com relação à avaliação do estado nutricional de um paciente, assinale a afirmativa ERRADA: a) a avaliação da reserva lipídica pode ser feita utilizando-se a medição da espessura de pregas cutâneas b) a linfocitometria é utilizada correntemente para avaliar a imunocompetência de um paciente c) o grau de catabolismo proteico é determinado pela perda urinária de nitrogênio ureico em 24 h d) na avaliação simplificada do grau de desnutrição de um paciente, níveis de albumina sérica entre 2,5 e 3 g/dL sugerem um quadro de desnutrição leve HSPM – São Paulo – 2007 144. Melhor forma de avaliar o risco de sangramento no pré-operatório de cirurgia eletiva: a) TP b) história clínica c) coagulograma completo d) contagem de plaqueta e) TS HSPM – São Paulo – 2007 145. Um paciente apresenta neoplasia não obstrutiva de antro gástrico. No pré-operatório desenvolve quadro compatível com trombose venosa profunda em perna direita. Conduta mais apropriada para a situação: a) suspender a cirurgia, iniciando tratamento com heparina endovenosa até que haja sinais de recuperação do fluxo venoso ao ecodoppler, substituindo-se então a heparina endovenosa por subcutânea e procedendo-se à cirurgia b) manter a programação cirúrgica devido à obstrução gástrica, independente da manifestação paraneoplásica, valendo-se de outros meios de profilaxia como, por exemplo, enfaixamento dos membros e deambulação precoce c) suspender a cirurgia, iniciar tratamento com heparina endovenosa, e só operar após remissão do quadro agudo, revertendo a heparinização com protamina ou aguardando 12 horas, mantendo heparinização subcutânea no pós-operatório d) manter a programação cirúrgica, iniciando tratamento com heparina subcutânea para evitar sangramento pós-operatório, administrando dicumarínicos assim que o paciente for realimentado por via oral e) suspender a cirurgia, iniciando heparinização endovenosa e colocação de filtro de cava, revertendo a heparinização com protamina logo após a colocação do filtro e procedendo à cirurgia, com utilização de heparina subcutânea no pós-operatório

IPSMG – 2007 146. Uma terapia nutricional agressiva em pacientes caquéticos pode levar a consequências clínicas adversas conhecidas como síndrome de realimentação. Sobre essa síndrome e seu tratamento é incorreto afirmar que: a) a reposição calórica deve ser em torno de 15 a 20 kcal/kg sendo 100 g de carboidratos e 1,5 g de proteína por quilo por dia b) hiperfosfatemia severa pode ocorrer em poucas horas após o início da terapia nutricional c) insuficiência cardíaca congestiva e taquiarritmias ventriculares podem ocorrer mais frequentemente durante a primeira semana de realimentação d) potássio e magnésio, embora permaneçam normais ou próximos do normal durante o período de desnutrição, podem apresentar queda rápida durante a realimentação CREMESP – 2007 147. No pré-operatório, atenção especial deve ser dada aos medicamentos em uso. Os anticoagulantes merecem especial consideração. Com relação aos cuidados para reverter as alterações na coagulação associadas ao uso de anticoagulantes, pode-se afirmar que a: a) reversão do efeito da heparina pode ser obtida com a reposição de vitamina K b) reversão do efeito dos derivados da varfarina pode ser obtida com protamina c) transfusão de plaquetas corrige o distúrbio provocado pela heparina d) reversão do efeito da heparina pode ser obtida com a administração de protamina e) transfusão de plaquetas corrige o distúrbio provocado pelos derivados da varfarina FESP – 2007 148. Um dos procedimentos operatórios não cardíacos em que ocorre risco elevado de complicação cardíaca (> 5%) é: a) enxerto aortobifemoral b) operação para catarata c) linfadenectomia cervical radical d) prótese completa de cabeça de fêmur FESP – 2007 149. O índice de massa corporal é calculado pela fórmula: a) peso (kg) / {estatura em metros}² b) {massa proteica somática}³ / peso (kg) c) massa proteica visceral / {peso em kg}² d) estatura em metros / {massa proteica somática}³

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1 Pré-operatório FESP – 2007 150. Em um paciente cirúrgico o nível da glicemia acima do qual pode ocorrer comprometimento da função imune, com possibilidade aumentada de complicações pós-operatórias é, em mg/ dL, de: a) 126 b) 140 c) 250 d) 320 AMIRGS – 2005 151. O uso de ácido acetilsalicílico (AAS) é muito frequente, tanto como analgésico quanto como profilático, nas doenças vasculares cerebral e cardíaca, o que eleva o risco de hemorragias em cirurgias eletivas. Quanto tempo antes de uma cirurgia eletiva deve-se suspender o uso de AAS? a) não existe necessidade de suspender o uso de AAS b) não é preciso suspendê-lo, basta diminuir a dosagem diária para 50% do que vinha sendo usada c) deve ser suspenso 48 horas antes da cirurgia d) deve ser suspenso 7 dias antes da cirurgia e) deve ser suspenso 30 dias antes da cirurgia IPSMG – 2005 152. A respeito dos aspectos nutricionais dos pacientes cirúrgicos é incorreto afirmar que: a) a melhor via de nutrição, sempre que possível, é a denominada oral b) o início da nutrição enteral precoce (início em 24 a 72 horas após a cirurgia), no pós-operatório de cirurgias gástricas, esofágicas e pancreáticas, tem sido associado a menor taxa de complicações infecciosas c) pacientes portadores de tumores malignos do trato digestivo, ainda que desnutridos, não devem receber nutrição parenteral total no pós-operatório d) proteínas devem ser oferecidas na quantidade de 1 a 2 gramas por quilo, ao dia, no pós-operatório FESP – 2005 153. Atualmente o fator determinante na decisão de transfusão de concentrado de hemácias para um paciente é: a) o valor do hematócrito b) o quadro clínico c) o nível de hemoglobina d) a perfusão periférica FESP – 2005 154. Pacientes em preparo pré-operatório, que apresentam anemia, devem ter o volume de SJT Residência Médica

hemácias reposto até a hemoglobina atingir um nível mínimo de segurança, antes de submetê-los à cirurgia sob anestesia geral. Este nível de hemoglobina corresponde a: a) 8 g/dL b) 10 g/dL c) 12 g/dL d) 14 g/dL UFPE – 2005 155. Com relação à avaliação pré-operatória do paciente cirúrgico, podemos afirmar que: a) a classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA) é específica para a avaliação do risco cardíaco b) a classificação de ASA se baseia em parâmetros clínicos e laboratoriais c) a classificação de Goldman é específica para risco pulmonar d) a classe III de Goldman (13-25 pontos) determina um risco de complicações cardiológicas em torno de 14% UFF – 2005 156. A ação do ácido acetilsalicílico se dá por: a) aumento da agregação plaquetária b) inibição da fosfodiesterase; bloqueio à captação de adenosina c) ausência de ação direta sobre o metabolismo do ácido araquidônico d) inibição irreversível da cicloxigenase, dificultando a formação do tromboxano AII e) atuação sobre os receptores de ADP presentes na superfície plaquetária Fundação João Goulart – 2005 157. A droga fundamental utilizada no preparo pré-operatório do paciente com feocromocitoma, com o objetivo de se evitar intercorrência clínica grave durante a excisão da lesão é: a) lidocaína b) propranolol c) nitroprussiato d) fenoxibenzamina Prefeitura de Niterói – 2002 158. Dentre as indicações de transfusão de plasma fresco congelado, a que pode ser considerada sem fundamentação clínica é: a) coagulação intravascular disseminada b) deficiência congênita de antitrombina III c) transfusão maciça em paciente sem coagulopatia clínica d) redução dos níveis de plasminogênio ou antiplasmina

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Cirurgia geral | Questões para treinamento UNICAMP – 2001 159. Em transfusão maciça de sangue, o evento menos provável de ocorrer é: a) trombocitopenia b) hipercalcemia c) deficiência de fatores da coagulação d) desvio para a esquerda na curva de dissociação da hemoglobina e) hipotermia

USP-SP – 2000 160. Qual é o parâmetro mais importante na avaliação pré-operatória da reserva funcional hepática? a) tempo de protrombina b) tempo parcial de tromboplastina c) albuminemia d) bilirrubina e) transaminases

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QUESTÕES PARA TREINAMENTO Pré-operatório

1. O objetivo da avaliação pré-operatória é verificar o estado clinico do paciente, gerando recomendações sobre o manuseio e risco de problemas em todo período pré-operatório e definir o risco cirúrgico que o paciente, anestesista, auxiliar e o cirurgião podem usar para tomar decisões que beneficiem o paciente a curto e longo prazo. Paciente assintomáticos ASA1 com idade até 40 anos não se beneficiam com a realização de exames laborais, porém os pacientes ASA 1 com idade maior que 40 anos assintomáticos se beneficia. Resposta e. 2. Sabe-se que os diabéticos apresentam uma chance maior que a população normal de serem submetidos a um procedimento cirúrgico. Estima-se que cerca de 50% destes pacientes farão pelo menos uma cirurgia durante sua vida. Quanto aos fármacos utilizados pelos diabéticos eles podem ser divididos em três grupos: aqueles que controlam a terapia apenas com dieta, os que usam antidiabéticos orais e os que usam insulina. Diabéticos controlados apenas com dieta geralmente não precisam de nenhuma terapia pré-operatória específica, devendo-se utilizar medidas seriadas da glicemia capilar e aplicar insulina de ação rápida (regular ou lispro) quando necessário, objetivando uma glicemia menor que 200 mg/dL. Quando a insulina não

é utilizada não há necessidade de utilizar glicose nas soluções de hidratação, exceto pelas necessidades basais. Quando aplicada insulina, em qualquer doente diabético, é necessário adicionar glicose às soluções, para evitar hipoglicemia grave, afinal o doente estará em jejum para a cirurgia. Nos diabéticos que fazem tratamento com hipoglicemiantes orais deve-se atentar para a suspensão pré-operatória destas drogas e controle glicêmico com esquemas de insulina regular. A metformina deve ser suspensa 48 horas antes do procedimento, pelo risco de acidose lática e os outros antidiabéticos podem ser suspensos na manhã da cirurgia. Resposta a. 3. O aumento da hidratação no pré-operatório em pacientes com IRC em hemodiálise ou não só acarretaria sobrecarga de volume e maior risco de hiponatremia dilucional. Nestes pacientes, o exame de urina e a análise dos eletrólitos urinários em geral não são úteis no quadro de insuficiência renal estabelecida, porém podem servir para diagnosticar quadros de novas disfunções renais ainda no seu início. Bicarbonato de sódio é utilizado em quadro de acidose metabólica que não tenha hipoperfusão como causa quando os níveis de bicarbonato sérico estão abaixo de 15 mEq/L. A hiponatremia é tratada com restrição


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Cirurgia geral | Gabarito comentado de volume, embora seja comum que a hemodiálise se torne necessária no período perioperatório para controle de volume e anormalidades eletrolíticas. A anemia é geralmente compensada com o uso de eritropoetina uma vez que a base fisiopatológica desta é a falta de produção deste hormônio pelas células tubulares dos rins. Resposta d. 4. Nesta população, estratégias perioperatórias incluem o uso de anestesia epidural, toalete brônquica vigorosa, fisioterapia respiratória e uso de broncodilatadores. O uso de antibioticoterapia de amplo espectro se justifica para tratar infecções preexistentes. Resposta c. 5. Pacientes que tomam agentes hipoglicemiantes orais tipicamente suspendem sua dose normal no dia da cirurgia. Os pacientes podem retomar a medicação oral uma vez que a dieta seja retomada. Uma exceção é a metaformina: se o paciente tem função renal alterada, esse agente deve ser descontinuado até que a função renal se normaliza ou estabilize para evitar acidose láctica potencial. Nos pacientes tomando cumarínico, a droga deve ser suspensa as cinco doses que antecedem a cirurgia, para permitir que o INR caia para 1,5 ou menos (assumindo-se que o paciente seja mantido num INR de 2,0–3,0). Medicações para asma devem ser mantidas e o paciente deve ser aconselhado a toma-las com um gole de água na manhã da operação. O paciente em uso de aspirina deve ser avaliado individualmente. A antiga recomendação de suspender a medicação de 7 a 10 dias antes de todo procedimento cirúrgico deve ser revista em razão dos comprovados efeitos prejudiciais. A aspirina deve ser mantida naqueles pacientes em prevenção secundária na maioria das situações, com algumas exceções, como é o caso da prostatectomia transuretral, onde o risco de sangramento torna-se elevado, assim como nas neurocirurgias. Medicamentos hipolipemiantes podem ser omitidos no dia da cirurgia (Sabiston 19ª edição). Diversos estudos mostram, no entanto, que as estatinas demonstram um potencial de melhora do desfecho cardiovascular pós-operatória de curto e longo prazo em pacientes de alto e médio risco, tanto para cirurgia cardíaca quanto não-cardíaca. Esse efeito protetor cardiovascular vem sendo atribuído aos efeitos pleiotrópicos desse grupo de drogas, que têm ação estabilizadora sobre a placa de ateroma (independente dos níveis de colesterol), a função endotelial e a coagulação. Resposta e. 6. Exames pré-operatórios de rotina não são custo-benefício e, mesmo em adultos mais velhos, são menos preditivos de morbidade perioperatória do que a avaliação ASA ou das orientações para risco cirúrgico da American Heart Association (AHA)/American College of Cardiology (ACC). Obviamente na situação exposta todas as opções são absurdas, exceto, a opção A que inclui hemograma e glicemia de jejum. Resposta a.

7. A tabela abaixo responde à pergunta e reforça definitivamente o aprendizado. Risco cardiológico conforme o tipo de procedimento em cirurgias não-cardíacas Risco cardiológico conforme o tipo de procedimento em cirurgias não-cardíacas Alto > 5% cirurgias de grande porte de urgências, especialmente em idosos cirurgia vascular de grande porte, aorta cirurgia vascular periférica procedimento cirúrgico prolongado, associado à perda

de sangue e/ou à grande reposição de volume Intermediário entre 1% e 5% endarterectomia de carótidas cirurgia de cabeça e pescoço cirurgia intraperitoneal e intratorácica cirurgia ortopédica prostatectomia

Baixo < 1% procedimentos endoscópicos procedimentos superficiais facectomia cirurgia de mama

Resposta d. 8. Para todos os pacientes, o risco geral deve ser categorizado usando a classificação da American Society of Anesthesiologist. A classificação da ASA foi um dos primeiros sistemas de classificação de risco. Essa classificação tem cinco categorias quanto ao estado físico: I. paciente normal e saudável II. paciente com doença sistêmica leve III. paciente com doença sistêmica grave que limita a atividade, mas não o deixa incapacitado IV. paciente que apresenta doença incapacitante que é uma ameaça constante à vida V. paciente terminal, que não se espera sobreviver 24 horas com ou sem operação A letra “E” é adicionada a qualquer um destes para uma operação de emergência. Mesmo que o sistema pareça subjetivo, continua a ser um importante indicador independente de mortalidade. Resposta c. 9. Quando realizada a transfusão plaquetária, o médico deverá determinar sua eficácia por meio da resposta clínica do paciente e pelo incremento plaquetário alcançado. Para evidenciar o benefício transfusional, deve-se realizar uma contagem plaquetária 1 hora após a transfusão, repetindo-se após 12 a 24 horas. Em geral, as plaquetas de uma única unidade de sangue acarretarão um aumento de 5 mil a 12.000 unidades/mm³/m². SJT Residência Médica


2 Pré-operatório Sabe-se que 50 mil/mm³ de plaquetas acarretam hemostasia adequada, desde que o sistema de coagulação, o sistema fibrinolítico e o endotélio estejam em condições satisfatórias. Portanto, valores < 50.000/ mm³ expõem os pacientes ao risco de hemorragia. Em cirurgias de grande porte em pacientes sem comorbidades o desejável é plaquetas ≥ 100.000/mm³. Obviamente uma paciente com leucemia estando com 50.000/mm³ plaquetas e com indicação de cirurgia de grande porte é candidata à transfusão profilática de plaquetas. Resposta e. 10. O fio de poliglactina é produzido a partir da mistura de 10% de L-lactida e 90% de glicolida tem sua absorção através de hidrólise processada em torno de 60 a 90 dias. Muito utilizado em sutura visceral e aponeurótica. O fio de seda é um fio trançado, formado a partir da proteína sintetizada pelo bicho da seda. Perde resistência tênsil lentamente (cerca de 1/3 em 6 meses). Mantém sua resistência tênsil máxima por um ano. Após esse período, sofre um processo de degradação natural e, ao final de dois anos, é totalmente fagocitado. Pode ser utilizado em ligadura de vasos.

Parâmetro Encefalopatia Ascite Bilirrubina (mg/dL) Albumina (g/litro) TAP (segundos prolongados) INR

Fio de polidoxanona (PDS) mantém uma boa força de tensão durante 60-90 dias. A absorção dá-se por hidrólise e pode durar até 180 dias. Fio de algodão é fio inabsorvível e multifilamentar assim como fio de seda. O fio de seda possui força tênsil pequena e com perda total ao fim de 1 a 2 anos. Em relação ao fio de algodão, este perde lentamente a resistência à tensão, ao ser implantado em tecidos, 50% em seis meses e 70% em dois anos. As desvantagens do algodão é sua capilaridade, reatividade nos tecidos e capacidade de potencializar infecções por aderência bacteriana (maior do que o fio de seda). O fio de nylon é um fio cirúrgico composto de polímero sintético poliamídico, monofilamentar, provoca pequena reação tecidual e proporciona alta resistência tênsil, mas pouca segurança na fixação do nó, que escorrega. É indicado habitualmente no fechamento da pele e suturas sob tensão que requeiram um fio de longa duração, como a sutura de tendões. Resposta c. 11. O sistema Child-Pugh estratifica o risco cirúrgico de acordo com níveis alterados de albumina, bilirrubina, TP prolongado e grau de ascite e encefalopatia hepática. Deixo a tabela abaixo para reforçar aprendizado.

Sistema de pontuação de Child-Pugh Pontos 1 Pontos 2 Pontos 3 Nenhum Estádio I ou II Estádio III ou IV Leve Moderada apesar do tratamento Ausente (controlado com diuréticos) diurético <2 2-3 >3 > 3,5 2,8-3,5 < 2,8 <4

4-6

>6

< 1,7

1,7-2,3

> 2,3

Classe A, 5-6 pontos; Classe B, 7-9 pontos; Classe C, 10-15 pontos. INR, Razão normalizada internacional; TAP, tempo de protrombina. Resposta d. 12. Preconiza-se que a opção pela tricotomia seja avaliada criteriosamente e, quando recomendada, deve ser realizada até duas horas antes da cirurgia (de preferência na sala cirúrgica), no período pré-operatório, com tricotomizadores elétricos ou tesouras, considerando o volume dos pelos, local da incisão e o tipo de procedimento cirúrgico. Paciente ASA II é o paciente com doença sistêmica leve, como consequência do processo que motivou a operação ou de doenças associadas. Em relação à embolia gasosa uma medida profilática eficaz é ao introduzir ou retirar cateteres na VCS, fazer essa retirada com o paciente em posição de Trendelenburg. Colecistite alitiásica corresponde a 5-10% do total de colecistites e geralmente se associa a condições de saúde críticas, como pós-operatório, trauma recente grave e queimaduras. A condição pode ocorrer em pessoas de qualquer idade com uma ligeira predominância no sexo masculino. Em crianças, a colecistite alitiásica represenSJT Residência Médica

ta 30-70% de todos os casos de colecistite, sendo que quadros de infecção e traumas são os fatores prévios mais comumente associados. A mortalidade de pacientes diagnosticados com colecistite alitiásica é considerada alta (30%) o que reflete a gravidade da enfermidade subjacente. O que se espera na raquianestesia é hipotensão arterial que não deve ser considerada uma complicação, mas sim um efeito esperado devido à simpatectomia farmacológica. Seu tratamento consiste no aumento do retorno venoso com cefalodeclive, reposição volêmica e uso de vasopressores. Resposta b. 13. Em relação ao paciente diabético as recomendações gerais consistem em suspender biguanida (metformina) ou sulfonilureias no dia anterior e realizar hemoglucoteste de 4/4h com insulina regular suplementar, se necessário SG 5% 100 mL/h durante o jejum. Resposta a.

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Cirurgia geral | Gabarito comentado 14. Com o enevelhecimento, ocorre um declínio da função fisiológica em todos os órgãos, ainda que a magnitude de tal declínio varie de órgão para órgão e de indivíduo para indivíduo. Em relação às alterações fisiológicas cardiovasculares destaca-se: Principais alterações cardiovasculares com a idade Diminuição do número de miócitos Fibrose das vias de condução com o aumento na incidência de arritmias Diminuição da complacência ventricular e arterial (pós-carga aumentada) Diminuição da responsividade β–adrenérgica Aumento da dependência de pré-carga (incluindo contração atrial) Disfunção diastólica aumentada Aumento da incidência de isquemias silenciosas

Acesse a plataforma EAD: há um artigo selecionado especialmente para você. Cirurgia no paciente geriátrico. Resposta a. 15. Esta paciente em uso de 30 mg/dia de prednisona cronicamente tem sem sombra de dúvidas supressão do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (naqueles em uso de < 5 mg de prednisona ou equivalente/dia para qualquer duração considere nenhuma supressão; para aqueles com 5-20 mg de prednisona ou seu equivalente para 3 semanas ou mais a supressão é incerta). O que fazer? Avalie o procedimento cirúrgico: Procedimentos pequenos ou anestesia local: Rx: administrar a dose usual de glicocorticoide antes da operação;

Nenhuma suplementação a menos que haja sinais ou sintomas de insuficiência adrenal, em seguida, 25 mg de hidrocortisona IV;

Estresse cirúrgico moderado: Rx: 50 mg de hidrocortisona IV antes da indução da anestesia, 25 mg de hidrocortisona a cada 8h por 2448 horas, em seguida, retomar a dose usual;

Grande estresse cirúrgico;

Rx: 100 mg de hidrocortisona IV antes da indução da anestesia, 50 mg de hidrocortisona a cada 8h por 4872 horas, em seguida, retomar a dose usual. Resposta d.

16. A recomendação-padrão de “dieta zero após meia-noite” para pacientes em pré-operatório tem como base a teoria de redução do volume e da acidez dos conteúdos gástricos durante a operação. Recentemente, as recomendações são para que se permita um período de ingestão restrita de líquido até algumas horas antes da operação. A ASA recomenda que adultos suspendam a ingestão de sólidos por pelo menos seis horas e de líquidos claros por duas horas. Quando o grupo de Cochrane revisou recentemente a literatura, descobriu 22 ensaios em adultos saudáveis que proporcionaram 38 comparações controladas. Não houve

evidência de que o volume ou o pH dos conteúdos gástricos tenha diferido com a duração e o tipo de jejum. Embora não relatado em todos os ensaios, pareceu não haver nenhum risco aumentado para aspiração ou regurgitação com um período menor de jejum. Pouquíssimos estudos investigaram a rotina de jejum em pacientes com maior risco de regurgitação ou aspiração (gestantes, idosos, obesos ou com distúrbios estomacais). Também existe evidência crescente de que a suplementação pré-operatória com carboidrato é segura e pode melhorar a resposta do paciente ao estresse perioperatório. As novas diretrizes baseadas em evidências que foram publicadas nos últimos anos por países como Estados Unidos, Canadá e Europa recomendam diminuição do tempo de jejum pré-operatório com líquidos claros e bebidas ricas em carboidrato até poucas horas antes de operação eletiva ou outros procedimentos que requerem anestesia para melhorar a qualidade ao atendimento, segurança e saúde do paciente. Recomendam ainda que os profissionais da saúde abandonem as ultrapassadas políticas de longos períodos de jejum pelas novas evidências para orientação das práticas pré-anestésicas. Outro aspecto negativo do jejum pré-operatório que deve ser considerado é que os pacientes permanecem muito mais tempo de jejum que o estabelecido, por várias razões como, atraso nas operações, transferência de horário ou local de realização do procedimento. Baseado nestas evidências e nos estudos realizados pelos grupos Enhanced Recovery After Surgery – ERAS (Europeu) e American Society of Anaesthesiologists – ASA (Americano) ocorreu à implantação do protocolo de Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória, denominado ACERTO, onde o tempo de jejum para sólidos foi mantido, mas os pacientes passaram a tomar duas horas antes do procedimento cirúrgico uma bebida com volume de 200 mL acrescida de maltodextrina a 12%. O protocolo europeu foi criado com o objetivo de atenuar a resposta ao estresse da operação e permitir recuperação rápida durante a internação hospitalar. O grupo europeu permite líquidos claros (água, chá e sucos sem resíduos) até duas horas antes do procedimento cirúrgico. A ASA ainda inclui no seu protocolo para líquidos sem resíduos bebidas carbonadas e sucos de frutas sem polpa. A torrada é considera refeição ligeira, sendo permitida até seis horas antes da operação. Já alimentos mais consistentes como carnes e preparações ricas em gordura exigem jejum maior. Do ponto de vista metabólico, o jejum prolongado acarreta diminuição dos níveis de insulina, aumento de glucagon e aumento da resistência à insulina, o que pode alongar-se pelo período de até três semanas após a operação. A resistência à insulina que é um fenômeno transitório se assemelha ao estado metabólico do diabete melito tipo 2, ou seja, a captação de glicose pelas células está diminuída devido à incapacidade do transportador GLUT-4 causando consequentemente, menor produção de glicogênio. Simultaneamente, a neoglicogênese está ativada aumentando a produção endógena de glicose, causando elevados índices de glicemia sanguínea. Além disso, SJT Residência Médica


2 Pré-operatório ocorre depleção dos níveis de glicogênio o que intensifica o estresse metabólico do paciente pós-cirúrgico. A resposta orgânica ao estresse é fenômeno fisiológico, onde múltiplos estímulos atingem o hipotálamo e estimulam o sistema nervoso simpático e a medula suprarrenal a liberarem substâncias desencadeadoras da resposta, com intuito de manter a homeostase corporal. Estes estímulos prolongados e de grande intensidade, tornam a resposta ao estresse orgânico exacerbada, além disso, a produção de citoquinas, principalmente interleucina 1, interleucina 6 e fator de necrose tumoral (FNT), desencadeados pela lesão tecidual, provocam alterações metabólicas importantes e parecem estar associados ao aumento da resistência periférica à insulina. Resposta a. 17. Fios absorvíveis são fios flexíveis, constituídos de colágeno proveniente de animais (categute simples e categute cromado) ou de polímero sintético (poliglactina, polidioxanona, ácido poliglicólico, poliglecaprone). Resposta b. 18. Simples. A antibioticoprofilaxia deve ser iniciada na indução anestésica. Resposta d. 19. A limpeza do reto com enema na noite anterior ou na manhã da operação é indicada por muitos cirurgiões. A limpeza vigorosa do cólon está totalmente contraindicada. Não há indicação para o uso de antibiótico, exceto nos portadores de lesões cardíacas orovalvares ou com antecedentes de endocardite. Resposta d. 20. O escore MELD é um modelo matemático, o qual utiliza três parâmetros laboratoriais, que se obtêm facilmente na rotina de qualquer hepatopatia crônica. A equação para calcular o escore MELD = [9,57 × loge creatinina mg/dL + 3,78 × loge bilirrubina (total) mg/dL + 11,20 × loge INR + 6,42] arredondando-se o resultado para o próximo número anterior. O valor máximo de creatinina vai até 4. Para conceituação de hepatopatia grave, aceita-se atualmente o valor do MELD ≥ 15. Resposta a. 21. Os índices de gravidade de pacientes cirúrgicos utilizam variáveis clínicas, fisiológicas e laboratoriais e têm por objetivo proporcionar meios para avaliar a probabilidade de mortalidade. O APACHE II é um método muito difundido em unidades de terapia intensiva e permitir o cálculo diário de seu escore quando necessário, mas apresenta problemas, tais como a complexidade de seu cálculo e o fator idade, de acordo com o qual um doente com mais de 75 ganha seis pontos (com oito pontos ele é considerado grave). O modelo Simplifed Acute Physiology Score (SAPS) foi desenvolvido na França em 1983 e é semelhante ao APACHE II e utiliza atribuição de pontos a 13 variáveis fisiológicas e à idade. O melhor índice de gravidade em pacientes submetidos à cirurgia eletiva é o ESCORE ASA. SJT Residência Médica

O sistema SOFA é um escore simples que utiliza disfunção orgânica: respiração, coagulação, fígado, cardiovascular, SNC e renal. SOFA ≥ 3 implica maior taxa de mortalidade. A descrição desses sistemas será abordada com detalhes no módulo de pâncreas. Resposta d. 22. Os pacientes assintomáticos ASA I com idade até 40 anos não se beneficiam com a realização de exames laboratoriais. Não está definido se os pacientes assintomáticos ASA I com idade acima de 40 anos se beneficiam. Resposta e. 23. Durante o jejum, algumas alterações hormonais e metabólicas ocorrem para que o organismo se adapte à situação presente. Em cirurgia, o jejum é extremamente comum e habitual em todas as operações por um período aproximado de 6 horas. Entretanto, devido a vários fatores, como o atraso da operação, é comum os pacientes ficarem mais de 12 horas em jejum aguardando a cirurgia. Uma carga de carboidratos 2 horas antes da operação é segura e capaz de diminuir a resistência periférica à insulina que acontece após o trauma operatório. Depois de algumas horas em jejum, os níveis de insulina caem enquanto os do glucagon aumentam, determinando uma rápida utilização dos parcos recursos de glicogênio armazenado pelo organismo, especialmente no fígado. Os níveis séricos do hormônio do crescimento também se elevam caso haja hipoglicemia ou diminuição de circulação de ácidos graxos livres. Como a reserva de glicogênio é pequena e se exaure em pouco tempo, a gliconeogênese passa a ser virtual, pois o sistema nervoso central e as células sanguíneas são altamente dependentes da glicose para suas atividades metabólicas durante o período inicial do jejum não adaptado. Assim, o fígado converterá aminoácidos e glicerol (resultante da quebra dos triglicérides armazenados em glicerol e ácidos graxos) em glicose. Esse fenômeno parece ter regulação central envolvendo uma maior secreção de ACTH pela hipófise e consequentemente aumento da secreção de cortisol pela suprarrenal. O cortisol, associado à queda de insulina e ao aumento dos hormônios tireoidianos e adrenérgicos, determina uma mobilização das proteínas musculares que passam a fornecer, através de reações catabólicas, aminoácidos na corrente sanguínea. Caso o jejum se prolongue, o organismo tentará adaptar-se diminuindo o gasto energético basal, porém o óbito ocorrerá em aproximadamente 60 dias caso o indivíduo receba apenas água. Resposta e. 24. Embora o valor normal do IMC encontre-se entre 18,5 e 25 kg/m², este paciente perdeu mais de 10% do seu peso habitual em menos de 6 meses, portanto perda de peso severa de acordo com a tabela abaixo (afirmação I errada!):

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Cirurgia geral | Gabarito comentado

Avaliação da porcentagem de perda de peso Tempo

Perda de peso significativa (%)

Perda de peso severa (%)

uma semana

1a2

>2

um mês

5

>5

três meses

7,5

> 7,5

seis meses

10

> 10

Vale lembrar que o longo período de meia-vida da albumina (em média 21 dias) tem sido responsabilizada pela sua má correlação com processos agudos que levam à desnutrição (afirmação II errada!). Diante do exposto, fica claro que a única afirmação correta está na opção D. Resposta d. 25. Um nível de albumina abaixo de 3 g/dL sugere uma nutrição abaixo do ideal e tem sido usado como o principal marcador sérico pré-operatório da desnutrição, lembrando, no entanto, que a albumina tem uma meia-vida longa de ± 21 dias. Apesar disso, os níveis perioperatórios de albumina foram considerados um indicador prognóstico melhor do que as medidas antropométricas da morbidade e mortalidade em pacientes cirúrgicos. O suporte nutricional deve ser considerado para todos os pacientes de acordo com a análise clínica e as diretrizes do período perioperatório. Se a internação puder ser adiada, 10 a 14 dias de suporte nutricional para pacientes com risco nutricional grave são considerados benéficos antes da cirurgia. Obviamente, os pacientes críticos e aqueles com uma perda significativa do peso corporal ou um estado pré-mórbido devem receber o suporte quase imediatamente (< 3 dias) após a internação, porque com frequência exibem comprometimento imunológico e risco elevado de infecção. Não se recomenda a NE de qualquer tipo em pacientes hemodinamicamente instáveis uma vez que o hipofluxo sistêmico aumenta o risco de síndrome isquêmica intestinal. Pacientes em uso de drogas vasopressoras em doses elevadas, por exemplo, noradrenalina > 50100 µg/min com sinais de baixa perfusão tecidual não serão candidatos a NE. A conduta é não retardar a NE, mas sim discutir a indicação de NP. Caso o paciente seja eutrófico e não possa neste momento receber suporte nutricional enteral você deve considerar o início da NP entre o 5º e o 10º dias, dependendo do grau de catabolismo. Já os pacientes com evidência de desnutrição à admissão, que não podem receber o suporte nutricional enteral, devem ter o suporte parenteral iniciado precocemente em 24-48 horas. A NE deve ser iniciada o mais precocemente possível (12 a 48 horas após a agressão) no paciente hemodinamicamente estável, na presença de ruídos hidroaéreos ou quando estes estiverem débeis. Resposta a. 26. Todas as afirmações estão corretas (leia com atenção), exceto a opção D. Antes de iniciar a NP, os pacientes devem estar hemodinamicamente estáveis e uma contraindicação clara à NE deve estar presente. Resposta d.

27. Eletrólitos como fósforo, magnésio, cálcio, sódio, potássio e glicemia devem ser mensurados até a estabilidade. A glicemia deve ser avaliada a cada quatro a seis horas, em caso de hiperglicemia. Deve-se utilizar, se possível, bomba de insulina para controle da glicemia, que deve permanecer entre 80 a 110 mg%. A dosagem de triglicérides não deve ultrapassar o nível de 300 a 400 mg/dL. Resposta b. 28. Todas as opções estão corretas (leia com atenção cada uma), exceto a opção C, uma vez que a antibioticoprofilaxia deve ser feita na indução anestésica. Resposta c. 29. Somente a opção D é a incorreta, uma vez que é óbvio: cirurgias infectadas devem ter antibioticoterapia terapêutica eficaz e não profilaxia. Pergunta primária, mas necessária. Resposta d. 30. Em pacientes com risco moderado para TEV: Heparina não fracionada 5.000 UI (SC) 2 horas antes da cirurgia, 12/12 horas, por sete dias, ou HBPM, por exemplo, enoxaparina (Clexane®) 20 mg (SC) 1 × dia. Em pacientes de risco alto ou altíssimo risco: 5.000 UI (SC), 12 horas antes da cirurgia, 8/8 horas por 10 dias, ou HBPM. Deve-se considerar neste grupo a continuação por até 4 semanas no pós-operatório em pacientes que não exigem anticoagulação crônica. Cirurgias em pacientes com menos de 40 anos sem outros fatores de risco; operações menores, com menos de 30 minutos de duração, sem a necessidade de repouso prolongado em pacientes com mais de 40 anos e sem outro fator de risco que não a idade são classificados como situações de baixo risco para as quais a estratégia de prevenção é simplesmente mobilização precoce e agressiva. Alguns fatores próprios da videolaparoscopia tendem a aumentar o risco de trombose venosa, a saber: a) pressão de insuflação usada no pneumoperitônio provoca estase venosa de membros inferiores consequente a compressão da VCI e ilíacas. b) posição de Trendelenburg invertida – posição supina em aclive – necessária para a exposição adequada do campo operatório, especialmente na colecistectomia, acentua a estase venosa. c) hipercoagulabilidade induzida pelo pneumoperitônio. Resposta d. 31. Simples. Paciente com comorbidades sob controle clínico que não interfere com as atividades da vida diária, em suma, sem limitações: ASA II. Resposta b. 32. Questão absurda. Obviamente todas as medidas são aplicadas a este paciente, exceto heparinização profilática para TEV, a não ser que o paciente esteja na categoria de risco moderado, alto, ou altíssimo risco, no entanto, os dados não nos foram oferecidos. Resposta d. 33. Para adultos saudáveis com 45 anos a 54 anos basta o exame clínico e ECG como medidas pré-operatórias. Resposta a. SJT Residência Médica


2 Pré-operatório 34. Neste paciente coronariopata já não é regra suspender a aspirina 7-10 dias antes da cirurgia eletiva, trata-se de paciente de alto risco para eventos cardiovasculares adversos. No caso em tela, trata-se de cirurgia de urgência, mas mesmo que fosse eletiva a recomendação atual seria a mesma, mantenha a aspirina e solicite concentrado de plaquetas e use se necessário. Resposta c. 35. Vamos responder o que pede a pergunta, mas lembre-se, atualmente, em pacientes de alto risco cardiovascular não é regra suspender a aspirina. O tempo mínimo para suspendê-la com o objetivo de recuperar função plaquetária é de 7dias. Resposta c. 36. O tempo ideal de um procedimento cirúrgico, após um infarto agudo do miocárdio (IAM) depende do período de tempo que se passou desde a ocorrência do IAM e da determinação dos riscos de isquemia, tanto por sintomas clínicos quanto por estudos não invasivos. As recomendações gerais são para que se espere de quatro a seis semanas após a ocorrência de um IAM para o paciente ser operado. Resposta b. 37. Em 2007, os resultados de outro grande estudo operatório (PeriOoperative ISchemic Evaluation – POISE) mostrou o perigo potencial da terapia perioperatória com betabloqueadores. O teste POISE teve mais de 8.000 pacientes inscritos submetidos à cirurgia não cardíaca. Embora os resultados tenham confirmado a redução de eventos cardíacos perioperatórios como o infarto do miocárdio, morte cardiovascular e parada cardíaca, este benefício foi contrabalançado pelo aumento da taxa de mortalidade total com terapia com bloqueadores beta perioperatórios e acidente vascular cerebral. Resposta c. 38. Um método fácil e barato para determinar o estado funcional cardiopulmonar para operação não cardíaca é a capacidade ou incapacidade de o paciente subir dois lances de escada. Dois lances de escada são necessários, porque isso demanda mais de quatro equivalentes metabólicos (METs). Em uma revisão de todos os estudos sobre subida de escada como avaliação pré-operatória, estudos prospectivos têm demonstrado que esse é um bom preditor de mortalidade associada à cirurgia torácica. Em operações não cardíacas de grande porte, a incapacidade de subir dois lances de escada é um preditor independente de morbidade, mas não de mortalidade perioperatória. Resposta e. 39. A alta prevalência de múltiplas comorbidades no idoso remete à necessidade de história e de exame físico completos. O objetivo principal nesse momento é a identificação de fatores que possam ser otimizados antes da operação visando melhorar os resultados. Comorbidades pré-existentes como doença arterial coronariana, enfisema pulmonar ou insuficiência renal, têm impacto maior no resultado da cirurgia que a idade cronológica. Resposta a. SJT Residência Médica

40. Pacientes com insuficiência renal conhecida devem passar por uma avaliação quanto a história clínica e o exame físico com questionamentos específicos sobre infarto do miocárdio prévio e sintomas compatíveis com doenças isquêmicas cardíacas. O exame cardiovascular deve procurar documentar sinais de sobrecarga hídrica. O estado funcional do paciente e sua tolerância a exercícios devem ser cuidadosamente pesquisados. Testes para o diagnóstico de pacientes com disfunção renal devem incluir o eletrocardiograma (ECG), análise bioquímica sérica e o hemograma completo. Se os achados do exame físico sugerirem insuficiência cardíaca, uma radiografia do tórax pode ajudar. O exame de urina e a análise dos eletrólitos urinários em geral não são úteis nos quadros de insuficiência renal estabelecida, porém podem servir para diagnosticar quadros de novas disfunções renais ainda no seu início. Resposta a. 41. Para todos os pacientes, o risco geral deve ser categorizado usando a classificação da American Society of Anesthesiologist. A classificação da ASA foi um dos primeiros sistemas de classificação de risco. Essa classificação tem cinco categorias quanto ao estado físico: I. Paciente normal e saudável II. Paciente com doença sistêmica leve III. Paciente com doença sistêmica grave que limita a atividade, mas não o deixa incapacitado. IV. Paciente que apresenta doença incapacitante que é uma ameaça constante à vida V. Paciente terminal, que não se espera sobreviver 24 horas com ou sem operação A letra “E” é adicionada q qualquer um destes para uma operação de emergência. Mesmo que o sistema pareça subjetivo, continua a ser um importante indicador independente de mortalidade. Percebe-se pelo exposto que a paciente descrita se encaixa de forma mais plena no grupo III de pacientes. Resposta b. 42. As cirurgias podem ser classificadas em pequeno, médio e grande porte, segundo o risco cardiológico; ou seja, quanto a probabilidade de perda de fluído e sangue durante sua realização (Eagle, 1996): – Grande porte: cirurgias com grande probabilidade de perda de fluido e sangue. Exemplo: cirurgias de emergências (ferimento na região precordial), cirurgias vasculares arteriais (correção de aneurisma, aorta abdominal). – Médio porte: cirurgias com média probabilidade de perda de fluido e sangue. Exemplo: vascular (endarterectomia de carótida), cabeça e pescoço (ressecção de carcinoma espino celular), ortopedia (prótese de quadril), urologia (ressecção transuretral de próstata) e neurologia (ressecção de aneurisma cerebral). – Pequeno porte: cirurgias com pequena probabilidade de perda de fluido e sangue. Exemplo: otorrinolaringologia (timpanoplastia), plástica (mamoplastia), endoscopia (endoscopia digestiva), oftalmologia (vitrectomia).

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Cirurgia geral | Gabarito comentado – Outra forma de classificar as cirurgias, é considerando o tempo de duração do ato cirúrgico: Pequeno porte: cirurgias cujo tempo de duração encontra-se no intervalo de 0 a uma hora. Exemplo: Facectomia. – Médio porte: cirurgias cujo tempo de duração encontra-se no intervalo acima de 1 hora até 2 horas. Exemplo: Colecistectomia. – Grande porte: cirurgias cujo tempo de duração encontra-se no intervalo acima de 2 horas. Exemplificando: Gastrectomia. – A histerectomia é uma cirurgia de grande porte. Esta paciente deve ser compreendida como de risco muito alto: Nível de Risco Risco muito alto

Definição de Nível de Risco Cirurgia de grande porte em pacientes > 40 anos mais TEV prévio, câncer ou estado de hipercoagulabilidade molecular; artroplastia de quadril ou joelho, cirurgia de fratura de quadril, grande trauma, lesão da medula espinal

TVP de Panturrilha (%)

40-80

TVP Proximal (%)

10-20

HP Clínica (%)

4-10

HP Fatal (%)

Estratégia de prevenção

HNFBD, 5000 U q8h; HBPM-enoxaparina, 40 mg/dia SC; tinzaparina, 3.500 SC UI/dia; 0,2-5 fator inibidor Xa (Fondaparinux, 2,5 mg/dia SC); combinada a CPI

Para pacientes de alto risco, iniciar a profilaxia farmacológica de 2-12 horas antes ou 12-24 horas após o procedimento. Continue pelo menos por 7 a 10 dias. Deve-se considerar a continuação por 4 semanas no pós-operatório em pacientes que não exigem anticoagulação crônica. Se os riscos de sangramento pela operação forem altos, considere-se a colocação temporária de um filtro de VCI no pré-operatório para pacientes com TVP urgente.

Resposta b. 43. A base deste tipo de terapia é centrada em diminuir a descarga adrenérgica associada à cirurgia e interrom-

per a ativação plaquetária e trombose microvascular. As recomendações atuais são continuar com betabloqueadores para aqueles que já estão em uso no pré-operatório, considerá-los em pacientes de alto risco (mais de um fator de risco) para frequência cardíaca e pressão arterial e não administrá-los aos pacientes de baixo risco. Portanto a melhor indicação fica para o paciente com cardiopatia isquêmica. Resposta a. 44. Existem evidências de que a lista de verificação de cirurgia segura reduz complicação e salva vidas. Estudo realizado em oito países encontrou redução de 11% para 7% da ocorrência de complicações em pacientes cirúrgicos e uma diminuição de mortalidade de 1,5% para 0,8% com a adoção da lista de verificação. Um estudo holandês mostra uma queda nas complicações entre pacientes cirúrgicos de 15,4% para 10,6% e da mortalidade de 1,5% para 0,8% A Lista de Verificação divide a cirurgia em três fases: I - Antes da indução anestésica; II - Antes da incisão cirúrgica; e III - Antes do paciente sair da sala de cirurgia. 5.1. Antes da indução anestésica: O condutor da Lista de Verificação deverá: 5.1.1. Revisar verbalmente com o próprio paciente, sempre que possível, que sua identificação tenha sido confirmada. 5.1.2. Confirmar que o procedimento e o local da cirurgia estão corretos. 5.1.3. Confirmar o consentimento para cirurgia e a anestesia. 5.1.4. Confirmar visualmente o sítio cirúrgico correto e sua demarcação 5.1.5. Confirmar a conexão de um monitor multiparâmetro ao paciente e seu funcionamento. 5.1.6. Revisar verbalmente com o anestesiologista, o risco de perda sanguínea do paciente, dificuldades nas vias aéreas, histórico de reação alérgica e se a verificação completa de segurança anestésica foi concluída. Resposta a.

45. A vitamina K pode ser administrada IV, mas em infusão lenta, há risco de reação anafilática. A via SC não é recomendada, visto a sua absorção irregular e a baixa eficácia em reverter a anticoagulação. A via IM é contraindicada devido ao risco de sangramento local. A via oral é preferencial, pois a sua eficácia é semelhante à da IV, mas com menor risco de reação anafilática. A dose oral eficaz é de geralmente 1-25 mg. Caso não haja disponibilidade de vitamina K oral, pode-se administrar o preparado IV por via oral. Deve-se utilizar a medicação IV quando houver a necessidade de reversão rápida da anticoagulação (período de infusão de 60 minutos). A dose da vitamina K pode ser repetida a cada 12 horas. A reversão do efeito de cumarínicos após administração de vitamina K é esperada em 24-48 horas. De acordo com o exposto acima vê-se que diante de tal emergência para obtenção rápida da reversão do cumarínico a melhor opção é plasma fresco congelado. As indicações de PFC estão determinadas na Resolução RDC nº 10, de 23 de janeiro de 2004. São elas: Para a correção de deficiências congênitas e adquiridas isoladas ou combinadas de fator(es) da coagulação. Nos casos de deficiência de fator XIII, ou de fibrinogênio ou na doença de von Willebrand não responsiva a DDAVP, o plasma fresco congelado poderá ser usado caso não haja também disponibilidade do crioprecipitado. Coagulopatias de consumo graves com sangramento ativo e grande diminuição na concentração sérica de múltiplos fatores. Esta situação clínica exige a transfusão de PFC sempre que houver hemorragia e evidências laboratoriais de deficiências de fatores – prolongamento do Tempo de Protrombina (TP) ou do Tempo Parcial de Tromboplastina Ativada (TTPa) de no mínimo 1,5 vezes. Transfusão Maciça (mais de 1 volemia em menos de 24 SJT Residência Médica


2 Pré-operatório horas) desde que haja persistência da hemorragia e/ou sangramento microvascular, associados à alteração significativa da hemostasia (prolongamento de, no mínimo, 1,5 vezes do TP, do TTPa ou do INR). Tratamento de hemorragias em hepatopatas com déficits de múltiplos fatores e alterações do coagulograma. Considera-se geralmente como alteração significativa do coagulograma um TP, ou TTPa superior a 1,5 vezes do valor normal. O uso de complexo protrombínico associado pode aumentar a eficácia do plasma na correção da coagulopatia. Pré-operatório de transplante de fígado, especialmente durante a fase anepática da cirurgia. Púrpura Fulminans do recém-nato por Déficit de Proteína C e/ou Proteínas S. Nas deficiências de proteína C e proteína S está indicado o uso do PFC, lembrando o risco de trombose. Tromboses por Déficit de Antitrombina III: O produto de

escolha é o concentrado de Antitrombina III. Todavia, este produto, raramente está disponível para uso nos hospitais brasileiros. Correção de hemorragias por uso de anticoagulantes cumarínicos ou reversão rápida dos efeitos dos cumarínicos. O produto de escolha nesta situação é o complexo protrombínico. Como a disponibilidade deste tipo de concentrado ainda não é suficientemente ampla nos hospitais brasileiros, o uso de PFC é uma alternativa aceitável. Hemorragia por Déficit de Fatores Vitamina K dependentes em recém-natos. Reposição de Fatores durante as plasmaféreses terapêuticas. Pacientes com edema angioneurótico (edema de Qüincke) recidivante causado por déficit de inibidor de C1-esterase. No tratamento da Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT) e da Síndrome Hemolítico-Urêmica do adulto (SHU). Nesses casos também pode ser indicado o plasma isento de crio.

Contraindicações ao uso de Plasma Expansor volêmico Hipovolemias agudas (com ou sem hipoalbuminemia) Sangramentos sem coagulopatia Imunodeficiências / fonte de imunoglobulina Septicemias Grandes Queimados Imunodeficiências / fonte de imunoglobulina Profilaxia de hemorragias em hepatopatas (exceto na preparação de cirurgias ou procedimentos invasivos) Fórmula de reposição nas transfusões maciças

Complemento de alimentação parenteral Manutenção da Pressão Oncótica do Plasma Tratamento de pacientes hipovolêmicos e mal distribuídos, com ou sem hipoalbuminemia; Tratamento da Desnutrição Prevenção de hemorragia Intraventricular do recém-nato. Reposição de volume nas sangrias terapêuticas de recém-natos com poliglobulia. Acelerar processos de cicatrização. Recomposição de sangue total, exceto quando utilizado em exsanguíneo transfusão em recém-nascido

Resposta a. 46. Não há indicação de PFC uma vez que INR é de 1,4 (veja tabela abaixo), logo, sem risco de sangramento. Proceda a indicação e realize o procedimento cirúrgico de urgência apendicectomia. RNI

Sangramento

Conduta

<5

Não

Suspender a próxima dose e/ou reduzir a dose de manutenção. Monitorar com maior frequência.

5-9

Não

Suspender temporariamente ou, além de suspender a varfarina, adicionar pequena dose de vitamina K (< 5 mg) por via oral. Em pacientes com risco de sangramento ou que necessitarem de reversão mais rápida, repetir vitamina K oral (1-2 mg). Reintroduzir a vafarina em dose menor quando se atingir o nível terapêutico. Monitorar com maior frequência.

≥9

Não

Suspender a varfarina e administrar vitamina K oral (5 mg). Monitorar a anticoagulação e repetir dose de vitamina K, se necessário. Reintroduzir a varfarina em dose menor quando se atingir o nível terapêutico.

Qualquer Nível

Sangramento grave

Qualquer nível

Sangramento com risco de morte

Suspender a varfarina Vitamina K i.v 10 mg, infusão lenta associada a plasma fresco ou concentrado de complexo protrombínico ou fator VIIa recombinante. Suspender a varfarina. Concentrado de complexo protrombínico ou fator VIIa recombinante. Vitamina K i. v., 10 mg, infusão lenta. Repetir na dependência de RNI

Resposta b. 47. A recomendação padrão de “dieta zero após a meia-noite” para pacientes em pré-operatório tem como base a teoria de redução do volume e da acidez dos conteúdos gástricos durante a operação. Recentemente, as recomendações são para que se permita um período de ingestão restrita de líquido até algumas horas antes da operação. A ASA recomenda que adultos suspendam a ingestão de sólidos por pelo menos seis horas e de líquidos claros por duas horas. Resposta a. SJT Residência Médica

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Cirurgia geral | Gabarito comentado 48. Os benefícios do jejum de seis horas a oito horas, como forma de evitar o risco de aspiração gástrica durante a indução anestésica (síndrome de Mendelson), já não tem sentido nos dias atuais. A resposta metabólica ao trauma cirúrgico é potencializada pelo jejum pré-operatório prolongado. Após algumas horas de jejum, ocorre diminuição dos níveis de insulina e, em contrapartida, há aumento dos níveis de glucagon, determinando uma utilização rápida da pequena reserva de glicogênio (cerca de 400g num indivíduo adulto) que se encontra em maior parte no fígado. Em menos de 24 horas de jejum, o glicogênio hepático é totalmente consumido.Antes disso, porém, a gliconeogênese é ativada e a proteína muscular passa a ser utilizada provendo glicose para os tecidos que dependem exclusivamente dela como fonte de energia (SNC, medula renal e eritrócitos). Tal fenômeno parece ter regulação central, ocasionando também uma maior secreção de ACTH pela hipófise e consequentemente aumentando a secreção de cortisol pela suprarrenal. Os níveis séricos do hormônio do crescimento se elevam quando há hipoglicemia ou diminuição de ácidos graxos livres circulantes. O cortisol juntamente com a queda de insulina e o aumento dos hormônios adrenérgicos e tireoidianos são responsáveis pelas reações catabólicas que fornecem aminoácidos para a corrente sanguínea. Dentro da resposta metabólica apo trauma manifesta-se também a resistência à insulina, que dura cerca de três semanas após a realização de cirurgias abdominais eletivas sem complicações. As determinações atuais são: Material ingerido

Jejum mínimo (H)

Líquidos claros

2

Leite materno

4

Fórmula infantil

4

Leite não materno

6

Dieta leve

6

Sólidos

8

Resposta b. 49. O grau de controle metabólico do DM deve ser avaliado através da glicemia de jejum e da hemoglobina glicada (HbA1c). Nas cirurgias eletivas, recomendamos um bom controle da doença antes do procedimento (glicemia de jejum de 90 a 130 mg/dL e HbA1c < 7%), mas em geral pode-se aceitar uma glicemia de jejum de até 180-200 mg/dL. Níveis maiores indicam considerar adiamento da intervenção após melhor controle glicêmico. As medicações antidiabéticas devem ser suspensas ou modificadas, obedecendo as seguintes regras: Sulfonilureias: suspender 24 a 72 horas antes;

Biguanidas (metformina): suspender 48hs antes;

Tiazolidinedionas (Rosiglitazona): suspender na véspera da cirurgia;

Metiglinidas: suspender no dia da cirurgia;

Insulina NPH: a dose noturna pode ficar sem o hipoglicemiante oral, deve ser instituída insulina de ação curta conforme a glicemia capilar. Resposta b.

50. Antes da incisão cirúrgica (Pausa cirúrgica), a equipe fará uma pausa imediatamente antes da incisão cirúrgica para realizar os seguintes passos: 1. A apresentação de cada membro da equipe pelo nome e função; 2. A confirmação da realização da cirurgia correta no paciente correto, no sítio cirúrgico correto; 3. A revisão verbal, uns com os outros dos elementos críticos de seus planos para a cirurgia, usando as questões da Lista de Verificação como guia; 4. A confirmação da administração de antimicrobianos profiláticos nos últimos 60 minutos da incisão cirúrgica; 5. A confirmação da acessibilidade dos exames de imagem necessários. Resposta d. 51. A profilaxia com vancomicina é geralmente adequada somente em instituições em que a incidência de infecções por MRSA for alta (> 20% de todas as ISC serem causadas por MRSA). O tempo ideal para administrar antibioticoprofilaxia parenteral é dentro de uma hora antes da incisão. A recomendação para vancomicina é também de no mínimo 1 hora, apesar disso, o gabarito oficial foi D. Resposta d. 52. A microbiologia da ISC depende da natureza do procedimento, local da incisão, e se uma cavidade corporal ou víscera oca é penetrada durante a cirurgia. A maioria das ISCs é provocada pela flora bacteriana da própria pele, que é inoculada na incisão durante o procedimento cirúrgico. Portanto, os patógenos mais frequentemente envolvidas nas ISCs são cocos Gram-positivos – Staphylococcus epidermidis, S. aureus, e Enterococcus spp. Para incisões infrainguinais e cirurgias intracavitárias, os bacilos gram-negativos, tais como a Escherichia coli e a Klebsiella spp. São também potenciais patógenos. Quando uma cirurgia é realizada na faringe, no trato gastrointestinal inferior, ou trato genital feminino, bactéria anaeróbicas tornam-se potenciais agentes patogênicos SSI. Resposta a. 53. Cefalosporinas de 2ª geração Espectro de ação Cocos gram-positivos Cocos gram-negativos H. Infuenzae, M. catarrhalis Enterobactérias (E. coli, Klebsiella, P. mirabilis, Salmonella, Shigella)

Bacterioides fragilis (Cefoxitina) Resposta a.

54. Os pacientes ictéricos, principalmente aqueles com icterícia obstrutiva são predispostos a maior risco de infecção, discrasia sanguínea e IRA. Desse modo, antibioSJT Residência Médica


2 Pré-operatório ticoprofilaxia é essencial (cefalosporina de primeira ou segunda geração, associação de cefalosporina e metronidazol), bem como vitamina K, uma ou duas injeções, bastam para corrigir os fatores de coagulação deficientes, relacionados a absorção reduzida. A hidratação de preferência com solução salina e até mesmo o uso de manitol como medida de nefroproteção é essencial. Estes pacientes não estão sob maior risco de tromboembolismo. Resposta d. 55. Não há o que discutir, obviamente os maiores benefícios estão vinculados à retossigmoidectomia, uma cirurgia limpa-contaminada. Resposta c. 56. Na cavidade oral, dada as características da mucosa ou da gengiva, os fios devem ser preferentemente finos com agulhas atraumáticas, podendo ser absorvíveis ou não, de acordo com cada caso cirúrgico e com as características do próprio paciente. A característica morfofuncional da área operada (regiões de pouca mobilidade tecidual, tecido flácido ou tecido volumoso) e o volume de edema esperado também são importantes para a escolha do fio de sutura mais adequado ao caso (CUFFARI 1997). Os fios absorvíveis sintéticos são degradados por hidrólise, não causam reações alérgicas, têm menor aderência e uma proliferação bacteriana reduzida, consequentemente causam menor reação inflamatória que os fios orgânicos e se constituem nos fios de eleição para a cavidade oral. Já os fios absorvíveis orgânicos de origem animal, podem ser alergênicos como o categute simples ou categute cromado, este devido ainda ao sal de bicromato de potássio que o recobre. Além disso, propiciam maiores aderências e proliferação bacteriana na parte exposta do fio na cavidade oral, onde ocorrem alterações significativas no processo de absorção e degradação orgânica do mesmo, resultando em um material em estado de putrefação e uma grande reação inflamatória tecidual ao redor da sutura. A fagocitose por reação de corpo estranho só se realizará no restante do fio, no interior do tecido vivo. (CUFFARI 1997). Embora a higiene pós-operatório seja indispensável com qualquer fio, nestes particularmente os cuidados devem ser intensificados exatamente pelas razões expostas anteriormente. Os fios monofilamentados absorvíveis sintéticos como o polidioxanone (PDS® -Ethicon) eo poligliconato (Maxon® - Davis-Geck) têm a resistência tênsil e o tempo de absorção mais prolongado (até 180 dias) que os multifilamentados (60 a 90 dias como o Dexon "S"® -DayisGeck; Dexon Plus®, Poly Vicryl®, Vicryl® -Ethicon). O Vicryl rapide® tem a resistência tênsil semelhante ao categute simples;14 dias. Assim o fio absorvível é indicado para evitar a remoção dos pontos, principalmente quanto não há cooperação, como em casos de pacientes excepcionais, adultos extremamente nervosos, crianças rebeldes, ou mesma em áreas de difícil acesso. Portanto o fio "ideal" depende do planejamento cirúrgico. Embora os fios absorvíveis sintéticos sejam os SJT Residência Médica

indicados, devido à sua alta resistência e baixa elasticidade eles podem romper o tecido muito edemaciado, o que é difícil de acontecer, por exemplo, com o fio de categute. Os fios inabsorvíveis orgânicos como o algodão, a seda e o linho são multifilamentares e formados de proteínas naturais e por essa razão podem provocar mais reação tecidual que os fios inabsorvíveis sintéticos como os poliamidas, polipropileno e poliéster (EDLICH 1974, HERING 1993). Algodão e seda 3.0 são muito utilizados em cirurgia oral por serem de fácil uso, não desatarem facilmente (baixa memória), não cortarem os tecidos por sua baixa resistência tênsil, serem de baixo custo e suas pontas não causarem algias e ulcerações nos tecidos adjacentes (língua, bochechas e lábios). A seda dá reação tecidual menor que o algodão. Os fios inabsorvíveis sintéticos são monofilamentares como: poliamidas (mononylon® 4.0 e 5.0 - Ethicon; Superlon® - Cirumédica; Dermalon® -Davis & Geck), polipropileno (Supralene® - Cirumédica; Prolene® -Ethicon; Proxolene® - Davis & Geck) ou multifilamentar como o poliéster (Mersilene® -Ethicon; Dracon® -Davis & Geck). Sua vantagem é de serem fios inertes, ter mínima reação tecidual, não absorvem fluidos por não terem capilaridade, têm um baixo coeficiente de atrito que permite seu fácil deslizamento pelos tecidos, sem rompimentos, (POSTLETHWAIT 1975, SHARP 1982, FATURETO 1983, HERING 1993) sendo, portanto, indicados em suturas de tecidos frágeis e delgados. Têm ótima indicação na maioria, dos casos cirúrgicos da cavidade oral como nas cirurgias de implantes de enxertos, transplantes e reimplante dentários. Resposta d. 57. A aspirina (ácido acetilsalicílico) reduz a ativação plaquetária por meio da acetilação irreversível da COX1, e, portanto, reduz a produção de TXA2 pelas plaquetas (antagonismo competitivo). A inibição da COX-1 é rápida, saturável em baixas doses, isto é, dose-dependente, irreversível e permanente por toda a vida da plaqueta - visto que a mesma não apresenta maquinário biossintético para sintetizar novas proteínas. Após dose única de 325 mg de aspirina, a atividade da COX-1 plaquetária se recupera em aproximadamente 10% por dia devido à nova formação plaquetária. A aspirina também apresenta efeitos antitrombóticos dose-dependente sobre a função plaquetária e a coagulação sanguínea que não estão relacionados à sua habilidade de inibir a COX-1 plaquetária. Resposta d. 58. As escalas de Detsky e Goldmann são utilizadas para avaliação do risco de complicações cardíacas. A escala de Apache II é utilizada com o objetivo de prognosticar pacientes críticos, como por exemplo, pacientes com pancreatite aguda grave. A avaliação de risco para complicação pulmonar pós-operatória mais utilizada na prática clínica é baseada na escala de risco elaborada por Torrington & Henderson e que utiliza as variáveis abaixo:

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Cirurgia geral | Gabarito comentado

Classificação da escala de Torrington & Henderson (1988) Fatores clínicos

Pontuação

1. Localização cirúrgica: abdominal alta/torácica

2

2. Idade acima de 65 anos

1

3. Estado Nutricional – Distrófico

1

4. Histórico pulmonar Tabagismo atual/Doença pulmonar

1

Tosse + Expectoração / brocoespasmo/hemoptise

1

5. Espirometria CVF < 50% do previsto ou VEF1/CVF:

65-75%

1

50-65%

2

< 50%

3

Risco baixo de 0 a 3 pontos; risco moderado de 4 a 6 pontos; risco alto de 7 a 12 pontos

A escala de Braden é utilizada para avaliação do risco de úlceras de pressão. Resposta e. 59. Este paciente diabético de 40 anos com diagnóstico definido há três anos, fica configurado como diabetes tipo I, ou seja, insulinodependente. Pelo tempo de doença pode se prever que complicações crônicas ainda não serão relevantes neste paciente (geralmente após cinco anos, estas são mais prováveis), diferente do paciente diabético tipo 2, para o qual a idade do diagnóstico não corresponde ao tempo de doença. O paciente diabético é do ponto de vista cirúrgico, um paciente especial, uma vez que complicações metabólicas e risco infeccioso são mais previsíveis, sendo assim, uma avaliação pré-operatória mais ampla se torna necessária. A avaliação do controle metabólico incluindo glicemia de jejum, hemoglobina glicada, avaliação da função renal (creatinina e/ou clearance de creatinina), avaliação cardiológica (ECG, como exame básico, mas se diabético crônico de muitos anos de evolução, uma avaliação mais apurada, incluindo ecocardiograma, teste ergométrico e cintilografia cardíaca, caso haja alteração no teste de esforço, podem ser necessários em cirurgias mais complexas) e avaliação neurológica (em doentes crônicos) com objetivo principal de detectar a presença de neuropatia autonômica, complicação comumente encontrada sobretudo em pacientes com longa duração de diabetes. A presença de hipotensão postural e a frequência cardíaca fixa, são alguns sinais que podem advertir quanto à presença do comprometimento autonômico do coração. Neste caso em questão, além do controle metabólico, hemograma, creatinina e ECG definirão de forma adequada o risco cirúrgico deste paciente. Resposta e. 60. Depois de algumas horas em jejum, os níveis de insulina caem enquanto os do glucagon aumentam, determinando uma rápida utilização dos parcos recursos de glicogênio armazenado pelo organismo, especialmente no fígado. Os níveis séricos do hormônio do crescimento também se elevam caso haja hipoglicemia ou diminuição de circulação de ácidos graxos livres.

Como a reserva de glicogênio é pequena e se exaure em pouco tempo, a gliconeogênese passa a ser vital, pois o sistema nervoso central e as células sanguíneas são altamente dependentes da glicose para suas atividades metabólicas durante o período inicial do jejum não adaptado.Assim, o fígado converterá aminoácidos e glicerol (resultante da quebra dos triglicerídeos armazenados em glicerol e ácidos graxos) em glicose. Esse fenômeno parece ter regulação central envolvendo uma maior secreção de ACTH pela hipófise e consequentemente aumento da secreção do cortisol pela suprarrenal. O cortisol, associado à queda da insulina e ao aumento dos hormônios tireoidianos e adrenérgicos, determina uma mobilização das proteínas musculares que passam a fornecer, através de reações catabólicas, aminoácidos na corrente sanguínea (particularmente alanina e glutamina). A queda dos níveis de insulina, associado ao aumento do glucagon, leva a níveis aumentados de AMP cíclico no tecido adiposo, resultando em estímulo à lipase hormônio-sensitiva para quebrar a molécula do triglicerídeo em glicerol e ácido graxo. Esses ácidos graxos serão particularmente importantes no fornecimento de energia ao fígado para as reações da gliconeogênese hepática. Também serão a fonte de energia para os órgãos nesse processo de adaptação à escassez de glicose. Com o prolongamento do jejum, progressivamente o cérebro passa a consumir mais corpos cetônicos e menos glicose. Nessa fase, a excreção urinária de amônia formada no rim pela transaminação da glutamina aumenta e passa a ser a forma de excreção nitrogenada mais comum. Resposta a. 61. O comentário da questão anterior deixa claro a resposta a esta pergunta: glicogenólise hepática e periférica. Resposta a. 62. Esta é uma pergunta que basta o bom senso para acertá-la, mas que obviamente fica muito clara também do ponto de vista científico. Câncer do aparelho digestivo se marca de anorexia, perda ponderal progressiva, desnutrição ao longo da evolução. O paciente da opção D provavelmente evoluiu com pneumonia aspirativa em decorrência do grave comprometimento do seu estado geral; os demais pacientes todos têm doença aguda, e a paciente da opção E, com câncer de mama não justifica risco maior de desnutrição, uma vez que apesar de tratar-se de carcinoma, este não se marca de anorexia e/ou perda ponderal relevante, exceto, na fase final de sua evolução. É claro, que os pacientes das opções A, B e C, com doenças agudas e benignas, se complicarem na evolução deverão ser avaliados quanto ao risco de desnutrição aguda. A desnutrição aguda é bastante frequente em doentes cirúrgicos, e muitas vezes seu diagnóstico é negligenciado. É comum em pós-operatório eletivo complicado, no trauma, em infecção e em situações críticas que comprometem a vida durante o pré ou o pós-operatório. Ao exame clínico, o paciente pode apresentar-se com suas reservas de tecido adiposo e proteínas normais, o que falseia a impressão de desnutrição, infere um SJT Residência Médica


2 Pré-operatório diagnóstico errado e negligencia a preocupação com o estado nutricional. Nesses pacientes, é comum o edema, uma fragilidade a infecções e má cicatrização. A saída de dois ou três fios ao se puxar um tufo dos cabelos é um indicativo de provável desnutrição. Da mesma forma que na desnutrição crônica, há também queda da albumina sérica e de linfócitos periféricos, além de anergia a testes de sensibilidade cutâneos. A forma mista geralmente acontece em pacientes crônicos submetidos a uma agressão cirúrgica, sendo, por conseguinte, uma condição muito grave e associada a altos índices de mortalidade. Resposta d. 63. O capítulo 2 de sua apostila facilita esta resposta. Fique atento às tabelas a seguir: Profilaxia medicamentosa da TVP com heparina não-fracionada* Risco moderado

5.000 UI por via subcutânea de 12/12 horas, iniciando-se 2 horas antes da cirurgia

Risco alto

5.000 UI por via subcutânea de 8/8 horas, iniciando-se 12 horas antes da cirurgia

(*) Mantendo-se as administrações enquanto perdurar o risco de TVP (sete a dez dias). (**) O 8° Consenso American College of Chest Physicans, preconiza 2 horas antes se anestesia geral e 2h após se bloqueio.

Profilaxia medicamentosa da TVP com heparinas de baixo peso molecular em dose única diária* Droga

Risco moderado

Risco alto

Enoxaparina

2.000 UI (= 20 mg)

4.000 UI (= 40 mg)

Nadroparina

2.850 UI

5.700 UI

Dalteparina

2.500 UI

5.000 UI

*Mantendo-se as administrações enquanto perdurar o risco de TVP (sete a dez dias).

Resposta b.

66. A profilaxia antimicrobiana não está indicada nas cirurgias limpas se o paciente não apresenta fatores de risco ou se o procedimento não envolve a colocação de próteses de qualquer natureza. Consideram-se pacientes de risco aqueles portadores de três ou mais diagnósticos, aqueles cujas operações são de duração provável acima de 2 horas e aqueles submetidos a intervenções abdominais: a associação de quaisquer um dos fatores torna-os candidatos à profilaxia antimicrobiana. De modo prático, estabeleceu-se que o momento ideal para administração do antimicrobiano é quando o anestesista induz a anestesia; a via ideal é a intravenosa, que permite conhecer a dose aplicada, bem como o tempo de meia-vida do medicamento, em função da sua farmacocinética; a dose inicial deve ser plena terapêutica, respeitando-se os níveis tóxicos do antimicrobiano selecionado. Diversos estudos têm demonstrado que a utilização de antimicrobiano em dose única, na maioria dos casos, é suficiente como profilaxia da infecção da ferida cirúrgica. Uma segunda dose é suficiente como profilaxia da infecção da ferida cirúrgica. Uma segunda dose é suficiente quando o procedimento cirúrgico se estende por mais de 3 horas ou período superior a duas vezes a meia-vida do antimicrobiano utilizado. Nas cirurgias classe III (cirurgias contaminadas, que incluem as cirurgias colorrretais, laparotomia exploradora sem diagnóstico de certeza, laparotomia exploradora por trauma abdominal e traumatismos ósseos e de partes moles), a cefazolina isolada não tem aplicabilidade; as cefalosporinas de segunda e terceira geração são as drogas de escolha. Para cirurgia colorretal, a associação cefazolina mais metronidazol pode ser uma escolha, nunca cefazolina isolada. Não é a via cirúrgica que determina a indicação de antibioticoprofilxia, mas sim a classificação da cirurgia se, limpa, potencialmente contaminada, contaminada e infectada (nesta a profilaxia não se insere já que o processo infeccioso já se encontra em andamento). Resposta c.

64. É um procedimento cirúrgico, não tem sentido facilitar risco de sangramento inadequado, o warfarin obrigatoriamente deve ser suspenso três a cinco dias antes do procedimento, estando o INR abaixo de 2 (valor de referência 1.20), está autorizado realizar o procedimento. É procedimento cruento na mucosa do intestino grosso em um paciente portador de prótese cardíaca, logo, a recomendação de antibioticoprofilaxia é mandatória. Qual o melhor antibiótico? cefalosporinas de segunda e terceira geração, ou cafazolina mais metronidazol, ou metronidazol combinado com um aminoglicosídeo, são opções adequadas. Resposta a.

67. Nos casos de aumento em níveis indesejáveis do TTPA pelo uso da heparina, sua suspensão e reintrodução em doses mais baixas, após normalização do TTPA, é em geral suficiente. No caso de sangramento ou grande risco do doente, a heparina pode ser neutralizada com a utilização de sulfato ou cloridrato de protamina, ministrado lentamente por via intravenosa na dose de 1mg para cada 100 unidades de heparina, diluído em soro fisiológico ou água para injeção. Formas graves de sangramentos podem requerer a adição de plasma fresco para reposição de fatores da coagulação inativados pela heparina (XII, XI, IX , VIII). Resposta c.

65. Mais uma vez reforço que a sua apostila está pronta para lhe fornecer as respostas. Na avaliação pré-operatória de um paciente cuja avaliação do perfil hepático evidencia AST/ALT > 2, (elevação máxima de 500UI) o diagnóstico mais provável é hepatite alcoólica, cujo diagnóstico deve ser reforçado pela história clínica e avaliação quanto à indicação de biópsia hepática. A cirurgia deve ser postergada até que o quadro agudo esteja sob controle. Resposta a.

68. As heparinas de baixo peso molecular atuam sobre o fator Xa e têm risco de sangramento similar às heparinas não fracionadas. As heparinas não fracionadas atuam potencializando a ação da antitrombina III, e possuem risco maior de sangramento do que as heparinas de baixo peso molecular. O controle da anticoagulação com heparina não fracionada é feito com o PTTA que deve se manter em 1,5 a 2,5 o valor de referência que é de 32 a 37 segundos. Não há indica-

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Cirurgia geral | Gabarito comentado ção de controle quando do uso de heparinas de baixo peso molecular, exceto, em pacientes com IMC > 32, prematuridade, gravidez, insuficiência renal com creatinina acima de 2,5mg/dL ou clearance de creatinina < 30 mL/min. Resposta e. 69. As medidas a serem tomadas quanto às medicações antidiabéticas em pré-operatório de pacientes diabéticos devem seguir as orientações abaixo: Pacientes diabéticos insulinodependentes: Para procedimentos de pequena duração ou que não necessitem de anestesia geral, usar 1/3 ou 1/2 da dose habitual da insulina de depósito utilizada. O objetivo é manter glicemia transoperatória entre 120-180 mg/dL. Como não se trata de cirurgia de grande porte não há indicação de insulinterapia por bomba de infusão contínua intravenosa. O controle glicêmico deste paciente deve ser feito de acordo com a glicemia capilar. Vale destacar que houve uma inadequação do gabarito oficial quando denomina “insulina de ação intermediária”, uma vez que, estas são a NPH e a lenta; na verdade a insulina a ser usada de acordo com o perfil da glicemia capilar é a insulina regular (início de ação 0,5 à 1 hora, pico de ação 2 à 3 horas e duração efetiva 8 à 10 horas). Monitorar glicemia capilar a cada 2-4 horas com reposição de insulina regular subcutânea (SC) ou análogo ultrarrápido, segundo o esquema Glicemia

Insulina

< 120

Não aplicar

120 a 160 1 unidade 161 a 200 2 unidades 201 a 250 4 unidades 251 a 300 6 unidades > 301

Rever necessidade de insulinização venosa

Pacientes diabéticos tipo 2: Suspender hipoglicemiante oral, qualquer que sejam 1 a 2 dias antes da cirurgia. Manter dieta com rigor e monitorar a glicemia capilar. Se necessário, fazer insulina de depósito e/ou insulina regular. No dia da cirurgia poderá ser feito 1/3 ou 1/2 da dose da insulina de depósito, caso tenha sido utilizada previamente. No pós-operatório se recomenda a monitorização da glicemia a cada 3-4 horas com reposição de insulina regular ou análogo ultrarrápido segundo o esquema: Glicemia < 120

Insulina Não aplicar

120 a 160 2 unidades 161 a 200 4 unidades 201 a 250 6 unidades 251 a 300 8 unidades > 301

Rever necessidade de insulinização venosa

Resposta a.

70. Este indivíduo hipertenso com elevação de catecolaminas séricas e urinárias, associadas a nódulo de suprarrenal tem como diagnóstico definitivo feocromocitoma, cujo tratamento curativo é obviamente a adrenalectomia por vídeo. O preparo pré-operatório adequado é fundamental para reduzir complicações transoperatória e pós-opetarória. O anti-hipertensivo de escolha é fenoxibenzamina (alfabloqueador) e na falta deste, prazosin ou doxazosina e terazosina. As vantagens do uso deste último grupo de drogas se justifica por: 1. Disponibilidade no nosso meio; 2. Não causam taquicardia reflexa; 3. Têm ação mais curta, tornando possível um ajuste mais rápido da dosagem; 4. Provocam menos hipotensão no pós-operatório imediato. Os betabloqueadores não devem ser prescritos até que se tenha iniciado o tratamento com outros medicamentos anti-hipertensivos. A maior indicação dos BB são casos de persistência ou surgimento de taquicardia ou arritmias na vigência de um bloqueio b-adrenérgico adequado. Resposta a. 71. Na trombocitopenia idiopática a causa mais provável é PTI (doença imunomediada; anticorpos antiplaquetas sensibilizam estas, e na passagem esplênica estas são destruídas). Na HP a causa da plaquetopenia é hiperesplenismo (esplenomegalia causando hiperfunção esplênica e destruição de plaquetas, hemácias e leucócitos; a medula se torna hipercelular para compensar a destruição periférica). O linfoma mais comumente causa plaquetopenia à custa de esplenomegalia e só em fase avançada, estádio IV, havendo infiltração difusa da medula haverá comprometimento da produção celular. A intoxicação alcoólica aguda é uma causa de plaquetopenia; o álcool é tóxico direto à medula óssea, podendo acarretar este transtorno que pode levar a hemorragia inapropriada. Resposta a. 72. Claro que pacientes que serão submetidos a cirurgias de grande porte de cabeça e pescoço (laringectomia e faringectomia); cirurgia de grande porte para tratamento de câncer e pacientes politraumatizados se beneficiam com o uso de imunonutrientes no pré-operatório, desde que haja indicação para suporte nutricional. A TNE deve ser utilizada sempre que o paciente não pode, não deve ou não quer deglutir e quando o uso do trato gastrointestinal tem a função preservada. A TNE tem sua maior indicação quando a quantidade de calorias e de nutrientes ofertados pela via oral não é suficiente para a satisfação das necessidades nutricionais. A TNE deve ser iniciada o mais precocemente possível (12 a 48 horas após a agressão) no paciente hemodinamicamente estável, na presença de ruídos hidroaéreos ou quando estes estiverem débeis. A NPT deve ser administrada através de uma veia central, habitualmente a veia subclávia ou a jugular interna por meio de um cateter de único lúmen. O não uso rotineiro do acesso periférico se justifica pela alta osmolaridade das soluções nutritivas que requerem acesso central de alto débito para que a diluição da solução seja praticamente instantânea. Deve-se ter rigor com o local de SJT Residência Médica


2 Pré-operatório inserção do cateter para evitar infecção. A ordem de preferência é subclávia, jugular e femoral. O cateter central de inserção periférica (peripherally inserted catheter-PICC) pode ser utilizado e é a via de escolha em pediatria e neonatologia. As veias de escolha para canulação de PICC são: cefálica, basílica ou cubital média. É também uma opção para o TNP domicilar, porém, comparado ao cateter central semi ou totalmente implantado, está associado a aumento das complicações infecciosas relacionadas ao cateter. O controle de eletrólitos e glicemia deve ser feito antes do início da terapêutica nutricional, após 24 horas do início e a cada dois dias durante a primeira semana. Entre os eletrólitos que devem ser rotineiramente monitorizados estão o fósforo, magnésio, cálcio, sódio e o potássio, além dos níveis glicêmicos. Xeroftalmia é secundária à deficiência de vitamina A. Resposta b. 73. As fórmulas de TNE industrializadas poliméricas são compostas de proteínas, carboidratos, lipídios íntegros de peso molecular elevado que requerem um trabalho digestivo maior e a osmolaridade da solução é menor que das fórmulas pré-digeridas. O termo calorimetria indireta refere-se à medida de produção de energia pelo organismo, ao oxidar os três nutrientes básicos – carboidratos, proteínas e lipídios –, através da quantidade de oxigênio consumido e de gás carbônico produzido. A relação entre o consumo de oxigênio (VO2) e a produção de gás carbônico (VCO2) é chamada de quociente respiratório (QR). Este método permite o cálculo preciso das necessidades calóricas. Nutrição parenteral (NP) é uma solução ou emulsão, composta basicamente de carboidratos, aminoácidos, lipídios, vitaminas e minerais, estéril e apirogênica. É acondicionada em recipiente de vidro ou plástico, destinada à administração intravenosa em pacientes desnutridos ou não, em regime hospitalar, ambulatorial ou domicilar, visando à síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas (Portaria 272/MS/SNVS, de 8 de abril de 1998). Resposta c. 74. Todas as afirmações estão corretas (leia com atenção), exceto, a opção B, já que o paciente com doença sistêmica grave, com limitação da função, porém não incapacitante, são classificados como ASA III. Resposta b. 75. O uso de iodo no preparo desses pacientes não tem apoio na literatura, porém facilita a manipulação cirúrgica da glândula durante a operação, pois proporciona uma diminuição acentuada da vascularização e um aumento da consistência do tecido tireoideano. Porém, não há dados concretos que mostrem uma menor perda sanguínea com o uso prévio do iodo, e a utilização do iodo está restrita ao auxílio no controle do hipertireoidismo. Não deve ser administrado como monoterapia, pois pode piorar o hipertireoidismo. O uso concomitante de corticoides está indicado em caso de insuficiência adrenal concomitante. Caso o paciente desenvolva tempestade tireoideana (inadequadamente malconduzido no pré-operatório) fiSJT Residência Médica

que atento às medidas obrigatórias a serem instituídas e incluem drogas antitireoidianas, betabloqueadores e glicocorticoides antes da tireoidectomia. As medicações antitireoideanas (metimazol ou propiltiuracil) devem ser utilizadas ou continuadas, porém com doses ajustadas. As tionamidas atuam na síntese e na liberação dos hormônios, porém não atuam nos hormônios circulantes (exceto o PTU que inibe a conversão periférica do T4 para T3; este efeito é também observado com betabloqueadores e corticoides), o que explica a necessidade de se esperar em torno de seis semanas para se atingir o efeito desejado, ou seja, eutireoidismo. Não há indicação de tionamidas em pós-operatório de tireoidectomia, uma vez que estas podem induzir grave hipofunção. Resposta d. 76. O TAP e/ou INR mede a função da via extrínseca, enquanto o PTTA mede a função da via intrínseca. A warfarina bloqueia a síntese dos fatores vitamina K dependentes: II, VII, IX, X, e proteínas S e C. O tromboelastograma é o método pelo qual se faz o estudo cinético do coágulo. É muito utilizado nos centros de transplante de fígado, em que a fase hepática mostra acentuada fibrinólise, e logo após a revascularização do órgão transplantado, observando-se, no traçado, a correção progressiva da formação do coágulo. Parâmetros tromboelastográficos R: início da formação da fibrina. K: dinâmica da formação do coágulo. Ângulo-alfa: cinética da formação e reações cruzadas da fibrina. MA: força do coágulo (número / função das plaquetas e interação com a fibrina). Resposta d. 77. É cirurgia de urgência, não dá para suspender a warfarina e aguardar normalização do INR (o que levaria 3 a 5 dias). As medidas mais adequadas são, suspender o anticoagulante, prescrever vitamina K e plasma fresco, este último possibilita o procedimento cirúrgico seguro, já que repõe os fatores de forma mais imediata. Resposta a. 78. O AAS inibe a agregação plaquetária mediante bloqueio da formação do tromboxane A2. Essa inibição enzimática persiste por aproximadamente 10 dias, pois as plaquetas não são capazes de regenerar a ciclo-oxigenase. As células endoteliais, porém, produzem essa enzima, reduzindo a duração do efeito da aspirina sobre as plaquetas. O manejo de pacientes coronarianos submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica (RM) ou manipulação coronariana, obrigatoriamente envolve a utilização de aspirina no perioperatório. A retirada da aspirina está associada a aumento de duas a quatro vezes no risco de morte ou infarto agudo do miocárdio (IAM) e de acidente vascular cerebral (AVC). A terapia antiplaquetária em pacientes com alto risco de eventos oclusivos vasculares reduz os desfechos combinados de qualquer evento. A cirurgia oncológica

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Cirurgia geral | Gabarito comentado deste paciente deve ser postergada por, no mínimo, 30 dias mesmo que este seja candidato somente à colocação do stent. Resposta a. 79. A creatinina sérica superior a 2 mg/dL é um critério sensível para identificação de risco cardíaco em pacientes que serão submetidos a cirurgias não cardíacas. O objetivo da avaliação pré-operatória não é vasculhar minuciosamente à procura de doenças não diagnosticadas, mas sim identificar e quantificar uma comorbidade que possa causar complicações no resultado operatório. Essa avaliação é dirigida por achados na história clínica e exame físico do paciente, sugestivos de disfunções orgânicas ou por dados epidemiológicos, sugerindo o benefício da avaliação baseada na idade, sexo ou padrão de progressão de doenças. A meta é detectar problemas que possam requerer maiores investigações ou serem abordadas no pré-operatório. Os exames pré-operatórios rotineiros não são custo-eficazes e, mesmo no idoso, são menos preditivos de morbidade perioperatória do que os protocolos da American Society of Anesthesiologist (ASA) ou da American Hearth Association (AHA)/American College of Cardiology (ACC) quanto ao risco cirúrgico. A avaliação pré-operatória é determinada de acordo com o procedimento planejado (risco baixo, médio ou alto), a técnica anestésica planejada e o ambiente pós-operatório do paciente (ambulatorial ou internado, leito de enfermaria ou assistência intensiva). Além disso, a avaliação pré-operatória é utilizada para identificar os fatores de risco do paciente quanto a morbidade e mortalidade pós-operatórias. O Programa Nacional de Melhoria da Qualidade Cirúrgica (NSQIP) tem sido utilizado para desenvolver modelos preditivos de morbidade e mortalidade pós-operatória, e vários fatores têm sido consistentemente apontados como previsores independentes de eventos pós-operatórios. Se a avaliação pré-operatória desvendar comorbidade significativa ou evidência de controle insatisfatório do processo de uma doença preexistente, pode ser necessária a consulta com um clínico ou médico de outra especialidade para facilitar o trabalho e direcionar a conduta. Nesse processo, a comunicação entre o cirurgião e o especialista é essencial para definir metas realistas para otimização desse processo e determinar a conduta cirúrgica. Anormalidades em radiografia de tórax entre pacientes idosos são relativamente comuns, enquanto na população jovem são raras. Além disso, a precisa relação entre achados da radiologia e morbidade perioperatória não é clara. Os obesos, os maiores de setenta anos, os fumantes crônicos inveterados, os portadores de doença respiratória prévia e os candidatos às operações sobre o tórax e andar superior do abdome apresentam potencial elevado de complicações pulmonares pós-operatórias e carecem de minuciosa avaliação funcional antes das cirurgias. O sistema ASA (American Society Association) divide os pacientes em cinco categorias baseadas na presença ou ausência de doenças sistêmicas leves a graves, fornecendo o risco anestésico (probabilidade estatística de óbito).

A classificação é de aplicabilidade simples, com base principalmente em história e exame físico do paciente e não depende de investigação laboratorial ou idade. O escore ASA é considerado um adequado preditor de mortalidade perioperatória. Um alto escore de ASA correlaciona-se a tempo de internamento prolongado, necessidade de admissão em unidade de terapia intensiva no pós-operatório e desenvolvimento de sepse grave pós-operatória. Apesar de elementos de subjetividade, é um sistema de avaliação global de prognóstico efetivo. A simplicidade e versatilidade do escore de ASA o fazem o mais útil e comumente utilizado sistema de avaliação de risco clínico pré-operatório. Resposta a. 80. De fato pacientes com anemia normovolêmica, sem risco cardíaco significativo ou que tenham perspectiva de perda sanguínea transoperatória relevante, podem ser operados sem transfusão, se níveis de hemoglobina estiverem maiores que 6 ou 7 g/dL (veja apostila). De um modo geral cirurgia de pequeno ou médio portes podem ser realizadas com taxa de plaquetas igual ou maior que 50.000/mm³, enquanto que cirurgias de grande porte só deverão ser realizadas com plaquetas em número igual ou maior que 100.000/mm³. Em caso de necessidade de heparinização pré-operatória, devemos suspendê-la 6 horas antes e reiniciar 12 horas após a intervenção, o uso do filtro de veia cava inferior deve ser considerado, em pacientes com trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar, que estiverem em anticoagulação por menos que 15 dias. Em relação a colocação de filtro de veia cava as indicações ficam definidas para os casos de contraindicação para o tratamento de anticoagulante (cirurgia com grandes deslocamentos nos primeiros dias, neurocirurgia, cirurgia oftalmológica, doenças hemorrágicas, ulceragastroduodenal, varizes de esôfago, cirurgia, AVC nas primeiras 4-6 semanas), se a trombose for extensa e principalmente se tiver havido embolia pulmonar. O filtro pode ser permanente nos casos em que o risco de embolia pulmonar ou sua recorrência se mantém, ou retirável, se a contraindicação para o tratamento anticoagulante ou a situação de risco for temporária. Em qualquer situação, a anticoagulação deve ser recomeçada uma vez passado o risco de hemorragia. Os pacientes que estiverem em anticoagulação por menos de duas semanas devido uma embolia pulmonar ou TVP proximal devem ser considerados para colocação de um filtro de veia cava inferior, anterior à cirurgia. Entre os fatores de risco para tromboembolismo venoso estão: câncer, idade, obesidade, síndrome nefrótica, doença inflamatória intestinal, uso de estrogênio e disfunção cardíaca. Resposta b. 81. Cirurgia ortopédica de quadril é incluída no grupo de alto risco, dessa forma a recomendação é HBPM em doses de 40 mg de enoxiparina ou 5.000 U se daltaparina, ou então heparina não fracionada em dose profilática. O grau de controle metabólico do DM também deve ser avaliado através da glicemia de jejum e da hemoglobina glicada (HbA1c). Nas cirurgias eletivas, recomendamos um bom controle da doença anSJT Residência Médica


2 Pré-operatório tes do procedimento (glicemia de jejum de 90 a 130 mg/dL e HbA1c < 7%), mas em geral pode-se aceitar uma glicemia de jejum de até 180-200 mg/dL assim como HbA1c > 7 < 11%. Níveis maiores indicam considerar adiamento da intervenção após melhor controle glicêmico. As intervenções pré-operatórias que podem diminuir as complicações pulmonares no pósoperatório incluem a suspensão do cigarro (> 2 meses do procedimento planejado, ou no mínimo 2 semanas

antes), terapia broncodilatadora, terapia com antibióticos para tratar infecções preexistentes e o adequado manejo no tratamento dos pacientes asmáticos. O hipotireoidismo grave pode estar associado a uma disfunção do miocárdio, distúrbios eletrolíticos, hipotermia e hipoglicemia. Este sim precisa ser corrigido adequadamente antes de cirurgias eletivas. O hipotireoidismo subclínico não requer cuidados específicos pré-operatórios.

Estratificação do risco cardíaco para vários procedimentos cirúrgicos Risco elevado (> 5%) Cirurgias de urgência, particularmente em idosos Cirurgias da aorta ou de grande vaso e vascular periférica Procedimentos cirúrgicos prolongados com grandes desvios de fluidos e/ou perda de sangue, em especial em idosos,

envolvendo abdome e tórax Risco médio (1 a 5%) Endarterectomia carotídea Cirurgias maiores de cabeça e pescoço Cirurgias intratorácicas e intraperitoneais, não complicadas Cirurgias ortopédicas Cirurgias de próstata

Risco baixo (< 1%) Procedimentos endoscópicos Procedimentos dermatológicos ou superficiais Cirurgias oftalmológicas Cirurgias de mamas

Resposta e. 82. Como já relatado, o antimicrobiano profilático deve ser iniciado à indução anestésica, por via endovenosa. Nas operações que se prolongam por mais de 2 horas, ou com hemorragia transoperatória não habitual (maior que 1.000 mL), aconselha-se uma segunda dose do antibiótico. Estudos diversos demonstraram desvantagens no uso prolongado do antibiótico profilático, além de uma ou duas doses. Porém, se há concomitância de prótese e dreno, alguns autores orientam a permanência do antibiótico até a retirada do dreno. Resposta d. 83. Este paciente apresenta fatores de risco clínico (idade > 40 anos, doença maligna e varizes de membros inferiores) que o coloca como paciente de alto risco para TVP/TEP sendo assim, as medidas recomendadas são: HNF 3 vezes ao dia ou HBPM dose maior profilática. Se houver alto risco de sangramento realizar perioperatoriamente e nas primeiras horas compressão pneumática intermitente seguida de terapêutica medicamentosa, quando se julgar passado o maior risco de hemorragia. Casos de muito alto risco como câncer, tem sido recomendado a terapia com HBPM após a alta hospitalar até 28 dias. Resposta b. 84. O tratamento com agentes bloqueadores alfa-adrenérgicos deve ser iniciado o mais rápido possível, após SJT Residência Médica

estabelecimento do diagnóstico bioquímico. Os objetivos da terapia pré-operatória incluem: (1) restaurar o volume sanguíneo que sofreu depleção, devido à presença de níveis excessivos de catecolaminas; (2) aliviar o paciente do perigo de ataque grave, com suas complicações potenciais; e (3) permitir a recuperação da miocardiopatia. Tipicamente, o volume sanguíneo apresenta-se diminuído no feocromocitoma. E necessário efetuar um controle rigoroso da hipertensão, para manter a normalidade do volume sanguíneo. Até mesmo 15 minutos de hipertensão, devido à liberação de catecolaminas, podem reduzir sobremaneira o volume sanguíneo. Em virtude de sua duração de ação mais prolongada, a fenoxibenzamina (FBA) é, no momento atual, o tratamento preferido. O tratamento deve ser iniciado com cautela, em uma dose de cerca de 10 mg a cada 8 horas, devendo a dose ser aumentada – quando a hipotensão postural permiti-lo – até que todos os sinais de atividade excessiva das catecolaminas tenham desaparecido, com normalização do volume sanguíneo. Pode ser necessária a administração de doses de até 150 mg/dia. Quando um bloqueio alfa é requerido para controle dos sintomas, podemos utilizar antagonistas seletivos do receptor-a1 (por exemplo, prazosina, terazosina e doxazosina). Estes fármacos, além de serem mais fa-

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Cirurgia geral | Gabarito comentado cilmente disponíveis em nosso meio, apresentam três vantagens principais sobre a FBA: (1) não causam taquicardia reflexa, (2) têm ação mais curta, permitindo um ajuste mais rápido da dosagem e (3) provocam menos hipotensão no pós-operatório imediato. A dose da prazosina é de 0,5 mg/dia inicialmente e pode ser aumentada até 10 mg duas vezes ao dia, se necessário. Outros bloqueadores a1 mais novos – terazosina (1-20 mg/dia) e doxazosina (1-16 mg/dia) – podem ser tão eficazes quanto a prazosina. Para minimizar o problema de hipotensão postural pós-retirada do tumor, deve-se suspender a FBA e a prazosina 48 e 8 horas antes do ato cirúrgico, respectivamente. Os agentes bloqueadores beta-adrenérgicos são quase sempre úteis quando as disritmias cardíacas e a taquicardia pronunciada constituem aspectos proeminentes da doença; todavia, só devem ser administrados após o paciente ter recebido um alfabloqueador. De outro modo, pode ocorrer uma crise hipertensiva. Os sedativos e os tranquilizantes também são úteis no tratamento da ansiedade que quase sempre acompanha o feocromocitoma. Uma vez instituído o tratamento, a localização do feocromocitoma é segura e útil. Os tumores extrassuprarrenais quase sempre carecem da enzima de metilação necessária para converter a noradrenalina em adrenalina. Por conseguinte, podem secretar apenas noradrenalina. Quando os níveis de adrenalina estão elevados, significa que o tumor quase sempre está localizado na área suprarrenal ou nas adjacências. De qualquer modo. 90% dos feocromocitomas em adultos situam-se nas áreas suprarrenais. Resposta d. 85. TP é o exame de laboratório mais importante na avaliação pré-operatória da função hepática por ser a protrombina (fator II) produzida exclusivamente pelo fí-

gado e também por refletir a integridade dos fatores VII, IX e X, fatores vitamina K dependentes. Valores menores que 50% significam risco cirúrgico importante. Resposta b. 86. Já reforçamos em questão anterior que o nível pré-operatório de creatinina ≥ 2 mg/dL é um fator de risco independente de complicações cardíacas. Independentemente da etiologia multifatorial que possa ter, albumina sérica abaixo de 3 g/dL está associada a aumento significativo da morbimortalidade em doentes hospitalizados. AST/ALT ≥ 2 é muito sugestivo de hepatite ou cirrose alcoólica. Na HA, índice AST/ALT >2 ocorre em aproximadamente 70% dos casos. A especificidade desse teste é relativamente alta (embora pacientes com hepatopatias não alcoólicas ocasionalmente também possam apresentar índice alto de AST/ALT). Os níveis séricos de AST raramente ultrapassam 300 UI/L, exceto em poucos pacientes com necrose esclerosante hialina ou quando há associadamente doença hepática induzida pelo paracetamol ou hepatite viral. A determinação da atividade sérica da GGT pode ser útil, pois está elevada em número considerável de pacientes com HA (e outras lesões da DHA), mas também em alcoólatras sem hepatopatias evidentes e algumas doenças não hepáticas. A opção D é incorreta já que a solução glicosada é necessária no transoperatório e no pós-operatório imediato dos pacientes diabéticos. Em relação ao controle glicêmico o conteúdo da opção D está correta. Resposta a. 87. De fato, os mecanismos compensatórios podem manter inalterada a pressão arterial de um paciente com perda de até 30% do volume circulatório (veja a classificação abaixo), mas havendo necessidade de transfusão sanguínea.

Classificação da hemorragia segundo a perda de volume Classe I

Classe II

Classe III

Classe IV

Perda de sangue (mL)

> 750

750 a 1.500

1.500 a 2.000

> 2.000

Perda de sangue (% volume total)

> 15%

15 a 30%

30 a 40%

> 40%

Pulso (bpm)

< 100

> 100

> 120

> 140

Pressão arterial

Normal

Normal

Diminuída

Diminuída

Prsssão de pulso (mmHg)

Normal ou aumentada

Diminuída

Diminuída

Diminuída

Respiração/minuto

14 a 20

20 a 30

30 a 40

> 35

Diurese (mL/hora)

> 30

20 a 30

3 a 15

Desprezível

Estado mental

Pouco ansioso

Moderada ansiedade

Ansioso e confuso

Confuso e letárgico

Reposição (3/1)

Cristaloide

Cristaloide

Cristaloide e sangue

Cristaloide e sangue

Heparinização sistêmica, em doses terapêuticas, pode ser suspensa por 6 horas antes do procedimento cirúrgico e reiniciada 12 horas após, no pós-operatório. Os pacientes que estiverem em anticoagulação por menos de duas semanas devido a uma embolia pulmonar devem ser considerados para a colocação de um filtro de veia cava inferior antes da operação. Cirurgias de grande porte exigem transfusão de plaquetas quando estas estiverem abaixo de 50.000/mm3. Resposta b.

SJT Residência Médica


2 Pré-operatório 88. Todas as afirmações estão corretas, exceto a opção A, já que HNF em dose profilática pode sim induzir trombocitopenia, embora seja mais comum naqueles em uso terapêutico. A trombocitopenia induzida pela heparina (TIH) é a causa mais comum de trombocitopenia induzida por drogas, sendo um evento que ocorre em pacientes submetidos à terapia anticoagulante com doses terapêuticas de heparina. Pode ocorrer durante a heparinização ou após curto período de tempo de exposição ao fármaco que, pode variar de cinco a dez dias ou até mesmo 21 dias. Sua incidência é variada, acometendo cerca de 1 a 5% ou até 20 a 30% dos pacientes que são expostos à heparina. Apesar da baixa incidência sua ocorrência não é rara, visto que, a heparina é um anticoagulante muito utilizado no âmbito médico, principalmente em nível hospitalar. Pesquisas comprovam que há maior incidência de TIH em pacientes que utilizam heparina de origem bovina ao invés da heparina de origem suína. Também é relatado que a TIH surge de forma mais intensa em pacientes expostos anteriormente à heparina. Estudos concluíram que a heparina de baixo peso molecular (HBPM) apresenta menor capacidade de causar trombocitopenia do que a heparina não fracionada (HNF). Tal fato ocorre em função das moléculas de heparina com peso molecular maior ou igual a 4.000 Da possuir maior potencial antigênica. A gravidade da TIH é geralmente moderada, com contagem plaquetária variando entre 20.000 e 150.000/mm3. Ocasionalmente, há queda muito brusca na contagem plaquetária de pacientes já tratados anteriormente com heparina. Até pouco tempo atrás, o índice de mortalidade por TIH variava em torno de 20%. Melhorias em relação ao diagnóstico precoce e às novas opções de tratamento resultaram em prognóstico melhor para pacientes que desenvolvem TIH. Entretanto, o índice de mortalidade para tal patologia varia entre 6 e 10%. Leia cada opção correta como reforço de aprendizado. Resposta a. 89. A proteólise muscular determina aumento da excreção de ureia e de íons resultantes da desintegração de células musculares (cálcio, potássio e magnésio) o que leva, osmoticamente, a um aumento da excreção de ureia e de íons resultantes da desintegração de células musculares (cálcio, potássio e magnésio) o que leva, osmoticamente, a um aumento na diurese. O glucagon, agindo sobre os túbulos renais, determina natriurese, principal responsável pela perda de peso inicial na inanição aguda. Na fase de adaptação a oxidação de gorduras vai se tornando, cada vez mais, a maior responsável pela perda ponderal. Há retenção de água, levando a aumento da água corpórea total, que é retida no extracelular devido à hipoalbuminemia (que retém sódio e água) e, principalmente, pela diminuição da filtração glomerular. Tudo isto ocasiona aumento do volume plasmático, SJT Residência Médica

queda no hematócrito e taxa de hemoglobina, elevação do sódio corporal total e hiponatremia dilucional. Desenvolvido por Kondrup et al., o NRS 2002 tem como objetivo detectar, no ambiente hospitalar, a presença de desnutrição e o risco do desenvolvimento desta, em pacientes adultos, independentemente da idade e do diagnóstico clínico. O NRS 2002 apresenta os componentes nutricionais do MUST e a classificação da gravidade da doença, relacionada positivamente com o aumento das necessidades nutricionais. Seu questionário é dividido em duas partes: a triagem inicial é composta por quatro questões referentes ao IMC, perda ponderal indesejada nos últimos três meses, redução da ingestão alimentar na última semana e presença de doença grave e a triagem final que classifica o paciente em escores, levando em consideração a porcentagem de peso perdida, a aceitação da dieta, o IMC e o grau de severidade da doença. Além disso, considera a idade acima de 70 anos um fator de risco adicional para a desnutrição. Após o preenchimento do questionário e soma dos escores, os pacientes podem ser classificados como em risco nutricional, se escore for maior ou igual a três e, para valores de escore menores que três, recomenda-se realizar semanalmente novos rastreamentos para monitorar e detectar precocemente o desenvolvimento de risco nutricional durante o período de internação hospitalar. Para sua validação, o NRS 2002 foi aplicado em 128 estudos retrospectivos sobre suporte nutricional, mostrando que pacientes que preencheram os critérios de risco nutricional tiveram uma maior probabilidade de apresentar resultado significativo após suporte nutricional. De fato, perda não intencional de mais de 7,5% em 3 meses sugere desnutrição grave (Tabela a seguir). Avaliação da percentagem de perda de peso Tempo

Perda de peso significativa (%)

Perda de peso severa (%)

Uma semana Um mês Três meses Seis meses

1a2 5 7,5 10

>2 >5 > 7,5 > 10

A ANSG (Avaliação nutricional subjetiva global) é considerada padrão-ouro para a triagem do estado nutricional. Este método, inicialmente desenvolvido para pacientes cirúrgicos e sendo posteriormente adaptado para outras situações clínicas, tem o objetivo de identificar pacientes com algum risco nutricional. Na década de 80, Detsky e colaboradores iniciaram estudos sobre a avaliação nutricional de pacientes hospitalizados que pudesse ser realizada por qualquer profissional de saúde. Segundo Detsky et al. (1987), a avaliação nutricional deveria ser baseada em dados clínicos, que consistiriam em verificação de história clínica e exame físico. A ANSG consiste em um instrumento válido,

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Cirurgia geral | Gabarito comentado para avaliação nutricional que engloba história de perda de peso, de tecido adiposo e muscular, mudanças no padrão alimentar, sintomas gastrointestinais, alteração de capacidade funcional e exame físico. São cinco os critérios a considerar para realizar a avaliação subjetiva global: 1) perda de peso nos últimos seis meses, sendo que deve ser levada em consideração a recuperação ou estabilização do peso até a data da avaliação; 2) a história dietética em relação ao usual, considerando se a ingestão está alterada ou não e, em caso positivo, verificar qual o tempo e o grau da alteração (jejum, líquidos hipocalóricos, dieta sólida insuficiente, etc); 3) presença de sintomas gastrointestinais, sua duração e intensidade; 4) capacidade funcional ou nível de força muscular; e 5) demanda metabólica da doença de base. Além da anamnese clínica, há o exame físico a ser realizado para completar a avaliação. Nele, deve ser analisada a perda de gordura subcutânea por meio da avaliação da região do tríceps e das costelas; a perda muscular, detectada em quadríceps e deltoide; e a presença de edema sacral ou em tornozelos e presença de ascite. A ANSG classifica os pacientes como nutridos, moderadamente desnutridos ou gravemente desnutridos, levando-se em consideração uma escala para cada item analisado. Inicialmente, utilizou-se uma escala numérica para ponderar a gravidade de cada item; posteriormente, esta escala foi adaptada para letras, visando melhor expressão da subjetividade das questões avaliadas. Resposta d. 90. De fato, o grande período de meia-vida da albumina (em média 21 dias), assim como a grande reserva corporal (4 a 5 g/kg) têm sido responsabilizados pela sua má correlação com processos agudos que levam à desnutrição. A pré-albumina desempenha um grande papel no transporte da tiroxina, e é carreadora para a proteína fixadora do retinol. A meia-vida sérica foi calculada como sendo de apenas dois dias e sua reserva corporal é pequena. Qualquer demanda brusca de síntese proteica, como na infecção aguda ou no traumatismo, deprime rapidamente a pré-albumina sérica, devendo-se realizar uma interpretação cuidadosa dos dados obtidos antes de se poder inferir a existência de uma depleção nutricional. Níveis menores de 5 mg/100 mL, definem uma depleção grave. A transferrina sérica é uma betaglobulina que transporta o ferro no plasma. Sua síntese é hepática, a reserva plasmática média é de 5,29 g (250 a 300 mg/100 mL) e a meia-vida varia de oito a dez dias, com média de 8,8 dias. Por causa da menor reserva corporal e da vida-média mais curta, admite-se que a transferrina reflete com maior exatidão as alterações agudas ocorridas no estado da proteína visceral. Entretanto, sua taxa pode ser influenciada pela carência de ferro (pela diminuição na ingestão e/ou no consumo bacteriano em infecções). Resposta b.

91. Durante o jejum, algumas alterações hormonais e metabólicas ocorrem para que o organismo se adapte à situação presente. Depois de algumas horas em jejum, os níveis de insulina caem enquanto os do glucagon aumentam, determinando uma rápida utilização dos parcos recursos de glicogênio armazenado pelo organismo, especialmente no fígado. Como a reserva de glicogênio é pequena e se exaure em pouco tempo (depois de uma noite de jejum, verifica-se uma rápida depleção do glicogênio hepático), a gliconeogênese passa a ser vital, pois o sistema nervoso central e as células sanguíneas são altamente dependentes da glicose para suas atividades metabólicas durante o período inicial do jejum não adaptado. Assim, o fígado converterá aminoácidos e glicerol (resultante da quebra dos triglicerídeos armazenados em glicerol e ácidos graxos) em glicose. Esse fenômeno parece ter regulação central envolvendo uma maior secreção de ACTH pela hipófise e consequentemente aumento da secreção de cortisol pela suprarrenal. Caso o jejum se prolongue, o organismo tentará adaptar-se diminuindo o gasto energético basal. A queda dos níveis de insulina, associado ao aumento do glucagon, leva a níveis aumentados de AMP cíclico no tecido adiposo, resultante em estímulo à lipase hormônio-sensitiva para quebrar a molécula do triglicerídeo em glicerol e ácido graxo. Esses ácidos graxos serão particularmente importante no fornecimento de energia ao fígado para as reações da gliconeogênese hepática. Com o prolongamento do jejum, progressivamente o cérebro passa a consumir mais corpos cetônicos e menos glicose. Nessa fase, a excreção urinária de amônia formada no rim pela transaminação da glutamina aumenta e passa a ser a forma de excreção nitrogenada mais comum. A proteólise muscular determina aumento da excreção de ureia e de íons resultantes da desintegração de células musculares (cálcio, potássio e magnésio) o que leva, osmoticamente, a um aumento na diurese. O glucagon, agindo sobre os túbulos renais, determina natriurese, principal responsável pela perda de peso inicial na inanição aguda. O sistema macroendócrino age através dos chamados hormônios do estresse (ou catabólicos ou, ainda contrarreguladores da glicemia) que são: catecolaminas (adrenalina, noradrenalina e dopamina), cortisol e glucagon. O estresse desencadeia estímulos simpáticos que levam a um aumento plasmático de catecolaminas, proporcional ao grau de agressão, sendo os valores máximos alcançados imediatamente após o trauma. Resposta c. 92. Observando atentamente a tabela abaixo fica óbvio que o tipo de cirurgia a qual o paciente se submeterá é critério relevante na classificação de Goldman (opção C correta). As demais informações contidas nas outras opções são facilmente identificadas como incorretas. SJT Residência Médica


2 Pré-operatório

Índice de risco cardíaco de Goldman Critérios

Pontos

História idade > 70 anos

5 10

infarto do miocárdio < 6 meses

Exame físico galope ou estase jugular

11 3

estenose aórtica significativa

ECG ritmo não sinusal ou extrassístoles atriais

7 7

> 5 extrassístoles ventriculares/minuto

Condições gerais PaO2 < 60 ou PaCO2 > 50 mmHg, K+ < 3,0 ou HCO–3 < 20 mEq/L, ureia > 50

3

mg/dL ou Cr > 3 mg/dL, TGO alterada, sinais de insuficiência hepática crônica ou paciente acamado por causas não cardíacas

Cirurgia intraperitoneal, intratorácica ou de aorta

3 4 53

emergência

Total máximo Classe

Graves*

Fatais*

I – 0 a 5 pontos

0,7%

0,2%

II – 6 a 12 pontos

5%

2%

III – 13 a 25 pontos

11%

2%

IV – > 25 pontos

22%

56%

*Complicações Resposta c. 93. O tempo de tromboplastina parcial é diferente do tempo de tromboplastina parcial ativada não reflete risco de sangramento. Vale frisar que o melhor método para prever risco de sangramento inadequado no peroperatório é a história clínica. Reveja os testes mais comuns na prática clínica. Tempo de sangramento (teste de Duke) – Perfura-se o dedo ou o lobo auricular com uma agulha e cronometra-se o intervalo de tempo entre o aparecimento da primeira gota de sangue e a parada espontânea do sangramento. Valor normal: 3 a 4 minutos. É um teste simples de aferição de normalidade. Valores prolongados são indicadores inespecíficos de transtornos. Tempo de coagulação (Teste de Lee-White) – Amostras de sangue são colocadas em tubos. A cada 30 segundos é verificado se o sangue já coagulou. O tempo de coagulação é indicativo de que o processo de coagulação está normal (via intrínseca). Valor normal: 5 a 10 minutos. Tempo de atividade de protrombina (TAP) ou tempo de Trombina (TT) – Método quantitativo que afere o tempo de coagulação em amostras de sangue anticoagulado após adição de tromboplastina tissular. Os valores aferidos são comparados com um padrão de normalidade estabelecido. O resultado é dado em valores numéricos e em porcentagens. Valor normal: 12 a 15 segundos (≥ 70% do normal). INR (Relação Normatizada Internacional) – A tromSJT Residência Médica

boplastina tissular usada para testes do TAP é extraída de cérebros de animais (porco, coelho e carneiro). Cada animal fornece substâncias em teores diferentes de forma a haver variações de resultados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) promoveu uma padronização entre os laboratórios. As tromboplastinas são aferidas segundo um padrão de referência, chamada ISI (International Sensitivity Index), usada para corrigir o TAP. A atividade de protrombina corrigido pelo ISI é chamada de INR. Valor normal = 0,8 a 1,2 (ISI varia de 1,0 a 1,4). INR = TAP paciente * ISI   TAP teste Tempo de Tromboplastin a Parcial Ativada (TTPA) – Teste de aferição de mecanismo intrínseco da coagulação feito por adição de um substituto plaquetário (fosfolipídio cefalina), Ca++ e um substrato ativador (caolim, sílica, ácido elégico) ao plasma anticoagulado. O tempo de coagulação do paciente é expresso em segundos (TTPA normal: 25 a 45 segundos) ou segundo um índice de referência (R) obtido pela comparação com valores de controle:

Resposta c.

R = TTPA do paciente = 1,2 TTPA controle

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Cirurgia geral | Gabarito comentado 94. Ao rever sua apostila de Clínica Cirúrgica fica claro que a conduta mais adequada para este paciente é suspender a metformina e a insulina NPH mantendo o controle do diabete com insulina regular de acordo com hemoglucoteste e reintrodução destas medicações assim que for introduzida a dieta oral. Resposta d. 95. As classificações de Goldman e Detsky levam em consideração parâmetros clínicos e laboratoriais que podem ser reproduzidos e definidos com exatidão. Cada classe tem um risco distinto de mortalidade decorrente de descompensação no período pré-operatório. Resposta c. 96. Todas as afirmações estão corretas (leia cada uma com atenção), exceto a opção E, já que o teste da coagulação mais sensível para avaliar anticoagulação com heparina (de alto peso molecular) é o PTTa. A heparina não fracionada exerce seu efeito anticoagulante acelerando a atividade da antitrombina III que inativa os fatores IIa (trombina) e Xa, sendo administrada por via intravenosa contínua. Deve ser feito bolus de 60 U/kg com dose máxima de 4.000 U, com manutenção de 12 U/kg/h, controlando a coagulação com medidas periódicas (a cada 6 horas) do tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) em 50- 70 segundos, com relação de tempos 1,5- 2,5 vezes o normal. A HBPM (enoxaparina e daltaparina) se liga às proteínas plasmáticas e às células sanguíneas e endoteliais, tem efeito mais potente sobre o fator Xa e pode ser administrada por via subcutânea. A enoxaparina é usada na dose de 1 mg/kg duas vezes ao dia e daltaparina, 100-120 U/kg dividida em duas doses, não havendo necessidade de monitorização da coagulação. O efeito tem duração de 12 horas, e sua reversão pode ser feita com protamina, mas com menos eficácia do que quando usada para heparina. Resposta e. 97. Todas as afirmações estão corretas exceto a opção “D”, uma vez que a interrupção do tabagismo por um período mínimo de 2 semanas (ideal 2 meses) do ato operatório traz benefícios significativos tanto no ponto de vista sistêmico quanto em relação a ferida cirúrgica, reduzindo nesta o risco de infecção e facilitando o processo de cicatrização. Leia as demais opções como aprendizado. Resposta d. 98. Avaliar os riscos e predizer os resultados pós-operatórios são um importante aspecto da avaliação pré-operatória. Várias metodologias avaliam o status clínico pré-operatório de pacientes cirúrgicos em função do estado de saúde geral e função específica dos órgãos. O sistema ASA (American Society Association) divide os pacientes em cinco categorias baseadas na presença ou ausência de doenças sistêmicas leves e graves, fornecendo o risco anestésico (probabilidade estatística de óbito). A classificação é de aplicabilidade simples, com base principalmente em história e exame físico do paciente e não depende de investigação laboratorial ou idade.

O escore ASA é considerado um adequado preditor de mortalidade perioperatória. Um alto escore de ASA correlaciona-se a tempo de internamento prolongado, necessidade de admissão em unidade de terapia intensiva no pós-operatório e desenvolvimento de sepse grave pós-operatória. Apesar de elementos de subjetividade, é um sistema de avaliação global de proagnóstico efetivo. A simplicidade e versatilidade do escore de ASA o fazem o mais útil e comumente utilizado sistema de avaliação de risco clínico pré-operatório. Resposta a. 99. A HNA (Hemodiluição Normovolêmica Aguda) consiste na remoção de uma a três unidades de sangue do paciente e reposição com cristaloides ou coloides (ou ambos) para restaurar o volume intravascular. Feita após indução anestésica, mas antes do começo do procedimento operatório, a HNA é bem tolerada pela maioria dos pacientes. O sangue retirado é anticoagulado e mantido em temperatura ambiente por até quatro horas. É reinfundido no paciente conforme a necessidade durante o procedimento cirúrgico. Se a HNA for combinada com a pré-doação autóloga, seis ou mais unidades de sangue podem estar disponíveis para um procedimento no qual é esperada perda significativa de sangue. Estudos comparando a HNA com a doação pré-operatória mostram taxas iguais de necessidade de transfusão de sangue alogênico, mas os custos da HNA são menores. Não há lugar para esta técnica na hemorragia aguda. A recuperação intraoperatória apenas será realizada em situações específicas como cirurgias vasculares, cardíacas e transplantes de fígado. É importante salientar que o interrogatório clínico tem um papel fundamental, principalmente no que se refere às doenças hemorrágicas, pois mesmo diante de exames de triagem normais, se houver uma história de sangramento relevante, uma investigação laboratorial mais específica deve ser realizada, sob a orientação de um hematologista. Diante de um exame de coagulação alterado, a investigação etiológica determinará o tipo de tratamento. Assim, nas deficiências congênitas ou adquiridas de um fator de coagulação, o mesmo deve ser reposto algumas horas antes da cirurgia e mantido até a cicatrização. Os concentrados de fatores são os produtos de escolha para a hemofilia A ou B, e o concentrado de fator VIII com fator de von Willebrand para a doença de von Willebrand. O crioprecipitado pode ser indicado na prevenção e tratamento de hemorragias em cirurgias de pacientes com alterações quantitativas ou qualitativas do fibrinogênio, ou o PFC na deficiência dos outros fatores de coagulação. Perdas sanguíneas estimadas em 1.000 mL corresponde a classe II do choque hemorrágico; neste estágio a pressão arterial tende a se manter estável com a reposição somente de cristaloides. Resposta e. 100. De acordo com o escore Child-Pugh podemos incluir este paciente na classe B, pontuação 8. SJT Residência Médica


2 Pré-operatório

Sistema de pontuação Child-Pugh Pontos 1

2

3

Nenhum

Estádio I ou II

Estádio III ou IV

Ascite

Ausente

Leve (controlado com diuréticos)

Moderado, apesar do tratamento com diuréticos

Bilirrubina (mg/ dL)

<2

2-3

>3

Albumina (g/L)

> 3,5

2,8-3,5

< 2,8

TP (segundos prolongados)

<4

4-6

>6

INR

< 1,7

1,7-2,3

> 2,3

Encefalopatia

Classe A: 5-6 pontos; Classe B: 7-9 pontos; Classe C: 10-15 pontos. INR: International Normalized Ratio; TP: tempo de protombina.

Resposta c. 101. O percentual de perda de peso é muito importante para o diagnóstico da desnutrição. Ele pode ser obtido pela fórmula: % Perda de peso =

peso habitual - peso atual × 100 peso habitual

Alterações no peso corporal podem refletir uma mudança no conteúdo de proteínas, água, minerais e/ou gordura. Para avaliar a perda de peso, o percentual de perda de peso pode ser calculado e relacionado com o tempo em que ocorreu, sendo utilizada a classificação de Blackburn e cols. (1977), descrita na tabela abaixo: Tempo

Perda de peso significativo (%)

Perda de peso severa (%)

Uma semana

1a2

>2

Um mês

5

>5

Três meses

7,5

> 7,5

Seis meses

10

>10

Algum grau de perda de peso é geralmente esperado durante a hospitalização ou com a evolução da doença. Essa perda é derivada da doença ou do tratamento. Déficits de 5 a 10% do peso habitual não têm sido considerados clinicamente significativos, porém perda rápida de peso acima desse valor pode ser encontrada com frequência e é evidência de desnutrição. A variação ponderal para o peso habitual (peso atual/peso habitual × 100%) pode classificar a desnutrição de acordo com Grant e cols. (1981) em: desnutrição leve: 90 a 85% do peso habitual;

desnutrição moderada: 85 a 75% do peso habitual;

desnutrição severa: menor que 75% do peso habitual. Em resumo, o uso do IMC parâmetro isolado para pacientes não informa a verdadeira situação nutricional

SJT Residência Médica

subestimando o diagnóstico nutricional e mascarando a desnutrição. Algumas medidas como pegas cutâneas triciptal e subescapular, circunferência braquial e circunferência muscular braquial também podem ser usadas. Resposta a. 102. A albumina é uma das proteínas mais extensivamente estudadas e de uso rotineiro na prática cirúrgica. A taxa de albumina sérica é geralmente baixa na presença da desnutrição proteicoenergética e também tem sido amplamente indicada para avaliar o estado nutricional, sendo particularmente usada para o prognóstico do aumento da mortalidade e da morbidade. O total de albumina corporal em um homem de 70 kg é aproximadamente de 300 g (3,5 a 5,3 g/kg). Concentrações séricas de albumina superiores a 3,5 g/100 mL são consideradas normais. O longo período de meia-vida da albumina (em média 21 dias), assim como a grande reserva corporal (4 a 5 g/kg) têm sido responsabilizados pela sua má correlação com processos agudos que levam à desnutrição. Entretanto, a facilidade de seu uso, o baixo custo e a sua correlação com a perda de peso e com a mortalidade fazem da albumina um grande aliado na avaliação e na evolução dos pacientes na prática clínica. A transferrina sérica é uma betaglobulina que transporta o ferro no plasma. E sintetizada no fígado, com concentrações séricas normais oscilando de 250 a 300 mg/100 mL e uma reserva plasmática média de 5,29 g. A meia-vida da transferrina varia de oito a dez dias, com uma média de 8,8 dias. Por causa da menor reserva corporal e da vida-média mais curta, admite-se que a transferrina reflete com maior exatidão as alterações agudas ocorridas no estado da proteína visceral. Entretanto, sua taxa pode ser influenciada pela carência de ferro (pela diminuição na ingestão e/ou no consumo bacteriano em infecções). Grau de desnutrição de acordo com a albumina e transferrina sérica Estado nutricional

Albumina (g/dL)

Transferrina (g/dL)

Normal

3,5 a 5

200 a 400

DPE leve

2,8 a 3,4

150 a 199

DPE moderada

2,1 a 2,7

100 a 149

DPE grave

< 2,1

< 100

A pré-albumina desempenha um grande papel no transporte da tiroxina, e é carreadora para a proteína fixadora do retinol. A meia-vida sérica foi calculada como sendo de apenas dois dias e sua reserva corporal é pequena. Qualquer demanda brusca de síntese proteica, como na infecção aguda ou no traumatismo, deprime rapidamente a pré-albumina sérica, devendo-se realizar uma interpretação cuidadosa dos dados obtidos antes de se poder inferir a existência de uma depleção nutricional. As concentrações séricas normais variam entre 15,7 a 29,6 mg/100 mL, com uma

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Cirurgia geral | Gabarito comentado média de 22,4 mg/100 mL. Níveis entre 10 e 15 mg/100 mL foram considerados como uma depleção proteica visceral leve, ao passo que 5 a 10 mg/100 mL denotam uma depleção moderada, e menos de 5 mg/100 mL, uma depleção visceral grave. Não tem sentido nenhum a solicitação de alfafetoproteína para avaliação do estado nutricional de pacientes cirúrgicos. Esta proteína é marcadora tumoral do hepatocarcinoma clássico e dos tumores embrionários do testículo. Resposta c. 103. A solicitação de radiografia de tórax em PA e perfil de rotina para pacientes em pré-operatório não se mostrou significativa, levando em conta que anormalidades em radiografia de tórax entre pacientes idosos são relativamente comuns, enquanto na população jovem são raras. Além disso, a precisa relação entre achados da radiografia do tórax e morbidade perioperatória não é clara. O melhor resultado em relação aos tabagistas é suspender o cigarro pelo menos dois meses antes da cirurgia eletiva. Para este paciente a melhor avaliação pré-operatória é a espirometria. Pacientes portadores de hepatopatia crônica não cirrótica não trazem consigo maior risco cirúrgico, diferente dos pacientes com cirrose estabelecida. Para estes o sistema de pontuação Child-Pugh, que se encontra na resposta da questão 43. Este paciente diabético em uso de 35 UI de insulina NPH pode ter como recomendação pré-operatória a prescrição de 1/2 a 1/3 da dose total dividada de acordo com a proposta da opção D. Em relação à suplementação de corticoide, operações menores, como o reparo de uma hérnia sob anestesia local, podem não exigir esteroide adicional. Operações moderadas, como colecistectomia aberta ou revascularização das extremidades inferiores, requerem 50 a 75 mg/dia de equivalente de hidrocortisona por um ou dois dias. Operações maiores, como colectomia ou uma operação cardíaca, devem ser cobertas com 100 a 150 mg/dia de equivalente de hidrocortisona por dois a três dias. Resposta d. 104. De acordo com o escore ASA abaixo descrito este paciente entra na classificação ASA 2. ASA I: paciente saudável, sem outra afecção além daquela que motivou a operação (risco de óbito = 0,01%) ASA II: paciente com doença sistêmica leve (a moderada) sem limitação funcional (0,1%) ASA III: paciente com doença sistêmica grave, com limitação de função, porém não incapacitante (1%) ASA IV: paciente com doença incapacitante, com risco de morte constante (10%) ASA V: paciente moribundo, com risco de morte com ou sem operação NOTA: adiciona-se o pós-escrito E para cirurgias de emergência, o que determina o dobro da mortalidade para três primeiras categorias.

Resposta b. 105. A avaliação pré-operatória do funcionamento pulmonar pode ser necessária tanto para procedimentos de operações torácicas como gerais. Enquanto os procedimentos neurocirúrgicos, do andar inferior do abdome

e das extremidades têm pouco efeito no funcionamento pulmonar e rotineiramente não requerem estudos da função pulmonar, procedimentos torácicos e no andar superior do abdome podem diminuir o funcionamento pulmonar e predispor a complicações pulmonares. Com isso, é prudente considerar a avaliação do funcionamento pulmonar para todos os casos de ressecção dos pulmões, para os procedimentos torácicos que requerem ventilação de apenas um pulmão e para os casos de cirurgias abdominais e torácicos de maior porte em pacientes com idade superior a 60 anos que têm doenças de base preexistentes, fumam ou têm sintomatologia pulmonar evidente. Os testes necessários incluem o volume expiratório forçado no 1° segundo (VEF1), a capacidade vital forçada (CVF) e a capacidade de difusão do monóxido de carbono. Adultos com um VEF1, de menos de 0,8 L/s ou 30% do previsto têm um alto risco de complicações e de insuficiência pulmonar pós-operatória; soluções não cirúrgicas devem ser buscadas. A ressecção pulmonar deve ser planejada para que o VEF1 pós-operatório seja superior a 0,8 L/s ou 30% do previsto. Esse planejamento pode ser feito com o auxílio de mapeamento quantitativo pulmonar, que pode indicar quais os segmentos do pulmão são funcionais. Resposta c. 106. Embora o gabarito oficial tenha sido liberado como B (MELD), o correto é D. O paciente com cirrose pode ser avaliado utilizando-se a classificação de Child-Pugh, que estratifica o risco cirúrgico de acordo com níveis alterados de albumina e bilirrubina, TP prolongado e grau de ascite e encefalopatia (Tabela abaixo). Essa classificação foi inicialmente aplicada para prever a mortalidade em pacientes com cirrose submetidos a procedimentos de derivação porto-cava, embora também tenha mostrado correlacionamento com a mortalidade em pacientes cirróticos submetidos a um espectro maior de procedimentos. Dados gerados 20 anos atrás mostraram que pacientes com cirrose na classificação Child-Pugh A, B e C tinham índices de mortalidade de 10%, 31% e 76%, respectivamente, durante operações abdominais; esses valores foram validados recentemente. Apesar dos valores não representarem risco corrente para todos os tipos de operações abdominais, existe pouca dúvida de que a presença de cirrose confere risco adicional para operações abdominais e que esse risco é proporcional a gravidade da doença. Outros fatores que afetam o prognóstico nestes pacientes são a natureza emergencial de um procedimento, o TP prolongado maior que três segundos, a falta de correção com vitamina K e a presença de infecção. Dois problemas comuns que requerem avaliação cirúrgica nos pacientes cirróticos são hérnia (umbilical e inguinal) e colecistite. Uma hérnia umbilical na presença de ascite é um problema de tratamento difícil porque a ruptura espontânea associa-se a taxas maiores de mortalidade. O reparo eletivo é melhor após a redução da ascite a um mínimo no período pré-operatório, embora o procedimento ainda se associe a taxas de mortalidade tão altas como 14%. O reparo das hérnias inguinais na SJT Residência Médica


2 Pré-operatório presença de ascite implica menos risco em termos tanto de recidiva quanto de mortalidade. Muitas publicações recentes têm mostrado menores índices de complicações com procedimentos laparoscópicos realizados em pacientes com cirrose. Entre os melhores procedimentos descritos está a colecistectomia laparoscópica, realizada em pacientes com classificação Child-Pugh de A a C. Quando comparada a colecistectomia aberta, tem sido observada menor morbidade em termos de perda sanguínea e infecção da ferida. A subnutrição é comum em pacientes cirróticos e está associada diminuição da reserva hepática de glicogênio e da síntese hepática de proteínas. Os pacientes com doença avançada do fígado geralmente têm pouco apetite, ascite volumosa e dores abdominais. Deve ser dada uma atenção apropriada a suplementação enteral, assim como é feito com todos os pacientes com risco nutricional significativo. O MELD é um escore matemático definidor da prioridade de transplante hepático. Resposta d. 107. Esta é uma pergunta absolutamente comum, torna-se obrigatório estar atento ao tradicional sistema ASA (American Society Association), que divide os pacientes em cinco categorias baseadas na presença ou ausência de doenças sistêmicas leves a graves, fornecendo o risco anestésico (probabilidade estatística de óbito). Vale lembrar: ASA I: paciente saudável, sem outra afecção além daquela que motivou a operação (risco de óbito = 0,01%) ASA II: paciente com doença sistêmica leve (a moderada) sem limitação funcional (0,1%) ASA III: paciente com doença sistêmica grave, com limitação de função, porém não incapacitante (1%) ASA IV: paciente com doença incapacitante, com risco de morte constante (10%) ASA V: paciente moribundo, com risco de morte com ou sem operação NOTA: adiciona-se o pós-escrito E para cirurgias de emergência, o que determina o dobro da mortalidade para três primeiras categorias.

Diante do exposto, observamos que este paciente apresenta diabete não compensado apesar do tratamento com antidiabético oral, mas sem limitação de função e incapacitação. A HAS encontra-se sob controle clínico. Estes dados o colocam dentro da classificação ASA II. Gabarito oficial c; gabarito SJT b. 108. Sua apostila reforça estas informações tão relevantes na prática clínica. O lítio e antidepressivos tricíclicos podem ser continuados, portanto não há necessidade formal de descontinuá-los (opção A, errada!). Os hormônios tireoidianos devem ser continuados obrigatoriamente, sob pena de acarretar descompensação tireoidiana (opção B, correta!). O AAS é um antiagregante plaquetário e que portanto interfere de forma irreversível na função plaquetária, sendo assim deve ser suspenso no mínimo sete dias antes de uma cirurgia eletiva (opção C, correta!). SJT Residência Médica

As biguanidas e as sulfonilureias devem ser suspensas pelo menos 24 horas antes da cirurgia (alguns recomendam pelo menos 48 horas), e o controle glicêmico deve ser feito com insulina regular e/ou soro glicosado (durante o jejum). Opção D, correta. Resposta a. 109. Este paciente apresenta um escore de cinco pontos (idade > 40 anos, leva 1 ponto; neoplasia 2 pontos e cirurgia programada com tempo > 60 minutos leva 2 pontos, portanto escore de 5 pontos), sendo assim trata-se de um paciente de alto risco. Diante deste paciente a conduta recomendada consiste em prescrever heparina não fracionada 5.000 UI de 8/8 horas, via subcutânea, iniciada 2 horas antes da cirurgia e não 12 horas antes, além de medidas não farmacológicas, iniciadas 2 horas antes, enquanto persistir o risco. Os objetivos destas medidas são a chave para a redução da morbimortalidade no tromboembolismo venoso e sua relação custo-benefício já foi repetidamente demonstrada, sendo eficaz e segura, com poucos efeitos colaterais. A tromboprofilaxia tem como objetivo, nesse paciente, tanto a prevenção da trombose venosa profunda quanto do tromboembolismo pulmonar. O gabarito oficial foi dado como C, que claro é uma afirmação errada, mas também a opção D deixa a desejar, já que o início da heparina não fracionada se faz 2 horas antes do procedimento cirúrgico. Gabarito oficial c. 110. Estamos falando de avaliação pré-operatória e a classificação de Child-Pugh é o melhor escore de risco operatório para estes pacientes, pois existe relação direta com índices de mortalidade para procedimentos abdominais, de acordo com a mesma. Assim, a mortalidade é de 10%, 31% e 76% respectivamente para CP A, B e C. Vamos à pontuação deste paciente: ascite moderada a grave leva 3 pontos; ausência de encefalopatia leva 1 ponto; bilirrubina de 2,5 mg/dL leva 2 pontos; albumina de 3,8 g/dL recebe 1 ponto e tempo de protrombina prolongado em 5 segundos mais 2 pontos (para desfazer dúvidas veja página 31 da sua apostila). Pontuação total de 9 pontos. Este paciente encontra-se no escore CP B (7 a 9 pontos), taxa de mortalidade de 31%. Resposta d. 111. As recomendações pré-operatórias para o paciente com icterícia obstrutiva são essenciais e consistem em: hidratação adequada com o objetivo de evitar disfunção renal, profilaxia com antibiótico (cefazolina 1 a 2 g IV) e correção da coagulação com vitamina K, ou plasma fresco se não houver melhora com a reposição de vitamina K. Não há respaldo para a prescrição de heparina profilática (veja página 32 da sua apostila). Resposta d. 112. Há um câncer de cólon esquerdo que precisa ser tratado, é portanto a prioridade deste paciente do ponto de vista de conduta médica. Há uma situação clínica passada, TEP, que precisa da continuidade do warfarin por pelo menos seis meses. Diante desta situação não há dilemas e a conduta consiste em suspender o warfarin cinco dias antes da cirurgia programada, manter o

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Cirurgia geral | Gabarito comentado paciente em uso de heparina não fracionada IV ou heparina de baixo peso molecular por via SC. A heparina pode ser suspensa seis horas antes da cirurgia e retomada no pós-operatório, 12 horas após. Resposta d. 113. Antibioticoprofilaxia (utilizada na indução anestésica) em cirurgia está indicada para prevenção de infecção do sítio cirúrgico, em cirurgias limpas, quando a infecção do sítio cirúrgico no pós-operatório aumenta a morbidade, como nas neurocirurgias, cirurgias cardíacas, ortopédicas e vasculares (em que se utilizam prótese); e em cirurgias potencialmente contaminadas e contaminadas. Basicamente recomenda-se uma cefalosporina de primeira geração, como a cefazolina, para praticamente todos os procedimentos, com exceção das intervenções sobre o íleo terminal, o cólon e o reto, em que se recomenda uma cefalosporina de segunda geração com cobertura para Gram-negativos e anaeróbios, como a cefoxitina. Pois bem, em se tratando de procedimento na tireoide, e sendo esta uma cirurgia limpa, sem abertura do trato respiratório, não há indicação de profilaxia antibiótica. Guarde: em cirurgia limpa a indicação fica restrita a: (1) colocação de próteses, (2) operação na qual a infecção seria grave, (3) pacientes com risco aumentado de infecção. Esta paciente é jovem, ASA I e com IMC normal. Resposta a. 114. Recorrente e óbvia. A história clínica é o indicador mais fidedigno de distúrbio da coagulação. Se o paciente não tiver história de sangramento e o exame físico for normal, o coagulograma é desnecessário. Lembre, quando há distúrbio prévio de coagulação relacionado à defeito na hemostasia primária, os relatos de sangramento são principalmente em pele e mucosa (exemplos: doença de von Willebrand, PTI, plaquetopenias diversas), já naqueles com distúrbios na cascata de coagulação o sangramento é mais comum em cavidades, por exemplo, nos hemofílicos (A- deficiência de fator VIII, B-deficiência de fator IX) a história de sangramento é mais comum em cavidades articulares (hemartroses). Resposta c.

115. Biguanidas e sulfoniureias devem ser suspensas no dia anterior (ou 36 a 48 horas como recomendado por alguns serviços), mantendo-se o paciente em controle com haemoglucotest de 4/4 horas e uso de insulina regular suplementar, e se necessário SG a 5% 100 mL/h durante o jejum (opções A, B e C, erradas!). O uso de insulina de duração intermediária ou de longa duração, deve ser assim conduzida: 1/2 ou 2/3 da dose na manhã da cirurgia + SG 5% 100 mL/h desde a manhã da cirurgia até o término do período de nada por via oral (opção D, errada!). Preparações contendo insulina de ação rápida (regular) não devem ser utilizadas após estabelecido o período de jejum, já que podem desencadear episódios indesejáveis de hipoglicemia (opção E, correta!). O uso de insulina regular após estabelecido o jejum deve ser feita de acordo com a glicemia capilar evitando, assim, episódios indesejáveis de hipoglicemia. Resposta e. 116. Todos são fatores de risco para tromboembolismo venoso, EXCETO a utilização de tela de Marlex para correção de hérnias; este procedimento não tem absolutamente nada a ver com tal risco. No LES o risco está associado à presença de SAF (síndrome antifosfolípide); na síndrome nefrótica resulta principalmente da perda de antitrombina (anticoagulante endógeno); o uso de anticoncepcional é fator reconhecido de risco para trombose venosa, e as doenças intestinais inflamatórias são de risco por cursarem com redução dos níveis de proteína S e antitrombina, assim como aumento de fatores VIII, V e I. Resposta a. 117. Paciente com doença sistêmica grave, com limitação de função, porém não incapacitante é ASA III, já o paciente com doença incapacitante, com risco de morte constante é ASA IV; ASA V é o paciente moribundo, com risco de morte com ou sem operação. ASA I é o paciente saudável, sem outra afecção além daquele que motivou a operação e ASA II, paciente com doença sistêmica leve a moderada, sem limitação funcional. Resposta c. 118. São exames necessários no pré-operatório de pacientes sem comorbidades de acordo com a faixa etária, os abaixo relacionados:

Exames pré-operatórios para pacientes assintomáticos candidatos à cirurgia eletiva Anestesia geral Idade (anos) Anestesia regional Homens Mulheres < 40 Nenhum Teste de gravidez? Nenhum 40 – 50 ECG VG/Hb Nenhum 50 – 65 VG/Hb VG/Hb VG/Hb ECG ECG 65 – 75 VG/Hb VG/Hb VG/Hb ECG ECG ECG Creatinina Creatinina VG/Hb VG/Hb > 75 VG/Hb ECG ECG ECG Creatinina Creatinina Creatinina Glicemia Glicemia Glicemia Radiografia de tórax? Radiografia de tórax? ECG: Eletrocardiograma; VG: Volume globular; Hb: Hemoglobina

Não há gabarito correto. SJT Residência Médica


2 Pré-operatório 119. De acordo com as orientações expostas na tabela do comentário da questão 61, fica claro as recomendações quanto aos exames complementares necessários no pré-operatório, de acordo com a faixa etária e sexo do paciente. Anormalidade em radiografia de tórax entre pacientes idosos são relativamente comuns, enquanto na população jovem são raras. Além disso, a precisa relação entre achados da radiologia torácica e morbidade perioperatória não é clara, sendo assim a radiografia de tórax em pacientes tabagistas com o propósito de identificar achados radiológicos de DPOC, é uma indicação relativa que não se aplica baseada em estudos científicos. A avaliação apurada da função pulmonar é obtida com espirometria, principalmente nos pacientes que serão submetidos à ressecção pulmonar, mas tem valor questionável em cirurgia abdominal. O tabagismo aumenta o risco de complicações pulmonares em até quatro vezes em relação aos pacientes não fumantes. Obtém-se a redução do risco devido ao tabagismo solicitando-se ao paciente que pare de fumar pelo menos oito semanas antes da cirurgia. Resposta b. 120. Logo após lesão vascular, as plaquetas aderem aos tecidos conectivos subendoteliais expostos iniciando assim o processo de ativação das plaquetas. As microfibrilas subendoteliais ligam-se em multipolímeros maiores de vWF, que, por sua vez, se ligam ao complexo Ib da membrana da plaqueta. Sob influência de forças de clivagem, as plaquetas movimentam-se ao longo da superfície dos vasos até que a GPIa/IIa (integrina α2b2) reage com o colágeno e suspende a translocação. Depois da adesão, as plaquetas tornam-se mais esféricas e formam grandes pseudópodos que aumentam a interação entre as plaquetas adjacentes. A ativação da plaqueta então é feita pela glicoproteína IIb/IIa (integrina αIIbb3) que liga fibrinogênio para produzir a agregação das plaquetas. O complexo do receptor IIb-IIIa também é um sítio secundário de ligação com vWF, promovendo maior adesão. Além de potencializar a reação de agregação, o tromboxano A2 tem intensa atividade vasoconstritora. A reação de liberação é inibida por substâncias que aumentam o nível de cAMP nas plaquetas. Uma dessas substâncias é a prostaglandina prostaciclina (PGI2), sintetizada pelas células endoteliais vasculares. Trata-se de um inibidor potente da agregação de plaquetas e evita sua deposição no endotélio vascular normal. A vitamina K é cofator para as proteínas de cascata de coagulação, fatores II, VII, IX e X, não tendo papel na adesão plaquetária. A primeira etapa da hemostasia é a formação de coágulo branco (coágulo plaquetário). Resposta a. 121. Todas são indicações de transfusão de plaquetas exceto PTI. Esta condição tem como base fisiopatológica anticorpos (geralmente da classe IgG) contra plaquetas que sensibilizam estas e na passagem pela circulação esplênica são ali destruídas. Transfusões sem indicação precisa nesta população servirá como estímulo para perpetuação da destruição plaquetária. Só se recomenda transfundir plaquetas em PTI naqueles pacientes com risco real de sangramento e após início do tratamento com corticoide e/ou imunoglobina. Resposta c. 122. Deficiências de anticoagulantes endógenos (proteína C, proteína S, antitrombina III) são reconhecidamenSJT Residência Médica

te responsáveis por síndromes trombóticas hereditárias e também adquiridas (exemplo: pacientes portadores de síndrome nefrótica são predispostos a fenômenos tromboembólicos, resultante da perda de antitrombina III pela urina). Síndrome antifosfolípide é uma causa comum de síndrome tromboembólica (tanto em veias como em artérias), mas que não tem história familiar, sendo uma condição autoimune sem herança familiar. O fator X não faz parte das causas comuns de síndromes tromboembólicas, tendo implicação com síndromes hemorrágicas quando de sua deficiência. Vale lembrar que o fator X é o fator que liga as vias intrínseca e extrínseca à via comum da cascata de coagulação. Resposta a. 123. Paciente hígido, sem comorbidades, aos 52 anos de idade em avaliação pré-operatória, bastaria que fosse solicitado o ECG, mas a instituição preferiu pedir hemograma completo, creatinina e ureia. O exame clínico deste paciente já exclui a necessidade do hemograma; não há HAS, não há DM, portanto, função renal também torna-se desnecessário. Não há uma melhor opção, já que nenhuma delas incluiu ECG. Gabarito oficial d. 124. O principal objetivo da avaliação pré-operatória é reduzir a morbidade e a mortalidade perioperatórias. Pacientes saudáveis com menos de 40 anos submetidos a procedimentos eletivos geralmente não necessitam de nenhum exame pré-operatório. Exames laboratoriais são realizados com a intenção de se obter mais informações sobre o paciente e determinar sua condição clínica. Vários estudos concluíram que as condições clínicas prévias estão correlacionadas ao risco de complicações peri e pós-operatórias e que os exames de triagem detectam anormalidades que não são clinicamente importantes. O manejo desses pacientes é usualmente inalterado, pois as normalidades que são clinicamente importantes, em geral, podem ser detectadas por história e exame físico completos. Exames laboratoriais e de imagem devem ser criteriosamente selecionados para populações específicas que apresentem comorbidades e/ou fatores de risco cirúrgico relevantes. Resposta c. 125. Tabela extraída da sua apostila de Cirurgia. O cálculo que estima o gasto energético basal não inclui a atividade metabólica. Fórmula de Harris-Benedict para estimar o gasto energético basal H = GEB = 66,47 + (13,75 × P) + (5,0 × A) - (6,76 × I) M = GEB = 665,1 + (9,56 × P) + (1,85 × A) - (4,68 × I) Em que: GEB = gasto energético basal H = homem M = mulher P = peso (kg); A = altura (cm) I = idade (anos) Gasto energético total (GET) GET = GEB × FE (MPH) FE = de 1,2 a 1,5 Em que: FE = fator estresse MPH = média para pacientes hospitalizados

Resposta e.

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Cirurgia geral | Gabarito comentado 126. O ácido denominado acetilsalicílico (AAS) deve ser suspenso sete dias antes da cirurgia, período no qual a função plaquetária é inadequada. Pacientes com icterícia obstrutiva são discrásicos já que não absorvem vitamina K, depletando dessa forma a ação dos fatores vitamina K dependente: II, VII, IX e X. Portanto, a prescrição de vitamina K é obrigatória. O antídoto dos cumarímicos é a vitamina K, mas em situações de urgência o melhor resultado é o plasma fresco congelado. Na cirrose há um defeito de síntese permanente em decorrência da insuficiência hepática, portanto sem resposta à vitamina K.

A principal causa de sangramento nos pacientes politransfundidos (quero entender que seja transfusão maciça) é a plaquetopenia dilucional. Resposta c. 127. Na avaliação bioquímica utilizada para estratificar o estado nutricional do paciente, utiliza-se proteínas plasmáticas do porte da albumina, transferrina e pré-albumina. A albumina possui uma vida média de 21 dias, a transferrina de 8-10 dias, e a pré-albumina de 2 dias, com uma reserva corporal pequena, portanto níveis entre 10 a 15 mg/dL foram considerados como uma depleção proteica visceral leve, ao passo que 5 a 10 mg/dL denotam uma depleção moderada, e menos de 5 mg/dL, uma depleção visceral grave.

Grau de desnutrição de acordo com a albumina e transferrina sérica Estado nutricional

Albumina (g/dL)

Transferrina (g/dL)

Normal

3,5 a 5

200 a 400

DPE leve

2,8 a 3,4

150 a 199

DPE moderada

2,1 a 2,7

100 a 149

DPE grave

< 2,1

< 100

Guarde esta tabela, ela será útil. Boa sorte! Resposta d. 128. Mais uma questão tradicional e que diz respeito a risco cirúrgico, utilizando o sistema ASA. Temos uma paciente com indicação de cirurgia eletiva, portadora de comorbidades compensadas, portanto ASA 2. Os riscos envolvidos durante a realização de procedimentos cirúrgicos dependem de fatores próprios do paciente e do tipo de procedimento cirúrgico a que será submetido. Os preditores importantes da mortalidade e morbidade pós-operatória incluem idade do paciente, estado físico, como o definido pela ASA (Quadro abaixo), porte (maior ou menor) e natureza da cirurgia (emergência ou eletiva). Estado físico Classificação da American Society of Anesthesiology ASA

Caracterização

I

Saúde normal

II

Doença sistêmica leve. Ex.: HAS; DM compensado

III

Doença sistêmica grave, não incapacitante

IV

Doença sistêmica grave, incapacitante, com ameaça grave à vida

V

Paciente moribundo, com expectativa de sobrevida mínima, independente da cirurgia

VI

Doador de órgãos (cadáver)

Cirurgia de emergência acrescenta-se a letra “E” após cada classificação do estado físico.

Resposta b. 129. A avaliação do estado nutricional deve ser complementada através de exames laboratoriais de rotina em pacientes cirúrgicos. Os níveis de proteínas séricas e a contagem linfocitária no sangue periférico têm-se mostrado específicos e sensíveis para prever complicações pós-operatórias, taxas de permanência hospitalar e mortalidade em pacientes cirúrgicos. A albumina é uma das proteínas mais extensivamente estudadas e de uso rotineiro na prática cirúrgica. O longo período de meia-vida da albumina (em média 21 dias), assim como a grande reserva corporal (4 a 5 g/ kg) têm sido responsabilizados pela sua má correlação

com processos agudos que levam à desnutrição. Entretanto, a facilidade do seu uso, o baixo custo e a sua correlação com a perda de peso e com a mortalidade fazem da albumina um grande aliado na avaliação e na evolução dos pacientes na prática clínica. A transferrina sérica é uma betaglobulina que transporta o ferro no plasma. É sintetizada no fígado, com concentrações séricas normais oscilando de 250 a 300 mg/ 100 mL, e uma reserva plasmática média de 5,29 g. A meia-vida da transferrina varia de 8 a 10 dias, com uma média de 8,8 dias. Por causa da menor reserva corporal e da vida média mais curta, admite-se que a transferrina refleSJT Residência Médica


2 Pré-operatório te com maior exatidão as alterações agudas corridas no estado da proteína visceral, entretanto, sua taxa pode ser influenciada pela carência de ferro. A pré-albumina desempenha um grande papel no transporte da tiroxina e é carreadora para a proteína fixadora do retinol. A meia-vida sérica foi calculada como sendo de apenas dois dias e sua reserva corporal é pequena. Qualquer demanda brusca de síntese proteica, como na infecção aguda ou no traumatismo, deprime rapidamente a pré-albumina sérica, devendo-se realizar uma interpretação cuidadosa dos dados obtidos antes de se poder inferir a existência de uma depleção nutricional. As concentrações séricas normais variam entre 15,7 a 29,6

mg/100 mL, com uma média de 22,4 mg /100 mL. Níveis entre 10 a 15 mg/100 mL foram considerados como uma depleção proteica visceral leve, ao passo que 5 a10 mg/100 mL denotam uma depleção moderada, e menos de 5 mg /100 mL, uma depleção visceral grave. Além destas proteínas, lembramos a você da proteína carregadora do retinol (valor normal de 2,7 a 7,6 g/dL) que possui vida média de 10 horas, mas que depende dos níveis plasmáticos de vitamina A. Resposta a. 130. Esta é uma pergunta clássica e simples, fique atento(a). Esta paciente tem uma condição cirúrgica e é portadora de HAS controlada, portanto ASA II.

Fatores de risco anestésico - classificação ASA Classe

Descrição

Mortalidade (%)

I

Paciente normal sem patologia

0,06-0,08

II

Paciente com doença sistêmica leve (anemia, HAS leve, obesidade)

0,27-0,40

III

Paciente com doença sistêmica que limita atividade (angina estável, IAM prévio, insuficiência pulmonar moderada, diabete severo, obesidade mórbida)

1,8-4,3

IV

Paciente com doença sistêmica que representa ameaça constante de vida (angina estável, estágios avançados de doença hepática, renal, pulmonar ou endócrina)

7,8-23

V

Paciente moribundo cuja expectativa de vida é menor que 24 horas sem cirurgia (TCE com rápido aumento de PIC, rotura de aneurisma de aorta com instabilidade hemodinâmica, embolia pulmonar maciça)

9,4-51

VI

Paciente com morte cerebral, órgãos sendo removidos para doação

E

Sufixo colocado após a classificação para designar emergência

ASA: American Society Association.

Resposta b. 131. Define-se como transfusão maciça a reposição de, pelo menos, uma volemia em um intervalo de até 24 horas ou mais de 10 U de sangue em poucas horas. Um paciente que preenche essas necessidades está sujeito a risco de sangramento, uma vez que em sangue estocado não há plaquetas funcionantes (além da transfusão provocar hemodiluição), e os fatores mais lábeis da coagulação (fatores V e VIII) estão ausentes ou pouco funcionantes. Resposta a. 132. A pergunta torna-se confusa ao pedir o parâmetro que não tem importância na avaliação nutricional, e libera como gabarito oficial a opção “E”, que diz respeito ao peso. É claro que todos os parâmetros relacionados nas opções têm importância, inclusive a avaliação do peso atual do paciente, pois através deste podemos avaliar o porcentual de perda de peso e dessa forma o diagnóstico da desnutrição. Logo, esta questão é inapropriada para o fim ao qual se destina, uma vez que todas as opções tem importância para a avaliação nutricional do paciente cirúrgico. Gabarito oficial e. 133. O concentrado de plasma fresco congelado é obtido por meio de centrifugação a partir de uma bolsa de san­gue total, congelada a temperaturas inferiores a -18ºC, no prazo máximo de oito horas após a coleta do sangue total. Poderá também ser coletado por SJT Residência Médica

processadores au­tomáticos (aférese), e neste caso o congelamento da uni­dade deverá ser necessariamente anterior a seis horas da coleta. Cada unidade do hemocomponente contém em média 200 a 250 mL de volume e o armazenamento po­derá se estender até um ano na temperatura de -18ºC. O plasma fresco congelado é indicado para pacientes com processos hemorrágicos por deficiências múltiplas de fatores de coagulação, secundárias a disfunção hepáti­ca, anticoagulação oral (medicamentos antagonistas da vitamina K), coagulação intravascular disseminada, coa­gulopatias dilucionais, pacientes com deficiências de an­titrombina, proteína C e S, púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítica urêmica e pacientes submetidos à assistência circulatória mecânica (circula­ção extracorpórea, bomba centrífuga, dispositivo de assis­tência ventricular, balão intra-aórtico e coração artificial). Para sua administração deverá ser descongelado em equipamento especial ou banho-maria em temperatu­ras entre 30ºC e 37ºC e infundido por meio de filtros apropriados. O concentrado está formalmente contraindicado como expansor volumétrico. A dose é muito variável, dependendo da situação clinicocirúrgica do paciente, e normalmente usa-se o parâmetro de 10 a 20 mL/kg, com infusão realizada no máximo em quatro horas. Resposta e.

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Cirurgia geral | Gabarito comentado 134. De acordo com as informações abaixo, e do que foi exposto em aula, fica claro que o risco cirúrgico desta paciente é ASA III (veja tabela comentário questão 73). Todas as demais informações são pertinentes para a situação clínica descrita. É reconhecido que pacientes vítimas de IAM prévio (menos de 3 meses) apresentam risco aumentado de pelo menos 37% de novo infarto se submetidos a cirurgia nesse período, sendo a taxa de mortalidade em torno de 40%, recomendando-se adiar o procedimento eletivo. Resposta a. 135. Este paciente se enquadra no grupo de alto risco: 1- Clínica Cirúrgica ou urológica em pacientes com mais de 40 anos e história pregressa de trombose venosa, embolia pulmonar ou com fatores de risco adcionais 2- pacientes submetidos a cirurgias extensas para doença maligna pélvica ou abdominal 3- cirurgias denominadas ortopédicas de gande porte (quadril, joelho e coluna vertebral) 4- traumatismo múltiplo com fraturas de pélvis, quadril ou membros inferiores. Sendo assim, a profilaxia recomendada se faz com 5.000 UI de HNF por via subcutânea de 8/8 horas, iniciando-se 2 horas antes da cirurgia., mantendo-se as administrações enquanto perdurar o risco de TVP (sete a dez dias). A prevenção é a chave para a redução da morbimortalidade no tromboembolismo venoso e está justificada em virtude de sua eficácia e segurança, com poucos efeitos colaterais. Resposta b. 136. A perda não intencional de 10% ou mais de peso corporal usual nos últimos 6 meses significa déficit nutricional importante e tem correlação com pior prognóstico. A albuminemia sérica < 2,8 g/dL tem sido considerada grave e com repercussão sobre a evolução pós-operatória, particularmente em doentes com câncer. Em relação ao tempo de início da intervenção nutricional, aceita-se para doentes previamente nutridos, um período de 5 a 7 dias de jejum parcial (oferecendo 150 g de glicose/ dia) antes do início pleno de terapia nutricional. Esse tempo poderá se encurtar na dependência da gravidade do estresse metabólico e das pobres perspectivas de realimentação oral precoce. Para doentes desnutridos, o tempo é menor, de 3 a 5 dias. Ingestão oral inferior a 50-60% das necessidades energéticas totais exigem suporte nutricional. Resposta c.

137. Púrpura trombocitopênica trombótica é uma condição clínica caracterizada por plaquetopenia de consumo (agregação desenfreada de plaquetas na microcirculação), anemia hemolítica (trauma das hemácias na microcirculação), febre (resposta inflamatória endotelial), insuficiência renal (dano vascular isquêmico) e disfunção neurológica central (dano vascular isquêmico). O tratamento para esta situação clínica consiste em plasmaferese e plasma fresco. A transfusão de plaquetas é contraindicada já que pode perpetuar a agregação desenfreada mantendo o ciclo fisiopatológico da doença. Por outro lado, PTI é também uma condição para a qual a transfusão de plaquetas deve ser reservada somente para os pacientes com risco hemorrágico, ou seja, plaquetas abaixo de 10.000 mm3. O tratamento da PTI é principalmente corticoide em dose imunossupressora e/ou esplenectomia. Resposta b. 138. As principais funções das plaquetas são a sua adesão à parede do vaso sanguíneo lesado, sua agregação para formação do tampão plaquetário e a promoção de agre­gados de fibrina para a formação do coágulo de fibrina. A adesão plaquetária é primariamente mediada pela molécula do fator de von Willebrand, que liga um receptor específico de membrana plaquetária (GP Ib-­IX) aos componentes de ligação endoteliais expostos. A agregação plaquetária, que é a união plaqueta-plaqueta, é realizada pelo fibrinogênio e/ou FvW, que se ligam aos receptores de membrana plaquetária GP IIb-IIIa. As plaquetas circulam em estado de repouso e, ape­ sar da presença dos receptores de membrana plaquetá­ ria GP Ib-IX e GP IIb-IIIa, necessitam ser ativadas para se ligarem aos fatores plasmáticos von Willebrand e fibrinogênio. Esses agonistas também estimulam as mudanças das formas plaquetárias, que por sua vez secretam o conteúdo de seus grânulos (betatromboglobulina, fator 4-plaquetário, trombospondina) e agregados. A trom­ bospondina secretada liga-se a um receptor na mem­ brana plaquetária, tal qual o fibrinogênio, estabilizando os agregados plaquetários. A aspirina é um potente antiagregante plaquetário que inibe a agregação plaquetária mediante bloqueio da formação do tromboxane A2. Pacientes em uso desta droga devem suspendê-la por pelo menos 7 dias antes da cirurgia eletiva.

Cuidados com uso de medicamentos Antiplaquetários AAS

Suspender 7-10 dias antes da cirurgia eletiva

Ticlopidina

Suspender 4-5 dias antes da cirurgia eletiva

Clopidogrel

Suspender 3-5 dias antes da cirurgia eletiva

Em caso de síndrome coronariana aguda ou acidente vascular cerebral recente esses medicamentos devem ser mantidos sempre que possível. A vitamina K reverte os efeitos dos cumarínicos. A obtenção da contagem de plaquetas naqueles em uso de AAS costuma ser normal, obviamente porque a droga não é causa de plaquetopenia e sim de alteração da função plaquetária. Resposta d. SJT Residência Médica


2 Pré-operatório 139. Quanto ao risco de tromboembolismo venoso em cirurgia, guarde o conteúdo da tabela abaixo (ATENÇÃO!): Classificação do risco para trombose venosa profunda pós-cirurgia ou trauma e conduta recomendada Risco

Definição

Conduta recomendada

Baixo

Cirurgias não complicadas em pacientes com me-

Deambulação precoce Profilaxia medicamentosa não recomendada

nos de 40 anos e sem fatores de risco adicionais Cirurgias com duração menor que 30 minutos em

pacientes com mais de 40 anos sem fatores de risco adicionais Cirurgias de médio e grande porte com duração Cirurgias abdominais, torácicas e ginecológicas

Moderado

maior que 30 minutos em pacientes com mais de Profilaxia medicamentosa com HNF em baixas doses subcutâneas ou HBPM subcutânea. Iniciar 2 horas an40 anos Cirurgias em pacientes com menos de 40 anos em tes do procedimento cirúrgico, seguindo-se aplicação uso de anticoncepcionais orais ou terapia de repo- diária enquanto permanecer o risco (7 a 10 dias). Compressão pneumática intermitente, meias elásticas de sição hormonal compressão graduada, usadas separadamente ou em Pacientes com mais de 35 anos submetidas a associação como recomendação alternativa. Deve ser parto cesariano de emergência observado que, em alguns países, as HBPM ainda não estão aprovadas para uso durante a gestação. Neurocirurgia Compressão pneumática intermitente até o paciente estar em condição de deambulação. Meias elásticas podem ser usadas em associação. Profilaxia medicamentosa com HNF em baixas doses mais de 40 anos e história pregressa de trombo- subcutâneas, ou HBPM subcutâneas. Iniciar 2 horas se venosa, embolia pulmonar ou com fatores de antes da cirurgia, seguindo-se aplicações diárias enquanto durar o risco (7 a 10 dias). Compressão pneurisco adicionais Pacientes submetidos a cirurgias extensas para mática intermitente de MMII; meias elásticas de compressão graduada, combinadas com as medidas doença maligna pélvica ou abdominal farmacológicas, podem ser utilizadas. Cirurgias ortopédicas de grande porte (quadril, joelho e coluna vertebral) Cirurgias geral ou urológica em pacientes com

Alto

Traumatismo múltiplo com fraturas de pélvis, qua-

dril ou membros inferiores

Resposta d.

140. Guarde esta classificação! Fatores de risco anestésico - classificação ASA Classe

Descrição

Mortalidade (%)

I

Paciente normal sem patologia

0,06-0,08

II

Paciente com doença sistêmica leve (anemia, HAS leve, obesidade)

0,27-0,40

III

Paciente com doença sistêmica que limita atividade (angina estável, IAM prévio, insuficiência pulmonar moderada, diabete severo, obesidade mórbida)

1,8-4,3

IV

Paciente com doença sistêmica que representa ameaça constante de vida (angina estável, estágios avançados de doença hepática, renal, pulmonar ou endócrina)

7,8-23

V

Paciente moribundo cuja expectativa de vida é menor que 24 horas sem cirurgia (TCE com rápido aumento de PIC, rotura de aneurisma de aorta com instabilidade hemodinâmica, embolia pulmonar maciça)

9,4-51

VI

Paciente com morte cerebral, órgãos sendo removidos para doação

E

Sufixo colocado após a classificação para designar emergência

Resposta d.

SJT Residência Médica

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Cirurgia geral | Gabarito comentado 141. Este paciente encontra-se no grupo de alto risco: Classificação do risco para trombose venosa profunda pós-cirurgia ou trauma e conduta recomendada Risco

Definição

Conduta recomendada

Cirurgias geral ou urológica em pacientes com mais Profilaxia medicamentosa com HNF (2 horas antes) em

Alto

de 40 anos e história pregressa de trombose venosa, embolia pulmonar ou com fatores de risco adicionais Pacientes submetidos a cirurgias extensas para doença maligna pélvica ou abdominal Cirurgias ortopédicas de grande porte (quadril, joelho e coluna vertebral) Traumatismo múltiplo com fraturas de pélvis, quadril ou membros inferiores

baixas doses subcutâneas, ou HBPM (12 horas antes) subcutâneas, seguindo-se aplicações diárias enquanto durar o risco (7 a 10 dias). Compressão pneumática intermitente de MMII; meias elásticas de compressão graduada, combinadas com as medidas farmacológicas, podem ser utilizadas

Resposta d. 142. As recomendações para pacientes de baixo risco são: Classificação do risco para trombose venosa profunda pós-cirurgia ou trauma e conduta recomendada Definição

Risco

Conduta recomendada

Cirurgias não complicadas em pacientes com menos de 40 anos

Baixo

e sem fatores de risco adicionais

Deambulação precoce

Cirurgias com duração menor que 30 minutos em pacientes com Profilaxia medicamentosa não recomendada

mais de 40 anos sem fatores de risco adicionais

Resposta b. 143. Na avaliação do estado nutricional é fundamental levarmos em consideração uma série de fatores, que incluem medidas antropométricas (prega cutânea tricipital, circunferência do braço, índice de massa corpórea), além de parâmetros laboratoriais, que incluem os valores normais a seguir: índice de linfócitos > 1.500, albumina sérica > 3,5 g/dL, transferrina sérica > 250 mg/dL, entre outros. A excreção urinária de nitrogênio sob a forma de nitrogênio ureico é utilizada para avaliar a perda proteica muscular. O balanço nitrogenado consiste no cálculo da diferença entre o nitrogênio ingerido e aquele excretado. O nitrogênio ingerido é obtido dividindo-se por 6,25 o grama de proteína ingerida. O nitrogênio excretado é obtido através da somatória das perdas do nitrogênio urinário, nitrogênio das fezes e de outras perdas como a pele. O estudo mais recente que temos sobre graus de depleção proteica é de Lifshitz et al., que classifica desnutrição conforme os valores de albumina descritos abaixo: Desnutrição leve – albumina sérica entre 2,8-3,4 g/dL.

Desnutrição moderada 2,1-2,7 g/dL.

Desnutrição grave < 2,1 g/dL. Resposta d.

144. A maioria dos distúrbios da coagulação capazes de ocasionar uma síndrome hemorrágica ou trombolítica pode ser identificada pela anamnese e pelo exame físico, e ter diagnóstico confirmado de forma precisa por meio de exames complementares. Portanto, a história clínica é de fundamental importância na avaliação pré-operatória do risco hemorrágico, uma vez que os

exames laboratoriais podem, quando utilizados isoladamente, subestimar ou superestimar esse tipo de risco. Resposta b. 145. Estamos diante de uma situação clínica que não pode esperar, uma vez diagnosticada, é mandatório que se institua o tratamento, ou seja heparinização plena com valores de TTPa de no mínimo uma vez e meia o valor controle nas primeiras 24 horas para evitar uma inaceitável taxa de recorrência de trombose. O tratamento com heparina não fracionada deverá ser mantido por pelo menos cinco dias (cinco a dez dias) e descontinuado quando o anticoagulante oral atingir valores terapêuticos (INR entre 2 e 3 pelo menos dois dias seguidos). Neste caso não tem sentido prescrever o anticoagulante oral, se há a patologia cirúrgica que precisa ser tratada o mais breve possível, portanto, passado o período agudo de tratamento, retoma-se a indicação cirúrgica da doença subjacente, sendo assim, podemos suspender o uso da heparina 6-12 horas antes da cirurgia, ou reverte-se o efeito da heparina com sulfato de protamina (1 mL de protamina neutraliza 1.000 UI de heparina), mantendo heparinização subcutânea no pós-operatório. Resposta c. 146. A síndrome de realimentação ocorre quando pacientes desnutridos e graves são realimentados abruptamente ou recebem rapidamente todas as suas necessidades nutricionais. É caracterizada por depleção de eletrólitos, retenção de líquidos (edema) e hiperglicemia. Ocorre troca rápida dos eletrólitos do meio extracelular para o intracelular dos íons potássio, magnésio e fósforo. Estes eletrólitos devem ser dosados SJT Residência Médica


2 Pré-operatório diariamente nos primeiros sete a dez dias, e ajustados sempre que necessário, pois normalmente estão reduzidos em seus valores séricos (hipopotassemia, hipofosfatemia e hipomagnesemia), da mesma forma que o controle da glicemia deve ser feito a cada 6 horas. No que diz respeito aos sintomas destacamos, letargia, fadiga, fraqueza muscular, edema, arritmias cardíacas (depleção do músculo cardíaco), diarreia, falência respiratória e hemólise. Deve-se ofertar entre 30 a 50% das calorias calculadas aos pacientes durante os primeiros três a cinco dias de dieta. Inicia-se com 10 a 20 kcal/kg/dia, sendo 100 g de carboidratos e 1,5 g de proteínas kg/dia. A cada 24 a 48 horas aumenta-se 200 calorias até atingir as necessidades nutricionais de 30 kcal/kg. Resposta b. 147. A heparina de alto peso molecular é um anticoagulante sistêmico, que tem seus efeitos revertidos com protamina; já os anticoagulantes orais, como por exemplo warfarim, têm como antídoto a vitamina K, sendo necessária suspensão de ambas para procedimentos cirúrgicos eletivos. Nunca devemos esquecer que os anticoagulantes orais devem ser suspensos 3-5 dias antes da cirurgia; já a heparina deve ser suspensa 6 horas antes da cirurgia. Em situações de emergência, não se reverte anticoagulação para procedimentos cirúrgicos, usa-se infusão de fatores de coagulação, no caso, plasma fresco. As plaquetas são bloqueadas com uso de AAS, portanto, somente há indicação de transfusão de plaquetas nesta situação caso não seja possível esperar sete dias após a suspensão do AAS. Resposta d. 148. Considera-se operação de alto risco cardiológico (para cirurgias não cardíacas): grande operação de emergência, operação aórtica ou outras operações vasculares com grande perda sanguínea; – operações de risco intermediário – operação na carótida, cabeça e pescoço, intraperitoneal, intratorácica, ortopédica ou próstata; – operações de baixo risco – todas as outras. Resposta a. 149. Índice de massa corpórea ou índice de Quetelet é calculado pela fórmula: peso (kg)/ estatura (m²). Classificação do estado nutricional segundo o IMC IMC

Diagnóstico

18,5 a 24,9

Peso adequado

17 a 18,4

Desnutrição leve ou grau I

16 a 16,9

Desnutrição moderada ou grau II

< 16

Desnutrição severa ou grau III

25 a 29,9

Obesidade de risco leve ou grau I

30 a 34,9

Obesidade de risco moderado ou grau II

35 a 39,9

Hiperplasia adiposa ou grau III

> 40

Obesidade mórbida ou grau IV

Resposta a. SJT Residência Médica

150. A hiperglicemia, especialmente acima de 200 mg/ dL, pode comprometer o processo de cicatrização da ferida operatória, além de aumentar o risco de infecção pós-operatória. Em modelo animal, foi de­monstrado que a hiperglicemia provoca diminuição da concentração de colágeno na ferida cirúrgica e formação de cicatriz mais frágil nos animais torna­dos diabéticos, e que essas alterações são reversíveis pelo controle glicêmico com insulina. Em estudo in vitro, foi descrito que os polimorfonuclea­res de pacientes diabéticos apresentam diminuição das suas capacidades quimiotática, fagocitária e bactericida e que essas anormalidades são reversíveis com o controle glicêmico. Em estudo prospectivo de cirurgias limpas, observou-se que enquanto a taxa total de infecção pós-operatória foi de 1,8%, nos pacientes diabéticos esse índice foi de 10,7%. Outros estudos demonstraram aumento da sobrevida em pacientes diabéticos, internados em unidade de terapia intensiva, com rígido controle glicêmico, em relação ao grupo controle. Foi demonstrada direta correlação entre a incidência de infecção e a glicemia média dos pacientes. Em pacientes submetidos à cirurgia coronariana e mantidos com glicemia menor que 130 mg/dL, a taxa de mediastinite caiu de 1,6 para 0%. O controle glicêmico restrito também reduz o risco de evolução para sepse e insuficiência renal aguda. Outras consequências indesejáveis da hiperglice­mia são a glicosúria, a depleção de volume devido à diurese osmótica e a exacerbação de lesão isquêmica cerebral que podem ser minimizadas pelo controle glicêmico adequado. Sendo assim, o controle perioperatório restrito da glicemia no paciente diabético é um objetivo desejável para prevenir complicações. Atualmente a recomendação do alvo glicêmico transoperatório e pós-operatório imediato é de 120 a 180 mg/dL. Resposta c. 151. A aspirina inibe irreversivelmente a atividade da cicloxigenase nas plaquetas, consequentemente, a plaqueta não consegue prodzir tromboxano A2, a prostaglandina específica da plaqueta que induz agregação plaquetária, sendo assim deve ser suspensa sete dias antes da cirurgia, período que corresponde à vida média das plaquetas. Resposta d. 152. É claro que o método mais fisiológico de nutrição é a dieta por via oral, que pode ou não ser enriquecida com suplementos orais com dieta normal modificada. Inúmeros trabalhos demonstram que a nutrição enteral precoce diminui o risco de complicações infecciosas, uma vez que no intestino desfuncionalizado (como por exemplo em uso de NPT), há redução da produção de enzimas digestivas, de reatividade linfocitária intestinal e de IgA secetória, aspectos que facilitam a translocação bacteriana, e maior risco de infecção. No período pré-operatório, a oferta de proteína é estimada em torno de 1,0 a 1,2 g/kg/dia e após trauma ou intervenção cirúrgica até 2,0 g/kg/dia. Em média é oferecido 1,5 g/kg/dia, desde que haja bom funcionamento renal e hepático. Não há restrição para a indicação de NPT aos pacientes portadores de tumores malignos do TGI; a indicação de NPT é definida quando o paciente não pode ser alimentado por via oral ou enteral, ou quando o aporte de nutrientes pelo tubo digestivo é insuficiente. Resposta c.

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Cirurgia geral | Gabarito comentado 153. O concentrado de hemácias é o componente de escolha para restaurar e manter a capacidade de transporte de O2. Sabe-se que os níveis de hemoglobina e/ou hematócrito não devem ser utilizados como critério básico para indicação de reposição. Sintomas e sinais de hipóxia e de déficit cardiocirculatório são os elementos primordiais na decisão de se transfundir ou não um paciente cronicamente anêmico. Sabe-se que os pacientes em geral toleram bem níveis de hemoglobina próximos de 6 g%, e está demonstrado que estes mesmos indivíduos suportam bem uma intervenção cirúrgica com hemoglobina de 8 g% (hematócrito de 25%). Há uma regra geral de que para o paciente ser levado a um procedimento cirúrgico, este deve ter uma dosagem mínima de hemoglobina de 10 g%, apesar de não se justificar esta conduta de longa data instituída. Como já assinalado, tal conduta não se aplica a idosos, debilitados, portadores de patologia cardiocirculatória e lactentes. Resposta b. 154. Para efeitos gerais, 10 g/dL é o limite mínimo para procedimentos cirúrgicos mas, como discutido em questão anterior, os pacientes podem suportar adequadamente um procedimento com hemoglobina de 8 g%. Resposta b. 155. A classificação da ASA refere-se ao risco cirúrgico dos pacientes, segundo se segue, e baseia-se em parâmetros clínicos. ASA – American Society of Anesthesiologists – Classe I: Normal saudável; – Classe II: Com doença sistêmica leve; – Classe III: Com doença sistêmica grave; – Classe IV: Com doença sistêmica grave/ameaça constante à vida; – Classe V: Moribundo/ difícil sobrevivência por 24 horas com ou sem operação. O risco de Goldman refere-se à aptidão cardíaca dos pacientes para cirurgias não cardíacas. Divide-se em quatro classes: Classes funcionais: – Classe I (risco muito baixo) 0-5 – Classe II (risco baixo) 6-12 – Classe III (risco muito alto) 13-25 – Classe IV (risco excessivo) > 25 Classe I – A probabilidade de nenhuma ou pouca complicação é de 99%, os riscos potenciais à vida são de 0,7% e de 0,2% para morte cardíaca. Em geral, os pacientes são liberados para o ato cirúrgico. Classe II – A probabilidade de nenhuma ou pouca complicação é de 93%, os riscos potenciais à vida são de 5% e de 2% para morte cardíaca. Geralmente, os pacientes são liberados para o ato cirúrgico. Classe III – A possibilidade de ter nenhuma ou pouca complicação é de 86%, os riscos potenciais à vida são de 11% e de 2% para morte cirúrgica, aumentando significativamente a probabilidade de complicações cardíacas (em torno de 4%). Atentar para eventual arritmia no ECG (5 contrações ventriculares/minuto contribuem com 7 pontos para a classificação de risco). Repetir o ECG após controle da arritmia. Se possível, obtenha melhor função renal, se previamente afetada. Compense melhor o paciente se tiver urgência venosa (estase jugular) ou arritmia. Reclassifique após melhora clínica

e eletrocardiográfica. Nesta classe, é sugerida a monitorização cardiológica e eletrocardiográfica do paciente na cirurgia. Classe IV – A probabilidade de nenhuma ou pouca complicação é de 22%, os riscos potenciais à vida de 22% e o risco de morte cardíaca de 56%, aumentando significativamente a possibilidade de complicações cardíacas. Deve-se obter uma melhor condição do paciente conforme os procedimentos utilizados na Classe III. Aqui é indicada a monitorização eletrocardiográfica e cardiológica do paciente. As cirurgias devem ser adiadas devido ao alto risco e na tentativa de uma melhor condição clínica, até a nova avaliação. Resposta d. 156. O AAS inibe irreversivelmente a via da cicloxigenase (enzima que catalisa a síntese de prostaglandinas), a partir do metabolismo do ácido aracdônico, bloqueando a síntese do tromboxano, resultando na inibição da agregação plaquetária. Em altas doses (> 325 mg/dia), o AAS pode apresentar um efeito paradoxal, porque ele também inibe a síntese da prostaciclina nas células endoteliais e nas plaquetas, o que pode favorecer a formação de trombos. Isto é importante para pacientes diabéticos, porque os níveis de prostaciclina são reduzidos. A cicloxigenase, enzima responsável pela geração de prostaglandinas (PG) a partir do ácido araquidônico, se apresenta sob uma forma induzida (COX-2) e uma isoforma diferente, constitutiva (COX-1). A COX-2 é indetectável nos tecidos em condições fisiológicas, mas aumenta sua expressão em até 80 vezes durante inflamação ou estímulo mitogênico. O estímulo à COX-1 regula processos fisiológicos normais e é responsável pela síntese de prostaglandinas. Diferentemente de outros AINEs, o ácido acetilsalicílico inibe a agregação plaquetária de forma irreversível. Por isso, a recuperação da hemostasia normal, após a interrupção do tratamento, depende da produção de novas plaquetas funcionantes (7 a 10 dias). Por outro lado, o efeito antiagregante de outros AINEs é mantido somente enquanto permanecem no plasma. Resposta d. 157. A preparação pré-operatória do paciente com feocromocitoma é essencial e inclui expansão do volume plasmático e bloqueio alfa e beta-adrenérgico, para se obter uma hemodinâ­mica relativamente estável antes da cirurgia. Nos pacientes que estão usando doses crescentes de anti-hipertensivos, devem-se efetuar medidas diá­rias da pressão arterial e da frequência cardíaca em decúbito, sentado e de pé. O ensino ao paciente de como aferir sua pressão e pulso nas crises paroxísti­cas também deve ser realizado, para se obter um re­gistro de controle de crises. O período de preparo do paciente variou de quatro a dez dias, dependendo da experiência do serviço, e períodos mais longos não se mostraram mais eficazes no controle da hipertensão intraoperatória. Há relatos de pacientes internados em caráter de emergência e operados com sucesso, desde que realizado um bom controle da hidratação e da pressão arterial (vasodilatador intravenoso). Assim sendo, tão logo o diagnóstico seja feito a in­ trodução de alfabloqueadores (veja a seguir) é instituída visando à redução dos sintomas, à queda da pressão arterial e à melhora dos paroxismos. Esse traSJT Residência Médica


2 Pré-operatório tamento re­expandirá o volume plasmático e o leito vascular. Os betabloqueadores devem ser administrados em caso de persistência de taquicardia ou taquiarritmia em vigência de um bloqueio alfa eficaz (se feitos antecipadamente pioram a vasoconstricção perifé­rica e sintomas correlatos). A seguir, listaremos os principais medicamentos usados nesse controle. Alfabloqueadores: a. Fenoxibenzamina: inespecífico e de ação prolon­gada. A dose varia de 20 a 80 mg/dia e é ajustada de acordo com a gravidade dos sintomas postu­rais; o desaparecimento da hipotensão postural define o correto alfabloqueio. Não comercializa­da em nosso meio. b. Prazosina: bloqueador alfal seletivo, competitivo e de curta ação. Ótima opção à fenoxibenzamina, principalmente por ser menos associado à taqui­cardia reflexa e à hipotensão no pós-operatório imediato. Deve ser suspensa cerca de 8 horas antes do ato cirúrgico. Sua dose deve ser 2 a 5 mg, a cada 6 ou 8 horas. Novas opções nessa classe incluem a teratozina e a doxazocina. Resposta d. 158. O plasma fresco congelado (PFC) é obtido de doação voluntária, com volumes apro­ximados entre 220 mL (derivado de doação de san­gue total) e 600 mL (derivado de doação por aférese). Esses produtos são congelados entre -18ºC e -30ºC, até 8 horas após a coleta e, quando estocados ade­ quadamente, permanecem válidos por até 1 ano. O PFC contém todos os fatores da coagulação, incluí­dos os fatores lábeis V e VIII e outras proteínas pre­sentes na unidade original de sangue total colhida. Devem ser submetidos à triagem rotineira para doa­dores de sangue para investigação de doenças trans­missíveis por transfusão antes de serem utilizados. PFC é útil na correção de deficiências múltiplas de fatores da coagulação, ou quando não houver concentrado de fator disponível. De acordo com o Colégio Americano de Patologistas o uso do PFC deve ser considerado nas seguintes situações: a) História ou quadro clínico sugestivo de coagulopatia congênita ou adquirida, com sangramento ativo ou previamente a procedimento invasivo. b) Transfusão maciça de hemácias, com amostragem de deficiência da coagulação. c) Necessidade de reversão rápida da anticoa­gulação pela varfarina. d) Manuseio de sangramento e profilaxia de pa­cientes com deficiência congênita de fator II, V, VII, X, XI, ou XIII, evidência clínica de sangramento anormal (sangramento de local de venupunção ou sangramento generalizado em exsudação). e) Tratamento de pacientes com púrpura trombo­ citopênica trombótica (PTT). f) Deficiência de antitrombina III (na indispo­nibilidade de concentrado), cofator II de heparina, proteína C, ou proteína S. Resposta c. 159. Mais uma vez vamos lembrá-lo da definição de transfusão maciça: reposição de, pelo menos, uma volemia, em um intervalo de até 24 horas. O sangue estocado é pobre em plaquetas funcionantes (estas perdem em função após 48 horas de estocamento, da mesma SJT Residência Médica

forma que os fatores lábeis (particularmente V e VIII) estão depelados. A rápida transfusão de sangue e cristaloies no paciente grave, acaba por promover uma coagulopatia dilucional. Em pacientes com perdas sanguíneas importantes, e consequente choque circulatório, há uma diminuição da perfusão hepática. Assim, ocorre um aumento na concentração plasmática do citrato, devido à queda no seu metabolismo. Sendo o citrato, um quelante de cálcio pode ocorrer hipocalcemia, ocasionando arritmias cardíacas. Atenção: quando se fizer necessário a reposição de cálcio, é importante lembrarmos que não se deve administrar cálcio pela mesma via de administração do sangue, pois pode ocorrer formação de microêmbolos (isto se dá pela anulação do efeito quelante do citrato). O concentrado de hemácias é armazenado entre 1 a 6ºC. Em pequenas transfusões, essa temperatura não tem repercussões importantes. Mas quando se trata de transfusões maciças em pacientes chocados, hipotermia é um problema para o qual devemos ter atenção, uma vez que esta pode ser fator decisivo para arritmias ventriculares. Quem promove o deslocamento da curva de dissociação da hemoglobina para a esquerda é o 2,3 difosfoglicerato ou bifosfoglicerato (2,3 DPG), uma pequena molécula com alta carga negativa, que se combina não covalentemente à cavidade central de uma molécula de hemoglobina desoxigenada, diminuindo, assim, a afinidade desta pelo oxigênio (portanto, desloca o equilíbrio para a esquerda, facilitando a liberação de oxigênio em tecidos onde há baixa tensão do mesmo). Preste atenção, a esta próxima informação: a concentração de 2,3 DPG cai gradualmente durante o estoque do concentrado de hemácias até níveis próximos de zero. A queda na concentração de 2,3 DPG é dependente do tipo de conservante, e na prática clínica o mais utilizado é o CPDA, que mantém níveis adequados de 2,3 DPG até cinco dias pós-estoque. Por esse motivo, em transfusões maciças, faz-se necessário o uso de concentrado de hemácias com tempo de estoque menor que três dias. Veja, portanto, que dependendo do tempo de estoque podemos ter desvio da curva de dissociação da hemoglobina para a direita, já que os níveis de 2,3 DPG podem estar zerados. Ficou claro? Qualquer dúvida acesse a área do aluno e procure o setor “Arquivos Médicos”. Resposta b. 160. Esta pergunta é secular. O melhor parâmetro para avaliação pré-operatória da reserva funcional hepática é o tempo de protrombina, pois reflete de forma mais acurada a capacidade de síntese hepática, já que a albuminemia tem menor especificidade, já que a vida média desta proteína é de 21 dias, e a sua depleção pode ser justificada por outras situações tais como síndrome nefrótica e desnutrição. Mas o aspecto mais relevante que torna o tempo de protrombina um indicador sensível de disfunção celular hepática, é que o alargamento do TP reflete a deficiência de fatores de coagulação sintetizados pelo fígado e que são vitamina K dependentes (II, VII, IX e X). Resposta a.

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Reforçando o aprendizado Você encontrará nos próximos capítulos, questões comentadas e atualizadas dos últimos concursos de Residência Médica. Leia cada questão com muita atenção e aproveite ao máximo os comentários. Se necessário, retorne ao texto de sua apostila. Sugerimos que você utilize esta área de treinamento fazendo sua autoavaliação a cada 10 (dez) questões. Dessa forma, você poderá traçar um perfil de rendimento ao final de cada treinamento e obter um diagnóstico preciso de seu desempenho. Estude! E deixe para responder as questões após domínio dos temas. Fazê-las imediatamente pode causar falsa impressão. O aprendizado da Medicina exige entusiasmo, persistência e dedicação. Não há fórmula mágica. Renove suas energias e se mantenha cronicamente entusiasmado. Boa sorte! Você será Residente em 2019! Atenciosamente, Equipe SJT

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QUESTÕES PARA TREINAMENTO Hepatites virais

UERJ – 2017 1. Paciente de 53 anos, em avaliação para início de tratamento de Hepatite crônica pelo HCV, queixa-se de bulose cutânea e hipertricose lanuginosa afetando face e mãos, tendo a forma de pequenas bolhas e vesículas, que logo se rompem deixando pequenas erosões e crostas. O quadro passou a ocorrer nas duas últimas semanas, dias após ter sido iniciada terapia de reposição hormonal com estrógeno sintético, prescrito pelo ginecologista. A deficiência enzimática que justifica a evolução atual afeta: a) uroporfirinogênio descarboxilase b) coproporfirinogênio oxidase c) hidrometilbilane sintase d) ferroquelatase  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA USP-SP – 2017 2. Em relação ao vírus da Hepatite C (VHC) e ao vírus da Hepatite B (VHB), pode-se afirmar que: a) o VHC apresenta menor virulência que o VHB b) a Hepatite crônica ocorre em maior proporção em infectados pelo VHB c) o VHB apresenta maior infectividade que o VHC d) a forma crônica destas Hepatites independe da idade de exposição ao vírus  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

UNICAMP – 2017 3. Mulher, 30a, assintomática, realiza exame admissional para trabalhar como agente de saúde. Sorologia Hepatite B: HBsAg: positivo, anti-HBs: negativo; antiHBc: positivo, HBeAg: positivo e anti-HBe: negativo; AST: 32 mg/dL e ALT: 64 mg/dL. A conduta é: a) pesquisar e quantificar HBV-DNA e realizar biópsia hepática b) iniciar tratamento com antiviral devido às dosagens de transaminases c) expectante e dosar antígeno carcinoembrionário a cada três meses d) realizar elastografia hepática e tratar com interferon-α  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFSC – 2017 4. Funcionária da limpeza de um hospital acidentou-se, há seis semanas, com material perfurocortante de fonte indeterminada, não tendo procurado orientação para profilaxia. Posteriormente compareceu ao ambulatório relatando o ocorrido e no momento apresenta astenia e febre baixa. Os exames revelam: AST: 1740 UI/L, ALT: 2360 UI/L, anti-HBc IgG+, anti-HVA IgM-, anti-HVA IgG+, anti-HBc IgM+, anti-HCV-, HBeAg+, anti-HBe-, anti-HBs-. Nesse momento, a conduta CORRETA é: a) solicitar carga viral do VHB para decidir tratamento b) iniciar lamivudina devido aos altos títulos de aminotransferases


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Infectologia | Questões para treinamento c) indicar o uso de imunoglobulina humana específica anti-Hepatite B d) iniciar interferon para minimizar o risco de cronificação e) acompanhar a evolução clínica e laboratorial  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA PUC-PR – Clínica Médica – 2017 5. Paciente de 59 anos, com histórico de cirrose por Hepatite C, procura o ambulatório com os seguintes exames laboratoriais relevantes. RNI 2,1; albumina 2,3; bilirrubina total 2,5; bilirrubina direta 2,2; bilirrubina indireta 0,3; creatinina 1,6; ureia 90; sódio 130; potássio 5,5. Exames prévios mostravam anti-HCV+, HBsAg negativo, anti-HBs positivo, anti-HBc IgG positivo, anti-HAV, IgG positivo. A situação do paciente quanto a Hepatite B e a Hepatite A é: a) imune a Hepatite B por infecção prévia e imune a Hepatite A b) imune a Hepatite B por vacinação prévia e imune a Hepatite A c) portador crônico da Hepatite B e da Hepatite A d) portador crônico da Hepatite B e imune a Hepatite A e) imune a Hepatite B por mecanismo indeterminado e portador crônico de Hepatite A  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA SUS-SP – Clínica Médica – 2017 6. A Hepatite C crônica pode estar associada a uma série de alterações extra-hepáticas, que NÃO inclui: a) porfiria cutânea tarda b) sialoadenite e síndrome sicca c) neoplasia de pâncreas d) linfomas e) púrpura trombocitopênica autoimune  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFF – Clínica Médica – 2017 7. O quadro cutâneo associado à Hepatite C é o: a) eritema necrolítico migratório b) eritema polimorfo c) granuloma herpético crônico d) líquen plano erosivo e) antraz crônico  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFG – Clínica Médica – 2017 8. Homem de 32 anos, medico, acidentou-se com agulha ao realizar a paracentese de um paciente infectado pelos vírus B e C das Hepatites e com carga viral positiva para

ambos. No momento do acidente, o médico apresentava os seguintes exames: HBsAg negativo, anti-HBc negativo, anti-HBs positivo, anti-HCV negativo, anti-HIV negativo, ALT normal. Cerca de um mês após esse acidente, o médico tem náusea, vômitos, dor abdominal e icterícia. Exames laboratoriais: AST: 2590 UI, anti-HCV: negativo, HbsAg: negativo, anti-Hbs: positivo, RNA-HCV: positivo. Nessas condições, qual é a conduta adequada? a) tratar com interferon e ribavirina por 24 semanas b) não tratar, aguardar até a 12ª semana e solicitar a carga viral c) tratar com interferon e ribavirina por 48 semanas d) não tratar, aguardar até a 24ª semana e, se a carga viral estiver positiva, tratar com sofosbuvir e daclatasvir  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFPR – Clínica Médica – 2017 9. C.G. apresenta quadro de Hepatite pelo vírus C genótipo tipo1. Foi tratado previamente com esquema de interferon alfa + ribavirina por 24 semanas e posteriormente com interferon peguilado + ribavirina por mais 48 semanas. Em ambas as vezes apresentou resposta nula. Mais tarde, foi tratado com esquema de inibidor de protease da primeira onda sem resposta. Na atualidade apresenta-se com 92 kg, com quadro de encefalopatia hepática leve e controlada com o uso de lactulona, além de ascite de moderado volume, sob uso de diuréticos. Os exames complementares demonstram ALT 100 U/mL (N: 7-56 U/L); AST: 145 U/mL (N: 08-61 U/L); BT: 2,5 mg/dL (N: até 1,2 mg/dL); FA: 92 U/L (n < 125 U/L); Gama-GT: 98 U/L (N: 8-66 U/L); RNI 2,0; albumina: 3,0 mg/dL (N: 3,5-5,5 g/dL). Será iniciado novo tratamento com as medicações atualmente disponíveis pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde. Com base no exposto, assinale a alternativa que indica o esquema adequado para o caso. a) sofosbuvir 400 mg/dia + daclatasvir 60 mg/ dia + ribavirina 1.000 mg/dia por 24 semanas b) sofosbuvir 400 mg/dia + daclatasvir 60 mg/ dia + ribavirina 1.000 mg/dia por 12 semanas c) sofosbuvir 400 mg/dia + daclatasvir 60 mg/ dia + ribavirina 1.250 mg/dia por 24 semanas d) sofosbuvir 400 mg/dia + daclatasvir 60 mg/ dia + ribavirina 1.250 mg/dia por 12 semanas e) sofosbuvir 400 mg/dia + daclatasvir 30 mg/ dia + ribavirina 1.250 mg/dia por 24 semanas  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA SJT Residência Médica


3  Hepatites virais UFRN – Clínica Médica – 2017 10. Um paciente do sexo masculino, com 50 anos de idade, é atendido no ambulatório das doenças virais no Hospital Giselda Trigueiro. Ele é usuário de drogas ilícitas por via inalatória. Queixa-se de astenia e dor em hipocôndrio direito há cerca de seis meses. Ao exame físico, seu fígado tem consistência um pouco endurecida e o paciente está subictérico. Foram realizados exames bioquímicos com os seguintes resultados: ALT 2 vezes o limite superior da normalidade, AST 2,5 vezes o limite superior da normalidade (LSN), com AST > ALT, Bilirrubina total 0,5 mg acima do LSN. As pesquisas dos anticorpos e do RNA para Hepatite C foram reagentes; o HBsAg e o anti-HBc (IgM e IgG) foram reagentes; o antiHBsAg, não reagente; a IgM anti-HVA foi não-reagente; a IgG anti-HVA, reagente. Diante do quadro descrito, o paciente: a) tem Hepatite do tipo B ativa e Hepatite A crônica b) tem coinfecção pelos vírus das Hepatites B e C e passado de infecção pelo vírus A c) tem passado de Hepatite B e Hepatite C aguda d) tem coinfecção pelos vírus das Hepatites A e B e cura virológica do vírus C  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNIFESP – Clínica Médica – 2017 11. Homem, de 56 anos de idade, procurou serviço médico após realizar sorologia para Hepatite B, cujo resultado revelou positividade isolada para anti-HBc, com HBsAg e anti-HBs não-reagentes. Qual das afirmativas abaixo NÃO se aplica a esse achado? a) se a ALT estiver elevada o paciente deve ser submetido a tratamento b) o teste deve ser repetido, pois pode corresponder a um resultado falso-positivo c) a vacinação contra Hepatite B pode auxiliar no esclarecimento diagnóstico d) o resultado pode corresponder à infecção oculta pelo vírus B, caso haja positividade para o HBV-DNA e) o paciente pode ter tido infecção pelo vírus B no passado  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Santa Casa-SP– 2016 12. Homem de 27 anos é atendido no pronto socorro com icterícia, colúria, febre, mialgia generalizada, inapetência e mal-estar. Seus exames laboratoriais indicam transaminases 25 vezes acima do normal; aumento discreto de fosfatase alcalina e SJT Residência Médica

Gama-GT; bilirrubinas totais de 6,0 UI/mL com predomínio da fração direta; tempo de protombina e albumina normais. São também observados neutropenia e linfopenia no hemograma. Considerada a hipótese inicial de hepatite viral aguda, os possíveis marcadores virológicos presentes no soro nesta fase da doença são: a) HBsAg-negativo, anti-HBc IGG positivo, anti-HBspositivo, anti-HAV IGG positivo b) anti-HCV negativo, anti-HBspositivo, anti-HEV IgG positivo c) anti-HAV IGM negativo, anti-HCV negativo, HBsAg-positivo, anti-HBc IGM positivo d) HBsAg-negativo, anti-HAV IGG positivo, anti-HAVIGM negativo, anti-HCV negativo e) anti-HEV IGM negativo, anti-HAV IGG positivo, HBsAg-negativo, anti-HBs positivo  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNICAMP – 2016 13. Homem, 30a, realiza avaliação admissional e é encaminhado a Unidade Básica de Saúde por exame alterado (ALT: 60U/L). Solicitado investigação sorológica: AgHBs: reagente, anti-HBs: não reagente, anti-HBc: reagente, AgHBe: não reagente, anti-HBe: reagente; sorologia Hepatite C: não reagente; sorologia Hepatite A: IgG reagente, IgM: não reagente. A hipótese diagnóstica e conduta são: a) hepatite B crônica ativa, solicitar HBV DNA quantitativo b) hepatite B resolvida, seguimento ambulatorial c) hepatite B crônica ativa, iniciar tenofovir ou entecavir d) hepatite B aguda, seguimento ambulatorial  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Santa Casa-SP – 2016 14. Mulher de 50 anos vem à unidade básica para mostrar exames colhidos na unidade de pronto atendimento há 20 dias, após um quadro de cansaço e dor abdominal. A paciente refere que na ocasião apresentou quadro de cansaço e náusea, com icterícia que melhorou com alguns dias. Dentre os exames estavam as sorologias que seguem: Hep B: Ag HBs +, Ag HBe -, Anti HBc +, Anti HBe +, Anti HBs -. Hep C: não reagente. Qual o diagnóstico e possíveis desfechos para esse caso? a) hepatite B crônica. Pode evoluir para cirrose ou cura b) hepatite B aguda. Pode evoluir para cura, cronificação ou hepatite fulminante c) hepatite B curada. Não há desfecho apreciável

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Infectologia | Questões para treinamento d) hepatite B crônica. Pode evoluir para neoplasia e) hepatite B aguda. Pode evoluir para cura, cirrose ou cronificação.  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNIOESTE – 2016 15. Técnica de enfermagem do centro obstétrico de seu hospital, com esquema vacinal completo para Hepatite B (1 série de 3 doses) e pesquisa de anticorpos anti-HBs menor que 10 mUI/mL, ao auxiliar uma paciente durante o banho, sofreu queda no momento em que aquela estava eliminando restos placentários com sangue que respingaram no seu olho. Os dados sorológicos da paciente-fonte eram HBsAg, anti-HBc IgM, anti-HCV e anti-HIV todos reagentes, realizados 28 dias antes do acidente. É recomendável à profissional: a) receber nova série de vacina para HBV e TARV b) não receber nenhuma medicação e/ou imunológico, apenas orientação pelo baixo risco de transmissão de agentes infecciosos c) receber todas as vacinas para HAV, HBV, HCV e TARV como profilaxia d) receber reforço de vacina, uma dose de IGHAHB e TARV pós-exposição e) receber apenas uma dose de IGHAHB, porque o risco para transmissão de HIV é muito baixo  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA PUC-PR – 2016 16. Um homem de 35 anos lhe procurou para realizar exames laboratoriais pré-nupciais. Após sete dias, ele voltou à consulta com os resultados para você analisá-los. O paciente estava assintomático e o exame físico era normal. Dentre seus exames, destacava-se a positivação do anti-HBs (reagente) e do anti-HBc total (reagente). Frente a esse quadro, é CORRETO afirmar: a) você explica para o paciente que está com hepatite B crônica, mas que precisa de mais exames (IgG e IgM) para confirmar a cronificação e deverá ser encaminhado ao especialista para tratamento ou seguimento b) você explica que o paciente não tem hepatite B, e que o resultado do exame é o padrão de uma pessoa que recebeu a vacina para hepatite B c) o paciente apresenta uma resposta vacinal para hepatite B e hepatite C crônica, que deverá ser confirmada por PCR (carga viral) para HCV

d) você explica para o paciente que está com hepatite B e C crônica, mas que precisa de mais exames (IgG e IgM) para confirmar a cronificação e deverá ser encaminhado ao especialista para tratamento ou seguimento e) você explica para o paciente que ele teve hepatite B no passado e que já se apresenta curado, não tendo indicação de vacina e nem tratamento  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNITAU – 2016 17. O Programa Nacional de Hepatites Virais tem por objetivo: a) selecionar portadores para profilaxia primária b) limitar acesso ao tratamento das formas crônicas c) centralizar as ações de vigilância epidemiológica, prevenção, assistência e controle das hepatites virais em âmbito nacional d) garantir, na atenção básica, a detecção precoce, por meio de testes rápidos e) estimular o uso preventivo de inibidores de protease  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA FMJ – 2016 18. Homem, 46 anos, vem à UBS para consulta de rotina. Traz consigo sorologias solicitadas pelo médico do trabalho de sua empresa. Solicita que você interprete o resultado e diga se ele pode ser doador de sangue. Os resultados são os seguintes: – HBsAg negativo, anti­HBs positivo, anti­HBc total positivo; – anti­HCV negativo; – Sorologia para HIV – não reagente. Qual seu posicionamento frente ao quadro? a) trata­se de cicatriz vacinal (vacina contra hepatite B),sorologias para HIV e hepatite C negativas, não h avendo nenhuma restrição para ser doador b) o paciente é portador de hepatite B crônica e não pode ser doador c) o paciente teve contato com o HBV, mas está curado, sorologias para HIV e hepatite C negativas, não havendo qualquer restrição para ser doador d) o paciente teve contato com HBV e com HCV. S orologia para HIV negativa. Só poderá ser doador se PCR qualitativo de HBV e HCV forem negativos e) o paciente teve contato com HBV, mas está curado. Sorologias para HIV e hepatite C negativas. Pelo contato prévio, está impedido de ser doador  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA SJT Residência Médica


3  Hepatites virais FMJ – 2016 19. Médico do programa de saúde da família, acompanhando uma gestante no pré­natal, recebe a sorologia de suapaciente na 24a semana com VDRL de ¼. A gestante ignora seus antecedentes. A conduta, nesse caso, é: a) repetir o VDRL no terceiro trimestre b) descartar sífilis primária e tratar somente se for secundária c) considerar como cicatriz sorológica e observar d) tratar com oxacilina e) solicitar FTA­Abs e, se positivo, tratar com penicilina

b) anti-HBc IgG – marcador de infecção recente, está no soro até seis meses após a infecção. Na infecção crônica, pode estar presente enquanto ocorrer replicação viral c) anti-HBc IgM – marcador de longa duração, presente nas infecções agudas e crônicas. Representa contato prévio com o vírus d) anti-HBs – é o único anticorpo que confere imunidade ao HBV. Está presente no soro após o desaparecimento do HBsAg, sendo indicador de cura e imunidade. Está presente isoladamente em pessoas vacinadas  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

 ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFF– 2016 20. Paciente, 32 anos, coinfectado com o vírus da hepatite B e HIV, inicia o tratamento antiviral. Neste caso, as duas drogas do esquema preconizado para tratamento de coinfectados são: a) lamivudina e tenofovir b) efavirenz e lamivudina c) tenofovir e lamivudina d) entecavir e efavirenz e) lamivudina e entecavir

PUC-PR – Clínica Médica – 2016 23. Três irmãos fazem acompanhamento médico devido a hepatites virais. Você repetiu esta semana os exames de sorologias virais das hepatites (já realizados também seis meses antes) para confirmar os resultados e obteve a seguinte tabela:

 ACERTEI     ERREI     DÚVIDA INCA – Hematologia – 2016 21. A Hepatite A é uma doença viral aguda, de manifestações clínicas variadas desde formas subclínicas, oligossintomáticas e até formas fulminantes. No seu decurso, são descritos quatro períodos, dentre os quais o período ictérico manifesta-se com intensidade variável e duração geralmente de: a) 4 a 6 semanas sendo precedido por dois a três dias de colúria b) 5 a 7 semanas sendo precedido por três a quatro dias de colúria c) 6 a 8 semanas sendo precedido por quatro a cinco dias de colúria d) 3 a 5 semanas sendo precedido por um a dois dias de colúria  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA INCA – Hematologia – 2016 22. O diagnóstico da Hepatite B (HBV) pode ser clinicolaboratorial e laboratorial. Apenas com os aspectos clínicos não é possível identificar o agente etiológico, sendo necessários exames sorológicos. Com relação aos exames realizados para o diagnóstico da HBV, assinale a alternativa CORRETA: a) HBeAg – primeiro marcador que aparece no curso da infecção pelo HBV. Na hepatite aguda, ele declina a níveis indetectáveis rapidamente SJT Residência Médica

Pedro

Cláudio

Osmar

anti-HBc IgG

Reagente

Reagente

Negativo

HBsAg

Reagente

Negativo

Negativo

anti-HBs

Negativo

Reagente

Reagente

anti-HCV

Negativo

Reagente

Negativo

anti-HAV IgG

Reagente

Negativo

Reagente

anti-HAV IgM

Negativo

Negativo

Negativo

Com base nestas sorologias, assinale a alternativa CORRETA. a) Pedro possui hepatite A e B crônicas. Cláudio teve contato com a hepatite B e se curou e apresenta hepatite C crônica. Osmar foi vacinado contra hepatite B e possui hepatite A crônica b) Pedro possui hepatite B crônica e já se curou da hepatite A. Cláudio teve contato com a hepatite B e se curou, mas apresentou contato também com a hepatite C. Osmar foi vacinado contra hepatite B e já teve contato com a hepatite A c) Pedro teve contato com a hepatite B e com a hepatite A e curou ambas. Cláudio possui hepatite B e C crônicas. Osmar foi vacinado contra hepatite B e contra hepatite A d) Pedro teve contato com a hepatite B e se curou. Cláudio possui hepatite B crônica e já teve contato com a hepatite C. Osmar foi vacinado contra hepatite B e contra hepatite A e) Pedro e Cláudio foram vacinados contra hepatite B. Osmar possui hepatite B crônica. Pedro e Osmar já tiveram hepatite A e se curaram. Cláudio teve contato com a hepatite C  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

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Infectologia | Questões para treinamento UFPR – Clínica Médica – 2016 24. L.S. teve carcinoma de cólon diagnosticado e iniciará quimioterapia para tal. Paralelamente ao carcinoma, apresenta infecção pelo HBV. O exame físico não demonstra qualquer sinal de hepatopatia crônica. Apresenta HBsAg positivo, anti-HBc total positivo, HBeAg positivo, HBV DNA 42.000.000 cópias/ mL, aminotransferases sempre normais no último ano, medidas com intervalo de 3 meses. A biópsia hepática encontra-se normal, com exceção da presença de hepatócitos em vidro fosco em abundância. Qual a conduta a ser tomada em relação à infecção pelo HBV? a) iniciar curso de interferonpeguilado por 48 semanas e manter o tratamento mesmo durante a vigência da quimioterapia b) iniciar tratamento antiviral preemptivo 4 a 6 semanas antes do início da quimioterapia e manter o tratamento de 6 meses a 1 ano após seu término c) iniciar tratamento antiviral concomitante à quimioterapia, suspendendo-o ao final do último ciclo d) tratar indefinidamente com emtricitabina associada a tenofovir pela alta carga viral e) iniciar tratamento com lamivudina, pois o paciente se encontra na fase de imunotolerância  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNESP – Clínica Médica – 2016 25. Mulher de 50 anos, assintomática e sem outras comorbidades, traz sorologia AgHBe reagente. Assinale o exame a ser pedido para decidir sobre a indicação de tratamento antiviral para a paciente. a) AgHBs b) anti-HBc c) DNA viral d) transaminases  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNICAMP – Clínica Médica – 2016 26. Homem, 32 anos, médico, acidentou-se com agulha oca ao realizar a paracentese de um paciente infectado pelos vírus B e C das hepatites e com carga viral positiva para ambos. No momento do acidente, o médico apresentava os seguintes exames: HBsAg negativo, anti-HBc negativo, anti-HBs positivo, anti-HCV negativo, anti-HIV negativo, ALT normal. Cerca de um mês após esse acidente, o médico tem náusea, vômitos, dor abdominal e icterícia. Ex. laboratoriais: AST: 2590 UI, anti-HCV: negativo, HBsAg: negativo, anti-HBs: positivo, RNA-HCV: positivo. O que deve ser feito?

a) tratar com interferon e ribavirina por 24 semanas b) não tratar, aguardar até a 12ª semana e solicitar a carga viral c) tratar com interferon e ribavirina por 48 semanas d) não tratar, aguardar até a 24ª semana e, se a carga viral estiver positiva, tratar com sofosbuvir e daclatasvir  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFSC – 2015 27. Assinale a alternativa que responde CORRETAMENTE à pergunta abaixo. Paciente de 32 anos de idade, portador de doença de Crohn, iniciará tratamento com droga biológica, infliximab (anti-TNF), e está preocupado pois leu na internet que a diminuição da imunidade provocada pela medicação pode reativar algumas doenças infecciosas. Em qual dos achados sorológicos abaixo não há risco de infecção ou reativação pelo vírus da hepatite B ao iniciarmos o tratamento com uma droga imunossupressora? a) HBsAg-positivo, anti-HBs-negativo, anti-HBc-positivo b) HBsAg-negativo, anti-HBs-positivo, anti-HBc-positivo c) HBsAg-negativo, anti-HBs-negativo, HBV DNA positivo d) HBsAg-negativo, anti-HBs-positivo, anti-HBc-negativo e) HBsAg-negativo, anti-HBs-negativo, anti-HBc-positivo  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA HAC – 2015 28. Quanto à forma de transmissão dos vírus causadores das diferentes hepatites, complete o quadro abaixo com (I) via oral fecal, (II) via parenteral, (III) sexual e (IV) percutânea. Hepatite A= ( ) ( ) ( ) ( ) Hepatite B= ( ) ( ) ( ) ( ) Hepatite C= ( ) ( ) ( ) ( ) Hepatite D= ( ) ( ) ( ) ( ) Hepatite E= ( ) ( ) ( ) ( ) a) A: I, B: II, III C: I, D: II, III, IV, E: I b) A: I, B: II, III, IV, C: II, III, IV, D: II, III, IV, E: II, III, IV c) A: II, III, IV, B: I, C: II, III, IV, D: I, E: II, III, IV d) A: II, B: IV, C: II, D: II, E: II, III, IV e) nenhuma das alternativas anteriores está correta  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA SJT Residência Médica


3  Hepatites virais HSM – 2015 29. Em relação à hepatite B, assinale a alternativa que apresenta dados referentes a uma criança que teve contato com o vírus selvagem, mas também foi vacinada, considerando os marcadores virais: AgHBs, AgHBe, anti-HBe, anti-HBc-IgM, anti-HBc e anti-HBs, RESPECTIVAMENTE: a) positivo, negativo, positivo, negativo, positivo, negativo b) positivo, positivo, negativo, negativo, positivo, negativo c) negativo, negativo, positivo, negativo, positivo, positivo d) negativo, negativo, negativo, negativo, positivo, positivo e) negativo, positivo, negativo, negativo, negativo, positivo  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UERN – 2015 30. A conduta para um RN cuja mãe é assintomática e soropositiva para o antígeno de superfície da hepatite B ( HBsAg) deverá ser: a) iniciar a vacina após um mês de idade b) acompanhar com sorologia e transaminases nos primeiros seis meses de vida e vacinar se houver soroconversão c) acompanhar, pois os filhos de mãe soropositiva para o HbsAg não se beneficiam da vacina d) iniciar vacinação nas primeiras horas de vida, administrando também imunoglobulina específica  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFG – 2015 31. A hepatite C: a) tem, na transmissão vertical, uma importante forma de disseminação b) é uma das principais etiologias das hepatites agudas fulminantes c) é a principal causa de transplante hepático atualmente d) é a forma importante de contaminação em profissionais de saúde, que pode ser evitada pelo uso precoce de imunoglobulina hiperimune após o acidente  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFPR – 2015 32. Paciente com 28 anos se queixa de náusea, vômitos, fraqueza e mialgia que iniciaram há 10 dias, com febre até 39 ºC aferida. Há 2 dias, passou a apresentar icterícia, colúria e acolia e queixa de dor no hipocôndrio diSJT Residência Médica

reito, contínua, com sensação de peso. Nega uso de álcool de forma abusiva, informação confirmada pela esposa presente à consulta. Nega uso de medicações, chás ou ervas, com exceção do uso recente de paracetamol 1g/24h para dor e febre. Ao exame físico apresenta icterícia intensa, dor à palpação de hipocôndrio direito e hepatimetria de 16 cm. Os exames complementares demonstram ALT 2.352 UI/mL, AST 1.839 UI/mL, BT 24 mg/dL, BD 19,7 mg/dl, RNI 1,2. Sorologias demonstram HBsAg positivo, anti-HBc IgM positivo, HBeAg positivo, anti-HBe negativo, anti-HBs negativo, anti-HAV total positivo, anti-HCV negativo, FAN negativo, anticorpo antimúsculo liso 1:80. Qual o diagnóstico dessa situação clínica? a) hepatite aguda A b) hepatite aguda B c) hepatite aguda C d) hepatite autoimune e) hepatite medicamentosa  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA AMP – 2015 33. Homem, 60 anos, em acompanhamento de hepatite por vírus C, vem à consulta de rotina com queixa de emagrecimento, febre baixa e dor abdominal em epigástrio com cerca de 2 meses de evolução. Assinale a alternativa que contenha os métodos diagnósticos iniciais para este paciente. a) ecografia abdominal e alfafetoproteína b) antígeno carcinoembrionário e alfafetoproteína c) tomografia computadorizada de abdome e transaminases d) ecografia abdominal e colangiografia endoscópica retrógrada e) ressonância magnética de abdome e antígeno carcinoembrionário  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA AMRIGS – 2015 34. Paciente vem à consulta para mostrar alguns exames que foram solicitados por outro médico há 5 dias devido à icterícia apresentada. No exame, constam HBsAg-positivo, com IgM anti-HBc. Qual o diagnóstico desse paciente? a) hepatite crônica por vírus B b) hepatite crônica por vírus A c) hepatite aguda por vírus B d) hepatite aguda por vírus A e) hepatite crônica agudizada  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

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Infectologia | Questões para treinamento HIVS – 2015 35. NÃO se refere à hepatite viral tipo “A”: a) forma subclínica na infância b) a imunoprofilaxia passiva é pouco efetiva na prevenção de surtos epidêmicos c) a imunoprofilaxia ativa é segura e efetiva, cuja vacina pode ser aplicada em qualquer idade d) cronicidadade do quadro e) até 15% dos pacientes afetados apresentam quadro prolongado ou manifestações recorrentes por um período, habitualmente, não superior a seis meses  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA PUC-RS – 2015 36. Mulher de 26 anos usuária de cocaína injetável apresenta quadro clínico e laboratorial de hepatite B aguda. Em relação a esse caso, considere as afirmativas sobre a evolução da doença para uma forma crônica: I. O percentual de cronificação é menor do que se a contaminação tivesse ocorrido no período perinatal. II. A persistência do HBeAg positivo por mais de seis semanas, após início dos sintomas, torna-a mais susceptível a cronificar. III. A probabilidade de cronificação é maior por ser uma contaminação parenteral. Está/Estão CORRETA(s) a(s) afirmativa(s) a) I, apenas b) II, apenas c) III, apenas d) I e II, apenas e) I, II e III  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNIOESTE – 2015 37. Paciente masculino de 48 anos apresenta a seguinte sorologia há mais de seis meses: HBsAg (+), Anti-HBcIgM (-), anti-Hbs (-), HBeAg (-), anti-HbcIgG (+) e anti-Hbe (+). Baseado nestes dados pode-se afirmar que o paciente apresenta: a) hepatite B curada b) hepatite B crônica em fase não replicativa c) hepatite B crônica em fase replicativa d) imunização por vacinação contra a hepatite B e) hepatite B aguda em fase de cura  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFF – 2015 38. Em paciente feminina, 45 anos, com cirrose hepática pelo vírus B mutante pré-core, os marcadores virais sorológicos devem mostrar anti-HBcIgG+ além de:

a) HBsAg+, HBeAg -, anti-HBe +, DNA HBV < 2000 UI b) HBsAg +, HBeAg +, anti-HBe -, DNA HBV > 20000 UI c) HBsAg -, HBeAg -, anti-HBe -, DNA HBV indetectável d) HBsAg -, HBeAg +, anti-HBe -, DNA HBV >20000 UI e) HBsAg +, HBeAg -, anti-HBe+, DNA HBV > 20000 UI  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNICAMP – 2015 39. Homem, 38a, técnico de enfermagem, hígido e sem antecedentes mórbidos, acidentase com agulha utilizada em punção venosa de paciente com diagnóstico de hepatite (sorologias positivas para vírus da hepatite B e negativas para HIV). Sorologias do profissional: HBsAg: não reagente; anticorpo anti-HBs: reagente, anti-HBcIgG: não reagente. Essa sorologia indica: a) vacinação prévia para hepatite B b) infecção prévia pelo vírus da hepatite B c) infecção aguda pelo vírus da hepatite B d) necessidade de revacinação para hepatite B  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UFG-GO – Clínica Médica – 2014 40. De acordo com a portaria vigente do Ministério da Saúde para o tratamento da Hepatite Viral C, qual é o tratamento de escolha para um paciente portador de hepatite C crônica, Genótipo 1b, com estadiamento 3 de fibrose (F3)? a) associação de Interferon peguilado com Ribavirina e um inibidor de protease (Boceprevir ou Telaprevir) b) associação de Interferon peguilado com Ribavirina c) associação de Interferon peguilado com um inibidor de protease (Boceprevir ou Telaprevir) d) associação de Interferon peguilado com dois inibidores de protease (Boceprevir + Telaprevir)  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Hospital Nª Sª das Graças – Clínica Médica – 2014 41. Paciente de 45 anos, com história de drogadição há 25 anos, em abstinência há 20 anos, vem à consulta por achado de anti-HCV positivo. Assintomático, traz também uma ultrassonografia de abdome normal, PCR do VHC qualitativo positivo e aminotransferases 2 vezes acima do limite superior do normal. SJT Residência Médica


3  Hepatites virais

Qual a alternativa INCORRETA? a) a genotipagem do vírus da hepatite C é um passo importante na definição do tratamento b) a biópsia hepática é sempre necessária na avaliação pré-tratamento antiviral c) pacientes portadores de genótipo 1 do vírus da hepatite C podem se beneficiar de um tratamento triplo associando um inibidor da protease viral ao interferon peguilado e ribavirina d) o tempo de tratamento a variável, dependendo das características do paciente, do vírus e da resposta ao tratamento e) há risco aumentado de hepatocarcinoma em pacientes cirróticos por hepatite C crônica

hepatologista sobre indicações padronizadas para a terapia antiviral da hepatite C crônica. Dos itens abaixo, qual seria o CORRETO? a) HCV RNA detectável sem ALT elevada não é indicação para a terapia b) não há dúvida sobre a necessidade de biópsia hepática pré-tratamento c) fibrose portal/confluente na biópsia hepática é uma indicação de terapia d) hepatite grave na biópsia hepática não está incluída nas indicações padronizadas atuais para a terapia antiviral e) HCV RNA detectável sem ou com ALT elevada é indicação para a terapia  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

 ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Hospital Nª Sª das Graças – Clínica Médica – 2014 42. Paciente de 40 anos consulta por exame positivo para hepatite B durante doação de sangue há 3 anos. Repetiu sorologia para hepatite B, há um mês, mostrando ainda HBsAg reagente. Nega história clínica de hepatite aguda, comorbidades e não faz uso de medicações. Para determinar se o paciente está na fase de replicação viral ou na fase de portador inativo qual da sequencia de marcadores deve ser solicitado? a) anti-HBc IgG e Anti-HBc IgM b) HBV-DNA quantitativo e transaminases c) HBeAg, Anti-HBe e HBV-DNA quantitativo d) HBsAg, Anti-HBs e HBV-DNA quantitativo e) biópsia hepática e HBV-DNA quantitativo  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Hospital Nª Sª das Graças – Clínica Médica – 2014 43. Nos útimos anos houve avanço no tratamento para Hepatite C crônica com o desenvolvimento das DAA - antivirais de ação direta - que podem eliminar a necessidade do uso de interferon peguilado no tratamento. Qual das situações clínicas abaixo devem sempre ser abordadas no acompanhamento do tratamento com interferon peguilado: a) hipotireoidismo b) neutropenia severa c) depressão grave d) ideação suicida e) todas estão corretas  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA AMP – Clínica Médica – 2014 44. Um paciente amigo da família, o procura como médico de confiança generalista para opinar sobre orientações que recebeu de seu SJT Residência Médica

INSTRUÇÃO: Para resolver a questão 6, considere a veracidade de cada asserção e a relação causal entre elas. O tratamento da hepatite C crônica genótipo 1 e fibrose hepática avançada (F4) com terapia tripla (IFN-peg + R + IP) esta contraindicação PORQUE O uso de ribavirina pode causar anemia severa como efeito adverso, e o manejo requer redução da dose da ribavirina e/ou uso de eritropoietina e/ou hemotransfusão, a critério clínico.

PUC-RS – Clínica Médica – 2014 45. Analisando as assertivas e a relação proposta entre elas, assinale a opção correta. a) as duas assertivas são verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira b) as duas assertivas são verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira c) a primeira assertiva é verdadeira, e a segunda, falsa d) a primeira assertiva é falsa, e a segunda, verdadeira e) as duas assertivas são falsas  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA UNESP – Clínica Médica – 2014 46. O arsenal terapêutico das hepatites virais foi ampliado com a incorporação de novos medicamentos. Os recentes avanços terapêuticos para hepatite C que já estão disponibilizados pelo Ministério da Saúde do Brasil são: a) boceprevir e tenofovir b) tenofovir e entecavir c) telaprevir e entecavir d) telaprevir e boceprevir  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

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Infectologia | Questões para treinamento SURCE – Clínica Médica – 2014 47. As hepatites virais apresentam manifestações clínicas semelhantes, embora a forma de contaminação, a evolução clínica e a prevalência sejam distintas a depender do agente etiológico envolvido: se o vírus A (hepatite A), vírus B (hepatite B), vírus C (hepatite C), vírus D (hepatite D), vírus E (hepatite E). Com base nos dados epidemiológicos e história natural das infecções pelos vírus A, B, C, D e E assinale o CORRETO. a) a hepatite pelo vírus C mais frequentemente é detectada na fase crônica b) os vírus A e E podem cronificar em pacientes transplantados e imunossuprimidos c) a coinfecção vírus B + vírus D ocorre em indivíduo saudável e a maioria evolui para hepatite crônica d) a superinfecção dos vírus B e vírus D ocorre em indivíduo previamente infectado pelo vírus D e a maioria evolui para cura  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA SURCE – Clínica Médica – 2014 48. Homem, 30 anos, bancário, casado, diabético e hipertenso, ao realizar exames de rotina detectou AST: 200 (nL< 40), ALT: 360 (nL < 40), INR: 1,25 (nL < 1,20), Albumina: 3 (nl > 3,5), HBsAg (+), anti-HBc IgG (+), anti-HBc IgM (-), anti-HBe (+), HBeAg (-), anti-HVC (-), HIV (-), carga viral B: 20.000 ui. As aminotransferases persistiram elevadas e a carga viral variou entre 15.000 a 30.000 ui, nos dois anos subsequentes, com anti-HBe reagente. Ultrassom atual não tem sinais de cirrose, nem nódulos, nem sinais de hipertensão porta, endoscopia normal sem varizes. Baseado no protocolo atual de tratamento de infecção crônica pelo vírus B, do Ministério da Saúde, do Brasil, qual a conduta mais recomendável dentre as opções abaixo? a) realizar biópsia hepática e tratar, apenas se apresentar Atividade A2 ou A3 ou se Fibrose F2 ou F3 b) tratar, independente da biopsia hepática, uma vez que tem ALT elevada, anti-HBe (+), carga viral elevada e a droga de eleição é interferonpeguilado c) tratar, independente da biopsia hepática, uma vez que tem ALT elevada, anti-HBe (+), carga viral elevada e a droga de eleição neste caso específico é Entecavir d) tratar, independente da biopsia hepática, uma vez que tem ALT elevada, anti-HBe (+), carga viral elevada e a droga de eleição neste caso específico é Tenofovir  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

Unificado-MG – Clínica Médica – 2014 49. Mulher de 49 anos relata diagnóstico de Hepatite B há 10 anos e traz consigo os seguintes resultados de exames: HBsAg positivo, HBeAg positivo, anti-HBe negativo e estudo quantitativo do DNA-VHB com 245.000UI/ mL. As transaminases encontram-se discretamente elevadas e a síntese hepática está preservada. A ultrassonografia abdominal não mostra alterações. Dentre as opções abaixo, qual seria a proposta mais pertinente para a condução deste caso? a) acompanhamento semestral por meio de exames bioquímicos e testes de replicação viral b) estadiamento da hepatite crônica por meio da realização da biópsia hepática c) iniciar entecavir ou telbivudina por apresentarem alta potência e perfil de resistência baixo d) iniciar interferon peguilado por ser mais potente que o interferon convencional  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Hospital Albert Einstein – 2013 50. A hepatite C aguda em adultos: a) é geralmente sintomática e de evolução longa b) evolui frequentemente com insuficiência hepática c) evolui para hepatite crônica em cerca de 25% dos casos d) quando apresenta sintomas e elevação de transaminases estes geralmente cedem em 1 a 2 semanas e) é mais frequentemente assintomática  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Hospital Albert Einstein – 2013 51. Em relação à hepatite B, é CORRETO afirmar que: a) pacientes com HBsAg positivo há 4 meses, terão o diagnóstico de hepatite crônica e deverão ser encaminhados para os Centros de Referência para Hepatites b) a grande maioria dos pacientes com doença crônica conhece seu estado de portador são da doença c) o calendário oficial de vacinação infantil para hepatite B recomenda 4 doses (0, 1, 2 e 6 meses) d) as gestantes com sorologia negativa para hepatite B, sem comprovação vacinal, devem ser vacinadas após o 1° trimestre de gestação e) os recém-nascidos de mães com hepatite B crônica devem receber imunoprofilaxia passiva (imunoglobulina anti-hepatite B − HBIG) no 1o dia de nascimento, e a 1a dose de vacina deve ser dada no 2° mês de vida  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA SJT Residência Médica


3  Hepatites virais Hospital Albert Einstein – 2013 52. Em relação à hepatite B, é CORRETO afirmar: a) HBV (vírus da hepatite B) é vírus DNA da família hepadnaviridae, do qual se conhece atualmente, 6 genótipos (de A a F) b) é doença sexualmente transmissível, atualmente em declínio no Brasil, devido aos efetivos programas de vacinação c) no Brasil, áreas de grande endemicidade são aquelas onde predomina a transmissão horizontal em crianças e adultos d) é 100 vezes mais infectante que o HCV (vírus da hepatite C) e que o HIV (vírus da imunodeficiência adquirida humana) e) o risco de desenvolver infecção crônica pelo HBV (vírus da hepatite B), após a infecção aguda, independe da idade no momento da infecção  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Associação Médica do Rio Grande do Sul – 2013 53. Sobre as hepatites virais, está INCORRETO afirmar que: a) nos casos de infecção aguda pelo vírus da Hepatite C, a biópsia hepática é justificada somente na dúvida diagnóstica b) sintomas de infecção aguda podem ter início cerca de 6 a 12 semanas após a exposição ao HCV. Em apenas 20% dos pacientes sintomáticos, o início dos sintomas precede a soroconversão, a qual raramente ocorre em período superior a 6 meses c) o clareamento viral espontâneo após a infecção aguda pelo HCV ocorre em cerca de 20 a 25% dos casos. Alguns fatores do hospedeiro têm sido identificados como associados ao clareamento viral espontâneo: idade abaixo de 40 anos, sexo feminino, aparecimento de icterícia e fatores genéticos d) a Hepatite C crônica é definida por anti-HCV não reagente e detecção do HCV-RNA por volta de 90 dias após o início dos sintomas ou da data da exposição, quando esta for conhecida em indivíduos com histórico de exposição potencial ao HCV e) a Hepatite C aguda é definida por soroconversão recente (menos de 6 meses) do anti-HCV documentada (anti-HCV não reagente no início dos sintomas ou no momento da exposição, convertendo para anti-HCV reagente na segunda dosagem, realizada com intervalo de 90 dias)  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Associação Médica do Rio Grande do Sul – 2013 54. A causa mais frequente de glomerulonefrite membrano-proliferativa secundária, com SJT Residência Médica

hematúria, proteinúria, doença renal progressiva, crioglobulinemia e complementos C3 e C4 baixos é: a) hepatite B b) citomegalovirose c) lúpus Eritematoso sistêmico d) vasculite de pequenas artérias e) hepatite C  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA CREMESP – 2013 55. Um homem de 40 anos está sob controle de um quadro de hepatite B aguda. Dez meses após o início da doença apresenta transaminases normais, HBsAg positivo, anti-HBs negativo, HBeAg positivo, anti-HBc positivo, antiHBc IgM negativo e anti-HBe negativo. O diagnóstico é de hepatite a) aguda em fase de recuperação b) crônica, em atividade c) crônica agudizada d) aguda e) crônica, em fase não replicativa  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA CREMESP – 2013 56. A respeito da epidemiologia de hepatite C, causada pelo HCV (vírus da hepatite C), é INCORRETO afirmar: a) estima-se que mais de 170 milhões de pessoas no mundo estejam infectadas pelo HCV b) o CDC (Centers for Diseases Control) estima que ao menos 2/3 das pessoas infectadas pelo HCV sejam usuárias de drogas ilícitas c) a soroprevalência de HCV em HSH (homens que fazem sexo com homens) é a mesma que na população geral d) história prévia de doença sexualmente transmissível é fator de risco para infecção pelo HCV e) hepatite C crônica é a maior causa de transplante hepático no mundo  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA FADESP – Clínica Médica – 2013 57. Um paciente que teve hepatite B, evoluindo com imunidade adquirida, deve apresentar a seguinte sorologia: a) Hbsag + / anti-Hbc IgM + / anti-Hbs – b) Hbsag - / anti-Hbc IgM + / anti-Hbs + c) Hbsag + / anti-Hbc IgG + / anti Hbs – d) Hbsag - / anti-Hbc IgG + / anti Hbs +  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

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Infectologia | Questões para treinamento HMTJ-MG – Endoscopia – 2013 58. Paciente chega ao consultório com sorologia positiva para hepatite B. Assinale a alternativa CORRETA: a) HbsAg (-), anti-Hbc (+), anti-Hbs(+): esse paciente recebeu vacina para vírus da hepatite B b) HbsAg (-), anti-Hbc (+), anti-Hbs (-), HbeAg (-), anti-Hbe (-): esse paciente é um portador crônico assintomático c) HbsAg (+), anti-Hbc (+), anti-Hbs (-), HbeAg (-), anti-Hbe (+): esse paciente é portador de mutação pré-core da hepatite B d) HbsAg (-), anti-Hbc (-), anti-Hbs (+): esse paciente recebeu vacina para vírus da hepatite B  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Hospital Municipal São José-SC – Nefrologia – 2013 59. A poliarterite nodosa tem sido descrita relacionando-a mais comumente com o vírus da hepatite: a) A b) B c) C d) D e) E  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Hospital Municipal São José-SC – Nefrologia – 2013 60. A interpretação mais provável para paciente anti-HBs positivo, HBsAg negativo e anti-HBc IgG negativo é: a) hepatite crônica B b) portador inativo do vírus B c) hepatite aguda em resolução d) cirrose hepática avançada e) resposta à vacinação  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA INCA-RJ – Medicina Intensiva – 2013 61. Em um paciente portador de hepatite B crônica, o marcador sorológico cuja detecção sugere redução ou ausência de replicação viral denomina-se: a) HBe Ag b) HBs Ag c) Anti-HBe d) Anti-HBc  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

INCA-RJ – Clínica Médica – 2013 62. Na hepatite A, o marcador sorológico de infecção aguda, detectada desde o início do quadro clínico, denomina-se: a) HAV IgG b) HAV IgM c) anti-HAV IgM d) anti-HAV IgG  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Santa Casa-MS – Anestesiologia – 2013 63. Paciente que realizou exames laboratoriais de sorologia para hepatites virais recebeu o seguinte resultado: HBsAg -, anti HBeAg -, anti-HBsAg +, HBeAg -, anti-HBc IgM - , anti-HBc IgG + e anti HVC +. Com base nesses dados, a alternativa CORRETA é: a) hepatite B aguda, e confirmar infecção hepatite C através do HCV RNA quantitativo b) imunidade vacinal ao HBV e confirmar infecção hepatite C através do HCV RNA qualitativo c) hepatite B crônica e confirmar infecção hepatite C através do RNA quantitativo d) hepatite B aguda e confirmar infecção hepatite C através do anti- HCV e) infecção por HBV prévia e curada e confirmar infecção hepatite C através do HCV RNA qualitativo  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA Santa Casa-MS – Pediatria – 2013 64. Menina de 10 anos, com história de ter sido abusada sexualmente há 6 meses, não tendo recebido profilaxia adequada na época, apresenta o seguinte resultado sorológico para hepatites: Anti-HVA IgM (-) ; Anti-HVA IgG(+); HBsAg(+); Anti-HBc IgM(+); Anti-HBc total(+); HBeAg(+); Anti-HBe(-); Anti-HBs(-); Anti-HCV(-). Baseando-se nesses dados, pode-se afirmar que a criança encontra-se: a) em fase aguda de hepatite A b) em fase de plena replicação do vírus da hepatite B c) em fase de convalescença de hepatite B d) imune à hepatite B e) imune à hepatite C  ACERTEI     ERREI     DÚVIDA

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GABARITO COMENTADO

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Hepatites virais

1. Questão, na verdade, é de porfiria, que representa um grupo de oito distúrbios metabólicos causados por atividades alteradas das enzimas dentro da via biossintética do heme, com consequente acúmulo de vários precursores dessa rota. A alteração na atividade enzimática ocorre geralmente devido a uma mutação herdada no gene para aquela enzima. O heme é essencial para todas as células e funciona como o grupo prostético de numerosas hemoproteínas, como hemoglobina, mioglobina, citocromos P450 (CYPs), óxido nítrico sintase, entre outras. A tabela abaixo mostra a classificação das porfirias, mostrando o tecido e enzimas afetadas. Classificação das porfirias Doenças

Classificação

Enzima afetada

Herança

Tecido

Características clínicas

Porfiria delta-aminolevulínica ácido deidratase (PAD)

Hepático

Aguda

ALA deidratase (ALAD)

Autossômica recessiva

Porfiria (PIA)

Hepático

Aguda

Porfobilinogênio desamiase (PBGD)

Autossômica dominante

Hepático

Aguda e cutânea

Coproporfirinogênio oxidase (CPO)

Autossômica dominante

Porfiria variegata (PV)

Hepático

Aguda e cutânea

Protoporfirinogênio oxidase (PPO)

Autossômica dominante

Porfiria cutânea tarda (PCT)

Hepático

Cutânea

Uroporfirinogênio descarboxilase (UROD)

Autossômica dominante

Porfiria (PHE)

Hepático

Cutânea

Uroporfirinogênio descarboxilase (UROD)

Autossômica recessiva

Porfiria eritropoiética congênita (PEC)

Eritropoiético

Cutânea

Uroporfirinogênio III sintase (UROS)

Autossômica recessiva

Protoporfiria eritropoiética (PPE) – forma clássica

Eritropoiético

Cutânea

Ferroquelatase (FECH)

Autossômica dominante

Protoporfiria eritropoiética (PPE) – forma variante

Eritropoiético

Cutânea

Delta-aminolevulinato sintase – forma eritroide específica (ALAS2)

Recessiva ligada ao X

intermitente

Coproporfiria (CPH)

aguda

hereditária

hepatoeritropoiética

A porftria cutânea tardia (PCT) é o tipo mais comum de porfiria humana e está associada à diminuição da atividade da enzima uroporfirinogênio descarboxilase. Existem dois tipos básicos de PCT: (1) o tipo esporádico ou adquirido, encontrado geralmente em indivíduos que ingerem etanol ou são submetidos a tratamento com estrogênios; e (2) o tipo hereditário, no qual há transmissão autossômica dominante de atividade enzimática deficiente. As duas formas estão associadas a aumento das reservas hepáticas de ferro.


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Cirurgia geral | Gabarito comentado Nos dois tipos de PCT, o aspecto predominante é o de fotossensibilidade crônica, caracterizada por maior fragilidade da pele exposta ao sol, particularmente nas áreas sujeitas a traumatismo repetido, como o dorso das mãos, os antebraços, a face e as orelhas. As lesões cutâneas predominantes são vesículas e bolhas que se rompem, produzindo erosões úmidas, frequentemente com base hemorrágica, que cicatrizam lentamente com a formação de crostas e coloração arroxeada da pele afetada. Hipertricose, alteração pigmentar mosqueada e endurecimento semelhante à esclerodermia são manifestações associadas. A confirmação bioquímica do diagnóstico de PCT pode ser obtida pela determinação da excreção urinária de porfirina, pelo teste da porfirina plasmática e pelo teste de uroporfirinogênio descarboxilase eritrocitária e/ou hepática. Múltiplas mutações do gene da uroporfirinogênio descarboxilase foram identificadas em populações humanas. Alguns pacientes com PCT apresentam mutações associadas no gene HFE, que é ligado à hemocromatose; essas mutações podem contribuir para a sobrecarga de ferro encontrada na PCT, embora o estado do ferro, quando medido por ferritina sérica, níveis de ferro e saturação de transferrina, não seja diferente do exibido por pacientes com PCT sem mutações no HFE. A infecção prévia pelo vírus da Hepatite C parece ser um fator de risco independente para a PCT. Resposta a. 2. O VHB possui alta infectividade (superior à do VHC – alternativa C correta), sendo facilmente transmitido pela via sexual, por transfusões de sangue, procedimentos médicos e odontológicos e hemodiálises sem as adequadas normas de biossegurança, pela transmissão vertical (mãe-filho), por contatos íntimos domiciliares (compartilhamento de escova dental e lâminas de barbear), acidentes perfurocortantes, compartilhamento de seringas e de material para a realização de tatuagens e piercings. O risco de cronificação pelo VHB depende da idade na qual ocorre a infecção. Assim, em menores de um ano chega a 90%, entre 1 e 5 anos esse risco varia entre 20 e 50% e em adultos, entre 5 e 10%. Portadores de imunodeficiência congênita ou adquirida evoluem para a cronicidade com maior frequência. Já, o VHC possui maior virulência, porém menor infectividade comparado ao VHB. A taxa de cronificação varia entre 60 e 90%, sendo maior em função de alguns fatores do hospedeiro (sexo masculino, imunodeficiências, idade maior que 40 anos). Em média, de um quarto a um terço dos pacientes evolui para formas histológicas graves, num período de 20 anos. Esse quadro crônico pode ter evolução para cirrose e hepatocarcinoma, fazendo com que o HCV seja, hoje em dia, responsável pela maioria dos transplantes hepáticos no Ocidente. O uso concomitante de bebida alcoólica, em pacientes portadores do HCV, determina uma maior propensão para desenvolver cirrose hepática. Resposta c.

3. Os exames mostram a presença de HBsAg, anti-HBc e HBeAg positivos. Lembre-se de que a persistência do HBsAg por mais de 6 meses é indicativo de Hepatite B crônica. Já a presença de HBeAg é indicativo de replicação viral e, portanto, de alta infectividade; está presente na fase aguda, surgindo após o aparecimento do HBsAg e pode permanecer por até 10 semanas. Na Hepatite crônica pelo HBV, a presença do HBeAg indica replicação viral e atividade da doença (maior probabilidade de evolução para cirrose). O anti-HBc (anticorpos IgG contra o antígeno do núcleo do HBV) é um marcador que indica contato prévio com o vírus. Permanece detectável por toda a vida nos indivíduos que tiveram a infecção (mesmo naqueles que não cronificaram, ou seja, eliminaram o vírus). Representa importante marcador para estudos epidemiológicos. Assim, a apresentação do caso sugere estarmos diante de uma paciente portadora de Hepatite B crônica (fase imunoativa – HbeAg positivo). Em pacientes com Hepatite B crônica com HBeAg positivo sem cirrose, o tratamento deve ser iniciado quando o DNA do VHB for > 20.000 unidades internacionais/mL (> 105 cópias/mL) e a ALT for > 2x o limite superior da normalidade, considerado até 30 U/L para homens e 19 U/L para mulheres (observe que a ALT da paciente está mais do que duas vezes o limite superior da normalidade). Com relação à biopsia hepática, em pacientes HBeAg reagente não cirróticos, a biópsia é facultativa, devendo, entretanto, ser recomendada para pacientes maiores de 40 anos, principalmente do sexo masculino, independentemente das aminotransferases. Diante do exposto, a melhor alternativa é a letra “A”. Resposta a. 4. Os exames indicam Hepatite B aguda, conforme presença de anti-HBc IgM+ e HBeAg+ (apesar de não citado, o HBsAg deve ser positivo), o que explica os sintomas da paciente e a elevação importante das transaminases hepáticas. Observe que a paciente possui anti-HBs-, o que é indicativo de ausência de imunidade contra o VHB, seja por esquema vacinal incompleto ou resposta vacinal inadequada. Infelizmente, após o acidente com material perfurocortante de fonte indeterminada, ocorreu exposição e infecção pelo VHB. A presença de anti-HVA IgM-, em associação com anti-HVA IgG+, indica exposição prévia ao vírus da Hepatite A, o que geralmente ocorre na infância. Caso ocorra uma exposição a materiais biológicos com risco conhecido, ou provável, de infecção pelo VHB, em pessoas sem proteção vacinal, deve-se utilizar a imunoglobulina hiperimune contra Hepatite B (IGHAHB). A IGHAHB, quando indicada, é aplicada por via IM. Ela fornece imunidade provisória por um período de 3 a 6 meses após a administração. É constituída por mais de 100.000 UI de anti-HBs; sendo produzida SJT Residência Médica


4  Hepatites virais a partir de plasma de indivíduos que desenvolvem altos títulos de anti-HBs quando são submetidos à imunização ativa contra a Hepatite B. A gravidez e a lactação não são contraindicações para a utilização da IGHAHB. Existe maior eficácia na profilaxia pós-exposição quando a imunoglobulina é utilizada dentro das primeiras 24-48 horas após o acidente. Não existe benefício comprovado após uma semana da exposição. Como a paciente do caso sofreu exposição há seis semanas, NÃO há indicação de IGHAHB no presente caso. O tratamento com antivirais como interferon e lamividuna só está indicado em casos de Hepatite B crônica com replicação viral ativa. Assim, neste momento o tratamento deve ser sintomático (não existe tratamento específico para a forma aguda) e expectante. Lembre-se de que o risco de cronificação pelo VHB em adultos oscila entre 5 e 10%. Resposta e. 5. A presença de anti-HBc, IgG reagente indica infecção pregressa pelo vírus da Hepatite B (HVB). Já o anticorpo superficial do HBV (anti-HBs) pode aparecer tardiamente na fase convalescente, e sua presença em altos títulos indica imunidade. Também é marcador de resposte imune à vacinação. Este exame deve ser solicitado apenas em serviços de referência para pacientes com Hepatite B crônica ou avaliação da resposta vacinal. Assim, em pacientes sem contato prévio com o HVB, mas que tenham recebido a vacina contra este vírus, os exames indicam apenas anti-HBs reagente (o que não é o caso do paciente acima, já que o anti-HBc, IgG também é reagente). O estado de portador crônico na Hepatite B é definido pela persistência do HBsAg por pelo menos 6 meses, o que ocorre em 5-10% dos adultos após Hepatite aguda. Observe no caso acima que o HBsAg é negativo, indicando, portanto, que o paciente não evoluiu com cronificação da Hepatite.

Assim, no caso especificamente dos exames relacionados ao HBV, a interpretação é de infecção prévia pelo mesmo, com resolução espontânea e desenvolvimento de imunidade contra este vírus. Devido à cicatriz sorológica, pelos protocolos de banco de sangue, a doação não é permitida por questões de segurança. A presença de anti-HCV positivo indica contato prévio com o HCV; já a presença de anti-HVA, IgG positivo, de modo similar, indica infecção prévia pelo HVA (o que geralmente ocorre na infância), com este marcador indicando a presença de imunidade contra o VHA. Resposta a. 6. As manifestações extra-hepáticas da Hepatite C são múltiplas e de frequência variável, podendo preceder a apresentação clínica da doença hepática crônica, e em alguns pacientes, direcionando a pesquisa diagnóstica para o vírus C. Entre estas manifestações, o processo inflamatório em pequenas e médias artérias, conhecido como vasculite, pode originar polineurites, artrites, glomerulopatias e lesões dérmicas. As manifestações extra-hepáticas do vírus da Hepatite C podem ser dermatológicas (vasculite cutânea necrotizante, líquen plano, porfiria cutânea tarda, eritema nodoso, eritema multiforme, malacoplaquia, urticária e prurido), endócrinas (hipertireoidismo, hipotireoidismo, doença de Hashimoto e diabete mellitus), glandulares salivares (sialoadenites, Síndrome de Sjögren), oculares (uveítes e úlcera de córnea de Mooren), hematológicas e linfoides (crioglobulinemia, vasculite, anemia aplástica, púrpura trombocitopênica autoimune e linfoma não-Hodgkin B), renais (glomerulonefrite), neuromusculares (fraqueza muscular e neuropatia periférica), articulares (artrite e artralgia), e outras (poliarterite nodosa, fibrose pulmonar, síndrome de CREST, vasculite pulmonar, cardiomiopatia hipertrófica, granulomas, e Hepatite autoimune). Neoplasia de pâncreas não é relatada com o HCV. Resposta c.

7. As manifestações cutâneas são possivelmente causadas por antígenos virais ou por linfócitos infectados pelo HCV depositados na pele. Biópsia cutânea tem demonstrado a presença destes antígenos virais nas lesões de pele das púrpuras palpáveis de pacientes com crioglobulinemia. As lesões de pele podem ser os primeiros sinais ou mesmo os únicos sinais da existência de infecção pelo HVC. Por isto é de grande utilidade saber reconhecer e relacioná-las com esta infecção. A tabela abaixo cita as manifestações cutâneas na Hepatite C. Manifestações cutâneas na Hepatite C Manifestações comumente associadas

Manifestações associadas

Manifestações incomuns

Crioglobulinemia

Líquen plano

Eritema nodoso

Porfiria cutânea tarda

Síndrome de Sjögren

Eritema multiforme

Vasculite leucocitoclástica (púrpura palpável)

Prurido de causa inespecífica

Telangiectasia nevoide unilateral

Urticária Poliarterite nodosa

Pioderma gangrenoso Vitiligo Psoríase Granuloma anular disseminado superficial Síndrome de Behçet Poroqueratose actinica

Livedo reticular

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Cirurgia geral | Gabarito comentado A resposta da questão, observando-se a tabela acima, torna-se clara: líquen plano. O líquen plano (LP) é uma doença de curso benigno caracterizada clinicamente por pápulas planas, poligonais, purpúricas e pruriginosas. É frequentemente associado com doenças crônicas do fígado. A ocorrência concomitante de LP infecção pelo HCV foi descrita pela primeira vez em pacientes individuais de Mokni et. col., e Agner, Fogh e Weismann em 1991. O mecanismo pelo qual o HCV induz o LP é desconhecido, porém está possivelmente relacionado à replicação viral nos linfócitos. O HCV é encontrado mais frequentemente em pacientes que apresentam LP generalizado, LP de mucosa principalmente variante erosiva e LP de duração crônica. Em estudo prévio realizado pela Mayo Clinic, com pacientes com HCV associado à LP, foi observado que as lesões de LP estavam relacionadas à doença de longa duração, distribuição generalizada e alto índice de acometimento de mucosa. Apesar do papel do HCV no desenvolvimento de LP não estar muito claro, é importante recomendar a pesquisa sistemática do HCV em pacientes com LP, particularmente aqueles com acometimento oral ou distribuição generalizada, onde a associação com HCV é mais encontrada. A terapia efetiva para Hepatite C parece não melhorar significativamente as lesões de LP na maioria dos pacientes. Resposta d. 8. Caso típico de Hepatite C aguda. Observe que o paciente possuía proteção vacinal contra o HBV (anti-HBs positivo). Sintomas de infecção aguda pelo HCV podem ter início cerca de 6-12 semanas após a exposição ao mesmo. Em apenas 20% dos pacientes sintomáticos o início dos sintomas precede à soroconversão, a qual raramente ocorre em período superior a 6 meses. Os níveis séricos de alanina aminotransferase (ALT/TGP) começam a aumentar entre 2 e 8 semanas após a exposição, traduzindo necrose do hepatócito; frequentemente atingem níveis superiores a 10 vezes o limite superior da normalidade, normalmente com padrão flutuante, caracterizando a infecção aguda. Após a exposição ao vírus da Hepatite C, o RNA-HCV poderá ser identificado no soro antes da presença do anti-HCV (o que corresponde à apresentação do caso acima). A presença do RNA-HCV pode ocorrer cerca de 2 semanas após a exposição. O nível do HCV-RNA aumenta rapidamente durante as primeiras semanas, atingindo seus níveis máximos entre 105 e 107 UI/mL, imediatamente antes do pico dos níveis séricos de aminotransferases, coincidindo com o início dos sintomas, exceto nos assintomáticos. Na Hepatite C aguda autolimitada, que ocorre em 15-25% dos casos, os sintomas podem persistir durante semanas e diminuem com o declínio da ALT/TGP e dos níveis de HCV-RNA, não sendo mais detectados 6 meses após o início da infecção.

A infecção aguda pelo HCV pode ser grave, mas a falência hepática fulminante é rara. O clareamento viral espontâneo após a infecção aguda pelo HCV ocorre em cerca de 20-25% dos casos. Alguns fatores do hospedeiro têm sido identificados como associados ao clareamento viral espontâneo: idade abaixo de 40 anos, sexo feminino, aparecimento de icterícia e fatores genéticos. A fase aguda da Hepatite C dura seis meses e caracteriza-se pela elevação das aminotransferases séricas, principalmente ALT/TGP, associada ou não a período prodrômico, caracterizado por náuseas, vômitos, fadiga, febre baixa e cefaleia. Posteriormente, podem aparecer outras manifestações clínicas, tais como dor abdominal, icterícia, prurido, colúria, acolia e artralgias, junto com o aparecimento de HCV-RNA. Definição de caso de Hepatite aguda C: Soroconversão recente (menos de 6 meses) do anti-HCV documentada (anti-HCV não reagente no início dos sintomas ou no momento da exposição, convertendo para anti-HCV reagente na segunda dosagem, realizada com intervalo de 90 dias). anti-HCV não reagente e detecção do HCV-RNA por volta de 90 dias após o início dos sintomas ou da data da exposição, quando esta for conhecida em indivíduos com histórico de exposição potencial ao HCV. Vários esquemas terapêuticos têm sido propostos e avaliados para o tratamento da Hepatite C aguda. Independentemente do esquema utilizado, verificam-se elevadas taxas de resposta virológica sustentada. Critérios para início do tratamento: Pacientes sintomáticos (justamente o caso acima): recomenda-se aguardar 12 semanas após o início dos sintomas, no caso de não ter havido clareamento viral espontâneo (HCV-RNA negativo).

Pacientes assintomáticos: recomenda-se iniciar o tratamento imediatamente após o diagnóstico, em média quatro semanas após a exposição, principalmente nas populações de maior risco: pessoas expostas a acidentes com instrumentos perfurocortantes, pacientes de hemodiálise e usuários de drogas endovenosas. Resposta b.

9. Inicialmente, calculando-se o escore Child-Pugh, temos que o paciente tem 11 pontos (encefalopatia hepática: 2 pontos; ascite refratária: 3 pontos; bilirrubinas (entre 2-3 mg/dL): 2 pontos; albumina (entre 2,8 e 3,5 g/dL): 2 pontos; RNI (entre 1,7-2,3): 2 pontos. Ou seja, estamos diante de um paciente com hepatopatia grave (classe C de Child-Pugh). Conforme o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções do Ministério da Saúde (2015), os pacientes portadores de genótipo 1a e 1b do vírus da Hepatite C terão tratamento indicado de acordo com os critérios da tabela abaixo. SJT Residência Médica


4  Hepatites virais Não há distinção de regime terapêutico conforme subgenótipo. A diferenciação é determinada exclusivamente por experimentação com medicamento, status de fibrose avançada, insuficiência hepática e presença de comorbidades. Tratamento da Hepatite C – Genótipo 1 Genótipo 1

Regime terapêutico

Tempo

Monoinfecção HCV

Sofosbuvir + simeprevir* Sofosbuvir + daclatasvir*

12 semanas

Coinfecção HIV/HCV sem cirrose Child B ou C

Sofosbuvir + daclatasvir*

12 semanas

Sofosbuvir + daclatasvir*

24 semanas

Cirrose Child B ou C Experimentado Boc-Tel Coinfecção HIV/HCV com cirrose Child B ou C

* Apesar da existência de braços comparativos entre regimes terapêuticos distintos com os novos medicamentos e a associação com ribavirina, o papel desse antiviral para pacientes portadores de Hepatite C durante o tratamento em regime sem alfapeguinterferona ainda não está completamente esclarecido. O acréscimo da ribavirina aos regimes sofosbuvir + simeprevir e sofosbuvir + daclatasvir poderá ser realizado especialmente em pacientes portadores de cirrose hepática, pacientes com resposta nula à terapia prévia e pacientes portadores de coinfecção com HIV, independentemente do grau de fibrose (The European Association for the Study of the Liver, 2015). A posologia recomendada de ribavirina é de 11 mg/kg/dia. Pode-se utilizar, como regra, a administração de 1 g para pacientes com peso inferior a 75 kg e l,25 g para pacientes com peso superior a 75 kg. Assim, como estamos diante de um caso de monoinfecção de HCV, com cirrose Child C, o tratamento envolve o uso de sofosbuvir + daclatasvir por 24 semanas. Além disso, em virtude da ausência de resposta a tratamentos antivirais prévios, também se recomenda a adição da ribavirina à combinação com sofosbuvir + daclatasvir. As doses recomendadas encontram-se descritas abaixo: Ribavirina comprimidos de 250 mg – 11 mg/kg/ dia, via oral, ou 1 g (< 75 kg) e 1,2 g (> 75 kg).

Sofosbuvir comprimidos de 400 mg – 400 mg/ dia, via oral.

Daclatasvir comprimidos de 60 mg – 60 mg/dia, via oral. Resposta c.

10. A presença de anticorpos e do RNA para o HCV reagentes é indicativo de infecção por este vírus. O marcador sorológico anti-HCV, quando positivo, indica contato prévio com o HCV, entretanto não define se é infecção aguda ou pregressa e curada espontaneamente, ou se houve cronificação da doença. A presença do vírus deve ser confirmada pela pesquisa qualitativa de HCV-RNA, que também se mostrou positiva no caso acima, sugerindo Hepatite C crônica. SJT Residência Médica

A presença de HBsAg e anti-HBc (IgM e IgG) reagentes é indicativo de infecção aguda pelo HBV. Como o anti-HBsAg é não reagente, pode-se concluir que a paciente não possui imunidade atual contra o HBV. A presença de anti-HVA (IgM não reagente; IgG reagente) indica contato prévio com o vírus da HVA, traduzindo em imunidade permanente a este vírus. Caso o anti-HVA IgM fosse reagente, o quadro laboratorial seria indicativo de infecção aguda pelo HVA. Não ocorre cronificação de casos de Hepatite A. Resposta b. 11. O Anti-HBc (anticorpos IgG contra o antígeno do núcleo do HBV) é um marcador que indica contato prévio com o vírus. Permanece detectável por toda a vida nos indivíduos que tiveram a infecção (mesmo naqueles que não cronificaram, ou seja, eliminaram o vírus). Representa importante marcador para estudos epidemiológicos. O HBsAg é um marcador tanto de infecção aguda como crônica pelo HBV, com esta última situação sendo definida quando este marcador se encontra presente por mais de 24 semanas. Como o HBsAg encontra-se negativo, podemos concluir que o paciente teve contato prévio com o HBV, mas o seu sistema imune conseguiu neutralizar o vírus, prevenindo a ocorrência de cronificação. Por outro lado, esperar-se-ia nessa situação a presença de anti-HBs reagente (evolução para cura), que se mostrou negativo no presente caso. Diante desse caso, podemos estar diante de um falso positivo ou infecção oculta, situação na qual a mensuração da carga viral do HBV pode permitir esclarecimento diagnóstico (HBV-DNA). De fato, a única alternativa incorreta é a letra A. Não há qualquer sentido em se iniciar tratamento para Hepatite B no caso cima, uma vez que não evidência de Hepatite B crônica (HBsAg negativo) no momento. Resposta a. 12. Quadro clinicolaboratorial sugestivo de hepatite viral aguda. Do ponto de vista laboratorial, o diagnóstico de hepatite viral A aguda é estabelecido pela detec-

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Cirurgia geral | Gabarito comentado ção de anti-HAV IgM. Esse teste sorológico identifica anticorpos que reagem contra as proteínas do capsídeo do vírus A, sendo positivo em praticamente 100% das pessoas infectadas pelo vírus A. O anticorpo IgM persiste por três a seis meses na maioria dos casos e é raramente detectado após a vacinação. No caso da hepatite B aguda, o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg) é o primeiro marcador a aparecer, geralmente precedendo as manifestações clínicas (está presente também no portador crônico). Anticorpos tipo IgM contra o antígeno core do vírus da hepatite B (anti-HBc IgM) aparecem no início da hepatite clínica e é um marcador de infecção aguda ou subaguda. A única indicação deste exame é na investigação de casos de hepatite aguda. O antígeno “e” do vírus da hepatite B (HBeAg) é detectado logo após o aparecimento do HbsAg e sua presença indica replicação viral ativa. Sua positividade se verifica entre a 8ª e a 12ª semanas após a infecção. Com relação à hepatite C, o anti-HCV não permite diferenciar infecção atual ou pregressa. Pacientes com este exame positivo devem ser encaminhados para serviço de referência para realização de pesquisa do RNA-HCV através de exame de biologia molecular (PCR qualitativo) para definição de infecção ativa. A alternativa C mostra correta, com marcadores compatíveis com hepatite B viral aguda. Resposta c. 13. A presença de AgHBs reagente ocorre tanto na hepatite B viral aguda, como nos casos de infecção crônica. Infecção resolvida, ou seja, desenvolvimento de imunidade após hepatite B não se procede, uma vez que o anti-HBs é não reagente. Outro dado a ser ressaltado refere-se aos valores de transaminases (AST e ALT). As enzimas hepáticas geralmente apresentam valores muito elevados, podendo atingir valores superiores a 1.000 UI/L a partir de duas semanas após a exposição. Valores mais baixos, porém, persistentes, sugerem infecção crônica. A presença de AgHBs reagente com AgHBe não reagente sugere infecção crônica com baixa replicação viral. Em casos de hepatite B crônica, o tratamento específico é indicado para os pacientes com viremia plasmática do HBV mais alta (> 10.000 cópias/mL), replicação viral ativa (HBeAg positivos) e com alterações de enzimas hepáticas (dano hepatocitário crônico), objetivando cura clínica e não progressão do quadro para cirrose e câncer hepatocelular. Assim, a melhor conduta neste momento envolve a determinação da viremia, um marcador mais preciso de replicação viral, o que ajudará na definição da conduta terapêutica. Resposta a. 14. Quadro clínico sugestivo de hepatite viral aguda, em que podem ser observados sintomas prodrômicos como anorexia, náuseas, vômitos, fadiga, mal-estar, artralgias, mialgias, cefaleia, fo-

tofobia, faringite, tosse e coriza, geralmente precedendo a icterícia em uma a duas semanas. Febre baixa entre 38°C e 39°C está mais associada à hepatite A. Colúria e acolia fecal podem anteceder a icterícia clínica em 1 a 5 dias. A identificação de anti-HCV positivo sugere tanto infecção atual ou pregressa pelo vírus da hepatite C, o que não é o caso na presente questão, uma vez que este exame foi não reagente. Na hepatite B, o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg) é o primeiro marcador a aparecer, geralmente precedendo as manifestações clínicas. Anticorpos tipo IgM contra o antígeno core do vírus da hepatite B (anti-HBcIgM) aparecem no início da hepatite clínica e é um marcador de infecção aguda ou subaguda. Ocorrendo cronificação da infecção, observa-se o desaparecimento do anti-HBc IgM, aparecendo em sequência o anti-HBc IgG. O antígeno “e” do vírus da hepatite B (HBeAg) é detectado logo após o aparecimento do HBsAg e sua presença indica replicação viral ativa, positivando-se entre a 8ª e a 12ª semanas após a infecção. Esse marcador é paulatinamente substituído pelo anti-HBe, o que reduz de forma considerável a replicação viral. Em suma, os exames apresentados sugerem hepatite B aguda. Em pacientes adultos com hepatite B aguda, observa-se doença autolimitada com resolução clínica em 20-30 dias e posterior soroconversão com surgimento de anti-HBe e anti-HBs. Vale ressaltar que nesta fase, cerca de 70% dos pacientes apresentará doença anictérica. Outra possibilidade é a ocorrência de cronificação, ou seja, estado de portador crônico, definido pela persistência do HBsAg após 6 meses e ocorre em 5% dos adultos com hepatite aguda. O risco de tornar-se crônica é inversamente proporcional à idade em que ocorre a infecção, com adultos apresentando taxas de cronicidade inferiores a 5% e, nos infectados durante o período neonatal, taxas de cerca de 90%. Existe, ainda, a hepatite fulminante, que ocorre em 1% dos casos em decorrência da necrose maciça, imunomediada pelo desenvolvimento de sinais de insuficiência hepática aguda com encefalopatia e coagulopatia. Resposta b. 15. O risco de contaminação pelo vírus da Hepatite B (HBV) está relacionado, principalmente, ao grau de exposição ao sangue no ambiente de trabalho e também à presença ou não do antígeno HBeAg no paciente-fonte. Em exposições envolvendo sangue sabidamente infectado pelo HBV, paciente-fonte com HBsAg positivo) e com a presença de HBeAg (o que reflete uma alta taxa de replicação viral e, portanto, uma maior quantidade de vírus circulante), o risco de hepatite clínica varia entre 22 a 31% e o da evidência sorológica de infecção de 37 a 62%. Quando o paciente-fonte apresenta somente a presença de HBsAg (HBeAg-negativo), o risco de hepatite clínica varia de 1 a 6% e o de soroconversão 23 a 37%. SJT Residência Médica


4  Hepatites virais De fato, o esquema vacinal para o HBV é composto por uma série de três doses da vacina com intervalos de zero, um e seis meses. Um a dois meses após a última dose (com intervalo máximo de 6 meses), o teste sorológico anti-HBs pode ser realizado para confirmação da resposta vacinal (presença de anticorpos protetores com títulos acima de 10 mUI/ mL). Entretanto, observe que, apesar das três doses, a técnica de enfermagem não possui imunidade adequada contra o HBV, o que deve ser levado em consideração neste caso. Assim, quando não há resposta vacinal adequada após a primeira série de vacinação, em casos de exposição ao HBV, sugere-se uma dose adicional da vacina específica, em associação com a administração da imunoglobulina hiperimune contra este vírus (IGHAHB), aplicada por via IM. Esta fornece imunidade provisória por um período de 3 a 6 meses após a administração. É constituída por mais de 100.000 UI de anti-HBs; sendo produzida a partir de plasma de indivíduos que desenvolvem altos títulos de anti-HBs quando são submetidos à imunização ativa contra a hepatite B. A gravidez e a lactação não são contraindicações para a utilização da IGHAHB. Existe maior eficácia na profilaxia pós-exposição quando a imunoglobulina é utilizada dentro das primeiras 24 a 48 horas após o acidente. Não existe benefício comprovado após uma semana da exposição. Com relação à profilaxia para HIV, observe que a sorologia é não reagente. Entretanto, os anticorpos para o vírus HIV geralmente levam meses para se tornarem positivos. Como o anti-HIV foi realizado há apenas 28 dias, podemos estar diante de um falso-negativo, também justificando a realização de quimioprofilaxia pós-exposição por 28 dias. Outra observação: não existe vacina para o HCV. Resposta d. 16. Inicialmente, os exames não fazem qualquer menção ao vírus da hepatite C, cujo marcador disponível é o anti-HCV. A presença de anti-HBc total (reagente) indica infecção pregressa pelo vírus da hepatite B (HBV). Já o anticorpo superficial do HBV (anti-HBs) pode aparecer tardiamente na fase convalescente, e sua presença em altos títulos indica imunidade. Também é marcador de resposte imune à vacinação. Este exame deve ser solicitado apenas em serviços de referência para pacientes com hepatite B crônica ou avaliação da resposta vacinal. Assim, em pacientes sem contato prévio com o HBV, mas que tenham recebido a vacina contra este vírus, os exames indicam apenas anti-HBs reagente (alternativas B e C incorretas). O estado de portador crônico na hepatite B é definido pela persistência do HBsAg por pelo menos 6 meses, o que ocorre em 5% dos adultos após hepatite aguda. Observe no caso acima que o HBsAg é negativo, indicando, portanto, que o paciente não evoluiu com cronificação da hepatite (alternativas A e D incorretas). SJT Residência Médica

Assim, os exames apresentados sugerem infecção prévia pelo HBV, com resolução espontânea e desenvolvimento de imunidade contra o mesmo. Resposta e. 17. O Programa Nacional de Hepatites Virais (PNVH), criado em fevereiro de 2002, visa a estabelecer diretrizes e estratégias junto às diversas áreas programáticas do setor Saúde e aos níveis do Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de sistematizar os esforços que vêm sendo empreendidos pelos profissionais ao longo dos anos, desde a identificação das hepatites, além de inserir a temática dentro das políticas públicas de saúde, visando ao controle efetivo das infecções em nosso meio. Os objetivos do Programa são: desenvolver as ações de promoção da saúde, prevenção e assistência aos pacientes com hepatites virais; reforçar a vigilância epidemiológica e sanitária; ampliar o acesso e incrementar a qualidade e a capacidade instalada dos serviços de saúde em todos os seus níveis de complexidade; organizar, regulamentar, acompanhar e avaliar o conjunto das ações de saúde na área de hepatites. Pela grande heterogeneidade da organização de serviços no território nacional e, frequentemente, dentro de um mesmo estado da federação, o PNVH optou por iniciar o trabalho de aconselhamento e testagem sorológica das hepatites virais nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), onde já são realizadas estas atividades para o HIV. Isto não está em contraposição ao trabalho já desenvolvido em vários municípios por meio de suas UBS, sendo também meta do PNHV, em médio prazo, descentralizar a triagem sorológica das hepatites virais com a maior capilaridade possível. A testagem das hepatites poderá ser estimulada por meio de ações educativas, quando serão informados os seus modos de transmissão, o que possibilitará às pessoas a percepção de sua exposição ao risco de infecção. Já existe, de fato, uma demanda reprimida, representada por pessoas que receberam transfusão sanguínea antes de 1993, quando ainda não era realizada a triagem sorológica da hepatite C nos bancos de sangue, pela falta de testes comerciais disponíveis. Outras maneiras de aquisição dos vírus, como compartilhamento de materiais perfurocortantes (seringas e agulhas) e todas aquelas que, pela plausibilidade biológica propiciam passagem de sangue de uma pessoa a outra, devem ser investigadas. Essas novas demandas exigem uma redefinição da rotina destes serviços, cabendo aos CTA em relação às hepatites: Ofertar a todos os seus usuários a triagem sorológica das hepatites B e C vinculada ao aconselhamento. Referenciar, quando necessário, os usuários para outros serviços de saúde na atenção básica ou na média complexidade. Assim, a melhor resposta é a letra D. Resposta d.

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Cirurgia geral | Gabarito comentado 18. A presença de anti-HBc total (reagente) indica infecção pregressa pelo vírus da hepatite B (HBV). Já o anticorpo superficial do HBV (anti-HBs) pode aparecer tardiamente na fase convalescente, e sua presença em altos títulos indica imunidade. Também é marcador de resposte imune à vacinação. Este exame deve ser solicitado apenas em serviços de referência para pacientes com hepatite B crônica ou avaliação da resposta vacinal. Assim, em pacientes sem contato prévio com o HBV, mas que tenham recebido a vacina contra este vírus, os exames indicam apenas anti-HBs reagente (alternativa A incorreta). O estado de portador crônico na hepatite B é definido pela persistência do HBsAg por pelo menos 6 meses, o que ocorre em 5% dos adultos após hepatite aguda. Observe no caso acima que o HBsAg é negativo, indicando, portanto, que o paciente não evoluiu com cronificação da hepatite (alternativa B incorreta). Assim, no caso especificamente dos exames relacionados ao HBV, a interpretação é de infecção prévia pelo mesmo, com resolução espontânea e desenvolvimento de imunidade contra este vírus. Devido à cicatriz sorológica, pelos protocolos de banco de sangue, a doação não é permitida por questões de segurança. A presença de anti-HCV indica ausência de contato prévio com este vírus, enquanto anti-HIV não reagente indica ausência de anticorpos contra o vírus HIV. Resposta e. 19. O teste mais conhecido para sífilis é o Veneral Disease Research Laboratory (VDRL), com este podendo ser qualitativo (reagente ou não reagente) ou quantitativo (com a titulação de anticorpos descrita). Como os seus títulos correlacionam-se diretamente com a atividade da doença, o VDRL quantitativo é preferível, sendo particularmente útil no diagnóstico inicial da sífilis, monitoramento da resposta terapêutica e frente à possibilidade de recidivas ou reinfecções. Sua técnica é baseada na reação de floculação de anticorpos anticardiolipinas (marcadores de lesão celular pelo treponema) e estando também presentes em doenças autoimunes (colagenoses), câncer, hanseníase, cirrose hepática, leptospirose ou mononucleose e resultados falso-positivos são possíveis nessas situações. A própria gravidez pode levar a resultados falsos-positivos. O VDRL torna-se reativo a partir da segunda semana após o aparecimento do cancro, atingindo maiores títulos na fase secundária e declinando após, mesmo quando nenhum tratamento é instituído. Havendo o tratamento correto, há a queda progressiva dos títulos, podendo se negativar em 9 a 12 meses ou permanecer com títulos residuais baixos (cicatriz sorológica). Valores baixos na titulação do VDRL podem indicar doença recente ou antiga, tratada ou não.Nessa situação, são necessárias sorologias não treponêmicas seria-

das e a solicitação de testes treponêmicos. Dois títulos baixos (inferiores a 1:8) no VDRL, com um intervalo de 30 dias ou mais, excluem sífilis recente. Um VDRL negativo exclui sífilis ativa, respeitado o período de incubação. Três títulos sucessivamente baixos (inferiores a 1:8) com um intervalo superior a 30 dias, sem sinal clínico de reinfecção, indicam cicatriz sorológica. Com relação às sorologias treponêmicas, as técnicas mais conhecidas são a FTA-Abs, o Treponema pallidum Microhemaglutination (MHATP), o Treponema Pallidum Hemaglutination (TPHA) e o Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (Elisa). São específicos para anticorpos antitreponêmicos, sendo reativos após o 15° dia da infecção, o que os torna apropriados para a confirmação da sífilis e para a exclusão de falsos-positivos na sorologia não treponêmica. Não são indicados para o seguimento pós-terapêutico (controle da cura), permanecendo reagentes por toda a vida independente do tratamento. Assim, no caso acima, devido à dúvida diagnóstica com relação à sífilis (sobretudo com VDRL em baixos títulos em uma gestante), o ideal é continuar a investigação com a solicitação de FTA-Abs. Caso este seja positivo, administrar penicilina benzatina, conforme indicado abaixo: Sífilis primária: 2,4 milhões unidades internacionais (UI), intramuscular (IM), em dose única;

Sífilis recente secundária ou latente recente: 2,4 milhões UI, IM, devendo ser repetida em uma semana. Dose total de 4,8 milhões de UI;

Sífilis terciária, latente tardia ou com tempo de evolução desconhecido: penicilina benzatina 2,4 milhões UI, IM, semanal (total de 7,2 milhões de UI). Resposta e.

20. O manejo dos pacientes com hepatite B está estabelecido no atual Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica B e coinfecções (portaria nº 2.561, de 28/10/2009), que descreve o tratamento, monitoramento e manejo da resistência aos antivirais. Para os pacientes coinfectados pelo HIV, os critérios atualizados de indicação de tratamento estão de acordo com a referida portaria, sendo descritos a seguir: Critérios de indicação de tratamento da hepatite B em coinfectados pelo HIV, sintomáticos ou assintomáticos com contagem de LT-CD4+ ≤ 500 células/mm3 Nesses pacientes, independentemente do estágio da infecção pelo HBV, a TARV já está recomendada. Como o tenofovir (TDF) e a lamivudina (3TC) são antirretrovirais com atividade contra o HIV e o HBV, diminuindo o risco de progressão para cirrose e carcinoma hepatocelular, o esquema antirretroviral deve incluir, necessariamente, esses dois medicamentos associados ao efavirenz (EFZ) ou a um SJT Residência Médica


4  Hepatites virais inibidor da protease potencializado com ritonavir (IP/r), compondo um esquema supressivo para HIV e HBV, conforme a atual recomendação: Esquema recomendado para terapia inicial – primeira linha: (TDF + 3TC)* + EFV** *Associação de 3TC 150 mg de 12/12 horas ou 300 mg dose única ao dia e TDF 300 mg, 1 vez ao dia. ** Na apresentação coformulada, sempre que disponível. Resposta c.

Já o anticorpo superficial do HBV (anti-HBs) pode aparecer tardiamente na fase convalescente, e sua presença em altos títulos indica imunidade. Também é marcador de resposte imune à vacinação. Este exame deve ser solicitado apenas em serviços de referência para pacientes com hepatite B crônica ou avaliação da resposta vacinal. Assim, em pacientes sem contato prévio com o HBV, mas que tenham recebido a vacina contra este vírus, os exames indicam apenas anti-HBs reagente (alternativa D correta).Resposta d.

21. A hepatite A é uma doença viral aguda, de manifestações clínicas variadas, desde formas subclínicas, oligossintomáticas e até fulminantes (entre 2 e 8% dos casos). Os sintomas se assemelham a uma síndrome gripal, porém há elevação das transaminases. A frequência de quadros ictéricos aumenta com a idade, variando de 5 a 10% em menores de 6 anos, chegando de 70 a 80% nos adultos. O quadro clínico é mais intenso à medida que aumenta a idade do paciente. No decurso de uma Hepatite A típica, há vários períodos: Incubação - Varia de 15 a 45 dias, média de 30 dias.

23. Os exames descritos para cada um dos três irmãos permitem as seguintes análises: Pedro: a presença de anti-HAV IgG indica infecção prévia pelo HVA, enquanto HBsAg + Anti-HBc IgG reagentes indicam infecção prévia pelo HBV com consequente cronificação (hepatite B crônica). Não existe infecção crônica pelo HVA. Ausência de contato prévio + vacinação para HBV cursa apenas com anti-HBs reagente. Cláudio: a presença de Anti-HBc IgG reagente indicação infecção pregressa pelo HBC, que foi autolimitada (não houve cronificação), devido ao aparecimento de imunidade contra este vírus (anti-HBs reagente). A presença de anti-HCV reagente indica infecção prévia pelo HCV, havendo indicação de detecção do RNA do vírus pela reação em cadeia de polimerase (RNA-HCV por PCR), para confirmação do diagnóstico e melhor avaliação do grau de replicação do vírus. Osmar: a presença de anti-HBs reagente, com anti-HBc IgG não reagente, é compatível com vacinação prévia para o HBV, enquanto HBs reagente por pelo menos 6 meses é indicativo de hepatite B crônica. Anti-HAV IgG é indicativo de infecção prévia pelo HVA, não existindo infecção crônica pelo HVA. Resposta b.

Prodrômico ou pré-ictérico - Com duração em média de 7 dias, caracterizado por mal-estar, cefaleia, febre baixa, anorexia, astenia, fadiga intensa, artralgia, náuseas, vômitos, desconforto abdominal na região do hipocôndrio direito, aversão a alguns alimentos e à fumaça de cigarro.

Ictérico - Com intensidade variável e duração geralmente de 4 a 6 semanas. É precedido por 2 a 3 dias de colúria. Pode ocorrer hipocolia fecal, prurido, hepato ou hepatoesplenomegalia. A febre, artralgia e cefaleia vão desaparecendo nesta fase.

Convalescença - Retorno da sensação de bem-estar: gradativamente, a icterícia regride e as fezes e urina voltam à coloração normal. Resposta a.

22. No caso da hepatite B aguda, o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg) é o primeiro marcador a aparecer, geralmente precedendo as manifestações clínicas (está presente também no portador crônico). Anticorpos tipo IgM contra o antígeno core do vírus da hepatite B (anti-HBc IgM) aparecem no início da hepatite clínica e é um marcador de infecção aguda ou subaguda. A única indicação deste exame é na investigação de casos de hepatite aguda. Anti-HBc IgG é um marcador de infecção pregressa, permanecendo reagente pelo resto da vida. O antígeno “e” do vírus da hepatite B (HBeAg) é detectado logo após o aparecimento do HbsAg e sua presença indica replicação viral ativa. Sua positividade se verifica entre a 8ª e a 12ª semanas após a infecção. Esse marcador é paulatinamente substituído pelo anti-HBe, o que reduz de forma considerável a replicação viral. SJT Residência Médica

24. Para fins de tratamento, a replicação viral é caracterizada por títulos de HBV-DNA iguais ou maiores que 20.000 UI/ml (105 cópias/ml) nos pacientes HBeAg positivos, e iguais ou maiores que 2.000 UI/ mL (104 cópias/ml) nos HBeAg negativos, mutantes pré-core. Esses valores de HBV-DNA foram escolhidos arbitrariamente, sem estar claramente determinado a partir de qual nível de replicação viral aumenta o risco de progressão da doença. Dois são os objetivos principais do tratamento na hepatite B crônica: a erradicação da infecção, com consequente diminuição da disseminação da doença; e a redução na taxa de progressão da doença, bem como de suas complicações, como a cirrose descompensada e o carcinoma hepatocelular. Os critérios de indicação de terapia em indivíduos virgens de tratamento com HBeAg reagente, não cirróticos são pacientes que apresentem aminotransferases alteradas, independentemente de outros critérios; ou pacientes com biópsias que apresentem atividade inflamatória e fibrose ≥ A2 e/ou ≥ F2, independentemente das aminotransferases.

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Cirurgia geral | Gabarito comentado Observe no caso acima que as aminotransferases encontram-se normais, com a biopsia hepática também sendo normal. Hepatócitos em vidro fosco podem ser encontrados na presença de acúmulo do HBsAg e, portanto, podem representar um sinal indireto de atividade do vírus. O problema no caso acima é a realização em breve de tratamento quimioterápico, uma vez que a terapia imunossupressora pode induzir a reativação do HBV, que é uma condição potencialmente grave. A reativação é mais frequente em pacientes HBsAg (+), mas pode ocorrer em pacientes HBsAg (-) e anti-HBc (+). Profilaxia antiviral está indicada para pacientes de alto e médio risco de reativação (justamente o caso acima) durante imunossupressão, com o tratamento devendo ser mantido por pelo menos 6 meses após término da imunossupressão; tratamento deve ser mantido por pelo menos 12 meses se uso de rituximabe. A terapia com drogas de elevada barreira de resistência (entecavir ou tenofovir) é preferível para profilaxia da reativação HBV. Em pacientes de baixo risco para resistência (HBV-DNA indetectável), a lamivudina pode ser uma opção (baixo custo). Comentário: Barreira genética de uma droga é definida como o número de mutações requeridas para produzir um marcado decréscimo da suscetibilidade do vírus para a droga antiviral. Quanto mais mutações foram necessárias, mais alta é a barreira genética e quanto menos, mais baixa é a barreira genética. Assim, a melhor resposta é a letra B. Resposta b. 25. Em indivíduos virgens de tratamento, com HBeAg reagente, não cirróticos, a dosagem de aminotransferases (ALT e AST) deve ser realizada para orientação do seguimento e para decisão terapêutica: quando a ALT e/ou a AST estiverem normais, está indicado o seu monitoramento a cada três meses. Por outro lado, quando alteradas, indicam a necessidade de iniciar o tratamento. Em pacientes que apresentem o HBeAg reagente, a carga viral (HBV-DNA) não é critério de definição para início de tratamento, pois há alta probabilidade de o resultado do exame ser superior a 105 cópias/mL ou > 2.000 UI/mL, sendo desnecessário, portanto, realizá-lo neste momento. Além disso, nesses pacientes, a biópsia é facultativa, devendo, entretanto, ser recomendada para pacientes maiores de 40 anos, principalmente do sexo masculino, independentemente das aminotransferases. Os critérios de indicação de terapia em indivíduos virgens de tratamento com HBeAg reagente, não cirróticos são: I. Pacientes que apresentem aminotransferases alteradas, independentemente de outros critérios; II. Pacientes com biópsias que apresentem atividade inflamatória e fibrose ≥ A2 e/ou ≥ F2, independentemente das aminotransferases. Resposta d.

26. Inicialmente, observe no caso acima que o paciente havia sido imunizado previamente contra o vírus da hepatite B (anti-HBc negativo + anti-HBs positivo). Após exposição, dentro de um mês, o médico evoluiu com quadro clinicolaboratorial sugestivo de hepatite viral, decorrente de infecção pelo vírus da hepatite C (RNA-HCV: positivo). Ou seja, estamos diante de um caso de hepatite C aguda. A maioria dos quadros de hepatite C aguda é assintomático. Quando sintomáticos, apresentam menos chance de cronificação da hepatite C. A taxa de cronificação após contato com o HCV é de 60 a 70% em média. Há dois métodos de detecção da existência do HCV no soro: o método Elisa, que marca a presença dos anticorpos contra o vírus, e o PCR (amplificação de ácido nucleico), capaz de identificar o RNA viral no sangue do paciente. É importante ressaltar que os anticorpos podem demorar de 8 a 12 semanas para serem observados no soro, não tornando útil esse exame para diagnóstico do quadro agudo. Para isso, utiliza-se o PCR, que quantifica o vírus na circulação e pode confirmar a infecção aguda (justamente a situação descrita acima). O tratamento agudo do HCV ainda não é rotina. Entretanto, em casos com diagnóstico de hepatite aguda por HCV e persistência de PCR positivo no terceiro mês, deve-se indicar tratamento antiviral (alternativa B correta). Resposta b. 27. A reativação da infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) é um dos efeitos colaterais bem conhecidos em pacientes recebendo drogas citotóxicas ou tratamento imunossupressor. Vale destacar que a reativação pode ocorrer até mesmo em pacientes HBsAg negativo com anti-HBc total e anti-HBs positivos (contato prévio). Dessa maneira, podemos dizer que não há risco para infecção ou reativação pelo vírus da hepatite B ao iniciarmos o tratamento com uma droga imunossupressora, quando há imunidade contra a infecção pelo VHB depois da vacinação, o que é caracterizado pela presença de anti-HBs isoladamente. Resposta d. 28. A transmissão das hepatites virais acontece pelas seguintes vias: Hepatite A: fecal-oral, sexual (mais rara);

Hepatite B: sexual, parenteral/percutânea, vertical;

Hepatite C: parenteral/percutânea, (mais rara), sexual (mais rara);

Hepatite D: sexual, parenteral/percutânea, vertical;

vertical

Hepatite E: fecal-oral. Embora o gabarito oficial considere como resposta correta a alternativa b, verificamos que a mesma está incorreta, visto que a transmissão da hepatite E ocorre por via fecal-oral. Resposta b.

SJT Residência Médica


4  Hepatites virais 29. O marcador que indica contato prévio com o vírus da hepatite B é o anti-HBc. Em pacientes vacinados, encontramos o anti-HBs (anticorpos contra o antígeno de superfície do VHB). Resposta d. 30. A transmissão vertical da hepatite B resulta da exposição das membranas mucosas do feto ao sangue ou fluidos corporais maternos infectados pelo HBV, podendo ocorrer antes do nascimento, por via transplacentária (intrauterina) ou no momento do parto (perinatal). Não se recomenda especificar o tipo de parto. A conduta para neonatos compreende o início do esquema vacinal de rotina e a administração de imunoglobulina específica (HBIg) ainda na sala de parto ou o mais tardar, nas primeiras 12 horas após o nascimento. A primeira dose da vacina e a HBIg devem ser administradas concomitantemente, em locais de aplicação diferentes e o esquema vacinal segue o calendário básico da criança. Recém-nascidos que recebem imunoprofilaxia apropriada devem ser amamentados. Resposta d. 31. a) Incorreta. A transmissão materno-fetal da hepatite C é baixa, sendo estimada em 5 a 6%. b) Incorreta. O risco de hepatite fulminante pelo vírus C é inferior a 1%. c) Correta. d) Incorreta. Em casos de acidentes ocupacionais com material biológico, não há vacina ou quimioprofilaxia disponíveis para hepatite C. A conduta diante de acidente com fonte positiva para VHC é o seguimento sorológico do acidentado. Resposta c. 32. O quadro clínico é sugestivo de hepatite aguda. A maior parte dos casos é causada por vírus e as manifestações são semelhantes nos diversos tipos de hepatites agudas. A avaliação bioquímica auxilia na confirmação da hipótese diagnóstica, de etiologia viral, com aminotransferases significativamente elevadas (acima de 10 vezes o limite superior da normalidade), com ALT maior do que AST, e elevação das bilirrubinas, às custas da fração direta, que raramente ultrapassa níveis de 10 mg/mL. Avaliando-se os marcadores sorológicos propostos, temos HBsAg e anti-HBc IgM positivos, que fazem o diagnóstico de hepatite B aguda. Resposta b. 33. Diante do quadro proposto, deve-se pensar na hipótese diagnóstica de carcinoma hepatocelular. Para avaliação diagnóstica inicial, são fundamentais a realização de ultrassom (ou ecografia) de abdome, um exame não invasivo e que permite boa acurácia na detecção do tumor, além da dosagem de alfafetoproteína, o único marcador tumoral de significado clínico comprovado. Resposta a. 34. HBsAg e anti-HBcIgM positivos são marcadores característicos de hepatite B aguda. Resposta c. SJT Residência Médica

35. a) Sim. Menos que 30% das crianças jovens infectadas são sintomáticas. b) Sim. O uso da imunoglobulina (imunoprofilaxia passiva) na prevenção da doença tem pouco impacto na comunidade quando se pensa em saúde pública, enquanto que a utilização da vacina, no entanto, tem sido bastante eficaz. c) Não. A vacina contra a hepatite A é considerada muito segura, praticamente isenta de reações e confere quase 100% de proteção; porém, está recomendada para as crianças a partir de um ano de idade. d) Não. Não há descrição de curso crônico da doença. Embora o gabarito oficial aponte a resposta c como correta, esta também deveria ser considerada. (e) Sim. Resposta c. 36. Analisando as afirmações: I. Correta. Nos adultos, sobretudo nas formas anictéricas de doença, a infecção pode tornar-se crônica em 5% a 10% dos casos, enquanto que em crianças isso ocorre em 70% a 80% dos casos. II. Correta. III. Incorreta. Não há relação entre a forma de transmissão e a cronicidade. Resposta d. 37. A presença do marcador HBsAg reagente por mais de seis meses é indicativa de hepatite crônica. Todos os indivíduos que possuem a forma crônica de infecção têm HBsAg positivo e anti-HBc IgG positivo. A presença do anti-HBe sugere redução da replicação viral e provável evolução para a cura da doença. Resposta b. 38. Pacientes com infecção crônica pelo vírus da hepatite B mutantes na região do pré-core apresentam parada de transcrição (HBeAg-negativo e anti-HBe positivo), embora a replicação viral permaneça inalterada (VHB-DNA elevado). Resposta e. 39. Anti-HBs é o anticorpo contra o antígeno de superfície do vírus da hepatite B e é o único anticorpo que confere imunidade contra o VHB, após contato prévio com o vírus ou resposta vacinal. Anti-HBc IgG é o marcador de infecção passada que caracteriza o contato prévio com o vírus, permanecendo por toda a vida nos indivíduos que tiveram infecção pelo vírus da hepatite B. Portanto, HBsAg: não reagente, Anti-HBc IgG: não reagente e anti-HBs: reagente indica imunidade por resposta vacinal. Se anti-HBc IgG fosse reagente, indicaria imunidade por contato prévio com o vírus. Resposta a. 40. O tratamento clássico é Interferon peguilado com Ribaverina, no entanto para os pacientes com genótipo 1 a resposta virológica sustentada é observada em menos da metade. Com o advento das drogas denominadas de “2ª onda” inibidores da

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Cirurgia geral | Gabarito comentado protease (telaprevir e boceprevir) um grande passo foi dado em prol de melhor resposta ao genótipo 1. Resposta a.

de reativação, muitas vezes facilitada pelo emprego de terapias de imunossupressão, a replicação viral atinge os mais elevados títulos. Resposta c.

41. Todas as afirmações são verdadeiras, exceto a opção B (leia com atenção cada uma delas). Todos os pacientes com hepatite C crônica devem ser submetidos à biópsia hepática (BH) para serem avaliados o grau de inflamação e o estágio de fibrose. Alguns autores discutem a importância da biópsia hepática (BH) em pacientes com hepatite C crônica e aminotransferases normais. A exemplo de outros autores, somos a favor de biopsiar esses pacientes, especialmente os do sexo masculino e aqueles com mais de 40 anos, pois apresentam risco maior de progressão da doença. A BH nesses pacientes mostra que em 20% deles encontramos hepatite crônica com necrose em saca-bocado – logo, com chance de evoluir para cirrose. Podem ser dispensados de realizar BH os pacientes com genótipos 2 e 3, pois apresentam grande chance de resposta terapêutica e a decisão de tratá-los não depende do resultado da biópsia. Também não necessitam de BH pacientes com cirrose hepática e evidências clínicas de descompensação ou hipertensão porta à US ou com varizes de esôfago à endoscopia. Resposta b.

43. O interferon pode induzir uma tireoidite autoimune, hipotireoidismo ou, mais raramente, hipertireoidismo. A avaliação dos parâmetros tireoideos e de autoanticorpos deve fazer parte do protocolo pré-tratamento. Devem se monitorizar essas provas trimestralmente durante esse período. O hipotireoidismo é compensado com terapêutica de substituição com hormônios tireoideos; o hipertireoidismo sintomático pode ser tratado com betabloqueadores ou agentes antitireóideos. Sintomas neuropsiquiátricos advindo dos dois fármacos, embora com preponderância para o interferon – São efeitos adversos com grande repercussão sobre o doente e seus conviventes. Os de maior expressão, pela sua frequência e relevância, são relacionados com quadros de ansiedade e depressão. O doente vai sentir-se frágil e tende a adotar comportamentos de isolamento social, de diminuição da atividade física e de desinteresse por atividades habituais. Podem observar-se igualmente diminuição da atenção e da concentração, irritabilidade, letargia, perturbações do humor, queixas somatizadas, perturbações do sono, diminuição da libido, perturbações cognitivas e quadros maniformes e até psicóticos. Há risco de recaída em comportamentos aditivos, e estão descritos casos de suicídio e de homicídio. Essa sintomatologia parece, em parte, relacionar-se com alterações induzidas pelo interferon no metabolismo das citoquinas e de alguns neurotransmissores. É necessário disponibilizar ao doente ajuda psicológica dirigida ao seu desconforto emocional, eventualmente com o uso de antidepressivos (os inibidores da recaptação da serotonina parecem associar-se a melhores resultados), ansiolíticos, e até, mais raramente, antipsicóticos. Deve-se considerar também o uso de técnicas de psicoterapia. A avaliação pré-tratamento é útil para aferir a aptidão psíquica do doente para ele, sobretudo se existe história ou sinais de depressão; se considerado apropriado, deve ser otimizada terapêutica antidepressiva antes do interferon e da ribavirina. O apoio da família e amigos tem um papel único, oferecendo compreensão e encorajamento. Há locais onde se organizam grupos de apoio interpares, o que também pode funcionar positivamente. Neutropenia – Resulta da ação do interferon e é o motivo mais frequente de diminuição da dose desse fármaco. Valores baixos de neutrófilos nesse contexto são, em regra, bem tolerados e nunca se assumiu o seu efeito sobre o risco de infecções graves, nomeadamente sepse, cuja ocorrência não se correlaciona com duração da neutropenia nem com o nadir da contagem de neutrófilos. No entanto, há critérios analíticos que servem de orientação para intervir: de acordo com recomendação dos fabricantes, se a contagem de neutrófilos < 750/mm³ (nossa recomendação: < 600/mm³), a dose de in-

42. O AgHBe surge no período de incubação, sendo indicativo de replicação viral e de infectividade. Sua presença geralmente está associada à detecção do VHB-DNA no soro e a elevado risco de transmissibilidade. Durante a fase aguda da infecção pelo VHB, o AgHBe é rapidamente eliminado, antes mesmo do desaparecimento do AgHBs. A persistência por mais de 6 meses do AgHBe evidencia tendência à evolução crônica, podendo persistir por anos e até mesmo décadas. A soroconversão do AgHBe para anti-HBe geralmente é associada ao desaparecimento do VHB-DNA do soro e à interrupção da replicação viral. O AgHBe é facilmente detectável no soro, sendo que em alguns pacientes pode existir um intervalo de 1 a 4 semanas na soroconversão do AgHBe para anti-HBe, que se denomina janela do sistema “e”, podendo ser indicativo de bom prognóstico. A detecção do VHB-DNA é o mais sensível e preciso marcador de replicação e infectividade viral. O VHB-DNA é identificado alguns dias após o início da infecção e, habitualmente, atinge pico máximo de concentração na fase de hepatite aguda, antes de progressivamente diminuir e desaparecer à medida que a infecção começa a se resolver espontaneamente. Nos pacientes que evoluem para a doença crônica, os níveis de VHB-DNA não são estáveis ao longo do tempo, e variam conforme a fase da infecção: na imunotolerância os títulos de VHB-DNA são elevados e na imunoclearance, os títulos são habitualmente flutuantes e baixos. Quando o paciente se encontra na fase de latência clínica, os títulos são baixos ou indetectáveis, na dependência da sensibilidade do método empregado. Durante as fases

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4  Hepatites virais terferon peguilado deve ser reduzida: se usado interferon peguilado α2a, reduzir para 135 μg/sem e posteriormente para 90 μg/sem; se utilizado interferon peguilado α2a, reduzir de 1,5 ug/kg/sem para 1 μg/kg/sem ou 0,5 μg/kg/sem. O interferon deve ser suspenso se neutrófilos < 500/mm³. Para evitara diminuição da dose de interferon, pode advogar-se o uso de filgrastim (300 mcg, uma ou três vezes/semana); no entanto, também aqui faltam estudos controlados a sustentar essa atitude, não havendo aprovação regulamentada. Trombocitopenia – Causa geralmente mais problemas a doentes com valores baixos pré-tratamento. Deve-se reduzir o interferon peguilado se as plaquetas estão abaixo de 50.000/mm³ e descontinuá-lo caso o valor seja inferior a 25.000/mm³. Não existem, para já, outras medidas terapêuticas que se possam preconizar; embora existam fatores de crescimento das plaquetas, a falta de evidência clínica de benefício nesse contexto e potenciais efeitos acessórios graves não aprovaram para já o seu uso. Resposta e. 44. A definição de caso de hepatite crônica C é definido por: anti-HCV reagente por mais de seis meses, e confirmação diagnóstica com HCV-RNA detectável (positivo). Na maioria dos portadores do HCV, as primeiras duas décadas após a transmissão caracaterizam-se por evolução insidiosa, com ausência de sinais ou sintomas. Os níveis de ALT apresentam elevações intermitentes em cerca de 60-70% daqueles que têm infecção crônica, portanto ALT não é parâmetro de decisão terapêutica. Recomenda-se tratamento para os pacientes que apresentam: fibrose maior ou igual a F2 (Metavir) e seus correspondentes (SBP maior ou igual 2 e ISHAK maior ou igual 3), independentemente da atividade inflamatória; ou atividade inflamatória maior ou igual a A2 (Metavir) e seus correspondentes (SBP e ISHAK maior ou igual 2) com presença de fibrose maior ou igual a F1(Metavir) e seus correspondentes (SBP e ISHAK maior ou igual a 1). A genotipagem do HCV é obrigatória para candidatos a tratamento, já que o mesmo é definido de acordo com o genótipo encontrado. A biópsia hepática é desejável mas não obrigatória. Por exemplo, não é necessária a realização de biópsia hepática para indicar tratamento em pacientes com sinais clínicos e/ou evidências ecográficas de cirrose (recomenda-se endoscopia digestiva alta para afastar varizes de esôfago e hipertensão porta em pacientes com sinais clínicos ou evidências ecográficas de cirrose hepática). Marcadores indiretos de fibrose hepática como o fibroscan dispensam a biópsia. O tratamento deve sempre ser considerado nos casos de hepatite aguda C, sendo necessário um esforço contínuo para diagnosticá-la o mais precocemente possível. Resposta e.

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45. A primeira assertiva é falsa, uma vez que a indicação do tratamento triplo reside em: monoinfecção com HCV, genótipo 1; fibrose hepática avançada (Metavir F3 ou F4; elastografia hepática que, de acordo com os Comitês Estaduais, possa equivaler à classificação de Metavir solicitada); doença hepática compensada (escore Child-Pugh menor ou igual a 6, classe A), sem histórico de descompensação prévia; ausência de tratamento prévio com IP. A segunda assertiva é verdadeira, já que a ribavirina pode causar anemia severa como efeito adverso, e o manejo requer redução da dose da ribavirina e/ou uso de eritropoietina e/ou hemotransfusão nos casos com repercussões hemodinâmicas. Resposta d. 46. Os medicamentos de ação direta contra o vírus da hepatite C constituem-se na estratégia mais recentemente desenvolvida para o tratamento desse agravo. Os primeiros antivirais de ação direta são o boceprevir e o telaprevir, que pertencem à classe de inibidores da protease. Atuam inibindo a protease NS3/4A, sempre em associação com interferon peguilhado e ribavirina. Resposta d. 47. Habitualmente a hepatite C é diagnosticada em sua fase crônica (75 a 85% dos casos), em média, 20% podem evoluir para cirrose e 1 a 5% dos pacientes desenvolve carcinoma hepatocelular. O genótipo 1 corresponde a 60% dos casos. O vírus A nunca cronifica, enquanto o vírus E pode cronificar em cerca de 3% dos casos, principalmente em pacientes transplantados com órgãos sólidos. A coinfecção vírus B + vírus D é definida pela simultaneidade de infecção por ambos e a evolução varia de hepatite leve à fulminante, e a recuperação clínica completa sem sequelas crônicas é a regra. A taxa de cronificação após a coinfecção é igual àquela descrita para infecção isolada pelo HVB, sendo inferior a 10% em pacientes adultos. A superinfecção corresponde àqueles pacientes cronicamente infectados pelo HVB que agora adquirem o HVD. Em portadores HVB superinfectados com HVD, o HBsAg preexistente fornece o substrato biológico ideal para o HVD completar seu ciclo de vida. A evolução neste caso pode ser dividida em três fases: 1. Fase aguda, caracterizada por intensa replicação do HVD com supressão do HVB e elevados níveis de ALT; fase crônica, com diminuição da replicação do HVD, reativação da replicação do HBV e moderada elevação da ALT e a fase tardia, na qual o paciente desenvolve cirrose e carcinoma hepatocelular ou entra em remissão clínica com acentuada redução da replicação de ambos os vírus. Resposta a. 48. Este paciente é portador de hepatite crônica pelo HVB (HBsAg positivo e anti-HBc IgG positivo com elevação de aminotransferases e carga viral elevada). Na abordagem terapêutica da hepatite B

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Cirurgia geral | Gabarito comentado crônica, o primeiro passo é saber se o paciente é HBsAg positivo ou HBeAg negativo, uma vez que a estratégia terapêutica difere entre essas duas situações. Os objetivos do tratamento neste caso são: 1. normalizar as aminotransferases; 2 .supressão da carga viral do HVB; 3. perda do HBsAg e/ou soroconversão para anti-HBs.

49. Nesta situação exposta, a maior parte dos especialistas considera importante ter algum tipo de evidência indicando a presença de dano hepático para indicar o tratamento, seja ALT elevada ou lesão histológica moderada, geralmente maior ou igual a A2 e/ou F2 na classificação de Metavir ou equivalente.Observe que neste caso a ALT está discretamente elevada e a ultrassonografia não evidencia alterações. Resposta b.

presente, o quadro clínico é semelhante àquele decorrente de outros agentes que causam hepatites virais e o diagnóstico diferencial somente é possível com a realização de testes sorológicos para detecção de anticorpos específicos. Sintomas de infecção aguda podem ter início cerca de 6 a 12 semanas após a exposição ao HCV. Em apenas 20% dos pacientes sintomáticos o início dos sintomas precede a soroconversão, a qual raramente ocorre em período superior a 6 meses. Os níveis séricos de alanina aminotransferase (ALT/ TGP) começam a aumentar entre 2 e 8 semanas após a exposição, traduzindo necrose do hepatócito; frequentemente atingem níveis superiores a 10 vezes o limite superior da normalidade, normalmente com padrão flutuante, caracterizando a infecção aguda. Após a exposição ao vírus da hepatite C, o RNA-HCV poderá ser identificado no soro antes da presença do anti- HCV. A presença do RNA-HCV pode ocorrer cerca de 2 semanas após a exposição. O nível do HCV-RNA aumenta rapidamente durante as primeiras semanas, atingindo seus níveis máximos entre 105 e 107 UI/mL, imediatamente antes do pico dos níveis séricos de aminotransferases, coincidindo com o início dos sintomas, exceto nos assintomáticos41. Na hepatite C aguda autolimitada, que ocorre em 15 a 25% dos casos, os sintomas podem persistir durante semanas e diminuem com o declínio da ALT/TGP e dos níveis de HCV-RNA, não sendo mais detectados 6 meses após o início da infecção. A infecção aguda pelo HCV pode ser grave, mas a falência hepática fulminante é rara. O clareamento viral espontâneo após a infecção aguda pelo HCV ocorre em cerca de 20 a 25% dos casos. Alguns fatores do hospedeiro têm sido identificados como associados ao clareamento viral espontâneo: idade abaixo de 40 anos, sexo feminino, aparecimento de icterícia e fatores genéticos. A fase aguda da hepatite C dura seis meses e caracteriza-se pela elevação das aminotransferases séricas, principalmente ALT/TGP, associada ou não a período prodrômico, caracterizado por náuseas, vômitos, fadiga, febre baixa e cefaleia. Posteriormente, podem aparecer outras manifestações clínicas, tais como dor abdominal, icterícia, prurido, colúria, acolia e artralgias, junto com o aparecimento de HCV-RNA. Definição de caso de hepatite crônica C: anti-HCV reagente por mais de seis meses, e confirmação diagnóstica com HCV-RNA detectável (positivo). Resposta e.

50. De modo geral, a hepatite aguda C apresenta evolução subclínica: cerca de 80% dos casos têm apresentação assintomática e anictérica, dificultando o diagnóstico. Aproximadamente 20 a 30% dos casos podem apresentar icterícia e 10 a 20% apresentam sintomas inespecíficos, como anorexia, astenia, mal-estar e dor abdominal. Quando

51. A hepatite aguda por HVB em uma evolução estimada para a cura em até 6 meses, portanto opção A errada. A maioria dos pacientes com doença crônica pelo HVB não conhece seu estado de portador são da doença. O calendário oficial de vacinação infantil para hepatite B recomenda 3 doses (0,1 e 6 meses).

Recomendações para tratamento da hepatite B crônica sem cirrose

HBV-DNA ALT (x LSN) Biópsia hepática

HBeAg (+)

HBeAg (-)

> 105 cp/mL ou > 20.000 UI/mL

> 104 cp/mL ou > 2.000 UI/mL

2x

2x

E ≥ 2 e/ou APP ≥ 2

E ≥ 2 e/ou APP ≥ 2

HBeAg: antígeno e do vírus da hepatite B; HBV-DNA: ácido desoxirribonucleico do vírus da hepatite B; cp/ mL: cópias por mililitro; x LSN: vezes o limite superior da normalidade; E: estadiamento/fibrose; APP: atividade periporta/hepatite de interface; ALT: alanina aminotransferase.

Este paciente certamente é mutante pré-core: indivíduo HBeAg-negativo, com ALT elevada e DNA-HVB maior ou igual a 2.000 UI/mL. Com este perfil, se recomenda iniciar tratamento, sendo a biópsia opcional. Nos casos com DNA-HVB maior ou igual a 2.000 UI/mL, porém com aminotransferases persistentemente normais ou pouco elevadas, a biópsia hepática pode ser usada para decidir o tratamento, se A2 e/ou F2 na classificação Metavir ou equivalente.Os IFNs são recomendados principalmente para os pacientes com hepatite B HBsAg positivo que apresentam grande chance de soroconversão (baixa carga viral e ALT elevada). O tenofovir passaria a ser a droga de escolha caso este paciente não responda ao entecavir, que possui um potente supressão virológica, e menor taxa de resistência virolóigca (1,2% em 5 anos). Resposta c.

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4  Hepatites virais Mais recentemente, a vacina contra hepatite B tem sido rotineiramente recomendada para gestantes suscetíveis, independentemente do período de gestação. Em crianças nascidas de mães AgHBe- positivas, a administração de vacina imunoglobulina humana específica contra hepatite B (HBIG), imediatamente após o nascimento, tem eficácia protetora de até 95% na prevenção da infecção crônica pelo VHB. Embora menor, a eficácia protetora da vacina na isolada, desde que administrada precocemente, também é muito elevada. As crianças nascidas de mães AgHBs positivas devem receber o esquema de vacina mais HBIG preferencialmente nas primeiras horas de vida, no máximo até sete dias após o nascimento. A falência da imunoprofilaxia da infecção ao nascimento pode estar associada à elevada carga viral de VHB da mãe. Resposta d. 52. O HBV é um vírus DNA da família hepadnaviridae, do qual se conhece atualmente, 8 genótipos (de A a H), que diferem entre si por uma divergência na sequência nucleotídica do genoma completo maior do que 8%. Os genótipos A e D são os genótipos mais amplamente distribuídos pelo mundo. Recentemente, dois novos genótipos estão em estudo, Os genótipos I e J. A hepatite por HBV e DST, sendo a atividade sexual, principalmente heterossexual, assim como a HDV, são as principais vias de transmissão da hepatite B em áreas de baixa prevalência. A vacina segura e imunogênica contra HBV justifica o declínio do Brasil e em outras partes do mundo. As áreas com maior prevalência (AgHBs+> 8%) incluem a África tropical e sudeste da Ásia. No Brasil, áreas de grande endemicidade se localizam na bacia Amazônica. A transmissão horizontal é aquela que se dá no início da vida, portanto nas crianças. O HVB é mais infectante do que o HCV mas não do que o HIV. Para se ter uma ideia, o risco de contágio da hepatite C por acidente percutâneo na área de saúde é quase dez vezes menor que o da hepatite B (indivíduos suscetíveis) e cem vezes menor que o do HIV. Vários fatores estão implicados no desenvolvimento e na evolução da infecção crônica pelo HVB. Entre eles estão a época de aquisição da infecção e aspectos relativos a raça, sexo e genótipo do VHB. Recentes estudos comprovaram serem muito importantes, também, na progressão da doença a carga viral do HVB e a presença de mutações específicas. Resposta b. 53. Opção A correta. A biópsia hepática neste caso só é indicada em caso de dúvida diagnóstica. A conduta na hepatite C aguda deve seguir o fluxograma abaixo? SJT Residência Médica

Hepatite C aguda

Soroconversão antiHCV ou HCV-RNA

Avaliação na 12ª semana

HCV-RNA (-)

HCV-RNA (+)

Repetir HCV-RNA de 3 em 3 m até 1 ano

Tratamento com: • IFN 5 MU/d por 4 semanas, seguido de • IFN 5 MU 3 x/sem por 20 semanas ou • Peg-IFN 1 x/sem por 24 semanas

De modo geral, a hepatite aguda C apresenta evolução subclínica: cerca de 80% dos casos têm apresentação assintomática e anictérica, dificultando o diagnóstico. Aproximadamente 20 a 30% dos casos podem apresentar icterícia e 10 a 20% apresentam sintomas inespecíficos, como anorexia, astenia, mal-estar e dor abdominal. Quando presente, o quadro clínico é semelhante àquele decorrente de outros agentes que causam hepatites virais e o diagnóstico diferencial somente é possível com a realização de testes sorológicos para detecção de anticorpos específicos. Sintomas de infecção aguda podem ter início cerca de 6 a 12 semanas após a exposição ao HCV. Em apenas 20% dos pacientes sintomáticos o início dos sintomas precede a soroconversão, a qual raramente ocorre em período superior a 6 meses. Os níveis séricos de alanina aminotransferase (ALT/TGP) começam a aumentar entre 2 e 8 semanas após a exposição, traduzindo necrose do hepatócito; frequentemente atingem níveis superiores a 10 vezes o limite superior da normalidade, normalmente com padrão flutuante, caracterizando a infecção aguda. Após a exposição ao vírus da hepatite C, o RNA-HCV poderá ser identificado no soro antes da presença do anti- HCV. A presença do RNA-HCV pode ocorrer cerca de 2 semanas após a exposição. O nível do HCV-RNA aumenta rapidamente durante as primeiras semanas, atingindo seus níveis máximos entre 105 e 107 UI/mL, imediatamente antes do pico dos níveis séricos de aminotransferases, coincidindo com o início dos sintomas, exceto nos assintomáticos41. Na hepatite C aguda autolimitada, que ocorre em 15 a 25% dos casos, os sintomas podem persistir durante semanas e diminuem com o declínio da ALT/ TGP e dos níveis de HCV-RNA, não sendo mais detectados 6 meses após o início da infecção. A infecção aguda pelo HCV pode ser grave, mas a falência hepática fulminante é rara.

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Cirurgia geral | Gabarito comentado O clareamento viral espontâneo após a infecção aguda pelo HCV ocorre em cerca de 20 a 25% dos casos. Alguns fatores do hospedeiro têm sido identificados como associados ao clareamento viral espontâneo: idade abaixo de 40 anos, sexo feminino, aparecimento de icterícia e fatores genéticos. A fase aguda da hepatite C dura seis meses e caracteriza-se pela elevação das aminotransferases séricas, principalmente ALT/TGP, associada ou não a período prodrômico, caracterizado por náuseas, vômitos, fadiga, febre baixa e cefaleia. Posteriormente, podem aparecer outras manifestações clínicas, tais como dor abdominal, icterícia, prurido, colúria, acolia e artralgias, junto com o aparecimento de HCV-RNA. Definição de caso de hepatite crônica C: anti-HCV reagente por mais de seis meses, e confirmação diagnóstica com HCV-RNA detectável (positivo). Resposta d. 54. Recorrente. Glomerolonefrite membranoproliferativa secundária crioglobulinêmica hipocomplementêmica tem como principal etiologia HCV pode chegar a mais de 50%. Resposta e. 55. A hepatite aguda por vírus B se resolve na maioria dos casos em um período de seis meses. Este paciente que dez meses após, mantendo transaminases normais apresenta perfil sorológico com HBsAg +, HBeAg +, anti-HBc positivo às custas de IgG (o TgM está negativo, é marcador da fase aguda) tem como diagnóstico hepatite B crônica em replicação (HBeAg + e anti-HBe negativo). Resposta b. 56. Estima-se que 2 a 3% da população mundial esteja infectada com o vírus da hebatite C (HCV), com aproximadamente 130 a 170 milhões de portadores crônicos no mundo. O s principais fatores de risco para a aquisição do HCV envolvem formas de hemocomponentes de transplantes de órgãos sólidos provenientes de doadores rastreados de modo inadequado, uso intravenoso de drogas ilícitas, especialmente quando há compartilhamento de agulhas. Em relação à provável via de transmissão dos casos estão relacionados ao uso de drogas (18%), à transfusão de sangue e/ou hemoderivados (16%) e à transmissão sexual (9%), com elevado percentual de ignorados (43%). A transmissão sexual ocorre principalmente em práticas sexuais desprotegidas. A coexistência de alguma doença sexualmente transmissível (DST), incluindo o HIV, constitui relevante facilitador para a transmissão. A hepatite C crônica é a maior causa de transplante hepática no mundo. Resposta c. 57. Opção A: fase aguda de hepatite B. Opção B: fase aguda de hepatite B na qual o HBsAg desapareceu precocemente o IgM antiHBe ainda está circulante e o anti-HBs já sinaliza a resolução. Opção C: paciente crônico.

Opção D: imunidade adquirida. O anti-HBc é encontrado no soro na forma aguda crônica da doença. Na hepatite B aguda predomina anticore da classe IgM, que permanece no sangue não mais que seis meses após o início dos sintomas da doença. No entanto, há evidências de que esse marcador pode positivar-se a título baixo durante os episódios de reativação de hepatite crônica B. Em contraste, o anti-HBc de classe IgG na ausência de AgHBs persiste ao longo da vida como uma cicatriz imunológica e como uma evidência clara de recuperação da hepatite B aguda. A presença de anticore IgG, sem evidências de AgHBs e anti-HBs, é sempre indicadora de infecção pregressa. Esse achado, que tem presença variável nos bancos de sangue (0,6% nos EUA e 10,2% na Argentina), contraindica a doação de órgãos por parte de doadores anticore positivos por causa do risco de transmissão do VHB (doença por VHB oculta). É importante notar que a percentagem de indivíduos que são infectados com VHB e não desenvolvem sintomas de hepatite aguda é muito elevada (65%). Essa situação justifica a detecção incidental do anticorpo anticore em bancos de sangue e o desconhecido total por parte do paciente em relação à portabilidade desse anticorpo de memória. Há também marcadores incomuns que são achados laboratoriais infrequentes, situação na qual é necessário o máximo de certeza possível, para comunicar os resultados das medições. A presença isolada de anti-HBc pode ocorrer em quatro situações: a) durante o período da janela de hepatite B aguda, que é caracterizada pela predominância pronunciada de anticorpos de classe IgM, b) muitos anos após a recuperação da hepatite B aguda e quando os títulos anti-HBs são indetectáveis, c) como um sorológico falso-positivo ou d) após vários anos de infecção, em que os níveis de AgHBs caíram para níveis indetectáveis. Além disso, há evidências que demonstram que o isolado anticore pode ser associado ao DNA-VHB detectável no soro em até 33% dos pacientes (0% a 30%). A presença de viremia nesses casos que apresentam AgHBs negativo representa uma forma oculta de VHB e tem implicações potenciais em relação à transmissão do vírus. Esse é um assunto que deve ser levado em consideração por causa do alto impacto clínico que a transmissão de VHB demonstrou para receptores de transplante de fígado de um doador anti-HBc positivo (50-70%). Da mesma maneira, observaram-se níveis baixos replicativos de VHB confirmados por PCR (reação em cadeia da polimerase) no soro e no tecido de pacientes negativos para AgHBs portadores de cirrose e carcinoma hepatocelular (HCC). SJT Residência Médica


4  Hepatites virais

AgHBs

Anti-HBc total

Anti-HBc IgM

Anti-HBs

Interpretação

NEG

NEG

NEG

NEG

Suscetível à infecção

POS

POS

POS

NEG

Infecção aguda primária; reativação aguda de infecção crônica

NEG

POS

POS

POS /NEG

Infecção aguda na resolução; observado na hepatite B fulminante

NEG

POS

NEG

POS

Infecção pregressa resolvida

POS

POS

NEG

NEG

Infecção crônica. Avaliar presença de AgHBe, anti-HBe e níveis de DNA-VHB

NEG

NEG

NEG

POS

Imune se > 10 UI/ml, transferência passiva por administração de gamaglobulina

Tabela 23.1 Perfis sorológicos da hepatite B mais comuns.

AgHBs

Anti-HBc total

Anti-HBc IgM

Anti-HBs

Interpretação

POS

POS

NEG

POS

Coexistência de AgHBs e anti-HBs Pode dever-se a imuno complexos, é inespecífico. Recomenda-se avaliar com DNA-VHB quantitativo

NEG

Anti-HBs isolado Infecção pregressa resolvida, mutantes do AgHBs, infecção B oculta. Avaliar com anti-HBe e com DNA-VHB quantitativo

NEG

Infecção aguda precoce; antigenemia fugaz pós-vacinação, tolerância imune, mutantes defectivas e imunossuprimidos Avaliar AgHBe e DNA-VHB quantitativo

NEG

POS

POS

NEG

Resposta A.

NEG

NEG

Tabela 23.2  Perfis sorológicos não habituais associados ao VHB

58. Opção A errada: vacinados para HVB são anti-HBS+ comente. Opção B errada: este paciente seria portador crônico assintomático se fosse HBsAg+. Opção C errada: portador de mutação pré-core da hepatite B não positiva anti-HBe já que não teve anteriormente como produzir HBeAg. Opção D correta: somente anti-HBs+ define estado pós-vacinal. Resposta d. 59. Ainda hoje se reconhece que até 30% dos pacientes portadores de Poliarterite nodosa tenham na imunipatogenia implicação com o HVB. Resposta b. 60. Simples. Quando no perfil sorológico do HVB identificarmos somente o anti-HBs+ o significado absoluto é de resposta à vacinação já que na resposta à infecção pelo HVB com cura outros anticorpos estariam presentes e na cronificação a presença de antígenos. Resposta e. 61. Marcador de replicação viral na hepatite por HVB é o HBeAg, portanto o marcador sorológico cuja detecção sugere redução ou ausência de replicação viral denomina-se anti-HBe. Resposta c.

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62. Simples, errar é desconhecer conceitos básicos da hepatite por HVA. O marcador de infecção aguda é IgM anti-HVA. Resposta b. 63. A sorologia apresentada define infecção prévia pelo HVB já que temos anti-HBs+ e antiHBcIgG+. Não pode ser imunidade vacinal, já que se assim fosse teríamos somente anti-HBs+. Da mesma forma não pode ser hepatite B aguda, já que teríamos IgM anti-HBc+. Não temos antígenos positivos de HVB para definirmos cronicidade. O anti-HCV+ só define a princípio infecção pelo HCV que deverá ser confirmada pelo RNA-HCV. Resposta e. 64. O quadro não corresponde a fase aguda de hepatite A uma vez que o IgM anti-HVA é negativo. Trata-se de um quadro de hepatite aguda por HVB em plena fase de replicação viral já que o HBeAg é positivo. A fase de convalescença da hepatite aguda por vírus B se justificaria caso tivéssemos HBsAg-; AntiHBcIgM-; anti-HBs+; HBeAg- e antiHBe+. Paciente imune para HVB se caracteriza por anti-HBs+. O anti-HCV- só diz que provavelmente o paciente não está infectado pelo vírus C. Resposta c.

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