O Sul Março nº 20

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NR 20

ano: 2012 . nr 20 . mês: Março . director: António Serzedelo . preço: 0,01 €

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Muitas vezes fomos inquiridos sobre o interesse de manter na programação cultural do MAEDS (Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal) um mês dedicado às problemáticas do género. Não realizou já a Mulher a sua caminhada até ao topo da igualdade? Não se encontra reconstruído um novo paradigma social sobre as cinzas da mistificada “guerra dos sexos”? Quando observamos o recrudescimento da violência doméstica sobre a mulher ou a sua sub-representação na esfera política, consciencializamo-nos que atravessamos um campo perigoso, ainda minado pela discriminação. E, no entanto, do universo feminino chegam-nos quotidianamente evidências de práticas excepcionais em todos os domínios da actividade humana. Em 2011, O MAEDS homenageou a luta tenaz das mulheres sarauis. Em 24 de Março de 2012, o enfoque será sobre as mulheres palestinianas e a sua luta pelo direito ao território, participando nesta jornada, entre outras palestrantes, a doutoranda da Universidade de Coimbra Shahd Wadi, e o embaixador Mufeed Shami. Ainda em Março, o mesmo museu apresenta duas exposições de artes plásticas de

autoria feminina. Uma de gravuras (19661997), de Ilda Reis, notável artista contemporânea, que entrou, qual deusa-mãe na terra, e desvendou como ninguém, o organismo secreto que pulsa no seu prodigioso coração de magma. Sobre Ilda Reis, escreve a Mestre Ana Matos, curadora da mostra Não quero ir onde não há luz: “Uma mulher comprometida com a causa da Liberdade e da Democracia, determinada nas suas convicções políticas e ideológicas, o que necessariamente se reflectiu no seu percurso artístico. O pessoal é sempre político [...]”. A intervenção artística Dias Felizes (fotografia, instalação e vídeo), de Rosa Nunes, contesta a ideia da redenção da Humanidade pelo sacrifício, e o seu Cristo no feminino, transmutado em corpo abatido de uma árvore da vida, inquieta-nos perante o sofrimento inútil. No título, pedra de fecho da abóbada do edifício desconstruído por Rosa Nunes, reside o impulso para a acção. A sua profunda ironia constitui uma poderosa arma ao serviço da transformação social. As árvores devem morrer de pé e os seres humanos, no esplendor da sabedoria. Joaquina Soares Directora do MAEDS

Ilustração Dinis Carrilho

ARTE E GÉNERO EM MARÇO


levantou enorme seleuma. O Sr. Presidente da RepúbliEntretanto Cavaco Silva já ca, está a ser confrontado, com tinha tido outros problemas. O uma enorme onda de reproEstatuto dos Açores onde pervação, devido às atitudes que deu em toda a linha, as grandes tomou ultimamente. Primeiro obras públicas, sobretudo TGV foi a questão do dinheiro não e Aeroporto, pois estava contra, lhe chegar para os seus gastos o célebre caso das escutas em mensais, com dez mil euros no Belém, uma inventona que o bolso no fim de cada mês, isso deixou muito mal visto. Bem foi considerado um insulto a como as questões ditas fractodos os que parcimoniosaturantes, Divórcio, Paridade, mente têm de gerir orçamentos Casamento Homossexual, a que muitos mais baixos. se opôs. O caso de João Lobo Depois, foi a fuga em enAntunes, no Conselho de Ética contrar-se com os jovens da para as ciências da vida. EnEscola de Artes António Arroio, fim, o BPN, onde tinha muitos em Lisboa, o que foi visto como amigos e homens de confiança uma cobardia. E finalmente a política, que foram Secretários forma como se referiu ao exe Conselheiros de Estados e LíPrimeiro Ministro José Sócrates, num “relatório de contas” deres Partidários (Duarte Lima, Dias Loureiro e Oliveira e Cosdo ano anterior, acusando-o ta), onde também tinha mais quase um ano depois de aqueacções que vendeu com lucros le ter saído da ribalta polítimuitos discutíveis, ca, numa tentativa sem falar daquiesburacada de relo a que chamou escrever a História (...) a fuga em “Campanha Suja”, a seu favor. Refere encontrar-se com por causa das suas por isso os acon- os jovens da Escola moradias modestas tecimentos que o de Artes António que trocou por oufrustraram, como tras mais caras, no o PEC IV que dei- Arroio, em Lisboa, Algarve. t o u a b a i x o o G o - o que foi visto como O ajuste de converno de Sócrates uma cobardia. tas deste Presidenno Parlamento, a te, que dificilmente Lei do Casamento agora continua a ser o PresiHomossexual, que ele considente de todos os Portugueses derava um desvio das aten- recorde-se que em cada cinco ções dos problemas centrais portugueses só um votou nele dos Portugueses. E por fim, ter -. Ao perder a consciência do permitido a tomada de posse papel pendular das Instituições de um Governo minoritário do e designadamente do GoverPS em 2009, em plena crise no para com as populações em financeiro-económica, o que

Ricardo Almeida, fotografo

Um Presidente em queda livre

todas as fontes. Agora correm geral e ao abrir uma enorme na net abaixo-assinados com brecha entre ele e o Partimais de cem mil assinaturas, do Socialista, que de uma só exigindo-lhe que se demita e voz lhe respondeu com muita na blogosfera que tem bastante contundência, perdeu muita da força opinativa, as sua legitimidade. No críticas sobem-lhe PSD houve poucos a (...) recorde-se em cima. defendê-lo, por se N e s t e m o m e nreceia que ele venha que em cada cinco to crucial da nossa até a fazer o mesmo portugueses só um História recente, o com Passos Coelho. votou nele (...) que menos precisaO Expresso hamos é de uma crise bitualmente tão mosocial deste tipo, com um Prederado e cuidadoso no tratasidente fraco, desprestigiado e mento do Presidente, desta vez sem norte. Um poço de vaidaabriu a torneira das críticas a

des que só pensa em si próprio e no seu futuro, infelizmente.! Esperemos que até ao fim deste doloroso mandato, consiga melhorar a imagem, para não ficar conhecido como o pior Presidente da República depois do 25 de Abril, o homem que caiu em queda livre. António Serzedelo Editor do programa de radio Vidas Alternativas anser2@gmail.com)

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02 Ensaio


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na vazante 03 Vigilantes e em luta “

e aprofundamento e não o seu retrocesso como nos estão a querer impor. Anita Vilar Médica Psiquiatra

Desigualdade entre homens e mulheres O Paradigma da Modernidade

da educação, do sufrágio para as mulheres e na defesa das pessoas mais desfavorecidas. Entre elas destacaria Ana de Castro Osório, nascida em Setúbal, “Este texto é dedicado à minha dirigente da Liga Republicana de tia Etelvira, à minha avó Maria AliMulheres Portuguesas, uma das ce e à minha avó Maria José” . principais activistas políticas do Partido Republicano de Afonso A par com o centenário da I Costa, tendo sido oradora no conRepública comemorou-se o ano gresso republicano de Setúbal de passado o centenário do Dia In1909 em que foi decidida a via ternacional da Mulher, instituído revolucionária que culminou no pela primeira vez no ano de 1910 5 de Outubro de 1910. numa reunião internacional de Para além de Ana de Castro mulheres realizada na Dinamarca. Osório e de Carolina Beatriz ÂnFoi escolhido o dia 8 de Margelo, primeira mulher a votar em ço, porque neste dia, em 1857 na Portugal no ano de 1911, porque cidade de Nova Iorque, durante era chefe de família e sabia ler uma greve de reivindicação da e escrever, muitas alteração do horário outras poderiam ser de trabalho de 16h Hoje, as referidas como piopara 10h diárias em neiras nesta primeique as mulheres ga- mulheres ganham, ra vaga feminista em nhavam 1/3 dos salá- em média, menos Portugal. Mulheres rios dos homens, 130 12% que os homens, como Maria Veleda e operárias da indústria numero que cresce Adelaide Cabete, todas têxtil morreram num para os 21% (...) elas defensoras dos incêndio dentro duma direitos das mulheres fábrica onde foram fetrabalhadoras que lutavam por chadas. melhores condições de trabalho Nesta época em Portugal, algue mais igualdade nos salários e mas mulheres militavam no Partinos horários laborais. do Republicano e distinguiam-se A Península de Setúbal contava pela sua capacidade de intervencom muitas terras republicanas ção política e pública na defesa

José Carrilho, fotografo

*números de 2010

a todos, mas atingem de forma especial as mulheres que desejam ser mães; a flexibilidade de horários, os horários longos e irregulares geram grande desgaste e tensão com impactos muito negativos a nível individual e familiar, reflectindo-se mesmo no relacionamento conjugal e impedindo a mulher cada vez mais de participar na vida cívica, política e cultural. As reduções salariais, os cortes nos apoios sociais, os aumentos das taxas moderadoras no acesso aos cuidados de saúde, o custo elevado dos livros escolares estão a levar muitas famílias para situações tão difíceis que certamente já não poderão ter acesso a uma alimentação cuidada e ao tratamento necessário para não morrerem ou terem uma vida com um mínimo de qualidade. Os progressos alcançados pelas mulheres em matéria de Direitos são motivo de grande regozijo para todas nós, porque é isso mesmo: trata-se de direitos. Não podemos, contudo, esquecer que temos de estar atentas e vigilantes e exigir na luta organizada o seu cumprimento

Ricardo Almeida, fotografo

em relação às mulheres. portuguesas com 65 ou mais anos Num momento em que as A taxa de desemprego e os é de 24% enquanto nos homens políticas das troikas nacional e contratos a prazo são maiores é de 19%. Para as famílias mointernacional atingem as mulheentre mulheres bem como o risco noparentais – e 90% delas são res de forma violenta, comemorar de não encontrar novo emprego; encabeçadas por muo Dia Internacional são as que estão mais sujeitas lheres – é de 39%.* da Mulher aumenta ao trabalho temporário e as que Mulher, idosa e o seu simbolismo e A pobreza é são despedidas por serem mães. pobre é um trio que exige uma atenção uma manifesta As mulheres ganham menos ilustra muito bem e vigilância consviolação de todos os 25 a 30% em média ocupando as desigualdades de tantes na defesa de os mesmos cargos. Esta discrigénero que não se direitos conquista- direitos humanos minação gera lucros imensos às esbatem com discurdos através de uma – económicos, civis, empresas e são uma outra forsos dissociados das luta persistente e políticos, sociais e ma de exploração do trabalho práticas governatiorganizada por parte culturais. feminino. vas e que têm vindo das mulheres, direiEstas diferenças salariais a tornar-se uma triste e penosa tos que foram uma das maiores vão-se igualmente traduzir nas realidade para as mulheres em conquistas da humanidade no pensões de reforma. Portugal. século passado. Ta m b é m a q u i , a s As políticas posAs medidas de austeridade Os progressos desigualdades são tas em prática pelos (que só se dirigem a quem viveu alcançados pelas gritantes. A pensão sucessivos governos e vive do seu trabalho) impostas média de velhice na de PS, PSD e CDS e mulheres em ao povo português e, nomeadamulher corresponde agora agravadas pela matéria de Direitos mente, aos trabalhadores estão a 59,9% da pensão do cedência às imposi- são motivo de a provocar um empobrecimento homem. A pensão ções dos represen- grande regozijo acelerado que atinge, de forma média das mulheres tantes dos grandes para todas nós, particular, as mulheres que são é de 304,4 € e a do grupos económicos e também muitas das pessoas que porque é isso homem é de 531,76 €. do capital financeiro, trabalhando se encontram em A pensão rural é de (dos referidos mer- mesmo: trata-se de situação de pobreza. 227,43 €. As mulheres cados com que nos direitos. A pobreza é uma manifesta representam 53% dos pretendem assustar violação de todos os direitos reformados. e enganar todos os dias) estão humanos – económicos, civis, As alterações ao Código Laa agravar as desigualdades e a políticos, sociais e culturais. A boral facilitam os despedimentos discriminação já antes existentes taxa de pobreza para as mulheres

por excelência, onde a República foi proclamada no dia 4 de Outubro, contava também com um movimento forte de operariado, onde a força de trabalho das mulheres era muito significativa. A indústria conserveira ou a industria chacineira tinham uma mão-de-obra fortemente feminina vivendose uma época muito politizada, onde os sindicatos e o operariado tinham um papel muito activo e reivindicativo. Hoje, a luta das mulheres não

é pelo voto nem pela educação, mas continua presente a luta por salários iguais aos dos homens, por acesso igual aos lugares de decisão, por menor sobrecarga no trabalho doméstico. Hoje, as mulheres ganham, em média, menos 12% que os homens, numero que cresce para os 21% quando só consideramos o universo da sector privado e para 30% quando nos debruçamos sobre a realidade das mulheres nos lugares de topo das carreiras profissionais.

Quando falamos de trabalho não pago, tarefas domésticas e cuidados com dependentes, as mulheres trabalham em média mais 13 horas por semanas que os homens. Esta realidade crua, que atravessou um século de História, apesar dos avanços alcançados e dos investimentos dos países em legislação que promove a igualdade e protege a maternidade e a paternidade e em equipamentos e serviços de apoio à família, continua a perpetuar-se nas sociedades mais desenvolvidas. Se a minha tia Etelvira e a minha avó Maria Alice, chacineira de profissão, ainda fossem vivas, não iam acreditar que afinal as coisas não mudaram assim tanto, o que mudou foi a existência das creches, das fraldas descartáveis, dos pensos higiénicos, da pílula contraceptiva e da máquina de lavar roupa, porque afinal, na sociedade do séc. XXI, as mulheres continuam a ter o papel de reprodutoras e os homens de produtores, paradigma da modernidade que a pós-modernidade ainda não conseguiu alterar. Catarina Marcelino Presidente das mulheres socialistas


Porquê este dia?

Ricardo Almeida, fotografo

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04 boreal A celebração do Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, nunca é pacífica, para muitos homens e também para muitas mulheres. Levanta sempre questões e perplexidades e ouço muitas vezes dizer “porquê este dia? A igualdade entre homens e mulheres está mais que conquistada. Que coisa tão feminista!” Talvez a 1ª razão para celebrar este dia seja continuar a desfazer os equívocos que estão associados ao feminismo. O feminismo nunca foi nem será uma luta das mulheres contra os homens, e muito menos a tentativa de ganhar essa luta fazendo sobrepor os interesses das mulheres aos dos homens. O feminismo é uma luta pelos direitos das mulheres sempre que estas estão em desvantagem e é, acima de tudo, um movimento em prol da igualdade de género, até que a luta deixe de fazer sentido e a própria expressão feminismo seja arrumada no baú. Porque é que nem o feminismo nem o dia 8 de Março podem ir ainda para o baú? N ã o p o d e m e n q u a nt o a s prateleiras dos supermercados dividirem os brinquedos das meninas e dos meninos em bonecas e nenucos para um lado e carrinhos e jogos de guerra para outro. Enquanto a publicidade da cerveja vender loiras, ruivas e morenas com imagens de mulheres que não sabemos se estão a beber ou se são para beber. Enquanto existirem crianças e adolescentes a sofrer profundamente nas escolas e nas famílias porque são rejeitados e maltratados quando começam a dar sinais de vir a assumir uma sexualidade diferente do padrão heterossexual que lhes queremos impor. Enquanto existirem mulheres que deixam de ser promovidas nas carreiras e vêem os seus colegas homens serem aumentados na mesma função porque optaram por ficarem grávidas. Enquanto dissermos que um bom marido é aquele que ajuda em casa. Enquanto existirem magistrados, que diante do tribunal, se dirigem a mulheres vítimas da violência doméstica com conselhos como este “vá para casa minha senhora, e deixe de o arreliar que isso passa”. Estes são todos exemplos do nosso dia-a-dia e à escala do que conhecemos e temos em casa ou mesmo ao nosso lado. São exemplos que continuamos a desvalorizar mas que


não vão à escola, 2 terços são nos entram pela vida adentro, raparigas. pela via consciente e pela inA SEIES, que aqui represenconsciente, e que mostram que to, é uma Cooperativa fundada ainda permanecemos presos/ há 32 anos e há 32 anos que as. Estamos presos, homens e trabalha com mulheres. Desde mulheres, àquilo que esperam 2006 que intervém especificade nós, à forma como nos demente também na área da prevemos comportar socialmente, venção da violência doméstica no feminino e no masculino. e da violência de género. O feminismo faz sentido Ta n t o a o n í v e l m u n d i a l , hoje, não como uma exortação como ao nível local, aqui mesde qualidades femininas sobre mo em Setúbal se quisermos, a as masculinas, mas sim como violência sobre as mulheres é um caminho pela liberdade. A uma realidade. E se nos pareliberdade de homens e mulhecem realidades muito diferentes res se afirmarem enquanto pes(que são em muitos aspectos), soas e indivíduos, na sociedade partilham em comum o mesmo e para si mesmos, como plenos ingrediente que ajuda à perpee não presos a uma determituação do fenómeno: o silêncio. nada visão do que é suposto E o silêncio é aliado do descoserem para serem mulheres ou nhecimento e do medo. homens. O silêncio, a ocultação e o Num rápido salto para a branqueamento das muitas siescala mundial, os dados cotuações de violência doméstica nhecidos não deixam margem que existem há muipara dúvidas sobre tas gerações nas faa situação da griPorque é que mílias portuguesas tante desigualdade foram a causa da e f r a g i l i d a d e d a s nem o feminismo percepção distorcimulheres no mun- nem o dia 8 de da que temos deste do. Apenas alguns Março podem ir fenómeno. Ainda se números sobre esta ainda para o baú? alimentam muitos realidade: mitos associados, porque ainda • A cada minuto morre uma continuamos a crer que a vio1 mulher por complicações lilência doméstica só acontece gadas à gravidez, parto e falta nas famílias de baixa condide cuidados se saúde; ção económica, que os homens • Por ano, 4 milhões de que batem nas mulheres são mulheres e crianças de todas na grande maioria alcoólicos as idades são compradas para e que elas estão dependentes prostituição, escravatura e caeconomicamente. samentos forçados; Estes e outros mitos asso• 140 milhões de mulheres ciados à violência doméstica, e crianças já foram sujeitas ao que não correspondem à grancorte dos seus genitais e 6 mil de maioria dos casos, mostramestão diariamente em risco; nos que uma coisa é a realidade • Dos 130 milhões de criane outra coisa é a percepção que ças que existem no mundo que

saberemos que deixámos de temos desta realidade. normalizar a violência no quoÉ nesse domínio que a SEIES tidiano. Fizemos exactamente o tem actuado. Porque é na anámesmo com o ensino em Porlise da percepção do fenómeno tugal – quantos de nós tiveram da violência que sabemos se pais que foram huuma comunidade milhados e batidos o tolera ou, pelo O silêncio, por professores/as contrário, o repuna escola de antes dia. Nesse sentido, a ocultação e o a c t u a n d o s o b r e a branqueamento das do 25 de Abril, onde p e r c e p ç ã o d o f e - muitas situações de o castigo físico era nómeno, estamos a violência doméstica e n t e n d i d o c o m o um bom método de contribuir para al- que existem há aprendizagem? E terá-lo na sua mais muitas gerações quantos de nós toprofunda matriz e lerariam hoje que os c a u s a . A c t u a n d o nas famílias filhos/as passassem sobre a percepção portuguesas por isso? permitimos que a foram a causa Prevenir a vioviolência se torne da percepção lência domésticada vez mais um distorcida que ca passa por criar fenómeno intoletemos deste um novo olhar, um rável. Abrimos caolhar atento, de minho para a acção, fenómeno. indignação e intopara o fim da cumlerância à violência e de preplicidade e do silêncio. Abrimos venção. caminho para um futuro de toA maioria das mulheres lerância zero à violência, romadultas vítimas de violência pendo com a sua banalização doméstica tem em comum o e normalização no quotidiano. isolamento. E a grande maioria Apesar do muito caminho reconhece que não sabe como q u e p r e c i s a m o s a i n d a p e rfoi possível ter tolerado tanto e correr, já muito foi e está a ter chegado àquele ponto. ser feito. A grande mudança, A maioria dos jovens com aquela que precisamos, está em quem trabalho nas escolas, germinação na nossa cultura raparigas e rapazes, têm em mas ainda não eclodiu, tratamcomum a desvalorização dos se ainda de casos esporádicos sinais e fazem um riso nervoso que encaramos como excepquando se dão exemplos banais ções. E esta mudança será a de indicadores iniciais de vioindignação. Apenas quando lência numa relação. nos espantarmos verdadeiraA maioria de nós, quando mente quando ouvirmos uma a violência “nos bate à porta”, notícia de violência doméstica na casa vizinha, ficamos sem e não esperarmos outra coisa saber lidar com a situação, não senão que tenha o desfecho de conseguindo integrar a situação qualquer outro crime grave, em de violência “entre marido e que as vítimas são protegidas mulher” como uma situação de e os agressores são presos,

violência. Ficamos sem acção ou pensamos imediatamente que para um homem se alterar assim, a sua mulher só pode ter feito alguma coisa. A nossa reacção seria, muito provavelmente, diferente se presenciássemos a mesma agressão no meio da rua, entre um ladrão e uma velhinha. A maioria de nós, sobretudo, não imagina que lhe possa acontecer a si. E no entanto, o que define uma pessoa vítima é tão só o ter-se apaixonado, um dia, por uma pessoa agressora. O que faz a grande diferença para esta pessoa, a diferença capaz de lhe permitir libertarse, é ser capaz de dizer “quanto mais me bates, menos gosto de ti”. E para isso, tem de ter em si uma intolerância natural à violência. Algo que começa muito cedo, se cultiva, se educa e algo para o qual todos/as podemos e devemos contribuir. Começando, por exemplo, por adoptar novos provérbios. A violência doméstica é um crime público e quando acontece “é tempo de meter a colher, meter a polícia, prender o criminoso e proteger a vítima.” Nos últimos 8 anos morreram em Portugal 274 mulheres vítimas de violência doméstica. Setúbal é o 3º distrito mais afectado do país, com 26 mulheres mortas. É preciso dizer basta. Joana Peres Seies

Programação

Academia Problemática e Obscura 12 de Abril (19 h)

Os Passos da Paixão de Cristo de Setúbal (visita guiada por José Luís Neto)

12 de Abril (20 h)

Comunicação e divulgação científica em Portugal Carlos Catalão, Universidade Aberta

20 de Abril (20 h)

Pedro & Diana em concerto minimalista Rua Fran Paxeco nº 178 . Setúbal . primafolia.blogspot.com . primafolia@gmail.com . Tel. 963 883 143

“Túbal te Fez - Arqueologia, Identidade e Cultura Periférica”, recupera (numa altura em que muitos se lhes alhearam) valores de testemunhos enraízadores, resgatando-lhes a condição de matrizes do conhecimento. Lê-la devagar é imergir num universo de significados intensos que ganham pujanças insuspeitas, rarefeitas. O científico (no sentido de factual), o narrativo (no sentido de religador), o poético (no sentido de profético), o cúmplice (no sentido de partilhável) atingem na palavra, no imaginário do autor respiração e significado invulgares. Simultaneamente sintética e analítica, erudita e popular, incisiva e subtil, envolvente e distanciada, a sua escrita imerge em elipses incomuns, conduzida por linhas que desoculta para melhor se ocultar. Fernando Dacosta

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Boreal 05


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06 ACTIVISMO

A questão do género em Cabo Verde económica são unânimes nos areOs meus amigos do “SUL” pediópagos internacionais. ram-me para escrever um texto relaMas seriamos muito injustos cionado com o “Dia Internacional da se não dessemos o justo realce ao Mulher”. Para variar ando sempre a magnífico trabalho re“correr” e a poucas hoalizado pelas ONGs em ras de embarcar para Cabo Verde em prol da Cabo Verde, para conQuando se melhoria das condições tinuar um trabalho que fazem plenários de vida da população. estou a fazer em con- com as populações E aqui queria salientar junto com uma amiga e dos povoados o magnífico trabalho grande intelectual Cabo feito pela mais antiga Verdiana, Dra. Crispina do interior, sem exagero, direi ONG de Cabo Verde: Gomes. A OMCV, Organização Sabemos dos pro- que 80% dos das Mulheres de Cabo blemas que existem em participantes são Verde, liderada muito Portugal e na Europa do sexo feminino. sábiamente pela sua onde as desigualdades Presidente Idalina Freire. Que muito entre os dois sexos continuam a ser trabalhou e continua a trabalhar pela gritantes. Ao nível do salário, ao nível dignificação e capacitação da Mulher de cargos de responsabilidade nas em todos os domínios da Sociedade empresas ou no Estado, ao nível do Cabo-Verdiana. desemprego, sempre maior nas muEm Cabo Verde passa-se um felheres do que nos homens., apenas nómeno curioso. Quando se fazem para dar alguns exemplos. plenários com as populações dos E em Cabo Verde perguntarão os povoados do interior, sem exageleitores como estão as coisas? ro, direi que 80% dos participantes Desde a Independência que os são do sexo feminino. Quando as sucessivos Governos Cabo-VerdiaAssociações de Desenvolvimento nos têm feito um trabalho notável Comunitário (um misto das nossas em prol das condições de vida do Comissões de Moradores com as povo daquele Arquipélago. Como nossas colectividades de cultura e resultado desse trabalho Cabo Verde recreio, mas também com trabalho passou em 2008 de País em vias de social) fazem as suas Assembleias, desenvolvimento para País de demais uma vez a maioria são as senvolvimento médio. E as loas á mulheres que estão presentes. No Democracia Politica e Democracia

Ricardo Almeida, fotografo

rior das ilhas ainda se vê com muita frequência mulheres com latas de água á cabeça. E porque o salário que têm é muito reduzido (ou estão desempregadas) são as mulheres que fazem a apanha clandestina das areias nas praias, trabalho extremamente penoso. Na realidade estas mulheres Cabo-Verdianas são umas verdadeiras heroínas na sua luta diária. As ONGs de Cabo Verde e se me permitem a

entanto o número de mulheres que fazem parte das Direcções ou que são eleitas locais ou Nacionais ainda é muito reduzido. Quando ainda por cima mais de 45% dos chefes de família são mulheres (principalmente por questões de emigração), o que significa que têm a responsabilidade financeira da casa, dos trabalhos normais numa casa de família e a somar a tudo isto, a educação dos filhos! Quando viajamos para o inte-

subjectividade, a OMCV, merecem todo o apoio em projectos de capacitação que favoreçam a igualdade de género. Apesar das dificuldades financeiras e sociais que o nosso Portugal está a atravessar, o nosso Governo tem o dever moral, direi antes, a obrigação moral de continuar a apoiar Cabo Verde e as suas ONGs. Carlos de Sousa

Espermacultura triarcal d@ companheir@ perscrisálida do nosso conforto, a fepetivado como património/ char as cortinas em relação ao propriedade, é talvez a causa que se passa “lá fora” e esquecer. original da desigualdade social. Porém, a verdadeira transformaE uma sociedade desigual é semção dessa sociedade tem início pre uma sociedade mais pobre, precisamente aí, onde baixámos mais monolítica, mais impositiva armaduras e revelamo-nos tal e conflitual... em suma, indepenqual somos. dentemente do praE é precisamente aí zo mais ou menos que temos de olhar e alargado de expiver, que por mais razões (...)uma que apresentemos que sociedade desigual ração, é uma sociocultural/civilização tendem à justificação, é sempre uma em vias de extinção. a atenuar e relativizar Reflitamos pois, o que fazemos, que se sociedade mais em conjunto, não inicia a perversão dessa pobre, mais tanto em como sociedade que julgamos monolítica, mais poderemos mudar injusta. Começa na falta impositiva e o mundo, mas antes de afeto, de respeito e conflitual... como nos mudarede atenção, a que vomos a nós mesmos tamos geralmente @s para, em consequência, transfornoss@s companheiro@s habimar o mundo. Com esperança... tuais, privados de uma relação entre iguais pelo hábito, sempre José Luís Neto adiados face a prioridades que jornalosul@gmail.com julgamos mais prementes. A coisificação do outro, resquício bem vivo da noção pa-

Ricardo Almeida, fotografo

Todos os dias somos confrontados com realidades conflituosas e contraditórias que, por vezes, nos deixam com a sensação de

estarmos à deriva. A sociedade é mais complexa do que aquilo que gostaríamos de admitir e mexer com uma pequena pedrinha nesse

âmbito é trabalho extenuante em demasia. Com o aumento do cansaço, tentamo-nos a fecharmo-nos na

FICHA TÉCNICA: Propriedade e Editor: Prima Folia - Cooperativa Cultural, CRL . Morada: Rua Fran Paxeco nr 178, 2900 Setúbal . Telefone: 963683791/969791335 . NIF: 508254418 . Director: António Serzedelo . Subdirector: José Luís Neto, Leonardo da Silva Consultores Especiais: Fernando Dacosta e Raul Tavares . Conselho Editorial: Catarina Marcelino, Carlos Tavares da Silva, Daniela Silva, Hugo Silva, José Manuel Palma, Maria Madalena Fialho, Paulo Cardoso . Director de Arte: Dinis Carrilho . Consultor Artístico: Leonardo Silva . Morada da redacção: Rua Fran Pacheco n.º 176 1.º andar 2900-374 Setúbal . E-mail: jornalosul@gmail.com . Registo ERC: 125830 . Depósito Legal: 305788/10 . Periodicidade: Mensal . Tiragem: 45.000 exemplares . Impressão: Empresa Gráfica Funchalense, SA – Rua Capela Nossa Senhora Conceição, 50 – Moralena 2715-029 – Pêro Pinheiro


MAR 2012

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Cultura 07 por ser idealizado como entreteAs indústrias do entreteninimento, pelas razões secretas ou mento geram produtos culturais mágicas do poder criador, pode e de distração veiculados pelos redundar em obra-prima. meios escritos, audiovisuais e Clive Cussler é um escritor digitais, em permanente turbinorte-americano com créditos lhão. Com a literatura, ao longo firmados nos thrillers onde a atdo século XX, a ramificação de mosfera subaquática está sempre subgéneros atingiu um nível surpresente, ele é um nome inconpreendente (romance histórico, fundível do thriller marítimo, amde amor, lírico, de aventuras…), plamente traduzido e publicado havendo a juntar o teatro, a poeem Portugal desde os anos 80. sia, a trama policiária, toda a sorCussler é mais do que um escritor te de ensaios, correspondência, de ficção, dedica-se à investigamemórias, autobiografia, mas a ção da história marítima e naval, lista é muito extensa. As indústrias é fundador da NUMA (National contaminam os géneros: muito Underwater & Marine Agency), do que é bom na literatura passa uma organização sem fins lucrapara o cinema e televisão, a cotivos com o objetivo de descobrir municação dos blogues não deinavios afundados e igualmente xa os outros meios insensíveis, e membro da Real Sociedade de fazem-se filmes para passarem Londres. nos ecrãs digitais. Sem favor algum, é mestre Imperou durante muito tempo deste subgénero onde se cruo preconceito de que estes produzam ação, intriga, onde paira a tos eram destituídos de qualidade, tragédia iminente, bem doseada eram bolhas que rapidamente repara manter o leitor a passar as bentavam no ar, sucedâneos atrás páginas sem tréguas. Como lide sucedâneos, com propósitos teratura de aventuras regista a alienantes ou embrutecedores, presença de um herói, produtos de usar e Dirk Pitt, com sufideitar fora. O preconO preconceito ciente versatilidade ceito, diga-se de paspara se desembrusagem, vem de longe, hoje está esbatido: lhar airosamente em mesmo com a cola- John Le Carré é terra e no alto mar. boração de gigantes muito mais do Em “Mediterrâneo” literários como Bal- que um talentoso zac ou Camilo Caste- criador de thrillers, (por Clive Cussler, Saída de Emergência, lo Branco no género afinal Fernando 2011) temos todos os folhetinesco, mesmo ingredientes para emcom artistas plásticos Pessoa fez muito polgar os aficionados como Carlos Botelho mais do que do thriller marítimo, que fazia desenhos de publicidade, (...) como segue. Numa humor. O preconceipacata ilha da Grécia, to hoje está esbatido: Thássos, no norte do Mar Egeu, John Le Carré é muito mais do uma base aérea norte-americana que um talentoso criador de thrilé subitamente atacada por um lers, afinal Fernando Pessoa fez avião da I Guerra Mundial. Pemuito mais do que publicidade, rante a visão de um biplano que escritores e artistas plásticos não passava de uma relíquia de intrometem-se frequentemente museu, a estupefação foi geral. no cinema, rádio e televisão, esPor puro acaso (na literatura de crevendo guiões ou oferecendo aventuras o acaso tem sempre os seus préstimos para a trama muita força), aparece Dirk Pitt cenográfica. E aquilo que começa

Ricardo Almeida, fotografo

Elogio do thriller de aventuras como entretenimento puro

integrado numa equipa de investigação junto da ilha, pesquisam um peixe raríssimo que poderá trazer uma nova compreensão para a evolução das espécies. Aquele biplano é intrigante, como Dirk Pitt sabia, tratava-se de alguém que brincava a pilotar um avião mítico da guerra, o Falcão da Macedónia, que fora pilotado por um ás da aviação alemã, dado como desaparecido pouco antes da I Guerra Mundial findar. O herói conhece uma beldade, esta apresenta-o ao tio, o tenebroso Bruno von Till, durante o jantar fala-se de o Falcão da Macedónia e o herói vai viver horas de pesadelo, metido numa gruta e ter de enfrentar um molosso, depois, graças à sua assombrosa tenacidade, vence os obstáculos, chega ao navio de investigação e começa uma pesquisa à volta de uma rede de droga que, como é próprio dos romances de aventuras de Clive Cussler, mete submarinos e muitas proezas subaquáticas. O controlo da trama é absolu-

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to: há sempre um perigo de altíssimo rico (neste caso a iminência de uma quantidade colossal de droga inundar o mercado norteamericano); há um arrancar da história que tem de ser eletrizante, não pode dar tréguas a quem pega no livro, neste caso é assim: “Estava um calor infernal e era domingo. Na torre de controlo, o controlador de trafego aéreo da Base Brady da Força Aérea norte-americana acendeu um cigarro com a ponta ainda em brasa de outro, apoiou ou seus pés calçados só com meias em cima do aparelho de ar condicionado portátil e esperou que acontecesse alguma coisa); há um avião mítico que nenhum radar capta; anda-se à caça de um peixe préhistórico, o Teaser, tudo aponta que os últimos peixes andam naquele local do Mediterrâneo, nas profundezas, foi considerado extinto durante 70 milhões de anos, supõem-se que o Teaser teria sido um elo primitivo na evolução dos mamíferos, é portanto uma des-

coberta que irá virar do avesso o que se sabe sobre a evolução humana; há momentos em que a balança parece pender para o lado do mal, mas o herói façanhudo e expedito desenvencilha-se bem quando tudo parece perdido; no final, mesmo com o corpo feito num oito a Interpol tem um sucesso de que não havia memória na captura de droga; e para retirar o leitor do sufoco do tropel de tanta aventura encadeada tudo acaba em bem e Dirk Pitt recebe como recompensa um carro raríssimo, o Maybach-Zepplin de 1936, o maior rival do Rolls-Royce Phantom III. O público que pede aventuras sai recompensado, Clive Cussler não defrauda ninguém, construiu uma narrativa vibrante e não é por acaso que a crítica o considera como o melhor contador de histórias do subgénero. Beja Santos Docente Universitário



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