O Sul Janeiro nº 18

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ano: 2012 . nr 18 . mês: janeiro . director: António Serzedelo . preço: 0,01 €

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Submergidos pela azáfama e o imediatismo dos nossos dias, a fúria das soluções fáceis para ontem, prometidas todos os dias pelas pessoas ligadas ao poder, parece que estamos dispostos a aceitar o empobrecimento generalizado das classes médias, num nivelamento típico do pão que o diabo amassou. Esse empobrecimento radical, fruto da pobreza material deste país, não provém da falta de matérias-primas, tão pouco da falta de produção de bens transaccionáveis. Aliás, há alguém que realmente acredite nesse problema? No entanto, o país está miserável. Todos nós sentimos isso profundamente. A nossa pobreza é a nossa amnésia. É o que nos torna indigentes e incapazes de compreender o devir dos tempos. Sem coordenadas, escravos do imediato, servos do já, manipuláveis por todo e qualquer um que jure suprir a nossa angústia originada na perda. Estamos à mercê de boys de Massamá ou do Canadá, com os quais os próprios militantes do partido governante conflituam. A mediocridade substitui fatalmente o mérito, premiando com o despedimento casos incontáveis de assaz frequentes, permitindo-nos destacar, por particularmente simbólicos, os do director do Museu Nacional de Arqueologia e do director do CCB. Portugal vive hoje a experiência da dureza da sua perifização. Portugal é mátria, terra de génios e poetas, terra de gentes boas, que preferem amar a guerrear, terra de aventureiros e de humildes,

é seiva que nos corre no sangue espesso de novecentos anos de memória colectiva. Guimarães capital europeia da cultura, que mais não seja, relembra-nos isso. Porém, somos também um povo de iconoclastas. Talvez o sejamos ainda por longos tempos. O nosso misticismo precisa de uma boa dose de materialidade para acreditar. Dentro das nossas preciosas referências de adoradores de imagens, juntámos, à nossa genuína devoção a Nossa Senhora de Fátima e a Santo António, líderes políticos Armani. As nossas gentes fascinam-se pelo que brilha, daí só darem depois pela falta de conteúdo. Gerações virão que não terão esta aceitação pelos nossos erros colectivos, mas como se dará uma nova energia e alegria a um país velho e acossado, que só quer hibernar, ficar quieto?! No centro do furacão em que Portugal se tornou, continuamos a fazer as coisas simples. Com paciência dedicamo-nos a reconstituir ao modo antigo, sem relegar por inútil o muito que se tem vindo a descobrir, integrando o melhor que se conquistou nessa longa tecitura. Por isso, realmente fundamental, é saber perceber o essencial, sendo que tudo o mais é acessório. Três são as chagas culturais e sociais: pobreza, discriminação e autoritarismo. É a partir daqui que se podem e devem construir as soluções. Nós, com o nosso modesto contributo, continuaremos a fazer a nossa parte. Leonardo da Silva e José Luís Neto Direcção da Prima Folia - Cooperativa Cultural, CRL

Ilustração Dinis Carrilho

No Centro do Furacão - Editorial


Auditoria à Dívida Pública degradação, nunca permitiriam alcançar de outra forma. Foram as célebres bolhas imobiliárias e o crédito em operações tipo D. Branca, que foi considerado lixo, mas entretanto nos lixou a todos. Foi também o momento em que Nos cafés, nas rodas de amigos, os Estados acorreram em favor da nos cabeleireiros, todos falamos da banca, injectando-lhe dinheiro a dívida pública do Estado Português jorros, socializando os prejuízos e das desgraças que nos trouxe ulque provocava, mas timamente. não tocando nos lucros Muitos, se não que auferia. quase todos, andam se, no tempo A consequência foi à procura de bodes das vacas gordas uma enorme degradaexpiatórios. Para uns, os lucros dos ção das contas públicas foi o último governo bancos não tinham (pois resgatar bancos socialista. Para outros, é muito caro). Caíram são os socialistas em beneficiado os as receitas e criou-se geral, enquanto para cidadãos, não uma espiral de despeoutros ainda, tudo havia razão para sas públicas a subir em começa com Cavaco que, no tempo das flecha, devido à recesSilva. Temos para todos vacas magras, os são, e de desemprego. os gostos, de acordo cidadãos pagassem Cada país sofreu com as cores políticas os prejuízos isto à sua maneira, mas de cada um. os mais frágeis foram Em geral, diz-se os primeiros a ressentir-se devido que o tsunami financeiro começou ao endividamento público e privado. em 2007, com a falência do banco Foi o momento em que aquilo Lehman Brothers. a que se chama hoje os mercados Essa bomba atómica financeira financeiros, ou a alta finança (ou, desencadeou inúmeros estragos na para melhor tipificar, os mais rieconomia americana e, por arrasto, cos dos ricos) entraram em cena, dado que estamos num mundo gloespeculando sem vergonha com balizado, na Europa, na Ásia e por as dívidas públicas dos países, pois aí fora. Os políticos em geral (ou, perceberam que este era um mopelo menos, os europeus) meteram mento em que podiam apertá-los, a cabeça na areia e teimaram em modificar as regras do jogo e do produzir discursos muito apaziguacontrato democrático e, ainda por dores Aquilo, diziam, não era nada cima, ganhar enormes fortunas à connosco. custa do empobrecimento de povos Enganaram-se redondamente e inteiros. todos eles estão agora, de uma forE é neste momento que entram ma ou de outra, a serem corridos do em cena outros actores, pretendenpoder para serem substituídos pelas do benevolamente “salvar os países”: virginais oposições, que também o BCE, o FEEF e sobretudo o FMI, nada previram e só tiveram gestos com “provas” dadas noutros países populistas para “caça” ao votos. na década de 80-90. Na verdade, o caso Lehman BroA receita é simples: austeridade! thers é, em si mesmo, já o resultado Aprovada a austeridade, começam de uma política iniciada muito antes as intervenções no mercado de trade empréstimos a preços baixos, balho, o desemprego, a destruição para iludir as classes trabalhadoras, do Estado Social porque é caro e, que poderiam ter acesso desta forma depois, em consequência, a recesa bens de consumo desejados, mas são, o que leva a uma depressão dos que os seus ordenados, sempre em

Auditoria à dívida pública, para que o nosso futuro não fique compremetido

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mercados. As pessoas não compram, como se vê na Europa e em Portugal. Na U.E., a regra para a dívida pública determinava que ela não devia ultrapassar os 60 % do PIB. Na verdade, a regra não era cumprida, e a Alemanha e a França ultrapassaram algumas vezes estes limites, sem que nada lhes sucedesse. Em Portugal, quando a “troika” cá chegou a nossa dívida pública era superior a 97% do PIB. Em 2013, quando a “troika” se for, a nossa divida pública com o remédio ministrado deve situar-se acima dos 106% do PIB. Ai se vai constatar que dos bancos não tinham beneficiado a dívida publica é insustentável e os cidadãos, não havia razão para que tudo quanto se fez serviu apenas que, no tempo das vacas magras, para agravar a nossa situação. os cidadãos pagassem os prejuízos É aqui que entra em cena a nedos mesmos bancos. cessidade das auditorias às contas No caso português, a auditopúblicas. Em princípio, deviam ser ria da iniciativa dos cidadãos vai os Estados a fazê-las, porque posavaliar a complexidade do sistema suem mais meios para isso, para da dívida, calcular a sua dimensão, saber quanto se gastou, como se ver que parte da dívida é ilegal, ilegastou e onde se gastou. gítima ou insustentável (a dívida Mas na verdade não o fazem, odiosa) e o que deve ser pago com pois isso ia pôr a nu os enormes outros prazos: aquilo a que chaerros que cometeram, muitas vezes mamos reestruturação. para sustentar políticas A dívida é para pagar, que só beneficiaram O Estado mas noutros termos, uma minoria, em presabendo-se que a díjuízo da res publica e tem dívidas para vida pública é apenas de todos. Veja-se o caso com os credores, um, entre muitos dos do BPN. Houve contu- mas também tem do países em que isso deveres para com os compromissos do nosso país. O Estado se fez por iniciativa do cidadãos, quer os tem dívidas para com poder, como aconteactuais, quer os das os credores, mas tamceu no Brasil com Lula bém tem deveres para da Silva e no Equador gerações futuras com os cidadãos, quer com Rafael Correa, os actuais, quer os das gerações ainda que com forte oposição das futuras, que não podem ver o seu forças conservadoras, nada interesfuturo comprometido. Seria imoral. sadas em que lhes desmascarem as A iniciativa para uma Auditoria negociatas. Cidadã da Dívida Pública adopta os Na Europa temos ainda o exemseguintes princípios: plo da Islândia, propositadamente Democraticidade pouco falada, pois não só fez uma Pois todos podem fiscalizar o anauditoria à sua dívida como se redamento da auditoria. cusou a pagar a chamada “dívida Natureza participativa odiosa” de certos bancos, que fiPorque a cidadania está no centro caram apeados, com graves predo processo. juízos para a Inglaterra e Holanda. Transparência Partiram do principio de que se, no Pois serão prestadas contas públicas tempo das vacas gordas os lucros

Rasmus Thomsen freedigitalphotos.net

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de todas as operações e decisões. Controlo pelos Cidadãos Pois estes têm parte activa na gestão do processo. Independência Porque é levada a cabo por uma comissão de pessoas independentes dos poderes nacionais e internacionais. Tudo isto exige enorme esforço, demora tempo e requer a colaboração de pessoas tecnicamente qualificadas, capazes de apresentar ao público propostas plausíveis e exequíveis. À partida temos de vencer um obstáculo: a fraca mobilização da sociedade portuguesa, que é muito pouco interventiva. É preciso mobilizar as pessoas. Sem isso, esta iniciativa não faz sentido. Por outro lado, é preciso contar com a colaboração internacional de instâncias que já têm sobre esta questão larga experiência, como é o caso dos subscritores da Declaração de Atenas, e da Aliança Europeia de Iniciativas para Auditoria Cidadã. O primeiro passo a dar, porém, tem de ser nosso. António Serzedelo Editor do programa de radio Vidas Alternativas anser2@gmail.com)


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na vazante 03 A Comuna 1871, PARIS CAPITAL INSURGIDA A Comuna de Paris, um marco da emancipação social. 2 de Setembro 1870: o Imperador Napoleão III, imprudentemente envolve-se em guerra contra a Prússia e capitula em Sedan. A Republica é proclamada no Hôtel de Ville (Câmara). Os prussianos cercam a capital por longos meses, até ao armistício a 28 de Janeiro de 1871. Na Assembleia Nacional, eleita a 8 de Fevereiro, a maioria rural, conservadora, procura negociar a paz, mas Paris que se defendeu valentemente, não se quer render. A situação é explosiva. Para evitar pressões populares na

capital, a Assembleia Nacional foge para Versailles. Princípio de Março, Paris liberta-se a si própria. Um incidente precipita os acontecimentos. Adolf Thiers chefe do poder executivo da República, ordena a retirada dos canhões que se encontram em Montmartre. A população opõe-se, uma parte da guarnição confraterniza com ela e dois generais são executados. Thiers decide então que o governo deixará Paris, instalando-se em Versailles. Nessa noite o comité central da Guarda Nacional instala-se no Hôtel de Ville. A eleição da Comuna efectua-se a 26 de Março e os seus membros instalam-se no Hotel de Ville perante uma multidão de dezenas de milhares de pesso-

as. Em 2 meses numerosos decretos são promulgados. Uns de efeito imediato. Liquidação dos contratos de aluguer, abolição do trabalho nocturno, interdição da retenção sobre o salário. Outros de efeito futuro: separação da Igreja e do Estado; instrução laica, gratuita e obrigatória; organização do trabalho. Outras, emblemática, são adoptadas, como a destruição do símbolo imperialista da Coluna Vendôme. Nenhum membro da Comuna aufere salário superior ao de um operário especializado e pode ser destituído a qualquer momento. Entre os 83 membros eleitos havia 5 pequenos patrões, 14 empregados, 33 operários, 12 jornalistas, artistas e membros de profissões liberais também. Pa-

ris tinha 1.200.000 habitantes e 300.000 eram o verdadeiro sustentáculo do movimento, os “commmunards”. Desde o início, conforme a tradição revolucionária, a população ergue inúmeras barricadas. Face á não criação de mais comunas nas grandes restantes cidades, os versalheses, apoiados pelos prussianos, que cercam Paris, atacam com 60.000 homens, sob o comando de Mac-Mahon e ordens de Thiers. A barbárie e a vingança foram terríveis. A “semana sangrenta” de 21 a 28 de Maio foi a mais cruel, com o massacre de 20.000 pessoas. A luta na defesa das barricadas dos bairros foi tremenda, mas vencida. Aos inúmeros mortos e feridos, te-

rão de juntar-se multidões de prisioneiros seviciados, muitas vítimas de execução sumária e 4.500 desterrados para o campo de concentração da Caledónia. Como Louise Michel, jornalista anarquista, regressada com muitos outros na amnistia de 1880, mantendo o espírito rebelde até ao fim em 1905. O seu funeral contou com 200.000 pessoas e ainda hoje a Comuna persiste na memória do povo. Actualmente decorre uma exposição sobre essa gesta, no histórico Hôtel de Ville, onde diariamente afluem multidões. José Luís Felix Economista

Este País não é para velhos... muito menos para novos dificuldades económicas deve ter Em 6 meses e pouco de Governo direito a este apoio (não esquecendo PSD/CDS temos de lhes dar valor claro que para este governo uma por dois motivos: primeiro, têm feito pessoa que receba acima de 600€ um esforço enorme para deteriorar pode ser considerado um pequeno a vida dos idosos, que já tinham uma milionário). Ora, analisando mais vida bastante complicada, por outro concretamente e tendo em conta a lado tentam ver-se livres dos jovens situação de milhares de jovens que incentivando à emigração. partem do distrito de Setúbal para Começando pelos jovens, onde estudarem em Lisboa esta situação me incluo, o Governo tem realizatorna-se algo compledo um ataque a duas tamente insustentável velocidades, por um a curto prazo. Só em lado aplicam medidas milhares transportes podem que impedem a conti- de jovens que vir a pagar cerca de 170 nuação de milhares de partem do distrito euros acrescentando jovens nos seus cursos, de Setúbal para propinas e gastos nepor outro lado cortam cessários deparamocada vez mais nos di- estudarem em nos com uma situação reitos laborais preca- Lisboa (...) Só em catastrófica. riezando as condições transportes podem Em relação aos laborais, tornando os vir a pagar cerca de jovens que trabalham jovens que procuram o 170 euros (...) ou que procuram o seu primeiro emprego seu primeiro emprenum precário crónico. go, o ataque não tem sido menor. Analisando as políticas referenAssistimos ao aumento e manutes à educação, assistimos à destenção da precariedade como regra truição do futuro e de sonhos de no universo laboral, os direitos têm milhares de jovens. Neste preciso sido retirados ou diminuídos de uma momento, assistimos ao contínuo forma nunca antes vista em demoaumento das propinas que já ultracracia. No distrito, assim como no passam os mil euros, em contrapaís, assistimos a uma necessidade partida a análise dos processos de de sair da sua zona de habitação acção social arrastam-se no temem busca de melhores condições po, levando vários alunos a ter que de vida, sendo que esta situação se abandonar o curso por falta de contorna ainda mais surreal quando dições monetárias e por fim, como ligamos a TV ou lemos o jornal e cereja no topo do bolo, o governo percebemos que o próprio governo teve a brilhante ideia de eliminar incentiva a que jovens trabalhadoa comparticipação do Estado nos res saiam da sua “zona de conforto” passes sub18 e sub23, afirmando em busca de melhores condições. demagogicamente que só quem tem

Sandra Coelho

Ora esta situação não passa de um atestado de incompetência por parte do governo, que não sendo capaz de dar condições aos seus cidadãos os empurra para uma constante incerteza nas suas vidas. No outro extremo, deparamonos com os idosos, outro grupo etário que tem sofrido um ataque selvagem destas medidas de austeridade. Assim como os jovens vão sofrer um corte nos transportes, algo inconcebível visto que retiram a mobilidade aos idosos aumen-

tando o isolamento que já assola tantos sem “ajudas” destas. Como isso não chegasse as politicas neoliberais deste governo ataca o sistema nacional de saúde, aumentando as taxas moderadoras algo que para a população geral já é difícil de pagar no caso de idosos com pensões miseráveis e com necessidade de cuidados médicos ainda mais insustentável se torna. A acrescentar a isto, vêem as suas pensões serem diminuídas empurrando muitos para baixo do limiar da pobreza.

Isto tudo em prole do crescimento do país claro está. A questão que se coloca, e que deve ser debatida amplamente é: como é que um país, que não consegue dar um nível de vida de qualidade aos seus reformados nem manter os seus jovens a trabalhar com condições laborais dignas pode crescer? João Pedro Santos Estudante Universitário

FICHA TÉCNICA: Propriedade e Editor: Prima Folia - Cooperativa Cultural, CRL . Morada: Rua Fran Paxeco nr 178, 2900 Setúbal . Telefone: 963683791/969791335 . NIF: 508254418 . Director: António Serzedelo . Subdirector: José Luís Neto Consultores Especiais: Fernando Dacosta e Raul Tavares . Conselho Editorial: Catarina Marcelino, Daniela Silva, Hugo Silva, Leonardo da Silva, Maria Madalena Fialho, Paulo Cardoso . Director de Arte: Dinis Carrilho . Consultor Artístico: João Raminhos . Morada da redacção: Rua Fran Pacheco n.º 176 1.º andar 2900-374 Setúbal . E-mail: jornalosul@gmail.com . Registo ERC: 125830 . Depósito Legal: 305788/10 . Periodicidade: Mensal . Tiragem: 45.000 exemplares . Impressão: Empresa Gráfica Funchalense, SA – Rua Capela Nossa Senhora Conceição, 50 – Moralena 2715-029 – Pêro Pinheiro


"O Século XX Português" O século XX português: do Ultimato às incertezas do presente “O Século XX Português” (por José Manuel Sardica, Textos Editores, 2011) é uma apresentação para públicos estrangeiros do panorama da mais recente evolução histórica de Portugal. Não tem por objectivo uma interpretação radicalmente nova, é uma síntese descritiva e analítica, como escreve o autor, dos caminhos políticos, sociais, económicos e até culturais seguidos por Portugal desde 1900 até ao presente. Obra portanto indicada para qualquer não iniciado. Nesse período de tempo, Portugal conheceu a monarquia, a república, um sistema ditatorial e um regime democrático igual àqueles que existem na União Europeia; viveu o tempo do império africano e orientou-se para um destino europeu. Um tempo, como se compreenderá, de intensa vibração, como anota o próprio autor, já que comportou: 4 regimes políticos diferentes, 4 constituições, 4 ditaduras, o assassinato de 2 chefes de Estado (um rei em 1908 e um presidente em 1918), de um primeiro-ministro (em 1921) e de um antigo candidato presidencial (em 1965) – o século XX também pode ser encarado como um período crucial da história nacional pelas transformações que se têm vindo a operar na existência colectiva e individual. O que nos remete, antes de mais para a crise e falência da monarquia constitucional. Nos alvores do século XX, a população portuguesa ascendia a 5,5 milhões de habitantes, mais de 84 % viviam em zonas rurais. A esperança de vida era de aproximadamente 40 anos, a agricultura ocupava 62 % da população activa, a indústria 19 %, o mesmo número que o sector dos serviços. O analfabetismo rondava os 75 %. O país tinha um desempenho melhor e mais rico em 1900 do que em 1850. Vivam-se tempos confusos, no entanto, se bem que Portugal estivesse a experimentar o forte impacto da segunda revolução industrial, mantinham-se problemas estruturais desde a falta de solidez política, a que a crise do Ultimato não é alheia, agravara-se a crise financeira, ambas conjugadas tornaram complexos os problemas sociais, morais e culturais. O rotativismo político atingira a exaustão, as dissoluções parlamentares seguiam-se umas às outras; o aperto financeiro saldou-se em menor investimento público este desencadeou desemprego e aumento do custo de vida; os ideais republica-

Entrada, Amadeo de Souza-Cardoso, 1917, Domínio Publico

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a política de modernidade, não nos pareciam ser o substituto do escondendo uma forte atracção sentimento generalizado de pespelo cientismo e pelo positivismo. simismo, frustração e decadênPrometia direitos sociais, mais cia. D. Carlos procura uma saída instrução pública, entregando o Goveremancipação feminino a João Franco, tal Portugal na, promoção do Imera o descrédito que pério africano. A sua tinha atingido os dois está a empobrecer, condução, sobretudo líderes partidários do a despeito dos com as populações do rotativismo, Hintze indicadores de interior, revelaram-se Ribeiro e José Lucia- saúde, protecção um desastre, graças a no de Castro. Franco social e cultura. um anticlericalismo governou cercado de primário, ergueram a inimigos e depois de questão religiosa a uma prioridauma curta ditadura administrativa de insensata, criando muito mais o assassinato do rei trouxe-lhe inimigos do que amigos. A forma o exílio. D. Manuel II não tinha como se deu o envolvimento na preparação para os desafios que I Guerra Mundial trouxe novas enfrentava a monarquia em derondas de descontentamento, isto risão. O regime caiu praticamente enquanto os problemas sociais e desamparado entre 3 e 5 de Oueconómicos conheciam agravatubro, dia em que foi proclamada mento. Em 28 de Maio de 1926 na Câmara Municipal de Lisboa deu-se uma nova queda de regia República. me, mais uma vez se resistência Ao contrário do que durante visível. muito tempo se fez supor, a base A ditadura militar marou o de apoio da República era muito fim do liberalismo português e estreita, apesar do Partido Rea ascensão de Salazar veio perpublicano ter dado provas de ser mitir um regime nacionalista, dinâmico e trazer um sentido para

ditatorial, com uma ampla base tradicionalista e conservadora. O autor ilustra com rigor o que foi o projecto ideológico do salazarismo, como ele se consolidou à margem do fascismo da época. Em 1945, no termo da II Guerra, o prestígio de Salazar estava no auge. Nesse exacto momento, começaram os problemas que levaram ao progressivo desgaste do regime: o fenómeno universal da descolonização, a necessidade de neutralizar as instituições nacionalistas de pendor mais agressivo, a emergência de novas formas de oposição, foi um processo que desembocou nas eleições presidenciais em que o general Humberto Delgado apavorou o regime. Enquanto o país entrava na senda do desenvolvimento, uma guerra colonial devastadora foi gangrenando as energias sociais do regime, a sua base de apoio erodiu-se, proliferaram crises com antigos aliados, desde a Igreja Católica às Forças Armadas. Em 25 de Abril, o regime baqueou, incapaz de encontrar

solução para uma guerra que sobretudo na Guiné e no norte de Moçambique atingira proporções devastadoras. José Manuel Sardica explica com particular acerto na concisão como evoluiu a revolução de Abril, quais os dados mais significativos da turbulência revolucionária e como se desenrolou o período de normalização democrática, aprovada a Constituição de 1976, ultrapassadas que foram as vicissitudes até ao processo de adesão à União Europeia. O país mudara profundamente. No final da primeira década do século XXI a população duplicara, agora 85 % dos portugueses vivem em cidades, cerca de 45 % da população vive concentrada em 4 % do território, mudou profundamente a estrutura demográfica, do emprego, do ensino e da cultura. As grandes sombras negras são a recessão e uma crise que faz despertar o desânimo e a perda de convicção no modelo do progresso, Portugal está a empobrecer, a despeito dos indicadores de saúde, protecção social e cultura. O autor cita Maria Filomena Mónica: “O mais importante não foi tanto o sentido da evolução, partilhada com outros países, mas o ritmo a que tudo aconteceu. Com a provável excepção da Espanha, nenhum outro país europeu conseguiu liquidar o campesinato, alterar a taxa de fecundidade, mudar os padrões de consumo, diminuir a mortalidade infantil, instaurar o sufrágio universal, transformar as relações Estado-Igreja, criar uma classe média, abrir as fronteiras a pessoas e bens, escolarizar a população, liquidar um império à velocidade a que o fez Portugal”. Portugal cresceu muito no século XX, os portugueses dãose bem com a democracia mas uma onda de fatalismo e de negativismo atravessa a sociedade portuguesa. Afinal, voltamos a perder o comboio, a estima colectiva evapora-se. Há, porém, um capital que poderá ser o grande trunfo dos próximos tempos: as gerações mais jovens aprenderam que o século XX foi feito de acidentes, contrariedades, esperanças, saltos em frente e recuos. E estas novas gerações possuem muito mais cultura e dão-se bem com o europeísmo. Esta viagem de 100 anos da história portuguesa merece ser lida e discutida. Beja Santos Docente Universitário


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ensaio 05 O Portugal que as gerações nascidas até à década de 1960 conheceram, encontra-se em vias de desaparecimento, transfigurado em mais um das inúmeras regiões da Europa, governado por técnicos medíocres que, lentamente, em nome da segurança internacional, da carência de recursos naturais, de limitações orçamentais ou outra justificação, preparam uma futura ditadura tecnocrática comandada a partir de Bruxelas, capital da Europa do dinheiro e do poder. No futuro, porventura no virar deste para o próximo século, Portugal transformar-se-á em mais uma das inúmeras regiões singulares da Europa, culturalmente tão importante e exótico como a Alsácia ou a Andaluzia, guardando dentro de si, nos seus museus regionais ou nacionais, o retrato de uma velha cultura de 800 anos morta às mãos de um grupo de engenheiros e economistas sem espírito histórico, de uma tecnocracia sem rosto nem alma, para quem conta só, primeiro, a contabilidade das estatísticas, e, segundo, o sentido europeu das estatísticas. A História, a Cultura, a Identidade, o Espírito, o sentido individual e colectivo da Transcendência, a educação para a partilha e a espiritualidade, são encarados, por esta mentalidade técnica, como meras onde os Bancos e as Companhias cócegas da alma, jarrões da China de Seguros substituirão as Miserisempre agradáveis de ostentar no córdias - e o Estado, mais do que hall de entrada da vivenda suburgarantia da existência bana. No dia em que o livre do cidadão, terportuguês for igual a A História, se-á tornado no suqualquer europeu na perior controlador da educação, no trabalho, a Cultura, a existência individual, nas férias, nas conver- Identidade, (...) um verdadeiro inimigo sas, nos divertimentos, educação para a abater. o arcaico Portugal que Momento máximo ainda conhecemos, a partilha e a da cultura portuguesa mais supersticioso (Fá- espiritualidade, de Quinhentos e Seistima) e menos devoto, são encarados, por centos, Os Lusíadas mais generoso e menos esta mentalidade interesseiro, mais al- técnica, como meras marca igualmente a passagem para o motruísta e menos egoísta, cócegas da alma mento da decadência mais emotivo e menos – em 1578, 1580 e 1581, racionalista, mais coPortugal, país máximo, torna-se namunitário e menos calculista, mais ção mísera, desabando das nuvens saudoso e menos modernista, mais que o Império o fizera sonhar. Calírico e menos cientificista, este mões, de facto, merece ser o símbolo Portugal – dizíamos - terá findado, do povo português – homem azaradando origem a um novo Portugal

hieronymus bosch, O JARDIM DAS DELÍCIAS TERRENAS (PORMENOR) 1504

A morte de Portugal

mente puro do Leal Conselheiro, de do, poeta pobre, brigão, mulherengo, D. Duarte, o Portugal das Missões condenado pelo Estado, perseguido e dos missionários, o Portugal lípela Igreja, nunca terá frequentado rico das Imagens da Vida Cristã, a Universidade (“saber de experiênde Frei Heitor Pinto, cia feito”), migrante do o Portugal saudoso Império, ora aqui, ora Resta aos de Menina e Moça, de acolá, a sua vida, como Bernardim, o Portugal a de Fernão Mendes homens de bem heróico dos conjuraPinto, reproduz a virarem as costas dos de 1640, o Porvida dos portugueses a esta nova elite tugal Quinto Império que nunca beijaram do Mundo, de Vieira, a sombra do Estado, tecnocrática que o Portugal devoto de adversa às elites rei- assaltou e se toras do Poder. É este apoderou do Estado frei Agostinho da Cruz, o Portugal honesto de Portugal que ora está português Reflexões sobre a Vaiagonizando, o Portugal dade dos Homens, de das cruzadas contra os Matias Aires, o Portugal sofredor e mouros, das canções da Terra de romântico de valores permanentes Santa Maria, da busca sem quê nem de D. Leonor de Almeida, Marquesa porquê da Ilha Bem-Aventurada de Alorna, o Portugal-Liberdade de de São Brandão, catorze monges Almeida Garrett, o Portugal íntegro abandonados no mar com os olhos de Alexandre Herculano, o Portufitos no Paraíso, o Portugal moral-

gal santo de Antero de Quental, o Portugal simples de Guerra de Junqueiro, o Portugal visionário de Fernando Pessoa, o Portugal louco do Gabiru de Raul Brandão, o Portugal de névoas encantadas de Teixeira de Pascoaes, o Portugal do fado doloroso de José Régio, o Portugal-corvo “Vicente” altivo e resistente de Miguel Torga Venceram os juízes-desembargadores de Gil Vicente, os cortesãos endinheirados de Sá de Miranda, os “hipócritas” de frei Bernardo de Brito, os velhos do Restelo de Camões, os cónegos da Patriarcal, de colar ao peito de sete voltas de ouro, os inquisidores dos Estaus, olhar implacável, cego de verdade resplandecente, queimando homens como hoje os ministros fecham maternidades, despedem trabalhadores, cortam dois subsídios à função pública e benefícios a mulheres e velhos pobres; venceu a corja de Bocage, os serventuários do poder de Herculano, os bacharéis do Eça, os Garcia comerciantes a retalho de Vitorino Nemésio, os “videirnhos” do Namora, os funcionários do O’Neill, os latifundiários das finanças da Agustina, os mestres-escola do Nuno Bragança, os banqueiros do Lobo Antunes, os cegos do Saramago, em suma, numa palavra, a matulatada-gentalha-canalha oportunista e espertote virada “técnica” de camisa azul e gravata verde ou amarela de Mário Cláudio. Resta aos homens de bem virarem as costas a esta nova elite tecnocrática que assaltou e se apoderou do Estado português – elite de coração impiedoso e alma desprovida da graça de Deus - e, se puderem, emigrarem, clamando que aos homens-técnicos leva-os o Tejo e o Douro nas enxurradas de Inverno, os homens-cultos, esses, permanecem, recriando a nova imagem literária, estética e cultural por que Portugal posteriormente se reverá no espelho da História. Miguel Real Escritor


O erro de Galileu Com a sua traição, no campo da ética e não no da moral, evidentemente, ao abjurar Galileu contribuiu para que a ciência ficasse encerrada no domínio da Igreja e de um reduzido número de especialistas, afastando-a do cidadão comum. No teatro, o mesmo pode ocorrer se a mercantilização, globalizada ou doméstica, passar a dominar a lógica da criação, produção e circulação dos espetáculos. Aqui, já não pela necessidade de se manter a ordem teológica do mundo, mas sim pela imposição da ordenação capitalista em que procuram gerir as nossas vidas. Quando o valor de troca se sobrepõe ao valor de uso, a arte torna-se mera mercadoria transacionável e por conseguinte quem detém maior poder económico é que lhe acede. É sobejamente conhecido que na sua origem grega o teatro se integrava plenamente no âmbito das atividades cívicas dos cidadãos. O domínio político e económico da burguesia, já no século XVIII, confina as práticas teatrais de um modo quase exclusivo a uma sala fechada, onde aquele que quer assistir ao espetáculo deve pagar um ingresso. A partir desse ato, o espetador adquire um lugar específico na sala, cuja propriedade ainda que de forma temporária lhe fica reservada. Já no século XX, sobretudo a partir dos anos após-II Guerra, alguns países europeus criaram os seus sistemas de teatro. Criaram-se teatros nacionais, regionais ou locais, com financiamentos públicos, onde se instalaram criadores de diversas áreas artísticas. Democratizou-se desse modo o acesso à cultura e à criação artística, em geral. França, Grã-Bretanha, Itália e Alemanha, são apenas alguns exemplos. Em Portugal, a estrutura repressiva do Estado Novo nunca permitiu o

práticas teatrais e a educação, pois dos quais promovidos à pressa por o teatro ensina. O teatro ensina, não falta de tradição e formação naquela que possa revelar ou fornecer, de área específica. O natural seria enalgum modo, quaisquer respostas contrar criadores artísticos nesses para as pequenas ou grandes perlugares e funções. E companhias guntas que fazemos. Mas ensina a residentes, ativas, promovendo uma fazer as perguntas; verdadeira dinamizaIncentivar a relação cultural nesses esção com projetos de Quando o paços públicos. Cuminclusão social, pois pre aos criadores e às valor de troca se estruturas de produção sobrepõe ao valor de o teatro contribui ativamente para a coee criação desenvolver uso, a arte torna-se são social. Ao pôr em planos e programas palco a relação entre artísticos. Outra esco- mera mercadoria lha é um erro, em que transacionável e por diferentes modos de estar, pensar e agir, o infelizmente muitos conseguinte quem teatro confronta-nos autarcas insistem. detém maior poder E todavia, ela mo- económico é que lhe com a história, em particular, com a história ve-se – podemos afiracede. do presente. mar também em relaOs exemplos das práticas teação ao teatro. O teatro e as artes em trais e de programação que, aqui, geral detêm um elevado valor social, se podem enquadrar são diversos. que lhes é atribuído pelo público. Desde o teatro do oprimido ao teDiversos estudos, nomeadamente atro comunitário. Do teatro escolar na esfera das ciências económicas, às mais diversas práticas de teatro apontam para que este valor seja com grupos seniores. muito superior aos Em todo o mundo, valores efetivos do Ao pôr em são muitos os profisconsumo de bens culsionais que se dediturais. Quer isto dizer palco a relação cam a projetos nesque, embora só uma entre diferentes tes novos campos de pequena percentagem modos de estar, atuação. Representa-se de cidadãos sejam conpensar e agir, o Shaskespeare quando sumidores de bens culteatro confrontaos seus temas apelam turais, é ainda elevado à participação de um o número daqueles que nos com a história, grupo de cidadãos, gereconhecem a sua im- em particular, ram o debate e o diverportância social. Este com a história do timento inteligente. São reconhecimento tem presente. desenvolvidas e postas diversos sentidos, enà prova novas dramaturgias, de gétre os quais podemos identificar a nese local ou de mais vasta ampliimagem de desenvolvimento que tude geográfica, validando novas as boas práticas artísticas podem realidades artísticas e espaços de difundir de uma comunidade, junto cultura. de outras. Que alternativas se constroem? Fernando Casaca Aos projetos de teatro que queTeatro do Elefante rem assumir o seu lugar na comunidade em que se inserem cabe: Incentivar a relação entre as

Leonardo Silva p/ SerVivo.pt.am

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06 CULTURA

desenvolvimento de projetos deste teor, ainda que tenham existido algumas iniciativas instruídas pelo regime. Só no início dos anos 70 do século passado aparecem as primeiras estruturas teatrais profissionais independentes, e nem o 25 de Abril proporcionou a criação de um verdadeiro sistema público de teatros. Salvo raras exceções, os criadores teatrais continuaram a desenvolver os seus trabalhos em antigos armazéns adaptados. Porque devemos defender o

valor público do teatro, contra a arte privada? Depois de, na transição do século XX para aquele em que vivemos, se ter concretizado um vasto programa de recuperação e construção de teatros municipais. Aquilo a que assistimos, em Portugal, foi o engordar de um sistema privado ainda que, aparentemente em contradição com isto, nas mãos dos municípios. O sistema de direção dos teatros municipais foi entregue confrangedoramente a programadores, muitos

"Na mesa-de-cabeceira" LIVROS. Roger Scruton não é apenas o mais interessante filósofo conservador da actualidade; ele é, arrisco-me a dizer, o mais interessante filósofo da actualidade. (Esqueçam Lipovetsky e, por Deus, esqueçam o vazio intelectual de Slavoj Žižek.) Razão mais que suficiente para celebrar a tradução para língua pátria do seu último livro: “As Vantagens do Pessimismo”. (Acautelem-se, oh! optimistas degenerados.) Como o nome indica, nesta obra Scruton propõem-se a um objectivo singelo: o de desmascarar o maior perigo em que toda a espécie humana tende na-

turalmente a cair – o do optimismo infundado. Afinal, fora este quem, aqui e ali, de uma forma ou de outra, sempre se demonstrara como o grande facilitador de alguns dos períodos mais negros da história da humanidade. Ao aniquilar toda a razão, toda a responsabilidade, ao esquecer que existe um “nós” e não apenas um “eu”, a falsa esperança propõem um trilho de puro experimentalismo cego, onde toda a advertência e cuidado são eliminados. Na realidade, não existem soluções milagrosas. O que existe é apenas um caminho que juntos todos temos que percorrer. E o

que Scruton propõem é apenas que este se faça com a lucidez que só uma certa dose de pessimismo (ou, se se preferir, realismo) pode oferecer. Uma lição, convenhamos, que ainda hoje se demonstra difícil de ser completamente aprendida. [Roger Scruton, “As Vantagens do Pessimismo”. Quetzal, 2011.] FILMES. O que acontece quando uma perigosa toxina contamina as reservas de água de uma pequena cidade, e leva os infectados à insanidade homicida? A resposta é “The Crazies”. Vamos por partes. Numa típica tarde de uma pacata cidade americana, um outrora pacífico ci-

dadão surge no meio de um jogo de basebol munido de uma caçadeira e de instintos homicidas. A situação, no entanto, rapidamente é resolvida pelo xerife David Dutton (Timothy Olyphant). Caso fechado. Ou talvez não. À noite, outra tragédia, à qual muitas outras se seguirão. Nisto entram os militares que estabelecem um perímetro de quarentena lançando o perfeito caos. David é separado da sua mulher grávida Judy (Radha Mitchell), a quem este se tentará por todos os meios possíveis reunir e, em última instância, salvar. Quem está infectado? Estarão os militares ali

para ajudar ou simplesmente para prevenir o contágio por todos os meios possíveis? Entre vizinhos, em quem se poderá agora verdadeiramente confiar? E será a nossa humanidade, num último lampejo de lucidez, mais forte do que a nossa própria animalidade? Estas são as questões que se levantam ao longo deste inteligente “remake” do filme homónimo de 1973 de George A. Romero. [“The Crazies”. Director: Breck Eisner. 2010.] Tiago Apolinário Baltazar Estudante Universitário


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Cultura 07 Entre Nós... A Viagem

sarcástica de um Miguel Mihura. Se existe algo a que devemos Em meados deste mês, inauguestar atentos é aos acasos com que rou, no Passo do Olival, também em nos vamos confrontando, não se dê Setúbal, a exposição “Entre Nós” de o caso de se tratar de coincidências João Lino. Lino é um ainda jovem com sentido. Foi este o estado de artista plástico que já colecciona espírito que me assaltou no final prémios e prestígio, tanto nos meios da peça da SerVivo – espaço para escultóricos nacionais, como nos o desenvolvimento do potencial meios intelectuais locais. O artista humano (www.servivo.pt.am), que desenvolve os seus pesados trabaestará em cena até dia 29 de Janeiro, lhos de ferro, como se tratasse da intitulada “A Viagem”, que estará mais sensível filigrana, criando ponem cena no auditório municipal tos em conexão ao infinito. O repto é Charlot, em Setúbal. A peça, que tem sensivelmente o mesmo, pois apela como público-alvo as crianças, com a despirmo-nos do aparente para quem principalmente interage, é de nos centramos no fundamental. E proveito maior para adultos, noo fundamental aqui, tal meadamente urbanos, como em “A Viagem”, adormecidos que estão é apercebermo-nos de no seu contacto com a (...) vão que, tal como o sol está natureza. questionando no centro do nosso “A Viagem” tem acerca da existência universo, a terra se deinício no espaço sida essência de senvolve em torno do deral, no sistema de núcleo fervente, tamSírius, donde viajam ser um humano, bém os seres humanos até ao nosso planeta que o público é se concentram em tordois cientistas de um seduzido e levado no do seu âmago, o coplaneta ficcionado, que a confrontar-se ração. Reestrutura-se tomam o público pelo consigo mesmo. a ideia mística tardoseu grupo de estudo. É medieval, no qual o ser através destes dois afáhumano é microcosmos que reflecte veis personagens, magnificamente o macrocosmos, sendo que, deste representados por Margarida Bapmodo percebemos que o todo é um, tista e Carlos Fairfield, que nos vão o qual reflectimos. Torna-se pois questionando acerca da existêninevitável compreender à noção de cia da essência de ser um humano, que aquilo que nos junta é infinique o público é seduzido e levado a tamente maior do que o acessório confrontar-se consigo mesmo. Se tal que nos separa. é intuitivo e genuíno nas crianças, Dois grupos artísticos que se tal experiência pode assumir condesconhecem, mas que se congretornos mais complexos nos adultos. gam em torno de uma mesma ideia, O humor sem preconceitos adensa num mesmo tempo, num mesmo a introspecção, confronta de forma lugar. Acasos com sentido nas trinsimples e directa as certezas artificheiras da cultura periférica? ciais, fruto da geografia socio-económica dos tempos presentes, em José Luís Neto golpes de florete que honram a pena Helder Soáres

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Domingo 29 de janeiro às 11 h no Auditório Charlot estará em cena



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