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EDITORIAL

Pensaarp 2030

Por que motivo existe – ou virá a existir – o PENSAARP 2030 (“Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais, para o período de 2021-2030”)? Não tinha de ser assim. Não há um documento similar no setor da energia no nosso país, assim como não há documentos similares relativos ao setor da água em outros países da Europa em que o desenho institucional do setor não é assim tão diferente do nosso. É um anacronismo? Uma reminiscência da mesma cultura que gerou, noutros tempos e noutros lugares, algo como os planos quinquenais da União Soviética, para citar um exemplo famoso?

Estamos prestes a entrar em 2024 e, à data da elaboração deste editorial, o plano continua por aprovar. Entretanto, o setor não está parado, as novas iniciativas e projetos não entraram em paralisia. Estaremos a descobrir que vivermos com ou sem o plano acaba por ser sensivelmente a mesma coisa?

Pelo nosso lado, pertencemos ao número daqueles que atribuem grande utilidade ao PENSAARP. Não tanto como um guia pelo qual toda a gente espera para poder finalmente avançar nesta ou naquela direção, mas como uma orientação global que permita enquadrar e fundamentar políticas a adotar num setor que continua a viver a duas velocidades, com um tão grande número de entidades gestoras, tão dispersas e de capacidades tão distintas, e no qual há tanto por fazer.

Mas o plano só se torna plenamente útil se (numa ótica PDCA – “Plan-DoCheck-Act” - a que a nossa capa faz menção) for coadjuvado por uma monitorização dos indicadores que medem o cumprimento dos objetivos estabelecidos, e com ênfase na divulgação dos resultados. O artigo de Diogo Faria de Oliveira dá-nos conta da atividade do GAG (Grupo de Apoio à Gestão) do PENSAAR 2020 e dos resultados obtidos, naquela que foi a primeira experiência de monitorização ao longo da execução do plano e não apenas após a conclusão do mesmo. Prevê-se que esta bem-sucedida experiência tenha continuidade com a criação do GAG 2030, com objetivos comparáveis e, sempre, recursos adequados. Infelizmente, o que não teve tanto sucesso foi a execução do PENSAAR 2020 em si, tal como medida pelos indicadores selecionados face às metas definidas.

Quando a versão inicial do PENSAARP 2030 foi submetida a consulta pública, em abril/maio de 2022, houve quem a tenha considerado algo desconcertante. O documento não continha peças cartográficas e a sua componente estratégica em sentido estrito (objetivos, medidas) revelava um carácter de certo modo universalista e intemporal, ou seja, parecia poder ser aplicável, mediante os necessários ajustes, a outro país num estado de desenvolvimento comparável ao nosso ou a outro tempo, por exemplo a um PENSAARP 2040. O carácter específico derivava no essencial da atribuição de níveis de prioridade.

A estrutura de base do plano estratégico, que se manteve na versão atual do documento, e nem outra coisa faria sentido, está descrita no artigo de Jaime Melo Baptista e centra-se em quatro objetivos globais, subdivididos em vinte objetivos específicos, para cuja persecução foram definidas setenta medidas, acrescidas de outras quinze associadas à regulação dos recursos hídricos.

O carácter universal referido decorre da grande abrangência dos vinte objetivos específicos que, por assim dizer, “vão a todas”, inclusive a aspetos nobres que, pela dificuldade de implementação, nunca estiveram na agenda, como seja a “melhoria das instalações sanitárias domiciliares de famílias carenciadas” (no objetivo 18). A referida primeira versão classificava, em paralelo, objetivos por um lado e medidas para os concretizar por outro lado, segundo três níveis possíveis de prioridade. Na prática, o documento, de um nível técnico de excelência, que deve ser realçado, acabava por resultar algo difuso nesta matéria e por deixar no ar a impressão de querer atacar igualmente muitos problemas de fundo.

Após a consulta pública e, em particular, na sequência da Avaliação Ambiental Estratégica concluída em junho passado, a priorização foi revisitada com profundidade, conferindo ao documento o foco de que este carecia. Foi atribuída prioridade a dez dos vinte objetivos específicos, sendo que o “Top 3” é constituído pela “sustentabilidade económica e financeira”, a “eficiência na governação e estruturação do setor” e a “sustentabilidade infraestrutural”. Naturalmente, qualquer um de nós poderia estabelecer um “pódio” de acordo com a sua visão das coisas. Sem querer pôr em causa o plano, o artigo de Carlos Martins, que dá particular atenção à evolução do documento no que aos objetivos e medidas diz respeito, não deixa de incluir esse exercício em nome próprio.

Tomando como ponto de partida uma boa e uma má notícia – o grau de desenvolvimento atingido pelo setor da água no nosso país, com percentagens globais assinaláveis de cobertura em termos de abastecimento de água e em termos de saneamento incluindo tratamento, e por outro lado a crise climática com que somos confrontados – o artigo de Vera Eiró parte para uma análise abrangente, sendo que, no capítulo das “contas certas” (uma expressão que se generalizou), identifica quatro vertentes específicas em relação às quais faz a defesa do reforço de poderes do regulador, entre outras.

Por seu lado, o artigo de José Santos procede a uma análise de aspetos diversos do setor no contexto do PENSAARP 2030, e nesse âmbito dá conta de preocupações que o acompanham há muito, como sejam aquilo que apelida de “politização do setor”, ou as oscilações em termos dos poderes conferidos ao regulador e o papel por este desempenhado, ou a reiterada necessidade de consciencialização das populações para o verdadeiro custo da água.

Manifestando preocupação pela baixa execução do PENSAR 2020, o artigo de Maria da Graça Carvalho debruça-se sobre as oportunidades do setor da água português em termos de captação de fundos estruturais e revela um certo otimismo nesta matéria, colocando a hipótese de que ao quadro financeiro plurianual possam vir a acrescer verbas do PRR por conta da componente logo à partida reservada ao clima neste plano, num contexto de baixa realização global do mesmo em Portugal, até à data.

Boa leitura!

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De um bom diagnóstico às dúvidas sobre a sua execução… poderia ser este um resumo sobre o projeto de PENSAARP.

Efetivamente, o diagnóstico que efetua não pode ser mais completo quanto à situação e às necessidades do setor dos serviços da água e, até, quanto à pretendida extensão das suas atribuições.

Também não poderia ser mais exaustivo sobre a enumeração dos princípios, dos objetivos, das medidas de várias naturezas e de largo espectro e dos estímulos que devem orientar a evolução do setor.

A sua análise não hesita em aspetos centrais para o desenvolvimento do setor, como os que respeitam à estimativa do quadro económico inerente às medidas preconizadas, seja na consideração dos investimentos necessários (5,5 mil milhões de euros, no cenário central), seja na perspetivação de subsídios e da sua orientação preferencial, seja ainda na assunção de que os investimentos preconizados, mesmo subsidiados, trarão acréscimos tarifários.

Ficam muito bem retratados o setor, as suas carências e o leque das soluções adequadas.

Mas um bom diagnóstico não implica sempre boas terapêuticas: não porque não estejam bem definidas ou os médicos que diagnosticam as não queiram aplicar, mas porque os meios disponíveis não o permitem ou o doente não as pode suportar todas ao mesmo tempo.

Há, portanto, várias preocupações sobre a execução do PENSAARP: de facto, os serviços da água não podem responder a todas as questões ao mesmo tempo. Aliás, o projeto de PENSAARP aceita-o, escalonando a relevância das medidas.

É preciso, aqui, escolher, não permitindo que a abrangência das medidas previstas possa esconder a urgência de algumas ou distrair a atenção dos decisores para a criação de instrumentos institucionais e económicos inerentes às prioridades. Escolher muito e depressa!

A propósito da gestação do PENSAARP e da sua sujeição a consulta pública, a APDA pronunciou-se sobre esta fundamental necessidade de definição de prioridades, sucessivamente em julho de 2020, em fevereiro de 2021, em junho de 2021, em julho de 2021 e em maio de 2022 (textos disponíveis em www.apda.pt, menu Intervenções – Pareceres e Contributos)

Não havendo meios financeiros e elasticidade social para fazer frente a todas as medidas previstas, há necessidade de definir políticas que versem sobre as medidas prioritárias, relativas a dois grandes grupos de questões essenciais:

- a tendencial harmonização do setor;

- a correção dos défices estruturais.

A harmonização do setor implica meios e incentivos para a melhoria da qualidade do serviço e para a obtenção do equilíbrio económico de todas as entidades gestoras ou, pelo menos, da transparência das suas contas, que permitam a racionalização dos serviços.

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