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Sunalizer Entrevista: B\u00E1rbara Rubim

Focada na análise do setor elétrico, Bárbara Rubim é consultora independente, auxiliando empresas, governos e investidores em questões regulatórias e na estruturação de modelos de negócio para a geração distribuída. Em uma conversa sincera sobre o setor energético brasileiro, ela revela as características do cenário atual, os desafios que ainda serão enfrentados e o que o Brasil deve mudar para crescer

Quando o assunto é energia solar distribuída, nossa entrevistada sabe com responsabilidade sobre o que está falando. No setor de energia há mais de seis anos, Bárbara Rubim já coordenou a área de estratégia e inovação da Alsol Energias Renováveis e ficou à frente da campanha de energia do Greenpeace Brasil. Advogada de formação, atuou ainda como Assessora Parlamentar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e desenvolveu projetos para a ONU-Habitat. Atualmente, ocupa as cadeiras de vice-presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) e de vice-presidente para Geração Distribuída do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR). Confira a seguir uma entrevista bastante esclarecedora sobre o futuro dessa tecnologia no Brasil:

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Sunalizer: Como a energia solar fotovoltaica pode ajudar no desenvolvimento do Brasil?

Bárbara Rubim: Essa tecnologia possui várias sinergias com o nosso país. Por exemplo: quando falamos de desenvolvimento nacional, a perspectiva clara que temos em um país que está saindo de uma crise − ou tentando sair − é socioeconômica, de forma que essa tecnologia pode ajudar por duas questões: primeiro, porque é uma fonte que pode ser capilarizada – da mesma forma que ela pode estar nos grandes parques, também podemos tê-la de forma descentralizada, chegando em pequenas cidades, alimentando o desenvolvimento de micro e pequenas empresas que, por sua vez, geram empregos em todos os lugares. Nessa perspectiva, é importante destacar que, se cruzarmos o mapa das maiores irradiações que temos, ou seja, os locais com maior potencial para a geração de energia solar fotovoltaica, várias se cruzam com as áreas de menores índice de desenvolvimento humano (IDH). Então, o desenvolvimento da energia solar nesses locais oferece uma perspectiva concreta de geração de emprego e fomento da economia local. Estamos falando, por exemplo, que regiões duramente castigadas pela seca, pela estiagem, agora podem encontrar no sol um motivo de alívio. Mas temos ainda a questão da cadeia produtiva, algo que precisamos desenvolver. Porque quando desenvolvemos essa fronte no Brasil, concentramos os benefícios – como empregos – dentro do país. Além disso, a energia solar oferece a possibilidade muito clara de conseguirmos garantir uma maior segurança e estabilidade de suprimento energético. Assim, além do Brasil ser um dos países do mundo com os melhores recursos solares, ou seja, com um dos maiores potenciais para a geração de energia a partir do sol, temos nela uma fonte complementar ao perfil de matriz energética e, sobretudo, de matriz elétrica que temos no país.

Então, se hoje somos 80% pautados na geração hídrica, a solar complementa essa geração – inclusive porque, usualmente, as épocas de estiagem são quando nossos sistemas fotovoltaicos geram cada vez mais energia, um fator extremamente interessante e até essencial para estimular o desenvolvimento de negócios no país.

Quais os principais desafios que deveremos superar para crescer nessa área?

Primeiro, precisamos de mais previsibilidade de políticas públicas e regulatórias. Tanto quando falamos de uma geração centralizada quanto da distribuída, precisamos que os agentes que atuam nesses setores tenham segurança que as normas atuais, que pautam o nosso setor, não vão mudar, ou não vão mudar para pior, e que, se eventualmente mudarem, não vão retroagir e atingir quem já aderiu essa tecnologia. Então, ao falar da geração centralizada, esses atores precisam saber, por exemplo, que o que teremos em termos de desenvolvimento, de leilões, não será pontual e terá continuidade pelo governo. Mas, infelizmente, esse é um tema no qual temos encontrado dificuldade nos últimos anos. E o segundo ponto muito importante é a questão da financiabilidade. Hoje, sobretudo quando falamos da geração de pequeno porte, aquela que chega até a casa do cidadão, temos dificuldade de encontrar boas linhas de financiamento e de garantir a quem decide gerar a própria energia que terá um retorno interessante e conseguirá, na melhor das hipóteses, como já acontece em tantos países, pagar esse investimento com a economia que receberá na conta de luz.

Analisando o contexto internacional, qual o nível do desenvolvimento do setor no Brasil?

O país começa, agora, a ganhar certo destaque com a sua produção. Em 2017, por exemplo, entramos no ranking dos países que mais instalaram energia fotovoltaica naquele ano. A gente instalou quase 1Gb de energia solar, sobretudo resultado dos leilões. Mas quando olhamos para capacidade instalada globalmente, percebemos que não estamos nem no Top 10. Hoje, cerca de 1% da energia que é gerada em nosso país é por meio dessa tecnologia. Ainda existe um espaço muito grande para o crescimento da fonte.

São muitas as potencialidades ainda inexploradas, então?

É até difícil a gente tentar elencar um único segmento no qual ainda podemos crescer. O que percebemos é que nosso país ainda está começando a aprender o que essa tecnologia pode fazer por ele – tanto que é um dos muitos desafios que esse novo governo tem à frente. Temos um potencial para a geração de energia solar enorme, já que ainda é muito pouco explorada, seja na geração decentralizada ou centralizada, mas também temos uma potencialidade que é da própria cadeia produtiva local: o Brasil possui uma das maiores reservas de silício do mundo, que é a principal matéria-prima para a confecção dos módulos fotovoltaicos, responsáveis por converter a radiação solar em eletricidade. Ou seja, temos o potencial em termos de matéria-prima, mas há uma política tributária completamente desestimulante para esse crescimento no país.

E como você avalia a questão legislativa do setor?

Nesse aspecto, o setor de eletricidade é extremamente regulado, mas não necessariamente por leis. Temos a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), responsável pela maioria de regras que regulam o setor. O que não vem da ANEEL, muitas vezes, vem do Ministério, por meio de alguma portaria, ou do executivo, por meio de um decreto. Isso faz com que a gente fuja um pouco da morosidade que às vezes vemos no Congresso Nacional e faz também com que, até certo ponto, tenhamos decisões mais técnicas e imparciais. Assim, o Brasil acaba tendo um bom marco regulatório para energia solar. É claro que há espaço para aprimoramentos e modernizações, tanto que estamos passando por uma revisão do marco regulatório da geração distribuída que será concluído no final deste ano. Estamos acompanhando para ver como ficará e evitar a maior quantidade possível de retrocessos, tendo em vista que o marco que temos hoje é referência mundial. Já quando olhamos para um cenário mais amplo, percebemos que os aprimoramentos podem vir principalmente da parte tributária – tanto da parte de insumos e equipamentos, quanto da tributação que incide sobre a eletricidade de quem gera a própria energia. Esse é um gargalo que temos para o desenvolvimento do setor. Existem oportunidades sim de aprimoramento, mas acho que, de maneira geral, temos um bom marco regulatório, cujas mudanças não são morosas necessariamente, porque estão nas mãos da agência reguladora e não do Congresso.

Atualmente existe uma preocupação muito grande com as mudanças nas regras para a micro e a minigeração. O que acontece com os projetos que já estão instalados?

Hoje passamos pela alteração das regras de geração distribuída de todas as fontes, mas a solar representa cerca de 75% de toda capacidade instalada. É difícil bater o martelo sobre o que acontecerá com quem já está conectado à rede até que tenhamos, de fato, a nova resolução publicada. Contudo, a ANEEL já se manifestou diversas vezes no sentido de que, quem estiver conectado à rede no momento em que a nova resolução sair − e a previsão é dezembro de 2019 − manterá as regras de conexão vigentes ao instalar. Ou seja, quem estiver conectado à rede até o fim deste ano manterá o sistema de compensação e as formas de compensação que tem hoje. E é importante salientar que a agência se manifestou nesse sentido tanto por escrito quanto oralmente, em reuniões de diretoria e outros eventos públicos, e vem se manifestando da mesma forma desde 2015. Isso nos dá uma certa segurança.

Qual a representatividade da energia solar fotovoltaica dentre as demais fontes de energia "alternativa" no Brasil?

No escopo da energia elétrica, a fonte solar fotovoltaica é a que tem uma inserção mais recente em nossa matriz, com cerca de 1% da nossa eletricidade sendo gerada por ela. Dentre essas novas renováveis, como a gente costuma chamar, é a fonte que tem a menor participação e, até por isso, reforça a necessidade de a gente ter mais leilões que contemplem a energia fotovoltaica para o desenvolvimento. Um exemplo de outra possibilidade é a eólica, que tem tido um crescimento muito significativo no país desde 2009, já representando cerca de 8% da geração de eletricidade, além da biomassa que representa quase 9%. É importante destacar que as projeções feitas pela Bloomberg Energy Finds mostram que a matriz elétrica brasileira em 2040 pode chegar a ter a participação da solar fotovoltaica de 32%, tornando-se a fonte mais representativa do país, superando até a fonte hídrica que hoje é dominante.

Atualmente, quais os principais atores da energia solar no país?

Inicialmente, temos que destacar o papel da ABSOLAR, uma associação relativamente nova, que completou cinco anos em dezembro, mas tem exercido, com bastante orgulho, esse papel de representar todo o setor. Mas, além dela, podemos destacar players dentro do governo, como o Ministério das Minas e Energia, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que cuida dessa questão de planejamento em longo prazo, a ANEEL, tão importante para regulamentar alguns temas, principalmente da geração distribuída, e o Congresso Nacional, o qual, ao que tudo indica, nos próximos meses e até nos próximos anos, terá um papel maior, em vista da necessidade de avaliar a revisão do marco legal do setor elétrico, tema que foi grande parte da agenda do Ministério de Minas e Energia ano passado. Então, ele também se destacará como um ator importante para o setor de energia e, obviamente, de energia solar.

No caso da ABSOLAR, como é sua atuação no controle e desenvolvimento do setor?

Na condição de uma associação setorial, representamos tanto a cadeia produtiva quanto os atores da geração centralizada e distribuída – basicamente, os três eixos temáticos que cuidamos. Dessa forma, desenvolvemos estratégias para cada um deles e atuamos a partir do monitorando do desenvolvimento de políticas públicas para a energia solar fotovoltaica e influenciando isso por meio de interações constantes com o Ministério de Minas e Energia, a ANEEL, parlamentares, o operador nacional do sistema, a EPE e outros. Além disso, a gente atua para reduzir as barreiras na entrada e no desenvolvimento dessa energia no Brasil. Assim, por exemplo, junto a instituições financeiras, tentamos estimular e auxiliar linhas de financiamento que sejam mais adequadas para os consumidores e as empresas. Do ponto de vista da política tributária, operamos junto ao Ministério da Economia e dos governos estaduais para conseguir esse desenvolvimento. É um trabalho, de fato, bastante amplo, e sempre voltado às necessidades mais estratégicas do setor em cada momento. Mas também buscando maximizar os ganhos que o país pode ter com essa fonte. Sabemos que a energia solar tem muito a contribuir e que estamos só começando a enxergar o que ela pode fazer para o nosso desenvolvimento.

Você acredita que a população está devidamente informada sobre essa tecnologia?

Acho que, primeiro, temos que aceitar que o nível de informação sempre pode melhorar. Contudo, o que vemos é um crescimento muito grande nos últimos três anos, sem dúvida alguma muito motivado pela popularização da geração distribuída, mas também pelas altas tarifárias que fizeram com que, cada vez mais, valha a pena para o brasileiro produzir a própria energia. Uma pesquisa divulgada pelo IBOPE em 2018, perto das eleições, mostrou que nove em cada 10 brasileiros gostariam de gerar sua própria energia a partir do sol. Isso mostra quanto a informação está crescendo. Ao mesmo tempo, nesse processo de revisão do marco regulatório da geração distribuída, tivemos, em uma das audiências públicas em Brasília, a discussão do assunto pelos representantes da sociedade civil, enfatizando a necessidade do próprio governo desenvolver campanhas de comunicação para conscientizar a população sobre o assunto.

Bárbara Rubim

Vice-presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) e de vice-presidente para Geração Distribuída do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltai-ca (ABSOLAR).

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