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O futuro da micro e da minigera\u00E7\u00E3o distribu\u00EDda.
Devemos nos aprofundar em novas alternativas de negócios nas quais a energia elétrica seja efetivamente vista e sentida como um bem jurídico passível de trasações no ambiente privado
Quem não atua em segmentos relacionados ao setor elétrico pode não ter noção da importância do tema, que possui grande relevância não só social, mas também jurídica. Em um mercado livre, acredito na possível venda futura pelo consumidor/gerador da energia elétrica produzida. Sendo assim, é necessário debater a questão juridicamente.
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Desde 2012, está em vigor a RN 482, da ANEEL, que estabelece as condições gerais para o acesso de micro e minigeração distribuída (projetos de até 75kW e entre 75kW e 5.000kW de potência instalada, respectivamente) aos sistemas de repartição de energia elétrica, bem como de compensação dessa energia. Basicamente, a ideia do ente regulador foi de, por meio de tal resolução, permitir que consumidores possam gerar energia elétrica com fontes renováveis, de forma individual ou compartilhada, reduzindo as barreiras regulatórias para a geração de energia por unidades de pequeno porte. Ouso dizer que essa resolução é mais importante que isso. É (ou deveria ser) uma porta de entrada para que o consumidor, em um futuro próximo, possa vender sua energia excedente e não apenas efetivar a sua compensação, como ocorre atualmente. Isso nos levaria a patamares elevados de sustentabilidade energética, além do fato de reduzir a atuação do poder regulatório aos mínimos necessários.
De acordo com dados da ANEEL, atualmente, desde a entrada de tal resolução, temos mais de 46.500 unidades geradoras, com cerca de 143 novas conexões diárias. Elas correspondem, de forma voluntária, a uma instalação pelos consumidores de uma potência acumulada de 571MW, das quais mais de 99% das unidades instaladas têm fonte solar/fotovoltaica.
Hoje, a energia excedente gerada por esse micro ou minigerador é injetada na rede e, quando a unidade geradora precisa de energia, pode ser integralmente aproveitada, por até 60 meses, sem que o gerador/consumidor arque com o pagamento de qualquer valor pelo custo do fornecimento pela distribuidora local (sistema de compensação). Contudo, nem tudo são flores! Justamente por conta da ausência de encargos para o mini ou microgerador, as distribuidoras começaram a alegar que há um enorme impacto financeiro, já que esse sistema impediria uma adequada remuneração do uso de sua rede. Por consequência, geraria um desequilíbrio financeiro, cuja diferença cairia nos consumidores não geradores, que pagam por estar conectados à rede e usufruindo da energia elétrica que circula.
Basicamente, a proposta da ANEEL é que, para as unidades instaladas e gerando até o final de 2019, durante um prazo de 25 anos da data de conexão da unidade,elas se mantenham no modelo atual, ou seja, sem o pagamento de qualquer custo
DISCUSSÃO NA ANEEL
Por conta disso, a agência nacional abriu uma consulta pública em meados de 2018 (CP 10/18), obtendo subsídios de distribuidoras, universidades, instituições e associações relacionadas à energia elétrica, que gerou um relatório com mais de 600 páginas de discussão. Em sequência, a ANEEL colocou em audiência pública (AP 01/19) o tema, apresentando cinco novos cenários, nos quais, de acordo com certas datas e escalonamentos, as novas unidades geradoras, a partir de janeiro de 2020, passariam a arcar com valores relacionados aos custos do setor de distribuição.
As contribuições a essa AP servirão para que o órgão avalie o mérito e os desdobramentos das soluções/projeções apresentadas, de modo a, em meados de 2019, lançar uma minuta sobre o tema, que ficará aberta para comentários dos agentes do mercado e da sociedade. Antes, em janeiro deste ano, a ANEEL fez um webinar sobre o tema, explicando de forma detalhada a montagem e organização dos dados, dos valores e das projeções dos cenários desenhados na CP 01/19, o qual está disponível para acesso no site e na página do Youtube da agência.
RESULTADOS PARCIAIS
Basicamente, a proposta da agência é que, para as unidades instaladas e gerando até o final de 2019, durante um prazo de 25 anos da data de conexão da unidade, elas se mantenham no modelo atual, ou seja, sem o pagamento de qualquer custo. A partir de janeiro de 2020 e até a entrada do “gatilho”, estariam no cenário de custo zero pelo prazo de 10 anos. Daí em diante, existiriam custos, conforme os modelos e projeções apresentados na CP 01/19, a serem pagos de forma proporcional. Essa lógica está passível de ser alterada desde que as contribuições devidamente embasadas apresentadas pela sociedade nessa CP mostrem e comprovem que se deve ter outro tipo de modelo – um, por exemplo, com valor único para todos ou valor fixo sem necessidade de atrelar- -se à data do início da conexão.
Ademais, é importante destacar que a ANEEL não levou em consideração em seus cálculos as externalidades, como benefícios ambientais da mini e da microgeração distribuída e a redução do CO2, pois, para a agência, não existe um sistema confiável e definitivo para esse cálculo. Mas, igualmente, nas contribuições embasadas à CP, poderá a sociedade oferecer subsídios reais, testados para esse cálculo, o que será reavaliado pela ANEEL. Outro ponto que não foi levado em consideração foi inflação da energia elétrica, o que se denominou de “aumento anual real da tarifa de energia elétrica”, tendo lançado valor “zero” em tal item. Será relevante rever se essa premissa está correta ou não.
As variáveis mais sensíveis usadas, que, de acordo com o corpo de técnicos da agência, mais influenciariam nos cálculos e nas consequentes projeções, foram a valoração da energia elétrica evitada pela microgeração distribuída e, na geração distribuída local, o percentual de simultaneidade da eficiência. Nesse ponto, a equipe disse que se valeu de um estudo entregue pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em conjunto com a Compania Paulista de Força e Luz (CPFL).
ANÁLISE DESSE CENÁRIO
Tendo conversado com engenheiros e especialistas no setor, o que me foi dito é que não faria sentido a proposta da ANEEL, pois a geração distribuída ajuda tanto na redução de perdas elétricas (que ocorrem muito no setor por conta das falhas na rede de distribuição e transmissão) quanto na melhoria da qualidade da energia elétrica, já que injeta energia nas pontas do sistema.
Enfim, como jurista e atuante no setor elétrico, acredito muito na geração distribuída e creio que essa forma é importante para a melhoria do Sistema Interligado Nacional (SIN), a criação de sustentabilidade energética e, acima de tudo, a colocação do Brasil na linha de frente dos países que estão agindo em prol de um meio ambiente melhorado.
Não vejo como não vingar a cobrança de custos dos mini e microgeradores, pois o lobby das distribuidoras é forte e as cobranças acabariam recaindo sobre aqueles consumidores não geradores. No entanto, olhando pelo lado bom, elas podem impulsionar o mercado de venda de energia elétrica excedente por parte do consumidor/mini ou microgerador, abrindo novas oportunidades de negócio e podendo-se gerar um mercado de contratos eletrônicos (via blockchain) nessas negociações, para as quais os juristas seriam chamados a se reinventar, ajudando em um mercado valoroso.
* texto publicado originalmente no site migalhas em 8/02/19
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