SURGE Skateboard Magazine, 28th issue: "Don't Believe the Hype"

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2015 março/abril Bimestral Distribuição gratuita







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Pedro Raimundo “Roskof” editor

Ui, desta é que isto vai dar raia! Estes gajos estão malucos! Uma revista de skate armada ao pingarelho com a mania que é quase um livro… Não! Esperem, artigos de música! Está tudo louco! Parem com isso, não me façam uma coisa destas! Vocês não percebem nada do que é o skate, do que se passa! Xiiiiii, olha-me lá para estes artigos todos limpinhos, devem ter a mania que são do design! Vendidos de merda! Sinceramente! Ai, meu deus!! Até tem uma produção de moda… bateram mesmo no fundo!! Se calhar por isso é que nunca vejo a malta desta revista no skate parque a dar grandes manobras e a fazer vídeos brutais! Fogo, é pena que Portugal, com o nível de skate que tem e com o mercado que tem, não tenha uma revista de jeito… Pois!! De certeza que é por isso que não temos aí uns 200 prós portugueses a viver do skate e 300 lojas só a vender tábuas e parafusos. Realmente, onde é já se viu uma coisa destas! E arte?? A sério, o que é esses hipsters da treta têm a ver com skate?! Metade deles nunca pôs os pés no skate e a outra metade nem tré-flip dá! Ai, mãe!!!! Isto tem carradas de artigos com estrangeiros cá e lá fora! Fogo, não há direito com a quantidade de pessoal a produzir altos clips de 15 segundos, este gajos vão buscar pessoal de fora! Grande merda de revista, mesmo! Mas também com a internet, esta merda não vai durar muito, é o que vale! Foda-se! Fiquei sem bateria!



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Ficha Técnica

Ementa SB - Modern Ruins

Propriedade: Pedro Raimundo

Esta rapaziada tem o diabo no corpo e ainda bem. Uma campanha para a história do skate nacional.

Editor: Pedro Raimundo Morada: Rua Fernão Magalhães, 11 São João de Caparica 2825-454 Costa de Caparica Telefone: 212 912 127 Número de Registo ERC: 125814 Número de Depósito Legal: 307044/10 ISSN 1647-6271 Diretor: Pedro Raimundo roskof@surgeskateboard.com Diretor-adjunto: Sílvia Ferreira silvia@surgeskateboard.com Diretor criativo: Luís Cruz roka@surgeskateboard.com Fotógrafos residentes: Luís Moreira João Mascarenhas Publicidade: pub@surgeskateboard.com Colaboradores: Rui Colaço, Renato Laínho, Paulo Macedo, Gabriel Tavares, Luís Colaço, Sem Rubio, Brian Cassie, Owen Owytowich, Leo Sharp, Sílvia Ferreira, Nuno Cainço, João Sales, Rui “Dressen” Serrão, Rita Garizo, Vasco Neves, Yann Gross, Brian Lye, Bertrand Trichet, Jelle Keppens, DVL, Miguel Machado, Julien Dykmans, Joe Hammeke, Hendrik Herzmann, Dan Zavlasky, Sean Cronan, Roosevelt Alves, Hugo Silva, Percy Dean, Lars Greiwe, Joe Peck, Eric Antoine, Eric Mirbach, Marco Roque, Francisco Lopes, Jeff Landi, Dave Chami, Adrian Morris, Alexandre Pires, Vanessa Toledano, Nuno Capela, Ruben Claudino, Rui Miguel Abreu.

Remy Taveira O nosso skater “avec” favorito mostra que com a malta de Trás-os-Montes não se brinca

Entrevista Filipe Cordeiro O skater com mais caracóis que uma esplanada em agosto numa entrevista sem papas na língua.

João Canha mais um Hppy skater do Norte… sim, é mesmo Hppy que se diz, não está mal escrito

Gastrogeloventocamone Adidas Canadá em Portugal Cansados do frio na terra deles, vieram ver como era o frio na nossa…

30 Razões para não cheirares mal dos pés Quando te descalças és mais radioativo que Fukushima? A Surge tem a solução para ti…

Slimcutz, Stereossauro, The Jack shits… Se pensas que uma revista não emite sons pensa outra vez... e ouve, claro!

Enviados para o Quirguistão Também nos podiam enviar para lá, que não nos importávamos nada, apesar de que leite de cabra com álcool não é bem um sonho nosso…

Tiragem Média: 8 000 exemplares Periodicidade: Bimestral Impressão: Printer Portuguesa

Capa:

Morada:Edifício Printer, Casais de Mem Martins 2639-001 Rio de Mouro • Portugal

O Jerome Campbell deve ter muito boas notas a matemática. As equações que fez para dar este 360 flip em Cacilhas sem o skate ir parar à agua são dignas de um astrofísico

Um skater de Santarém a dar uma manobra numa igreja de Tomar, um belo exemplo da colaboração do movimento gótico com o templário… Luis Calixto frontside noseslide

Interdita a reprodução, mesmo que parcial, de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios e para quaisquer fins, inclusivé comerciais.

fotografia João Mascarenhas

fotografia Luís Moreira

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CRÓNICA DO DR. MANKA-TE fotografia Luis Cruz

Dr. Manka-te drmankate@surgeskateboard.com

PESADELOS DE SKATER Todos os skaters têm os seus medos... O meu maior medo, sempre foi e sempre será pisar um cagalhão enquanto patino. Aconteceu-me algumas vezes. Convém lembrar que estes movimentos cívicos, que existem, contra a malta que leva o cão à rua para cagar e não apanha a alcagoita, é uma coisa recente. Há uns anos não havia nada disso. O cão cagava em qualquer sítio e ponto final. Ninguém apontava o dedo ao dono. Aliás, nem existiam aqueles saquinhos próprios para apanhar as fezes dos cães. Hoje em dia até as Câmaras Municipais colocam saquinhos em pontos estratégicos nas cidades, normalmente naqueles locais que têm fama de “rua do cagalhão”. Resumidamente, há uns anos era normalíssimo andar de skate em campo minado! A imagem que tenho do inferno é um skate a pingar de merda! Será que haverá situação pior que o skate cheio de merda? Como é possível que uma simples bosta possa rebentar com a vida toda de um skater? Uma pessoa normal pisa uma poia e segue a sua vida. Um skater pisa merda, coloca o pé no skate...e a vida acaba ali! A lixa toda cagada, um cheiro a trampa que não se pode, fodasssseeee!!! São episódios que vagueiam pela nossa mente para sempre. A solução é pegar fogo à tábua. Não existe outra saída! Lembro-me de uma vez tentar contornar a situação. Lavei o skate na banheira. Infelizmente a textura da lixa não perdoa! O cheiro continuou lá, obviamente. Parece que fica limpa... mas no meio daqueles grãos permanece a merda. Além disso, a tábua fica mole depois de ser lavada e o pop vai à vida! Oiçam quem percebe do assunto! Fogo! Outro cenário que me persegue nos meus piores pesadelos é atropelar um cagalhão com o skate! Fonix! As rodas castanhas, os rolamentos cheios de molho, a tábua salpicada... eeiisshhh!!! Não vou alongar-me mais porque este texto já me está a enojar e o meu cão está ali à porta de casa a chorar para ir à rua... Beijo na bunda Dr. Manka-te



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fotografia João Mascarenhas, Nuno Capela, Ruben Claudino texto Ivan Vicente entrevista Surge

Estava em casa a trabalhar nos meus vídeos quando recebo uma chamada do Emídio Silva a perguntar se estava disposto a escrever um pequeno texto sobre a mais recente campanha da EMENTA SB. Não me considero um indivíduo com uma veia Shakespeareana, mas como não sou de recusar desafios, aqui vai...



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A THOUSAND WORDS CAMPAIGN EMENTA SB

Depois dos Ementa, o bowl da fábrica 22 nunca mais vai ser o mesmo… Aníbal Martins front feeble

Quando me mudei para Lisboa fui imediatamente bem recebido pelo coletivo EMENTA. Já me tinha cruzado com algumas destas personagens em campeonatos e festas mas a nossa relação limitava-se a um “olá, tudo bem, g’anda toque”. Quando comecei a conhecê-los melhor apercebi-me logo que boa disposição era palavra de ordem. Não se tratava de publicidade enganosa, eles eram tão engraçados na vida real como na internet! Ao longo do tempo fui reparando que a energia que colocam nas suas brincadeiras e no skate é multiplicada por mil quando se trata de desenvolver os seus projetos, sejam campanhas, intervenções, tudo o que envolva a marca EMENTA SB. Este ano fizeram uma parceira com a Screw Skateboards para a realização da sua mais recente campanha, “A Thousand Words Campaign”, que tinha como principal objectivo promover o espírito do skate como uma forma de expressão e uma forma de estar na vida. A pool da Fábrica 22 foi um dos locais escolhidos para esta intervenção artística. A ideia era pintar a piscina de vermelho e preenchê-la com os “statements” da EMENTA: “Drop pools not bombs”, “What skateboarding and blondes will not cure, there is no cure for” e “Empty swimming pools are full skating pools”. A empreitada levou uma semana de trabalho intenso, com muita tinta e poucas horas de sono. O local eleito para a segunda parte da intervenção levou os rapazes a revisitarem as suas raízes “à la Modern Ruins” e a partir em busca de uma fábrica abandonada. Entre chuva, falta de luz, idosos bisbilhoteiros, intervenções policiais e um escadote pouco fiável, conseguiu cumprir-se o objectivo: pintar uma parede com outro dos “statements” dos Ementa, “Youth’s Rifle!”, também neste caso acompanhada por uma imensidão de ilustrações. Terminadas as intervenções, chegou a hora mais esperada: skatar as obras criadas pelos Ementa. Depois de uma semana inteira em pinturas, a pica era tanta que até o Gorev puxou de um ou dois “bangers” para o vídeo final da campanha. E ainda tivemos hipótese de regar o coping da pool com gasolina... as imagens falam por si... Além de tudo isto, tive o privilégio de acompanhar a preparação do lançamento da coleção própria de roupa primavera/verão da EMENTA SB e deixem-me que vos diga: o que é nacional é realmente bom. É interessante ver como skaters e arte podem juntar-se neste tipo de iniciativas que têm como propósito elevar o skate nacional. É preciso haver mais movimentos como este, mais intervenções e, principalmente, mais união no skate português.



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A THOUSAND WORDS CAMPAIGN EMENTA SB

Raphael Alves - frontside flip antes de incendiarem o bowl todo‌ literalmente.


Como é que surge esta campanha “A Thousand Words Campaign”? Raphael Castilho: A ideia dos Ementa foi sempre a de um grupo de amigos unidos que andavam de skate... por outro lado também sempre tive a ideia de ligar a Ementa à arte, o meu pai é artista plástico, eu sempre cresci no mundo das artes... tirei o curso de design com o David Cabrita e convidei-o para ser o designer criativo. Ele gostou da ideia, tem o mesmo feeling de brincadeira que nós temos e foi ele que desenvolveu este conceito da campanha, mas todos trabalhámos no desenvolvimento e implementação. David Cabrita: “A Thousand Words Campaign” não é uma coisa que tenhamos feito especificamente para dar projecção à roupa ou à parceria que tivemos com a Screw, é algo que nós vamos sempre fazendo, sempre que tenhamos essa oportunidade, vamos fazê-lo. Quanto ao conceito da campanha... para começar, tinha que ser algo gráfico, uma coisa que se conseguisse levar para t-shirts ou tábuas de skate... depois, o vermelho e o branco... o conceito estético fomos buscar um pouco à cultura popular que está associada a Barbara Kruger, mas o que quisemos fazer foi criar um tweet, uma controvérsia, por isso é que escrevemos as mensagens dentro das letras brancas: nós queríamos recuperar o lado interventivo deste conceito estético, que se foi perdendo no caminho. Agarrar numa coisa que é super banal e torná-la especial, única e com uma mensagem.

Bruno Senra - backside nosegrind pop-out enquanto o Ivan inspira uma dose industrial de dióxido de carbono


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A THOUSAND WORDS CAMPAIGN EMENTA SB

E qual é a mensagem? David Cabrita: São vários statements que já temos na Ementa e que transmitem uma mensagem sobre skate. O principal era isso, mas à medida que íamos pintando, fazíamo-lo como nos apetecia. Era como se aquilo fosse uma tela para o pessoal da Ementa ir fazendo o que lhe apetecesse. Qual é a vossa perceção do resultado? Raphael Castilho: Acho que foi muito bom, tivemos muita gente na festa de lançamento da campanha, toda a gente nos congratulou e isso também nos dá vontade de fazer cada vez mais. Nós não fazemos só para os outros, fazemos pelo processo, mas ter o reconhecimento de todos, não só do pessoal do skate, mas também da arte, do surf, da nossa escola de Belas Artes, de antigos professores nossos... é bom sentir o reconhecimento deles. David Cabrita: estas campanhas não são campanhas publicitárias como as que já vemos algumas marcas a fazer, até já com algum trabalho artístico, para chamar a atenção. O que interessa normalmente às marcas é o resultado, é o buzz que se cria e na Ementa o que interessa é o contrário, é o processo, é a construção, porque isso é que faz sentido para a marca, é isso que o skate traduz, é o processo de os skaters estarem envolvidos no processo da criação e da construção.


André Costa - wallride enquanto o Thayan recupera da lesão…

Bruno “BP” Senra - Backside tailslide


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A THOUSAND WORDS CAMPAIGN EMENTA SB

Quais são os vossos próximos passos? David Cabrita: acima de tudo vamos continuar a fazer coleções a cada 6 meses. É o mais difícil. Raphael Castilho: O nosso foco atual mesmo é a roupa, mas estamos também a trabalhar nas outras vertentes, por exemplo estamos a fazer uma parte de street – isso é mais com o Emídio. Queremos ser uma marca respeitada no mercado, sempre com a nossa identidade e a curtir aquilo que mais curtimos, que é o skate. Fica a saber mais sobre este coletivo em EmentaSB.com


André Costa - Lien to tail pow! João Viola - com um powerslide que poderia tê-lo deixado careca!


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A THOUSAND WORDS CAMPAIGN EMENTA SB

Raphael Castilho, Thaynan Costa, André “Né” Pereira, Nikita Gorev, Bruno “BP” Senra, Emídio Silva, David Cabrita, André “Def” Costa, Aníbal Martins, Ruben Nogueira, Jorge Miguel

Bruno Senra - bs smithgrind



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fotografia João Mascarenhas entrevista Gonçalo Lopes

Tudo bem, Cordeiro? Fala-nos um pouco sobre ti. Idade, onde moras, irmãos, a relação com os teus pais. Chamo-me Filipe Escada Cordeiro, nasci no dia 28 de novembro de 1992, ou seja, tenho 21 anos, moro em Miraflores, não tenho irmãos e vivo só com a minha mãe. Não mantenho relação nenhuma com o meu pai.


Longe dos tempos do spot perfeito do “Kintal”, em Carnaxide, flip num dos spots mais duros de skatar em Setúbal


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CORDEIRO

Recordas-te do teu primeiro contacto com o skate? Conta-nos os teus primeiros passos e o que te motivou a continuar?

 Foi quando entrei para a Secundária de Miraflores, no 7º ano. Eu tinha a mania que era jogador da bola (risos) e na altura o pessoal com quem eu estava mais tempo (Gonçalo Mendonça, André Pereira, Militar, etc.) já andavam e aí comecei a interessar-me e a ter contacto com o skate. Não demorou muito até “cravar” um à minha mãe e a partir daí foi sempre a andar!

Quais são as tuas primeiras referências no skate nacional?

 
 De skaters nacionais, para mim continua a ser fácil dizer os meus preferidos, pois sempre foram os mesmos. Nuno Relógio, António Boavida, Hélder Lima, João Pinto, Tiago e João Relógio e Francisco Perdigão.

Qual a opinião dos teus pais acerca do skate? Apoiam-te ou acham que é uma perda de tempo?

 A minha mãe sempre me apoiou a 100% e acredito que sempre o irá fazer. Apoia-me mesmo em tudo, acredita que eu é que sei o que é melhor para mim e desde que eu esteja feliz está tudo bem. Tenho mesmo muito a agradecer-lhe.

Qual foi a tua reação inicial ao seres abordado por uma marca para te darem “material de graça”?

 
 Foi no campeonato da Tribal Urbano em Monsanto. Eu estava cheio de pica nesse dia e consegui chegar à final, mas nem andei porque já estava todo partido (risos). Depois foram entregar os prémios e fui o primeiro a ser chamado, para o 5º lugar. Quando estava a ir embora, o Eduardo, da Tribal, chamou-me e disse-me “Filipe, não te vás já embora!” Pensava que me estava só a dizer isso porque iam entregar os prémios da categoria Open a seguir, por isso nem liguei (risos). Entretanto estava todo contente a mostrar a um amigo meu umas rodas que tinha ganho, sem ligar ao que estavam a dizer ao microfone, quando me apercebo que toda a gente estava a olhar para mim, fiquei à toa (risos). Depois o Tekilla diz ao microfone: “Então, puto! Ganhaste um ano de apoio da Tribal Urbano! Não Queres?!” Fiquei mesmo apático. Foi uma sensação linda.

A opinião deles mudou de alguma maneira quando começaste a ter apoios, pois viram que já não era só brincadeira, ou mantiveram a sua opinião de sempre?

 Ela sempre viu que era aquilo de que eu gostava mesmo e que me fazia feliz. Mas, se calhar, quando comecei a ter apoios viu que era um pouco “mais a sério”. Se bem que nunca é mesmo a sério, porque infelizmente as condições em Portugal não o permitem. Com o “mais a sério” quero dizer que ela percebeu que eu tinha mesmo objetivos concretos de evoluir mais no skate e tentar “puxar” por mim. Mas diversão acima de tudo! Houve alguma altura em que pensaste para ti próprio: “É isto mesmo que eu quero fazer”, ou as coisas foram acontecendo naturalmente?
 
 Infelizmente não é o que eu faço da minha vida, por muitas razões que não são desconhecidas de ninguém. Mas, sem dúvida que quero andar de skate o resto da minha vida. Fui-me apercebendo disso naturalmente. Quando dei por mim já não conseguia largar o skate por nada. E hoje em dia sinto-me da mesma maneira, ou talvez até mais! E qual foi a tua “crew” inicial? Há alguém dessa altura que continue a skatar?

 
 Não, já praticamente ninguém skata. Costumava andar com o Gonçalo Mendonça, André Pereira, Militar, Ricardo Cardoso, Patrick, pessoal da minha zona. E, às vezes, também com o Pedro Secca, que andava na minha escola. Mas na altura ele para mim era um ídolo. Quando comecei a andar ele já dava 360 flip e eu estava sempre a chateá-lo só para ver essa manobra (risos). Era lindo, acordávamos às 8 da manhã todos os fins de semana para ir para o skate parque de Monsanto. Fico com um sorriso gigante sempre que dou por mim a recordar esses tempos.

Em termos de apoios. Qual foi o primeiro e em que ano?

 Foi da Tribal Urbano, em julho de 2007.

Esses apoios foram importantes para a tua evolução? Em que sentido? Foram muito importantes porque nem toda a gente consegue ter material para skatar à vontade sem se preocupar muito. Se bem que nos anos que passaram fui alvo de muitas críticas duras, por ser muito novo (14 anos) e já ter apoios... não soube lidar muito bem com isso e acho que dava demasiada importância. Infelizmente as pessoas conseguem ser mesmo más e o skate em Portugal não tem, de todo, muitas pessoas que sejam boas e fiquem felizes com as conquistas dos outros, sem inveja. Mas já há algum tempo que me apercebi que não tenho nada a provar a ninguém e não deixo que o que os outros dizem de mim me defina. Sei que não és um skater de campeonatos. Sentes-te nervoso ou não é mesmo a tua “cena”?
O que é que representam para ti? Não te sentes motivado para aparecer e competir, ou quando apareces é principalmente para estar com o pessoal e passar um bom bocado?

 
 Quando apareço é mesmo só para estar com o pessoal e passar um bom bocado. Não sou competitivo. Só sou competitivo comigo próprio. Para mim é bom ir a campeonatos, agora depende da maneira como os encaramos. Claro que gosto de dar todas as manobras que quero, mas temos de encarar isso sempre com um espírito saudável. É nisto que acredito.


Imaginem a cara da miúda quando abriu a máquina de lavar e viu o Cordeiro a dar um backside ollie lá dentro


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CORDEIRO

Backside noseblunt num daqueles monumentos que s贸 pode ter sido constru铆do para skatar



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CORDEIRO

Na minha opinião, durante alguns anos, o spot “Kintal”, em Carnaxide, terá sido, provavelmente, o spot com melhor espírito de skate da zona de Lisboa. Era simplesmente brutal skatar ali, para além do imenso pessoal que ali aparecia para skatar e confraternizar.
Em que altura começaste a skatar no “Kintal” e quais as recordações que te vêm à ideia quando se fala naquele spot mítico?
 Queres contar algumas histórias lá passadas?
 Existem tantas! Mas muitas não devem ser contadas aqui (risos). Assim de repente lembro-me da vez em que levámos a mesa de pic-nic para lá. Foi lindo. Fomos ao Restelo roubá-la às tantas da manhã, já não me lembro quem estava connosco, mas sei que foi no carro do Jodi. Ficámos cheios de medo por causa da polícia, que passou por nós ainda umas duas vezes, mas no final correu tudo bem!

O Lance Mountain disse uma vez, e passo a citar : “A Indústria do skate é para quem não anda de skate”. Queres comentá-la? Na tua opinião esta frase pode-se adaptar à realidade do skate em Portugal?

 
 Infelizmente pode-se adaptar porque 90% das pessoas que trabalham na indústria cá não anda ou nunca pôs um pé num skate. Mas para mim nem é o maior problema, desde que as pessoas gostem realmente disto e lutem e acreditem neste meio. Mas não é o que acontece. Como agora que estamos em tempos mais difíceis, estou sempre a ouvir essas pessoas a dizer :”O skate já morreu! Temos é de pensar noutro negócio”. Isto sim, é triste. Todos sabemos que nunca vamos ser milionários com o skate. Temos de estar cá todos pela mesma razão, por amor.

Quais os teus patrocínios atuais? Achas serem eles os suficientes para a tua evolução? Tens a noção de que merecias mais? 

 
 Os meus patrocínios atuais são a Forus, Supra, Kr3w, Ashbury, Coal e Tribal Urbano. Sempre me ajudaram em tudo e até agora sinto que tenho evoluído. Se merecia mais ou não, não sou a pessoa certa para responder a isso. Mas tenho noção que o que tenho é bom, para a realidade do skate em Portugal. E como se pauta a relação entre ti e os teus patrocinadores?

 É uma relação boa, acho que percebem o que gosto e quero fazer e sabem que tento sempre fazer o meu trabalho bem feito. Em termos de material, roupa e ténis, qual a tua opinião sobre o que os patrocinadores dão aos patrocinados? Não achas que os skaters também têm culpa por muitas vezes serem pouco exigentes e aceitarem “migalhas”, ou tens a opinião de que por vezes é melhor “receber pouco do que não receber nada“? Para além de dar um certo estatuto o facto de se ter “patrocínios”…

 Infelizmente, é mesmo verdade, na minha opinião. Mas cada um sabe de si e se o pessoal por receber uns descontos quer dizer que é patrocinado e se sente bem com isso, é problema deles. Na realidade, patrocínios quase ninguém em Portugal tem. Nós temos apoios. Quase ninguém recebe dinheiro, ou viagens pagas. Mas entendo que o skate é um meio que não gera muito dinheiro cá em Portugal, sendo mais difícil termos melhores condições. Mas, muitas vezes as pessoas preocupam-se mais em meter “dinheiro ao bolso” do que em dar condições aos skaters, infelizmente. Por vezes, vejo skaters em campeonatos que nem usam a roupa que os patrocinadores lhes dão, ou então não usam o material, pois a tábua tem mais 1 mm de largura. Achas que os patrocinados fazem bem o seu papel? É só lá ir mensalmente receber o material e a roupa, ou também têm “trabalho” a fazer, nomeadamente a divulgação e promoção das marcas que os apoiam?
Qual a tua opinião sobre o trabalho que os patrocinados fazem, ou deveriam fazer?


 Acho que no geral os patrocinados cá não fazem um bom trabalho. O pessoal acha que o trabalho de patrocinado é ir para o skate parque todos os dias dar umas manobras e ‘tá feito. E não, não é. Isso é 10% do que deviam fazer, se tanto. É muito mais importante tirares uma foto e apareceres na revista, ou filmares uma parte de street. Vejo skaters cá que se autointitulam de “os maiores” e nunca vi fotos numa revista nem partes de street. É uma coisa que faz-me mesmo confusão. E o que fazes pelos teus patrocinadores?

 
 Tento tirar fotos para aparecer na revista, tento sempre que posso filmar manobras no street e clips de skate parque também às vezes. Quando posso e me apetece tento ir a campeonatos. E cada vez que vou skatar esforço-me sempre para passar uma boa imagem das marcas que represento. E quando os patrocinadores “patrocinam”/apoiam skaters, 20/30 skaters para segurar mercado e mostrarem às marcas lá fora que estão a “apoiar”…

 
 Pois, era uma coisa que acontecia muito até há pouco tempo. Agora acredito que está a mudar aos poucos e espero que sim. E a isso não se chama patrocinar, infelizmente. Era a tal história de “dou-te 20 ou 30% de desconto e és meu patrocinado”…

“...SE O PESSOAL POR RECEBER UNS DESCONTOS QUER DIZER QUE É PATROCINADO E SE SENTE BEM COM ISSO, É PROBLEMA DELES.”

Qual a tua opinião sobre o estado atual do skate em Portugal nas suas mais variadas vertentes – skate parques, media, associações de skate, nova geração, distribuidores, objetivos e mentalidades dos skaters, etc.? 

 
 Isto, infelizmente, vai soar mal, mas vou ter de ser sincero. Para mim o estado do skate em Portugal é decadente... os media já praticamente não existem. Existe uma revista e 3 sites, só. Distribuidores, prefiro nem falar, porque há meia dúzia deles e menos, ainda, a trabalhar as marcas como deve ser. A nova geração em nível de skate acho que terá um futuro bom, mas em termos de mentalidade não acredito. Cada vez que vou a um spot/skate parque vejo atitudes da parte dos putos (e não só) que não cabem na cabeça de ninguém. E depois preocupam-se mais em mandar “postas de pescada” no facebook, do que em tentar evoluir como pessoas. Já praticamente não existem pessoas puras e humildes. Neste momento só costumo skatar com meia dúzia de pessoas e sozinho. Perdi a paciência toda para os “filmes” do skate português. Estiveste nalguma “Escola de skate” quando começaste a andar? Achas que se pode “ensinar” a andar de skate, como se ensina por exemplo a jogar futebol ou voleibol de praia, ou o skate não se ensina - vive-se?
 

 Quando comecei a andar, eu e um amigo meu experimentámos a escola de skate do Luís Paulo, porque fomos comprar as nossas primeiras tábuas ao Bana, vimos lá um flyer e decidimos tentar. Não sabia nada de skate na altura, mas rapidamente me apercebi que aquilo não era mesmo para mim, tanto que ambos desistimos e decidimos evoluir por nós próprios e com os nossos amigos. Eu não sou contra as escolas de skate, até acho que elas são uma boa ferramenta para ensinar os mais novos a dar os primeiros passos no skate. Mas não passa daí. Óbvio que alguém que dá Bs Lipslides a descer rails não há de precisar de aulas para nada!


front board pop-out

nollie fs heelflip


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CORDEIRO

Achas que se pode “vender” o skate como se vende o surf, ou isso é conversa de quem quer ganhar dinheiro? 

 
 Poder, pode-se. Mas sim, ter só isso em mente para mim é conversa de quem quer ganhar dinheiro. Para mim o skate é algo que não deveria ir para esses caminhos, para se poder manter “core”. Eu sei que, então hoje em dia, é impossível. Mas há coisas que podemos evitar e adaptar. Eu ainda sou muito novo e ainda estou a aprender, não tenho opinião formada a 100% em relação a nenhum destes tópicos. Mas acho que o pessoal das marcas no geral tenta demasiado e de maneira muito forçada que o skate chegue ao mainstream. Acho que pensam demasiado em números e não em fazer algo que se mantenha verdadeiro àquilo em que acreditam. Se o skate eventualmente chegar ao mainstream (que já chegou em grande parte) que seja pela simples razão de ser aquilo que é. E se as pessoas no geral começarem a gostar, que comecem a gostar por aquilo que o skate é, e não por aparecer no videoclip do Lil Wayne ou aparecer nos anúncios de tv, ou algo do género. Qual a tua opinião sobre a cada vez maior exposição que certas marcas extra-skate, bebidas energéticas e afins, têm nos media e campeonatos de skate? Achas positivo o facto de isso acontecer?

 Quanto às marcas de ténis extra skate não sou nada contra. É, mais uma vez, um pau de dois bicos. É verdade que vendem milhões e isso monopoliza o mercado e acaba com muitas marcas. Mas por outro lado, pensem no exemplo da Nike. É verdade que faz muito dinheiro com o skate, mas também já fez muito por nós. Se não fosse a Nike, o Skatepark of Tampa muito provavelmente teria ido à falência e os campeonatos Tampa Am e Tampa Pro de que tanto gostamos já não existiam. Financiam o Street League. Renovaram o Bay Sixty-Six em Londres. Lançam sempre bons vídeos para nós vermos. É verdade que tira oportunidades a alguns prós de viverem do skate pelo facto de monopolizar o

Os donos do café em frente a este corrimão amarelo são dos maiores fãs de skate que alguma vez conhecemos… até expulsam clientes da esplanada para a malta andar… boardslide

mercado e isso acabar com algumas marcas, mas acho que para nós, skaters, no geral não é assim tão prejudicial. Prefiro o bem de uma comunidade do que o bem de 30 ou 40 pessoas. Mas quanto às bebidas energéticas sou completamente contra. É algo que é realmente prejudicial para a saúde. Devia mesmo ser proibido vender produtos do género. Já fizeste umas viagens pela Europa. Conta aí umas histórias e o que mais te impressionou em termos de skate. Sim, já tive a oportunidade de ir a alguns sítios skatar, como Barcelona, Paris, Praga, Amesterdão... há muitas histórias engraçadas, mas assim de repente lembro-me de uma da primeira vez que fui Barcelona, em 2009. Tinha 16 anos. Fomos pessoal do Porto e Lisboa e o pessoal de Lisboa estava num apartamento e o pessoal do Porto estava no apartamento de baixo. Houve uma noite que todos tinham saído para comprar o jantar e eu tinha ficado em casa... de repente tocam à campainha e era o Tito, um rapaz do Porto que pelos vistos também tinha ficado em casa, entrou e estivemos a falar um bocado quando de repente ele lembra-se e diz: “Ei, deixei as chaves dentro do apartamento!”. O problema é que só havia umas chaves, logo ia ser complicado, como devem calcular. O resto do pessoal chegou e chamámos os bombeiros para nos abrirem a porta. No tempo em que estamos à espera dos bombeiros, de repente o Tito lembra-se outra vez e diz “Epá, eu deixei uma pizza no forno a fazer, deve estar lá dentro há quase uma hora, será que há algum problema?”. Nós ficamos todos brancos, nem sabíamos o que dizer! O Mileu até teve de ir dar uma volta (risos). Depois os bombeiros chegaram e abriram a porta, o forno estava a deitar imenso fumo, mas afinal de contas o pior que aconteceu foi tirarem uma pizza preta lá de dentro (risos). Mas lá fora é tudo muito diferente. Há bons skaters cá, mas quando vamos lá fora vemos que não somos nada. E tudo isso dá mesmo uma grande pica. Pelo menos a mim.


Este ollie ao pôr-do-sol é tão cinematográfico que antes se ouviu “desliguem os telemóveis e deixem a sala limpa quando saírem”


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CORDEIRO

E o que te dá “pica” para continuar a skatar?

 Os vídeos, sem dúvida, são uma grande parte. Os meus amigos, as pessoas com quem gosto realmente de estar e skatar e que me motivam para continuar a fazer aquilo de que mais gosto. O querer progredir como pessoa e skater. Se perguntares a um toxicodependente porque é que ele gosta da droga ele não te sabe dizer, apenas te diz que é bom, que o faz sentir-se bem... o skate é a mesma coisa. O skate para ti, é um desporto ou um estilo de vida? 


 É um estilo de vida, óbvio. Os desportos todos são limitados. Eu gosto de desporto, mas tens muitas regras que tens de seguir, é um padrão e não podes sair desse padrão porque simplesmente não te permitem. No skate não há ninguém para não te permitir fazer algo, é tudo livre. Se bem que hoje em dia toda a gente, sem se aperceber, tenta fazer do skate algo com padrões. Dizem coisas do género: “Essa manobra nesse spot não é abusada” ou “Essa line ‘tá mal dada porque deste um tic-tac”. Os vídeos de skate têm todos de seguir um padrão, com certas manobras em certos spots. É por essa razão que há muitos clips de skate online que nem vejo, porque sei que vou ver mais do mesmo. Para mim, muitas vezes “mais abusado” não quer dizer melhor, de todo... O que fazes quando não estás a skatar? Tens hobbies ou outras atividades? Estudas?
 Como gostarias que fosse o teu futuro em termos pessoais e profissionais?
 No ano passado acabei o curso de Animação 2D/3D e Grafismo. Neste momento tenho muitas coisas em mente. Estou a tentar criar as minhas oportunidades a nível profissional, mas não penso demais nisso porque ninguém sabe nem pode adivinhar o que o futuro nos reserva, deixo-o manifestar-se por si próprio, não penso tão à frente, penso apenas o que gostaria de fazer agora e tento fazê-lo. Mas há coisas que tenho de fazer antes de morrer e uma delas é viajar e muito. Há muitas partes do mundo que me atraem e que gostaria de conhecer. Gostava de fazer uma daquelas viagem sem destino, simplesmente sair com a mochila às costas, não saber para onde vou, nem se volto ou não. É um sonho, mas é preciso coragem. Aos poucos tento desapegar-me de tudo o que me “prende” aqui a Lisboa... 

 Últimas palavras ou agradecimentos. Em primeiro lugar quero agradecer à minha mãe que sempre me apoiou em tudo na minha vida e sempre me incentivou a fazer aquilo de que mais gosto, sem me pôr entraves nenhuns. Quero agradecer aos meus patrocinadores, a todos da Tribal Urbano que me ajudam desde 2007, um muito obrigado ao Pedro, Eduardo e Tekilla, à White Trash Distribution, ao Humberto que faz um grande esforço para ajudar os patrocinados dele. Quero agradecer ao pessoal que me fez começar a andar de skate, Mendonça, André Pereira, Militar, etc. porque mesmo sem eles próprios saberem, marcaram muito a minha vida para sempre. Aos meus companheiros de skatada, Humberto, Kiko Perdigão, João Martins, Jodi, Secca e Frederico Francisco. Ao pessoal do Algarve, JP, Tiago Relógio, Jamie, Barril, Figgy, Mascarenhas, Jean, Viriato, Serpente e Rui Costa. A todos os meus amigos que não andam de skate. À minha família. Ao meu tio Rui Cordeiro que me ajuda sempre em tudo que pode. A todos os que passaram e marcaram a minha vida positivamente, mas especialmente também a todos os que marcaram a minha vida negativamente, porque esses, sim, foram aqueles que me ajudaram e ajudam a crescer. Muito obrigado. Keep on rolling.

frontblunt - Setúbal



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entrevista e fotografia Luís Moreira

Pergunta do costume: Nome, idade, de onde és, patrocínios. João Serôdio Canha, 19 anos, sou do Porto e os meus patrocínios são a minha mãe, o meu pai, o meu avô e a minha madrinha… ah, e a HPPY. Para além de skatar o que é que fazes? Pá, quando não estou a skatar curto sempre skatar mais um bocado, mas para além disso, faculdade, FBAUP Artes Plásticas! E de tudo um pouco dentro do universo da arte. Basicamente, sou mais um artista…



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JOテグ CANHA

transfer noseslide hppy style


No spot onde mais gente mija na rua no Porto, este no-comply sempre limpa um bocado o ar

Temos acompanhado os vídeos da HPPY. O que é, afinal, a HPPY? A HPPY é um projeto meu e do Afonso (Descalço) com a ajuda do Sérgio (Bird) e do Sandro (THUG$), que, para já, é uma compilação em formato .mov de toda esta nossa vida do skate, sejam manobras, anti-manobras (Bird) ou aquelas parvoíces da cidade (obra de deus, ou nossa). Com tempo, gostávamos de começar a produzir material, desde fanzines e serigrafias a chapéus e tábuas. Achas que o surgimento de marcas pequenas poderia melhorar a forma como a indústria do skate funciona? Não sei se melhorava para as pessoas que gerem toda essa máquina mas para os skaters, sim! Era tudo muito mais pessoal e diverso; para não dizer que faz muito mais sentido tendo em conta a história do skate e a cultura de expressão e liberdade a que está associado. Durante o tempo em que andámos a fotografar esta entrevista reparei que tu ficas mesmo chateado quando vais para casa sem nada, ou seja, sem nenhuma manobra. Porquê? Suponho que não goste de deixar as manobras por dar, é um sacrifício para mim ter de voltar a um spot para tentar a manobra que não dei.


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JOÃO CANHA

Do milhão de spots por onde o Canha passou, neste dia, este foi o escolhido para um transfer 50-50

Reparei também que és daqueles gajos que numa tarde percorre um milhão de spots e pelo caminho vai skatando tudo o que aparece. Porque é que preferes isso em vez de ires para um spot a tarde toda? Skatar um spot a tarde toda também é divertido, mas andar pela cidade a assustar os peões e skatar tudo o que der (mesmo o que não dá) é muito melhor! Também se evolui muito mais rápido, tentar skatar o máximo de spots diferentes de todas as formas que me a minha imaginação permitir. O que é que pensas fazer num futuro a longo prazo, se é que pensas muito nisso? Penso, mas são tudo sonhos, o que não quer dizer que não se concretizem. Levar esta coisa da HPPY para a frente vai acontecer, se isso vai trazer o tão cobiçado €€€€€ não sei, mas não interessa. Sinceramente, desde que possa fazer as minhas cenas e andar de skate com uma qualidade de vida aceitável, tanto faz trabalhar no supermercado ou ser o artista mais famoso do mundo.



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fotografia Fabien Ponsero/Julien Furones entrevista Roskof

Este bigode não engana ninguém. Filho de portugueses transmontanos, Remy Taveira é hoje uma das referências do skate europeu e uma das figuras da nova cena de skate Parisiense. Longe do tempo das visitas “obrigado” a Portugal, hoje em dia sempre que pode ruma ao nosso país para relaxar e para skatar. Só não o apanham a falar 3 palavras em francês e 2 em português… nem nesta entrevista.



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REMY TAVEIRA

Enquanto os nossos “representantes” andam às turras nas altas instâncias europeias, o Remy Taveira mostra o apoio luso-francês à causa grega com este blunt em Atenas


Sei que estás em casa um bocado adoentado, estás a comer uma sopa portuguesa para matar esses vírus? Oi, pois de momento estou mesmo a comer sopa, mas não sei se é portuguesa, o que é sopa portuguesa? Caldo Verde? Esta talvez seja sopa alemã, pois a minha namorada é natural da Alemanha… sei lá, acho que é uma eurosopa! A tua família é originária da cidade de Chaves, em Trás-os-Montes, mas mudou-se para França há muitos anos, aposto que também vinhas todos os meses de agosto a Portugal e aposto que tens algumas histórias desses tempos… Sim, os meus pais são os dois de uma aldeia perto de Chaves, por isso conheço muito bem aquela zona. Todos os verões fazíamos a mesma viagem de carro, mas sabes como é, para mim na altura que vivia na grande cidade vir para uma aldeia no verão enquanto os meus amigos estavam todos em França era um bocado frustrante, por isso um dia chateei-me e disse aos meus pais que não queria fazer mais essa viagem e que Portugal era uma seca… até que, com os anos a passar, fui-me apercebendo que este país é super interessante e é por isso que já vim muitas vezes para andar de skate e de férias.

Este backside 50-50 backside out é uma manobra típica da zona de Chaves… tal como os enchidos, os pastéis e as migas à transmontana


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REMY TAVEIRA


Começaste a andar de skate com o teu irmão mais velho, certo? Ele era do tipo que te empurrava rampa abaixo, ou também foi dos primeiros a motivar-te para evoluir no skate? Basicamente começámos a skatar ao mesmo tempo e só tínhamos um skate para os dois, por isso tínhamos que o partilhar. Não fazíamos ideia, sequer, do que se passava fora da nossa rua até que chegou um ponto em que já tínhamos uma pequena crew lá na rua e o meu irmão decidiu comprar uma câmara. A partir desse momento andávamos sempre em missões de skate juntos, foi assim que ele conseguiu que ficasse ainda mais viciado no skate. Durante algum tempo, pelo menos para nós que estamos de fora, parecia que a cena de skate em Paris estava um bocado morta, mas agora parece que está a explodir, muitos novos skaters, vídeos, lojas… tens a tua quota parte nesse renascimento? Acho que o skate voltou à moda em Paris, eheh, tantos novos skaters... mas acho que a principal razão são mesmo os novos skate parques e spots de street perfeitos que têm aparecido, como o “Republique”. Toda a gente está maluca com esta praça e, ainda por cima, é super central, é o spot perfeito para a malta se juntar e para conviver. Há muito sangue português nessa nova cena,: tu, o Kevin Rodrigues, o Alex Pires... alguma vez pensaram em criar uma máfia portuguesa em Paris? Podiam arranjar um nome fixe, tipo Máfia do Chouriço! Ahahah… realmente, este trio português é muito esquisito. Desde o início da Surge, reparámos que tu és dos skaters europeus que mais viaja. Nós sempre recebemos muitas fotos de viagens da Antiz por todo o lado e tu estavas em todas… ainda andas nessa vida, sempre na estrada? Sim, é verdade que a malta Antiz é muito famosa pelo lema “faz-te à estrada”… e para todo o lado na Europa, sempre com o espírito de conhecer a malta local e passar bons tempos. Por falar dessas viagens da Antiz, aquilo parece uma festa 24 sobre 24, como é que conseguem andar de skate no meio daquele caos todo? Nessas viagens há muito skate, também algumas sessões de yoga... e… muita bebida ahahah, mas apenas numa boa combinação de tudo! Não é uma viagem de skate normal, de certeza! Porque é que ainda não convenceste a malta da Antiz a visitar Portugal? Adorávamos fazer uma festa com essa malta! Está nos nossos planos, pá! Este verão prepara-te para teres o teu jardim cheio de vagabundos malcheirosos, mas bem dispostos! Por falar em viagens, estiveste no Porto com a malta da Nozbone a filmar para o novo vídeo da loja. Essa skateshop em Paris tem uma equipa que parece mais unida que uma leggins numa bunda brasileira, como é que explicas isso? Sim, nós fomos ao Porto por causa desse tal trio português, eu, o Kevin e o Alex para filmar para o vídeo que celebra os 10 anos da loja. Tens razão, é um team muito unido, são muitos anos e todos nos conhecemos muito bem, eu adoro fazer parte disso, mesmo que não seja natural de Paris ahah

Bump olllie para smith. Parece fácil, não é?


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REMY TAVEIRA

No ano passado estiveste em Lisboa algumas vezes para skatar, com a malta da Converse e para o Cons Project. Ficaste contente em ter uma das marcas que te patrocina a fazer coisas em Portugal? Conseguiste ver mais da cena de skate nacional? Sim, estive em Lisboa 4 vezes num curto espaço de tempo, até então não conhecia muito bem esta zona de Portugal, mas apaixonei-me logo pela cidade, e ainda por cima tem uma boa cena de skate apesar, claro, da quantidade industrial de calçada nas ruas, o que não deixa skatar de um spot para o outro. Há muito tempo o fotógrafo francês, Eric Antoine, disse-me: “tens de ver este puto português que skata em Paris, um dia vai ser dos melhores skaters de França”... e cá para nós bem parece verdade, consegues skatar tudo a qualquer hora. Como é que consegues, comeste alguma coisa especial quando eras miúdo, ou simplesmente não te preocupas com os spots, é mais “venham eles”, corrimões, banks, curbs, transições…? Sinceramente não faço ideia, a única coisa que sei é que não ligo muito aos spots, só quero andar de skate com os meus amigos, a única coisa de que não gosto é de skatar sozinho. Estiveste recentemente nos Estados Unidos a filmar alguns projetos de vídeo no meio do deserto e das montanhas. Sabemos que aquele país pode ser bem convidativo, alguma vez pensaste mudar-te para lá para andar de skate, ou preferes as coisas deste lado do charco? Sim, mas mesmo assim não conheço os Estados Unidos assim tão bem, sem dúvida que a Califórnia é fixe para escapar ao verão, mas aqui na Europa temos muitos e bons spots, por isso prefiro andar por aqui e ainda por cima podemos ir a todo o lado de carrinha. Por falar em sítios fixes, estiveste também na África do Sul recentemente e ouvi dizer que tiveram algumas histórias marcantes envolvendo catanas e facas... o que é que se passou? Sim, fui a África do Sul no ano passado, Joanesburgo primeiro e depois Cidade do Cabo. Joanesburgo é a cidade mais hardcore em toda a África do Sul, consegues sentir a tensão no ar, a sério! Essa história com as catanas não foi tão má como parece, estávamos a skatar um spot num dos bairros mais perigosos da cidade, chamado Hillbrow e um gajo vem direito a nós de catana em riste e falar algo que não percebíamos… mas nós já estávamos a fugir… na segunda vez fui roubado num multibanco quando levantava 700€, mas mesmo assim acho que a África do Sul é um país brutal, tens pessoas espetaculares e a natureza é única.

Mal o Remy viu que a Angela Merkel ia ali a passar deu logo este 50-50 e pôs-se a andar, não fosse levar com alguma medida de austeridade em cima



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REMY TAVEIRA

Ok, já chega de histórias de viagens e skate, vamos falar do que fazes quando não estás com o skate nos pés, alguns passatempos portugueses, como matrecos ou jogar à sueca? Quando não estou a andar de skate tento passar tempo com a minha namorada e gosto mesmo de andar pelas ruas a tirar fotografias aos freaks que me aparecem à frente. Se vos interessar, visitem remytaveira.tumbl.com tem muita coisa minha sem ser skate. Viajando por todos esses sítios, conhecendo todas essas pessoas, o mundo de certeza brilha de maneira diferente para ti, o que te vês a fazer daqui a 20 anos? 20 Anos?!!! Nem sei o que vou fazer no próximo ano, eu não planeio nada, só espero estar em boa saúde, ainda conseguir skatar e poder desfrutar de boa comida e bebida! Últimas palavras… Até breve Portugal, obrigado pelos bons tempos



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3 Riscas em Lisboa

fotografia Keith Henry texto Roskof

Ryan Witt nosegrind, a metros do sítio onde o nosso último rei levou um balázio…


Se há coisa que aprecio são aquelas lições casuais que muitas vezes a vida nos dá, fruto de acasos e caprichos do destino e, no caso da visita do team da Adidas Canadá a Lisboa, até da meteorologia. Afinal, qual é a probabilidade de 8 pessoas que residem num dos países mais frios do mundo quererem escapar do rigor do inverno no outro lado do atlântico e chegarem ao aeroporto da Portela de t-shirts e calções mesmo no início de uma das mais agressivas vagas de frio dos últimos anos em Portugal?


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GASTROGELOVENTOCAMONE

Poucas… mas aconteceu. “Isto comparado com o frio no nosso país não é nada”, diziam. Até acredito, mas dois dias passados e o “nosso” frio húmido já fazia as primeiras “vítimas”. Sim, porque nesta viagem houve várias, eu incluído. O plano era simples: passar 10 dias a skatar em Lisboa para produzir conteúdo para a marca das 3 riscas. Encarregados dessa tarefa vinham Kevin Lowry, Drew Mcgrath, Jay Brown, Mike Campbell, Chuck Rivard, Ryan Witt, o filmer, Cory Mcneil e o fotógrafo Keith Henry. Pois, o plano era simples, mas com temperaturas quase negativas e chuva em praticamente 7 dos 10 dias, as coisas complicam-se sempre. Para ajudar à festa, aqui o vosso amigo, logo no segundo dia apanhou uma daquelas coisas muito simpáticas e super estimulantes da flora intestinal, mais conhecida por Gastroenterite. Que saudades tinha de ficar em casa a desfazer-me todo! Plano B, tivemos que recorrer a ajuda externa e o Bernard Aragão ajudou a malta a chegar aos spots. Obrigado, Bernard! Salvaste não só a mim, mas também a 8 pessoas de ficarem fechadas em casa com uma bomba de merda andante!

Esta zona é tão chique que o Charles Rivard não podia dar só 5-0, tinha que sair de fakie, com classe…


Jay Brown nosepick - Chelas


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GASTROGELOVENTOCAMONE


Para quase todos, esta era a primeira experiência em Portugal e um dos primeiros comentários que me ficou no ouvido foi o do Mike Campbell a perguntar como é que tínhamos palmeiras na ruas e estava aquele frio de rachar. Eu respondi que Portugal é um país de fenómenos estranhos. “A sério?” - retorquiu ele. Pois, se calhar realmente é, mas como nós estamos aqui todos os dias a levar com eles já nem reparamos. Claro que para o resto da malta, um dos fenómenos mais estranhos era o pessoal poder andar na rua a beber e, claro, os 746 vendedores de estupefacientes que os abordaram sempre que iam à baixa. O Chuck Rivard perguntava-me se aquele pessoal era de confiança, ao que respondi: “são”! É 100% certo que vos vão enganar”. Claro que todas as lojas de souvenirs foram alvo da curiosidade dos nossos amigos (acontece com todos os bons visitantes do nosso país). Os gostos dividiam-se entre azulejos e camisolas da seleção. O Jay Brown foi o primeiro a comprar uma por 5€ e perguntou-me porque é que todas as lojas do género em Lisboa eram de Indianos e Chineses, ao que eu respondi com aquele típico discurso de três horas, à português: que fomos um dos primeiros impérios globais, que tivemos colónias na Índia e China e por aí em diante… foi a primeira coisa de que me lembrei, deve ser um chip que já trazemos todos ao nascer em Portugal.

Felizmente que agora com estas novas luzes, o Mike Campbell não precisou de ligar os faróis de meia dúzia de carros para poder ver onde aterrava este ollie


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GASTROGELOVENTOCAMONE


O Jay Brown chegou a Portugal um pouco engripado, felizmente este ollie para nose-manual foi tĂŁo perfeito que lhe reabriu as narinas

Ryan Witt boardslide para aquecer‌ literalmente


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GASTROGELOVENTOCAMONE

Kevin Lowry no ollie mais filmado da hist贸ria deste bairro da margem sul


Quem se estava a marimbar para a história era o Drew, o mais velho da malta. Como tal, tinha gostos mais refinados... almoços e jantares de boa carne e bom vinho... afinal, tinha sido por causa disso que, há meses, numa noite mais regada, se tinha atirado de bicicleta contra um carro parado... e partido vários dentes. Felizmente que a dentadura não afeta os pés e nos intervalos da chuva mostrou a todos que os 30 são os novos 15! O flip no bank grande no Monte foi um dos momentos da viagem. O Ryan Witt não tinha 15, mas podia bem passar por um jovem dessa idade. Com um ar franzino e olhos esbugalhados, sempre que podia skatar não dava descanso aos spots e, claro, sempre de t-shirt, enquanto todos os outros vestiam várias camadas de roupa, ceroulas e, no mínimo, dois pares de meias. Quem me dera ter aquela idade.

Jay Brown tailslide pop-out - Sintra


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GASTROGELOVENTOCAMONE

Nestes dias as únicas vezes que andei de manga curta foram mesmo de estar a arder em febre com a amiga Gastro. Felizmente ainda consegui presenciar outro dos momentos altos da viagem em que o Kevin Lowry deu o ollie na rampa de entrada num prédio na margem sul. Quando chegámos, o ambiente era um pouco pesado e a malta estava com um bocado de receio de estar ali com as câmaras, ainda por cima mesmo à porta da casa de alguém... mas para nossa surpresa os próprios residentes do prédio começaram a filmar com os telemóveis e a incentivar o Kevin. Até eu, habituado a fenómenos estranhos em Portugal, fiquei surpreendido. Quando demos por nós, tínhamos mais de 50 pessoas a assistir e a bater palmas. Se fosse num prédio “fino” tínhamos levado com uns baldes de água, ou pior. Ali foi uma festa e foi com esse espírito que os deixei no aeroporto no dia seguinte. Ironicamente, assim que partiram, a temperatura começou a subir… isto há coisas!


Esta manobra aqui? Olha com atenção, este é o “outro” bank do Monte… Drew Mcgrath a abrir as hostilidades de “flips” no spot


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fotografia Luís Moreira entrevista Rui Miguel Abreu

Em palco, podem vê-lo a secundar os Mind da Gap ou a rockar clubes um pouco por todo o lado. Em estúdio vai marcando presença nas produções da Monster Jinx e acaba de estrear, com Taseh, o projecto Roger Plexico. O seu nome é ...cutz, Slimcutz. A Surge rumou a norte para se encontrar com um dos mais incansáveis DJ s da atualidade. Chama-se Slimcutz e é um homem cheio de projetos e ideias. Não o conhecem? Isso resolve-se...


Como é que se deu a tua entrada na música? Algum exemplo na família? Não sei bem quando tudo começou, lembro-me de desde muito novo gostar de música e ter uma certa curiosidade em encontrar coisas novas, por muito horríveis que fossem na altura. A minha família nunca foi muito ligada à música e em criança só tive acesso àqueles cd’s que todas as famílias tinham. Por volta dos 12 anos não sei bem por onde nem porquê mas começo a ganhar uma grande admiração pelo próprio objeto do vinil e pela figura do DJ, que na altura ainda estava muito associado ao vinil, ao contrário dos tempos que correm. Lembras-te do teu primeiro contacto com o Hip Hop? Como aconteceu? Possivelmente as primeiras coisas que ouvi que tinham algo de hip hop era o Nu Metal que estava na moda. Depois as primeiras descobertas vieram com os cd’s do irmão mais velho de um amigo meu que mostrava músicas ao irmão mais novo e ele por sua vez vinha mostrá-las a mim. Descreve-nos o teu percurso até este momento. Quais foram os passos mais importantes que deste até agora? Aconteceu tudo um bocado rápido na altura. Conheci algumas pessoas que fazem parte do que hoje é a Monster Jinx e a partir daí o estar envolvido com a música passou a ser quase diário. Comecei por fazer parte de Monstro Robot com o Stray e o Darksunn e a vontade de fazer mais e melhor tornou-se quase obsessão. Depois disso comecei a participar nas competições de DJ (DMC & IDA) onde ganhei o primeiro, ainda com 18 anos, o que fez com que começasse a ser convidado para tocar em algumas festas. Continuei a dedicar-me às competições nacionais e internacionais durante mais alguns anos e os convites para projetos e eventos foram surgindo com o tempo, como foi o caso dos Mind da Gap. Acho que foi um processo muito fluido e natural… uma coisa sempre levou à outra, daí nunca podermos estar parados. Estás ligado à Monster Jinx. Fala-nos um pouco dessa crew. O que é que vos une? Planos coletivos para o futuro próximo? Inicialmente éramos um grupo de músicos/amigos com gostos parecidos sem casa para a nossa música. Quando fizemos Monstro Robot falámos com uma série de editoras e todas elas elogiavam o nosso trabalho mas diziam que não tínhamos viabilidade comercial. Com estas respostas decidimos fazer tudo sozinhos e percebemos que não precisávamos de mais ninguém para lançar a nossa música. Passados quase 8 anos somos uma família cada vez maior onde “acolhemos” músicos com os mesmos princípios que nos regem. Para este ano temos preparado um projeto coletivo intitulado “Jonster Minx Tape”, que é um trabalho que reúne todos os produtores e Mc’s da Monster Jinx. Tens acompanhado os Mind Da Gap ao vivo, trio histórico da cena hip hop nacional. Como é trabalhar com estes veteranos? Que aprendeste com eles? Há sempre alguma coisa a aprender com alguém que tem quase mais 20 anos de estrada que nós. Foi com eles que pisei pelas primeiras vezes os grandes palcos e foi com eles que realmente aprendi o que era a “estrada”. Antes de começar a tocar com eles praticamente só tocava nos bares/discotecas do Porto e eles deram-me a conhecer um lado completamente diferente. Depois, claro, é sempre uma honra pisar o palco com alguém de quem sempre foste fã, a tocar músicas que acompanharam a tua vida. Projeta-nos 2015: o que tens pela frente nos tempos mais próximos? Este ano para além dos DJ Sets e dos concertos com os Mind da Gap estou a preparar o álbum de Roger Plexico & Ace e uma Mixtape com participações de grandes Mc’s do panorama nacional. Podes falar de Roger Plexico? Quem é ele, afinal? Claro que sim, eu e o Taseh trabalhamos juntos desde sempre e de alguma maneira sempre estivemos envolvidos no trabalho um do outro. Passados quase 10 anos finalmente avançamos com um projeto dos dois e Roger Plexico surge como uma personificação das nossas influências. Como te defines como DJ ? Sou um DJ que gosta de dar ao público uma viagem musical passando por vários estilos, deixo-me sempre levar pelo público e as energias dele é que me puxam para determinadas músicas. Também tenho sempre o factor surpresa presente nos sets, não deixando que as coisas sejam muito previsíveis. Um DJ hoje para vincar a diferença tem também que ser produtor? A produção é uma necessidade por isso não acho que um DJ deva forçar isso se nunca teve essa vontade. Hoje em dia claro que é muito mais difícil um DJ ser conhecido sem ter uma música associada a ele, mas quando isto chega ao ponto dos DJ ‘s famosos serem maus acho que fica tudo sem sentido. Acho que está um bocado esquecido aquilo que realmente é ser DJ. Como DJ , quando tocas para multidões, sentes-te pressionado para tocar música de que gostas menos ou és inflexível? Eu tenho que gostar de todas as músicas que passo. Acho que não faz grande sentido um DJ passar uma música de que não gosta só para fazer a vontade do público. Nas músicas

de que gostamos sabemos que há algumas que de alguma maneira vão agradar o público. Nesse equilíbrio entre o DJ e o público é que está a verdadeira arte de passar música. Explica-nos como compras música: vais a loja, preferes comprar online? Que tipo de compras costumas fazer? Infelizmente compro quase todos os discos online, em lojas com que já vou mantendo alguma relação e também compro muita coisa a vendedores particulares. Fora a música portuguesa que ainda tem um espaço bem grande na minha coleção é praticamente impossível encontrar certos discos em lojas cá em Portugal por isso tem de ser basicamente alguém lá fora a fazer esse trabalho por ti. Descreve-nos a tua coleção de discos? Tens alguma prateleira secreta cheia de country ou heavy metal? Qual é o teu guilty pleasure? Acho que a minha coleção descreve um bocado o meu percurso musical até agora e tem crescido com os anos com a necessidade de absorver mais música. A maior fatia da coleção é, sem dúvida, o Hip Hop, que é o estilo que me tem acompanhado desde sempre, desde o Old School às coisas mais modernas. Acho que sempre tive um fascínio por editoras por isso tenho prateleiras dedicadas a editoras específicas, como a Stones Throw ou a Warp. Admito que não tenho country nem heavy metal mas tenho outras coisas como Rock Português ou Library Music sobre a qual também tenho um grande fascínio. Influências: que produtores e DJ s te marcaram e porquê? Penso que o produtor que mais me marcou foi sem duvida o El-P, sempre fui muito atento ao trabalho de outros produtores como o Shadow ou o Madlib mas sempre que ouvia algo novo do El-P parecia que levava uma chapada de informação e mais não sei quantas portas se abriam. Os DJ s que mais me marcaram e continuam a marcar são o A-Trak e o DJ Craze. Pelo facto de os anos continuarem a passar e eles estarem sempre frescos, a fazer coisas novas e a levar o nível para outro patamar. A cena Hip Hop internacional está num momento vibrante. Quais os nomes que segues com mais atencão? Grupos, MCs, DJ s, editoras... Acho que está numa fase incrível e completamente nova. Para além de acompanhar os artistas clássicos a que vou estando sempre atento, tenho estado bastante dedicado a tudo o que sai de nomes como SchoolBoy Q, Kendric Lamar, Odd Future etc. Acho que anda aí tanta coisa boa a sair que nem sei bem que nomes referenciar. E quanto à cena Hip Hop nacional? Sentes que vives na capital do Hip Hop português? Não considero que haja uma capital do Hip Hop Português, apesar de o movimento aqui no Porto estar mais forte que nunca. Costumas fazer sets antes dos jogos do Porto. Já fizeste uma remistura dubstep do Filhos do Dragão? O FCPorto felizmente tem confiado nas minhas escolhas musicais e nunca sugeriram nenhuma música nem nenhum pedido mais estranho desses. Se bem que era capaz de ficar engraçado… Que sonoridades gostas mais de explorar como produtor e como DJ ? O que mais gosto é a mistura entre o hip hop e a música electrónica.

Top 5 producers de sempre.

Top 5 DJ s

El-P DJ Shadow J-Dilla Madlib Flying Lotus

DJ Craze A-Trak DJ Fly Rafik DJ Shiftee

Que equipamento é essencial no teu set up de DJ e no de produção? Eu prefiro o estilo clássico, dois gira-discos e uma mesa de mistura de guerra. Para produção o set up vai-se adaptando à medida que o tempo passa e vou acrescentado ou retirando máquinas, apesar de hoje em dia com um computador conseguirmos fazer quase tudo. Costumas pensar sobre o futuro do DJ ing? A tecnologia tem evoluído tanto, para onde vês isto caminhar? Às vezes penso… a tecnologia chegou a um ponto em que já não precisas de saber os princípios básicos de passar música para conseguires ser DJ e isso é mau, sou completamente a favor de que as coisas evoluam e o meu trabalho só evoluí com elas, mas acho que faltam bases e as pessoas estão a usá-las da maneira errada.


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fotografia Luís Moreira texto the Jack shits

10 CENAS ROCK’N’ROLL QUE UM GAJO TEM DE FAZER ANTES DE MORRER! Os Jack Shits de Jack Legs, Jack Straw e Jack Suave são uma bomba de garage rock de pavio curto e sempre pronta a explodir, assim haja um palco por perto. Os homens que lançaram Chicken Scratch Boogie, um conjunto de hinos fuzz à base de riffs pegajosos, apresentam à Surge os seus 10 mandamentos rock and roll. Ou algo que o valha...

#1 - Fazer uma escolha face a este dilema: A tua mãe (ou pai) trocam de corpo com a tua namorada/mulher (ou namorado/marido). Tens de ir para a cama com uma delas. Não é porquê, tens de ir e pronto! Todos os envolvidos vão ficar com memórias vívidas (sensoriais, olfativas, auditivas) do que se passar. Escolhe! Pode parecer, ao olho destreinado, uma questão parva. Mas se pensares 5 segundos nisto, vais ver que este dilema encerra todos os problemas da vida, todas as questões que precisam de uma resposta, todas as dúvidas sobre a nossa existência. Porque é que isto é uma cena Rock’n’Roll? Porque a lista é nossa e nós é que mandamos. #2 - Invadir um palco É uma arte que, infelizmente, está a morrer com os mais velhos. É uma pena ver tradições milenares, passadas de geração em geração, perderem-se nos mais novos que, quando vão a concertos, parece que estão em overdose de relaxantes musculares. Cabe a cada um de nós não deixar esta bonita tradição morrer. Invade um palco, já! Enche um microfone de perdigotos! Grita desalmadamente! Antes que seja demasiado tarde. #3 - Ter uma banda de Rock’n’Roll Sim, ter uma banda de Rock’n’Roll. Se calhar devia estar em #1 mas daria um trabalhão fazer cut/paste agora. Repara, ter uma banda de Rock’n’Roll é a coisa mais fácil do mundo. Faz assim: 1) compra um instrumento; 2) salta a parte em que o aprendes a tocar (principalmente se o instrumento escolhido for uma bateria); 3) alicia os teus amigos (pode ser só um, até) a participar num “projeto” contigo que lhes pode trazer muitas vantagens (dinheiro, sexo, fama, sexo, viagens, sexo); 4) faz uma dezena de músicas copiadas de uma banda boa (não vale usar Oblivians nem Blues Explosion, já estão a ser copiados por certas e determinadas bandas); 5) arranja um concerto; 6) sobe para o palco e age como se tivesses acabado de tomar banho e a olhar-te ao espelho enquanto fazes as figuras mais tristes de que te consegues lembrar; 7) se ajudar, tira a t-shirt; 8) se fores rapariga, tira a t-shirt mesmo que não ajude; 9) sua como se não houvesse amanhã (lembra-te, até te virem vómitos à boca, ainda não estás verdadeiramente cansado/a); 10) aprecia tudo o que de bom vai surgir na tua vida por teres decidido fazer o ponto 1).

#4 - Espatifar com estilo um quarto de hotel. Passar uma noite num confortável quarto de hotel com um bombom na almofada e serviço de quarto não é propriamente a coisa mais Rock’n’Roll do mundo. No entanto, há uma saída para isto. Se abrires o minibar, verás que lá dentro, à tua espera, estão umas garrafas mágicas. Se as beber todas de uma vez, ver-te-ás rapidamente no estado mental e físico adequado para, com toda a graciosidade do mundo, esbardalhar aquilo tudo. #5 - Morrer em New Orleans Não, o Rock não é a coisa mais Rock’n’Roll do mundo. Rock’n’Roll é morreres em New Orleans e teres no teu funeral dezenas de gajos que nunca te viram mais gordo a tocar tubas, trompetes, saxofones e trombones, enquanto outras dezenas de pessoas dançam no caminho até ao cemitério. #6 - Amar Somos pelo amor. Beijinhos, beijões, abraços, lambidelas, apalpões, festinhas, mãos dadas, mordidelas, bukkake, jantares à luz das velas, cartas de amor, DP, conchinha, tudo! #7 - Arranjar um concerto para os The Jack Shits. Calma, não pode ser um concerto qualquer. Tem de ser num bar daqueles manhosos que só contrata bandas de covers. E (e isto é o mais importante) fazê-lo convencendo o dono de que se trata de uma banda de tributo aos Pink Floyd. Se ele não ficar convencido que vamos lá tocar o Dark Side of the Moon de uma ponta à outra, não conta! #8 - Ir a Memphis. Porquê? Porque Sun Studio e Stax, é porquê. Porque o Elvis é o único rei que interessa, porque o Johnny Cash é o maior do mundo, porque Ottis Redding, porque Wilson Pickett, porque Jerry Lee Lewis e Carl Perkins e Booker T & The M.G.s e Sam & Dave e o Eddie Floyd. Porque o mundo sem Memphis era um balde de merda de dimensões bíblicas! #9 - Fazer uma lista com 9 itens quando te pedem uma com 10. Porque ninguém manda em ti e, se quiserem mais, peçam a outro.



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fotografia LuĂ­s Moreira entrevista Rui Miguel Abreu


Stereossauro debruçado sobre uma MPC a insuflar nova vida num clássico de Carlos Paredes. Esta é uma imagem real. Para este DJ e produtor, metade dos Beatbombers, com DJ Ride, a música portuguesa não tem segredos, apenas promessas. Fado, rock ou reggae, funk, hip hop ou jazz, tudo são fontes de possibilidades, ao alcance das suas mãos, que parecem as de um artesão quando se movem sobre os pads onde vai alinhando samples que depois são reconstruídos diante dos nossos ouvidos em novos edifícios rítmicos. E isto acontece tanto ao vivo como em estúdio. Bombas em Bombos é o título do seu álbum de estreia, lançado na Nos Discos e recheado de colaborações: Dealema, Xeg, Ride ou Helena Veludo são alguns dos convidados para uma viagem que toca em múltiplas coordenadas musicais, mas que mantém os pés sempre firmemente plantados em terreno fértil de Groove. Um dos melhores registos dos últimos tempos no agitado panorama tuga. E agora, Stereossauro, homem das Caldas, na primeira pessoa: Acabaste de editar o teu álbum de estreia, depois de uma série de mixtapes. Qual a diferença, quando se pensa neste formato? É muito mais sério. Uma mixtape é algo descontraído, sem nenhuma pressão, enquanto que um álbum é coisa séria. Se bem que eu levo as mixtapes a sério, nessas mixes posso “apoiar-me” na música dos outros, enquanto que num álbum é tudo feito de raiz, leva muito mais tempo e a responsabilidade é outra. Bombas em Bombos aponta em muitas direções. Isso acontece porque foi assim que saiu, ou foi uma estratégia para mostrar as tuas diversas facetas? A essência do disco é só uma: o “cliche” do hip hop de procurar samples (bombos) que me façam mexer ou pensar (bombas). Também não faço as coisas por fazer, mas, sim, percebo que haja quem possa ficar com essa ideia. Exploro várias sonoridades ao longo do disco, até porque me aborrece estar muito tempo a ouvir um só género, eu sou mesmo assim, quem vai ver um DJ set meu vai ouvir vários estilos diferentes e claro que isso se reflete na minha produção. É possível dizer que reflete diversos momentos da minha relação com a música, o meu trabalho enquanto DJ, mas também o momento de lazer enquanto ouvinte, até porque passo mais tempo a ouvir música do que a fazer música. Já tocaste Carlos Paredes na MPC à frente de Vitorino de Almeida: como é que reagiu o maestro? Muito bem, eu estava com um bocado de receio, porque se trata de um ícone da música erudita portuguesa e eu não tenho qualquer tipo de escolaridade musical, é tudo de “ouvido”. Mas no fim ele veio cumprimentar-me e disse que, apesar de não perceber exatamente como é que eu estava a executar a música, gostou. Fiquei naturalmente orgulhoso, para um autodidata e que toca um instrumento eletrónico “esquisito” é sempre um orgulho quando músicos académicos nos reconhecem valor.

És uma pessoa diferente quando produzes e quando tocas como DJ? Não, esses mundos cruzam-se, mas tenho diferentes prioridades consoante o que estou a fazer. Dou por mim muitas vezes a pensar como DJ quando estou a produzir e vice-versa. Por exemplo, quando faço algum som mais virado para a pista de dança, enquanto o estou a fazer já estou a pensar com que outras músicas posso misturar a que estou a fazer. Que se passa com Beatbombers? Estamos a preparar algumas novidades, mixtapes agora para a primavera e um EP que, se tudo correr bem, ainda sai antes do verão. Isto, claro, intercalado com o nosso trabalho individual: o Ride está a acabar um álbum, eu tenho-me dedicado a preparar os campeonatos de scratch que só vão acontecer mais para o meio do ano, mas tem de se começar já a trabalhar nisso, e também as atuações, estamos a preparar umas novidades, mas ainda no laboratório, toda a parte “visível” do nosso trabalho é como a ponta do iceberg, o maior volume não se vê, é o “trabalho de casa” no estúdio. Planos para o resto de 2015? O maior número possível de atuações, para “espalhar” a minha música por todo o lado, tenho algumas músicas que vão sair em labels francesas dedicadas ao TRAP, colaborações com os suspeitos do costume, remisturas, mais EPs dedicados à música portuguesa, como o de Ornatos Violeta que pus recentemente no meu soundcloud... como já fiz várias mixtapes desse conceito, agora vou explorar um pouco os Eps para “refrescar” o formato. E os campeonatos de DJ, porque quando o “bichinho” da competição se instala… deixa sede de “batalhas”. 4 Mash Ups stereossáuricos (Ainda não existem, mas quem sabe...) 1- Tom Waits (rain dogs) vs. Mr. Carmack 2- Raul Seixas vs. Kaytranada 3- Linda Martini vs. Chullage 4- Carlos Paião vs. Lewis M


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30 soluções para acabares com o mau cheiro dos pés*

1 - FALLEN Roach Camo - 84.92€ | | 2 - FALLEN Chief DarkYellow - 74.80€ | | 3 - FALLEN Forte 2 Black Aloha - 69.86€ | | 4 - FALLEN Vibe Ash grey - 83.38€ | | 5 - FALLEN Easy Black Saint Archer - 69.96€ | | 6 - C1RCA CRIP - MInk/Deep Sea - 59,95€ | | 7 - C1RCA GOLIATH (David Gravette Pro) - Graphite/Inca Gold - 74,95€ | | 8 - C1RCA HESH - Expresso/Camo - 69,95€ | | 9 - C1RCA JC01 (Jimmy Carlin Pro) - Black/Gray - 79,95€ | | 10 - C1RCA VALEO - Inca Gold/Paloma - 69,95€ | | 11 - GLOBE Mahalo - 70€ | | 12 - GLOBE Motley - 60€ | | 13 - GLOBE The Abyss - 90€ | | 14 - GLOBE Mahalo Mid - 80€ | | 15 - GLOBE Roam Lyte - 85€


16 - DC Nyjah Vulc - 85.50€ | | 17 - DC Lynx Prestige S - 89.99€ | | 18 - DC Switch S - 79.90€ | | 19 - DC Nyjah - 95.90€ | | 20 - DC N2 By Nyjah - 117.50€ | | 21 - ELEMENT GLT2 - Navy Curry - 79,99€ | | 22 - ELEMENT TOPAZ C3 - Black Orange - 64,99€ | | 23 - ELEMENT GLT2 Black Charcoal - 79,99€ | | 22 - ELEMENT TOPAZ C3 - Floral - 69,99€ | | 24 - ELEMENT WASSO - Black White - 69,99€ | | ELEMENT TOPAZ C3 - Curry - 64,99€ | | 26 - LAKAI Camby Black Textile - 75,90€ | | 27 - LAKAI Camby Mid Black Textile - 77.00€ | | 28 - LAKAI Fura Baker Black - 69.30€ | | 29 - LAKAI Marc Johnson Aluminum Wash - 74.58€| | 30 - LAKAI Parker Navy suede - 77.00€

*não laves os pés, não...


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texto e fotografia Kevin Metallier

Ao contrário de algumas ideias malucas que nos chegaram aos ouvidos antes da nossa partida nesta viagem, importa realçar que o Quirguistão não é nenhum modelo de carro 4x4 da Moldávia, ou um nome de alguma marca de frigoríficos russa. Também não é nenhuma nova doença epidémica tropical, ou o nome de banda de gangsta rap. A realidade é bem diferente, está localizada mesmo no meio da Ásia Central. «Entalado» entre o Cazaquistão, a norte, o Uzbequistão, a oeste, o Tajiquistão, a sul, e a China, a Este. Foi nesta ex-república Soviética que o nosso grupo de skaters teve o privilégio de explorar cidades e cenários naturais verdadeiramente espetaculares. Aqui fica uma seleção dos melhores momentos desses dias...



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ENVIADOS PARA O Quirguist達o...

Brian Delatorre, fastplant


Os skaters... Brian Delatorre (Estados Unidos) O senhor vibrações positivas, sempre bem disposto mesmo quando não podia skatar, com uma entorse. Gosta de comunicar com os locais, não bebe álcool há mais de 6 meses e consegue lidar com qualquer situação, mesmo quando o nosso grupo se encontrava nas profundezas de alguma noite mais bem regada... Nunca se separou da sua pequena coluna azul que debitava 24 sobre 24 horas rock psicadélico dos anos 70 , Aidan Campbel (Estados Unidos) Natural da Califórnia, sempre que skatava um spot novo, a qualquer hora do dia, tinha sempre um sorriso na cara. A sua parte favorita da viagem foi nadar nos lagos a altas altitudes, talvez por isso tenha sido dos poucos que não teve cólicas intestinais durante a viagem.

Maxim Kruglov (Rússia) Foi o intérprete de serviço, visto que era o único que conseguia falar russo e, claro, tinha a hercúlea tarefa de traduzir a ementa dezenas de vezes a cada refeição. Além disso também é pró de snowboard, faz 5-0’s de bmx, não consegue dar caballerials no flat mas deu 3 perfeitos numas escadas de 10 degraus. É fã do Vladimir Putin e de beber uns copos de vodka antes de viagens de avião, para adormecer. Recentemente recebeu de presente um Range Rover novo e a sua frase preferida em inglês é «Take it Easy»

Tjark Thielker (Alemanha) Adora aventuras e cavalos selvagens, não consegue usar duas peúgas iguais, gosta de adormecer em táxis cheios de gente e por esta hora já tem mais do que 350 alcunhas, visto que ninguém consegue pronunciar corretamente o seu nome. No skate as suas manobras têm que ser sempre perfeitas mesmo que leve tempo.

Manu Etchegoyen (França) O nosso jovem Basco, rapidamente ganhou a alcunha de Mr. Switchtance devido à sua desconcertante habilidade para andar ao contrário. Também não se queixou de nada, nem quando a sua bagagem esteve perdida durante dias. Gosta de cerveja, um pouco demais por vezes, e nesta viagem fez duas descobertas: o Instagram e o Cheeseburger, também conhecido no Quirguistão por Cheeseburguer

Charles Collet (França) Não gosta de usar sapatos de pele preta quando estão novos. Devido a um erro na entrega passou a viagem toda a skatar com ténis do tamanho errado. Também é fã de blues, rock e toca guitarra como o Johnny Cash. Revolta-se com injustiças como ser expulso de uma discoteca sem razão aparente.

Aidan Campbell, frontside wallride grab out


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ENVIADOS PARA O Quirguist達o...

Brian Delatorre, pivot-fakie


Tjark Thielker, backside tailslide


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ENVIADOS PARA O Quirguist達o...

Charles Collet, flip front board


Dados de viagem Kms de estrada: 2678 Duração da estadia. 16 dias Número de cervejas consumidas: 196 Número de refeições de shashlik: 82 Nevadas: 1 Infrações ao código da estrada: 346 Número de noites em casa: 6 Número de interações com a polícia local: 6 Media de horas para fazer 100km: 4.15 Câmbio: 1€ = 70 SOM

Caça, pesca e tradições... Uma coisa que precisas de saber caso queiras visitar este país é que 90% do mesmo é composto por áreas montanhosas, sendo grande parte acima dos 3000 metros. Por isso é muito mais conhecido como destino de trekking do que por skaters. Como deves imaginar, grande parte do país encontra-se coberto por neve durante grande parte do ano. A maior parte dos spots que skatámos são localizados na capital, Bishek, a única área urbana do país, composta também pelas cidades de Osh e Jalalabad. Estando o turismo ainda por desenvolver nesta pequena república asiática, ela não deixa de ser um fabuloso destino para amantes de aventuras e riqueza cultural. Os Quirgyz são na sua maioria um povo nómada, muito hospitaleiros e tradicionais. Se encontrares tendas na estrada não te acanhes, vai dizer olá, quase de certeza que vais ser convidado a entrar para beber um copo de Kumiss, a bebida feita de leite fermentado e álcool, que é favorita por aquelas bandas. No entanto, é bom saber que a mesma pode ter um efeito desastroso nos estômagos mais sensíveis... os locais costumam alternar esta bebida com cebolas cruas... para atenuar a digestão... dizem eles.

Histórias de merda... literalmente Quer gostem ou não, qualquer viagem a zonas remotas tem sempre o risco de ser marcada por episódios do foro intestinal. A nossa malta precisou de alguns dias para se habituar. O Kumiss e o Shaslik eram completamente diferentes de tudo e quando te encontras no meio das montanhas com a tripa às voltas durante dias, não há dúvida que vives episódios interessantes, como aquele em que, quando atacado por diarreia a meio da noite, apercebes-te que a sanita fica localizada numa cabana no jardim e quando entras lá dentro, a sanita é um buraco no chão... percebes, então, que o melhor é mesmo fazer as necessidades na rua e a olhar o céu estrelado.

Lacticínios Que sensação de pureza, ou quase, quando compras leite para o pequeno-almoço e assim que o deitas sobre os cereais vês que afinal compraste 6 litros de natas. Melhor ainda, vês que os teus amigos fizeram todos a mesma coisa. É importante não desperdiçar comida, mas o que raio vais fazer com 18 litros de natas? Sem nada a ver com laticínios mas com algo improvável: toda a gente tem carros japoneses, dizem que são bem mais baratos do que os europeus, ou russos. Outro fator engraçado é que os carros têm todos o volante à direita, mas também guiam à inglesa, o que torna o facto de ainda estar aqui a escrever estas linhas num autêntico milagre.

Aidan Campbell, backside 50-50


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ENVIADOS PARA O QUIRGUISTÃO...

O que lá faz a polícia... Muito simples, enche os bolsos com o dinheiro de turistas como nós... toda a gente sabe que a polícia neste país é completamente corrupta, é normal. Basicamente qualquer coisa pode ser usada para seres mandado parar ou revistado e safas-te dando uma pequena contribuição financeira ao agente. Claro que um grupo como o nosso, carregado de máquinas, luzes e câmaras de filmar, está mesmo a pedi-las. A experiência mais relevante nesta área foi quando o Brian estava a skatar no flat, em frente a um museu e de repente aparecem vários carros da polícia, armados com Kalashnikovs. Pensámos que devia ter havido algum ataque terrorista ou que alguém tinha violado a filha do presidente, afinal era só o Brian a dar 360 flips no flat... obrigado, senhores agentes, por não terem cravado de balas o nosso amigo Brian... foi um gesto bonito da vossa parte.

Manu Etchegoyen, manual varialheel out



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fotografia Glen E. Friedman cortesia Rizzoli New York texto Sílvia Ferreira

Jello Biafra, in “My Rules”

“Maybe the best thing you’ll get out of it is if your brain starts spinning and you get ideas of your own. Write ’em down somewhere, record ’em, put ’em in a file somewhere, but whatever you do, don’t be afraid to use them. Never be afraid of your own brain, or being creative no matter how weird or uncool you may seem among your conformist peers”. Glen Ellis Friedman é um nome incontornável do movimento skater. Assim como o é nas culturas punk-rock e hip hop. E é-o enquanto protagonista. Nas três! É porque testemunha em primeira mão o nascimento do skate, a ascensão do punk hardcore e a era dourada do hip hop e em simultâneo não é isento na progressão desta trindade de subculturas revolucionárias à época, antes contribui de modo indelével para a sua evolução e projeção. Numa altura em que nenhum outro media ou fotógrafo dispensava espaço à cultura underground que brotou na década de 70 – para muitos desconhecida ou simplesmente ignorada – Friedman foi o primeiro a dar atenção e a capturar a essência e força destas contraculturas ainda em fase embrionária e a perceber que todas formavam um movimento único. Único porque sem precedentes e único enquanto parte da mesma caminhada. É esta a história que nos conta o último livro do fotógrafo, “My Rules”, com design de Sheperd Fairey, que considera mesmo que Glen é “a Pedra de Roseta que unifica estas contraculturas”, acrescentando que não lhe ocorre “mais ninguém que tenha investido tanto em traduzir o poder e linguagem destes diferentes movimentos, ao longo da sua evolução”.


Glen E. Friedman acompanhou e documentou momentos históricos ao longo das últimas 4 décadas, gritou “presente” em momentos cruciais da cultura de rua entre meados dos anos 70 e início dos anos 90 e através da sua obra moldou e inspirou gerações, projetou e deu sustento aos próprios protagonistas, pela força das suas fotografias: Lance Mountain acredita que “as fotos de Glen moldaram as oportunidades que teve na sua vida”; Rodney Mullen assume nesta monografia que a sua identidade enquanto skater, que tinha sido “usurpada por rankings e pelas opiniões dos outros, fora resgatada pela lente de Glen, ao mostrar-lhe qual era a sua essência enquanto skater e qual era o seu lugar”. Este e tantos outros testemunhos que podemos encontrar em My Rules comprovam o poder das fotografias de Friedman. Uma força que emerge da sua genuinidade, cruzada com a espontaneidade, honestidade e vividez característicos dos seus objetos, artistas como Fugazi, Black Flag, Ice T, Dead Kennedys, Minor Treat, The Misfits, Bad Brains, Beastie Boys, Run D.M.C., Public Enemy, os pioneiros do skate, Tony Alva, Jay Adams, Alen “Ollie” Galfand, Duane Peters, Stacy Peralta e um muito novo Tony Hawk, O livro inclui testemunhos de alguns destes “heróis” e de tantos outros, a sua história pessoal, a perceção que têm da sua contemporaneidade ou, ainda, do trabalho de Glen. My Rules foi também o título da primeira zine que Glen imprimiu, em 10 mil exemplares, em 1982, tinha então 20 anos. Daí avançou para o seu primeiro livro “Fuck You Heroes”, mais um projeto DIY e, posteriormente, “Fuck you Too”. Mais de 20 anos passaram da sua primeira publicação em livro. My Rules reúne, agora, os melhores momentos, fotografias icónicas perpetuadas em 324 páginas de história, com mais de 100 imagens nunca antes publicadas, que documentam uma miscelânea emocionante destes fenómenos culturais em formação. O contexto de caminhos paralelos que se intersetam de quando em vez. Uma crónica notável sobre a origem da cultura de rua e um manifesto de inspiração artística para as gerações vindouras. Porque a base disto tudo é uma questão de atitude de uma geração destemida, qual “general sem medo”. E fizeram uma revolução. Um livro obrigatório. Exclusivo, revelador, educativo e inspirador.


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ANTIESTÁTICO

Eles são tantos que já deixámos de contá-los. Mais um skater de Olhão, da “dinastia” dos Relógios, frontcrooked do Tiago

fotografia João Mascarenhas


Recentemente o João Allen visitou a Rússia, onde encontrou o Putin. Pelo que sabemos, o Vladimir queria saber como se davam liplisdes com este estilo…

fotografia João Mascarenhas


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ANTIESTÁTICO

Esta é daquelas para a discussão, é um 5-0, é um ovni, é um tripeiro? Jorge Simões

fotografia Luís Moreira


Antigamente era a Maria que ia à fonte, nestes novos dias é o Adilson. E leva o skate com ele, ollie a subir para a fonte, logo antes de sair disparado no outro lado…

fotografia Luís Moreira


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ANTIESTÁTICO

Com este cabelo espampanante não admira que elas caiam que nem tordos, nem isso, nem que os seus backside lipslides pop-out tenham esta pinta... Telmo Gonçalves

fotografia Roskof


Numa idade em que a maior parte de nรณs ainda nรฃo sabe se hรก de ir para a esquerda ou para a direita, o Marcelo jรก sabe o seu caminho: para cima! Tranfer nosebone para a mini-rampa. Odivelas

fotografia Roskof


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fotografia Jo達o Mascarenhas modelos Catarina da Veiga Paulo Melim pop



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DEPOIS

Bryce Woven Wildlife Tee Maya Crew Fleece - Plum Jimmy Carlin Pro model JC01 - Black/Gray


Wildlife Tee Bryce Woven Zoodiac Tee


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DEPOIS

Eagle Tee Gateway Tee Fortress Tee


The VALEO - Inca Gold / Paloma The CRIP - Leopard Bone/White The TRANSIT - Mink / Regal Blue





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