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2002 – Marcelo da Silva Pereira

Marcelo da Silva Pereira

Foto: Thayná Oliveira

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Formou-se em 2003, após nove meses de greve. Uma disciplina obrigatória, nas palavras de Marcelo. Foi monitor e locutor da Rádio Alternativa, laboratório da disciplina Comunicação Alternativa, entre 1999 e 2001.Trabalhou como assessor de imprensa na Assembléia Legislativa de Campo Grande e atualmente é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMS.

“O que você se lembra da sua época de graduação? Existem duas coisas no Jornalismo: a primeira é a história e a segunda são as estórias. Das duas partes, passei por bastante delas, ou pelo menos por algumas marcantes. Com relação à história do Curso, o que me marcou muito foi a falta de estrutura. Fui um dos caras que não abandonou o curso. Eu terminei e continuei frequentando a UFMS. Um pouco antes também de entrar no curso, eu já frequentava a Universidade, não exatamente no Jornalismo. Mas depois que eu me formei, eu continuei vindo aqui. Tanto é que o pessoal falava que eu era do quinto ano. Na época, não era seriado por semestre, era por ano. Depois de um tempo, havia uma pós-graduação que eu acabei acompanhando. Apesar de não ter feito, eu acompanhava por outros motivos. Mantinha uma relação de amizade com os colegas. Esse tipo de coisa fortaleceu muito. A relação de amizade com as pessoas. Não que eu fizesse da Universidade um lugar para convívio social, mas naquela época esse convívio era mais facilitado. As turmas não eram divididas. As aulas eram todas juntos, exceto rádio e TV. Tirando essas duas disciplinas, por conta do laboratório, todos os alunos ficavam na mesma sala. Então fortalecia essa questão da turma. As pessoas adotavam camisetas como uniforme. O fato de ficar mais localizado em um bloco facilitava para as pessoas se conhecerem.

Então desde o primeiro ao quarto ano as pessoas se conheciam. E a coisa que mais me marcou no curso: foram os melhores anos da minha vida, sem sombra de dúvidas. Na graduação e até nesta história recente, acho que tive um período mais legal na minha vida. Não consigo dissociar da UFMS hoje, mesmo sendo mestrando aqui. Outra coisa que me marcou bastante foi a questão da rádio, porque era um negócio que estava parado. Os nossos veteranos tentaram tirar do papel. Mas o estágio, o mercado de trabalho, tinham mais vagas do que tem hoje, não que fosse mil maravilhas. Acadêmico que era bom no estágio, os caras contratavam como jornalista. Não importava se tinha ou não diploma. Tinha um monte de gente fazendo exercício ilegal da profissão. Lembrando que o curso era noturno e as pessoas trabalhavam de manhã e à tarde. Nesses turnos, tinha que tocar a rádio. O pessoal falou assim “vamos chamar os calouros”. Eu e o Éder Yanaguita fomos chamados pelo professor Márcio e pelo Edson Silva. Eles falaram assim “o que vocês acham de tocar a rádio? Tem uns veteranos que tocam, mas queremos que vocês fiquem”. E naquela época o assédio do mercado de trabalho existia. Para quem estava no segundo, primeiro ano, não era tão forte. Eles queriam levar a sério para oficializar a rádio, que é uma concessão, e ampliar o sinal para a cidade inteira e tal. Naquela época, não tinha FM Uniderp e nem UCDB. Fomos trabalhando para fazer isso. Montamos um projeto. Ele foi aprovado só em uma primeira parte porque é um projeto caro. Uma rádio é uma coisa cara, apesar de ser um veículo mais barato. Na época, a UFMS era uma pindaíba sucateada. Ninguém queria tocar uma rádio. Onde você vai colocar uma rádio aqui dentro? E aí conseguiram duas bolsas. Era uma bolsa milionária de R$ 248, dividida por dois. Era informal o negócio. Um mês eu recebia e passava a metade para o Éder, outro mês ele recebia e passava a metade para mim. Umas gambiarras loucas. E começamos a tocar a rádio. Vimos dentro do Jornalismo quem queria tocar a rádio com a gente. Não dava para preencher. Por que? Trazer o acadêmico de Jornalismo da noite para fazer programa de manhã era muito difícil. Tinha seis só que conseguiam vir de manhã aqui porque morava perto ou porque o pai trabalhava perto e pagava carona. À tarde já tinha um pouquinho mais, principalmente depois das três, porque o povo vinha para o programa cinco, seis horas e ficava direto para a aula.

Eu falei “professor Márcio, não dá para ficar tocando só com esse pessoal aqui e o Robson Ramos”, que era o professor de rádio da época. Para a rádio ficar no ar com programa, tinha que abrir para os outros cursos. O Licerre respondeu “Não pode, tem que ter alguém que oriente”. Bem, eu vou ficar meio período, o Éder vai ficar no período da tarde, então nós coordenávamos os trabalhos. Acadêmico de outro curso não podia mexer na mesa. Então, desde o começo, era o acadêmico de Jornalismo que mexia na mesa. O técnico de som falava “ó, o transmissor está alto”. E às vezes nem isso. A gente entrava na rádio e ele já saia pelo corredor, conversando. O primeiro curso que lembro que veio foi o de Física. Eles tinham um programa muito legal que tocava essencialmente rock e blues, que se chamava “Física Ótico”. Era um programa muito bem ouvido e vou explicar por quê.

Eles tocavam ao vivo?

Era. Só que eram dois caras. Um era o Sassá e o outro era o Buzi. O Buzi que traziam os caras para tocarem ao vivo. Eram dois programas da Física. Medicina tinha dois programas. Um era “Vísceras” e o outro eu não lembro o nome. Era onze horas o programa deles. Onze horas, meio dia, eram os horários que ninguém queria. Mas era o horário que dava para eles saírem do Hospital Universitário, virem para cá a pé tocar o programa de rádio. Chegavam os caras todos vestidos de branco, tocavam suas músicas, faziam seus comentários, davam dicas de saúde. Era muito legal. Alguns faziam entrevistas. Teve um pessoal de Letras com um programa à tarde que comentavam livros do vestibular. Davam dicas. Era muito bem trabalhado esse tipo de questão. A gente ajudava na produção. Tudo era muito artesanal porque a UFMS não tinha tanto computador. A rádio mesmo tinha um computador só. Quase não tinha CD. Só no segundo ano que o computador foi tocar mp3. O cabeamento da UFMS era fibra ótica, era muito rápido para a época, comparado com outros lugares. A gente usava o Napster para baixar música. Tinha o pessoal do “Mix Total”, que eram pessoas da minha turma e umas veteranas. Era um programa com notícias de variedades e música. Tinha um programa chamado “Chega Chipa”, que era antes do horário da aula, o último programa. Começava seis horas e acabava às sete, quando começava a aula. O “Chega Chipa” era essencialmente esportivo e algumas notícias vinculadas à cultura. Eu não vou puxar a sardinha para mim, mas já puxando, um dos programas mais marcantes, que na época todo mundo conhecia, era o “Já Basta”.

Fizemos um mutirão com o pessoal da exatas, porque eles tinham um projeto de ficar com um programa, mas ia dar briga entre duas turmas que queriam. Abrimos um terceiro horário. Ficaria com o horário quem consertasse as caixas de som. Além de consertarem as caixas de som, eles levantaram a antena da rádio. Aí começaram as nossas dores de cabeça. Teve gente que fez um flyer bem pequeno, que vinha lá, “apoio Rádio Alternativa 107,7, a rádio da UFMS”. Aquilo começou a ficar maior do que dávamos conta. Porque o sinal começou a pegar no Noroeste, no Nova Lima, no Itamaracá... Começou a ligar gente do Recanto dos Pássaros, Coophasul. A rádio começou a pegar em Campo Grande inteira e é óbvio, não vai ficar só o pessoal que escuta a Rádio Alternativa. Naquela época, não existia o search do rádio digital, o povo girava o “negocinho”. Tinha programa de MPB e os caras achavam que estava tocando a 104, que é a FM Educativa. Começou a dar interferência na 104. E quem que tinha a maior audiência, na época? A Rádio Ativa. Foi antes de ser Ativa Gospel, que era a 102,7. Eles falavam que estava entrando e tal. Em um evento até encontramos os caras e falamos que não estava entrando. A partir daí foi um passo para começar uma série de denúncias. Quando começou essa série de denúncias, era porque o transmissor estava transmitindo para além daquilo que era permitido. Queriam colocar regras nas rádios comunitárias, mas não era uma rádio comunitária, era uma rádio universitária. Mas não tinha no papel dizendo que era universitária, era só uma concessão de uma rádio educativa.

Essa rádio funcionava o dia inteiro nos corredores?

Ela funcionava nos corredores praticamente o dia inteiro. Sete da manhã o técnico chegava, ligava o som para tocar música. Oito horas eu entrava com o primeiro programa. Nove horas vinha o “Mix Total”. Era das nove às onze. Depois entrava o “Já Basta”. O técnico saía onze horas e eu ficava com a chave até meio dia, trancava o laboratório, e o Éder vinha depois. De meio dia até uma hora era só música que estava tocando. Quando era por volta das duas horas, o Éder entrava com o programa dele. E começavam outros programas da tarde até as dezenove horas. Alguns dias, se não me engano, tinha aula de rádio para algumas turmas. Tinha professor que dava aula ao vivo. O professor pegava o microfone e começava a dar aula com os alunos. O Robson Ramos totalmente louco.

Hoje, quando dou aula de rádio, fico impressionado como os alunos têm medo do ao vivo. O equipamento da época era muito rudimentar, tudo muito rústico. Eram dois decks de K7 e dois decks de CD. Depois, teve a

saída do computador. Só que era só saída, não dava para montar nada. No máximo você colocava uma playlist de mp3 e ficava play, pause, play, pause, abrindo o microfone e tal. Foi super legal. A gente fazia um trabalho em formatos que ninguém adotava, porque era alternativo e experimental. Mas era puramente jornalístico. Para mim, foi a maior contribuição. Hoje tem muita influência, mas é sempre perto de um padrão da massa. Aqui tinha muita liberdade para criar. O “Já Basta”, por exemplo, era um formato que eu nunca vi. Na época, criamos uma rede de contato com outras rádios universitárias de outros lugares do Brasil. Quando cresceu essa coisa de ampliar o sinal, foram os alunos mesmo, não foi professor. Pelo contrário, o Márcio Licerre, no começo, deu apoio, mas depois ele viu que o troço virou uma bola de neve e ele não aguentava mais segurar. Tomou uma proporção gigantesca, muito grande. Em 2000, foi a primeira vez moderna que o transmissor foi lacrado. E aí conversaram, dois, três dias depois, estava tudo normal. Abaixou a antena, colocamos dentro da regularidade. Mas não demorou muito, mesmo com a antena baixa, começou a interferir em outros bairros. As reclamações continuaram e a fiscalização em cima da gente. A rádio continuou e teve mais uma vez que, nessa época, já era Anatel, veio para lacrar de novo o aparelho. Só que, não sei porque, eles tinham feito dois transmissores, um conectado no outro, mas um não funcionava, e eles lacraram o que não funcionava. Vieram na hora do almoço, o técnico tinha saído, o Éder não tinha chegado, e eu não estava na rádio. E foi quando lacraram o transmissor mais uma vez. Só que aí foi simples, foi só tirar um cabo, colocar no outro e continuamos tocando a rádio. Antes disso, teve uma época que o transmissor, ficava no carro. A gente levava os cabos todos até o estacionamento, no carro de alguém. Se a Anatel chegasse, a gente saia correndo com o transmissor. Era muita loucura. Aliás, se isso acontecesse, eu não sei como seria. Os caras estão chegando, vamos sair correndo, solta os cabos. Era uma aventura. Tinha o seu lado maduro de fazer Jornalismo, um produto de boa qualidade. Mas, ao mesmo tempo, tinha uma inconsequência do tamanho do mundo. Depois dessa época, teve uma vez que o transmissor explodiu, no final de 2000, dentro da rádio. Eu cheguei e tinha pó de extintor de incêndio em cima da mesa, na parede onde ficava o transmissor. Pegou fogo mesmo. Aí sossegou um pouco, porque o curso não tinha dinheiro, e a rádio dava dor de cabeça.

A professora Daniela Ota contou que, quando ela veio para cá, em 2005, o laboratório estava fechado há anos.

Fazia uns três anos. Eu sei que, pelo menos os dois anos seguintes, pegaram a mesa de som e colocaram na sala que fica o Observatório de Mídia. Colocaram o transmissor lá com os microfones. Algumas aulas passaram a ser ali. Mas houve a troca de professor também. Deixou de ser o Robson Ramos e passou a ser a Márcia Chiad.

Quando a rádio acabou, foi por conta da explosão ou da Polícia Federal?

O que aconteceu foi o seguinte: a Polícia Federal veio, lacrou o transmissor e deslacramos e continuamos as transmissões. O dia que o transmissor explodiu, a rádio estava no ar à tarde normalmente. O que eu fiquei sabendo foi que tentaram consertar o transmissor. Era muito caro para consertar. E o curso de Jornalismo já tinha recebido notificação da Anatel. Essa foi a história que eu escutei e que não duvido que seja verdade. Porque eles chegaram a lacrar de fato. Só que quando eu estava no terceiro ano, já não funcionava mais a Rádio Alternativa. O Sílvio Granja e o Dejair eram técnicos, eles começaram a tocar algumas coisas só para manter no ar. E algum dia, quem sabe, vai ter a rádio universitária, alternativa, enfim, coisa que não se concretizou. Depois de um tempo, o Sílvio foi para outro departamento e o Dejair aposentou. Ficou sem técnico e só tinha a aula. Uma vez a Márcia Chiad estava dando aula e me chamou para auxiliar. Eu vi como estava tudo zoado. Ninguém entendia da mesa e ninguém mexia. Então acabou quando o transmissor explodiu e foi para o conserto. Quando voltou, foi lacrado, e aí acaba a rádio. É bem nebuloso.

Quem era o professor nessa época?

Em 2001, ainda era o Robson Ramos. Em 2002, eu acho que era a Márcia Chiad. Ela deve ter ficado até 2003. Agora não lembro quem veio depois dela. Em 2005, veio a Daniela Ota.

Como aluno, você participou bastante da Rádio Alternativa. Há algo desse período que você não esquece?

Tinha umas vinhetas sensacionais. A vinheta do “Já Basta” eu não esqueço. Até pouco tempo, eu tinha ela em mp3. Era um programa hiper

alternativo porque ele começava com: ”“Abraço para os mano, beijo para as mina, aí galera do xadrez, gatas da zona, gurizada da rua e excluídos em geral. Com vocês, mais um Já Basta.”

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