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O impacto psicológico da COVID-19 na doença oncológica
DR. PAULO SALAMANCA, MÉDICO ONCOLOGISTA E PRESIDENTE DO COLÉGIO DE ONCOLOGIA DA ORDEM DOS MÉDICOS DE ANGOLA, ABORDA O IMPACTO PSICOLÓGICO DA COVID-19 NOS PACIENTES DE FORO ONCOLÓGICO. UM ASPECTO TÃO IMPORTANTE QUANDO LUANDA FOI UMA DAS PROVÍNCIAS MAIS AFECTADAS PELA CERCA SANITÁRIA, O QUE DIFICULTOU A EQUIDADE DO TRATAMENTO AO DOENTE ONCOLÓGICO.
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Dr. Paulo Salamanca
Médico Oncologista, Presidente do Colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos de Angola
Tecnosaúde - Dr. Paulo Salamanca, antes de mais, explique-nos o que é a doença oncológica?
Paulo Salamanca - A doença oncológica, também chamada de cancro, câncer e neoplasia ou tumor maligno, na verdade, agrega um número vasto de diferentes doenças, que podem ter esta designação comum por terem algumas características semelhantes entre si, nomeadamente, um crescimento desordenado de células (“Proliferação Celular Anárquica”) e a capacidade de invadir órgãos vizinhos ou à distância (“Metastização”), pondo em risco a vida dos doentes.
Tecnosaúde - Entre 2004 e 2005, eram atendidos, pelo menos, 10 doentes ao dia, mas, em meados de 2020, já eram atendidos mais de 300 no Centro Nacional de Oncologia. Como é que a COVID-19 impactou os tratamentos oncológicos em Angola?
PS - A COVID-19 teve, tem e terá um impacto negativo na gestão das doenças crónicas não transmissíveis, nomeadamente, o tratamento oncológico, em Angola, tendo em conta as várias políticas implementadas e as restrições impostas no Estado de Emergência e, actualmente, no Estado de Calamidade, no combate à pandemia COVID-19, almejando a diminuição do risco de disseminação no nosso país. Penso que, antes da pandemia COVID-19, a orientação política no nosso país experimentava uma transferência de prioridades na gestão da saúde, sendo que alguns documentos instrutivos e reformas executadas pelo novo Governo foram desenvolvidos tendo como determinante o aumento exponencial das doenças crónicas não transmissíveis (tais como diabetes mellitus, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, doença renal ou cancro), que constituem causas importantes de morbimortalidade do povo angolano. Na era COVID-19, o nosso Executivo criou um sinergismo interministerial e desenvolveu políticas necessárias no combate à pandemia que tem devastado os sistemas de saúde, numa escala mundial, com impacto negativo na economia global. Entretanto, as consequências destas políticas, no nosso país, já se refletem de forma negativa na abordagem e gestão dos doentes oncológicos, nomeadamente, nos constrangimentos ao acesso dos tratamentos oncológicos: 1) a cerca sanitária em Luanda dificulta a equidade do tratamento ao doente oncológico, sendo a única Província com acesso a radioterapia ou a quimioterapia; 2) as novas exigências de importação dificultam o processo de abastecimento e reposição do armazenamento de fármacos e materiais médicos nas unidades hospitalares; 3) a redução da força de trabalho e as orientações para a população “ficar em casa” prejudicam o diagnóstico precoce dos novos casos e das recidivas tumorais; 4) a cerca sanitária em Luanda compromete o seguimento e a continuidade dos tratamentos aos doentes oncológicos de outras Províncias.
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Tecnosaúde - Segundo um artigo recente, publicado em 2019 (Miguel et al. Infectious Agents and Cancer), os cinco cancros mais comuns são cancro da mama, do colo do útero, da próstata, Linfoma não-Hodgkin e Sarcoma de Kaposi. Quais as complicações psicológicas mais presentes e agravadas pela pandemia nestes doentes?
PS - O diagnóstico de cancro acarreta o medo de morrer, apesar dos progressos da Oncologia, nos últimos anos, em que cerca de um terço dos casos de cancro nos adultos e mais de metade nas crianças podem ser, actualmente, curados. Os doentes oncológicos estão entre os grupos de risco acrescido para a infecção provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), pessoas mais velhas e com condições médicas pré-existentes (como o cancro) parecem estar em maior risco de desenvolver doença grave. Na era da pandemia COVID-19, as perturbações depressiva e ansiosa são frequentes nos doentes oncológicos e a tanatofobia pode estar presente em alguns casos, principalmente, nos doentes muito sintomáticos ou em fase terminal da doença.
Tecnosaúde - Os tratamentos anticancerígenos são, habitualmente, imunossupressores, deixando os indivíduos imunodeprimidos. Como é que conseguimos proteger estas pessoas, em termos psicológicos? Devem ficar em quarentena, durante toda a pandemia, de forma a protegerem-se?
PS - É impreterível um acompanhamento psicológico de todos os doentes oncológicos, em tempos de pandemia COVID-19. As consultas ou tratamentos a manter são definidos por cada instituição. Os doentes assintomáticos e sem história de contacto directo com uma pessoa infectada poderão continuar os tratamentos, contudo, deverão ter cuidados máximos de prevenção contra a infecção e o mínimo de tempo possível de permanência nos serviços de saúde. Evitar as deslocações desnecessárias ao hospital ajuda a reduzir o risco de infecção por SARS-CoV-2.
Tecnosaúde - Podemos afirmar que estamos na era da COVID-19. Como profissional de saúde, como é que lida com os seus pacientes?
PS - Continuo a seguir e a tratar os meus doentes com o mesmo profissionalismo, munido pelo uso regular de materiais de biossegurança e cumprindo, escrupulosamente, as medidas de prevenção, nomeadamente, manter uma distância de segurança das outras pessoas, limitando o contacto próximo, lavando frequentemente as mãos com água e sabão ou álcool gel e evitando tocar na cara.
Tecnosaúde - Como se lida com o medo em tempos de pandemia?
PS - O confinamento social em que nos encontramos, devido à pandemia COVID-19, é uma situação nova e causadora de stress para todos nós, no entanto, invoca a nossa responsabilidade individual e colectiva. Todos temos um papel a desempenhar e é importante estarmos atentos às recomendações das autoridades de saúde. Protegermo-nos individualmente é contribuir para uma proteção colectiva.
Tecnosaúde - Quais as principais dúvidas que a COVID-19 trouxe aos doentes oncológicos?
PS - A doença oncológica diminui a capacidade de resposta do sistema imunitário e a maioria dos tratamentos oncológicos causa imunossupressão. Consequentemente, os doentes oncológicos têm risco elevado de complicações da COVID-19. A grande dúvida é se os doentes com cancro são mais susceptíveis de desenvolver a infecção por SARS- CoV-2 do que a população em geral. Ainda não há evidência científica sustentada nesta matéria.
Tecnosaúde - Qual o papel da reabilitação psicológica/emocional no actual contexto?
PS - O doente oncológico, que já vive com os seus medos e ameaças reais do cancro e dos efeitos adversos das alternativas terapêuticas, tem sofrido um forte impacto psicossocial negativo da pandemia na sua saúde. O uso actual da tecnologia de consulta online por psicólogos e outros profissionais de saúde mental, no contexto da pandemia COVID-19, em conjunto com os estudos em curso, que avaliam o impacto psicossocial da COVID-19 em Angola, são importantes para recolher dados que permitam o desenvolvimento de estratégias de intervenção, que reduzam os impactos psicológicos negativos associados a este fenómeno.
Tecnosaúde - Como se pode acautelar, diariamente, as necessidades dos doentes em tratamento activo, dos que estão sob vigilância e a própria protecção de toda a equipa? PS - Houve uma redução da força de trabalho, mas foi acautelada a assistência dos doentes em tratamento activo. Aumentou-se o intervalo de tempo do seguimento dos doentes em vigilância e também em alguns subgrupos de doentes em tratamento hormonal com boa tolerância. A consulta de Rastreio foi suspensa temporariamente. Tem sido assegurado, diariamente, material de biossegurança a todos os profissionais de saúde escalados. O uso de máscara é obrigatório dentro e fora da instituição, de acordo com Decreto Presidencial. A lavagem das mãos com água e sabão e a triagem da temperatura corporal e dos principais sintomas da COVID-19 são realizadas a todas as pessoas que entram na instituição.
Tecnosaúde - Sob o seu ponto de vista, os doentes oncológicos deviam ter acompanhamento psicológico, especialmente nesta época?
PS - Como fiz menção anteriormente, o acompanhamento psicológico é indispensável.
Tecnosaúde - Quais os principais desafios vividos, actualmente, pela especialidade?
PS - A nossa especialidade terá que adoptar novas estratégias no domínio da prevenção, diagnóstico, tratamento curativo e paliativo e seguimento dos doentes, para minimizar o impacto económico negativo da pandemia COVID-19, de modo a salvaguardar, no futuro, o bem-estar e a qualidade de vida dos doentes com cancro em Angola. Uma das múltiplas consequências da pandemia COVID-19 foi a suspensão dos rastreios de base populacional, que estavam em curso em vários países. Neste contexto, tem sido abordado o cancro do colo do útero, destacando-se que, no pós-epidemia, o foco deverão ser as mulheres de alto risco e a procura de estratégias custo-efectivas. Os principais grupos internacionais em Oncologia já elaboraram várias normas de orientação das doenças oncológicas na era COVID-19 e, nós, internamente, também teremos de fazê-lo com visão generalista, actualizada e realista, para contribuir, desta forma, para a melhoria dos cuidados de saúde da comunidade e priorizar as principais necessidades dos doentes oncológicos.