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Um pesadelo no sono chamado insónia

O DESCANSO PELA VIA DO SONO É UMA FERRAMENTA ESSENCIAL À MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA. DIRECTAMENTE RELACIONADO COM O BOM FUNCIONAMENTO DO ORGANISMO, O SONO É O RECARREGAR DE BATERIAS PARA QUE POSSA DESEMPENHAR TODAS AS FUNÇÕES DO DIA-A-DIA COM CAPACIDADE E EFICIÊNCIA.

Dr. João Almeida

Consultor Farmacêutico na Tecnosaúde

Mas porque é que é tão importante dormir? A realização com qualidade das tarefas diárias depende, efectivamente, de um bom descanso. No entanto, o sono tem um papel mais pronunciado na vida, nomeadamente, na saúde cognitiva, emocional e psicológica (1). Facilmente, apercebe-se da sua influência aquando de uma noite mal dormida, onde competências como a paciência, compreensão, capacidade de raciocínio e estado de alerta estão, manifestamente, condicionadas. Por outro lado, existe evidência dentro da comunidade científica para

a correlação entre a má qualidade de sono e o aparecimento de determinadas patologias (2,3), como são exemplos a diabetes mellitus tipo 2, a hipertensão arterial, os acidentes vasculares cerebrais (AVCs), as demências, o cancro e o aumento do risco de morte precoce.

“São quase horas de me levantar e ainda não consegui fechar os olhos”

Uma incapacidade de induzir o sono poderá levar a um sentimento de frustração pessoal em saber que o tempo passou, mas o descanso não foi suficiente. Dá-se, assim, o aparecimento de um grande “pesadelo”: insónias. Passar uma noite em branco, ou seja, um descanso nocturno insuficiente, é algo que se experiencia frequentemente. Ocasionalmente, não representa um perigo, mas, diariamente, constitui uma grande ameaça (4).

A insónia é a perturbação do sono mais frequente (5), representando a dificuldade em adormecer e a incapacidade de manter um sono ininterrupto (sem acordar frequentemente durante a noite). A insónia promove, igualmente, um despertar precoce.

Na origem da insónia poderão estar diversos factores que terão impacto, de forma significativa, na saúde do sono, nomeadamente, a alteração da rotina, onde a pessoa se deita mais cedo do que o habitual e, por esse motivo, não consegue induzir o sono ou, também, por ter acordado fora da hora habitual. O estado emocional é outro factor importante que condiciona o sono: a perda de alguém próximo, estados de ansiedade e/ou depressão são exemplos de limitações que fragilizam o estado emocional, promovendo a redução da qualidade do sono. De igual modo, o hábito de pensar em demasia ou reflectir acerca dos problemas do trabalho e do quotidiano na cama predispõe, geralmente, a uma situação de stress e, posteriormente, à incapacidade na manutenção de um sono nocturno.

Como causa de insónia estão também determinados medicamentos, como é o caso de antidepressivos (6), medicamentos estimulantes, corticosteroides e outros que interactuam directa ou indirectamente com o sistema nervoso. O abuso de bebidas estimulantes, que apresentem elevado teor de cafeína ou outros estimulantes, a nicotina presente no tabaco e o álcool são factores com elevada influência no padrão do sono.

“Sinto-me tão cansado, preciso de dormir uma semana inteira!”

Numa fase inicial, é suportável a falta de descanso, sendo compatível trabalhar eficientemente com poucas horas de sono. Mas, com a acumulação de noites mal dormidas, o quadro sintomatológico evidencia-se com a falta de energia, logo pela manhã, sonolência moderada a intensa, falta de compreensão, irritabilidade e dificuldade de concentração (6). O dia torna-se longo, acompanhado por dores de cabeça cada vez mais frequentes, assim como pela falta de apetite. LOCKLEY et al. (7) demonstrou-o, num estudo realizado em internos de medicina, onde um grupo com horário tradicional (elevada carga horária e reduzido tempo de sono) apresentou uma taxa de erros de atenção superior ao dobro, comparativamente ao grupo com horário reduzido (baixa carga horária e acrescido tempo de sono).

Os erros em executar tarefas simples tornam-se cada vez mais recorrentes, promovendo a frustração. Esta mesma frustração está, em muitos casos, relacionada com o início de um ciclo vicioso: “será que conseguirei dormir logo à noite?”. Este medo de continuar num ciclo de descanso insuficiente e de noites em branco torna a situação mais grave e caracteriza-se como um momento de alerta, onde deverão ser tomadas medidas de modo a que o regresso à normalidade seja o mais breve possível.

NUMA FASE INICIAL, É SUPORTÁVEL A FALTA DE DESCANSO, SENDO COMPATÍVEL TRABALHAR EFICIENTEMENTE COM POUCAS HORAS DE SONO. MAS, COM A ACUMULAÇÃO DE NOITES MAL DORMIDAS, O QUADRO SINTOMATOLÓGICO EVIDENCIA-SE COM A FALTA DE ENERGIA, LOGO PELA MANHÃ, SONOLÊNCIA MODERADA A INTENSA, FALTA DE COMPREENSÃO, IRRITABILIDADE E DIFICULDADE DE CONCENTRAÇÃO

Ultrapassar este pesadelo Numa acção cuidada e vigilante da saúde está, em primeiro lugar, a atenção dada aos pequenos sinais de situações atípicas que vão aparecendo no nosso dia-a-dia. Perceber que uma ou outra noite mal dormida não impactará negativamente o organismo, mas, ao mesmo tempo, estar alerta que a recorrência destes episódios não é normal e que, por esse motivo, dever-se-á procurar medidas gerais de higiene do sono, nomeadamente:

• Criar uma rotina no hábito de sono, procurar ter um horário regular para ir dormir e para acordar no dia seguinte (incluindo fins-de-semana);

• Procurar ir para a cama apenas quando se tem sono; se demorar algum tempo a adormecer, deverá levantar-se e realizar alguma tarefa relaxante, até voltar a sentir sono (ex: leitura de um livro). Adormecendo tarde, deverá manter a hora de despertar, para que não haja alteração da rotina de sono;

• Evitar realizar sestas durante o dia, pois estas impedem a alternância regular entre sono e vigília;

• Evitar a ingestão de substâncias excitantes, como a cafeína (presente no café, chá preto, chá verde e em certas bebidas refrescantes), nicotina e bebidas alcoólicas;

• Procurar refeições leves e pobres em gorduras, no período da noite, para uma fácil digestão;

• Potenciar o ambiente de descanso, diminuindo a luz e ruído que entram no quarto;

• Procurar bons hábitos de pré-sono: tomar um banho quente, beber um chá de valeriana e camomila (ajudam a tranquilizar), evitar falar ao telefone e estar com dispositivos digitais (telemóveis, tablets, computador) antes de dormir.

É possível continuar sem conseguir descansar, mesmo procurando realizar todas as medidas de higiene de sono anteriormente referidas. Em certos casos, a gravidade do problema poderá ser de uma ordem de grandeza onde já será necessária ajuda profissional e especializada. Neste âmbito, existem medicamentos com mecanismos de acção que potenciam a indução do sono, nomeadamente, os medicamentos sedativos, ansiolíticos ou hipnóticos. Na toma devida e correcta destes medicamentos, a actividade geral do cérebro é diminuída, promovendo o sono. No entanto, estes medicamentos apresentam, como efeitos secundários, a tolerância ou sentido de habituação (6), que se traduz pela crescente necessidade de aumento da dose, de modo a obter-se o mesmo efeito. Para além deste efeito, acrescenta-se a dependência que alguns destes medicamentos exercem na pessoa, caso esta não os tome devidamente.

A automedicação é uma prática que acarreta um elevado risco. MONTASTRUC et al. (8) demonstraram que existe um risco evidente na prática de automedicação em medicamentos sujeitos e não-sujeitos a receita/prescrição médica que são reutilizados. Adicionalmente, concluíram que os efeitos adversos relacionados com a automedicação podem ser graves.

Referências Bibliográficas (Segundo NP405):

(1) ELLENBOGEN, J. M. - Cognitive benefits of sleep and their loss due to sleep deprivation. Neurology Apr. Vol. 64. n.º 7 (2005). p. 25-27.

(2) KRUEGER, J. M., FRANK, M. G., WISOR, J. P., ROY S. - Sleep function: Toward elucidating an enigma. Sleep Med Rev. Vol. 28 (2016). p. 46-54.

(3) CAPPUCCIO, F. P., COOPER, D., D’ELIA, L., STRAZZULLO, P., & MILLER, M. A. - Sleep duration predicts cardiovascular outcomes: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. Eur Heart J. Vol 32. n.º12 (2011). p. 484–1492.

(4) OHAYON M. M. - Epidemiology of insomnia: what we know and what we still need to learn. Sleep Med Rev. Vol. 6. n.º 2 (2002). p. 97-111.

(5) BURMAN D. - Sleep Disorders: Insomnia. FP Essent. Vol. 460. (2017). p. 22–28.

(6) EVERITT, H., BALDWIN, D. S., STUART, B., LIPINSKA, G., MAYERS, A., MALIZIA, A. L., MANSON, C. C., & WILSON, S. - Antidepressants for insomnia in adults. The Cochrane Database Syst Rev. Vol. 5 n.º5 ( 2018).

(7) LOCKLEY, S. W., CRONIN, J. W., EVANS, E. E., CADE, B. E., LEE, C. J., LANDRIGAN, C. P., ROTHSCHILD, J. M., KATZ, J. T., LILLY, C. M., STONE, P. H., AESCHBACH, D., CZEISLER, C. A., & HARVARD WORK HOURS, HEALTH AND SAFETY GROUP - Effect of reducing interns’ weekly work hours on sleep and attentional failures. N Engl J Med. Vol. 351. n.º 18 (2004). p. 1829–1837.

(8) MONTASTRUC, J. L., BONDON-GUITTON, E., ABADIE, D., LACROIX, I., BERRENI, A., PUGNET, G., DURRIEU, G., SAILLER, L., GIROUD, J. P., DAMASE-MICHEL, C., & MONTASTRUC, F. - Pharmacovigilance, risks and adverse effects of self-medication. Therapie. Vol. 71. n.º 2 (2016). p. 257–262.

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