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Encarar a infertilidade em tempos de pandemia
DESDE O PRINCÍPIO DO ANO QUE VIVEMOS UM PERÍODO CONTURBADO, ENVOLTO EM PREOCUPAÇÕES, STRESS E INCERTEZAS, TUDO ISTO FRUTO DA PANDEMIA PROVOCADA PELO VÍRUS SARS-COV-2, QUE, ALÉM DA CRISE SANITÁRIA, ORIGINOU UMA CRISE ECONÓMICA E SOCIAL SEM PRECEDENTES. CERTAMENTE QUE TEREMOS UMA ERA A.C (ANTES COVID-19) E D.C (DEPOIS COVID-19), COM INDIVÍDUOS MAIS AFECTADOS, DIRECTA OU INDIRECTAMENTE, PELA PANDEMIA. UM EXEMPLO DISSO SÃO OS CASAIS COM DIFICULDADES EM ENGRAVIDAR, QUE SE ENCONTRAVAM EM FASE DE TRATAMENTOS DURANTE ESTE PERÍODO. PARA PERCEBERMOS UM POUCO MELHOR SOBRE ESTA PROBLEMÁTICA, CONVIDÁMOS O DR. EMANUEL KANGA, MÉDICO ESPECIALISTA EM MEDICINA REPRODUTIVA NO MOUNT SINAI HOSPITAL, DEPARTAMENTO DE OBSTETRÍCIA E GINECOLOGIA, UNIVERSITY OF TORONTO HOSPITAL, A RESPONDER A ALGUMAS QUESTÕES.
Tecnosaúde - Dr. Emanuel Kanga, em primeiro lugar, é importante esclarecermos, o que é a infertilidade?
Emanuel Kanga - Infertilidade é a incapacidade de engravidar, após 12 meses de relações sexuais regulares, sem métodos contraceptivos. Se a mulher tem mais de 35 anos, o prazo para a realização do diagnóstico cai para seis meses de tentativas.
Tecnosaúde - Com a actual pandemia, muitas consultas passaram a ser em modo de teleconsulta. O acompanhamento das consultas de fertilidade pode ser feito do mesmo modo? Qual a sua opinião?
EK - Hoje, com a evolução da tecnologia, já temos realizado teleconsultas, sobretudo, nas primeiras consultas, onde o especialista fala com o casal e, através de uma entrevista exaustiva sobre o historial clínico (patologias, cirurgias), hábitos de vida (stress, alimentação, medicação) e actividade sexual, bem como da análise de exames médicos prévios, traça o historial de ambos os elementos. Já fazíamos acompanhamento de fertilidade em modo de teleconsulta mesmo antes da pandemia, porque temos doentes em várias partes do globo. Neste momento, apenas aumentou o número de consultas. Vale aqui lembrar que há um exame importantíssimo para uma boa orientação do diagnóstico, que é a ecografia endovaginal, e este só pode ser feito presencialmente.
Tecnosaúde - A expansão do novo coronavírus tem deixado muitas mulheres e casais, que têm problemas de fertilidade e que estão em tratamento, perante a incerteza do que fazer neste momento. Qual o melhor conselho a dar a estas mulheres e casais?
EK - A pandemia do coronavírus parece ter congelado o tempo e a vida de milhares de pessoas ao redor do mundo. Os casais com problemas de infertilidade e com
processo de fertilização in vitro em curso viram os seus sonhos adiados. Uma paciente minha, durante a consulta, disse que “quando soube que a pandemia suspenderia o meu processo de reprodução assistida, tive certeza que, ali, tinha acabado a minha oportunidade de engravidar. Eu não estava morta por um coronavírus, mas, de certa forma, mataram-me. Mataram o meu sonho de ser mãe”. O meu conselho a estes casais é que tudo tem o seu tempo e, com a evolução da ciência, hoje, tudo tem uma solução.
Tecnosaúde - Como médico especialista em medicina reprodutiva, e a trabalhar num centro especializado no estrangeiro, que medidas é que a sua instituição tomou que julgue convenientes partilhar?
EK - Entre os cidadãos que sofrem com o momento estão os casais com dificuldades para engravidar, que procuravam algum tratamento ou a reprodução assistida e, em razão da pandemia, tiveram que cancelar ou adiar esse sonho. Em paralelo a isso, temos a questão da idade fértil da mulher, que pode interferir no resultado do tratamento. Por isso, a instituição onde trabalho organizou teleconsultas grátis, uma vez por mês, por cada casal, com um médico especialista, e duas vezes por mês têm consulta com psicólogos, que fazem parte da nossa equipa. Este plano tem dado resultados muito satisfatórios, no que diz respeito a controlar a ansiedade dos casais que aguardam o processo de fertilização in vitro.
Tecnosaúde - No seu ponto de vista, o medo que a pandemia pode trazer, o stress associado à mesma, entre outros, são factores agravantes para o insucesso da gravidez? EK - Sim, quadros emocionais confusos podem influenciar o período menstrual, portanto, todas as mulheres que estão a tentar engravidar devem prestar atenção às condições que geram stress nas suas vidas, para que possam “preparar o terreno” para uma gestação saudável e harmónica. Alguns factores emocionais e ambientais são conhecidos por terem o poder de modificar algumas reacções fisiológicas, como no caso das mulheres esquimós, que deixam de menstruar e ovular durante os longos e escuros invernos, ou de jovens mulheres que apresentam distúrbios no ciclo menstrual após experiências negativas, como o término de um relacionamento. Quando se trata da FIV (fertilização in vitro), podemos assegurar que o stress desempenha um papel menor, já que a indução da ovulação é feita através de medicamentos.
Tecnosaúde - Embora os dados até agora conseguidos obter, relativamente ao efeito do vírus sobre a gravidez, isto é, a transmissão vertical, tenham sido positivos, muitos centros de medicina reprodutiva, hospitais e clínicas decidiram suspender os tratamentos durante esta pandemia. Como é que deve ser feita a abordagem aos casais, nesta fase que, por si só, é delicada?
EK - Com a pandemia do coronavírus, o mundo generalizou o uso da teleconsulta, no seguimento da luta contra a disseminação da doença. Esse recurso é uma importante medida para obter orientações médicas, sem precisar sair de casa. Um elemento fundamental para uma boa abordagem aos doentes é o diálogo entre médico e casal e, nesta fase, já por si delicada, deve existir, por meio de teleconsulta, uma conversa séria e construtiva para minimizar o impacto negativo na vida dos casais.