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“A PROBLEMÁTICA DA TUBERCULOSE MULTIRRESISTENTE EM ANGOLA TEM SIDO OBSERVADA COM ALGUMA PREOCUPAÇÃO”

O. DR. DAMIÃO ANTÓNIO DEBRUÇA-SE SOBRE A TEMÁTICA DA TUBERCULOSE EM ANGOLA, PATOLOGIA QUE É A TERCEIRA CAUSA DE ÓBITO NO PAÍS. QUAIS OS SEUS SINTOMAS, COMO OCORRE A SUA TRANSMISSÃO, COMO É FEITO O TRATAMENTO E QUAL O PAPEL DO MÉDICO SÃO ALGUMAS DAS QUESTÕES ABORDADAS.

Oque é a tuberculose e como ocorre a sua transmissão?

A tuberculose é uma doença infectocontagiosa, crónica, previsível e curável, com um período de latência prolongado, causada pelo Mycobacterium tuberculosis. Pode acometer qualquer órgão, principalmente os pulmões. Sabendo que a tuberculose pulmonar é a mais frequente, a doença transmite-se de uma pessoa doente, pela tosse, espirro ou fala, expelindo aerossóis contaminados.

Qual é a apresentação clínica desta patologia?

A apresentação clínica da tuberculose está dependente do órgão acometido. Sabendo que a tuberculose pulmonar é a forma mais frequente, o paciente pode apresentar tosse com expectoração, suores nocturnos, febre vespertina, perda de peso, hemoptise, podendo também apresentar anorexia, astenia e dispneia por mais de duas semanas de evolução. Quanto à tuberculose extrapulmonar, está dependente do órgão acometido.

Qual é o plano terapêutico recomendado para a tuberculose em Angola? E quais são os principais efeitos adversos da terapêutica?

O plano terapêutico recomendado para tuberculose em Angola está baseado no facto de tratar-se de tuberculose sensível (pulmonar ou extrapulmonar) ou multidroga resistente e se acomete crianças ou adultos. Nesta perspectiva, o plano recomendado é

“O PAPEL DO MÉDICO CONSISTE NO FACTO DE SER UM DOS PRINCIPAIS INTERVENIENTES NO DIAGNÓSTICO

E SEGUIMENTO DO PACIENTE, EXPLICANDO O CONCEITO DA DOENÇA, A IMPORTÂNCIA DA TOMA REGULAR DOS MEDICAMENTOS, A FORMA DE TRANSMISSÃO, O TEMPO DE TRATAMENTO, OS PRINCIPAIS FACTORES DE RISCO, AS CONSEQUÊNCIAS DA NÃO ADESÃO À TERAPÊUTICA, POSSÍVEIS COMPLICAÇÕES E EFEITOS ADVERSOS” a)Esquema de tratamento de tuberculose multidroga resistente em crianças menores de 6 anos e menores de 30 quilogramas: na fase intensiva (quatro a seis meses), Delamanid, Levofloxacina, Linezolide, Clofazimina, Cicloserina, Pirazinamida e, na fase de manutenção (cinco meses), Levofloxacina, Linezolida, Clofazimina, Cicloserina, Pirazinamida, totalizando 11 meses de tratamento. b) Esquema de tratamento de tuberculose multidroga resistente em adultos e crianças maiores de 6 anos e maiores de 30 quilogramas: na fase intensiva (quatro a seis meses), Bedaquilina, Levofloxacina, Linezolide, Clofazimina, Cicloserina, Pirazinamida e, na fase de manutenção (cinco meses), Levofloxacina, Linezolide, Clofazimina, Cicloserina, Pirazinamida, totalizando 11 meses de tratamento.

• Esquema de tratamento de tuberculose pulmonar sensível em crianças menores de 5 anos e menores de 25 quilogramas: composto R75H50Z150 e E100 (fase intensiva), durante dois meses, e composto R75H50 (fase de manutenção), durante quatro meses, totalizando seis meses de tratamento, estando em dependência do peso do paciente.

• Esquema de tratamento de tuberculose pulmonar sensível em adultos e maiores de 5 anos com peso acima de 25 quilogramas: composto R150H75Z400E275 (fase intensiva), durante dois meses, e composto R150H75 (fase de manutenção), durante quatro meses, totalizando seis meses de tratamento, estando em dependência do peso do paciente.

• Esquema de tratamento de tuberculose extrapulmonar: tuberculose osteoarticular e meníngea com 12 meses de tratamento; tuberculose pericárdica e pleural com 10 meses de tratamento; tuberculose ganglionar, peritoneal, oftálmica, génito-urinária (feminino ou masculino), renal, miliar, laríngea, totalizando seis meses de tratamento.

Os principais efeitos adversos da terapêutica são polineuropatia periférica, hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, neurite óptica, náuseas e vómitos.

A principal dificuldade para a cura de um paciente com tuberculose é a falta de adesão à terapêutica. Qual é o papel do médico neste acompanhamento?

O papel do médico consiste no facto de ser um dos principais intervenientes no diagnóstico e seguimento do paciente, explicando o conceito da doença, a importância da toma regular dos medicamentos, a forma de transmissão, o tempo de tratamento, os principais factores de risco, as consequências da não adesão à terapêutica, possíveis complicações e efeitos adversos.

O acesso aos medicamentos antituberculostáticos é uma preocupação, a nível do país?

Pensamos que não, pois é responsabilidade do Estado angolano a aquisição de 60% dos medicamentos antituberculostáticos e os restantes 40% do Fundo Global. Não obstante, neste processo, pode haver alguns constrangimentos que estão a ser colmatados com compras agrupadas por parte do Ministério da Saúde.

Como se tem observado a multirresistência da tuberculose em Angola?

A problemática da tuberculose multirresistente em Angola tem sido observada com alguma preocupação, pois, com a pandemia de Covid-19, muitos pacientes, devido aos sucessivos confinamentos, não se fizeram presentes nas unidades de saúde, a fim de levantarem, de forma regular, os seus medicamentos, favorecendo a toma irregular dos mesmos, o abandono do tratamento e, consequentemente, o aumento exponencial dos casos de tuberculose multirresistente.

Como se deve iniciar o tratamento em pacientes com diagnóstico de co-infecção Tuberculose-VIH?

O início do tratamento em pacientes com diagnóstico de co-infecção Tuberculose-VIH depende de alguns factores. Se o paciente for diagnosticado com tuberculose e VIH ao mesmo tempo, deve iniciar o tratamento da tuberculose e, 15 dias depois, o tratamento para o VIH. Se o paciente for seropositivo para o VIH (já estiver em tratamento), e for diagnosticado com tuberculose, deve continuar com o tratamento para o VIH e iniciar o tratamento para a tuberculose.

Como deverá ser feito o acompanhamento domiciliar de doentes com tuberculose?

O acompanhamento domiciliar de doentes com tuberculose deve ser feito, em primeiro lugar, na unidade de saúde próxima da sua residência, com o propósito de se cumprir com o DOT comunitário e evitar os abandonos. Deve-se também orientar o paciente para o uso de máscaras, estar num quarto isolado dos demais membros da família e fazer o rastreio dos contactos.

Na sua experiência, quais são os principais desafios no combate à tuberculose em Angola?

Os principais desafios no combate à tuberculose em Angola são o estigma e preconceito, principalmente, dos profissionais de saúde. Deveria também haver mais envolvimento político, sabendo que se trata da terceira causa de óbito em Angola.

Importa ainda fazer um maior trabalho nas determinantes de saúde, como a pobreza, alimentação saudável, combate ao consumo de tabaco, álcool e drogas, controlo das doenças crónicas não transmissíveis, como a diabetes, cancro e insuficiência renal, e das doenças crónicas transmissíveis, como o VIH. Também deverá ser dada maior atenção às doenças respiratórias ocupacionais e à tuberculose na população prisional, policial, militares e igrejas.

Deveriam ser criados laboratórios de baciloscopia e biologia molecular em todos os municípios do país e de cultura em cada província ou região e promovido o abastecimento regular de medicamentos, reagentes e insumos. Por último, mas não menos importante, é necessária uma melhor qualidade de ensino, investigação e supervisão, um maior investimento na atenção primária, melhorar a informação, comunicação e educação e um maior envolvimento da sociedade civil e outros departamentos ministeriais.

Que importância tem a inauguração do novo Hospitalar Cardiovascular Cardeal Dom Alexandre do Nascimento no combate à tuberculose em Angola?

A inauguração do novo Hospitalar Cardiovascular Cardeal Dom Alexandre do Nascimento vem dar resposta à resolução de várias complicações com critérios cirúrgicos da tuberculose que tem surgido, tais como hemoptises, a repetição por aspergiloma, bronquiectasias, empiema, pneumotórax e bulas infectadas.

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