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Os últimos a saberem
O
último berem...
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Teus olhos cheios de ardores Aninham rosas nas faces... Que seria dessas flores, Responde, se não chorasse? Boêmias, Auta de Souza
— J á não posso escutar essa modinha novamente! Nego Firmino, tu não sabes lá tocar outra coisa que Madalena Theresa? – disse uns dos estudantes da Academia de Direito que frequentava a taberna Afogamágoa. Abraçado ao seu violão, Nego Firmino desatava a chorar quando alguém pedia para ele não tocar a tal música. — Vassuncê num sabe como dói um coração partido!!! – reclamava. Firmino era escravizado de José Rodrigues de Souza, um português imigrante, mais conhecido como Zé Batista. Proprietário de uma animada taberna frequentada por estudantes e soldados na Rua da Esperança. 4 Funcionava na frente de uma casa térrea, com três portas de madeira. Dois barris decoravam a entrada dando às boas-vindas etílicas aos prezados fregueses.
4 Hojedesaparecida, ficavanaregiãodaSé.
— Olha meu amigo, não aguento esse chororô do Zé e do Firmino. Desde que as suas esposas os abandonaram parecem que os homens não têm viço para correr atrás de outras saias! – comentou um estudante com o seu colega. — Cá entre nós, esses dois são o que podemos denominar de “cornos eternos”, pois o amigo veja só: há quantos anos as mulheres já partiram? — Parece que “todos”, pois eu mesmo não as conheci. — Eles estão é a perder tempo! Pobres homens... – concluiu o colega. Madalena e Theresa eram os nomes das esposas de Zé Batista e Nego Firmino, respectivamente. Elas trabalhavam atendendo o balcão do estabelecimento, muita gente passava por ali, principalmente vindo de fora, como os tropeiros. Cansadas daquela vida de aturar bêbados, fumo, boemia, e outras mais chateações, resolveram partir ambas com dois forasteiros. Foi numa noite de lua cheia que a fuga aconteceu. Manoel Rodrigues de Souza era soldado. Homem calmo e correto. Falava sempre ao irmão para mudar de ramo. A taberna estava sempre a causar confusão em suas vidas. Até a mulher o tinha abandonado. E toda vez que algo grave acontecia, lá ia Manoel resolver a bronca com o seu superior. Passou cada “abacaxi” por causa do irmão! Desde a fuga das esposas, Zé Batista e Nego Firmino tornaram-se amigos de “copos”, bebiam para “afogar as mágoas”, que danadas nunca morriam, só cresciam. Ambos eram eternos apaixonados, não tinham vergonha de expor os seus sentimentos. Amavam as suas esposas!
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Manoel e os acadêmicos tentaram em vão arranjar outras “opções”, mas eles não aceitavam. Parece que todo aquele sofrimento fazia o Firmino cantar mais bonito com o seu vozeirão. Ele cantava e tocava violão, enquanto o Zé tocava guitarra portuguesa. As canções românticas eram todas bemvindas. E o público apreciava. O que não aguentavam mais era quando o Nego Firmino punha-se a cantar a modinha Madalena Theresa, de sua autoria.
Madalena, Madalena Volta, volta arrependida Te recebo, oh morena, Amor da minha vida
Theresa, Therezinha, Sem vanssucê vivo tão só De minha alma tenha peninha Do meu coração tenha dó...
E seguia a cantilena melosa. E os habitues se fartavam de rir já em alto grau etílico, zombando de dois corações partidos! — Já falei ao Zé para parar com isso. As “galhadas” dos dois já são famosas nesta São Paulo. Daqui a pouco vira matéria da Academia! – comentou o soldado Manoel com um tropeiro. E o coitado do Manoel era quem recolhia o irmão e o Firmino quando os encontrava caídos pelas ruas. — Quantas vergonhas me fazem passar, homessa!
Certa tarde, na Cadeia, Manoel foi chamado pelo capitão. Ele deu um recado intimidador: se caso encontrasse o mano embriagado caído pelas vias públicas, o levaria preso e ainda receberia um processo. — Oh, senhor capitão, não faças nenhum mal ao Zé. Ele anda muito triste. Sabes lá como são os assuntos do coração! Ele nunca mais causará perturbações, eu dou a minha palavra. Nesta vida somos só nós dois e Jesus por nós! O militar deixou o seu posto e voltou para sua casa na Rua da Esperança. Sentia uma forte dor no peito. Já era noite quando se aproximou e escutou um barulho de batidas de batuque! Vinham da taberna. Ele empurrou as portas, estavam fechadas. — Mas o Zé perdeu o juizinho? Batuques são proibidos. É hoje que ele vai preso de vez! – e sentia cada vez mais falta de ar. — Zé, ô Zé... Abras as portas, meu irmão! E nada. Manoel começou jogar pedras da rua, o barulho cessou. Zé Batista abriu a fresta e viu o irmão. Ele estava sem camisa e casaco, descabelado e de joelhos. — Manoel! Manoel! O que tu tens? Manoel! As pessoas começaram a sair da taberna. Correram todos para socorrer o soldado. Conseguiram uma padiola e rumaram para o Hospital de Caridade. Sem médico àquela hora da noite, Manoel faleceu. O Zé e o Firmino se entreolharam e perguntaram:
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— E agora quem cuidará de nós? E começaram a prantear. Foi preciso esperar o dia amanhecer, pois um doutor precisava atestar a causa da morte e um padre necessitava encomendar o defunto-soldado. O enterro de Manoel aconteceu no começo de 1858 no cemitério da Santa Casa. Muitas pessoas vieram dar o último adeus. A situação era triste e ao mesmo tempo engraçada, Zé Batista e Nego Firmino tornaram-se duas figuras populares na cidade. Não faziam mal a ninguém. João Coveiro depois do sepultamento chegou perto de Zé Batista e perguntou-lhe: — Ô seu portugueis, purqui é qui o sinhô tá sempre a chorá? Si é purcausa di muié é bão pará. — O Seu João, sabes lá o que é? É que não me conformo que fui o último a saber da partida da minha Madalena... Uma traição dessa dói demais! Ô seu João, faz o favor de abrir essa cova e me enterrar também. Até o Manoel me deixou... — Pelu amô di Jesuis Cristo, issu num é atitudi di homi! Pra que fui preguntá??? – falou João Coveiro.