Ethos seco

Page 1

Ethos Seco Caio Fernandes


Não sei o que é ser poeta, e não sei de qualquer outra coisa, apenas os frutos dos meus sentidos falhos. Aqui trago algo que chamam de poesia, trago o Ethos Seco, a crítica da prática do que é ético, da ética pós-moderna manipulada da qual somos vítimas. Ao mesmo tempo o “ser eu” do qual quero me libertar. Lanço nessas palavras a visão macroscópica endógena, uma ontologia do meu próprio universo. Dialeticamente minha visão, a não linearidade linear em órbita introspectiva.


Ethos seco Não tenho fé No sangue derrotado Das batalhas perdidas e vencidas Por uma consciência morta Fruto do fascínio narcísico. Tenho fé nas supernovas Progenitoras do carbono No DNA e do cálcio nos ossos No fogo da terra Em que se aqueceu a água Útero da vida. A espera das figuras aladas Ao lado morre o próximo Pela fome cativa A espera do Lumiar inalcançável do capital A verdade empobrece Em devaneios. Consequência da ordem Desordenada Em busca do brio equilíbrio Escondido na sombra das demandas mudas Da margem mercante. Firmados no Placebo idealista terreno No ethos seco No todo indivíduo Pobre e cego Em luta de classe.


Dessemelhantes ao caos Vejo o deus estelar livre, senhor da luz dos pulsares galácticos do canto do colibri, do assum da célula, embrião, do sexo pagão à fusão de galáxias. Existe pelo fato do nada existir. Em singularidade rege a ordem da desordem, o caos ordinário do mundo. Tudo, todo o plural fora o homem, seu próprio deus. Sob a imagem, semelhança dos seus. Dessemelhantes ao caos.


Não Ilustre tentar ferir mas não fere, fere a ti. Vê-se e não se sente se aproxima pensa, não, não fala. Esperar os futuros contos, pedidos e ao mais audível som da repulsa em revolta o não.

Ódio O ódio sentido, sem sentido direcionado, amargurado e acolhido. Guardado, no futuro lembrado, talvez perdoado mas nunca esquecido

Ego, ergo sum Um raio de luz às 6:00 da manhã no meu rosto. A inclinação da terra, o mudar das estações atrapalham meu sono. Maldita translação, Se fosse sempre inverno dormiria em paz.


O poeta de vidro Me fez escolher, não querer ser um homem. Me fez escolher querer ser um poeta de vidro. Como ser divino, transparente. Por vezes imaterial, ilógico. Por vezes a voz do abismo, o corvo da tempestade. Não quero ser o que sempre morre por suas palavras, nelas torna pétrea sua morte, quando desvanece no tempo. Escolho, o existir, o sofrer, o choro e o amar. Propagar a matéria do ser à matéria. E em atos do poeta que escolheu ser de vidro, tornar-me o plural consequente em ser um, ser vários outros. Nem o chorar, o sofrer, o existir sozinho. Faz escolher querer ser o que sempre morre por suas palavras, com suas palavras. Deuses humanos, pobres. Mas sempre há a ilusão divina: somos poetas de vidro.


Amantes

Por favor me salve dos corações retos quero rostos e gestos diabólicos a psicodélica mente dos amantes a roda da fortuna em um show de horrores em que me atiram facas. Chega de mim o nos dos loucos valem mil Formaria uma nova classe social. Tenho toda a velha guarda como exemplo dos doentes vítimas das DST do cupido. Me salvem, salvem os mil aluados aliados e por baixo do sol amantes.

Perco o caminho dentro de um buraco negro qualquer. Perdido me encontro: O sorriso, tinha apenas dois dentes; O vagalume, passou de meia noite em meu quarto; Os cachos cortados gritando para retornar; E aquele carinha lá, o demente. Quando acordo, (acordar ?) lembro de terminar a primeira questão. A realidade não me atrai, prefiro o labirinto da mente.

Eu cosmonauta da mente Perseguindo astros vagabundos Um cometa de órbita irregular Da a cara depois some Talvez não retorne. O raro estado da razão, minha aflição, foge, escapa de qualquer telescópio. De repente tudo são linhas desconexas descontínuas, dialéticas.

Padrão de Pensamento


A visão de Ícaro Cair da beirada do mundo abre o horizonte da mente. Talvez seja assim que nascem Novas palavras E recuperaram-se antigos dizeres. Mesmo a seta que finca no mais longínquo obstáculo Pode atirada por cima dele E ir em direção ao novo infinito. O Ícaro ainda alado sobe Mas asas de cera derretem sob o sol. Ainda assim, ele cairá em um lugar diferente.

O ser humano é seu próprio deus. A sua imagem e semelhança, cruel e fundado na ordem caótica. O fato divino Em satisfação, penúria. Obedece, curva a cabeça. A promessa da eternidade pós vida, da alma imortal satisfaz a miséria presente.

Algo de ideologia


Acrósticos Quando lúcido eu gosto de quem chega para estragar confundindo os sentidos, desestabilizando a mente. ouvindo aquela versão indie da moça no céu com diamantes. Quando se marca no corpo se ama no espírito, ato que corroí os caretas, oprime, diriam opressores. Me causa nostalgia imediata todo momento que me distancio do beijo, da marca, pois seu gosto harmoniza, pacifica acalma. Escreve-se então teu nome no meio do meu pra não deixar parecer dois. Afinal não acaba.


O contador de ladrilhos Estou à deriva no mar do meu eu. Saí pra caminhar sem destino pela noite, atraído pelas luzes dos postes distantes na avenida em que passam os mortais, ludibriados com trabalho pelo dia de sol de outubro. Penso que a mera crônica da vida alheia me faz mais feliz que contar os ladrilhos da rua e ter esperança na atenção dos que se beijam na praça sob meus elogios. Já está tarde e ninguém ficou, todos se foram e não há quem se importe com meu verso, a não ser o que queria mas não pode ficar. Para assombro e agonia em sufrágio universal da dor do contador de ladrilhos, sentado no concreto do banco na plateia da vida.


Ensinar o egoísmo como lição de vida De todo é infeliz, o existir. O feliz não faz história. Não obstante a minha tristeza estrelas ainda brilham no norte, não houve como impedir o sol de se pôr por hoje, antigos amores afinal roubados. Ainda noticio que se vendem bebidas e se casam amantes. Não obstante a alegria por fetiches, presentes, sexo e as drogas amigas ainda morrem crianças nas sangrentas batalhas por lama e um punhado de terra. Não obstante a belas vozes e versos, a existência dos entes segue por caminhos mútuos por vezes cobertos por sebes floridas não obstante há espinheiros. A existência tem por fim a morte. Frágil ser o eu Não obstante ao existir, a morte. Não obstante a morte o que chamam de amor. Morto.


Por um amor sem lei Eu procuraria merecer, mas o mero sopro do existir em mim, de mim é empecilho ao lírio que nasceria no verão. Me torno fronteiriço, um quadro cinza impresso Uma irrelevância. Ao verde das finas folhas Daquele vaso sobre a mesa. Não deve ser por nos, Pois não há haver Fora deles e seus ideais. Consumado está o menino Herege e gay. E o vaso vai ao chão. Seus olhos úmidos Consumido o seu destino por um amor sem lei.


Capital Em suas verdes folhas foto sintetiza-se mercantil desejo de frutos doces. Perfeitas ilusões Marcadas no fetichismo da maçã mordida. Encoberta a propaganda da serpente dos jardins que expulsa o homem do paraíso. Em sua escassez Do ser homem, O carbono clama: Retorna em sede de seiva, Derruba, capitaliza, canibaliza. E o fruto da busca Pela celulose, amarga, mata a serpente.


Diana Caminha comigo, Diana. Olha por mim da clareira lunar, separa-me do ermo eterno do embrenhado mato da caatinga. Revela-me em qual direção virá a chuva para que continue meu êxodo. Atende a minha súplica! Meu gado morreu, o deus convencional deixou minha carne morrer, minha geração se perdeu. O xique xique e a palma já eram secos e a morte na beira dos caminhos pueris e vazios se tornou normal. No meu cantil resta o elixir que me sustentará apenas por esta noite, [pois pela manhã, a morte, no meu encalço, me alcançará. Diana, dá-me o talismã rogo-te a boa morte, ao menos leva meu espírito junto a teu seio. Talvez amanhã minha alma esteja pelos anéis de gelo de urano ou em [um profundo oceano de água doce. Já é chegada a meia noite e somente de barro me alimentei salvo os vermes secos da terra. Este é meu último lamento Diana, estes são meus últimos suspiros olha por mim. Lua, vê-de, vê-de é a aurora que anuncia minha morte.


Caio Fernandes “Descrever-se” tarefa difícil para quem não sabe quem é, mas talvez importe, ou não, quem sou para os outros: um estudante de economia do quarto período (sim, economia!), introvertido, sonhador e reservado, arriscaria dizer um otimista, narcisista pois se tornou necessário. Amante de toda arte, na verdade é raro não amar algo, tenho poucos ódios, porém profundos e irremediáveis.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.