TREMA! Revista - Edição do Festival [06]

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TREMA!

EDIÇÃO DO festival

ANO 1

#6

MAIO 2016

revista de teatro de grupo

TREMA!_festival

p­ — 1


programação trema! festival ABERTURA

Jacy

28.abr 29.abr 30.abr

TEATRO APOLO

28 DE ABRIL | QUINTA | 20h

sobre dinossauros, galinhas e dragões

quem tem medo de travesti

TEATRO ARRAIAL ARIANO SUASSUNA

TEATRO SANTA ISABEL

29 DE ABRIL | SEXTA | 19h30

29 DE ABRIL | SEXTA | 21h

festa: Cabaré das travestidas

isso é para a dor

RODA CULTURAL

TEATRO ARRAIAL ARIANO SUASSUNA

30 DE ABRIL | SÁBADO | 23h

30 DE ABRIL | SÁBADO | 19h30

isso é para a dor

01.mai

TEATRO ARRAIAL ARIANO SUASSUNA

01 DE MAIO | DOMINGO | 19h30 LANÇAMENTO

03.mai

ESTREIA

TREMA! Revista

pa(IDEIA)

TEATRO HERMILO BORBA FILHO

TEATRO HERMILO BORBA FILHO

04DE MAIO | QUARTA | A PARTIR DAS 19H

03DE MAIO | TERÇA | 20h

Retomada

04.mai

TEATRO HERMILO BORBA FILHO

04DE MAIO | QUARTA | 20h

Soledad

05.mai

TEATRO HERMILO BORBA FILHO

05 DE MAIO | QUINTA | 20h

VAGA CARNE

06.mai

TEATRO HERMILO BORBA FILHO

06DE MAIO | SEXTA | 20h

07.mai

Vento forte para água e sabão

08.mai

Vento forte para água e sabão

TEATRO HERMILO BORBA FILHO

07 DE MAIO | SÁBADO | 16h

TEATRO HERMILO BORBA FILHO

08 DE MAIO | DOMINGO | 16h

30.abr Debate 1: O travestismo no teatro e a cena queer

14h às 18h RODA CULTURAL

Debate 2:

TREMA em Revista: processos criativos da cena contemporânea

www.tremafestival.com.br


editorial Eis a revista que nasceu de um festival, que nasceu do ventre do teatro, que, por sua vez, veio ao mundo para guerrear, fazer tremer. Finalmente, estão todos agora juntinhos na quarta edição do TREMA! Festival de Teatro, que marca a cena recifense neste mês de maio, em diferentes palcos da cidade. Reconstrução é o tema do evento, cuja programação traz nomes importantes da criação cênica brasileira contemporânea, incluindo um destaque à produção pernambucana recente; o festival, o assunto das páginas que você tem em mãos. Em tempos de degenerescência política e cultural, ter acesso a toda essa discussão que vem com o TREMA! Festival e a sexta edição desta TREMA! Revista, unidas pela TREMA! Plataforma de Teatro!, é uma alegria e um privilégio para todos nós. Porque nada faz sentido se não for compartilhado, dito, aplaudido, visto e trocado entre nós. Afinal, estamos aqui para isso ou não? O que te tira de casa? O que te faz tremer? O que é seu corpo neste mundo senão um conjunto de representações? Ativemos, pois. A arte é um antidestino, é a antivoz e, por isso, fundamental a toda hora, mas principalmente em tempos de instabilidade ou fissura ou morte, porque nos impulsiona ao contato com o outro, a razão desta existência torpe e atroz. Devemos ser gratos aos artistas que ora nos apresentam. Tanto escrevendo nesta publicação, como é o caso da potente atriz Grace Passô, que assina o texto sobre o processo de criação do seu trabalho mais recente, “Grãos da imagem – VAGA CARNE”, quanto colocando o corpo em cena, o caso dela também neste festival e das meninas da Primeira Campainha, por exemplo, que assinam o caderno de imagens desta edição, o seu Teatro Fanzine. Para nós, da TREMA!, seja no palco, na plateia, nos bastidores ou aqui, em páginas impressas, o nosso propósito é o mesmo: o amor pelo teatro e, portanto, pela liberdade, pela vida. Boa leitura!

RECIFE, MAIO DE 2016

TREMA!_festival

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colaboradores desta edição CRIA

DO PALCO

CRIA DO PALCO GRACE PASSÔ

Grupo que nasceu no Recife/PE do

Diretora, dramaturga e atriz que

processo de montagem de “Soledad”

trabalha em parceria com artistas

e é composto, em seu núcleo

PRIMEIRA CAMPAINHA

e companhias teatrais brasileiras.

principal, pela atriz e pesquisadora

Coletivo de artistas de Belo Horizonte/MG surgido em 2007, com o espetáculo

Fez parte do Espanca! (MG), um dos

Hilda Torres e pelo produtor cultural

“Sobre dinossauros, galinhas e dragões parte II de III”. Após temporadas elogiadas

grupos de teatro mais profícuos

e jornalista Márcio Santos. Partiu

em festivais, prossegue sua pesquisa em Teatro Fanzine e plagicombinação de

da cena contemporânea do país, e

da motivação da experiência de

linguagens e mídias – artifício recorrente em vários trabalhos teatrais deste começo

trabalha atualmente em carreira solo,

produção independente e pelo desejo

de século – extremamente influenciadas pela cultura/contracultura pop.

ao lado de muitos parceiros.

de produzir os próprios trabalhos.

ivana moura Jornalista pernambucana apaixonada por teatro. Foi crítica de

Coletivo As Travestidas

LUCIANA ROMAGNOLli

teatro do caderno Viver, no Diario

Um coletivo. Atores, transformistas, cantores, performers, videomakers, DJs,

Jornalista, pesquisadora e crítica

de Pernambuco, e atualmente é

maquiadores, cabeleireiros, figurinistas, barraqueiras, psicólogos, adoradores da

de teatro. Doutoranda em Artes

responsável pelo blog Satisfeita

noite e de duas estações no ano: quente e pegando fogo! Nasceu em Fortaleza/CE

Cênicas pela USP. Editora do site

Yolanda?, ao lado da jornalista

e atua desde 2008 sob a direção de Silvero Pereira, como (mais um) fruto de sua

horizontedacena.com.

Pollyanna Diniz.

pesquisa sobre o universo trans.

CARTÕES | CONVITES PAPELARIA | SACOLAS REVISTAS | TAGS LIVROS | FOLDERS ENCARTES | RÓTULOS PANFLETOS | TABLÓIDES

IMPRIMIR O QUE VOCÊ TEM DE MELHOR, É O NOSSO COMPROMISSO. Av. Norte Miguel Arraes de Alencar, 3311 Rosarinho | Recife | PE | 52041-080 Fone: (81) 3366.9000 |www.brascolor.com



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oque te faz tremer?


pergunta

TREMA!1/4 “Escutar um ‘Glória a Deus’ dentro da Câmara do Deputados me faz tremer!”

Adilson Di Carvalho AT O R

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B e lo H or izo n te

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pergunta

TREMA!2/4

“Tremi ao ouvir nome de Deus por políticos preconceituosos, sem ética, hipócritas, tremi muito ao ouvir aquele maldito homenagear o torturador da presidenta Dilma Rousseff. Mas tremo mais ainda pelo futuro, pois se não for colocado limite nesse grupo de políticos sem ética, a história pode voltar.”

Antonia Cavalcante

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ARTIGO

O QUE FOMOS E O QUE SOMOS instalações do teatro romano de vienne, frança – foto: thiago liberdade

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PEDRO VILELA vilelaproducao@gmail.com

J

osé Celso Martinez Corrêa dançou uma ciranda na beira do rio,

ponsáveis pela formação de inúmeros espectadores em nossa re-

momentos antes de nos ofertar mais de quatros horas de poesia,

gião. Pessoas que mudaram radicalmente sua maneira de lidar com o

através do seu “Cacilda”, num Armazém que virou uma zona de

mundo a partir do contato com obras que radicalizaram suas percep-

restaurantes gourmetizados na cidade do Recife.

ções estéticas e sensitivas.

A Cia. dos Atores incendiou duplamente, com o “Rei da Vela” e

Além disso, é um agente determinante no mercado cultural do

“Melodrama”, uma plateia lotada e impactada por sua desenvoltura,

estado, empregando centenas de pessoas diretamente (artistas, téc-

num teatro onde, posteriormente, fechou as portas para reforma – há

nicos etc.) e indiretamente. O impacto social, político e econômico

mais de cinco anos e sem previsão de abertura.

são dos mais diversos e potentes.

A Armazém Cia. de Teatro nos levou a caminhar pelos labirintos de Alice num local que encerrou suas atividades para reforma – e assim

Mas o que desandou? O que nos fez caminhar para tão longe do que fomos um dia?

está até agora –, passando a abrigar, do seu lado, shows de axé e forró. Uns mineiros nos falaram sobre abacates que caem para espancar doce num teatro que também fechou suas portas para reforma, e

E STA DO vs. INTE RE SSE S DE SUA SOCIE DA DE

não tem previsão de abertura, enquanto que Berta Zemel nos fez tremer sob um Anjo Duro em outra casa de espetáculos que sofre por falta

O que outrora percebíamos em profunda potência de realização en-

de equipamentos e ar-condicionado, que não funciona perfeitamente.

caminhou-se para um processo vertiginoso de desconstrução, pas-

Este é um breve retrato do que fomos e do que somos.

sando a agonizar como num leito de enfermaria. Teatros foram fechados, recursos foram reduzidos, quando não ne-

***

gados em sua completude. O Festival Recife do Teatro Nacional, principal ação do Recife, foi entregue às moscas, ora pecando por falta de plane-

Quando mais jovem, esperava ansiosamente o mês de novembro. Era

jamento, ora simplesmente deixando de ser executado (caso de 2014).

o momento de celebrar com os que viriam serem meus pares num

Importante destacar que este processo de desconstrução em

futuro próximo e abrir os olhares para o que de mais importante

nada esteve ligado à incapacidade dos produtores de todas as ações

acontecia na produção cênica brasileira contemporânea. Foram tal-

citadas anteriormente – pelo menos no campo dos festivais dito “pri-

vez os anos mais importantes de minha formação. Era o mês do Fes-

vados”. Torna-se, então, necessário refletirmos sobre o papel do po-

tival Recife do Teatro Nacional (FRTN).

der público, este agente que poderia ser o maior fomentador de ações

É meio esquizofrênico ainda diante de algo tão recente, ter que

de profundo reconhecimento de nossa sociedade, inserido numa

escrever sobre um “tempo áureo”. Parece-nos algo tão distante. Mas

conjuntura descasos e inoperâncias, acabou se tornando o grande

serve também para perceber o quanto, em um curto intervalo de

responsável pelo esfacelamento dessas atividades.

tempo, podemos nos deparar com perdas catastróficas.

É quase que impossível olhar para a construção do cenário ar-

O FRTN se configurou, durante anos, como um pontapé para

tístico recifense nos últimos anos e não perceber os desmantelos ge-

uma série de desdobramentos ligados a festivais teatrais em nossa

rados por uma gestão ineficaz. Ao ouvirmos o atual prefeito, em en-

região. Foi através dele que nutri o desejo pelas artes, que escolhi para

trevista a um dos jornais da cidade, citar que a “cultura é prioridade

mim uma bandeira de luta: o teatro. Este meu “desejo” era também

de nossa gestão”, entendemos que só não estamos diante de falácia

alimentado no restante dos anos por festivais que agiam em diferen-

maior do que as ouvidas na Câmara dos Deputados no rito de impea-

tes linhas de ação, como o Janeiro de Grandes Espetáculos, organiza-

chment da atual presidente.

do pela Apacepe (Associação de Produtores de Artes Cênicas de Per-

Ao menos, temos elencado na fala o ponto principal e nevrálgi-

nambuco); o Feteag (Festival de Teatro do Agreste), que muitas vezes

co da questão: a palavra prioridade. É de comum acordo que, quan-

me obrigava a debandar para Caruaru em busca de sua elaborada

do algo é prioridade em nossas vidas, passamos a tratar com zelo,

programação, além do Festival de Teatro para Crianças de Pernambu-

atenção, cuidado. Entretanto, se deixar teatros municipais fechados

co e o Festival de Teatro Estudantil, só para citar alguns.

ou sucateados, atrasar em meses os pagamentos da Lei de Fomento

Os festivais de teatro em Pernambuco foram e ainda são resTREMA!_festival

(bizarra em seu valor) e prêmios (Solo do Outro e Aprendiz em Cena) p­ — 17


ARTIGO devam ser vistos como prioridade, devemos, então, temer pelo o que

da atualidade, falsamente representados pela bancada BBB (Boi, Bala e

não é visto como tal. É prática recorrente na cidade artistas realizarem

Bíblia) que descontrói a laicidade de nosso Estado, o estado democrá-

ação e esperarem no mínimo seis meses para receber por seus cachês.

tico de direito e se irrompe contra as vozes pensantes de nosso país. É preciso encontrarmos alternativas.

*** A lacuna não se configurou apenas no âmbito municipal. A discussão pro-

J UNTOS PA RA SE RM OS M UITOS

tagonizada pelo Festival Pernambucano Nação Cultural (FPNC), que, ao priorizar a realização de eventos, carregava consigo o peso de ser apenas

Na tentativa de desbravamento deste árduo caminho solitaria-

uma ação pontual e que não conseguia fomentar de fato as atividades

mente, tendo cada festival empunhando sua bandeira e partido

culturais da região, hoje existe de forma precária e reduzida. Basicamente,

para sua luta, acabou-se por não ser criada uma agenda em co-

toda a produção do estado recaiu sobre o Fundo de Incentivo à Cultura

mum, com reinvindicações conjuntas de pauta. Assim, o processo

(Funcultura), que passou por reduções orçamentarias, ou em única alter-

de gerenciamento da política cultural em nossa região terminou

nativa de circulação, o Festival de Inverno de Garanhuns (FIG).

por não fazer valer nenhuma das questões existentes.

No âmbito federal, o único aporte financeiro para festivais de

Alternativas como a Rede de Festivais Teatrais, que une dife-

teatro também foi extinto, o que dificultou ainda mais os festivais per-

rentes ações do país, surgem como exemplo de mobilização políti-

nambucanos. Estamos numa encruzilhada sem precedentes. Poderia

ca que vem se aprimorando em sua maneira de existir e propondo

também citar questões relacionadas à Lei Rouanet, mas esta confi-

importantes encaminhamentos para o setor.

gura-se quase como uma carta fora do baralho para a grande maioria

O diálogo dos artistas pernambucanos precisa ser retoma-

dos produtores nordestinos, uma vez que quase 90% de seus recursos

do com urgência, movidos pelo sentimento de classe que nos

ficam centralizados no eixo Rio/São Paulo, e por suas esquizofrenias

une. Quando um ou outro festival deixa de existir, quando um

mereceria um artigo específico de analise.

espetáculo se choca diante de incapacidades estruturais para a

Diante de tal quadro, os festivais de teatro em Pernambuco pas-

sua realização, quando a possibilidade de exercer nosso ofício

sam, a cada ano, por tramitações que beiram a humilhação na tentativa

como atividade exclusiva e profissional é impedida, estamos

de construção de diálogo e busca por reconhecimento de suas ativida-

diante da falência de um modelo gerencial e de pensamento de

des. É inadmissível, por exemplo, que o Janeiro de Grandes Espetáculos,

política pública.

com 22 anos de atuação, tenha sua existência ameaçada como ocorreu

Cabe aos agentes atuantes (re)construírem suas bases de

ainda este ano. É inadmissível ver um festival como o Palco Giratório,

representatividade, estabelecendo novos fóruns de debate e am-

organizado pelo Sesc, ser extinto devido à incapacidade desta institui-

pliando a luta política. O ato de conseguir a presença de artistas

ção em cobrir todos os custos que poderiam ser reduzidos se nossa ci-

inseridos no processo de gestão demonstra que a batalha é ainda

dade possuísse uma rede de equipamentos culturais com capacidade

mais ampla, contra uma estrutura arcaica onde a cultura não possui

de receber as obras em circulação.

o reconhecimento de seu papel na sociedade.

E para quem teima em procurar caminhos para o nosso país,

A TREMA! Plataforma de Teatro, ao realizar o TREMA! Festi-

eles são tão evidentes que parecem ficar quietos, envergonhados por

val, reforça seu interesse pela continuidade das ações que recriam

estarem a olhos nus e não serem vistos: Educação e Cultura. Com tal

o imaginário de nossa sociedade e se posiciona como agente de

descaso do poder público para com esses segmentos e a sociedade,

interesse pelo diálogo com os diferentes setores que compõem a

acabamos por ficar de mão atadas, expostos ao festival de bizarrices

cadeia produtiva de nosso país.

foto do abandono do teatro do parque – foto: paulo uchôa/leiajáimagens

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#F E S TIVA L L E ITUR A VIS UAL Thiago Liberdade

APONTAMENTOS pARA O TREMA! FESTIVAL Enfim chegamos à nossa quarta edição. Mais uma vez pautada pela

tural, tendo a pesquisa e a experimentação de linguagem como ele-

arte de guerrilhar contra os moinhos que teimam em desestabilizar

mentos norteadores.

as atividades culturais do nosso país. Apesar dos pequenos apoios e recursos recebidos, as dificuldades são imensas.

Caso, por exemplo, da recorrência pela pauta LGBTT, presente em três edições do festival, através do espetáculo “Dizer e não pedir

Desde junho de 2015, tramitamos em leis de incentivos e,

segredos”, do Teatro Kunyn – SP (2012), e da vinda, em dois anos

principalmente, tentamos contato com patrocinadores. O tal jogo

consecutivos, do coletivo artístico As Travestidas, com os espetácu-

tão debatido em torno da Lei Rouanet permanece, com culpa ex-

los “BR Trans” (2015) e “Quem tem medo de travesti” (2016).

clusiva do Estado em não realizar o gerenciamento do dinheiro pú-

As edições anteriores também foram marcadas por grupos

blico (renúncia fiscal), deixando para as empresas privadas o poder

inéditos em nossa cidade, como o Quatroloscinco – Teatro do

de direcionamento dos mesmos, possibilitando o uso na estrutura

Comum (MG), Teatro Invertido (MG), Cia Hiato (SP) e Teatro Ino-

de marketing privado.

minável (RJ). Fortalecendo este bloco, possibilitamos a grupos

Empresas recheadas de subvenções que chegaram recente-

que já permeiam o imaginário das artes cênicas brasileiras retor-

mente a Pernambuco, mas que trouxeram consigo poucas ações de

narem ao Recife após longo intervalo, como o Lume Teatro (SP)

contrapartidas sociais, afinal, para elas, devemos sempre dar graças

e o Espanca (MG).

a Deus pelo Capital olhar por nós. O caso mais intrigante, por exem-

Estendemos nossos olhares para além-mar e contamos ainda

plo, está ligado a uma que desenvolve o slogan “um novo comple-

com a presença dos portugueses da Mala Voadora, que nos propor-

xo automotivo no estado da arte para produção de carros de nível

cionaram uma bela abertura na edição passada, de 2015. Estivemos

mundial”, mas que em resposta de patrocínio a um festival de tea-

nas ruas com os pernambucanos dos Loucos e Oprimidos da Maciel,

tro diz estar “fora do escopo do planejamento de budget”.

além da profusão Brasil/Argentina do Coletivo Mazdita.

Não nos demos por vencidos.

Em 2016, ao longo de 11 dias, 13 espetáculos são realizados,

Ao longo de todas as edições do TREMA! Festival de Teatro,

juntamente a debates e ao lançamento desta edição da TREMA! Re-

nos deparamos com importantes transformações. A mais recente

vista de Teatro. Amplia-se, assim, os dias de realização da ação e a

diz respeito à queda da alcunha “festival de teatro de grupo”, pas-

participação da produção local na grade de programação.

sando apenas a ser “festival de teatro”, numa tentativa de ampliar

É apenas o início de uma longa jornada que se tem por inte-

os olhares. Entretanto, mantemos o interesse primordial de pro-

resse. Vida longa à arte de guerrilhar. Vida longa a todas as ações em

porcionar aos espectadores um valoroso recorte do que vem sendo

prol das artes em nosso estado. Estejamos juntos para fazer tremer

produzindo em nosso país, a partir de pautas tidas como urgentes.

as estruturas que teimam em se manter engessadas.

O festival nasce como possibilidade de o público recifense apreciar trabalhos que navegam fora do mercado da indústria culTREMA!_festival

MUDA A LÍNGUA, MUDA O TEXTO, MUDA A CENA. TREMA! p­ — 19


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TREMA!_festival

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NOTAS DE PROCEDIMENTO

relato íntimo de

"grãos da imagem: vaga carne" – foto: kelly knevels

VAGA CARNE

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Grace Passô gracepasso@gmail.com

H

á alguns anos, fui assaltada pela ideia de uma situação:

meira peça que inaugura o Projeto Grãos da Imagem.

um corpo de mulher que é invadido por uma voz que não

Para mim, dentre tantas coisas, a peça parte da noção de

é sua. Uma voz que invade matérias sólidas, líquidas ou

construção da identidade, dos contrastes entre ser social e sub-

gasosas (qualquer matéria do mundo) e resolve, pela primeira

jetivo, dos conflitos e comunhões entre público e privado, do

vez, invadir um corpo humano. As aparentes impossibilidades

que há entre o julgamento social e as existências no mundo.

de realizar tal situação como teatro me fez desejá-la. Interes-

Particularmente, sempre me vi adaptando meu corpo a corpos

sava-me buscar vertigens entre gesto/movimento/ação e fala,

estrangeiros ao meu, dos números das roupas aos corpos bran-

interessava-me escrever sobre um corpo estranho, estrangeiro

cos da escola particular, e as afirmações e reconhecimentos de

no mundo, possivelmente porque, em alguns mundos dos nos-

minha identidade como aquilo que dialoga e não necessaria-

sos mundos, sinto-me estrangeira. Mais tarde, pensei que esse

mente adapta-se ao outro são o reconhecimento de uma exis-

corpo se tratava de um corpo de mulher e iniciei escrevendo,

tência neste mundo que hoje data dois mil e dezesseis.

após o título VAGA CARNE em caixa alta:

Lembro-me do primeiro ensaio com Kênia, que dizia que meu corpo em cena poderia ser um detalhe. Essa provocação

P ER SO N AG E M: Uma Voz. C ENÁ RIO : Um corpo de mulher, inicialmente catatônico.

disparou uma série de direcionamentos na natureza de minha atuação, em estado contínuo de busca na relação com o espaço em sua totalidade e passei a pensar que entre meu corpo e o

A convite do Janela de Dramaturgia (Belo Horizonte) e, em se-

texto existiam imagens maiores que a imagem do meu corpo

guida, do Melanina Acentuada (Salvador) e do Questão de Crítica

a serem dimensionadas, povoadas, desenhadas publicamente.

(Rio de Janeiro), fiz leituras públicas do texto e as conversas que

Era preciso estar sempre na periferia.

se seguiam dessas leituras me davam a sensação de certa impos-

Lembro que, em determinado momento, alguma ansieda-

sibilidade de representar a história contida nele, que aquilo era

de me fez querer agregar histórias mais reconhecíveis daquela

feito para ser lido, o que mais uma vez provocou meu interesse.

figura em cena, quem era, o que lhe aconteceu na vida, enfim,

Todas essas aparentes impossibilidades, intuí, diziam respeito ao

justificativas ficcionais de sua existência, mas, em um dos en-

mergulho num mar desconhecido de palavras, mais delirante do

contros com Nadja, sua visão artística gritou dizendo que a fric-

que vinha escrevendo até então em dramaturgia, uma narrati-

ção entre não contar e a tentativa de contar era, sim, o mais

va tempestuosa, ainda mais livre de morais, desencadeamentos,

importante. Lembro-me de Ricardo (Alves) conduzindo paula-

personagens. Até então, os textos que escrevia com essas carac-

tinamente meu corpo para o espaço, me obrigando a entendê

terísticas não me sugeriam a sensação de suficiência, mas, de al-

-lo em sua concretude, o que me fazia entender também como

guma forma, um certo delírio desse me sugeriam.

torná-lo invisível. De Garcia desafiando códigos previsíveis do

Com o texto primariamente finalizado, lancei-me à sala de

som. Outras mil lembranças seriam possíveis. Como quando

ensaio com encontros contínuos com Kênia Dias, Ricardo Alves

ensaiei com uma dor na lombar e as questões sobre o perso-

Júnior e Nadja Naira, todos eles me conduzindo em direções

nagem Corpo ficaram mais evidentes. Enquanto reaprendia a

convergentes na articulação entre atuação, texto e encenação.

andar, sentar, torcer, vivenciava a sensação de um personagem

Ricardo Garcia, autor da trilha, dialogava sonoramente com a

Corpo também aprendendo a viver essas etapas dos movimen-

cena, na criação sonora como mais um corpo cênico. Nina Bit-

tos. Por vezes, em cena, evoco a memória desta sensação. Os

tencourt, ensaísta e provocadora, levantava questões de quem

rastros das experiências em ensaio e também das apresenta-

via a trama pouco a pouco se desenhando e se configurando.

ções são espécies de relatos íntimos. Relaciono aqui o que me

Lucas Ávila e Virgílio Guimarães, respectivamente fotógrafo e

atravessa quando estou em cena, o que vaga em mim enquanto

figurinista, pensaram a imagem do corpo no espaço, nesta pri-

atuo na peça:

TREMA!_festival

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Com a coluna, tento equiparar meu tamanho com a profundidade de

Que tenho poucos gestos e portando eles são foguetes de réveillon.

Que estão me julgando e que a peça fala sobre isso.

Na frase, presente de Nadja: “já quase acredito que existo”

me lembram de estar internamente em movimento, mesmo estando por muito tempo aparentemente sem me mover.

Na musicalidade do evento.

Que não existe beleza.

Que tudo é um improviso.

parece suficiente.

Em modular. Ou insistir permanentemente em algo até além do que

Ou por fumaças.

Que um espaço pode ser preenchido por grossas madeiras de árvores.

Que o tempo todo, é preciso lembrar que todos nós estamos ali.

Que preciso produzir tempestades e calmarias.

Em Vaga Carne.

Que meu corpo é um porto, que a fala é barco.

Faço micro movimentos internos, minimamente visíveis por fora, eles

algo assim.

Começo a falar. Minha voz é um personagem, meu corpo não é,

no espaço.

Uma luz atravessa meu corpo, novamente por trás, sobreia meu corpo

Penso em respirar junto com o público, algo assim.

Breu novamente. Posiciono-me numa marca.

Uma luz atravessa meu corpo por trás.

Realizo uma imagem com meu corpo.

Ouço o som do público.

Entro em cena no escuro.


TREMA!_festival

Em criar silêncios.

do modo como falo.

As ações que realizo, por vezes, devem estar completamente apartadas

Por exemplo.

recém-nascido, enquanto conto como matei uma pessoa a facadas.

Que uma narradora está dentro do meu corpo. Que poderia ninar um

pensamento de quem está sentado. Sei que é utopia.

Vergonhosamente, assumo que penso em conduzir o ritmo do

Que não existe beleza.

Que as últimas palavras não são as últimas palavras.

Como vim parar aqui, já nem me lembro mais.

Já estou aqui?

Vou me boicotar.

Poesia e concretude.

Negociação.

Sorrir dor, chorar alegria.

Meditar a palavra.

Penso em presentificar a palavra sem torná-la excessivamente densa.

Na frequência do conjunto de corpos na sala. Do encontro.

-las.

Reduzir a expressão do esforço, mas vibrar.

Nina falando o texto da peça.

entrar em acordo com ele.

Quando entra som das caixas de som, não preciso necessariamente

Em parar de falar de vez em quando sem planejar isso antes.

Que não existe beleza.

Negociação.

Em desapego e apego.

Em ...

Em boicotá

expectativas.

Em criar

Em criar silêncios.

Em boicotá-las.

Em criar expectativas.

Não me interessa se eles estão aqui.

Será que eles estão aqui?

Se coçam a perna, se viram o rosto, se relaxam a coluna, se tossem ou cruzam as pernas, reajo. Mas nem sempre.

Não me interessa se eles estão aqui.

Será que eles estão aqui?

Alves me falando sobre o olhar.

Negociação.

Não ser atravessada.

Ser atravessada.

Em parecer que não é meu corpo que fala.

Em não deixar visível o esforço da articulação. Em Vaga Carne.

Kênia dizendo para não finalizar o gesto.

Em não fazer absolutamente nada e isso significar expressão.

Penso que os movimentos do público são movimentos da cena. São.

no espaço, que produz linhas tênues ou firmes.

tiro os óculos escuros, que meu olhar é mais um vetor

Penso nos escapes de concentração como um trampolim, e quando

Que meu corpo está ali para articular, flexionar momentos.

Por vezes, penso em fala como som. Por vezes.

testasse um microfone.

Tento fazer as primeiras palavras escaparem sem intensão, como se

que gera reações e movimentos no rosto, e não o contrário.

Concentro-me em relaxar a face, munida da sensação de que a fala é

público na sala.

p­ — 25


crítica

VOZ A EMERGÊNCIA DE UMA

L u c ia n a R o m ag n olli

lucianaromagnolli@gmail.com

“Sou um excluído que produz um discurso. A palavra é o único indício de minha presença, e é só por meio dela que toda ação e toda a matéria podem aqui se realizar” 1 . Carlos de Brito e Mello

A

ntes da atriz, quem entra em

que a luz se apague ao comando da ilu-

Essa dissociação originária entre voz e

cena é a voz. No ambiente ainda

minadora Nadja Naira, colocando o es-

corpo abre um campo de investigação

iluminado onde os espectadores

pectador dentro de um espaço escuro:

para as relações teatrais, linguísticas e

há pouco ocuparam suas cadeiras, a vi-

o interior de um corpo humano. Agora

filosóficas travadas entre essas duas

bração sonora se propaga afirmando sua

ocupado pela voz. “Peço que escutem

ambiências do ser humano. O que é um

própria existência. “Vozes existem. Vo-

pra que vocês tenham consciência de si

corpo antes de ser atravessado pela

razes pelas matérias”, sussurra a conta-

mesmos, é tudo escuro (para a plateia)

linguagem? O que é um corpo humano

dora de histórias incorpórea a relembrar

dentro de ti, ti, ti e ti e ti”, dirá.

sem o olhar exterior? O que é uma voz

sensações das vezes em que invadiu

Em “Vaga carne”, solo escrito e en-

corpos vários, animais ou inanimados.

cenado por Grace Passô, que estreou em

Grace faz-se, a si mesma, cenário

Captura aos poucos, e não sem risco de

março no Teatro Paiol, durante o Festival

para o encontro ou embate dessa voz

perdas, a atenção dos presentes. Até

de Curitiba, a divisão está dada no texto:

misteriosa com o corpo de uma mulher.

a personagem é “uma voz errante no es-

A carne dela é o edifício cênico da re-

paço”; o cenário, “um corpo de mulher”.

presentação, o espaço de tensão entre

1 Em: “A passagem tensa dos corpos”, de 2004, p. 116.

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sem corpo? E um corpo sem voz?


TREMA!_festival

p­ — 27


crítica

VOZ forças inconciliáveis, enquanto o palco convencional permane-

ção – com tem sido privilegiadamente na literatura e no teatro já

ce esvaziado senão pela luz e pela música ocasional. O corpo é

há um século. Grace Passô investiga essa potência da linguagem

também o instrumento – no sentido musical mesmo – de tra-

desincorporada, de sua complexidade enquanto coisa, como ser

balho de uma atriz jazzista, a improvisar movimentos, ritmos,

além do humano. Ao menos, este será o disparador dramatúrgico

graves e agudos para além do diapasão esperado. Não se trata

de outras precipitações vindouras.

de uma voz que ilustra ou representa o que o corpo faz, mas uma voz invasora, como um vírus.

O texto explora o que seria a linguagem fora do humano,

ainda que em relação a ele, ao conceder à voz uma ironia (e um

Em seu primeiro trabalho totalmente autoral desde a saí-

sentido de superioridade) sobre o corpo que ocupa. “Estou me

da do grupo Espanca!, a atriz, diretora e dramaturga mineira

comunicando com palavras de um bicho humano, porque vocês

permite-se um experimentar mais audacioso com a linguagem,

são tão egoístas que só entendem suas próprias línguas, poderia

com as palavras, os sons e os gestos, as interpretações e os sen-

me comunicar em Código Morse, em sons inaudíveis, em ondas

tidos. O desajuste entre a voz e o corpo, a voz e o pensamen-

magnéticas ou qualquer outra coisa”, dirá. Em sua narrativa, a voz

to, a voz e a vontade cria um jogo aparentemente simples, mas

processa um estranhamento tanto dos aspectos físicos, ao descre-

de alto risco, pois não há uma teatralidade externa na qual se

ver sensorialmente os órgãos quase num gozo, quanto dos emo-

apoiar. Música e luz interferem somente em função do agir des-

cionais, ao deparar-se com sentimentos como a carência, o vazio, a

se corpo no espaço.

culpa e o apego ou com a experiência do esquecimento.

Uma das imagens mais marcantes é uma faixa de luz depo-

São plurais, portanto, as leituras possíveis sobre a tensão

sitada apenas sobre os olhos da atriz, arregalados, fazendo saltar

encenada entre voz e corpo em “Vaga carne”. Seja essa voz alma,

o espanto mútuo entre corpo e voz. Tudo depende da perfor-

consciência, energia, reação química ou uma abstração do outro. Na

mance desse corpo no aqui e agora, o que torna o desafio poten-

cena armada por Grace Passô e seus interlocutores (Ricardo Alves

cialmente vibrante para uma atriz experiente e cheia de recur-

Jr., Nadja Naira, entre outros), teatro, linguagem e filosofia são sa-

sos. Grace caminha em corda bamba, no fio da faca, da primeira

beres acionados mais ou menos diretamente. Do primeiro, saltam

à última palavra dita. Sua voz opera uma verdadeira dissecação:

as relações entre voz e movimento no trabalho corporal do ator, e

destrincha o saber estabelecido.

como ambos constituem uma presença no espaço. No campo da linguagem, pode-se pensar nos posicionamentos discursivos que atravessam um sujeito e como este se constitui pela linguagem.

DE DENTRO PARA FORA

No encontro do corpo com a voz, é possível ver ainda a sugestão de uma ontologia do ser, pré-civilizatória. Mais do que o

“Vaga carne”, em sua originalidade, tangencia universo seme-

corpo cuja experiência ainda não havia sido elaborada enquanto

lhante ao do romance “A passagem tensa dos corpos” (2008): o

linguagem, o que se mostra é uma linguagem cuja experiência ain-

narrador criado pelo escritor mineiro Carlos de Brito e Mello é

da não havia sido elaborada enquanto corpo – humano. Na expe-

também um ser linguístico, uma voz descarnada, sem matéria,

riência humana, justamente, corpo e linguagem formam um par

a vagar pelos espaços visitados pela morte. Presença estranha

paradoxal de potência e limite: só é possível dizer o que cabe na

a observar as dores da efemeridade humana até que decida se

linguagem, só é possível ser o próprio corpo, por mais adereços

apropriar de um corpo alheio. A linguagem como ser (narrador/

que se acoplem. Esticar, contorcer, desmembrar essas partes, por

personagem) nos dois casos é a matéria mesma da experimenta-

consequência, alarga o espectro dessa experiência.

p­ — 28


Então, se de início vê-se o estranhamento entre voz e corpo tra-

Outro detonador da transformação será a percepção do olhar do

zer à cena uma versão poeticamente elaborada das experimen-

outro. Instância que converte “Vaga carne” de peça intrassubjetiva

tações textuais para além do domínio do sujeito – à semelhança

(embora nunca em lírica, pois é dialógica a fratura do sujeito) em

das proposições das dramáticas transumanas de Roberto Alvim

obra intersubjetiva. No universo interior, o outro da voz é o corpo:

–, o destino de tal dissociação é outro: a contaminação mútua,

“Ei, mulher, você quer falar alguma coisa? Fala! Você quer fazer um

a sedução da carne, as afetações inescapáveis, o apelo da sub-

discurso? Faz! Quer que eu fale por você?”. A passagem ao exterior

jetividade, enfim, um retorno ao humano. Tal percurso parte do

interpela a plateia: “Já nem sei mais como é o corpo desta mulher

impessoal para o pessoal; do universal para o individual. De um

por fora. Quem é ela? (...) Ela sempre foi mulher? De que cor ela é?”,

saber distanciado supostamente neutro para a experiência de

indagará a voz, provocando nos espectadores respostas silenciosas.

mundo subjetiva, fonte de saber próprio. Do corpo qualquer para

Num registro excêntrico de voracidade/ferocidade, Grace

o corpo específico: com determinado registro de voz, cor de pele,

constrói uma relação tensa com o público, identificado como esse

altura, peso, formato dos fios do cabelo, sexo. Do estranhamento

olhar de fora que define e classifica o ser humano. As palavras so-

para o reconhecimento.

licitadas à plateia são a contraface da investigação interna, situam

No mesmo mês de março, a portuguesa Grada Kilomba apre-

o corpo no mundo. “Anda, bichos ferozes, gritem alguma coisa que

sentou, durante a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São

eu falo aqui, vamos invadir o corpo desta mulher com palavras”,

Paulo, a palestra-performance “Descolonizando o conhecimento”,

incitará a voz. Suas palavras, que antes desviavam dos referenciais

confrontando a uma visão universalista do mundo o reconheci-

identificados aos campos discursivos associados ao movimento

mento das relações de poder que definem tal universal e os posi-

negro e ao feminismo, tornam-se menos neutras, mais específicas,

cionamentos marcados pela subjetividade (que a noção de neutro

contaminadas pela carne e pela alteridade. Explode a questão do

exclui) – no caso dela, como no de Grace, ser mulher e negra. Por

lugar de fala como questão, não resposta.

caminhos outros, mas com ideias afins, “Vaga carne” investiga o

Das tantas sugestões aventadas pelo texto, algumas mos-

único universal possível: o interior do corpo humano, órgãos cuja

tram potencial para ser mais desenvolvidas, ganhando tempo

existência e funcionamento estão alheios aos contextos sociocul-

para se dilatarem na imaginação do espectador. Especialmente, a

turais por não serem objeto do olhar do outro (ao menos, até que

relação da voz com a morte (e com a vida). A bala e a arma men-

a fome ou uma bala os atinja).

cionadas trazem a imagem da violência: uma invasão do mundo

Entretanto, o dentro não basta para dar conta da experiência

externo capaz de aludir às altas estatísticas de homicídio da popu-

humana. A autora concede à criatura a capacidade de perceber as

lação negra, especialmente a jovem. Poeticamente, reaproximam

condicionantes do corpo que habita e a incapacidade de não se

a peça da literatura de Brito e Mello e seu revolver da linguagem

contaminar, por mais que resista, pela experiência do tempo cro-

frente à materialidade de um corpo moribundo.

nológico e pelos afetos intersubjetivos. O presente puro em que

Uma maneira de olhar para “Vaga carne” é essa. Como um

vivia a voz desdobra-se em passado e futuro inaugurando um

percurso prévio, do neutro ao pessoal, do objetivo ao subjetivo,

processo de transformação marcado sobretudo pelo vínculo –

de uma voz alheia que atravessa o corpo a uma voz atravessada e

ou apego. Ecos mais abstratos e estranhados dos brados de “Por

apropriada pelo corpo. Do escuro de dentro para o escuro de fora.

Elise” (“Gente sente tudo, se envolve com tudo!”) e das relações

Grace rompe a superfície e cava adentro, como quem prepara a

familiares entranhadas de “Amores surdos”, os primeiros textos de

terra para o que está por eclodir, para o que necessita aflorar além

Passô montados com o Espanca!.

dos limites físicos do teatro: a voz daquela mulher.

TREMA!_festival

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pergunta

TREMA!3/4

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homem hétero cis branco

THIAGO LIBERDADE DESIGNER

TREMA!_festival

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NOTAS DE PROCEDIMENTO

D

epois de 43 anos da morte da militante Soledad Barrett Viedma, um espetáculo teatral abre caminho para que a história da sua vida seja encenada nos palcos. O projeto foi

idealizado em janeiro de 2015, após contato com o livro do escritor pernambucano Urariano Mota, “Soledad no Recife”, que aparece como ponto de partida do processo. É a partir de então que uma aprofundada pesquisa histórica de campo se inicia em torno da personagem, sua trajetória e o contexto no qual estava inserida. Uma grande rede de solidariedade e contribuições fundamentais à realização do projeto se formou. Membros de sua família, militantes que conviveram com ela ou não, testemunhas oculares, dirigentes partidários da época e diversos documentos históricos contribuíram para que a obra tomasse fôlego.

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Soledad

A face viva de uma militante

TREMA!_festival

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NOTAS DE PROCEDIMENTO

foto de soledad barret viedma

Soledad nasceu no Paraguai em 1945. Seus pais e irmãos mais velhos já dedicavam suas vidas à militância. Sua história é desenhada em meio à luta sociopolítica em que está imersa. Seu pai, Alex Barrett, esteve muitas vezes ausente, pois quando não estava preso, estava exilado, foragido ou no campo de batalha. Sua mãe, Deolinda Viedma, além de militante, era responsável pela casa e pela criação dos 11 filhos do casal. Ela pariu Soledad sozinha, em uma casa isolada em uma província. Por isso foi batizada como Soledad, que significa “solidão” em português. Seu avô, o renomado escritor e jornalista hispânico Rafael Barrett, foi uma das maiores influências ideológicas da militante. Os exílios políticos faziam parte da sua vida desde muito nova.

jornal sobre o atentado nazi à soledad

Ainda criança foi do Paraguai à Argentina. Em seguida, voltou ao Paraguai e, aos 12 anos, começou a levar recados de sua mãe aos dirigentes comunistas. O pai consegue asilo político no Uruguai. Os irmãos mais velhos seguem para lá juntamente com Soledad, sua mãe e os irmãos mais novos. A família finalmente reunida. Aos 17 anos, ela é sequestrada por um grupo de neonazistas, que cruelmente gravam a suástica em suas pernas. Diante da sua indignação gerada pelo atentado, ela decide se inserir na luta de forma mais intensa e autônoma, colocando seus ideais à frente de sua própria vida. Segue para a Rússia, onde estuda teorias comunistas e, em 1967, vai para Cuba treinar para a luta armada. É quando se casa com o brasileiro, ex-marinheiro, José Maria Ferreira de Araújo, com quem teve uma filha, Ñasaindy Barrett de Araújo. Em 1970, seu companheiro retorna ao Brasil em missão, mas no mesmo ano é entregue, preso e torturado até a morte. Hoje, é um preso político desaparecido. Em 1971, Soledad vem ao Brasil, p­ — 34

jornal sobre o atentado nazi à soledad


"soledad - a terra é fogo sob nossos pés" – foto: rick de eça

Recife. O episódio ficou conhecido como o “Massacre da Chácara São Bento”, considerado um dos mais violentos casos da história da ditadura brasileira. Posteriormente, descobriu-se, através da Comissão da Verdade de Pernambuco, que a versão oficial foi uma grande farsa montada para encobrir os crimes de sequestro, tortura e assassinato das vítimas praticados por agentes do Estado. Os militantes foram vistos chegando à chácara levados pela polícia.

PROCE SSO O projeto de montagem da peça teatral se inicia por uma aprofundada pesquisa de campo em busca da história de Soledad. Decidijornal do commércio noticiando a morte de soledad e de seus 5 companheiros

mos ir além do senso comum e dos estigmas atribuídos à personagem, frequentemente lembrada como “a mulher assassinada, traída

também para cumprir uma missão, e deixa sua filha em Cuba aos

pelo companheiro”. Iniciamos um ciclo de entrevistas, conversas

cuidados da brasileira Damaris Lucena. Passou pouco tempo em

e encontros com familiares, pesquisadores nacionais e internacio-

São Paulo e, em seguida, partiu para o Recife, onde foi incumbida

nais, conterrâneos da militante, testemunhas oculares, militantes da

pela sua organização política de fazer o enfrentamento direto aos

época, que tiveram ou não contato com ela, tudo isso para trazer à

órgãos da repressão ditatorial em todo o Nordeste. Mas também

tona a história de uma Soledad “viva”.

foi entregue, torturada e morta junto a outros cinco companheiros

Entrevistamos militantes, alguns ex-prisioneiros políticos,

da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) pelo mesmo infiltrado

com quem ela conviveu. Isso nos revelou momentos que a jovem

da polícia que denunciou José Maria e entregou cerca de 200 ou-

vivenciou no Recife, como detalhes de algumas características

tros militantes, o seu então “companheiro”, Cabo Anselmo, estando

comportamentais e de aparência. Também entrevistamos aqueles

grávida dele.

que não tiveram contato direto, mas estavam na mesma luta. Esses

Sobre esse fato, a versão oficial divulgada em todos os jornais

nos apresentaram um pouco do sentimento que motivava o com-

foi a de que seis terroristas haviam sido mortos devido ao confronto

bate e a resistência ao regime militar, transmitindo o clima estabe-

direto com a polícia, em uma chácara na Região Metropolitana do

lecido na época.

TREMA!_festival

p­ — 35


NOTAS DE PROCEDIMENTO

"soledad - a terra é fogo sob nossos pés" – foto: rick de eça

Durante o processo, percebemos que o medo ainda permeia a vida

Incentivados por militantes da época, que tiveram conhecimen-

de quem esteve ligado, direta ou indiretamente, a algum episódio

to da obra em virtude da metodologia de entrevistas e pesquisa

daquele período. Alguns tiveram receio de falar, o que demonstra

aplicada, criamos uma página no Facebook, a fim de que eles e os

que a história de 43 anos atrás ainda reverbera e desperta muita

interessados pelo tema pudessem acompanhar todo o processo

insegurança. Encontramos e conversamos com a única testemu-

de montagem. Para nossa surpresa, em pouco tempo estávamos

nha ocular da chegada dos militantes à Chácara, que na época tinha

recebendo informações, depoimentos, incentivos e solicitações

apenas 12 anos; com um dos coveiros que participou do enterro

de pessoas que queriam contribuir mais incisivamente. Foi en-

dela e dos outros cinco militantes, sepultados como indigentes no

tão que lançamos uma campanha de financiamento colaborativo

Cemitério da Várzea; e, posteriormente, com Sonja, a dona da buti-

através da página 1.

que onde Soledad e outra militante, Pauline Reichstul, foram bar-

Outra grata surpresa em relação à página foi o seu alcance.

baramente espancadas e sequestradas. O medo de falar e a “fuga

Desenvolvemos uma abrangência nacional e internacional, com

instantânea” foram características recorrentes entre essas pessoas.

acessos e interação de pessoas no Brasil e em diversos países da

No local exato onde ela foi enterrada, hoje tem um ipê roxo.

América Latina. Paraguaios, uruguaios, cubanos, argentinos e chile-

Contudo, seu corpo foi retirado de lá e até hoje não se sabe onde

nos foram alguns dos povos que apoiaram, acompanharam e divul-

está. É tido como um corpo desaparecido.

garam o projeto. Entre essas pessoas, um compatriota de Soledad,

Ao longo da montagem, vivenciamos encontros muito significativos e inspiradores para o projeto. Além dos já citados, tivemos

Adrian Morínigo, que se tornou nosso consultor de guarani, uma das línguas faladas pela militante.

a oportunidade de encontrar com a filha de Soledad, Ñasaindy Bar-

O passo seguinte foi a pesquisa cênica, que se deu através

rett, que veio de Cuba para o Brasil aos 12 anos, e a neta, Ivich Barrett,

de um processo de criação coletiva. Os objetos, a música, o espa-

que mora temporariamente no Recife. Ambas não só contribuíram

ço geográfico, os textos da época e atuais e as sensações adquiri-

para a pesquisa, mas se inseriram no projeto como parceiras. Ñai-

das durante a pesquisa inicial contribuíram para a construção da

sandy responde pela identidade visual da peça e cedeu uma com-

dramaturgia. Tudo isso culmina na montagem de um solo teatral,

posição de sua autoria para a trilha sonora. Ivich foi responsável pela

com duração de 65 minutos, em que a encenação desloca o es-

edição de fotos e vídeos usados na divulgação das apresentações.

pectador para outra época, contando a história de uma mulher

Esses encontros promoveram momentos de grande emoção para os envolvidos e as envolvidas na produção. É importante

que não ficou no passado, estabelecendo uma correlação reveladora com o presente.

relatar que, durante a pesquisa, novos fatos foram constatados

A peça é encenada pela atriz pernambucana Hilda Torres, a

acerca de Soledad e o cruzamento dessas informações, de varia-

idealizadora e coordenadora do projeto. A direção é da atriz e di-

das fontes, contribuiu para legar alguns elementos ainda desconhecidos em sua trajetória. p­ — 36

1 www.facebook.com/Soledad-Barrett-Viedma-no-teatro-397217087129931


"soledad - a terra é fogo sob nossos pés" – foto: rick de eça

retora Malú Bazán, nascida na Argentina, mas desde pequena em

sil, revistas como a “Caros Amigos” e “Continente” fizeram matérias

São Paulo. Esse encontro, também significativo, proporcionou um

com grande repercussão. Entrou em temporada no Teatro Hermilo

espaço de comunhão entre “formas de olhar a cena teatral” dis-

Borba Filho no mês de setembro de 2015; participou do 17° Festi-

tintas, diante da formação cênica/cultural de cada uma. Além de

val Nacional de Teatro do Recife e do 22º Janeiro de Grandes Espe-

montar a história de Soledad no palco, promoveram uma troca de

táculos, quando teve quatro indicações nas categorias de Melhor

experiências artísticas.

Cenário, Direção, Espetáculo e Atriz, sendo premiada nessa última

As duas são coautoras da dramaturgia, que surge a partir da sistematização da pesquisa realizada e a adaptação de textos de

categoria. Apresentou-se ainda no Festival de Solos Femininos do Sesc de Interlagos em São Paulo e agora está no TREMA!.

poetas que combateram diretamente o regime militar e da atuali-

Dentre tantas vivências significativas ao longo do processo de

dade, do avô (com uma literatura de 1904) e da própria Soledad. A

montagem e das apresentações, algumas valem ser destacadas. En-

luz e a trilha sonora foram concebidas para desenvolver um intenso

tre elas, a possibilidade de conhecer, de fato, a história de uma So-

diálogo com a atriz em cena.

ledad viva e a oportunidade ímpar de acessar os bastidores de uma

Dentre os objetos simbólicos utilizados na peça, temos a boneca que representa Soledad. Essa boneca foi feita pela querida Ma-

época que traçou o combate a ditaduras e o início ou retomada da democracia em diversos países da América Latina.

ria de Lourdes Albuquerque, percursora do Movimento Feminino

Outro momento extremamente marcante para a equipe foi

pela Anistia, durante o Regime Militar. Hoje aos 94 anos, está lúcida

quando um ex-prisioneiro político da mesma organização política

e fazendo bonecas como lazer. Mora em Fortaleza, teve sua família

de Soledad e do Cabo Anselmo, e que conviveu intensamente com

envolvida na repressão. Quatro filhos presos e torturados. Para nos-

ambos, decidiu dar seu testemunho à Comissão da Verdade de Per-

sa equipe, uma honra ter uma boneca feita por essa mulher em cena.

nambuco após assistir pela segunda vez ao espetáculo. No depoi-

Ainda durante o processo de montagem, estimulados por essa

mento, ele afirma que só tomou a decisão de testemunhar sobre sua

experiência de produção independente e motivados pelo desejo

trajetória e as informações que guarda desde aquela época, porque

de produzir os nossos próprios trabalhos, surgiu a Cria do Palco –

viu a peça. Suas palavras foram gravadas pela Comissão Estadual da

nome do grupo que veio a ser responsável pela realização do proje-

Verdade. Já havia três anos que o órgão procurava o ex-militante

to, composto por Hilda Torres e Márcio Santos (produtor cultural e

para tomar testemunho, sempre sem sucesso.

jornalista), e tendo como parceira a diretora Malú Bazán.

Por coincidência, ou não, no dia 11 de dezembro de 2015, três meses depois da estreia da peça, Soledad Barrett Viedma foi declarada anistiada política brasileira post-mortem pela Comissão Nacio-

EM CENA

nal da Anistia, em razão das perseguições que sofreu ainda em vida. Sua filha recebeu formalmente um pedido de desculpas em nome

A estreia foi divulgada em todo o país e na América Latina. No BraTREMA!_festival

do Estado brasileiro. p­ — 37


PERFIL

FIANDEIROS um templo de resistência I VA N A M O U R A ivanamoura@gmail.com

"era uma vez, outra vez" – foto: val lima

p­ — 38


P

edi ao diretor da Fiandeiros, André Filho, que traduzisse a companhia de teatro em uma única palavra. Ele não titubeou em escolher resistência. Suspeitava que seria essa. Sabemos que é

um termo desgastado pelo uso abusivo. Políticos de discursos vazios, com o intuito de nos confundir, são os principais responsáveis por vilipendiar a definição. Mas essa trupe teatral dignifica o conceito na representação da diferença, do conhecimento aplicado, do ato coletivo de uma luta voluntária, da defesa da liberdade. Essa prática aposta numa outra relação com o Recife e alimenta a necessária “utopia” através do fluxo “possível-impossível”. O coletivo surgiu em 2003, depois de uma leitura dramatizada da peça “A tempestade”, de William Shakespeare. O grupo, formado por músicos, atores, artistas plásticos e arte-educadores, quis continuar com os encontros para ler, conversar, delirar, comer e transpirar teatro. O nome Fiandeiros faz referência ao mito das três Parcas Fiandeiras Gregas, deusas que regem o destino da humanidade. “Foi assim que nos sentimos quando começamos nossa trajetória. Assim como aquelas entidades tecem a existência humana em fios de vida, nós começamos também a tecer o bordado da nossa criação enquanto artistas”, conta o diretor. O núcleo duro, que eles chamam também de pessoal da faxina, é

formado por André Filho, diretor e dramaturgo; Daniela Travassos, atriz e diretora de produção; e Manuel Carlos, ator e diretor de arte. “Existem outras pessoas que estão desde o início de maneira mais periférica, mas nem por isso menos importante, tais como o músico percursionista Charly Jadson, Kéllia Phayza e Renata Teles”, apresenta André.

TREMA!_festival

p­ — 39


PERFIL

"vozes do recife" – foto: olga wanderley

Presente na programação do TREMA! Festival deste ano, “Vento for-

sobre essas mudanças. A peça inventaria o Bairro de São José sendo

te para água e sabão”, com texto do ator e dramaturgo Giordano

praticamente destruído para dar lugar à Avenida Dantas Barreto. E

Castro, do grupo Magiluth, e Amanda Torres, é o oitavo espetáculo

André Filho enumera as pulsões dessa montagem que recupera a

da companhia. O segundo musical destinado à infância e juventude.

memória dos casarios da Rua da Aurora e da Ponte Giratória. A pers-

Com direção e trilha original de André Filho, a peça desafia a per-

pectiva saudosa de Manuel Bandeira sobre os sobrados da Rua da

cepção de que a vida é risco e a morte é certa, a partir da excêntrica

União e o Rio Capibaribe. A paisagem boêmia do Bairro do Recife

amizade entre uma bolha de sabão, chamada Bolonhesa, e Arlindo,

eternizada por Carlos Pena Filho. A percepção do Poeta do Azul de

uma rajada de vento.

como as edificações se misturavam e amalgamavam pessoas. No

“A Fiandeiros tem um traço, uma identidade musical bastante

andar térreo, os bancos; no andar superior, a pensão da redonda

forte em seus trabalhos, não apenas instrumentalmente falando,

Alzira onde banqueiros, camelôs e transeuntes se juntavam para

mas também na melodia textual. Isso sempre foi alvo de nossas

brindar à vida. O Recife dos sobrados de portas e janelas abertas pa-

pesquisas”, analisa o encenador. O repertório desse agrupamento

recendo bocas desdentadas, como diria Joaquim Cardozo. “O Vozes

teatral começa com música: “Vozes do Recife – um concerto poéti-

do Recife trouxe estes poemas para cena pontuando com a música

co” (2004), que, segundo a trupe, tinha uma aceitação bem interes-

de Capiba, Vila Lobos e Nelson Ferreira”, ilustra.

sante entre o público mais vivido, por falar de um Recife nostálgico

O texto do infantojuvenil “Outra vez, era uma vez...” é resulta-

através de canções antigas. Mas também se conectava com uma

do da primeira pesquisa da Fiandeiros. Escrita por André Filho, a peça

plateia jovem que ingressava na universidade, por conter textos de

obteve o segundo lugar no Prêmio Funarte de Dramaturgia – Região

grandes poetas pernambucanos.

NE, em 2004, na categoria Teatro para Infância e Juventude. Mas só

“Temos uma preocupação toda especial com a dramaturgia,

foi ao palco em 2008, na comemoração dos cinco anos da compa-

principalmente na forma como ela fornece os fundamentos de

nhia. A encenação toca, com delicadeza e inteligência, em pontos

nosso trabalho. Gostamos da palavra, mesmo quando enveredamos

não muito fáceis de falar para as crianças, como morte e identidade.

por vieses mais viscerais, temos sempre nosso ponto de apoio na dramaturgia”, argumenta o diretor.

Os processos formativos estão na essência do trabalho desse bando de teatro. A segunda montagem foi calcada numa pesquisa,

Além da dramaturgia, a relação com o espaço urbano instiga o

a convite do Centro Cultural Benfica, espaço vinculado a UFPE, sobre

coletivo, que carrega a cidade para dentro de seus espetáculos. E isso

a dramaturgia de Joaquim Cardozo. “O capataz de Salema” ganhou

aparece de forma direta ou sublimada. “Recife já sofreu três grandes re-

leitura, na época, mas prosseguiu para a montagem de 2005.

formas em seu patrimônio e estamos em vias da quarta grande transformação, com a polêmica sobre o Cais José Estelita”, analisa o diretor.

A estrutura dramática do texto, concebida com o emprego de redondilhas (versos de cinco ou sete sílabas), foi um desafio a mais

Essa questão ficou bem evidente na peça “Vozes do Recife”,

para a composição. A partir da trajetória de três personagens – Sinhá

que compõe um mosaico de poemas de cinco poetas pernambuca-

Ricarda e Luzia, avó e neta que vivem em condição de miséria após

nos: João Cabral de Mello Neto, Joaquim Cardozo, Ascenso Ferreira,

a morte dos filhos pescadores da matriarca; e João, o capataz –, é

Manuel Bandeira e Carlos Pena Filho. Cada um registrou seu olhar

exposta a crueldade da desproporção de condições de vida. A socie-

p­ — 40


dade individualista salienta essas contradições. A encenação optou

primeiras sedes do Centro Islâmico Brasileiro. E toda a Rua da Matriz

pelo espírito da imobilidade para projetar a incapacidade da ação

e seus casarios fazem parte do patrimônio histórico da cidade do

no presente, no passado e no futuro.

Recife, sendo protegidos por força de lei. “Eu diria que hoje o maior

Dois mil e quinze foi o ano de mergulhar nos textos canôni-

inimigo do nosso casarão não é a especulação imobiliária, mas a

cos para nos revelar sobre as inquietações de hoje. O Projeto Espaço

degradação e a falta de uma política pública de preservação desse

Fiandeiros – Dramaturgia Clássica contou com palestras, debates,

patrimônio. Isso é absolutamente incoerente com a proteção da lei.

leituras dramáticas, além da montagem de três solos inéditos ins-

Atualmente, muitos pontos comerciais já descaracterizaram bas-

pirados em “Antígona”, de Sófocles, “O canto do cisne”, de Tchekhov,

tante a fachada dos sobrados ali existentes. Parece que as secreta-

e “A tempestade”, de Shakespeare. Foram eles: “Uma antígona para

rias de Patrimônio, Cultura e Educação não conversam entre si para

Lúcia”, com direção de Luís Reis e de Durval Cristóvão; “Caliban, um

uma ação conjunta, que ajude na ocupação e preservação desses

olhar sobre ‘A tempestade’”, sob regência de Mariane Consentino; e

nossos patrimônios.”

“O canto do cisne”, encenado por João Denys. “Noturnos” (2011) fugiu um pouco dessa poética, ao tratar da dura realidade das ruas. “É um trabalho onde a musicalidade in-

E M F ORM A ÇÃ O

comoda: são acordes dissonantes do que até então tínhamos feito. Falar sobre violência, medo, agressividade, abandono, asco, invisibi-

A educação é uma das principais linhas de ação da companhia. Em

lidade social exigiu de nós um esforço enorme e um desprendimen-

parceria com o Sindicato dos Artistas – Sated, mantém desde 2010

to de nossas vaidades pessoais muito além do que já havíamos ido

a Escola de Teatro Fiandeiros. A turma profissionalizante tem um ano

em outros trabalhos”, entende André Filho.

de duração, 14 disciplinas e uma montagem ao final. O objetivo é esti-

O itinerário da Fiandeiros busca estabelecer pontes em várias

mular a dedicação pela arte da representação. Além do Curso Regular,

direções. Os trabalhos procuram unir a contemporaneidade com a

a escola também oferece turmas de Iniciação Teatral, níveis 1 e 2, e

memória para fazer brotar novos experimentos. “Sem ter, no entanto,

Intensivo em Interpretação, além da classe de Teatro para Crianças.

a preocupação de rotular o que é contemporâneo a partir de rupturas.

Mas além dos cursos, as ações da companhia são pautadas

A ruptura faz parte de todo processo de criação, mas ela, assim como

pela pesquisa e pelo investimento em educação. Assim foi com o

a gêneses, tem o tempo certo para acontecer”, assinala o diretor.

projeto Espaço Fiandeiros – Dramaturgia Pernambucana, a criação de um banco de textos teatrais para novos autores do estado, leituras dramáticas e encenações de contos, e a realização de oficinas

U M CA S A RÃ O PRÓ PRI O

e residências artísticas com grupos das cidades visitadas durante a circulação de espetáculos – ambos incentivados pelo Funcultura.

Desde abril de 2009, a Companhia Fiandeiros de Teatro ocupa o pri-

A montagem de “Noturnos” foi erigida depois de dez meses de

meiro andar do casarão na Rua da Matriz, 46, na Boa Vista. O local

estudos acerca dos moradores de rua. Dessa pesquisa, “Paralelas do

fica a 100 metros da Casa de Clarice Lispector (Rua do Aragão, nº 34,

tempo – a teatralidade do ‘não ser’”, surgiram três fragmentos de dra-

esquina com a Travessa do Veras, em frente à Praça Maciel Pinheiro)

maturgia: “O presente”, “A cura” e “Salobre”, o embrião do espetáculo.

e a 150 metros do Teatro do Parque. A centenária casa de espetácu-

A terceira edição do Projeto Espaço Fiandeiros Dramaturgia,

los, um dos equipamentos da Prefeitura do Recife, está fechada desde

agendado para este ano, tem foco voltado ao teatro para infância e

2010, sem prazo para reabertura. O imóvel onde a escritora passou a

juventude, com a realização de oficinas gratuitas e leituras dramáti-

infância apresenta sinais de depredação. A Santa Casa de Misericórdia,

cas, e mais um espetáculo inédito.

dona do prédio, alega falta de verbas e parceiros para a reforma.

O coletivo coleciona prêmios de várias categorias em algumas

A situação da Praça Maciel Pinheiro, onde há uma estátua de

edições do festival Janeiro de Grandes Espetáculos e os troféus de

Clarice Lispector, espelha a decadência do Centro. Reduto dos ju-

Melhor Iluminação e Especial do Júri para o Coro de Parcas, no Fes-

deus imigrantes no século 20, a praça hoje é um reflexo da falta de

tival de Teatro do Rio de Janeiro. A trupe excursionou algumas vezes

manutenção por parte do poder público.

pelo interior de Pernambuco. Com a Caravana Funarte de Teatro,

O imóvel do Espaço Fiandeiros também pertence à Santa Casa

realizou curtas temporadas em quatro capitais do Nordeste. E circu-

de Misericórdia. A manutenção vem de ações internas do grupo, da

lou pelas cidades do Rio de Janeiro, de Niterói, São Paulo e Curitiba

Escola de Teatro Fiandeiros e de projetos aprovados junto às leis de

com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz.

incentivo à cultura nacional e estadual. “Mas houve um tempo em

Contemporânea de outros três grupos recifenses (Coletivo

que os recursos saíam do nosso próprio bolso, o que praticamente

Angu de Teatro, Grupo Magiluth e o Poste Soluções Luminosas), a

inviabilizava qualquer possibilidade de espaço se autogerir.”

Fiandeiros aponta como ponto de convergência a busca por uma

O entorno e a sede da Fiandeiros têm história. A Rua da Matriz faz parte de um conjunto de sete ruas com origem na Praça Maciel

originalidade da cena a partir da dramaturgia, mesmo quando se trata de uma desconstrução textual.

Pinheiro, inaugurada em 1876. São elas: Rua do Hospício, do Aragão,

“Fazer um trabalho de continuidade, ocupando um casa-

Conceição, Manuel Borba, Imperatriz e Rua da Matriz. Durante as dé-

rão, desenvolvendo projetos para uma cidade que está mor-

cadas de 1920 e 1930 havia uma comunidade árabe e judaica muito

rendo em termos de ações e políticas de cultura, é uma relação

significativa, advinda dos conflitos políticos na Europa, habitando

fortemente atual com o Recife”, observa André. E é assim que a

os casarões destas ruas.

Fiandeiros desenvolve sua relação com essa urbe contemporâ-

O local onde funciona o Espaço Fiandeiros já abrigou uma das TREMA!_festival

nea: através da arte. p­ — 41


ENTREVISTA

COLETIVO artístico AS "quem tem medo de travesti" – foto: allan taissuke

p­ — 42


TRAVESTIDAS D

epois do arrebatamento com o solo “BR trans”, protagonizado pelo ator Silve-

ro Pereira, o Coletivo As Travestidas retorna ao TREMA! Festival em 2016 com dois trabalhos de seu repertório: “Quem tem medo de travesti” e “Cabaré das travestidas”. Pedro Vilela, idealizador do festival, conversou sobre o universo de pesquisa e de seus integrantes, entrevistando Denis Lacerda (Deydianne Piaf), Rodrigo Ferrera (Mulher Barbada) e Fabio Vieira. Leia esse bate-papo a seguir.

Como iniciaram sua relação com o teatro?

FABIO VIEIRA

Já fazia teatro na escola.

Quando terminei, encontrei um curso no Sesc Fortaleza. A partir daí, fui conhecendo as pessoas do meio, fazendo outros cursos e me engajando em grupos, até chegar n’As Travestidas em 2008.

DENIS LACERDA Minha relação com o teatro veio de um desejo e da curiosidade de como era feita a arte, sobre os bastidores desse universo. Comecei na periferia e, com professores da cidade, fui me colocando e participando dos principais circuitos teatrais de Fortaleza, alimentando o desejo de fazer o teatro como minha principal profissão.

RODRIGO FERRERA

Comecei na escola.

Sempre fiz parte de grupo de dança ou de teatro. E acho que quando fiz minha primeira peça, tinha uns 4, 5 anos. Claro TREMA!_festival

p­ — 43


ENTREVISTA que um teatro amador. Desde 2009, faço profissionalmente, mas

sequência do que levamos pra cena. Não consigo enxergar uma

não consigo lembrar quando decidi, sempre foi uma coisa natural

arte sem ser política, e nem acredito em arte que não promova

que fiz durante muito tempo de minha vida.

minimamente uma inquietação, uma reflexão. As causas sociais LGBTs, por exemplo, encontraram em nosso discurso artístico

Como se situa a comunhão do teatro e do travestismo?

uma legitimidade do próprio pensamento, que consegue, através da arte, falar a muito mais pessoas do que um palanque ou a

FABIO A travestilidade sempre existiu no teatro, pois houve uma

própria academia.

época em que as mulheres não podiam entrar em cena. Na medida em que essa realidade foi mudando, por volta da década de

DENIS Esse engajamento foi muito natural, quando começamos

1940, a discussão “gênero x arte” foi dando seus primeiros pas-

desejávamos falar sobre esse universo e o que nos inquietava. E

sos, enquanto a travestilidade ia cada vez mais sendo relegada

nunca foi um foco entrar em movimentos sociais, só queríamos

aos guetos. Uma de nossas linhas de pensamento é trazer a arte

fazer teatro. Com o tempo, foi nascendo esse diálogo com os

que está na travestilidade de volta ao seu palco de origem, sem

movimentos sociais e vimos a importância desses movimentos

negar seu desenvolvimento

e como podemos chegar às

no gueto ao longo dos anos.

pessoas e causar questionamentos através da arte.

cos da literatura e como es-

“A travestilidade sempre existiu no teatro, pois houve uma época em que as mulheres não podiam entrar em cena. Quando essa realidade foi mudando, a discussão “gênero x arte” deu seus primeiros passos”

ses trabalhos podem ter uma

Fabio Vieira

DENIS

Essa comunhão sem-

pre existiu. Nós trabalhamos com descobertas de clássi-

RODRIGO Acho que temos, sim, um engajamento social, mas esta não é a nossa base. Nós somos um coletivo artístico, o

ligação com o travestismo.

nosso grande objetivo é fazer

Como a travesti pode se ver

arte com as coisas que nos inquietam. Obviamente que quando nos inquietamos com algo que

num olhar mais poético!

também é das outras pessoas, isso acaba tendo uma mudança social

RODRIGO

Quando a identidade de gênero e sexualidade virou

e política, mas acho que no campo da micropolítica, nas pequenas

algo pungente nas discussões artísticas, acabou por se transfor-

relações, dentro do ser humano cheio de preconceitos e tabus que

mar num tabu. Se até o século 19 as mulheres não podiam fa-

assiste a nosso trabalho e leva as pequenas mudanças para outros

zer teatro, então era óbvio que tinham homens travestidos, mas

campos da vida. Nessa micropolítica, vamos fazendo engajamento

agora que os diretores tinham essa possibilidade, por que eles

social. Então, não costumamos levantar bandeira, não fazemos pro-

usariam homens? E alguns artistas não queriam se desvincular

jetos sociais... Encontramos nosso lugar. Existe o lugar do político, das

dos personagens acostuma-

ONGs, cada um realiza seu tra-

dos a fazer, sobretudo nesta

balho, o nosso é o artístico.

época quando você fazia um

xando bem claro que isto é

“Nós somos um coletivo artístico, o nosso grande objetivo é fazer arte com as coisas que nos inquietam. Existe o lugar do político, das ONGs, cada um realiza seu trabalho, o nosso é o artístico”

uma analogia, não queriam

Rodrigo Ferrera

Romeu, por exemplo, fazia por muito tempo... então os que faziam as Julietas, dei-

Quais pautas acreditam ser urgentes em nosso país?

FABIO

A educação principal-

deixar de fazer as Julietas....

mente. Essa é uma tecla mui-

E não conseguiam se desvin-

to batida e, por isso mesmo,

cular deste trabalho tão fácil, as questões de identidade ainda

fica claro que tem “gente” interessada em manter o povo não-e-

não eram tão claras. Então, acabou que os artistas, os transfor-

ducado. Uma mente educada é mais difícil de manipular, e eles

mistas, começaram a ir para nos guetos, fazendo performance

não querem isso. É preciso também reconhecer que as chamadas

em lugares escusos…. Porque é meio isto que a gente vive hoje...

minorias há muito assim não são. Aliás, nunca foram. Portanto, os

Porque hoje ainda é um tabu, o próprio coletivo já foi muito

direitos de TODOS têm que ser legitimados.

questionado se fazia arte ou “passação”... Hoje, talvez seja mais tranquilo, porque já provamos que o que fazemos é muito sério,

DENIS Vivemos em um momento delicado na política. A demo-

muito potente, não é mais um monte de “bichinhas” querendo

cracia é um ponto delicado. Triste ver esse descontrole pelo po-

fazer “bichices” no palco, porque é o que já ouvi muitas vezes,

der e o desespero por cargos públicos. Acredito em um país de-

principalmente em relação a Silvero, que faz isso há mais tempo.

mocrático e não nesse retrocesso pelo qual estamos passando.

O coletivo do qual vocês fazem parte relaciona-se também

RODRIGO Existem muitas pautas que acho urgentes. Mas tem umas

com o engajamento social e político. Como percebem esta relação?

que não me cabem, por exemplo, para mim: economia e as relações externas do país. Acho importantíssimo e urgente, porque preci-

FABIO Nós somos artistas. O engajamento de nossas ações é conp­ — 44

samos resolver um pouco mais tudo isso, mas não sei como lidar....


"quem tem medo de travesti" – foto: allan taissuke

Então, cuido das coisas que me cabem, a grande onda de hipocrisia

RODRIGO A palavra protagonismo acho complicada, porque meu

e destes novos padrões: da heteronormatização da vida em todos os

lugar de artista não é de protagonista social. Sou um provoca-

âmbitos. Acho que vivemos num lugar de muitos pudores, porque

dor de questão. Quando faço um espetáculo sobre travesti, eu

vivemos uma liberdade grande nos anos 1970, 80,90... e por algum

não me coloco na frente ou no centro da luta. Tento trazer da

motivo, que não sei qual foi, retornamos a um lugar de muitos pudo-

parte de trás da luta uma ebulição para quem ainda não foi to-

res, esses valores tradicionais

cada por ela. Minha mãe que

da família, igreja, do bom senso,

trabalha oito horas por dia não está no lugar onde pode

tudo isso é muito assustador,

ser atingida por estas ques-

casa e falar sobre identidade,

“Com o trabalho no coletivo, recebemos um retorno do público e de pessoas que começam a perceber o mundo de outra forma, diante de algo que eles precisavam ouvir ou falar, mas não sabiam como”

porque virou um grande tabu...

Denis Lacerda

arte vai chegar, mas ela não

porque fala de uma realidade que não existe.... Assim, como eu não consigo chegar à minha

tões, porque o movimento LGBTT não chega a ela, não consegue chegar. Mas minha vai chegar como protagonis-

Vocês se percebem como protagonistas de um determinado recorte social?

ta, vai chegar pelos fundos, porque não está na linha de frente. Quem eu acho protagonista mesmo são as mulheres trans que fazem reuniões, conferências

FABIO Eu diria que estamos mais para “porta-vozes”. As pessoas

dentro das universidades, que estão na frente do movimento

se identificam com nosso discurso, independente de gênero, e

fazendo mudanças sociais práticas, reformulando as leis, trans-

nos seguem, nos apoiam, legitimam nossa fala como sendo delas.

formando como a sociedade vê a travesti, como um empre-

E é de nossa pesquisa com pessoas que saem nossos trabalhos.

gador trata uma travesti na entrevista de trabalho, de como é

Nossa responsabilidade sobre o que é dito e defendido só au-

tratada dentro do hospital... É este o lugar do protagonismo. No

menta a cada dia. E não temos medo disso.

meu coletivo, estamos no lugar da inquietação. Já fomos acusados de roubar protagonismo da luta trans, por exemplo, por

DENIS Sim, com esse trabalho no Coletivo As Travestidas, muitas

nem todos serem travestis, transexuais, acusados de que está-

vezes recebemos um retorno do público e de pessoas que come-

vamos tomando o espaço das travestis e transexuais... Mas é

çam a perceber o mundo de outra forma, diante de algo que eles

porque estamos no lugar de holofotes... Então, foi preciso com-

precisavam ouvir ou falar, mas não sabiam como. Isso pode ser

preendermos que que existem pessoas lutando de frente, em

qualquer pessoa (hetero, gay, travestis etc.), temos uma respon-

torno das políticas públicas, dos órgãos públicos... São estas as

sabilidade de causar esse questionamento nas pessoas.

protagonistas de nossa luta.

TREMA!_festival

p­ — 45


EXPEDIENTE

TREMA! revista de teatro de grupo EDIÇÃO DO festival ANO 1

#6

MAIO 2016

Uma edição bimestral da Trema! Plataforma de Teatro

COORDENAÇÃO TREMA! Plataforma de Teatro Mariana Rusu e Pedro Vilela

CONSELHO EDITORIAL Mariana Rusu, Olívia Mindêlo, Pedro Vilela e Thiago Liberdade

EDIÇÃO Olívia Mindêlo

CAPA E PROJETO GRÁFICO Thiago Liberdade

PROPONENTE DO PROJETO Thiago Liberdade

COLABORADORES DA EDIÇÃO* Adilson Di Carvalho, Antonia Cavalcante, Cria do Palco, Denis Lacerda, Grace Passô, Ivana Moura, Luciana Romagnolli, Mariana Blanco, Marina Arthuzzi, Marina Viana, Fabio Vieira, Rodrigo Ferrera, Shima, Thiago Liberdade *As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

PLATAFORMA TREMA! tremarevista@gmail.com tremaplataforma@gmail.com facebook.com/tremaplataforma www.tremaplataforma.com.br +55 (81) 9 9203 0369 | (81) 9 9223 5988

Tiragem: 500 exemplares (por edição) Impresso pela Brascolor ISSN: 2446-886X

Edição do FESTIVAL | Nº #6 | Ano #1 | Recife, Maio de 2016

Realização:

Incentivo:

A TREMA! Revista de Teatro de Grupo é uma publicação com incentivo do FUNCULTURA – Fundo de Incentivo a Cultura de Pernambuco.

p­ — 46


pergunta

TREMA!4/4

“Temer, o Temer faz tremer.”

SHIMA A R T I S TA

TREMA!_festival

p­ — 47


ISS N : 2

446-88

6X

1. Grande festa. 2. Cortejo cívico. 3. Espetáculo em honra e benefício de alguém. 4. Realização periódica de entretenimento ou competição artística de determinada espécie.

p­ — 48


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