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SABOREANDO A PERSPECTIVA RIZOMÁTICA – CONEXÕES ENTRE AS CONCEPÇÕES
Ao assumir uma perspectiva rizomática (FREITAS, 2017), admito que cada relação/conexão se processa em inúmeras direções e sentidos, além de depender dos contextos em que estão inseridas, que vão desde o interesse e nível de conhecimento dos/as estudantes até as formas como estes/as se reconhecem
nos processos (auto avaliação). Ao assumir uma perspectiva composta por uma teia de conexões entre saberes e fazeres, não temos como fazê-lo sem relacioná-la com um conceito de interdisciplinaridade.
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Arelação perspectiva rizomática~interdisciplinaridade que propomos brota da ideia de atravessamento não só entre os diversos saberes, mas, também entre estes, os/as agentes e as práxis que envolvem o processo educacional como um todo, uma “articulação interdisciplinar dos conhecimentos” (RANGEL; AQUINO; COSTA, 2017, p. 16) que se atravessam, e, nesta proposta, será de suma importância para entender que a organização curricular aqui apresentada (de eixos, objetos do conhecimentos e habilidades) é propositiva, ou seja, não tem um centro nem uma hierarquização, não tem um caminho único a ser experimentado, não tem que seguir somente a sequência que está apresentada, mas podem e devem ser saboreadas em diferentes composições a serem criadas pelos/as educadores/as, observando como esta melhor se adequa às realidades em que vier a ser vivenciada, ou seja, o contexto educacional dos/as próprios/as estudantes, das escolas e de suas comunidades.
Contextoé um termo que há tempos já aparece em discursos educacionais, não só na área da Educação, como em Paulo Freire (1987; 2001), mas também na área da Dança, como na proposta de “dança no contexto”, de Isabel Marques (1999; 2011), dentre outras. Pensar a partir do contexto é pensar nas possibilidades de realização a partir das condições que se tem, e que, por mínimas que sejam, já constituem um universo de coisas, basta lembrar que cada estudante já traz consigo uma gama de conhecimentos. Cada estudante, turma, escola, rede de ensino, cidade e etc., têm suas particularidades que vão compondo os contextos em que se apresentam e, tentar ensinar algo sem levá-los em consideração, é aumentar a probabilidade deste processo de ensino não se efetivar, ou seja, não atingir seu objetivo, as aprendizagens (FREIRE, 2001).
Pensar em práticas educacionais que levem em consideração os contextos que se apresentam constitui um importante passo para pensar sobre a própria condição de propor processos de ensino, que se comuniquem com as necessidades educacionais da/na contemporaneidade. Isabel Marques propõe o contexto como interlocutor de práticas artístico~educativas, e acrescenta: “essas práticas possibilitam uma interrelação multifacetada entre corpos, movimentos, mentes, histórias de vida, conteúdos específicos de dança, tanto nas instituições de ensino como em seus espaços de ação sociocultural” (2011, p. 102-103). Pensar em práticas educativas que considerem os contextos (estabelecidos ou que podem vir a ser) é pensar nas realidades que se apresentam e suas conexões pessoal e social, portanto, um caminho que pode dar ênfase ao próprio interesse dos/as estudantes em aprender.
Outra concepção que conectamos a esta perspectiva rizomática é a proposta de Jaques Delors para os pilares da educação, que enfatizam uma formação voltada para o desenvolvimento contínuo das pessoas e das sociedades, baseada em quatro princípios: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser” (DELORS, 2010, p. 31). O desenvolvimento contínuo proposto por Delors pode reforçar a perspectiva rizomática na medida em que esta formação cresce em diferentes sentidos e conecta-se em diferentes saberes e fazeres, relações e entendimentos, de si, do mundo e das relações que se processam estre estes.
Acredito que não se tem como pensar numa Educação Integral, no desenvolvimento pleno de uma corpessoa, sem que, passando por seu próprio interesse, esta não tenha um mínimo de autonomia e de emancipação. Autonomiade pensamentos e atitudes em relação a si mesma e em relação ao mundo que a rodeia. Autonomia de produção e conceitualização de seus próprios saberes e fazeres, bem como de suas implica-
ções. Como para Freire (2001), acredito que promover autonomia é importante para o encontro com a diferença e para o desenvolvimento da ética, das relações entre os seres, respeito mútuo, para além de atitudes pautadas em gostos pessoais, dentre outras conexões possíveis.
Outra das principais concepções que se conectam e sustentam esta perspectiva rizomática e a de emancipação. Aqui pensando emancipação por dois vieses: um projeto educativo emancipador, como diz Boaventura de Sousa Santos (2018), e na ideia de “igualdade de inteligências”, contida no pensamento de emancipação intelectual de Jacques Rancière (2002).
Aideia de uma educação emancipadora de Santos, como afirma Nilma Lino Gomes, é uma aposta de que “[...] é possível produzir conhecimento comprometido com os processos de emancipação social e com as lutas contra-hegemônicas.” (2018, p. 515). Esta concepção dialoga com uma educação que não evita os conflitos, ao contrário, atua por uma “pedagogia dos conflitos” na qual se trabalhe com “[...] uma compreensão mais alargada e profunda que não reduz educação à escolarização.” (Ibid.). Para Santos, as pessoas devem recuperar sua capacidade de espanto e indignação, seu inconformismo e sua rebeldia, e, só por meio da desestabilização é que se poderia atingir um “[...] projecto educativo emancipatório, adequado ao tempo presente” (2018, p. 527).
Já no pensamento de Rancière, que trata sobre uma emancipação intelectual, tal concepção está ligada ao pressuposto de igualdade entre as inteligências, uma não superioridade de uma pessoa sobre outra, estando todas no mesmo patamar de capacidade para desenvolver suas próprias aprendizagens. O autor afirma que: “chamar-se-á emancipação a diferença conhecida e mantida entre as duas relações, o ato de uma inteligência que não obedece senão a ela mesma, ainda que a vontade obedeça a uma outra vontade” (RANCIÈRE, 2002, p. 26). Rancière baseia sua concepção na ideia de que para aprender não são necessárias explicações, mas, primordialmente, a vontade em aprender, por parte do aprendiz, e não a vontade de ensinar, de um/a mestre/a explicador/a.
Aliando os pensamentos de Santos e Rancière, para a conexão de uma concepção de emancipação nesta perspectiva rizomática, acredito que práticas educativas que partam do contexto dos/as estudantes, fomentem, problematizem e valorizem seus processos de descoberta, entendimento e discussão das realidades em que vivem, e nas que podem ser criadas, pode-se promover uma educação emancipatória, ou seja, uma educação que ajude a desenvolver corpessoas que, criticamente, sejam capazes de refletir, entender e agir na sociedade em que vivem, sem se conformar com injustiças e entendendo que todas as pessoas têm capacidades análogas. Ninguém é melhor do que ninguém.
Neste sentido, uma corpessoa emancipada também é um corpo (uma pessoa) que tem autonomia de pensamentos e atitudes, que é livre no seu ir e vir para estabelecer e lidar com suas próprias questões, suas relações consigo e com o mundo. Nesta perspectiva rizomática, autonomia e emancipação atravessam-se constantemente, bem como atravessam a multiplicidade de contextos/realidades que, interdisciplinarmente, constituem o aspecto de integralidade, para o pleno desenvolvimento de uma corpessoa. Não esquecendo que sempre vão existir outras possibilidades.
Para esta rede de conhecimentos também acreditamos ser importante integrar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que, a partir da resolução 70/1 da Assembleia Geral da Nações Unidas, constitui-se de 17 metas globais que tem por finalidade a melhoria do planeta e a qualidade de vida da
13população em geral .
Aperspectiva rizomática aqui atuará também como liga entre as inúmeras conexões possíveis, que podem estar explicitadas na proposta bem como podem ser criadas pelos/as próprios/as educadores/as, em outras organizações que lhe for pertinente frente aos contextos em que se encontrarem. Tais atravessamentos, as conexões, também deverão atuar com o caráter de interdisciplinaridade não só nos cruzamentos
13 Para mais informações ver <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. Ao final deste, no anexo 1, apresentamos um quadro com os ODS..