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A DANÇA COMO COMPONENTE CURRICULAR

municipais de ensino em nosso país, bem como das práticas educativas adotadas nas escolas, ainda não conseguiu estabelecer o ensino de Dança de forma satisfatória, valorizando-o como área de conhecimento a compor a educação integral das corpessoas. Entendo que esse pensamento está em processo e, esta é a principal motivação da elaboração desta proposta curricular, aproveitando que, em Teresina, já se consegue efetivar aquela intenção, a utilização da Dança como área de conhecimento colaborando para a educação integral dos/as estudantes.

PCNs - A DANÇA NOS COMPONENTES CURRICULARES ARTE E EDUCAÇÃO FÍSICA

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A9história do ensino da Educação Física no Brasil é recheada de ideologias que foram da “eugenia” ao “adestramento” motor (BRASIL, 1997). Mesmo após a Reforma Couto Ferraz, em 1851, quando foi considerada como obrigatória nas escolas do município da Corte, grande parte da população não apoiava tal mudança, pois ainda associavam o esforço físico às ideias de escravatura e, consequentemente, uma ocupação de “menor” valor, contrapondo-a ao desenvolvimento intelectual (Ibid.). Antes da Lei 9.394/96 o ensino desta área do conhecimento conseguiu avanços quando aliada ao pensamento militar de preparação de jovens para compor um exército forte e saudável, para defender a pátria, pensamento que tomou força a partir da constituição de 1934.

O exército passou a ser a principal instituição a comandar um movimento em prol do “ideal” da Educação Física que se mesclava aos objetivos patrióticos e de preparação pré-militar. O discurso eugênico logo cedeu lugar aos objetivos higiênicos e de prevenção de doenças, estes sim, passíveis de serem trabalhados dentro de um contexto educacional.

Afinalidade higiênica foi duradoura, pois instituições militares, religiosas, educadores da “escola nova” e Estado compartilhavam de muitos de seus pressupostos. (BRASIL, 1997, p. 15).

Com a lei 4.024/61 o esporte ocupou o foco principal das atividades desenvolvidas pela Educação Física, e, somente em 1997, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, é que “a Dança vai ser apresentada como parte constitutiva da educação em Arte e em Educação Física” (VIEIRA, 2019, p. 73 – grifo nosso). Baseado nos documentos oficiais Marcílio Vieira aponta que:

O PCN de Arte traz uma visão da Dança em seu contexto educacional, estético e artístico, na construção de um ser social crítico, participativo, fruidor e apreciador de dança [...] Já o PCN de Educação Física indica a dança como uma atividade rítmica e expressiva que deve abordar os conteúdos de Dança a partir das manifestações da cultura brasileira, das manifestações musicais, das brincadeiras de roda e das cirandas. Esse documento indica que o bloco de Dança deve ser articulado ao conteúdo do corpo e do esporte, ao das lutas e ao das ginásticas. (VIEIRA, 2019, p. 74).

que: Ao tratar sobre o ensino de Dança, o próprio documento dos PCNs de Educação Física enfatiza

O enfoque aqui priorizado é complementar ao utilizado pelo bloco de conteúdo “Dança”, que faz parte do documento de Arte. O professor encontrará, naquele documento, mais subsídios para desenvolver um trabalho de dança, no que tange aos aspectos criativos e à concepção da dança como linguagem artística. (BRASIL, 1997, p. 38-39).

9 Teoria que embasou atrocidades presentes na história da humanidade, tal como o holocausto nazista, na busca de um melhoramento e manutenção da raça branca, considerando-a pura.

Em geral, a Dança na Educação Física foi pouco desenvolvida, pois esbarrava na vontade dos/as próprios professores/as que, em sua grande maioria, ou objetivavam somente a esportivização ou não se sentiam aptos a trabalhar com tal conteúdo, o que resultava de sua própria formação profissional e, em Teresina, de um preconceito com a própria atividade da Dança (FREITAS, 2006). O ensino da Dança em aulas de Educação Física Escolar ficou restrito à vontade pontual de poucos/as educadores/as que, comumente mulheres, baseavam seu fazer na produção de alguma apresentação artística, muitas vezes de Danças Populares, justificando assim o caráter regional proposto pela legislação.

Outro fato importante a ser observado nos PCNs é que o ensino de Dança via Arte e via Educação Física, deveria ser implantado a partir do 1º ano do Ensino Fundamental, bem como em toda essa etapa da Educação Básica, o que novamente gerou certo desconforto, pois este ensino acabaria tendo que ser ministrado por professores/as de referência da turma, e não por especialistas em Dança, como preconizado para o ensino do 6º ao 9º ano, que deveria ter um/a professor/a licenciado em Dança para efetivar o ensino dos conteúdos inerentes a esta área de conhecimento.

Se nos PCNs (mais no de Arte do que no de Educação Física) a Dança poderia ser considerada como área de conhecimento, a partir da BNCC, homologada em 2017, naqueles dois componentes curriculares a Dança foi proposta como “Unidade Temática”, sendo, em Arte, uma linguagem obrigatória.

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR - O COMPONENTE ARTE E A NECESSÁRIA REFORMULAÇÃO DOS CURRÍCULOS

Observando a trajetória histórica da legislação educacional brasileira, chegamos até a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que, homologada em 2017, constitui, atualmente, o principal documento a ser observado para orientar a reformulação dos currículos de todas as redes de ensino em nosso país. Segundo o próprio sitio do MEC (Ministério da Educação) esse documento “[...] define o conjunto orgânico de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”. Na busca de certa igualdade de direitos de aprendizagem, a serem atingidos por todos/as os/as estudantes do Brasil,

ABase estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica. Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana integral e para a

construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. (MEC)10 .

Com a homologação desse documento, que mesmo antes de 2017 já influenciava a reformulação curricular da Educação Básica brasileira, o governo normatizou uma política educacional que visa promover uma equiparação dos sistemas de ensino no Brasil a outros considerados “melhores e mais qualificados [...] do mundo” (Ibid.), uma perspectiva que pode ser interpretada como comparação de relações internacionais que, por estar na linha de frente do discurso, pode relegar a um segundo plano a própria realidade nacional.

Em outro aspecto, mesmo com um discurso que propõe valorizar diferentes áreas de conhecimento, estas foram consideradas somente em número de 05 (cinco): Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Religioso. No caso da Dança é possível observar que, se nos PCNs ela poderia ser pensada e valorizada como uma área de conhecimento agora, na BNCC, foi determinada como conteúdo obrigatório estruturado como “unidade temática”, dentro da Arte– esta sendo um dos compo-

10 Disponível em <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em: 01 jul. 2020.

nentes curriculares a constituir a área de conhecimento das Linguagens. Tal acontecimento soa como retrocesso no reconhecimento da Dança como potência educativa e, em movimento contrário, o ensino de Dança nas escolas cada vez mais vem demonstrando sua importância formativa, a exemplo da experiência em Teresina (FREITAS, 2019). Apartir daquela possível interpretação, certo grau de retrocesso, Vieira reflete:

E o ensino de Artes/Dança, qual é o seu papel na Base Nacional Comum Curricular? O Conselho Nacional de Educação, em relação às Diretrizes Nacionais para a educação básica, dirá que a Arte, em suas diferentes linguagens artísticas, constitui-se como parte integrante da Base Nacional Comum. No entanto, na crise revelada, essa área de conhecimento retroagiu empobrecendo o currículo e equiparando-se aos problemas não muito diferentes daqueles associados ao passado. (2019, p. 133).

Contudo, desde os PCNs, onde já se observava a obrigatoriedade para o ensino de Dança, era notória a necessária reformulação do componente Arte, no intuito de garantir a descontinuidade da hegemonia do ensino de uma única linguagem, e, mesmo constando como unidade temática e linguagem obrigatória (BNCC), faz-se importante, de fato, oportunizar que os/as estudantes tenham maior contato com a Dança.

ESCOLAS DE TEMPO INTEGRAL (ETIs) DO MUNICÍPIO DE TERESINA - A DANÇA COMO COMPONENTE CURRICULAR

O desenvolvimento artístico da área da Dança produzida por e em Teresina há muito vem sendo re/conhecido, inclusive em nível internacional, por meio de inúmeros/as artistas teresinenses e/ou piauienses que transformaram/transformam as suas vidas por meio dos seus fazeres em/com Dança. Os estudos, pesquisas e experimentações pelos quais passam as pessoas que vivenciam a Dança, de forma intensa e intencional, provocam outras/novas formas de lidar com o mundo, criam diferentes conexões e entendimentos de corpo, de pessoa e de suas relações como o meio em que vivem.

Arevista Cadernos de Teresina, em seu XVano, nº 36, de agosto de 2003, que foi dedicada exclusivamente à Dança, colocou em seu editorial:

É humilde a maneira encontrada pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves e pela Prefeitura Municipal de Teresina para destacar o heroico trabalho realizado por esses artistas, ainda sem o devido reconhecimento público, considerando a magnitude de sua contribuição ao processo de desenvolvimento da arte e, em particular, da dança em uma cidade distante, longe dos grandes centros culturais onde historicamente o balé, a dança, em suas mais diversas vertentes, sempre floresceram. (p. 1).

Fonte: Acervo particular do autor.

Reconhecimento é algo que a Arte, e a cultura em geral (no mundo), careceram/carecem em todos os tempos, o que no mínimo é curioso, pois não se sobrevive sem elas. Concordo com o termo “heroico”, utilizado na citação, pois os/as artistas teresinenses, e piauienses em geral, ao longo do desenvolvimento histórico das artes em nosso estado, tiveram/tem o costume de não esperar por recursos financeiros para produzirem seus fazeres artísticos, o que, de uma forma geral, atua como dispositivo de resistência, operando no sistema como provocador de um mínimo de reconhecimento, mesmo que “humilde” como foi dito.

Mas é preciso que se diga que a Dança, enquanto área de conhecimento, não só em Teresina, tem conquistado altos índices de crescimento, e de reconhecimento, em seus aspectos artístico e educativo, um “campo acadêmico em expansão” (AQUINO, 2008). Esta situação também ecoa no ensino de Dança nas escolas de Educação Básica, especificamente da rede pública municipal de Teresina, que, também é “[...] uma realidade em crescimento” (FREITAS, 2019). Neste sentido,

O ensino de dança na educação básica do município de Teresina – Piauí, há muitos anos, vem criando trajetórias que fortalecem o pensamento desta arte como um potencial meio educativo, seja no âmbito do desenvolvimento corporal e artístico, seja como estratégia em processos de ensino e de aprendizagem a serviço de conteúdos de outras disciplinas, ou mesmo com outras finalidades, tal como funcionam alguns projetos de cunho social voltados para o ensino da dança nas escolas [...] colocar um corpo para estudar seus próprios movimentos, para dançar, é interferir diretamente no modo como este corpo se relaciona com o meio que o rodeia, é, portanto, interferir em sua formação, sua própria vida. Colocar um corpo para dançar é oportunizar um maior conhecimento de si e, consequentemente, de suas relações com o mundo. (Ibid., p. 298-299).

O ensino de Dança nas escolas da Prefeitura de Teresina, até 2017, passou por diversos processos que caracterizam diferentes formas de perceber e atuar nesta área, e consequentemente nas relações desta com a educação. Em muitas escolas, as iniciativas operaram por uma perspectiva de prática extracurricular, em aulas avulsas (não contínuas), muitas vezes ministradas por pessoas da comunidade sem uma formação consolidada em Dança. Durante a década de 2000, algumas escolas receberam oficinas anuais que foram

11ministradas por instrutores/as mantidos/as pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves , mas, na medida em que foram surgindo alguns empecilhos, como problemas com os/as instrutores/as ou a diminuição dos recursos da própria fundação, aquelas escolas foram perdendo suas oficinas, já que não havia recursos próprios para mantê-las. No ano de 2006, foi desenvolvido o projeto “Educação se faz com Arte”, reeditado em 2008 com o título “Educação se faz com Dança”, que levou não só oficinas de dança, mas também espetáculos para 25 escolas da rede/ano, e ainda um curso de metodologia do ensino da Dança para as pessoas que se interessassem em promover essa formação nas escolas. Este projeFonte: Acervo particular do autor. to, além de atingir diretamente mais de 500

11 Órgão vinculado à Prefeitura de Teresina que tem como missão a “valorização da identidade cultural, bem como o patrimônio material histórico e artístico da capital piauiense” – Sítio da própria Fundação, disponível em <https://fcmc.teresina.pi.gov.br/missao/>.

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