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MARCO ANT\u00D4NIO GUIMAR\u00C3ES: A REINVEN\u00C7\u00C3O DA ALMA DO UAKTI

FUNDADOR DO ACLAMADO GRUPO MINEIRO, EXTINTO NO FIM DO ANO PASSADO, O MULTIARTISTA PLANEJA SE DEDICAR A CANÇÕES E TRILHAS SONORAS E PÕE À VENDA OS CURIOSOS INSTRUMENTOS MUSICAIS QUE CRIOU AO LONGO DE 45 ANOS

De Belo Horizonte e do Rio*

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Músico, compositor e um dos mais aclamados movimentadores da cena musical mineira, Marco Antônio Guimarães, fundador do Uakti, se reinventa após o fim do lendário grupo que fundou, em 1978. Anunciada por meio de sua conta numa rede social em outubro do ano passado, a dissolução do quarteto cujo sofisticado minimalismo rendeu comparações - e parcerias - com Philip Glass, bem como rasgados elogios da crítica internacional ao longo de décadas de apresentações por aqui e lá fora, gerou apreensão. Tudo porque, além do grande valor artístico das composições, que emprestaram beleza e poesia a cinco espetáculos de balé do Grupo Corpo e à trilha sonora do longa-metragem internacional “Ensaio Sobre a Cegueira”, entre gravações com nomes como Milton Nascimento e Ney Matogrosso, o Uakti tem outro patrimônio inestimável: os curiosíssimos instrumentos feitos de sucata por Marco Antônio desde 1971, e que foram postos à venda.

Com 36 anos de existência e a mesma formação há muitas décadas, o Uakti vinha passando por desgastes, como admite Marco Antônio. “Problemas internos e pessoais tornaram impossível a continuidade do grupo”, descreveu o seu fundador num brevíssimo e discreto relato na internet, o mesmo em que anunciou a venda das peças, feitas de copos plásticos a madeira de demolição, de pedras e vidro a tubos de PVC. Tais instrumentos estão ligados à gênese do Uakti, já que seu nome remete a uma lenda indígena sobre um ser mitológico (Uakti) cujo corpo, atravessado pelo vento, produzia lindas músicas que encantavam as mulheres. Enciumados, os homens o mataram, e, no lugar onde o enterraram, nasceram palmeiras cuja madeira foi usada para fazer flautas de sons celestiais.

DESTINO PREFERIDO: ESCOLA DE MÚSICA DA UFMG

Apesar do interesse de instituições culturais e de ensino, o acervo ainda está disponível para quem quiser arrematar. “Quando anunciei pelo Facebook que estava vendendo tudo o que criei nos últimos 45 anos, um grupo de fãs iniciou uma campanha para que o (instituto cultural) Inhotim, de Minas, adquirisse todo o acervo para exibição em exposição permanente. Isso partiu dessas pessoas que admiram meu trabalho, não foi um contato direto de Inhotim”, explica Marco Antônio à Revista UBC. Também a Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais manifestou interesse pelo acervo, embora a reitoria tenha vetado a aquisição alegando necessidade de cortar despesas. “Fui procurado pela diretora de lá, a Mônica Pedrosa. Eu gostaria muito que alguma empresa, algum ‘mecenas’, comprasse o acervo completo e doasse à escola.”

A indefinição sobre os instrumentos não chega a estimulálo a voltar atrás na decisão de pôr fim ao Uakti. “Não tenho a intenção de voltar a formar nenhum grupo musical”, afirma, categórico. Agora, segundo diz, ele planeja escrever canções e também continuar a se embrenhar no universo das trilhas sonoras. Só do Grupo Corpo foram cinco: “Dança Sinfônica”, deste ano; “Uakti”, de 1988; “21”, de 1992; “Sete Ou Oito Peças Para Um Ballet”, de 1994; e “Bach”, baseada na obra do compositor alemão, de 1996. “Gosto de todas elas mas, segundo Rodrigo Pederneiras, coreógrafo do Corpo, o balé ‘21’ foi um divisor de águas na sua maneira de coreografar, motivado por essa trilha em especial”, orgulha-se Marco Antônio.

O mergulho em canções com letras é um grande desafio. “Escrevi muita música instrumental esses anos todos, e seria um novo estímulo compor canções”, compara o multiartista, que mostrou ao mundo sua habilidade de elaborar trilhas de filmes ao produzir a de “Ensaio…” a partir de um convite do diretor brasileiro Fernando Meirelles. A repercussão foi tamanha que a imprensa americana o descreveu como um “Steve Reich (pioneiro nova-iorquino do minimalismo) exilado na Amazônia”.

NO INÍCIO, MILTON

A voragem de convites para parcerias começou com Milton Nascimento, primeiro grande nome associado ao trabalho do Uakti, ainda nos anos 1980. Foram “várias participações” em discos do Bituca, como descreve Marco Antônio. “Por causa dessas parcerias, Paul Simon nos conheceu. Recebemos dele o convite para gravar em seu disco ‘Rhythm of the Saints’. Ficamos uma semana em estúdio com ele, no Rio de Janeiro, e um dia ele convidou seu amigo Philip Glass, que estava no Brasil, para conhecer o Uakti. Foi um encontro muito legal, tocamos algumas músicas do repertório do grupo, e, quando Philip ficou sabendo que tocaríamos em BH alguns dias depois, veio assistir. Ficamos amigos. Ele lançou discos do Uakti nos EUA pelo seu selo, e, mais tarde, criamos em parceria o balé ‘Sete ou Oito Peças…’, para o Grupo Corpo.”

Uma caminhada que se firmava, nos anos 1980/1990, na direção da merecida projeção internacional. Mas que, para Marco Antônio, começou bem antes. “Minha mãe, Heloisa Fonseca Guimarães, era artesã e tinha em casa uma pequena oficina com ferramentas variadas porque trabalhava com diversos materiais. Aprendi com ela o manejo de ferramentas e construía meus brinquedos quando criança. Quando fui estudar música na Universidade da Bahia, em Salvador, conheci Walter Smetak, suíço naturalizado brasileiro que construía maravilhosos e inusitados instrumentos musicais. Foi um encontro muito marcante e, por influência direta do trabalho de Smetak, quando voltei a Belo Horizonte comecei a criar meus próprios instrumentos”, precisamente em 1971.

Já formado, o multiartista atuou como violoncelista em orquestras sinfônicas de São Paulo e Minas Gerais. Enquanto isso, aventurava-se mais e mais na produção dos instrumentos. As jam sessions que organizava com amigos para testá-los foram a ponte que faltava para a formação de um grupo próprio. “Vez ou outra, convidava músicos amigos para seções de improvisação com o pequeno grupo de instrumentos que eu criava. Aos poucos, alguns músicos passaram a se dedicar ao estudo de instrumentos novos que iam surgindo, e começamos a ensaiar mais regularmente”, descreve o embrião do Uakti. A primeira formação, e mais longeva, incluiu, além de Marco Antônio, Paulo Sérgio Santos, Décio Souza Ramos, Artur Andrés e Claudio Luz. O violonista Bento Menezes participou do grupo até 1984 e toca nos dois primeiros discos do coletivo.

Alguns dos instrumentos criados por Marco Antônio: todos à venda.

Alguns anos depois, já reconhecido no exterior, o inventor foi convidado pelo museu Exploratorium, de São Francisco (EUA), a elaborar aparelhos sonoros exclusivos para seu acervo permanente. A sonoridade peculiar, inventiva, do Uakti encantou não só Paul Simon, Philip Glass e Milton Nascimento. Maria Bethânia, Ney Matogrosso e Zélia Duncan também tiveram a luxuosa colaboração do grupo. Que, mesmo tão requisitado, ainda encontrou tempo de sobra para lançar dez discos próprios ao longo dos mais de 36 anos de existência, além de participar de muitas dezenas de concertos (em todos os continentes), festivais e master classes em diversos países. Um legado já mais que garantido na história da música brasileira.

*Por Fabiane Pereira

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