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Toquinho, meio s\u00E9culo de m\u00FAsica, 70 anos de amor \u00E0 vida

Por Almir Teixeira, de São Paulo

O próximo 18 de novembro será de festa para a música brasileira. Nesse dia, sobe ao palco do Teatro WTC, em São Paulo, o grande Toquinho, para lançar o DVD de comemoração de seus 50 anos de carreira e 70 de vida. O trabalho é uma condensação da sua obra por meio de canções representativas de cada fase, como “Aquarela”, “Que Maravilha”, “Regra Três” e “O Caderno”, entre tantos clássicos inesquecíveis.

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O público poderá ainda contar com uma série de convidados especiais no lançamento, dentre eles os que participaram da gravação, como Paulo Ricardo, Mutinho, Anna Setton, Verônica Ferriani e Tiê.

Para Toquinho, motivo de festa não falta: “Creio mesmo que são 50 anos especiais! A vida me deu oportunidades para desenvolver meu talento como instrumentista, compositor e intérprete colocando em meu caminho pessoas que ajudaram a me aperfeiçoar a cada estágio do percurso. Amo fazer o que faço, o palco é a extensão de minha casa. Nele, sou simples e íntimo da plateia.”

Segundo o artista, há apenas uma diferença entre ele e o jovem do Teatro Paramount que, em 1966, despontava para ser um dos maiores músicos da sua geração: meio século de experiência. “Meu maior trunfo é o reconhecimento popular, sempre renovado”, reflete. “Se perceber que deixei de fazer alguma coisa, tentarei fazer daqui para frente. Sempre é tempo de realizar ou refazer. E de comemorar!”, diverte-se.

Já o cálculo dos 50 anos se confunde com a consciência da profissão adquirida desde os primeiros shows na década de 1960, alinhavados pelas primeiras composições e a posterior gravação do primeiro disco, ainda só instrumental, “O violão de Toquinho”, em 1966.

A JORNADA DE UM TOQUINHO DE GENTE

Antonio Pecci Filho - nome de batismo de Toquinho - nasceu em 1946, em São Paulo, no bairro do Bom Retiro, filho de pais com ascendência italiana. Ganhou o apelido quando, durante uma procissão de seu padroeiro, representou o Santo Antônio mais baixinho de que se teve notícia no bairro. Daí em diante, saiu de cena o “Toninho” para entrar o “Toquinho de gente”, como lhe chamava sua mãe, dona Diva.

Muito metódico e estudioso, dedicou o mesmo afinco para tornar-se o campeão de botão do bairro, ser o melhor aluno da escola e, mais tarde, dominar o violão como poucos.

A música lhe chegou por todos os lados, desde um violino quebrado que a mãe guardava no armário aos discos de Ângela Maria, Luiz Gonzaga e Ray Coniff na vitrola. Sem contar os vozeirões de Anysio Silva, Nelson Gonçalves e Vicente Celestino, que faziam a cabeça do jovem por serem "dramáticas" e "tristíssimas".

Por fim, o violão foi escolhido por Toquinho como uma possível saída para as crises emocionais que vivia, por se cobrar demais, principalmente nas épocas de prova na escola. No instrumento, teve uma primeira professora, que abandonou o aluno "por não saber ensinar tudo o que ele pedia" e passou em seguida a ter aulas com o mestre Paulinho Nogueira.

Na segunda aula já surpreendeu o professor, ao fazer a lição de casa, que era ensaiar a música "Esse Seu Olhar", de Tom Jobim. Toquinho não só trouxe a música ensaiada como a tocou também em dois outros tons, levando o professor a pensar: "Este não é um aluno comum". Teve ainda como mestres Edgar Gianullo, da orquestra Simonetti, Oscar Castro Neves e Isaias Sávio.

Com toda essa formação e os amigos apresentados por Paulinho Nogueira, em menos de dois anos Toquinho passou da participação em shows amadores para atuações profissionais. A primeira aparição na televisão foi na TV Record, no programa “Hully-Bossa”, uma competição musical entre os partidários da bossa nova e os adeptos do nascente rock ’n' roll.

Em dezembro de 1964, participou com seu violão da peça “Balanço de Orfeu”, acompanhando Taiguara, e foi responsável pela direção musical da apresentação em São Paulo da peça “Liberdade, Liberdade”, que tinha em seu elenco estrelas como Paulo Autran, Tereza Rachel e Oduvaldo Viana Filho.

Toquinho também fez grande figura nos clássicos festivais da época. No 3° Festival da Canção Popular da TV Record, concorreu, em parceria com Vitor Martins, com a música “Belinha”, cantada por Wilson Simonal, desclassificada, porém, na apresentação inicial. Já no 3° Festival Internacional da Canção Popular, teve “Boca da Noite”, parceria com Paulo Vanzolini, classificada para a finalíssima da fase nacional, ficando em 8° lugar. Na noite histórica, o júri deu a vitória a “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, sob protesto de um Maracanãzinho lotado, que exigia o 1° lugar para “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”, a célebre canção de protesto de Geraldo Vandré.

Em 1966, graças a uma indicação do radialista Walter Silva, foi chamado a gravar e produziu o disco “O violão de Toquinho”, composto de solos de violão, com apoio de Ely Arcoverde, no órgão, Thommas Lee na flauta e José Roberto Marco Antonio na bateria.

Outro marco dessa época foi sua viagem à Itália, para onde fora em exílio o amigo Chico Buarque. De apresentações mambembes e calotes de empresários, os dois conseguiram emplacar uma temporada de 35 shows, fazendo a primeira parte das apresentações de Josephine Backer, estrela que brilhava no velho continente e era conhecida simplesmente como “La Backer”.

Da temporada na Europa, Toquinho deixou marcada em vinil a qualidade de seu violão no disco “La Vita, Amico, È L'arte Dell'incontro”, produzido por Sergio Bardotti em homenagem a Vinicius de Moraes, com participação do poeta Giuseppe Ungaretti e de Sergio Endrigo. Mais um laço na teia que marcaria a amizade de sua vida.

E foi a qualidade das gravações desse disco que levaram o poetinha Vinicius de Moraes a chamar Toquinho para acompanhá-lo, inicialmente em uma temporada na Argentina, ao lado da cantora Maria Creuza. Passo fundamental para a parceria, que durou quase onze anos (e encerrou-se com a morte de Vinicius), 120 canções, 25 discos e mais de mil espetáculos.

BRINCADEIRA É COISA SÉRIA

Difícil achar um brasileiro que não conhece ou não gosta de músicas como “Aquarela” e “O Caderno”, ambas de 1983, ou “O Pato”, de 1981. Canções como essas, gravadas por Toquinho e compostas com diversos parceiros, consagraram o paulistano como um dos principais artistas a unirem o lirismo da MPB e o universo infantil.

Mas essa trajetória começou bem antes, em 1972. Naquele ano, o espetáculo “L’Arca” estreou na Itália, com versões de Sergio Bardotti para alguns dos poemas musicados do livro “A Arca de Noé”, de autoria de Vinicius de Moraes. Nas melodias, Paulo Soledade e Toquinho. “Depois, no Brasil, em 1980, trabalhamos nas canções que foram gravadas nos discos ‘Arca de Noé’ e ‘Arca de Noé 2’, lançados no ano seguinte, após a morte do Poeta”, conta.

Depois disso, em 1983, Toquinho fez, com Mutinho, o disco infantil “Casa de brinquedos” e, em 1986, compôs com Elifas Andreato a “Canção dos Direitos da Criança”, disco baseado nos dez princípios da Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela ONU em 1959.

Nada mais justo para um compositor que ama o universo da criança e acredita que elas têm muito para nos ensinar, “principalmente naturalidade e transparência”.

TOQUINHO, POR ELE MESMO

Paulistano na gema

Sempre morei em São Paulo, cidade que amo, pela qual transito com prazer. Tenho hábitos mais noturnos, se bem que ultimamente tenho acordado mais cedo.

Música do dia a dia

Fico à mercê da variedade das FMs. Há sempre alguma coisa boa de se ouvir.

Pessoas que marcaram sua vida

A família, sem dúvidas. Desde pai, mãe e irmão que sempre me apoiaram. Mônica, com quem fui casado durante 20 anos, mãe de meus filhos Pedro e Jade. Amigos, sem os quais a vida não teria sentido. Aqueles que se tornaram professores na música e na vida: Paulinho Nogueira, Edgard Gianullo, Oscar Castro Neves. Baden Powell; Vinicius de Moraes, em especial, com quem trabalhei durante 10 anos e pude desfrutar de sua sabedoria como homem, poeta e músico. E todos aqueles que trabalham comigo, fortalecendo uma retaguarda indispensável a todo artista.

Três músicas de que mais gosta

Fica difícil destacar três. Talvez “Imagine”, de John Lennon; “Carinhoso”, de Pixinguinha e João de Barro; “As Rosas Não Falam”, de Cartola.

Lembrança da amizade com Vinicius

A fase em que morei na casa dele em Salvador, no início de nossa parceria. Trabalhávamos como se brincássemos, criávamos às vezes três músicas por dia. Vivemos um período de muita fertilidade, e tudo contribuía para isso: a atmosfera vivida naquela casa, sempre cercada de amigos e mulheres lindas. A Bahia inteira parecia flutuar por lá.

Direitos autorais

É um assunto sempre em discussão, as partes exigem direitos mais proveitosos. Há que respeitar o que se recebe e valorizar o que se oferece. Os ajustes se formam e se confirmam no decorrer das negociações. Inevitável!

Conselho para novos compositores

Trabalhar muito e estudar. Estudar muito e trabalhar!

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