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DOS DJS DAS R\u00C1DIOS \u00C0S PLAYLISTS DOS SITES DE STREAMING, UM UNIVERSO DE CURADORES
ENTENDA COMO MECANISMOS DA ERA DIGITAL SE SOMARAM AOS MÉTODOS TRADICIONAIS NA HORA DE AJUDAR O PÚBLICO A DESCOBRIR NOVAS MÚSICAS
Por Michele Miranda, de São Paulo
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Da era dos disc-jockeys das rádios, todo-poderosos personagens que por décadas ditaram quase sozinhos o que nós ouvíamos, às listas mais populares de sites de streaming como Spotify e Deezer, passando por canais de música das TVs por assinatura e rádios on-line, muita coisa mudou na maneira como uma música se populariza. Exceto, felizmente, o amor das pessoas pela música. Novos curadores se somaram ao jogo e ajudam a catapultar – ou sepultar – um novo trabalho em questão de semanas, dias, até horas... A cadeia é acelerada, conta com a fundamental participação das redes sociais, mas continua obedecendo à lógica da divulgação certeira. Especialistas e representantes do mercado explicam as chaves para o sucesso nesse mundo em que as velhas rádios podem até ter aprendido a dividir espaço, mas, não se engane: estão longe de um papel secundário.
“Hoje não tem mais a ditadura de um só veículo. É uma multiplicidade de influências: blogs, jornais, sites, YouTube, TV”, resume Yasmin Muller, curadora musical do Deezer. “Ninguém, sozinho, é dono do que vai virar hit. Juntos, ajudamos a encontrar.”
Se o pop internacional ainda domina a programação das rádios e os sets dos DJs em grande parte das festas no Brasil, as plataformas de streaming por aqui querem mesmo é revelar novos nomes da música nacional. Segundo Bruno Montagner, curador Spotify, a playlist (lugar de divulgação privilegiado hoje em dia) mais popular da ferramenta é justamente uma homenagem a um gênero muito amado no país e se chama “Esquenta sertanejo”, com mais de 710 mil seguidores.
“A música internacional consegue se popularizar sozinha. Quando surgimos no Brasil, somente 14% do conteúdo eram de bandas brasileiras. Um ano depois, mais que dobrou para 30%. Queremos chegar aos 50%, priorizando novos artistas. Muitas bandas nos agradecem por conseguir fechar mais shows depois de entrar em alguma playlist”, conta Montagner, que dá dicas para usuários que querem ter seus minutos de fama. “Tem artista que lança disco e fica esperando o sucesso cair do céu. É preciso fazer um bom trabalho nas redes sociais. Também garimpamos muito, vamos a shows, observamos o line-up de festivais independentes”, enumera.
Tanto no Spotify como no Deezer, sertanejo brilha na frente, com a medalha de ouro (representada no momento pela dupla Jorge & Mateus), o pop internacional vem em segundo lugar, e funk e pagode surgem logo atrás disputando o terceiro posto acorde a acorde.
“O sertanejo é um mercado atípico, de tão bem-sucedido que é, e com fãs tão fieis e antenados. O funk, quando chega ao noticiário, já está velho, já tem outro hit bombando na comunidade. Esses gêneros têm vida própria, além de qualquer curadoria”, analisa Yasmin. “Com a internet, existe mais espaço para artistas. Tem menos artista gigante no Brasil, como era nos anos 80, mas tem muita gente vivendo de música. E isso tende a melhorar com a profissionalização da indústria.”
ESTUDO MOSTRA QUE AUDIÇÃO DIGITAL JÁ SUPEROU O RÁDIO. MAS POR POUCO
A indústria, todo mundo sabe, está passando por um terremoto de transformações. O Spotify, por exemplo, chegou recentemente à marca dos 100 milhões de usuários ativos no mundo, o dobro de sua principal concorrente, a Apple Music, lançada em 2015. Um estudo realizado pela empresa argentina Oh!Panel em seis países da América Latina, incluindo o Brasil, analisou o consumo de música. A conclusão é os participantes ouvem 10,8 horas de áudio digital por semana, enquanto a rádio tradicional chega a 9,8 horas, e a rádio pela internet, a 4,7 horas. Desses entrevistados, 70% ouvem rádio via web semanalmente, e 90% já têm áudio digital como primeira escolha.
Apesar desses números apontando positivamente para o digital, os players gigantes não declararam guerra às rádios. E acreditam ter “espaço para todo mundo”. Representantes do velho meio musical concordam: “A popularização da internet e de rádios streaming só tem a ajudar e impulsionar a rádio tradicional. Temos mais uma plataforma para veicular informação e atingir mais público. As rádios estão migrando para serviços de streaming em áudio e vídeo, com produção de conteúdo multiplataforma”, descreve Silvia Carvalho, diretora-executiva da Jovem Pan. “Do público total da Jovem Pan, 60,4% ouvem de forma tradicional, tratando-se de um público mais conservador e fiel, com faixa etária entre 25 e 40 anos. Os outros 39,6% ouvem pelos canais digitais (site e aplicativo), um público mais jovem, mais engajado, que gosta de novidades, entre 18 e 35 anos.”
NOS EUA, 61% AINDA DESCOBREM NOVAS MÚSICAS PELA RÁDIO
O número total de ouvintes que preferem o método tradicional de escuta coincide com o que foi encontrado num estudo da Nielsen feito no final de 2015 nos Estados Unidos. Segundo o Music 360, em sua quarta edição, 61% do público estadounidense descobrem novas músicas por meio do bom e velho rádio. O mais curioso é que esse total cresceu 7% em relação a 2014, numa prova de que o vigor das ondas em AM/ FM e via satélite não arrefece por lá.
“Quem acha que o rádio morreu não entende da dinâmica do mercado. No Brasil, 64% das pessoas igualmente usam as rádios para descobrir novas tendências”, afirma David McLoughlin, da Brasil Música & Artes (BM&A), organização dedicada à promoção da nossa arte. A força do dial, para eles, é tamanha que a BM&A criou um projeto para enviar a rádios estrangeiras novidades da nossa música, trabalho que tradicionalmente era feito pelas grandes gravadoras e que, com o ocaso das majors, anda meio capenga.
CANAIS DE ÁUDIO NA TV POR ASSINATURA VIRAM ATÉ RUBRICA DO ECAD
Segundo a pesquisa da Oh!Panel, 65% usam os canais tradicionais (rádios) ou novos (digitais, streaming) para ouvir música. Pensando nesse nicho, a maioria das operadoras de TV a cabo do país oferece canais de áudio na sua programação. Com direito a playlists temáticas e canais temporários dedicados a grandes nomes da música em diversos gêneros. Você é daqueles que nunca param por lá para escutar uma musiquinha? Pois saiba: elas são sucesso em festinhas de apartamento.
“Os canais de música nos deram a oportunidade de ampliar os serviços e atender aos amantes de boa música, mesmo quando não se quer ver TV”, explica Alessandro Maluf, gerente de marketing da América Móvil (dona da Claro e da NET) para o mercado residencial. “Queremos ser mais uma opção às rádios para distribuir seus conteúdos em novas plataformas.”
A força desse segmento é tamanha – e corresponde a 10% de tudo o que é arrecadado por execução pública nas TVs por assinatura – que o Ecad e as associações de gestão coletiva, UBC entre elas, decidiram criar uma rubrica de pagamento exclusiva, o grupo Música. A periodicidade será trimestral, e o primeiro repasse dos valores ocorreu em maio de 2016, referente às captações feitas nos trimestres de julho a setembro de 2015 e de outubro a dezembro do mesmo ano.
REMUNERAÇÃO POR STREAM AINDA É MOTIVO DE CONTROVÉRSIA
Apesar do discurso de aliança entre os diferentes meios, uma disputa ganha ares de guerra no mundo digital. E opõe músicos e plataformas de streaming. No mais recente ataque, um grupo de artistas, como Paul McCartney, membros do U2, Elton John e Katy Perry, escreveu uma carta para o Congresso americano pedindo a reforma da legislação que estabelece as regras de distribuição do conteúdo musical na internet. Depois de a Apple ter sido alvo da fúria da cantora Taylor Swift ao lançar sua plataforma de maneira gratuita para os usuários sob condição de aplicar uma “moratória” de três meses no pagamento de direitos autorais aos artistas (a empresa voltou atrás após uma briga com os músicos), agora o alvo é YouTube, que lidera o consumo mundial de música perla internet (40%), mas repassa apenas 4% do total, bem aquém dos outros serviços de streaming (leia mais sobre as reclamações sobre o site na página 24).
Agora, quem também quer entrar na dança musical é o Facebook. A rede social de Mark Zuckerberg tem aprimorado e incentivado cada vez mais sua plataforma de vídeos e já declarou interesse em investir na música. A verdade é que o streaming beneficou os artistas, já que ajudou no combate à pirataria. Mas, sem artistas bem remunerados, não há streaming…
Se a maneira como as pessoas ouvem música mudou, é inevitável que a comercialização também ganhe novos rumos. James Lima, especialista em distribuição digital de conteúdo audiovisual na Anonimato.co, explica e faz suas apostas sobre esse novo mercado que atinge artistas, consumidores e empresários.
A internet facilita a carreira dos artistas desde a gravação de uma música até deixá-la disponível para milhões de pessoas. Mas como ser notado no meio de tanta opção?
A Internet não só facilitou, como revolucionou o mercado audiovisual. Na música, a internet tirou uma grande quantidade de intermediários em todo processo de produção e comercialização; do estúdio ao ponto de venda. Mas produzir a música em casa e colocar em uma loja digital é só o meio, não o fim. O artista, além da criação de suas obras e distribuição, precisa trabalhar com foco e investimento e ter boas estratégias para ser notado.
Como é o processo de distribuição digital no Brasil e no mundo?
Hoje, qualquer artista pode fazer a distribuição de seus álbuns, singles, EPs e vídeos através de empresas de autoatendimento, para mais de 200 lojas em 250 países. Geralmente, elas cobram uma taxa de serviço para cada tipo de produto distribuído e pagam os royalties de vendas de 90% a 100% ao artista.
A internet barateou os custos da venda de um disco ao consumidor?
Não acho que barateou no download, mas deu acesso ao conteúdo global, fez a inclusão digital. Num país grande, onde 90% dos municípios não têm lojas de CDs, fica difícil consumir, mesmo tendo dinheiro. Existe a demanda, mas não o fornecedor. O cliente tinha, até poucos anos atrás, dois caminhos: comprar o produto pirata na praça da igreja ou baixar ilegalmente. Agora, pode assinar um serviço legalizado de streaming ao custo de um CD por mês e terá acesso a 40 milhões de músicas. Neste momento, a internet barateou e muito para o consumidor.
Como um artista faz para ter sua música numa playlist de Deezer, Spotify, iTunes...?
O artista pode fazer as playlists de suas músicas e também das músicas que ele gosta mais, para compartilhar com seus fãs suas influências musicais e as novidades encontradas. Mais importante do que criar playlists é planejar, divulgar e fazer um bom engajamento nas redes sociais para seu público alvo.
Os artistas reclamam muito da baixa remuneração do streaming. Você vê uma solução para isso?
Estamos num processo novo. O investimento de uma empresa de streaming é altíssimo e tem riscos. O Brasil está dez anos atrasado em relação ao resto do mundo no mercado digital, pela demora dos grandes players em chegar aqui. Quando estávamos acostumando com o download, chegou o streaming com força total, fomos atropelados. É muito difícil explicar para o artista que ele há cinco anos recebia US$ 0,99 por música baixada e que agora ele vai receber US$ 0,002 no streaming. O streaming é o futuro, e não tem volta. Conforme a base de usuários aumentar, e o player conseguir ter uma grande taxa de adesão para o modelo pago, a remuneração pode melhorar para ambos os lados. O mercado tem que parar de reclamar e começar a dialogar com toda cadeia produtiva e toda rede de comercialização para achar soluções.