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Lugar de clipe \u00E9 na Internet
Com menos dinheiro – e muito mais criatividade –, artistas migram para a rede e mantêm a cultura dos vídeos musicais mais viva do que nunca
Por Eduardo Vanini, do Rio
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Foi-se (há muito) o tempo em que os fãs brasileiros precisavam aguardar o último bloco do “Fantástico”, na Rede Globo, para conferir o lançamento do clipe do seu artista favorito. Igualmente para trás ficou a época na qual se sabia que um vídeo fazia sucesso pelo seu desempenho nas paradas de canais musicais, como a MTV. Hoje o lançamento é na web, e o sucesso, medido pelo número de visualizações, que cresce a cada minuto aos olhos dos internautas.
Se alguém apostou no fim dos videoclipes, errou feio. A versão audiovisual das canções nunca esteve tão forte. A internet facilitou o acesso, ampliou o alcance e consagrou o gênero como um dos mais populares nas plataformas de vídeos. Em dezembro de 2013, o clipe “Gangnam Style”, do artista sulcoreano Psy, forçou o YouTube a modificar o algoritmo por trás da contagem de visualizações de um vídeo, ao superar o número que poderia ser exibido até então. São mais de 2 bilhões de reproduções. Isso só para citar o maior dos fenômenos no site. Também há exemplos como a febre “Single Ladies” de Beyoncé, transformada em viral com a coreografia repetida à exaustão por literalmente milhões de pessoas ao redor do globo.
John Ulhoa Guitarrista do Pato Fu
Como bem observa o guitarrista e produtor do Pato Fu, John Ulhoa, que atravessou toda essa transformação, “os clipes ainda são muito importantes, mas de outra forma”. Se antes havia uma verba na gravadora para essas produções, que eram muito caras, hoje não há mais. Em contrapartida, elas estão mais baratas em função da tecnologia. “Ficou mais difícil fazer grandes produções, mas é mais fácil fazer um clipe que só dependa de uma boa ideia e não envolva muita grana.”
O grupo acabou de lançar o CD “Não Pare Pra Pensar”, que já chegou ao público visualmente de duas formas: um lyric video (formato que traz as letras das canções) para “Cego Para as Cores” e um clipe clássico da faixa “You Have to Outgrow Rock'n Roll”. Ambos divulgados pelo Vevo, site exclusivamente dedicado à produção audiovisual de artistas e bandas. Para Ulhoa, definitivamente, os clipes de hoje são feitos para a internet. “Se alguém consegue uma exibição nas grandes redes de TV, é um bônus”, sentencia. Até porque, como ele pondera, clipes de orçamento barato funcionam muito bem na web, mas podem não ir tão bem na TV. “A prioridade é se fazer ouvir nesse mar de informações. Ganhar audiência com uma boa ideia, uma boa música, sem ir à falência na produção.”
De boas ideias os niteroienses da Banda Tereza estão cheios. O grupo aposta em clipes com edições caprichadas e sacadas divertidas. Lançado no começo de 2013, o vídeo “Sandau” fez barulho nas redes sociais, ao transportar os músicos para dentro do Street View, ferramenta do Google que reúne imagens captadas ao redor do mundo. Foram 200 mil visualizações em apenas duas semanas.
Nada foi feito por acaso. O integrante Sávio Azambuja conta que, desde o início da elaboração de um clipe, a dinâmica da internet é levada em consideração. “A concepção da ideia se baseia no meio em que ela será divulgada”, afirma. “Sandau”, segundo ele, brinca com a internet dentro da própria internet. “Isso tudo acaba criando notícias e pautas essenciais para o processo de viralização”, avalia. “Sempre tivemos em mente que hoje o canal em que mais se ouve música é o YouTube. Por isso, fomos em busca de bons profissionais que souberam usar essa ferramenta a nosso favor. A inovação faz toda a diferença na hora de divulgar um clipe neste espaço.”
As referências à era tecnológica voltaram a aparecer no clipe mais recente da banda. Desta vez, com pegada futurista. “A Calçada da Batalha” traz uma espécie de Tinder, um aplicativo de paquera, manipulado por um óculos com tecnologia avançada ao estilo Google Glass. A produção leva a banda até o ano de 2069 e avisa aos espectadores logo de cara: “A tecnologia revolucionou a forma de as pessoas se relacionarem. Agora, ou você se adapta ou não arruma nada.” A mensagem não poderia ser mais apropriada.
“Na internet você tem tudo à sua disposição, mas nada a seu favor”, observa Azambuja. “É tanta informação que é cada vez mais difícil achar o que está realmente procurando. Por isso, para o artista, é importantíssimo definir desde o início o seu público-alvo e direcionar o conteúdo de forma mais certeira.”
Pedro Bruno Baixista, percussionista e vocalista do Holger
A turma do Holger também está atenta a esse filão. O integrante Pedro Bruno (baixo, percussão e voz) diz que o grupo percebeu logo no primeiro clipe a força da web. “O vídeo, em geral, acabou virando a grande forma de mídia da internet, e os clipes ganharam um peso maior. Sempre zelamos pela estética. Para a gente, ela anda junto com a música. E este é o motivo pelo qual sempre nos preocupamos em lançar clipes que condizem com a nossa proposta estética.”
Dinheiro – ou, muito frequentemente, a falta dele - não é necessariamente um problema, segundo Pedro Bruno. Tanto que “Ilhabela”, o clipe mais barato já feito pela banda, virou campeão de acessos. O vídeo é uma sucessão de imagens de arquivo do grupo e foi editado pelo guitarrista e vocalista Tché. “Ele teve só o trabalho de organizar o material e criar o conceito dos cortes rápidos”, afirma Pedro Bruno.
Para o músico, sempre existe a possibilidade de criar algo impactante e barato, como também a vontade de produzir algo maior, mais profissional. “Você acaba tendo que optar por aquilo que está dentro do seu alcance, do seu orçamento.”
Em “Café Preto”, último clipe do grupo, a produção se deu por meio de financiamento coletivo, já que quase toda a verba de que eles dispunham foi usada na gravação do disco “Holger”. A banda inscreveu o projeto no site Catarse, onde levantou R$ 15 mil. Mesmo assim, precisou de reforço. A produtora ajudou com equipe e equipamento.
O resultado final acabou sendo o clipe mais caro já feito pela banda. “Foi nosso primeiro projeto desse tipo, e a experiência foi ótima. Atingimos a meta, e o clipe ficou lindo”, comemora Bruno.
NO BATIDÃO DA REDE, A TURMA DO FUNK JUNTA MILHÕES DE VISUALIZAÇÕES E FAZ A CENA SE EXPANDIR
Se tem uma turma que “bomba” na internet brasileira é o pessoal do funk. São dezenas de vídeos todos os meses, que precisam de poucos dias para somar milhões de acessos. Movimentos que, de alguma forma, integram essa cena também se beneficiam. O Dream Team do Passinho, do Rio de Janeiro, é um deles. Eles foram reunidos por uma marca de refrigerantes para a produção do webclipe “Todo Mundo Aperta o Play”, em 2013. Até então, não existiam como grupo. Mas o alcance de um milhão de visualizações com o vídeo em uma semana foi mais do que suficiente para colocá-los no circuito.
No primeiro trabalho, o apoio comercial fez com que o orçamento não representasse problema. Agora, como conta o cantor e diretor musical do grupo, Rafael Mike, a saída é apelar para a criatividade. “Ainda não temos como investir muito nisso. Então, damos o nosso jeito! No dia a dia, fazemos vídeos com celular. A necessidade de fazer barato é que leva a gente a querer ser mais criativo!”
Ao que tudo indica, os meninos estão sabendo tirar proveito de uma situação em que ver é muito fácil, e ser visto, nem tanto. Desde o primeiro clipe, já fizeram uma parceria com o cantor Ricky Martin e fecharam contrato com uma gravadora. O primeiro CD deve sair ainda no início deste ano. Enquanto isso, o contador de visualizações de seus vídeos está longe de parar de rodar.