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Duas d\u00E9cadas cantando (e falando) sem amarras

Papas da Língua celebram bom momento com DVD especial, turnê nacional e internacional, plano para um EP de inéditas e um papo com sua visão sempre lúcida sobre o mercado de música

Por Claudia Kovaski, de Porto Alegre

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Por duas décadas, o pop reggae do Papas da Língua tem embalado multidões Brasil afora com seu som contagiante e suas letras ao mesmo tempo descomplicadas e reflexivas. Mas não foi um caminho fácil. Numa retrospectiva afetiva de 20 anos de muito trabalho – e sucesso –, Serginho Moah (vocal), Zé Natálio (baixo), Léo Henkin (guitarra) e Fernando Pezão (bateria) gravaram em Porto Alegre, no final do ano passado, um DVD comemorativo com 20 músicas. O trabalho chega ao mercado em maio, quando o quarteto dá início a uma turnê pelo país e até no exterior. No repertório, não faltarão hits dos oito álbuns do Papas, músicas como “Blusinha Branca”,

“Viajar”, “Olhos Verdes” e “Eu Sei” – esta última um dos maiores sucessos deles, que emplacou a trilha da novela da TV Globo “Páginas da Vida” e permaneceu por nada menos do que seis meses no topo das listas de músicas mais tocadas em rádios brasileiras.

Como garotos cheios de vitalidade e planos, eles esperam por um 2015 ainda mais criativo. Em entrevista à Revista UBC, comentam o DVD comemorativo, a aposta num trabalho cada vez mais consistente com trilhas sonoras, a gravação de um EP de inéditas, a carreira internacional, a pirataria na web e o momento delicado para os direitos autorais no Brasil.

O Papas da Língua mantém a mesma formação desde o início, o que é uma coisa rara e difícil. A que atribuem a longevidade?

Fernando Pezão: Isso é consequência de um espírito profissional, da vontade de fazer música, de construir uma carreira, desenvolver um trabalho de composição, e não simplesmente viver de um ou dois sucessos.

Serginho Moah: Atribuo também à amizade e ao respeito. Trocamos ideias sobre o trabalho, e isso é fundamental para que possamos ficar juntos e em harmonia por todo esse tempo.

Estes 20 anos foram celebrados em grande estilo com a gravação de um DVD. Como foi realizar esse trabalho?

Pezão: O DVD foi uma recuperação de tudo aquilo que fizemos ao longo da carreira. Escolhemos um repertório com músicas significativas para nós e para o público. Canções que achamos que as pessoas iriam querer rever. Foi uma produção especial, com uma estrutura muito boa, cenário superbacana, com participações especiais muito legais do Gabriel, O Pensador, na música “Blusinha Branca”, e do Alexandre Carlo, da banda Natiruts, na faixa “Viajar”.

E os planos para 2015?

Pezão: Temos um projeto que vai além do DVD. Devemos começar a turnê em maio e vamos fazer shows por todo o Brasil e também lançar o disco em Portugal, logo na sequência. Também estamos trabalhando no lançamento de uma caixa especial com os nossos CDs, libreto e coleção de fotos. A gente quer ainda fazer um documentário, um livro musical contando a história da banda, além de gravar tudo aquilo que gostaria mas que não coube em um só DVD.

Moah: Queremos contar essa história na estrada, fazendo o máximo para apresentar o show na integra, tal qual foi gravado no DVD, o que é um desafio, porque é muito comum as coisas mudarem numa turnê.

Nestas duas décadas, o que de mais marcante vocês destacariam na história do Papas da Língua?

Moah: Considero o Papas da Língua uma banda de muita sorte, porque desde o início tivemos a oportunidade de viajar, conhecer outros países, de rodar em novela. Mas o momento mais marcante para mim foi entrar na trilha da novela "Páginas da Vida", porque isso possibilitou ao Papas ser conhecido no Brasil, e até hoje esse fato dá margem a muitos acontecimentos positivos.

Além de vocês estarem celebrando os 20 anos e regravando os hits da carreira, um disco de inéditas também está nos planos da banda?

Moah: Depois que toda essa função do DVD passar, a gente vai entrar em estúdio e gravar um EP com seis ou sete músicas. Considero importante para a nossa relação com a estrada, com a carreira. Para nós é fundamental ter música nova. Nosso público merece e espera isso.

Vocês falaram que pretendem lançar o DVD também em Portugal. Como está a carreira internacional do Papas?

Léo Henkin: Desde o começo a gente sentiu que o Papas tinha uma entrada boa pela sua música nos países vizinhos. Mas nosso primeiro show acabou sendo na França, em Sanary-sur- Mer, no Festival Sud a Sul, em 1996. No mesmo ano fizemos show em Montevidéu e, depois, em Buenos Aires. Foi um começo bem forte. Depois disso voltamos à Europa, onde nos apresentamos na Áustria e, novamente, na França. Em Portugal, fizemos show um pouco antes de a música “Eu Sei” estourar na novela, e foi bem legal. Mas quando voltamos, depois que a novela foi transmitida em Portugal, encontramos cenários completamente diferentes, público enorme. Era muita emoção quando caminhando pelas ruas, ouvíamos tocar o celular das pessoas com a nossa música.

O grupo tem uma tradição forte em trilhas, tanto de novelas e comerciais, como no cinema. Como é esse trabalho?

Moah: Atribuo nosso trabalho em trilhas à nossa preocupação com qualidade. E obviamente a bons contatos. Mas a qualidade manda.

Henkin: Nós nunca colocamos música em novela sob encomenda. Alguém escutou a nossa música e percebeu que ela se encaixava com o personagem. Foi assim que o diretor Jayme Monjardim, após assistir ao show da banda em São Paulo, escolheu “Eu Sei” para fazer parte da novela. Já tínhamos tido música em trilha, mas não com esse alcance. Ela migrou para as rádios e se tornou número um durante alguns meses. Isso varreu o país e potencializou o nosso trabalho. As trilhas têm esse poder de levar a nossa arte para um público maior. Também já fizemos parte de dois filmes – “Houve Uma Vez Dois Verões”, de Jorge Furtado (com a canção “No Calor da Hora”) e “Até que a Sorte nos Separe”, de Roberto Santucci (com “Sorte”) –, e nossas músicas já estiveram em comerciais de televisão veiculados nacionalmente.

Apesar da projeção nacional da banda, vocês decidiram permanecer no Rio Grande do Sul. Por quê?

Pezão: Ganhamos e perdemos coisas. Isso talvez até tenha ajudado na longevidade da banda. Às vezes, um grupo está no eixo Rio-São Paulo, enfrenta alguma dificuldade e acaba desistindo. Foi uma escolha, nada é perfeito. Mas não é por isso que a gente deixa de ir para o mundo. É uma questão de se agilizar, ter projetos para andar por aí. Não é fácil, como também não é fácil você ficar em outro lugar. Já faz tempo que o mundo ficou pequeno.

O sucesso da banda deve ser revertido em arrecadação de direitos autorais. Como vocês avaliam o atual modelo brasileiro?

Henkin: A posição do Papas, na qualidade de autores, é favorável ao Ecad e contra a clara tentativa de destruição do órgão, que tem ocorrido nos últimos anos. A proposta de transferir a arrecadação para o setor público é temerária. Os artistas têm de se conscientizar de que vão perder muito. O Ecad está sofrendo ataques de grandes empresas interessadas em simplesmente acabar com o pagamento dos direitos autorais, e muitos artistas estão caindo nessa conversa. Mas muito vem de uma política de educação. O autor tem que saber que fez a música e precisa registrá-la para que ela possa existir. Hoje temos uma massa muito grande de músicas que não estão registradas em nome de ninguém.

Vocês acreditam que os direitos autorais estão de alguma forma ameaçados?

Moah: Se depender do que já li a esse respeito, sobre quem quer se apoderar do que não lhe é de direito, coisa comum no nosso país, posso dizer que há uma ameaça. Mas nós, os autores, temos de lutar contra isso, em nossa própria defesa.

Pezão: Precisa haver cada vez mais interesse e envolvimento dos autores, compositores e intérpretes sobre as questões de direitos autorais, elas fazem parte do negócio.

A banda tem sentido o impacto da pirataria na web?

Moah: Eu diria que, neste momento, a pirataria é o assunto mais delicado que há. A web surgiu nas nossas vidas, ganhou força, mas as leis demoram a entender e acompanhar. Ainda não há proteção plenamente eficaz, e, enquanto isso, a pirataria age em todas as frentes. Os governos precisam se empenhar para criar leis e fiscalização mais rigorosas. E rapidamente. Enquanto isso, nós perdemos.

Henkin: Sabemos que no mundo todo há uma queda bastante acentuada na venda física de discos. Em contrapartida, os downloads legais e piratas aumentaram muito. Os mecanismos e as instituições que cuidam dos direitos autorais devem atuar junto aos distribuidores on-line para reforçar a exigência de informação, tanto dos downloads, sobre cujas cifras não temos muito controle, quanto dos números reais da indústria física. É preciso um esforço para que os dados sejam mais transparentes e confiáveis e cheguem até todos os envolvidos na cadeia de produção de música.

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