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30 anos de sucesso embaixo (e acima) da terra

Maior banda de metal da história do Brasil, o Sepultura se renova para manter a mesma pegada: "a revolta e a vontade de ver um mundo melhor continuam", diz o guitarrista Andreas Kisser

Por Eduardo Fradkin, do Rio

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É difícil acreditar, ouvindo os dois primeiros lançamentos em disco do Sepultura, que aquela banda de death metal (então o estilo mais barulhento existente) com produção “indigente” e letras “toscas” em inglês se tornaria a mais bem-sucedida do cenário rock brasileiro (extrapolando o nicho do metal), ganharia elogios de gente como Caetano Veloso, faria parceria com Zé Ramalho e seria longeva a ponto de comemorar 30 anos de atividades em 2014. A bem da verdade, não se trata exatamente da mesma banda criada pelos irmãos Max e Iggor Cavalera em 1984, em Belo Horizonte. Depois de sua estreia em vinil com “Bestial Devastation”, em 1985, e do sucessor “Morbid Visions”, de 1986, começaram mudanças na formação e no som. A entrada do guitarrista Andreas Kisser, no lugar de Jairo Guedez, em 1987, foi decisiva nessa história.

“A minha entrada trouxe ideias novas. Eu vinha do mundo do heavy metal tradicional, escutava muito Black Sabbath, Dio, Iron Maiden, Judas Priest, bandas mais técnicas. E o Sepultura era uma coisa bem mais crua, não tão técnica, com influências de Venom, Hellhammer, Celtic Frost. Eu trouxe ideias de letras também, e isso mudou a temática da banda, que, nos primeiros discos, era satânica”, lembra Andreas, mantendo um espírito crítico ao falar de sua primeira obra no Sepultura, “Schizophrenia” (1987), gravada quando ele completava 19 anos. “Escutando hoje, é um disco confuso. E as letras não fazem muito sentido. A gente escrevia em português, e amigos traduziam tudo ao pé da letra. Mas foi um marco no metal underground.”

Pai de três filhos, de 19, 17 e 9 anos, Kisser não se sente distante, no campo das ideias, do jovem que gravou em 1991 o clássico disco “Arise” com letras como “Land of anger, I didn't ask to be born” (“terra de raiva, eu não pedi para nascer”). “A revolta e a vontade de ver um mundo melhor continuam. O espírito é o mesmo. Não é porque você vira pai que o mundo fica bonito e perfeito. Mas os filhos e as viagens internacionais com o Sepultura me fizeram crescer muito. Eu não dependo do Discovery Channel para ver a realidade na Índia”, diz, citando outros países onde tocou, como Cuba, Líbano, Coreia do Sul, Indonésia, Israel... “Independentemente da política, o heavy metal chega a esses lugares.”

Nem sempre foi assim. O guitarrista recorda que, na década de 1980, havia um hiato de anos entre um show internacional e outro no Brasil. Entre uma apresentação do Queen (cujo disco “A Night At The Opera” foi o primeiro que Kisser teve na vida) e uma do Kiss, em 1981 e 1983, respectivamente, contavam-se dois anos de marasmo. Cabia aos músicos locais preencher esse vazio, e Kisser mostra respeito pelos pioneiros, como o guitarrista Robertinho do Recife, que, aliás, acaba de reformar sua lendária banda Metal Mania. “Ele foi um dos pioneiros no heavy metal brasileiro e teve muita coragem, muito peito, para pegar uma banda, cantar em português e fazer um som tipo Van Halen. Ver o show dele foi motivante para a minha carreira.”

Ironicamente, o Sepultura teve que fazer sucesso no exterior para ser reconhecido no Brasil. “Aqui, ninguém dava a mínima para a gente. Isso só mudou quando uma publicação britânica, o 'New Musical Express', trouxe uma parada em que o Sepultura veio na frente do New Order, que era queridinho da imprensa. O Rock in Rio em 1991 também foi o que abriu as portas para o Sepultura no Brasil”, lembra.

A banda, por sua vez, se tornou uma embaixadora da cultura brasileira no exterior, incorporando ao seu som ritmos e instrumentos do folclore nacional. Kisser defende que o metal pode ser misturado a qualquer estilo. “Bossa nova, axé, funk carioca, tudo é música e pode ser juntado ao heavy metal. O próprio Metallica já usou influência do country americano. Eu só não curto coisas com temática apelativa, com letras de sexo explícito ou racistas”, ressalva o músico, que já tocou também com Chitãozinho e Xororó. “O Sepultura nunca se orientou pelo que está tocando em rádios, pelo mercado, porque quem faz isso se perde, vira investidor da bolsa de valores, interessado em estatística, não em arte.”

Para Kisser, o novo baterista, Eloy Casagrande, “beira a perfeição”

Na verdade, é o mercado quem vai atrás do Sepultura. Uma marca de refrigerante convidou recentemente a banda a estrelar um comercial, e, indicado pelo amigo Tony Bellotto, dos Titãs, Kisser foi procurado pelo diretor da série da TV Globo “Dupla Identidade”, Mauro Mendonça Filho, para fazer música que representasse a personalidade violenta e sombria do protagonista. Kisser, claro, chamou os colegas do Sepultura para o trabalho.

Com seu 13º álbum de estúdio lançado no ano passado, intitulado “The Mediator Between Head and Hands Must be The Heart”, e um novo baterista, Eloy Casagrande, enchendo a banda de energia (“ele beira a perfeição”, diz Kisser), o Sepultura segue em busca de novas experiências. O guitarrista, de 46 anos, conta que só ouve discos antigos quando precisa tirar uma música esquecida ou quer tocar algo em seu programa numa rádio rock de São Paulo, “Pegadas de Andreas Kisser”. Fora isso, desapega-se do que já fez, tendo abandonado até uma velha tradição em aniversários de membros da banda: jogar um balde cheio de porcarias na cabeça do homenageado.

“Começou com ovos, cerveja, restos de comida. Depois, começou a entrar mijo, cocô de cachorro e acho que até pedaços de corpos”, brinca (espera-se!) ele.

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