Enfoque Barrinha 4

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LEONARDO OZÓRIO

NICOLLE FRAPICCINI

ÉMERSON DA COSTA

CRISE

Desempenho da economia desafia moradores. Página 7

DIVERSÃO

Criatividade para brincar Página 14

FUTURO

Os sonhos de quem está no início da vida. Página 15

ENFOQUE BARRINHA MÁRCIA ÁVILA

CAMPO BOM / RS NOVEMBRO DE 2015

FORÇA FEMININA MORADORAS RECORREM AO EMPREENDEDORISMO PARA GARANTIR O SUSTENTO DA FAMÍLIA PÁGINA 8

EDIÇÃO

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2. EDITORIAL

| ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | NOVEMBRO / 2015

CLÁUDIA PAES

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KHAEL SANTOS

CLÁUDIA PAES

MATHEUS BECK

A Barrinha também é delas

om espaço cada vez maior no mercado de trabalho e fortalecimento da luta pela igualdade de gênero, as mulheres parecem dispostas a, pouco a pouco, assumirem o papel de protagonismo que lhes foi negado nas décadas passadas. Mas até que ponto essa tendência pode ser percebida entre os dois mil habitantes da Barrinha, um bairro no distrito rural de Campo Bom? Fomos atrás da resposta para

essa pergunta, e o resultado você confere nas quatro reportagens da editoria Mulher. Além de conhecer a história de quem encontrou no empreendedorismo uma saída para garantir a renda de toda a família, contrariando a lógica de que o homem deve prover e a mulher deve se submeter, você vai vislumbrar os sonhos de algumas das mulheres que moram na comunidade. Também vai se surpreender com o relato de uma das mais antigas moradoras do

bairro, cuja contribuição para a criação da Barrinha rendeu um prêmio concedido pela prefeitura, e vai se emocionar com o depoimento de quem vive os desafios da maternidade. Mas a quarta edição do Enfoque Barrinha não se resume apenas à força feminina. Ao longo das próximas páginas, apresentamos o olhar das crianças que crescem no bairro, revelando suas aspirações – e também a falta delas. Destrinchamos as consequências

ENTRE EM CONTATO

da crise econômica que assola o país e mostramos como alguns moradores conseguem garantir uma renda extra, mesmo que, para isso, precisem atuar na informalidade. Mais do que trazer à luz um tema de inegável relevância social, nossa proposta é quebrar estereótipos e estimular o diálogo em um ambiente que, supomos, ainda ignora sua relevância. Se o Jornalismo Cidadão tem um papel a desempenhar na construção

de histórias que dificilmente são contadas pela grande mídia, nossa contribuição pode ser analisada nas próximas páginas. Cumprimos a missão? Cabe a você responder. Boa leitura! DANIEL STEIN ROHR EMILENE LOPES JONARA CÓRDOVA MARIANA BLAUTH CLÁUDIA PAES KHAEL SANTOS MATHEUS BECK

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Barrinha é um jornal experimental dirigido à comunidade do bairro Barrinha, em Campo Bom (RS). Com tiragem de mil exemplares, é distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. EDIÇÃO E REPORTAGEM

(51) 3591 1122, ramal 1329

enfoquebarrinha@gmail.com

Avenida Unisinos, 950 – Cristo Rei São Leopoldo – RS Cep: 93022 000 – A/C Coordenação do Curso de Jornalismo

Disciplina Jornalismo Cidadão Orientação Sonia Montaño Edição de textos Daniel Stein Rohr Emilene Lopes Jonara Córdova Mariana Blauth Reportagem Adriana Corrêa Daniel Stein Rohr Dijair Brilhantes Emilene Lopes Fabiano Scheck Ferraz Jéssica Beltrame Jonara Cordova Luan Pazzini

Maria Eduarda de Lima Mariana Blauth Nathália Mendes Natália Scholz Pâmela Oliveira Pedro Kobielski Rafaela Amaral Rhian Berghetti Roberto Caloni Tuanny Prado FOTOGRAFIA Disciplina Fotojornalismo Orientação Flávio Dutra Fotos Bolívar Gomes Carolina Zeni

Cláudia Paes Émerson da Costa Fernanda Salla Josuel Maschke Khael Santos Laura Gallas Leonardo Ozório Lucas Weber Márcia Ávila Matheus Beck Matheus Vargas Milena Riboli Natália Collor Nicole Cavallin Nicolle Frapiccini Pedro Viero Tatiana Dege Thayná Bandasz Tiago Assis Vitor Brandão

ARTE Realização Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) / Unisinos São Leopoldo Projeto gráfico e arte-finalização Marcelo Garcia Diagramação Gabriele Menezes IMPRESSÃO Realização Grupo RBS Tiragem 1.000 exemplares

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 000. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinícius Souza. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.


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MEIO AMBIENTE .3

Natureza que encanta e salva

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condição social, dividem essa característica, agradável aos olhos e à saúde. BENEFÍCIOS COMPROVADOS Diversos estudos mostram: a maior proeminência de árvores gera qualidade de vida para a população. Segundo Vincent Cotrone, do Departamento de Conservação e Recreação da cidade estadunidense de Massachusetts, uma árvore possui capacidade de absorver entre 55 e 109 quilos de gases poluentes, e cerca de 22 quilos de gás carbônico por ano – garantindo, sozinha, a respiração (saudável) de dois adultos durante o mesmo período. Elas também refrescam o ambiente: uma árvore grande e saudável possui o mesmo efeito de dez aparelhos ar-condicionado funcionando 20 horas por dia, de acordo com artigo de Klaus Scott, James Simpson e Gregory McPherson no “Jornal da Cultura Arborífera”, famosa publicação americana sobre o assunto.

ÉDERSON SILVA

Quem caminha pela longilínea Rua Pio XII percebe logo de cara que as árvores que alaranjam a encosta do Rio dos Sinos não estão sozinhas. Inúmeras outras árvores chamam a atenção para si e carregam a paisagem da Barrinha, marcando aquilo que não é somente uma tendência nas cidades do interior, como Campo Bom, mas também um indicativo de qualidade de vida de seus habitantes. A serenidade com que os moradores conversam sobre as árvores que cultivam ou que encontram pelas ruas reflete um gosto pela vegetação. A Corticeira é uma árvore da família das leguminosas, e é comum em todo o sul do continente sul americano. As flores que ela gera são consideradas as “flores nacionais” tanto da Argentina, quanto do Uruguai. Segundo Guilherme Ritter, 22 anos e morador da Barrinha desde sempre, ela não pode ser cortada sem permissão legal, afinal, é uma nativa – assim como a Aroeira, a Amoreira, a

Pitangueira e tantas outras que nascem ao longo de seu pátio. As frutíferas são as preferidas dos moradores da Barrinha.“Meu pai sempre teve árvores que dão frutos. É muito comum por aqui”, explica Guilherme, que trabalha na Olaria do Rio dos Sinos. Do outro lado da Pio XII, à frente da casa da família de Guilherme, percebe-se uma grande quantidade de árvores uma ao lado da outra, formando uma espécie de “malha” que separa a via do rio. José Machado, 48 anos, crê que há uma razão para a existência deste “muro” natural: evitar que o rio transborde e invada as casas da região. O morador, que curiosamente vive do comércio de uma árvore não nativa, o eucalipto, diz que as árvores localizadas na encosta do rio, como o Louro e o Salseiro, ajudam a absorver a água e a não desbarrancar o rio. “Elas são importantes para a população ribeirinha”, defende. Tanto Guilherme quanto José tem algo em comum, além de serem vizinhos e conhecidos: a grande quantidade de árvores que possuem em seus pátios. E praticamente todos os moradores da Barrinha, independente da

ÉDERSON SILVA

Grande quantidade de árvores influencia a qualidade de vida dos moradores

PEDRO KOBIELSKI ÉDERSON SILVA NATÁLIA COLLOR

Amoeira (à esquerda) e corticeira (acima) são as árvores mais comuns. Ambas são nativas e têm restrição quanto ao corte

NATÁLIA COLLOR


4. MEIO AMBIENTE

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Depois da chuva Chuvas intensas e posteriores enchentes desafiam os moradores

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om o aumento do nível do rio dos Sinos, após grandes chuvas, boa parte dos moradores da Barrinha precisou se desdobrar para manter as casas acima do nível da água. Não é a primeira vez que acontece. No ano de 2013, a pior enchente já vista pelos moradores causou grandes estragos na comunidade, que decidiu se unir para lidar com os danos causados pelas chuvas e tentar amenizar o problema. “A água invadiu as casas e havia partes em que só enxergávamos os telhados em cima da enchente” relata Maglia Reinehr, presidente da associação de moradores do bairro. Os prejuízos causados por repetidos alagamentos durante os anos fizeram com que os moradores aprendessem a se preparar e a lidar com as enchentes. A solidariedade se tornou um ponto forte entre os vizinhos, que fazem o possível para ajudar uns aos outros nos

momentos difíceis. Em agosto de 2015, foi implantada em Campo Bom a Defesa Civil. Antes, o município contava apenas com o serviço do Corpo de Bombeiros. Com isso, as enchentes e alagamentos receberam atenção especial. Com o propósito de amenizar os problemas, um projeto foi

desenvolvido pela Defesa Civil para auxiliar o bairro com os danos causados pelas chuvas. Nesse projeto, oito moradores foram convocados para ser voluntários e aprender a lidar com o pós-enchente, e colaborar com a manutenção do bairro, agindo em caso de emergência nas situações de risco.

RISCOS À SAÚDE Além dos problemas materiais causados pelas intensas chuvas, é muito importante ficar atento a doenças que podem ser causadas por esses eventos. O nível elevado da água e as suas consequências podem ocasionar vários problemas

Crianças brincam em meio à enchente

à saúde, como a dengue, que provoca febre, dores nos músculos, articulações e cabeça, podendo até levar o indivíduo contaminado a óbito. Além dela, a Leptospirose pode se tornar uma doença presente nessas ocasiões, devido à urina dos ratos misturada à água das chuvas. A doença causa dor de cabeça, febre e pode atingir os rins, fígado e o baço. Outras moléstias que podem se beneficiar com esses eventos são a Hepatite A e E. Essas doenças virais causam inflamação no fígado, febre, náuseas, fraqueza, falta de apetite, coloração amarelada na pele e olhos, além de urina e fezes esbranquiçadas. A transmissão se dá por ingestão de água e alimentos contaminados, ou por trasmissão uma pessoa para outra. Nesse cenário, é preciso ficar atento aos riscos e agir de forma preventiva para evitar que as inundações se transformem em rotina para a comunidade, causando transtornos e provocando doenças. Com o apoio da Defesa Civil e o engajamento dos moradores, ficará mais fácil combater esse que, para muitos, é o único grande problema do bairro. MARIA EDUARDA LIMA TIAGO ASSIS

Uma horta saudável De 2007 a 2014, foram registradas mais de 34 mil notificações de intoxicação por agrotóxicos no Brasil. E não foi por acaso: nosso país é líder mundial no ranking de uso dessas substâncias. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o brasileiro ingere cerca de cinco litros de veneno por ano. De olho nesse cenário, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está reavaliando o uso de alguns produtos extremamente prejudiciais à saúde, como o herbicida 24D, que provoca o nascimento de bebês com má formação. Esse agrotóxico tem sua utilização analisada desde 2006, e há muito debate a respeito de sua regulamentação. Hoje, no Brasil, um terço dos vegetais consumidos apresentam resíduos de agrotóxicos em níveis acima do aceitável. Além de prejudicar as lavouras, essa prática coloca em risco a saúde da população que consome os vegetais. Mas o mais

prejudicado é o trabalhador rural: segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sintox), 28% dos mais de oito mil casos de contaminação estão relacionados ao trabalho direto com os produtos à base de agrotóxicos. PARA EVITAR O USO DE AGROTÓXICOS Esses dados alarmantes levam pequenos agricultores e donos de hortas domésticas a buscar outras alternativas para afastar as pragas que infestam as plantações. Na segunda edição do Enfoque Barrinha, os repórteres entrevistaram Zilma Eneida Santos, de 56 anos, que mantém uma plantação em casa e utiliza meios alternativos para a sua Hortas caseiras são comuns no bairro

horta particular. Zilma cuida da horta como terapia, e aplica diversos métodos alternativos para eliminar as pragas na sua lavoura. Ela utiliza cinzas e cascas de ovo, por exemplo, para combater insetos que atacam sua horta, ingredientes que, além de

combater as pragas, servem de adubo natural para a plantação. Ela também diz espalhar fumo na plantação, uma alternativa bastante eficaz contra pulgões, cochonilhas e grilos. Além das alternativas apresentadas por Zilma, é preciso saber

que existem soluções específicas para cada problema em potencial. Se a sua horta estiver cheia de lesmas e caracóis, é possível utilizar batata crua, abóbora ou chuchu, picados com sal, no foco dos locais contaminados. Outros métodos naturais incluem o uso de alho, pimenta, cravo, esterco e folhas verdes, que podem ser diluídas para realizar os inseticidas. Vale lembrar, ainda, que o alecrim e a menta são alternativas eficazes contra mariposas e lagartas. Essas e outras opções existem para ajudar na preservação do meio ambiente, pois além de serem benéficas à terra e às plantações, preservam a saúde de quem trabalha e de quem consome vegetais e produtos agrícolas regularmente. Quando jogados no solo, os agrotóxicos trazem consequências à saúde de todos. RHIAN BERGHETTI FERNANDA SALLA


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ECONOMIA .5

O campo como entretenimento Estratégia que evita exploração de bichos e paisagens naturais também é lucrativa

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velhas, galinhas, perus, porcos e cavalos. Esses animais criados tipicamente em propriedades rurais, geralmente, tornam-se alimento ou matéria-prima de outros produtos. Com as plantas, acontece o mesmo processo, há todo um cultivo para resultar na venda de frutas, verduras, legumes e etc. Essas atividades comerciais e industriais, que envolvem pecuária e agricultura, levam o nome de agronegócio, a maneira mais conhecida de ganhar dinheiro com o campo. Porém, na Barrinha, há uma maneira diferenciada para lucrar com o cenário rural. É o caso do Parque Martins, com acesso pela Estrada Pio Doze, nº 3900. O silêncio intercalado com o canto dos passarinhos já indica que não estamos em uma zona urbana. Nos arredores e principalmente ao adentrar o terreno do parque, não é possível avistar grandes construções modernas. Paisagens verdes estendem-se até onde a visão dos olhos alcança. Um cenário rural que causa a impressão de estarmos muito afastados da cidade, algo surpreendente já que o centro de Campo Bom fica a menos de 10 quilômetros dali. O NEGÓCIO O Parque Martins foi aberto em maio de 1990, com o objetivo de ser um parque de rodeios, ligado ao cavalo e ao gado. “Com o tempo, as pessoas pediam um lugar para banho, pois Campo Bom é muito quente no verão, então fizemos os açudes de água natural e depois as piscinas de água tratada. Ainda temos uma ligação forte com o cavalo, mas a ideia de rodeios já não faz mais parte”, relembra Ronaldo Martins, um dos proprietários juntamente com seu irmão Rubem Martins. O espaço fica aberto para passeio durante toda a semana, com valores entre R$ 10,00 e R$ 15,00 por pessoa, para ficar quantas horas desejar. A ideia é que o visitante possa tirar um dia para aproveitar a natureza, andar a cavalo, ter contato com diferentes animais, pescar, nadar e preparar um churrasco. “Os animais não são vendidos e nem abatidos, estão lá para compor a temática”, ressalta Ronaldo, explicando que o parque é um lugar em que os bichos não são criados para consumo humano, mas para o lazer. Uma forma diferente de economia rentável e que atrai público o ano inteiro, principalmente nos finais de

semana de verão. Cerca de 5 mil pessoas chegam a frequentar o parque durante o mês de janeiro. MÃO-DE-OBRA ESPECIALIZADA NO CAMPO As mais variadas áreas, hoje em dia, necessitam de profissionais qualificados. E como encontrar alguém capacitado em desenvolver atividades rurais? Almiro Trarbach, não possui nenhum curso superior, porém, é o responsável

há dez anos por todo o serviço do Parque Martins, pois desde a infância ele trata de animais e cuida da terra. Sozinho, vive numa casa na entrada do estabelecimento. “Sempre me criei na lida campeira, eu vim do interior de Santa Cruz e cresci trabalhando no campo. A primeira vez que conheci uma cidade eu já tinha 16 anos”, revela o empregado. Com as intensas chuvas dos meses de setembro e outubro, grande parte do parque ficou alagada. Para Almiro, isso não é

um obstáculo. “Coloco minhas botas de borracha ou pego meu caiaque e vou até os fundos para ver como estão os cavalos”, salienta acostumado a levantar às seis da manhã diariamente para iniciar os cuidados com os animais e com o terreno. Quinze cavalos vivem na propriedade, além de marrecos, galinhas, perus, cachorros e mais de vinte ovelhas. FABIANO SCHECK FERRAZ LUCAS WEBER

Almiro Trarbach trabalha no Parque Martins desde 2005. Ovelhas são alguns dos animais criados na propriedade


6. ECONOMIA

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Renda que se gera em casa Empreendimentos familiares fazem dos moradores pequenos empresários

30, que trabalha no Hospital de Campo Bom, dá uma mãozinha quando pode. Sempre que precisam, Jaciara e a mãe, Regina, contam com o apoio da Emater para cursos. As duas já estudaram produção, gestão e boas práticas e se dizem felizes por poder compartilhar experiências com pessoas na mesma situação. “Tudo o que temos, conseguimos com muito suor e trabalho”, emociona-se Regina. “Agora, é levar as ideias adiante e seguir inovando”, finaliza Jaciara.

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rocararotinadeempregado pela oportunidade de ser o próprio patrão é uma das razões que fazem tanta gente empreender no Brasil. Conforme dados da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor 2014 (GEM), feita pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), abrir um negócio consta como terceiro colocado na lista de sonhos da população, atrás apenas de comprar uma casa e viajar pelo país. Na Barrinha, os moradores parecem atestar esse resultado – o bairro está cheio de empreendimentos familiares que apostam na produção local para tornarem-se realidade. Vitória (nome fic tício) tem 30 anos e prefere não se identificar por estar recém iniciando o negócio próprio. Ela é uma dessas pessoas que veem chance de crescimento profissional mesmo nas pequenas coisas da vida. Ao lado do sogro, faz sorvete e picolé para vender nas ruas, quando chega o verão. “Ele começou sozinho e conquistou a clientela aqui na Barrinha (Campo Bom), na Feitoria (São Leopoldo) e em Lomba Grande (Novo Hamburgo), eu estou entrando agora”, comenta. Entre os sabores preferidos pelos consumidores, estão chocolate, morango, creme e flocos, mas há também bastante procura por sabores de frutas, como abacate e uva. “O sorvete nós podemos misturar, fica a gosto de quem compra”, complementa. Já entre os custos de manutenção do negócio, o maior é o da energia elétrica para os equipamentos. “Dá para ganhar o suficiente para me manter”, conclui Vitória. A família Kappler também decidiu apostar no negócio próprio. Há 14 anos, Elton e Regina, 55 e 50, respectivamente, mantêm plantação de pepino e tomate em estufas – cerca de 2.800 pés do primeiro fruto e 1.500 do segundo. De acordo com o marido, o investimento inicial para construir cada estufa (eles têm duas) ficou na média de R$ 35 mil, e o custo de manutenção gira em torno de 10% desse montante. Eles colhem uma vez por dia e trabalham de domingo a domingo. Apesar da correria, acreditam que o esforço compensa. “Férias só no inverno e, às vezes, em janeiro”, informa Elton. A família compra as mudas

O CAMINHO PARA A FORMALIZAÇÃO

em vasinhos cobertos por casca de arroz e vai fertilizando-as individualmente, sem lançar mão de agrotóxicos. “Não usamos defensivo químico e sabemos que, por isso, há o risco de perdermos a planta. Preferimos perder, nesse caso”, argumenta Elton. Com as vendas, o casal consegue de R$ 2,80 a R$ 3,20 por quilo, dependendo das parcerias que fazem. A filha do casal, Jaciara Kappler, 25, ajudou os pais por um tempo, depois resolveu seguir com o próprio negócio. Há dois anos, vende produtos coloniais por encomenda e, há

Empreendimentos vão de sorvete a plantação de pepino

pouco mais de um mês, faz entregas semanais para escolas do estado e do município. Aos sábados pela manhã, participa da Feira do Produtor e leva o que tem em estoque. Volta de mãos vazias e bolso cheio, sorriso no rosto e certeza de ter feito a escolha certa. Sempre que tem evento relacionado ao agronegócio na região, ela é convidada a participar. Desde que começou as vendas, já foi em rodeio, feira e festa típica alemã. “Logo mais é para ter uma mostra de agricultura e artesanato, e eu pretendo estar lá”, anima-se. Assim como os pais, Jaciara também trabalha quase sem descanso para expandir o negócio. “A primeira entrega acontece segunda-feira antes das oito horas da manhã, então domingo também passo o dia todo em função disso”, comenta. Quando decidiu empreender, Jaciara não podia investir alto. “Gastei R$ 1.100 em um cilindro e foi só isso. Os vendedores não acreditaram que eu conseguiria com tão pouco”, recorda. Hoje, diz que não tem dinheiro sobrando, mas que também não tem dívidas. A empreendedora sabe que o segredo está em dar um passo de cada vez e, por isso, vai devagar para chegar mais longe. Agora, no topo da lista de suas prioridades, está a aquisição de um gerador para os dias em que faltar energia elétrica, problema recorrente no bairro em função dos alagamentos provocados pelo excesso de chuva. “Sem luz, não dá para assar e acabo ficando no prejuízo”, lamenta. Entre os Kappler, todos se ajudam, seja na estufa, seja na padaria. Até o irmão, Jeferson,

Segundo o gerente da Regional Sinos, Caí e Paranhana do Sebrae, Érito Bauer Chaves, muitos são os negócios que iniciam no convívio familiar. Para ele, há prós e contras nesse cenário. “Como vantagem, destaca-se a questão de custos iniciais com funcionários, bem como a confiança e o entendimento da necessidade de esforços para resultados. Em desvantagem, pode ser que o negócio comece de qualquer jeito, sem planejamento ou o mínimo de profissionalismo”, compara. As etapas para a formalização do negócio dependem do tamanho do empreendimento. Érito explica que se o faturamento anual somar até R$ 60 mil e as atividades forem consideradas de baixa complexidade de execução, como comércio e serviços em geral, é possível aderir ao Microempreendedor Individual (MEI) e se legalizar como pequeno empresário. Nos casos de empresas maiores, é necessário passar pelo procedimento padrão de registro junto ao município, que varia de lugar para lugar. De todo modo, “a formalização é o melhor caminho, pois dá segurança e permite o acesso a benefícios que uma pessoa física não teria se estivesse desenvolvendo atividade informal, como crédito mais barato e possibilidade de fornecimento para outras empresas e o poder público”, considera Érito. Para orientar na gestão dos negócios, existem serviços como o Sebrae (www.sebrae. com.br), o Senac (www.senacrs.com.br) e o Senai (www. por taldaindustria.com.br/ senai). O cadastro para Microempreendedor Individual pode ser feito pelo Portal do Empreendedor (www.portaldoempreendedor.gov.br). PÂMELA OLIVEIRA PEDRO VIERO


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ECONOMIA .7

Sustentados pela criatividade Fraco desempenho da economia brasileira exige desenvoltura dos moradores

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om o dinheiro contado, o cliente vai ao armazém e escolhe os produtos de sempre, mas é surpreendido pelos preços nas prateleiras: aquilo que ele compraria na semana anterior, agora, está mais caro. A crise chegou na Barrinha. Em 2015, a expectativa do Banco Central é de que a inflação atinja 9,5%, mais do que o dobro da meta estipulada pelo Governo Federal. O Produto Interno Bruto (PIB), que soma todos os bens e serviços produzidos dentro do país e é utilizado para avaliar o comportamento da economia, deve recuar 2,7%. Trata-se do pior desempenho desde 1990. Naquele ano, o dinheiro dos brasileiroseraoCruzeiro,opresidente era Fernando Collor e o treinador da Seleção era Sebastião Lazaroni. De lá pra cá, muita coisa mudou. Outras, nem tanto: em 2015, a exemplo de 25 anos atrás, o salário – o meu e o seu – encolhe rapidamente. Com aproximadamente dois mil habitantes, a Barrinha também sente os efeitos da crise. Para os moradores da comunidade, as discussões sobre conceitos macro-econômicos e o fraco desempenho dos índices oficiais passam batidos – o que eles sentem aperta no bolso e desaparece da carteira. A BARRINHA EM CRISE Diante desse cenário, não há alternativa: é preciso encontrar soluções criativas para manter o poder de compra. “A estratégia para os empresários contornarem o fraco desempenho da economia e as taxas de juros mais altas passa, primeiramente, por uma boa gestão, que deve evitar o descontrole do fluxo de caixa e o excesso de produtos em estoque”, orienta o assessor econômico da Fecomércio-SP, Vitor França. Pois é justamente isso que faz AuréliaTeresinha da Silva Ribeiro, 46 anos, dona de um mercado familiar na Barrinha:“A gente procura não tirar muito dos fornecedores para não estragar. Pega pouco para ter pouco no estoque”. Esse controle rígido está alinhado à retração de consumo registrada no país. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo das famílias caiu 2,1% no segundo trimestre em relação ao primeiro, o pior resultado desde o terceiro trimestre de 2001. Alémdocontrolesobreoestoque, os empresários precisam dedicar especial atenção à negociação com fornecedores, como alerta Christian Travassos, gerente de Economia da Fecomércio-RJ: “Cabe renegociar custos, prazos e volumes junto aos

Rígido controle de estoque e negociação com fornecedores são algumas das alternativas encontradas por Zaira (acima) e Aurélia

fornecedores, que sabem da importância de preservar sua carteira de clientes nesse momento”. Aurélia não é formada em Economia, nem tem curso de Administração: seu aprendizado vem da prática e foi consolidado na tentativa e erro. Mas o discurso é o mesmodoespecialista.“Euaproveito muito as ofertas dos fornecedores para não precisar subir o preço das mercadorias. Fico sempre de olho. Se eu consigo por menos, eu mantenho. Faço isso para não ter que repassar, porque, se tivesse que repassar, toda a semana teria aumento”, revela. Para manter a clientela, uma alternativa é dedicar atenção à qualidade do atendimento, a fim fortalecer os laços com os consumidores.“O diferencial do comércio está no atendimento ao público, na proximidade com o cliente, o que faz toda a diferença”, avalia Travassos. A opinião é reverberada na Barrinha. Zaira Maria da Silva, 66 anos, que ajuda a manter o único mercado do bairro com a sua filha Mônica, explica que a variedade de produtos e o ambiente aconchegante são as principais atrações para os clientes. “Os fregueses gostam muito daqui. Todo mundo diz que volta porque se sente em casa”, conta ela. INOVAR PARA SOBREVIVER Abuscaporsoluçõesinovadoras não fica restrita à classe empre-

sarial. Os moradores também se desdobram para encontrar alternativas para economizar e obter uma renda extra. É o caso, por exemplo, de Esmaildo de Oliveira, 34 anos. Durante o dia, ele trabalha em uma transportadora no centro da cidade; no tempo livre, passou a vender produtos de limpeza residencial e automotiva, como alvejantes e detergentes. “Graças a Deus, tá saindo bem. O pessoal compra porque conhece a gente”, orgulha-se. Há quem venda trufas artesanais e os que apostam nas verduras: de uma maneira ou de outra, a comunidade demonstra sua capacidade de adaptação

para garantir o sustento em meio à crise. E os que não têm outra fonte de renda mostram desenvoltura para economizar. Jorge Danilo dos Santos, 40 anos, ganha a vida com trabalhos manuais, que vão de pinturas a consertos. Inconformado com o aumento do preço do botijão de gás, ele recorreu à habilidade com as mãos para construir um fogão à lenha, em nome da economia. Seja para cozinhar alimentos, aquecer a água do chimarrão, secar as roupas ou reduzir a umidade da casa, o fogão cumpre seu papel. E o melhor: sem custos. “Agora, eu não gasto com nada, porque

consigo a lenha seca de graça. É uma baita economia que a gente faz”, resume. Da trufa artesanal à lenha, passando pelas soluções inovadoras do comércio, a Barrinha parece unida para se proteger contra uma crise que não é dela – mas nela desemboca. Enquanto a economia brasileira tenta se recuperar, os moradores resistem como conseguem. Nesse momento crítico, a desenvoltura e a capacidade de adaptação revelam a força da comunidade localizada no distrito rural de Campo Bom. DANIEL ROHR ÉMERSON DA COSTA


8. MULHER

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Mulheres empreendedoras Mais do que um meio para sobreviver, mulheres enfrentam o mercado de trabalho com ousadia e encontram na fonte de renda sua realização

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egundo estudo feito pela Serasa Experian, o Brasil possui cinco milhões de mulheres empresárias, o que representa 8% da população feminina do país. Na Barrinha, não é diferente. Com pequenos estabelecimentos, realizando vendas de suas casas ou fazendo produtos para vender, cresce o número de mulheres que se venturam no empreendedorismo. É o caso de Aurélia Teresinha da Silva Ribeiro, que há cinco anos possui um mercado familiar no bairro. Sua casa fica no andar de cima do estabelecimento e é dessa forma que consegue conciliar a rotina do lar com as responsabilidades do negócio. “Comecei vendendo sacolé, depois também coloquei sorvete, refri e aí foi indo. Quando vi, já tinha o mercado”, conta. A região Sul ocupa o segundo lugar com maior número de mulheres empreendedoras, 19% do total. A pesquisa ainda aponta que a média de idade das empreendedoras é de 44 anos. Aurélia, com 46 anos, explica que a ideia de abrir o negócio veio após ser demitida

da empresa onde trabalhava. “Adoro costurar, que era com o que trabalhava antes, mas, como tive muitas dores nos braços, não pude continuar. Aproveitei o seguro que recebi quando saí da empresa pra começar o mercado”, recorda-se. Para ela, que para seus filhos sempre foi um exemplo de batalhadora, poder tocar os negócios em casa é a melhor parte. “É uma ótima experiência, consigo ajudar a cuidar dos meus netos e trabalhar”. Antes mesmo de ser funcionária de uma confecção de roupas, Aurélia teve seu próprio ateliê de costuras, como sócia. O local era familiar, tanto que seus filhos acabavam ficando por lá e ajudando também no trabalho. “O primeiro contato profissional dos meus filhos foi no ateliê”, orgulha-se. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), aponta que as mulheres trabalham cerca de cinco horas a mais, por semana, do que os homens. Essa “dupla jornada” feminina é cada vez mais frequente no mercado. Exemplo disso é Renata Kreuzberg. Concursada como merendeira há 22 anos, também trabalha como revendedora de cosméticos. “Minha prima que vendia, daí um dia ela me ligou e me convenceu de vender também, isso faz uns 15 anos” recorda-se. Para ela, essa é uma forma de complementar

sua renda e ajudar a dar conta dos gastos. Com problemas de saúde Renata está há três anos sem poder trabalhar, mas não larga as revendas que pode fazer de casa mesmo. “Tenho minha clientela fixa, eles são bem fiéis. Não costumo vender pra quem não conheço, já levei alguns tufos, acho melhor assim”, pondera. Para quem sempre gostou e fez questão de trabalhar, ter que ficar de repouso pode ser complicado, e essa é a única queixa de Renata. “Sempre adorei trabalhar. Sou de Santo Ângelo, e a gente era muito pobre, por isso precisávamos trabalhar, mas eu nunca achei ruim”, lembra. O espirito empreendedor sempre esteve presente em sua vida, até as plantas que cultiva no pátio já foram vendidas. “Quando nossas flores estão muito bonitas, os vizinhos querem, por isso meu marido e eu já acabamos vendendo algumas”, revela. Segundo a Rede Mulher Empreendedora, uma plataforma digital que possui uma base de mais de 7 mil mulheres cadastradas, a opção das mulheres por se dedicar aos próprios negócios é cada vez mais comum. Acostumada com o trabalho pesado, Maria de Lourdes Rolim tem 63 anos e muito nova começou sua carreira trabalhando no campo. “A gente morava fora, não ti-

nha empresas para trabalhar, por isso tinha que trabalhar na roça mesmo, capinando e tudo”, lembra. Viúva, Lourdes procura formas para sustentar sozinha a casa onde vive com dois de seus nove filhos. “Três dos meus filhos já faleceram, sabe? Os outros se casaram e se mudaram, ficaram só os dois”, explica. Após trabalhar como doméstica em casas de família e merendeira em colégios, ficou desempregada e precisou encontrar outra fonte de renda. “Trabalhava como merendeira, na cozinha do colégio, mas éramos terceirizados e quando empresa fechou fiquei desempregada. Trabalhei como doméstica em casas de família e tive que parar porque tive problemas nas pernas. Foi aí que uma vizinha que tem um mercado disse que se eu quisesse fazer pão ela colocaria lá para vender”, conta. Foi então que encontrou o que realmente gosta de fazer: desde o começo do ano vende pães caseiros. E não foi só no mercado que encontrou seus clientes. “Vendo os pães para os vizinhos também, todo mundo sabe que estou vendendo, me conhecem por isso”, orgulhase. Como não é aposentada, Lourdes não considera parar de trabalhar. “Mesmo com 63 anos ainda não consegui me aposentar. Preciso sustentar a

casa, por isso nem penso em não trabalhar”. Do total de empresas ativas no Brasil, 30% possuem como sócias mulheres. Das empreendedoras que existem no país, 73% são sócias de micro ou pequenas empresas. Já quando falamos de Micro Empreendedor Individual (MEI) o percentual sobe para 98,5%. Mais de 1,3 milhão de mulheres brasileiras são sócias do MEI. Apesar disso, em grandes empresas, apenas 0,2% das mulheres empreendedoras do país são sócias. Na Barrinha, como no Brasil, as mulheres parecem dispostas a trilhar o próprio caminho para o sucesso, deixando para trás qualquer tipo de preconceito. Empreender, nesse caso, é garantir o futuro – delas e da família. RAFAELA AMARAL CLÁUDIA PAES

Renata Kreuzberg (à esquerda) e Maria de Lourdes Rolim são exemplos de mulheres que investiram em um negócio próprio


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MULHER .9

À espera de um bebê Futuras mães descrevem a gravidez como um período cheio de mudanças e único na vida

transformações em um período curto de tempo, ocorrem várias repercussões psicológicas, sem contar nos fatores fisiológicos”, salienta a psicóloga. Quando se trata de gravidez na adolescência, as transformações são ainda mais perceptíveis, pois ocorrem tanto devido à gestação quanto à reorganização de identidade feita pelos adolescentes.“Nesse período, a gestação é chamada de dupla crise, mas no sentido de potencial para mudança”, esclarece a psicóloga. Geralmente, a gravidez apresenta uma exigência emocional maior para a mulher muito jovem que, além de enfrentar questões individuais, precisa lidar com a maternidade.

M

uitas vezes, ela é idealizada por meninas pequenas que sonham em ser mãe um dia e que, eventualmente, concretizam seu desejo. Em outros casos, chega de surpresa, sem ter sido planejada. Apesar das diferenças, o fato é que a gravidez traz consigo grandes mudanças à vida da mulher. Afinal, com a descoberta de que a chegada de uma criança se aproxima, surgem novas perspectivas de futuro e aprendizados. No bairro Barrinha, em Campo Bom, há quem saiba disso. Aos 18 anos, Camila Maiara Rolin está no quinto mês de gestação. Embora a gravidez não tenha sido planejada, a jovem se sente realizada com a nova etapa.“Foi algo que aconteceu, um presente que ganhei. É uma vida da qual vou ter que cuidar”, diz com entusiasmo. Entretanto, quando soube da notícia, foi um susto, pois ela não sabia qual seria a reação da família. “Nãopassavapelaminhacabeça engravidar, mas fiquei tranquila quando meus familiares me apoiaram”, conta. Camila mora com a mãe, os dois irmãos e a cunhada. Agora, ela vive os primeiros aprendizados da gestação. Para a jovem, as horas ganharam novos significados. “Estou aprendendo a valorizar mais o tempo, pois grande parte dele será focado no bebê. Também reconheço mais minha mãe e os cuidados dela comigo”, ressalta. Hoje, ela não tem mais contato com o pai da criança, também jovem de 18 anos. No entanto, contará com a ajuda da mãe, Lurdes Rolin, que cuidará do bebê. Assim, Camila poderá estudar.“Quero fazer faculdade de Direito e dar bastante estudo para o meu filho”, enfatiza. Camila faz parte de um grupo de brasileiras que se tornam mães cedo. Segundo a última pesquisa do Banco Mundial, 70 a cada mil meninas entre 15 e 19 anos tiveram filhos em 2013. Mas, mesmo ainda sendo jovem, para Camila, isso parece não fazer diferença, pois ela considera o período da gestação como indescritível. “É a melhor sensação, um filho é tudo”, alegra-se. Quem concorda que a gestação proporciona uma sensação inexplicável é Camila Locatelli, 23 anos, que está grávida há dois meses e meio. Também moradora da Barrinha, ela demonstra a alegria desse período: “É um momento único na vida da mulher, saber que tem outra vida dentro de ti é a melhor coisa do mundo”, descreve. Para ela, a gestação faz com que leve as coisas mais a sério e com

A IMPORTÂNCIA DA FIGURA PATERNA A participação e apoio do homem ao longo da gestação são importantes para que a mulher possa se dedicar à criança. “O pai é fundamental tanto para a mãe quanto para o bebê desde o início, com apoio emocional e logístico”, diz Tagma. Segundo a psicóloga, o ideal é que ele esteja presente, compartilhe angústias, responsabilidades e alegrias com a gestante. Entretanto, quando a figura paterna não está presente, o apoio pode ser concedido por outras pessoas próximas à gestante.“Do ponto de vista da mulher, há muitas coisas que o pai faria que podem ser desempenhadas por outros indivíduos. Já para a criança, o pai biológico sempre entrará na história como uma peça fundamental. Afinal, ela vai querer saber sobre a própria história ao longo do tempo”, menciona a psicóloga. ACOMPANHAMENTO MÉDICO

responsabilidade. “É alguém que vai depender de mim. Agora, penso mais no futuro e planejo melhor o que vou fazer”. Atualmente, Camila mora com os pais e a irmã, mas, assim que a chegada do bebê estiver próxima, ela casará com o namorado, Guilherme Heps. A partir daí, eles morarão juntos no bairro 25 de Julho, em Campo Bom. “A gravidez estava planejada para o ano que vem, mas ficamos felizes ao descobrir”, garante. Nessa nova fase, Camila faz acompanhamentomédiconocentro de saúde Porto Blos, em Campo Bom, e conta com a participação do namorado. “Na primeira ecografia, ele estava junto, perguntou se dava para ouvir o coração do bebê”, recorda a jovem. Mesmo que seja um período de mudan-

ças, ela já tem experiência com os pequenos. Quando tinha 15 anos, foi babá de uma criança de 3. Mesmo assim, ela não deixa de se informar. “Procuro na internet sobre gravidez e pergunto dúvidas para quem já é mãe”, diz. FASE DE TRANSFORMAÇÕES NA MULHER A gestação é um momento de transformação. É o que explica Tagma Donelli, psicóloga e professora pesquisadora do Programa de Pós-graduação de Psicologia da Unisinos. Segundo ela, esse período modifica a vida mulher e a identidade dela, principalmente se for a primeira gravidez. “Muda o papel da mulher na sociedade e na família, que deixa de ser apenas

Na foto acima, Camila Rolin pede conselhos à mãe, Lurdes Rolin, sobre o período da gestação. Abaixo, ao lado da mãe, Camila Locatelli faz planos para o futuro após o nascimento da criança filha, namorada ou esposa e passa a ser mãe. Ela será reconhecida por esse status social”, explica. De acordo com a psicóloga, a própria identidade da gestante muda desde o período da gravidez ao nascimento do bebê. Isso porque, nessa fase da vida, a mãe precisa reorganizar sua identidade para incluir novas funções e conciliar uma série de papéis, até mesmo adequando questões como a carreira profissional. “São muitas

Ao longo de toda a gestação, fazer um controle por meio de acompanhamento médico é essencial para o bem-estar da mãe e do bebê e, portanto, o serviço de saúde deve ser procurado para que a gestante tenha acesso a profissionais capacitados. De acordo com Tagma, isso ajuda até mesmo a identificar comportamentos da mulher que exigem intervenção psicológica, uma que vez que nesse período são comuns alterações como a instabilidade de humor e o aumento da sensibilidade, por exemplo. Para as grávidas que se sentem angustiadasouinsegurasemrelação à maternidade, a dica é frequentar grupos de gestantes. “Assim, elas podem compartilhar as dúvidas e os medos, além de participarem de intervenções preventivas”, recomenda a psicóloga. MARIANA BLAUTH BOLÍVAR GOMES


10. MULHER

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A morena bonita da olaria Moradora pioneira da Barrinha não teme dar duro quando se trata de trabalho

Q

uem acha que as mulheres são o sexo frágil, provavelmente não conheceu dona Crista Verônica Stork, uma das mais antigas habitantes de Campo Bom. Enquanto as crianças da sua idade brincavam despreocupadas, aos 9 anos, ela recebeu o posto de “mocinha da casa”. Esse foi apenas o início de uma vida de muito trabalho. Cuidava do sítio onde morava, foi tropeira junto com o pai, pescadora, cozinheira e trabalhou em uma olaria com o marido. Atualmente, aos 77 anos de idade, ela ainda não se acostumou a ficar parada. O trabalho começou muito cedo, ainda na infância. Sua mãe tinha meningite, precisou deixar o emprego de professora e não pôde mais fazer esforços físicos. “Éramos sete filhos. Quando minha irmã mais velha se casou, meu pai disse que eu teria que cuidar de tudo”, explica. Tirava leite das vacas, subia em um banquinho para alcançar as panelas e cozinhar, dava comida aos animais, lavava roupas e fazia todas as tarefas da casa. PAIXÃO PELA FAMÍLIA Já adulta, Verônica conheceu Arlindo. “Nossa história é muito bonita, foi amor à primeira vista”, conta saudosa. Os dois se encontraram pela primeira vez na estrada. Ela voltava de Taquara com a irmã, quando passou por uma olaria onde ele trabalhava. “Mas que morena bonita”, é o que ela lembra ter ouvido. O destino quis que ambos se reencontrassem, em um jantar, quando dona Verônica descobriu que aquele rapaz era amigo de seu irmão. No mesmo dia, começaram a namorar e logo se casaram. Unidos pelo amor, também foram companheiros no trabalho. O casal comandou, durante nove anos, a Olaria Stork, entre 1969 e 1978, no bairro Barrinha, onde dona Verônica mora até hoje. Com a ajuda de alguns funcionários, eles produziam produtos de argila e barro, como tijolos e telhas. A produção era muito braçal e pesada. “Quando chovia, não tinha como produzir. Daí, eu e o Arlindo pescávamos para poder pagar os nossos funcionários”, afirma. Após deixarem a olaria, a pesca foi a principal atividade do casal. “Ela morou em um barco durante mais de um ano”, destaca Mosael Taschetto, de

30 anos, neto de dona Verônica e estudante de veterinária, na Ulbra, em Canoas. Verônica e Arlindo tiveram cinco filhas, mas duas morreram: uma com cinco meses e a outra aos 45 anos, de infarto. Então, eles adotaram Martins, um adolescente que trabalhava na olaria, além de criarem a neta Jenita, que havia perdido a mãe. Para dar um bom futuro às crianças, ela sempre trabalhou muito e não teve a oportunidade de estudar. Parou na quarta série do primeiro grau. Hoje, a maioria dos filhos mora perto dela. “Estamos sempre nos falando, mas sinto falta da minha filha e das minhas netinhas, que moravam comigo. Elas se mudaram e agora estou sozinha”, relata sem conseguir conter as lágrimas. Arlindo, o grande amor de dona Verônica, partiu com 61 anos de idade, por um câncer de pulmão. “Sempre nos demos bem, vivíamos um para o outro”, salienta. Todos os seus irmãos também já faleceram, restando apenas ela da família. Apesar da solidão, a batalhadora senhorinha procura não se desanimar. Ela tem o hábito de orar sempre. Quando não

está bem, é na natureza que encontra paz. “Caminho por aqui, rezo e abraço essas árvores”, diz, apontando para a vegetação. ORGULHO E RECONHECIMENTO Em dezembro de 2009, ano em que Campo Bom comemorou 50 anos de emancipação, a prefeitura fez um resgate histórico e homenageou diversas pessoas que fizeram parte da história da cidade. Foi produzido um documentário e um livro, além de ser realizada uma cerimônia, onde os pioneiros de Campo Bom receberam troféus de reconhecimento alusivo aos 50 anos do município. Nessa ocasião, dona Verônica foi uma das homenageadas, representando a Olaria Stork. “Me senti orgulhosa”, revela a antiga oleira, enquanto mostrava com carinho o troféu recebido e uma fotografia da premiação. Após tantos anos de trabalho e dedicação à família, dona Verônica se sente vitoriosa pelas terras que conseguiu adquirir com o marido e os filhos. Ela ainda não sabe ficar

parada, mesmo aposentada. “Se ele (Arlindo) estivesse aqui comigo e eu tivesse forças, faria tudo de novo. O que não falta é vontade, a idade é que atrapalha”, declara. Apesar dos problemas de saúde, a idosa faz questão de caminhar pelo campo, orar em frente às árvores e alimentar as suas galinhas. O trabalho é uma benção para ela. Seu maior ofício é o amor que dedicou à família. “Viu, vó? Ainda tem gente que gosta de ouvir as histórias da senhora”, brinca Mosael, no final da entrevista com dona Verônica. Ele estava certo, afinal, não é sempre que se tem a oportunidade de escutar uma lição de vida como essa. JONARA CORDOVA KHAEL SANTOS

Verônica se orgulha da casa que adquiriu, fruto do seu trabalho

Campo Bom e as olarias Campo Bom fazia parte da cidade de São Leopoldo. Foi emancipada em 31 de janeiro de 1959, quando começou a prosperar economicamente. O setor cerâmico-oleiro foi um dos principais da região, que causou a elevação da economia, junto com a indústria calçadista e as atafonas. Na década de 1930 surgiram as primeiras olarias, às margens do Rio dos Sinos. Elas eram totalmente rústicas e manuais. Em 1960, com a chegada da rede elétrica, as produções passaram a ser automatizadas com máquinas pesadas. A produção de tijolos, telhas e cerâmicas, em geral, era feita da seguinte forma: coletava-se o barro, que era modelado com o torno ou nos moldes; caso estivessem fabricando telhas, elas passariam pela prensagem, já os tijolos e outros materiais iam direto para a secagem, que poderia ocorrer numa máquina ou naturalmente, pela ação do sol e do vento. Depois dessa etapa, o produto ia para o forno de cozimento, o que chegava a demorar dias, com a necessidade de reposição do material de queima no forno (lenha, pó de serragem etc). Então, era só esperar esfriar o material e estava pronto para ser vendido. Em todas as etapas era preciso o acompanhamento de oleiros, que manejavam os equipamentos pesados e controlavam cada parte do processo.


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Violência contra a mulher Município com pouco mais de 30 mil habitantes do sexo feminino já registrou mais de 150 ocorrências de agressões contra mulheres

E

m Campo Bom, só no primeiro semestre de 2015, 172 mulheres registraram ocorrência na Delegacia de Polícia por terem sofrido algum tipo de violência. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Mas, na Barrinha, as mulheres parecem evitar falar do assunto. Elas dizem desconhecer casos que tenham ocorrido na região. É difícil saber se de fato não há vítimas de violência doméstica na Barrinha ou se a comunidade tem dificuldades em abordar o tema por um certo predomínio da visão masculina. Nesse cenário, encontramos Antônia Carneiro, de 48 anos. Ela diz não ter conhecimento de casos de violência contra a mulher na Barrinha, mas vive um trauma ocorrido em sua família. Em 2005, Antônia perdeu uma prima morta a facadas pelo marido, no município de Minas do Butiá. Segundo ela, na ocasião, uma crise de ciúmes levou o companheiro da vítima a dar 11 facadas, levando a prima de Antônia a óbito. “Todos desconfiavam de que ela sofria violência, mas não falava nada. Ela dependia financeiramente dele”, explica. A moradora da Barrinha conta que a sensação de impunidade é uma das coisas que mais incomodam os familiares da vítima. “Ele ficou pouco tempo na prisão, era réu primário e a lei não era como é hoje”, lamenta. A prima deixou três filhos, que hoje moram com a avó paterna em Minas do Butiá. Antônia diz que nunca viveu algo semelhante durante seus 32 anos de casada. Ela relata que o fato deixou marcas na família: “Nesses 32 anos, nunca nos agredimos, só algumas discussões normais de casal. Essa tragédia marcou muito pra nós, deixou um trauma. Se não deu certo, era só se separar”, argumenta. AVANÇOS NO ESTADO Se a prima de Antônia soubesse a quem recorrer em caso de violência doméstica, talvez a tragédia pudesse ter sido evitada. Desde a criação da lei Maria da Penha, em 2006, o Estado trabalha para evitar novos crimes contra as mulheres. O chefe da Casa Civil, Márcio

Biolchi, firmou no início de outubro o compromisso de viabilizar ações para a implementação das políticas públicas referentes ao protocolo de fluxos da Rede Lilás - Rede de Enfrentamento e Atendimento Especializado às Mulheres em Situação de Violência e Promoção da Autonomia das Mulheres. Por meio do termo de cooperação técnica, serão articuladas ações de acesso à segurança, à saúde, à educação, à assistência social, ao mundo do trabalho e à justiça, para enfrentar a violência contra as mulheres e promover sua autonomia. “Essa iniciativa perpassa todos os Poderes do Estado, e a adesão da Casa Civil reforça a atuação dessa rede voltada à constituição de uma política pública permanente”, relata Salma Farias Valencio, diretora de Políticas Para Mulheres. Para a secretária adjunta da Justiça e dos Direitos Humanos, Maria Elizabeth Rosa Pereira, a parceria tem sido gratificante, pois fortalecem os projetos que já existiam e que estão sendo ampliados no Rio Grande do Sul. O secretário Márcio Biolchi destacou a importância da articulação entre todos os envolvidos como uma forma de trabalhar para superar as dificuldades e garantir atenção

Impunidade preocupa moradora, que perdeu prima assassinada pelo companheiro

aos que mais precisam dos serviços. “A Casa Civil está à disposição para auxiliar no que for preciso, tanto no governo quanto com a sociedade, facilitando a articulação para as ações e parcerias”, comprometeu-se. A iniciativa da Rede Lilás busca uma forma coletiva de trabalho descentralizado, com ações articuladas e integradas entre os Poderes Executivo e Judiciário, com apoio do Legislativo e das demais instituições autônomas. Cabe aos órgãos públicos garantir mecanismos para a aplicabilidade de iniciativas como as da Lei Maria da Penha e o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Estão incluídas aí políticas de igualdade de gênero, por meio do Comitê Rede Lilás. DIJAIR BRILHANTES MATHEUS BECK

Onde buscar ajuda As mulheres que precisarem de atendimento por serem vítimas de violência podem entrar em contato com: n Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo: (51) 3252 8800 n Centro de Referência Municipal da Mulher Márcia Calixto: (51) 3289 5110 n Telefone lilás: 0800 541 0803.

Lei Maria da Penha traz avanços legais: A definição do que é violência doméstica, incluindo não apenas as agressões físicas e sexuais, como também as psicológicas, morais e patrimoniais; n

Reforça que todas as mulheres, independentemente de sua orientação sexual são protegidas pela lei, o que significa que mulheres também podem ser enquadradas – e punidas – como agressoras; n

Não há mais a opção de os agressores pagarem a pena somente com cestas básicas ou multas. A pena é de três meses a três anos de prisão e pode ser aumentada em 1/3 se a violência for cometida contra mulheres com deficiência;

especialmente sobre sua prisão e soltura; n A mulher deve estar acompanhada por advogado e tem direito a defensor público; n Podem ser concedidas medidas de proteção como a suspensão do porte de armas do agressor, o afastamento do lar e uma distância mínima em relação à vítima e aos filhos;

n

Ao contrário do que acontecia antigamente, não é mais a mulher quem entrega a intimação judicial ao agressor; n

A vítima é informada sobre todo o processo que envolve o agressor, n

n

Permite prisão em flagrante;

n No inquérito policial constam os depoimentos da vítima, do agressor, de testemunhas, além das provas da agressão; n A prisão preventiva pode ser decretada se houver riscos de a mulher ser novamente agredida e n O agressor é obrigado a comparecer a programas de recuperação e reeducação


12. SONHOS

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Expectativas da juventude Moradores driblam a falta de local para o lazer e reivindicam um bairro melhor

P

oucas alternativas de entretenimento, esse é o cenário da Barrinha. Distante cerca de 10 quilômetros do centro de Campo Bom, considerado zona rural da cidade, a região não oferece muitas alternativas quando o assunto é se distrair. Com o intuito de driblar a situação, os jovens buscam cultivar relações fortes com vizinhos e familiares próximos. A adolescência é a fase entre a infância e a vida adulta, marcada por diversas transformações biológicas e comportamentais. Nessa época, os desejos mais singelos e os planos mais espontâneos permeiam a imaginação. Para lembrar que é na adolescência que a pessoa descobre sua identidade e define a sua personalidade, o Enfoque Barrinha perguntou para os jovens do bairro sobre as realidades locais e o que eles sonham conquistar no futuro. Nas inúmeras possibilidades que a vida proporciona para quem tem dezesseis, dezoito e vinte anos, a gurizada surpreende ao falar de atividades pouco praticadas por adolescentes. E você, se lembra qual era seu maior sonho na adolescência? Para o estudante de Educação Física da Feevale, Gustavo Bauer, 18 anos, que divide a rotina entre universidade, família e amigos, para ter uma carreira promissora, seu futuro não será no bairro, onde mora com seus avós e pais. Duas vezes por semana, ele estuda em Novo Hambur-

go à noite. “O que falta aqui é ônibus, pois meu avô e meu pai precisam me levar e me buscar quando tenho aula”. Durante o dia, estuda e joga futebol nos únicos dois locais disponíveis para praticar esportes, que são a frente da sua casa e o campo de futebol. “Precisamos de praças, parques e ruas asfaltadas”, explica. Além disso, o jovem acredita que, no futuro, a Barrinha possa ser um lugar melhor. “Precisamos de pavimentação, saneamento básico, serviços de comunicação (internet e tv a cabo), escolas e locais para descontração. Sentimos falta de ações da Prefeitura aqui.” acrescenta. Tiago Storck, Felipe (acima) 16 anos, mora na divide as horas Barrinha há seis, seu vagas tocando violão sonho para o futuro e idealizando uma é se tornar enge- viagem para o Havaí. nheiro ambiental. Tiago e Gustavo Ele pretende ajudar passam o tempo no desenvolvimento em frente de casa da agricultura local. “Aqui, a calmaria predomina, vivemos em torno da natureza, temos um rio pequeno que banha o bairro. O que falta mesmo é segurança, não vemos policiais com frequência”. Já para Felipe Morberto, 20 anos, morador do bairro há 12, para se divertir, principalmente nos finais de semana, a opção é ir até o Centro de Campo Bom, acompanhado dos amigos. “É lá que estão as lanchonetes e pistas de skate, além de parques e espaços abertos próprios para a diversão. Levo meu violão e sentamos na grama”, complementa. LUAN PAZZINI LAURA GALLAS

Meu maior sonho

MILENA RIBOLI E THAYNÁ BANDASZ

Sonhos dos moradores transcendem os limites do bairro. De desejos de infância a aspirações de gente grande, vizinhos enfrentam as realidades diárias sem deixar de almejar futuras conquistas. Confira alguns depoimentos: THAYNÁ BANDASZ

Meu maior sonho é poder consertar bem a minha casa e fazer um salão bem grande, pra trabalhar bastante, atender todo mundo. Projeto a gente tem né, falta dinheiro, mas sonhar não custa. Como o nome do meu salão é Galpão da Beleza, eu imagino fazer um galpão, só que grande, e botar de tudo, até massagem, depilação, essas coisas, porque aqui no bairro tem pessoas que fazem isso, e daí têm que ir para fora.” Veridiana 34 anos

MILENA RIBOLI

Meu sonho era ter ganhado um cavalo, que eu gosto. Queria ginetear também, aprender e depois me reunir com o meu tio.” Eduardo 12 anos


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SONHOS .13

A Barrinha em cenas Manhã de gravações e descobertas. No vídeo produzido por alunos sobre o bairro, histórias de vida e esperança de um futuro melhor

T

udo começou com uma simples conversa, entre nós e alguns representantes da associação de moradores da Barrinha, durante uma noite de aula na Unisinos. A proposta da disciplina era criarmos um produto diferenciado do restante do jornal, e, após um debate, concluímos que a produção seria de um vídeo que contasse os sonhos dos moradores do bairro. Em alguns casos: sonhos empoeirados que não foram realizados; em outros, sonhos que geram expectativa e planejamento porque ainda se tornarão realidade. Para iniciar o projeto, procuramos entrevistar pessoas de idades diferentes, que englobassem todas as gerações que vivem no local. Nosso principal objetivo com esse pequeno documentário, é apresentar a Barrinha, para seus próprios moradores e para os de fora. Dar espaço de visibilidade a objetivos, desejos,engajamentoeumagrande vontade de superar dificuldades. Por estar localizada nas margens do Rio dos Sinos, a região enfrenta alagamentos devido ao grande volume de chuvas dos últimos meses. No dia em que gravamos os depoimentos, 17 de outubro de 2015, algumas ruas encontravam-se alagadas, fazendo necessária a utilização de um carro para nos transportar, já que a pé ou no ônibus da Unisinos era pouco viável a locomoção para os distantes lugares dentro

MILENA RIBOLI

do próprio bairro. Contamos com a amabilidade dos vizinhos que, sem pensar duas vezes, se colocaram à disposição e nos emprestaram um carro. Deixamos aqui nosso agradecimento pela simpática acolhida a todos os que, de alguma maneira, contribuíram para a realização do vídeo. Alguns depoimentos estão transcritos nas páginas do jornal, mas o vídeo na íntegra está disponível em www.facebook.com/ enfoquebarrinha2015/. Além disso, uma cópia em DVD ficará disponível junto à Associação de Moradores. TUANNY PRADO MILENA RIBOLI THAYNÁ BANDASZ

Equipe de reportagem entrevistou moradores como Fernanda Storck e Karoline Storck Passos (ao lado), que compartilharam suas aspirações MILENA RIBOLI

MILENA RIBOLI

Meu maior sonho é deixar meus filhos formados e construir uma casa melhor, que já estou tentando conseguir e devagarinho quero ver se consigo. Já tô, bem dizer, realizado, e vou terminar de realizar daqui a uns dias, quando sair a minha aposentadoria quero ver se termino de realizar meu sonho. Tô construindo mais uma cozinha nova, e mais uma peça em cima. É um dos sonhos que tá se realizando, quero tentar conseguir mais coisas ainda, tô trabalhando pra isso.” Marcos Valério da Silva 49 anos

THAYNÁ BANDASZ

THAYNÁ BANDASZ

Eu queria conhecer muito a Itália. O meu sonho é de conhecer esse lugar. Nas fotos que a gente vê é bonito, mas um dia eu queria ir lá conhecer. Uma vez tinha uma novela que passava na televisão, e daí foi ali que eu vi.” Veranice 41 anos


14. ENFOQUINHO

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Crianças ainda brincam Mesmo em tempos modernos, na Barrinha há espaço e inocência para brincadeiras simples e lúdicas

C

om tantas novas tecnologias nos dias de hoje, por vezes, nos perguntamos: Será que as crianças ainda brincam de verdade, além de manusearem tablets, smartphones, jogarem vídeo game e assistirem televisão? Sim, na Barrinha, as crianças ainda se divertem brincando à moda antiga. Capinar, preparar a terra para o plantio de hortaliças, realizar a colheita, alimentar e cuidar de porcos, galinhas, patos, cavalos e gado. Tudo isso pode parecer uma jornada de trabalho bastante árdua para qualquer trabalhador rural, mas para o menino Pedro Henrique Nikititz, de 7 anos, esses afazeres da lida do campo são suas brincadeiras preferidas. Ele está cursando o segundo ano do ensino fundamental. Estuda durante o dia inteiro, já lê e escreve, gosta de ir para a escola, mas revela que a melhor hora do dia é quando, após a aula, pode ir para a casa dos avós, onde ajuda nas atividades campeiras brincando. “Fico na escola até as quatro horas, depois saio correndo pra ajudar meu avô. Quando não tenho aula e nos finais de semana, gosto de ficar aqui também”, comenta. Ao ser indagado sobre qual a brincadeira favorita, ele responde com sorriso e brilho nos olhos: “Gosto de brincar de máquina. Às vezes, meu primo Eduardo vem brincar comigo. Brincamos que estamos trabalhando com as máquinas, é muito legal”, relata. Mas não é só de faz de conta que são feitas as brincadeiras. Ele

ajuda o avô e os tios de verdade e com gosto. Pedro sabe ensinar perfeitamente como é feito o plantio na horta e conta sobre a sua satisfação em realizar a colheita. “Tem que preparar a terra, fazer os buracos, colocar as sementes, depois a terra e molhar. Após algum tempo, tudo já brota e, logo, dá pra colher e comer”, explica. Ele também tem na ponta da língua a resposta para o que mais gosta de comer de tudo o que já plantou: “Banana e cenoura. Quando estão prontas, tiro do pé ou da horta, lavo e como na hora”, descreve. BRINCADEIRAS GERAM SAÚDE E AFETO SegundoamestreemPsicologia Clínica, especialista em Psicoterapia Psicanalítica de Crianças e Adolescentes, Michele Scheffel, as brincadeiras devem estar associadas ao contexto no qual a criança e sua família estão inseridos. Para ela, o menino que brinca com a lida no campo parece ter familiaridade com este ambiente, tem o seu avô como um modelo e, por meio da brincadeira, o imita.“Esta atividade indica que existe uma relação de confiança entre eles e de admiração, ou seja, uma interação afetiva promotora de saúde. Esses modelos iniciais servirão de base para as novas relações afetivas, na vida adulta”, explica. As brincadeiras lúdicas mais corriqueiras, são praticadas pelas primas Fernanda Storck e Karoline Storck Passos, de 7 e 8 anos respectivamente. Além de estudarem na mesma escola, as meninas se encontram quase que em todos os finais de semana para brincar. Sempre na casa de uma ou de outra. A mãe da Fernanda, a dona de casa Madalena do Espírito Santo, 34

anos, incentiva que a filha assista menos televisão e brinque mais. Na sua casa, as meninas têm espaço para correr no pátio e, no gramado, há uma casinha para brincar. São muitas bonecas, bichos de pelúcia, jogos, lápis coloridos, livros e até uma cozinha de brinquedo. Naquele espaço, inventam histórias, personagens para elas mesmas ou para as bonecas, vestem fantasias

na imaginação e, muitas vezes, se fantasiam também. Elas narram a rotina de brincadeiras com uma alegria contagiante.“Gostamos de brincar mais de mamãe e filhinha. Inventamos histórias que as bonecas têm filhos, ou as bonecas são nossas filhas. Aí, brincamos de casinha”, conta Fernanda. A Karoline complementa: “Também gostamos de desenhar e de ler livros de histórias”.

Ao brincar, a criança estimula a criatividade e forma laços afetivos

INFLUÊNCIAS DA INFÂNCIA REFLETEM NA VIDA ADULTA Segundo Michele, especialista da área da psicologia infanto-juvenil, os adultos podem influenciar bons hábitos na medida em que estão atentos às necessidades dos seus filhos, sejam elas cognitivas ou afetuosas. “A disponibilidade afetiva destes pais é fundamental, pois permite que eles brinquem efetivamente com seus filhos, promovendo brincadeiras saudáveis e de acordo com a capacidade deles”, afirma. Ela explica que as brincadeiras consideradas saudáveis são aquelas mais indicadas para cada etapa do desenvolvimento. “Crianças pequenas, por exemplo, não possuem condições de avaliar o risco das brincadeiras. É importante que realizem brincadeiras que movimentem o seu corpo,

estimulem o seu raciocínio, que lhe tragam satisfação e bem-estar”, argumenta. A psicóloga expõe que brincar é um indicador de saúde, pois as crianças adquirem mais disponibilidade para a interação afetiva e a construção de vínculo. “O brincar é promotor de subjetividade, estimula a espontaneidade, a criatividade e a formação de laços afetivos. Isso tem grande influência na vida adulta, uma vez que, por meio dele, o sujeito constrói um espaço interno que lhe permite suportar as angústias e as adversidades próprias do crescimento e, assim, conviver em sociedade”, esclarece Michele. ADRIANA CORRÊA NICOLLE FRAPICCINI


ENFOQUE BARRINHA | CAMPO BOM (RS) | NOVEMBRO / 2015 |

ENFOQUINHO .15

O que vou ser quando crescer? A criançada da Barrinha desde pequena sonha em seguir um caminho profissional

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uem nunca sonhou ser médico, astronauta ou até mesmo aquele super lutador da televisão? Seja por uma inspiração familiar ou fictícia, as crianças sempre ressaltam um desejo de ser algo quando mais velhos. Muitas vezes, esse desejo é refletido em brincadeiras dentro de casa ou na escola. Um exemplo disso é a jovem Nathali de Souza, que com apenas 9 anos já sabe: quando crescer quer ser veterinária. “É uma tarefa muito importante. Cuida de animais, dá banho, faz injeção”, justifica a estudante do 4º ano. É no pátio de casa que Nathali coloca em prática os ensinamentos do pai. Ela ajuda a família com o trato dos quatro cabritos, dois porquinhos da índia, uma galinha, 12 pintinhos e três cachorros de estimação. Colocar água e comida para os animais é um de seus deveres. Já sua irmã mais nova, Sofia, de 6 anos, acha muito divertida a profissãodecabelereira.“Achomuito legal cortar o cabelo das pessoas, fazer penteados divertidos, cores malucas”, diverte a estudante da pré-escola, que mesmo não conhecendo ninguém que trabalhe em salão de beleza já sabe a profissão que quer seguir. A mãe das meninas, Jenita de Souza, diz que apoia os sonhos das pequenas,mesmosabendoqueelas podem mudar de ideia ao longo dos anos e ressalta: “É preciso estudar bastante para ser alguém na vida!”. A mamãe coruja também é só elogios ao desempenho das filhas na Escola WashingtonLuiz,localondeestudam.

UMA NOVA GERAÇÃO DE “BOLEIROS” A meninada que corre e brinca nas ruas do Bairro Barrinha já sabe direitinho em quem se espelhar. “Eu quero jogar igual ao Neymar”, repetem em coro. O titular da Seleção Brasileira de Futebol e um dos maiores goleadores do Barcelona é o preferido das crianças. “Eu quero jogar no Grêmio quando crescer”, conta Gustavo Caetano da Silva, de 7 anos. O Estudante do 2º ano da Escola Princesa Isabel garante que não perde um jogo do time, e que mesmo que o seujogadorpreferido não seja gremista, As irmãs Nathali o tricolor gaúcho é e Sofia adoram seu time de coração. cuidar dos animais de Para João Vitor estimação da família. Lobato, de 4 anos, Gremista fanático, o que mais chama Gustavo sonha em eu não trabalhar a atenção é o estilo jogar no time de em escritório, quero coração do craque da seleção ter a minha loja de brasileira, “o cabelo roupas ou algo asdele é bem divertido”, explica o sim”, afirma a pré-adolescente. pequeno. João ainda não decidiu Normalmente as crianças são pra quem torce, mas já sabe, “vou influenciadas por exemplos famiser jogador do Brasil”, garante. liares ou gostos pessoais, que já O melhor amigo do João, Felipe se manifestam desde pequenos. da Silva Souza, também com 4 Na hora de escolher a profissão anos, não poderia ter um sonho desejada, mudar de ideia é codiferente, se não o de ser um grande mum conforme se conhece mais jogador,“igual ao Neymar”, ressalta. do ofício. O importante é que os Gremista desde pequenininho, pequenos nunca percam o inFelipe também garante que jogará teresse nos estudos e no futuro no Grêmio. profissional, principalmente porque decidir o emprego pode ser EXEMPLO QUE algo complicado e angustiante. VEM DE CASA O mercado de trabalho oferece um leque enorme de opções, e Seguindo o exemplo da há muitos fatores que influenciam irmã mais velha, Kamily Cae- na escolha. Pensar sobre isso mais tano, de 12 anos, quer cursar cedo pode ajudar a vencer uma administração e trabalhar em importante etapa sem tanta aflição. escritório. Mas Kamily também JÉSSICA BELTRAME não nega o sonho de se tornar JUSUEL MASCHKE uma jovem empreendedora LEONARDO OZÓRIO e montar sua própria loja. “Se

Para colorir Use a imaginação e divirta-se dando cores às imagens abaixo.


ENFOQUE BARRINHA

CAMPO BOM (RS) NOVEMBRO DE 2015

EDIÇÃO

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Parceria animal

ÉMERSON DA COSTA

A convivência com os animais faz parte da rotina dos moradores da Barrinha. Entre miados, cacarejos e mugidos, a comunidade do distrito rural de Campo Bom adota mascotes que vão além dos tradicionais cão e gato. A companhia cria laços de amizade diferentes e faz a alegria das crianças. DANIEL ROHR CAROLINA ZENI ÉMERSON DA COSTA FERNANDA SALLA JOSUEL MASCHKE LEONARDO OZÓRIO LUCAS WEBER MATHEUS BECK

CAROLINA ZENI

MATHEUS BECK

JOSUEL MASCHKE

FERNANDA SALLA

LEONARDO OZÓRIO

LUCAS WEBER


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