Revista experimental do curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre
Trabalho das ciclomensageiras 4 Orixá que abre caminhos
Jonathan Heckler
Avida, muitas vezes, parece acontecer mais nas telas do que na dimensão que consideramos real, física. E é justamente nesse mundo dominado por selfies, stories, memes e vídeos e toda cultura que fizeram nascer com seu advento que temos a sensação de que nós e o mundo ao nosso redor estamos mais expostos do que nunca. Ao mesmo tempo, pensamos ver a realidade em sua totalidade apenas ao rodarmos os feeds das redes sociais.
Mas é justamente nessa época de hiperexposição e hipervisiblidade que nos deparamos com um mundo que desconhecemos: as pessoas têm feições e traços de personalidade que divergem das fotos e das personas que criam no ambiente digital; as paisagens têm elementos e nos causam sensações que os enquadramentos de fotos e vídeos não nos permitem perceber; e os acontecimentos transcendem a leitura que fazemos a partir do recorte que nos chega. E isso tudo sem contar os recursos de edição, manipulação e distorção que não cessam de aparecer e nos surpreender.
É por isso que, mais do que nunca, uma pergunta ganha força: será que é possível ter certeza do que vemos? Com ela em mente é que nos aventuramos, para fazer mais esta Josefa, pelo jornalismo de reportagem, buscando coisas, pessoas e situações que, se visíveis, possuem ângulos menos evidentes.
Essa questão que nos move ganha relevo no tempo em que vivemos, quando as pessoas parecem cheias de certezas: todos sabem tudo sobre tudo; todos recebem tudo por aplicativos de mensagens e redes sociais; todos têm convicções.
E é por causa desse cenário que perguntar é ainda mais essencial, mas não por motivações meramente retóricas, que servem apenas a quem faz o questionamento. A pergunta que cabe em nosso tempo é aquela genuína, que expressa uma dúvida, uma incerteza. Só ela é capaz de nos colocar numa posição que, despida da prepotência, nos leva a uma atitude de viver em estado sensível de escuta e observação que, afinal, é uma linda e potente forma de aprendizado.
Everton Cardoso Professor
A gaúcha Maria Josefa Barreto Pereira Pinto foi a primeira mulher jornalista brasileira. Mãe, feminista, poeta, escritora e professora, dirigiu dois jornais, sendo proprietária de um – o Belona Irada Contra os Sectários de Momo –, que circulou em Porto Alegre entre 1833 e 1834. Josefa não teve uma vida fácil. Foi abandonada quando nasceu, mais tarde seu marido a deixou e ela viu seus dois filhos morrerem. O nome desta revista é uma homenagem a ela.
A
paixão pela bicicleta virou trabalho para as três ciclomensageiras ativas de Porto Alegre
Texto
Tai Mauê
Poder transformar a Mensageira Cósmica em uma empresa é o que deseja Cinthia, dando, assim, oportunidades para que outras mulheres possam trabalham como bike messengers
TRAJETÓRIAS NO
Jonathan Heckler
Osol reluzia e castigava a pele naquela tarde quente de outubro, e com uma mountain bike aro 26 Thainá recebia a próxima rota de entrega. Rapidamente, vestiu sua mochila, que já estava carregada com os cafés para entregar na sequência, colocou o capacete e partiu para os próximos destinos: os bairros Cidade Baixa e Moinhos de Vento. Thai pedalou alguns metros pela via e já recebeu a primeira buzinada. Ela olhou para trás e disse: “É sempre assim!”. Mas não havia tempo para discussão. A bike messenger seguiu pedalando e focada no destino. O percurso que andamos juntas, e de bike, da rua Demétrio Ribeiro até o cruzamento das ruas Loureiro da Silva e José do Patrocínio, foi bem tranquilo apesar do motorista sem paciência que fez uso da buzina. As ruas estavam com poucos carros, e logo percebi o brilho no olhar dela, enquanto dizia: “Outra coisa muito massa de fazer esse trabalho é encontrar as pessoas nas ruas, sabe? Eu passo e sempre grito. Fico às vezes uma quadra inteira com um sorriso”.
Nas ruas
Entre uma tele e outra, num breve momento de descanso, Thainá Della Nina Kroth, de 27 anos, comia um salgado apressadamente, já que era início de mês, e o coletivo estava com grande demanda de entregas agendadas. Mesmo com o calor daquela tarde, optou por sair com uma bermuda por cima da legging e a jersey da Pedal Express por cima da blusa de manga longa. Tudo para se proteger do sol forte e dos assédios de motoristas e transeuntes.
Incentivada por uma amiga, que fazia parte de um grupo de pedal só de minas, Thainá começou a aprender a andar pelas ruas. “Tu começa a olhar as outras meninas andando, como parar numa sinaleira, e tu começa a ter muita coragem também, né? A se empoderar”, relata. Para juntar a paixão pelo pedal e a possibilidade de ter renda, enviou um currículo para Jonathan Heckler
Parar e poder observar a cidade de outra perspectiva é um dos motivos para Thainá pedalar em média 50km nos dias em que trabalha como bike messenger
o coletivo de ciclomensageria e, em tom irônico, disse que foi abandonada, pois não teve retorno. Então, pela falta de tempo, acabou deixando de lado a ideia. Em fevereiro de 2021, decidiu fazer um intercâmbio na Argentina. Para não depender do dinheiro da família, desmontou a bike e levou junto. Quase 24 horas de ônibus. Chegando em Córdoba, decidiu fazer sua marca, a “Guria Mensajera”. Rindo, ela conta que, por não saber se comunicar em espanhol, não fazia muitas teles, mas descobriu que existia uma mensageria. “Falei com eles para saber se estavam precisando de alguém que pudesse trampar junto”. Assim, Thai começou a trabalhar como bike messenger no início da pandemia, em Córdoba, apaixonando-se ainda mais pela profissão. Voltou para o Brasil em agosto de 2021 e insistiu novamente com a Pedal Express. Então, em novembro do mesmo ano, recebeu o número #52 do coletivo.
Frota de bikes
Segundo a Estimativa de Frota de Bicicletas do Brasil, publicada pelo Journal of Sustainable Urban Mobility em 2021, o país tem aproximadamente 33 milhões de bikes, cerca de 16 para cada 100 habitantes. Por ser um veículo que não exige registros, não se pode dizer com exatidão o número da frota. Um relatório técnico realizado em 2020 pelo Laboratório de Mobilidade Sustentável, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), aponta que, na época, existiam 63 empresas de ciclomensageria, sendo que o Sudeste detém 60%, o Sul 20%, o Nordeste 9%, o Centro-Oeste 8% e o Norte 5%. Na região Sul, seis empresas foram localizadas em Porto Alegre, quatro em Curitiba, duas em Florianópolis e uma em Pelotas. Esses números não condizem com a realidade atual, pois com a pandemia muitas acabaram não conseguindo se manter na ativa, que não foi o caso da Pedal Express, que em março desse ano ainda agregou Carol ao coletivo. Atualmente são duas mulheres trabalhando por lá.
Um recomeço
A história de Carol com a bike começou na infância, pela Orla. Mais tarde, em rolezinhos com amigos. Itapuã, um destino clássico para os bikers da capital, 46 km distante do centro de Porto Alegre, já era pouco. Como sempre gostou de pedalar, pensou: “Se eu consigo fazer 150 km numa boa, acho que me garanto no trampo”. Saindo de uma iniciação científica, na área da engenharia metalúrgica, segundo ela “um ambiente muito tóxico e machista”, resolveu participar do processo seletivo da Pedal Express. Por ter experiência em outros trabalhos voluntários como bike messenger e ter muitos quilômetros de pedal, o número #57 se oficializou. Mesmo tendo prática, foi alertada pelos colegas que não era tão fácil. Carol diz que o ritmo do pedal não foi um problema. “Meu maior desafio foi prender a bike, subir e
falar com o cliente, com objetividade, educação e rapidez. Além disso, buscar as melhores rotas, sempre lembrar de colocar o equipamento de segurança e toda essa rotina”, detalha. Superado as dificuldades iniciais, ela diz rindo que os dias chuvosos são os piores: “É horrível! Trabalhar em dia de chuva e menstruada é horrível, um inferno!”.
Carol diz que geralmente no verão os homens se sentem autorizados a mexer com as ciclistas. Em certa manhã, em sua primeira tele, conta que foi assediada mais de dez vezes em cinco quilômetros. Até pediu ajuda para sua companheira de pedal, Thainá. Nesse dia, parou para respirar e assimilar o que tinha acabado de acontecer. Infelizmente, a melhor resposta é seguir em frente. “Não tem muito o que fazer. Se eu xingasse eles, nem iriam se dar conta do que estavam fazendo”, relata contrariada. Na rua, o importante é o destino e a segurança individual. Outro ponto de convergência das histórias entre as mensageiras é de não revidar a qualquer assédio, porque não dá tempo de reagir e porque o motorista pode reagir com violência.
Além de todos os assédios sofridos, elas ainda precisam lidar com a imprudência alheia. Carol desabafa: “Quem anda minimamente de bike no trânsito sabe que os ônibus não respeitam, que as ciclovias da cidade são uma piada, que as condições do asfalto são muito ruins e que os pedestres não respeitam o espaço da ciclovia”. Segundo dados da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), nos primeiros meses de 2021, os acidentes considerados graves com bikes tiveram uma alta de 30%, sendo que 60% das mortes aconteceram nas regiões Sul e Sudeste. São, em média, 850 ciclistas mortos por ano por diversas imprudências.
Precarização e privilégios
Para a cientista social e pesquisadora Ezequiela Scapini, que escreve sua tese de doutorado na
Para Carol, os ciclistas não têm visibilidade no trânsito da capital
Unicamp sobre “A regulação do trabalho em plataformas digitais”, foi a partir da década de 80 que houve a flexibilização das relações de trabalho. Segundo ela, a flexibilização é uma retirada de direitos dos trabalhadores e , no Brasil, o mercado de trabalho sempre foi desestruturado e marcado pela informalidade. Isso porque tem muita relação com o fim da escravidão, pois há um excedente de mão de obra que o mercado acaba não absorvendo, mesmo nos momentos em que houve o auge dos contratos nos moldes de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Destaca ainda que, com a reforma trabalhista, no governo do Michel Temer, em 2017, foram ampliadas as possibilidades de modalidades de contração e o parâmetro não é mais a CLT. Então, os outros tipos de contratos como o intermitente, do trabalhador autônomo permanente, do home office acabam sendo outras alternativas. É nessas brechas que o trabalhador acaba esgotando o tempo de trabalho e vida para as empresas. “A reforma então acaba permitindo que a gente tenha
menos direitos e uma remuneração que varia”, comenta.
Trabalho solitário
Por conta de uma demissão, pouco antes da pandemia, Cinthia Casagrande, de 42 anos, conhecida no meio por Mensageira Cósmica, teve que refletir em como se manter. “Tenho uma bicicleta, preciso fazer alguma coisa!”, disse. Foi assim que iniciou na mensageria. O nome curioso veio da ideia de uma cliente. “Eu fazia as compras de super e entregava algumas tortas pra eles. Uma vez me antecipei nas compras e a cliente disse: ‘tu é uma mensageira cósmica. Tu adivinha as coisas que a gente quer’”, relembra. Com experiências em
coletivos de entregas, ela conta que não se adaptou muito bem e preferiu seguir sozinha com as entregas e se orgulha do atendimento personalizado que presta aos seus clientes. A surpresa maior para Cinthia foi a oportunidade de trabalhar como bike messenger , no regime CLT, para uma empresa de logística da capital. Conta que não é o que queria para ela neste momento, mas é o que tem algum tipo de garantia como plano de saúde, odontológico e seguro de vida. A ciclomensageria é uma modalidade nova na filial da empresa onde trabalha. Cinthia aponta que as rotas são pré-definidas pela administração e que nem sempre são as melho -
res, pois elas basicamente são feitas para os motoboys , dificultando algumas vezes o trabalho. Thainá chegou a fazer algumas teles para um aplicativo de entregas antes de fazer o intercâmbio, mas acabou percebendo que não valia pedalar um monte para receber cinco reais por uma entrega, e entende que tem o privilégio de não precisar se submeter à precarização do trabalho por aplicativos. Ezequiela diz que é necessária uma regulamentação dos aplicativos das plataformas para que esses trabalhadores sejam reconhecidos como tal, mas que para isso há necessidade de levantar o debate com os próprios trabalhadores das plataformas e que as diversas formas de contratação deixam essas pessoas inseguras e vulneráveis. Por estarem tão expostas à essa insegurança brutal, algumas pessoas buscam outras alternativas, e uma delas está nas cooperativas e sindicatos. “Tem essa luta pela regulação, que ainda não sabemos os rumos que ela vai tomar”, reflete Ezequiela.
OLHAR DA
Encontrar uma pauta para o tema da revista foi o primeiro desafio. Porém, a curiosidade em saber quem eram as mulheres que andavam de bicicleta muito rapidamente entre os carros, ou pelas ciclovias, com mochilas nas costas foi o meu start. Então, comecei a perguntar para as pessoas se elas sabiam quem eram aquelas ciclistas. A resposta era sempre a mesma: “não sei.” Pensei “ok, tenho uma pauta”. O jornalismo é um misto de sentimentos, que na maioria das vezes são bons. Apesar disso, nem sempre o assunto que a gente tanto gosta é uma boa pauta. Vamos à realidade: horários que não batiam com os das entrevistadas, dificuldade em colocar as ideias no texto, dificuldade em pensar na melhor forma de fazer as fotos, editar. Enfim, nada como eu esperava.
Jonathan Heckler
Exú O AXÉ DE
“Exú é um orixá muito importante, mas tem que ter reverência. Não existe vida, não existe caminho sem Exú”. São as palavras da mãe de santo Morgana Alves, que teve o primeiro contato com a entidade logo aos quatro anos de idade, em um momento de desespero e necessidade de ajuda. “Não é algo que eu goste muito de falar, mas foi quando eu fui estuprada”, relembra. Com a respiração ofegante e a voz embargada, explica que por serem entidades associadas a seres impuros, Exús não incorporam em crianças. “Eu tive que passar pelo estupro. Ali meu sonho terminou, minha infância terminou, aquela coisa de criança, a pureza, foi tirado tudo. Quando escorreu a primeira gota de sangue, aí que Exú me pegou e tirou ele de cima de mim. A partir daí, não estive mais sozinha”, suspira aliviada.
Entre búzios, sinetas e velas, Morgana reflete no quarto destinado aos santos em sua casa
Essa foi a história que ouvi depois de subir o morro Cascata na cidade de Porto Alegre e chegar até uma das suas ruelas sem saída e muito conhecida na região. Ali, descendo um estreito corredor de pedras, fica a casa de Morgana Alves de Oxalá Jabocum, liderança trans do Quilombo Santa Luzia e a referência de muitos de seus filhos de santo, que chegam para pedir sua bênçãos a todo momento. Michele, Zé, Rodrigo, Bruna e Tati estiveram por lá naquela manhã. Filhos que ela recebe diariamente, sorridente e carinhosa, com a voz meio rouca. Da mesma forma como me recebeu quando cheguei.
Abriu as portas do seu espaço com os olhos inchados e rosto ainda amassado após a noite de sono, mas o entusiasmo em receber todos em casa. O bule vermelho já estava na divisória entre a cozinha e a sala enquanto a água esquentava para passar o café. Não tem mesa, e o aroma parecia atrair cada vez mais filhos para dar
Entidade vinda da matriz africana e responsável pela comunicação é cercada de mitos e preconceitos, muitos deles decorrentes de racismo
e fotos
bom dia e perguntar como andava a vida da Mãe Morgana. Com o cabelo amarrado e ainda de pijama, puxou uma cadeira em frente ao fogão, do lado da divisória, pediu que me sentasse e acendeu o seu primeiro cigarro com suas unhas grandes, pintadas de azul cintilante escuro, com algumas pontas lascadas.
Antes de todos, Exú
Entre um tragar e outro, dá um gole no café e solta um profundo suspiro quando começa a falar sobre algumas das vezes em que Exú
esteve presente com seu axé em sua vida. Desde criança, sua espiritualidade sempre foi aflorada. Mas a verdade é que as curiosidades e dúvidas sobre quem é e o que faz a entidade não param de surgir. Então, Morgana decide contar sobre uma lenda dos Orixás que ilustra a grandeza da divindade na linha das religiões de matriz africana.
Existem mais de 20 Orixás, os guias das religiões de matriz africana. Entre eles, alguns nomes mais conhecidos que outros e cada um com a sua devida importância. Com entusiasmo, explica um pouco sobre o seu conhecimento da hierarquia dessas entidades e também, para mostrar a importância de Exú, começa a contar uma lenda sobre ele, que inicia como uma história de amor.
“O maior orixá, passando Olorum (que para algumas religiões é Deus, para nós é ele) que é o criador, é o pai de todos chamado Oxalá. Ele também é pai carnal de Iansã que sempre amou Ogum, e ele a amou também”, suspira a líder. Ela dá mais um trago em seu cigarro – já é o terceiro – e segue o conto da lenda com entusiasmo, explicando que Oxalá havia prometido sua filha para se casar com Xangô e o casamento movimentou uma grande festa. “Só que era um caminho longo até o palácio do casamento, e Oxalá é um
Texto
Giulia Godoy
orixá que tem mais de mil anos, então ele se arrasta pelo caminho feito uma lesma”, assim, Morgana fala sobre uma das entidades conhecidas e do interesse dessa reportagem, chamado Exú Bará.
“Na frente de todos os orixás, Bará passou correndo. Ele representa virilidade, abertura de caminhos, festa, felicidade e desempenho. É como um menino sem vergonha”. Logo faz uma pausa, serve mais um copo de café, dá mais um trago em seu cigarro e mostra que até mesmo a entidade do tamanho de Exú Bará também tem suas limitações e desafios pelo caminho. “Bará não atravessa água, é como se fosse uma fobia. E então, durante essa história ele correu para avisar Ogum que logo em frente havia uma vala, e que o Pai (Oxalá) iria cair se ninguém ajudasse. Foi então que Ogum, mesmo triste com Oxalá, montou em seu cavalo e foi para lá juntá-lo, enquanto Bará estava parado pois não podia atravessar as águas”. Morgana conta alegre o desfecho da lenda tão conhecida entre o meio das religiões de matriz africana e explica que, devido à humildade e preocupação de Bará, Oxalá, o pai de todos, decidiu cobri-lo com seu manto e informou que, a partir daquele dia, ninguém mais chegaria até ele ou qualquer orixá sem antes passar por Bará. Assim, é possível entender o tamanho de sua grandeza, segundo ela.
Exú e sua função
Segundo o escritor e sociólogo, autor do livro A Mitologia dos Orixás , Reginaldo Prandi, o preconceito contra Exú, muitas vezes associado ao diabo, é uma questão histórica e social. “No fundo, essa briga com Exú é apenas um dos aspectos nesse caso cultural religioso, de um complexo maior, que se chama racismo”, afirma.
Para Prandi, a questão estrutural do preconceito com Umbanda,
Quimbanda e as religiões de matriz africana se dá pelo fato de o Brasil ter sido colonizado por europeus e pela bagagem e doutrina das religiões como o catolicismo que se instauraram por aqui. Todas as religiões, em um geral, têm como forte se afirmar com uma identidade de que elas são as donas da verdade, e antigamente o inimigo religioso das religiões afro era o catolicismo, mas isso deixou de ser com a chegada dos evangélicos, comenta o sociólogo. “Assim surge uma coisa importante que é o debate, e ele tem dois aspectos. Um deles é religioso e se dá no nível da religião, dos fiéis. E você, também, tem esse debate no nível científico, intelectual, que é um trabalho historiadores, sociólogos, filósofos, gente que se preocupa com a sociedade, cultura e história. Vem dizer que Exú e o diabo não fazem parte da natureza de Exú, mas isso faz parte do preconceito”, ressalta. Por essas e outras atribuições, existe uma proximidade e afinidade dos indivíduos com Orixás e, principalmente, com Exú, conforme explica o professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Núcleo de Estudos da Religião (NER) Vitor Queiroz. “Aqui no Rio Grande do Sul os Orixás até falam, eles têm até um canal de comunicação mais aberto com os fiéis. Eles se comunicam de muitas formas com seres humanos. Enquanto dançam, enquanto abraçam”, comenta o historiador. Acontece que um dos grandes debates dentro das religiões de matriz africana é a diferença e a divisão que existe entre umbanda e quimbanda, e assim acabamos por chegar no famoso debate sobre o grande ser que é Exú. Com seu sotaque baiano acolhedor e o tom de voz entusiasmado em se referir ao tema, Vitor explica que, de um lado, se cultuam os orixás, e do outro uma variedade de espíritos, que em sua maior parte já estiveram neste plano. “Na Umbanda se cultuam pretos velhos, caboclos e também Exús. Na Quimbanda, digamos que é um culto aos Exús, uma especialização”, comenta, relatando que entre as modalidades existe um embate sobre o culto a essa entidade, quando alegam que são coisas diferentes. “Se são tão diferentes, por que é que eles têm o mesmo nome e muitas características compartilhadas? Ambos são caóticos e ordeiros, são seres muito brincalhões, super inusitados e têm essa coisa de nos falar a verdade”, comenta, dando uma sincera risada. E ressalta: “No caso de Exú da Quimbanda, ele de fato é muito mais próximo da gente”.
Imagens em diferentes tamanhos compõem o espaço destinado ao quarto de Santo de Morgana
OLHAR DA
REPÓRTER
Escrever sobre os mitos e verdades de uma entidade que diverge opiniões entre a sociedade foi uma experiencia única que trouxe a sensação de dever cumprido em trabalhar com um assunto tão necessário. Viajar pelas ruelas de Porto Alegre atrás de casas de religião e suas histórias me fez encontrar, ao subir o morro, em um corredor estreito e um barraco humilde, a história de vida e de axé de uma mãe de santo com mais de 500 filhos, cheia de orgulho de si e da religião. O olhar de estudiosos sobre o tema e as certificações das suas pesquisas fez com que pudesse entender a totalidade de Exú além de uma crença, mas como serve de referência na vida dos que o cultuam e vivem.
música TERAPIA ATRAVÉS DA
música
Profissionais relatam benefícios da prática de musicoterapia e suas vivências
Texto e fotos
Amanda Bormida
Com a câmera de celular posicionada na vertical, o enquadramento mostra uma mulher de cabelos cacheados e grisalhos, presos na altura do ombro, e dentes transparecendo um sorriso fácil. Sua expressão, serena e contente, reflete a familiaridade com os itens dispostos ao seu redor. Pode-se observar um piano marrom escuro, sobre o qual estão apoiados livros, outro instrumento musical, menor e diversos itens que podem ser utilizados como propagadores de som. É com cenário assim que Cláudia Braga normalmente publica vídeos nas redes sociais. Musicoterapeuta de formação, ela também conta histórias para bebês e crianças com faixa etária de até cinco anos. Na contação de história do vídeo citado, especificamente, Cláudia utiliza um metalofone, instrumento com lâminas feitas de metal, dispostas como as teclas de um piano e também folhas de papel amassadas, que ressoando uma sobre a outra imitam o barulho de trilhos de trem. Convivendo com a música desde a infância, Cláudia encontra formas de se conectar com ela, como a contação de histórias e também a musicoterapia. A parede do quarto em que concedeu a entrevista para a reportagem é confirmação disso: possui diversos instrumentos pendurados nela. Mesmo que não sejam evidentes, por trás da música existem elementos como melodia, métrica, ritmo e harmonia. Música pode ser feita com todo item que emite som, que podem ser encontrados em um supermercado, como uma garrafa d’água, grãos de milho e feijão. Tudo isso se caracteriza como um som e pode ser interpretado como música, dependendo de seu contexto. Já a terapia é descrita como a prática do psicólogo por se constituir um processo científico de compreensão, análise e intervenção, através da aplicação de métodos e técnicas psicológicas, segundo o Conselho Federal de Psicologia. O que acontece se esses dois conceitos forem unidos, com o objetivo de colaborar com a saúde e bem estar das pessoas? A musicoterapia traz a junção dessas ideias, e a União Brasileira das Associações de Musicoterapia (UBAM) define a prática como “um campo de conhecimento que estuda os
efeitos da música e da utilização de experiências musicais, resultantes do encontro entre o/a musicoterapeuta e as pessoas assistidas”.
Cláudia faz atendimentos a domicílio e também na Clínica de Musicoterapia Integrativa. Eles normalmente iniciam com a pessoa escolhendo um instrumento e iniciando uma batida. Dependendo da situação, o profissional escolhe um instrumento idêntico ou diferente para continuar a interação musical. Palmas e cantos podem, também, fazer parte do processo. Suas atividades são para bebês e crianças pequenas, e ela explica que não precisa haver um diagnóstico para iniciar a musicoterapia. Basta a pessoa, ou um pai ou responsável, achar necessidade de trabalhar emoções, e o atendimento pode ser buscado. A prática pode ser trabalhada em crianças autistas, com Síndrome de Down, assim como jovens com atraso no desenvolvimento e na fala.
“O trabalho da musicoterapia é belíssimo, mas a grande maioria não sabe do que se trata, e quando escuta confunde muito com aprender um instrumento musical”, conta. A prática tem entrelaçamento com a música, mas é diferente, porque existe um reconhecimento de outros valores dentro de um atendimento musicoterápico. Nela, pessoas de todas as faixas etárias podem procurar atendimento, seja para problemas cardíacos, de hipertensão, complicações na fala, desenvolvimento, Alzheimer, entre outras mais.
Visão científica
Na área da ciência, já são pesquisadas as relações entre os efeitos sonoros da música e benefícios para pacientes, como no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Conforme publicação do III Fórum Paranaense de Musicoterapia, o HC da UFPR foi o primeiro a adotar a musicoterapia como auxiliar no tratamento de seus doentes,
afirmando ser um trabalho com resultados “altamente positivos”. Já foram publicadas inúmeras pesquisas desenvolvidas no Hospital envolvendo o assunto, como o impacto em pacientes internados para transplante de células-tronco e a contribuição da prática para redução de efeitos colaterais em tratamentos hospitalares.
Vitor Engrácia Valenti, professor de Fisiopatologia na Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Marília, já publicou mais de uma dezena de materiais relacionando o efeito sonoro na vida das pessoas. Ele afirma que existem trabalhos em relação a pessoas com câncer que foram tratadas com imuno e quimioterapia e tiveram comprometimento nos níveis de função cardíaca. Nas que faziam musicoterapia, isso ajudou a atenuar o impacto da quimioterapia no coração.
“É totalmente compreensível o quanto a pessoa é cética, porque quando a gente tem intervenção física, como um medicamento, um exercício físico, são intervenções bem concretas sobre um sistema do corpo. A gente vê durante o exercício, durante o consumo de um medicamento, ocorre uma alteração em variáveis fisiológicas, como frequência respiratória, níveis de ansiedade [...] mas quando a gente vê o efeito de alguma intervenção que não é tão concreta assim, por exemplo a música, é subjetiva”, opina o pesquisador.
Regulamentação do musicoterapeuta
É também dentro desse ceticismo que Cláudia Braga nivela sua fala de uma forma mais reflexiva, cautelosa. A musicoterapia não tem um Conselho que regule a profissão. Existem a UBAM e associações estaduais, como a Associação de Musicoterapia do Rio Grande do Sul (AMT-RS). Em sua visão, essa é uma profissão em construção. “Torna-se mais difícil não só o conhecimento, mas o reconhecimento. Dentro da área médica, em todas as profissões que não sejam a medicina, é muito difícil de se galgar um bom espaço de reconhecimento”, reflete.
Em uma quinta-feira movimentada, Maria Helena Rockenbach fala animadamente num café no Shopping Iguatemi, em Porto Alegre, sobre a musicoterapia, profissão que escolheu seguir. Entre goles de um chá gelado vermelho, conta sobre sua vinda ao Rio Grande do Sul – ela é paraibana –há 38 anos. No estado gaúcho é onde exerce o cargo de vice-presidente da AMT-RS. Associação esta, que assim como a UBAM, luta para que a musicoterapia seja uma profissão regulamentada por um conselho.
Antes animada, Maria Helena muda sua expressão e é enfática ao dizer que musicoterapia não é aula de música. O trabalho da Associação também visa fiscalizar os falsos profissionais. “O professor de música visa a performance. O musicoterapeuta vai trabalhar com música para ajudar a pessoa a modificar comportamento, conduta, estado de ânimo e até possibilitar a cura”, diz. Para ser musicoterapeuta é preciso ser um profissional graduado em musicoterapia ou pós-graduado em cursos reconhecidos pelo MEC. Com isso, a pós-graduação em musicoterapia exige que a pessoa faça teste de conhecimento musical e tenha também técnicas em disciplinas como neurologia e psicologia, sendo um campo híbrido.
Benefícios da prática
Com a fala tranquila, Marcelo Ávila, proprietário e diretor administrativo de uma casa de idosos, o Residencial Mont Blanc, que fica na Zona Leste da capital gaúcha, explica que o serviço de musicoterapia foi implantado na instituição há cerca de quatro anos. Segundo seu relato, a recepção dos idosos que são hóspedes na casa é muito calorosa, ajudando com a interação e socialização. “A gente vê o quanto eles se sentem realizados, e eu até brinco que se o médico falta, ninguém percebe, se o fisioterapeuta falta, ninguém percebe, mas se o músico falta, eu tenho confusão no residencial”, diverte-se. O proprietário destaca que, durante a pandemia de covid-19, foi necessário excluir os serviços que não eram considerados essenciais, por conta da Vigilância Sanitária, e a musicoterapia e a psicologia estavam entre eles. Segundo Ávila, puderam observar a ausência da alegria trazida pela música. Com isso, alguns quadros de saúde decaíram no modo geral dos pacientes, por conta do ânimo e da questão psicológica. “A música traz isso, essa alegria, essa leveza”.
Maria Helena Rockenbach, que, além de musicoterapeuta neurológica, também é doutora e formada em Letras, no artigo “Musicoterapia na reabilitação: fundamentação teórica e práticas”, diz que a música, o som, o ritmo, a melodia e a harmonia são recursos terapêuticos muito antigos.
Um paciente que tem tremores nas mãos, ao aproximar-se de um piano e tocá-lo, praticando musicoterapia, cessa os movimentos. Esse é um dos casos que Maria Helena já vivenciou em sua carreira, dentre muitos outros exemplos relatados em meio a uma xícara de café. Também musicoterapeuta, Cláudia Braga explica um caso diferente. “Se a criança precisa desenvolver um pouco mais a fala, ela vem encaminhada de uma fono, encaminhada de uma neuro, é possível junto dessa métrica eu propor uma música com uma melodia simples”, conta, fazendo repetições de sílabas para exemplificar: “pa pa ra pa, pa pa”.
Diferentes instrumentos trazem diferentes tipos de benefícios para o paciente. Instrumentos de corda buscam melhorar funções manuais, que necessitam de movimentos mais precisos, assim como a falta ou excesso de sensibilidade. Instrumentos de sopro melhoram a fala e a capacidade respiratória, já instrumentos de percussão favorecem ao ter maior independência na movimentação involuntária. Estes são apenas exemplos, pois os benefícios são de acordo com cada pessoa e cada caso.
“Como no Brasil a profissão não é muito conhecida, você tem que provar todas as evidências, todos os resultados, para você ter a aceitabilidade científica. A musicoterapia é toda baseada em evidências. Ah, ouviu uma música e sorriu. Mas por que ela sorriu? Tem todo o um processo, porque ativou as áreas do cérebro que precisavam ser ativadas”, explica Rockenbach.
OLHAR DA
REPÓRTER
A partir do momento que, ao rolar pelas redes sociais de forma despretensiosa, me deparei com a musicoterapia, soube que precisava escrever sobre o assunto. Quando surgiu a oportunidade de retratar a prática nesta publicação, agarrei-a com entusiasmo. Ao realizar as entrevistas, me vi ainda mais interessada. Por não ser um assunto muito conhecido, tive dificuldades iniciais para encontrar fontes, mas assim que obtive retorno, percebi que conseguiria desenhar uma reportagem parecida com a que havia planejando desde o início. Conseguir capturar um olhar literário de algo tão intangível, que é a música, mostrou-se um tanto desafiador, mas explorar novas faces do jornalismo é sempre necessário. Acredito ter conseguido capturar um pouco da beleza da prática de musicoterapia nesta reportagem.
Texto Júlia Schutz
ObraNA RUA
Ane Schutz tem mais de 15 anos de experiência no mercado artístico. Desde criança gostava de desenhar e sonhava em seguir na carreira de design – porém nem tudo saiu como planejado. “Meu gosto pelo desenho aflorou com os animes japoneses, tipo Sailor Moon e esse era meu estilo até a adolescência, quando tive contato com um computador pela primeira vez”, revela. Assim a artista começou a participar de fóruns de arte digital, desenvolvendo suas habilidades.
Quando chegou à faculdade, Ane não acreditava que a arte seria uma carreira promissora, pois muitos viam isso apenas como hobby, e não algo com o que pudesse ganhar dinheiro. Assim, ela iniciou o curso de Arquitetura, porém, afirma que não havia se encontrado: “Tranquei a faculdade, na qual nunca terminei e fui fazer curso livre de música. Desenvolvi habilidades de design, expandindo o repertório visual”, conta. A artista entrou no mundo da ilustração vetorial, mas sempre tinha algo paralelo ao design.
Jackson Brum, 38 anos, é artista visual, formado em Design Gráfico pela Uniritter e com pós-graduação em Educação Popular e Movimentos Sociais. Jackson também é bailarino e atua como modelo em comerciais para a televisão. Antes disso, era funcionário público, porém pediu demissão e foi seguir seu objetivo de ser artista. Aos 11 anos, mudou-se para o bairro Restinga em Porto Alegre, no qual ficou conhecendo a União Rap da Tinga. Lá sentiu uma conexão imediata com o local, iniciando assim a dança na sua vida e mais tarde criou o primeiro grupo de rap.
Com seus traços soltos, por sua vez, Jotapê Pax traduz um pouco de sua inquietude, e as cores sempre variadas trazem um pouco da vibração que existe por trás de suas criações. Sua característica são os personagens que variam entre guerreiros nômades, mulheres e animais, e surgem do recorte entre a combinação de cores e traços feitos com spray. Jotapê se considera autodidata e sempre procurou pesquisar novas técnicas e possibilidades de criações inovadoras.
Os artistas Ane Schutz, Jotapê Pax e Jackson Brum contam sobre seus trabalhos e trajetórias
Fotos: arquivo pessoal / Ane Schutz
Na busca por um estilo próprio, Ane Schutz vê um sonho e um fantasma
Jotapê encontrou caminho profissional em projetos de ambientação e murais comissionados
Carreira e inspirações
Ane diz que a inspiração não é algo consciente, tudo depende do seu próprio humor, do ambiente em que está inserida, de algum filme que assistiu, de uma comida que comeu. “Mas claro que tem artistas que admiro e acompanho, que servem de inspiração também”, diz. Apesar disso, chegar a um estilo próprio é o seu maior sonho e ao mesmo tempo seu fantasma – isso é um caminho. Ane, porém, não quer ficar presa em alguma coisa pela necessidade de reconhecimento.
Jackson tem como principal inspiração a vida, a pintura e a dança - tenta perceber tudo que olha, sente e consome, usando as ferramentas que possui para se expressar. Aliás, ele diz que não possui artistas como incentivo nem tem estilo próprio: “Curto bastante coisa, mas principalmente bons trabalhos. Gosto de trabalhar com aquilo que me identifico, através da minha própria essência”, admite.
Seu processo criativo é conhecer e aprender, entendendo o objetivo, criar sua metodologia. Jackson costuma visitar as ruas, saber sua história, quem mora ali: “Me preocupo muito com isso, pois depois as pessoas vão notar aquele desenho e pra mim isso é fundamental”, aborda.
Com o tempo, ele foi aprimorando suas técnicas e hoje faz praticamente de forma instantânea.
Com seus traços soltos, Jotapê traduz um pouco de sua inquietude e as cores sempre variadas trazem um pouco da vibração que existe por trás de suas criações. Sua característica são os personagens que variam entre guerreiros nômades, mulheres e animais e surgem do recorte entre a combinação de cores e traços feitos com spray.
Jotapê considera-se autodidata e sempre procurou pesquisar novas técnicas e possibilidades de criações inovadoras. No ano de 2006 fez sua primeira viagem para fora da cidade com o projeto chamado “Seis Direções”, que foi financiado pela Lei de Incentivo à Cultura, conhecendo cinco capitais brasileiras. “Foi transformadora essa experiência, e a partir dessa viagem abriu-se um novo universo e possibilidades para mim. Tanto que, no ano seguinte, entrei no coletivo Núcleo Urbanóide, onde juntamente com artistas da capital gaúcha começamos a produzir projetos colaborativos com profissionais de outras áreas, como arquitetura, publicidade e produção de eventos”, conta. Em 2014 Jotapê conseguiu abrir sua própria produtora cultural, intitulada “PaxArt”, trabalhando de forma profissional em parceria com empresas e incorporadoras em projetos de ambientação e murais comissionados. “Tenho uma equipe de artistas
Fotos: arquivo
e produtores que até hoje me ajudam a desenvolver grandes obras e trabalhos envolvendo muralismo, arte urbana e ilustração. Todos colaboram de certa forma para que tudo saia conforme planejado e que o resultado final fique da forma que a gente gostaria”, aborda.
Por sua vez, Ane foi achando seu caminho como ilustradora, experimentando materiais artísticos, pinturas e eventos de live painting – dita pintura ao vivo na qual os artistas completam uma peça de arte visual em uma apresentação pública, geralmente em um bar, concerto de música, recepção de casamento ou evento público, acompanhados por um DJ ou música ao vivo. ao vivo. Surgiram, assim, trabalhos na área da arte. Ane é artista multidisciplinar, atuando com ilustrações, muralismo, pintura e procura sempre mudar o processo de construção, seja com novas técnicas, materiais ou linguagens.
Com dificuldades
Para ela, uma das principais razões que a desmotiva é a dificuldade em ser mulher, afinal no mundo das artes, observa-se mais homens inseridos na área,
A vida, a dança e a música são os principais elementos que Jackson Brum traz para suas obras
virando um ciclo sem dar chance para o sexo oposto: “As mulheres acabam ficando para trás, até mesmo pra mim que possuo bastante experiência. Ainda preciso ficar provando que consigo executar determinado projeto ou me contentar com os menores, pois para trabalhos maiores, as pessoas preferem os homens e isso me deixa frustrada às vezes.”
Ainda na juventude, Brum gostava de ir em eventos artísticos para conhecer e observar a arte dos outros. Ele sabia que os que ali estavam não eram por dinheiro ou sucesso, apenas queriam expressar sua arte, trocar ideias e o trabalho acabou virando uma consequência para ele. Seu processo criativo é conhecer e aprender, entendendo o objetivo, criar sua metodologia. Jackson costuma visitar as ruas, saber sua história, quem mora ali: “Me preocupo muito com isso, pois depois as pessoas vão notar aquele desenho e pra mim isso é fundamental”, aborda. Com o tempo, ele foi aprimorando suas técnicas e hoje faz praticamente de forma instantânea.
O artista sente que viver no Brasil é complicado na profissão que exerce: “Você vive para cumprir regras, a educação e a cultura não nos permite observar mais além, ou seja, sem questionar e contestar certas realidades”, desabafa Brum.
Na mostra “Fulminante”, da galeria Dumbo de Porto Alegre no ano de 2017, Jotapê pode expor suas obras no local: “Ali pude transmitir para meus desenhos sentimentos que muitas vezes não conseguimos traduzir em palavras. Além disso, brinquei com as transparências e reflexos, buscando interagir com o espectador por meio de detalhes com espelho e vidro. Como poderia expor emoções tipo, amor, raiva, alegria ou tristeza? Através dos desenhos, é claro”.
OLHAR DA
REPÓRTER
Achar artistas que queiram abordar sobre sua arte foi fácil, porém o contato com alguns não rendeu muita troca de ideias, o que me levou a consultar outros artistas dispostos a falar sobre seus trabalhos e principais reflexões que eles trazem para o meio social como um todo, como uma forma deles expressarem suas emoções e sentimentos. Todos eles têm sua forma de pensar, desenhar e se inspirar, mas creio que os três possuem talentos que precisam ser valorizados. Creio que esses artistas precisam ser mais reconhecidos e vistos como pessoas que contribuem para a cultura do Brasil, desenvolvendo suas técnicas e habilidades, podendo assim mostrar que podem ir mais longe, se assim desejarem e se tiverem as devidas chances.
Fotos: arquivo pessoal / Jackson Brum
esquecimentoDO LUXO AO
Em um passado em que o Centro Histórico abrigava as famílias mais ricas de Porto Alegre, o casarão dos
Chaves Barcellos se sobressaía
Texto e fotos
Leonardo Vieira Martins
Passeava pela Rua Duque de Caxias, no Centro Histórico de Porto Alegre, lugar em que morei durante metade de minha vida. Nela estão diversos casarões antigos, a maioria deles construídos ao final do século XIX, em uma época em que a região abrigava as famílias mais ricas de Porto Alegre. Um desses casarões se sobressai perante os outros: o dos Chaves Barcellos. Porém, no edifício não há mais luxo, nem pompa, e pouquíssimos sinais de vida. A tinta branca descasca do casarão enquanto as janelas, todas imundas e algumas quebradas, não revelam absolutamente nada do interior da residência, completamente escuro. Em frente há um pátio com a grama alta e sem nenhuma manutenção. O concreto do qual são feitos os muros e paredes apresenta várias rachaduras.
A entrada do local era um portão de ferro grosso, com outro extenso portão daqueles de entrada de
estacionamento ao lado. Uma das câmeras de segurança apontava diretamente para quem tenta, por algum motivo, contato com quem lá reside. Bati palmas algumas vezes e esperei. Durante a espera, fitava os detalhes da casa, todos com aspecto sujo e malcuidado. Enquanto encarava uma janela lateral, imaginava o quão assustador seria se alguém colocasse o rosto ali, apenas me olhasse e fosse embora. Resolvi andar mais um pouco pela Rua General João Manoel, paralela ao casarão e que não possui saída, apenas uma escadaria no fim que dá para a Rua Coronel Fernando Machado. Na parte de trás da casa, há uma extensa faixa de estacionamento, ocupada naquele momento por apenas três carros. Tentei contato com algum residente mais alguma vezes, mas sem sucesso.
Conforme me contou Adelaide Rocha, 53 anos, dona de uma lavanderia em frente ao casarão, a propriedade é zelada por Maria Martins Machado, ou apenas “Dona Maria”. Mas os motivos pelos quais Maria acabou virando a “guardiã” a residência são desconhecidos para mim. Perguntei para Adelaide se costuma ver Dona Maria pela residência.
“Vejo ela sim, mas parece que aos finais de semana ela vai para o interior visitar a família. Te aconselho a vir durante um dia útil”, pontuou.
O luxo
Marilene Braga, 78 anos, veio de Santa Maria para Porto Alegre
esquecimento
na década de 1950 e desde então se instalou no Centro Histórico, onde vive até os dias de hoje. Lúcida e vibrante, me contou que frequentou bailes dentro do palacete em épocas em que o luxo ainda estava presente na residência.
Marilene relembra com nostalgia os áureos tempos do casarão e do centro de Porto Alegre, que durante o século XX, era o bairro onde as principais famílias aristocratas da cidade residiam. Depois, a burguesia local subiu para os bairros Independência e Moinhos de Vento.
“Era muito luxuoso. O piso era lindo e todo encerado, havia móveis importados da Europa e muita porcelana, eu adorava. Gostaria muito de entrar no casarão novamente. Se tu conseguires, me convida”, brincou Marilene.
Segundo o arquiteto e urbanista Lucas Volpatto, a propriedade tem arquitetura eclética com predominância do estilo neoclássico. “As colunas da frente, o tipo de janela e o piso térreo elevado com porão fazem com que a residência seja um exemplar clássico da aristocracia
porto-alegrense, em especial a família Chaves Barcellos”, explica o profissional realizou o restauro da Pia
Instituição Pedro Chaves Barcellos, sede da CasaCorRS em 2022.
Recebi do doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pedro von Mengden Meirelles, que estudou a família Chaves Barcellos, imagens recentes de como está o interior do casarão. Em uma delas, é possível perceber o que um dia foi uma sala de estar. Poltronas empoeiradas e com desenhos apagados pelo tempo estão enfileiradas. Um lustre, hoje encardido, está instalado em uma posição até mais baixa do que o normal. É possível visualizar, pelos detalhes e acabamentos da mobília, que não eram objetos baratos de se possuir.
Os Chaves Barcellos
Conforme relata Meirelles, o comendador Antônio Chaves Barcellos foi o patriarca da família e o primeiro a fazer fortuna com o comércio. Quatro de seus filhos tocaram os negócios
durante a primeira metade dos anos 1900: Pedro; Paulino; Antônio Filho e Ismael. Eram os sócios da firma Chaves & Irmãos, que foi a sucessora da firma Chaves & Almeida fundada pelo patriarca. No início do século XX, a família contratou Theodoro Wiederspahn, o arquiteto mais conceituado da época na cidade, para projetar o que hoje chamamos de “Casarão da Duque de Caxias”, que completou cem anos em 2019. Responsável por alguns dos prédios mais emblemáticos da capital, como a Casa de Cultura Mario Quintana, o Santander Cultural, o Memorial do Rio Grande do Sul, o Banco Safra e o Edifício Ely, Wiederspahn usou inspirações na arquitetura alemã, sua terra natal, para o projeto da residência. O casarão foi construído para a moradia de Antônio Chaves Barcellos Filho, que era casado com Marieta Bastian Pinto.
Pedro, o irmão mais velho, e sua esposa Ilza Bastian Pinto, irmã de Marieta, moravam em um outro casarão em frente à residência. Essa casa foi herdada pelos sobrinhos de Ilza em 1976, com a morte dela. Como eram do Rio de Janeiro e não tinham interesse em manter bens no Sul, colocaram a propriedade à venda em seguida. Logo foi demolida. “Infelizmente, hoje funciona uma farmácia no lugar onde ficava o outro casarão”, lamenta o historiador.
Casos de família
Voltando à família, depois da morte do patriarca, foi Pedro quem se tornou o líder. Ele e a esposa Ilza não tiveram filhos, o que facilitou que aplicassem a grande
Imagens internas: arquivo pessoal de Pedro Meirelles
fortuna em outros negócios e, principalmente, em imóveis. Até 1912, a firma Chaves & Irmãos atuava apenas no ramo de tecidos. Foi com Pedro na direção que começaram a aplicar capital em indústrias variadas, principalmente em grãos. Surgiu, assim, o Moinho Chaves, na Rua Voluntários da Pátria esquina com a Rua Ernesto da Fontoura, no bairro São Geraldo, em Porto Alegre.
“Também atuaram muito na indústria arrozeira”, conta Meirelles.
Pedro, então patriarca, morreu repentinamente em 1920, aos 57 anos, deixando a empresa para os irmãos, e uma viúva muito jovem, que ficou sendo a proprietária de uma grande quantidade de imóveis. A principal renda de dona Ilza vinha do aluguel desses imóveis, era a principal proprietária das esquinas da famosa Rua dos Andradas, também no Centro Histórico.
Os três irmãos remanescentes ficaram com a firma e, no início de 1936, mandaram construir a Galeria Chaves Barcellos, para que a viúva de Pedro tivesse mais uma fonte de
renda com o aluguel. A propriedade foi projetada por Fernando Corona, arquiteto espanhol radicado em Porto Alegre, e até hoje é um importante centro comercial da Capital, localizada na Rua dos Andradas.
A ruína
Quem cuidou do casarão da Duque após a morte de Antônio e Marieta foi um dos filhos do casal, Luiz Pinto Chaves Barcellos, que não participou do ramo industrial da família. Luiz foi prefeito do município de Viamão e presidente do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, mas não foi ligado à principal fonte de renda da família. Após
Sem manutenção, o casarão sofre com a ação do tempo: tinta descasca das paredes; poltronas empoeiradas e com desenhos apagados formam o que um dia foi uma sala de estar; um fogão de metal resiste entre as paredes mofadas da cozinha; vitrais coloridos trazem um pouco de luz ao interior do oratório; o retrato de Carlinda Chaves Barcellos permanece vigilante em um dos cômodos
sua morte, em 1970, a propriedade passou para outros herdeiros. Meirelles acredita que a decadência do outrora imponente casarão se deu pela má administração das propriedades da família, por parte dos que herdaram, e do desinteresse pelo legado cultural que a residência possui.“É aquela velha história, os descendentes não souberam manter a fortuna com a morte dos pais”, lamenta.
REPÓRTER
Foi um caminho complicado buscar informações sobre a residência. Principalmente, por conta do silêncio dos herdeiros a respeito do imóvel. Os Chaves Barcellos parecem ser o tipo de família aristocrata que gosta, pelo menos nos dias de hoje, de voar fora do radar. O que é, talvez, a família mais importante do início do século XX em Porto Alegre, hoje possui poucos rastros e tampouco se dispõe a aparecer e falar sobre seu passado.
OLHAR DO
O
grande jardim do IAPI é o Parque
Alim Pedro, onde Gilberto cultiva flores e ensina muito sobre a convivência
com o espaço urbano
Édomingo, 22 de outubro, faz sol, calor primaveril e o Parque
Alim Pedro, imenso espaço de natureza e lazer, está lotado. Entre pista de corrida, quadras, trilhas e escadarias, estão eucaliptos, figueiras e paineiras imensas e antigas. São diferentes os tons de verde e as cores de variadas flores. Boa parte delas é plantada e cuidada por Gilberto Pitrofski, morador da rua Rio Pardo, que frisa pelas placas que deixou no caminho: “Tire fotos, não tire as flores”. As árvores já estão com folhas verdes, as flores estão brotando por todos os lados e o sol das 15h bate na altura dos olhos. Gilberto sai do apartamento e atravessa a rua para contar sobre sua iniciativa. Ele é um senhor de cabelos grisalhos, óculos retangulares, levemente baixo. Seu tom de voz é suave e calmo, articula as palavras com seguidas pausas e esboça sorrisos
pertencimento MARGARIDAS, CIDADANIA
Texto e fotos
Paola De Bettio Tôrres
pertencimento CIDADANIA E
tímidos. Às vezes, se mantém com os braços para trás, às vezes, cruza. Gilberto se diz um amante das flores, e manter apenas o próprio quintal florido não pareceu suficiente nem justo. Assim, perto das calçadas e descidas para o parque, entre as ruas Rio Pardo e a Tupanciretã, que se encontram no Largo Elis Regina, existem vários canteiros, como o “Caminho das margaridas”.
Segundo Gilberto, a primeira intenção é ver o espaço em que mora bonito: “Sento ali na frente, olho pra lá, olho pra cá... quero ver flores”. Mas logo fala do propósito maior: “O objetivo principal é criar um espírito coletivo na comunidade”. Ele me encara e parece engolir a saliva para dizer: “A coisa só funciona quando todos se engajam pra fazer”. Ele conta que foi ainda na sua cidade natal, Ijuí, que veio o ensinamento: “A gente tem que fazer com que um se importe com o outro. E o que é de todos, que seja de todos, não de um só”. Nisso, ele elucida sobre o jardim comunitário: “Se alguém vier tirar uma flor aqui, ela não é mais de todos, vai ser só dele, e quando levar para casa, ela vai murchar e vai perder o brilho, vai perder a beleza, enquanto que se ficar aqui no parque, ela vai brilhar por muito mais tempo”.
Cenário de conto mágico
O Parque tem formato de “concha”. Ao olhar para cima, é visível que quase todas árvores se tocam e o céu fica apenas de fundo. Numa tarde, um vaso de flores roxas embaladas em papel lilás repousava embaixo de uma paineira imensa. As casas, que compartilham a arquitetura, fazem o bairro parecer uma espécie de conto mágico, e vão sendo reformadas aos poucos.
Memória, natureza e presença pulsam nesse pedaço verde pouco lembrado da capital. Um respiro no
Justino gosta de curtir o silêncio do local acompanhado dos seus cachorros, Petruco e Belinha. A trilha do Parque Alim Pedro tem início na esquina com a Av. dos Industriários
meio da cidade, construído a partir dos anos 1940, são 45 mil m², cujo nome homenageia um engenheiro e político carioca. Alim Pedro foi presidente do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), nomeado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946. O Museólogo Pablo Barbosa de Oliveira morou durante 15 anos na vila e fez o trabalho de conclusão de curso sobre o IAPI. O projeto virou até perfil no Instagram, um “museu de percurso”. Pablo conta um pouco sobre o parque: “Baseado no Estádio Olímpico de Tokyo, o Alim Pedro é o principal ponto de encontro da Vila do IAPI. O desenho é semelhante a um anfiteatro, conta com uma grande área verde, além de um campo de futebol com medidas oficiais”.
O Alim é a casa de vários eventos. Na véspera do carnaval, por exemplo, a União da Vila do IAPI costuma ensaiar ali. Além disso, tem a Copa Paquetá, a Fogueira do IAPI nas festas de São João e, no Dia das Crianças, o “Criançando”. Mas não são só os eventos com datas especiais que têm o parque como casa. Todas as sextas-feiras acontece ali a “Ginástica Chinesa” gratuitamente. Tem as feirinhas, shows, ensaios, jardinagem e o que for. O lugar parece um organismo vivo à parte, intacto à vida que corre junto do asfalto cinza, da fumaça dos automóveis e dos barulhos das avenidas do entorno.
Um laboratório botânico
Gilberto foi morar no IAPI em 2008. Além do valor em conta dos imóveis, a arquitetura e o clima do
local agradaram a família Pitrofski. “De lambuja veio um parque, bem na frente”, comemora. Logo em seguida, em 2013, o espaço público recebeu obras de revitalização como medida compensatória da OAS pela construção da Arena do Grêmio, no bairro Humaitá. Foi ali que novas calçadas foram feitas no entorno do parque, e Gilberto teve a ideia de criar os canteiros, enquanto observava de casa o espaço. Hoje, o jardineiro voluntário encontra duas dificuldades principais: a falta de ajuda de outros moradores e a ausência de torneiras no parque. Gilberto já enviou algumas vezes o pedido para a prefeitura, mas não foi atendido. Com isso, o trabalho de regar as plantas fica difícil. Ele faz só quando demora para chover e apenas no trecho mais perto de casa. Porém, ele afirma que margaridas
se adaptam bem. “O gerânio, tu pode pegar um galinho, que não vai afetar a planta original”, ensina.
Gilberto diz que quase não coloca dinheiro próprio ali. Muitas mudas ele faz de outras plantas que encontra pelo caminho. A “minimargarida”, como chamou, veio de Teutônia, da casa de um cunhado. Para facilitar esse trabalho e a questão das secas climáticas, ele preparou um viveiro de mudas nos fundos de casa. “Cada vez que eu faço poda, eu não boto nada fora, tudo vira muda”, conta.
Gilberto cultiva margaridas no parque. O jardineiro voluntário também espalhou placas com recados aos visitantes
“Margarida é uma flor rústica, e lembrava minha infância, porque a minha mãe tinha um canteiro bem grande de margaridas”, conta sobre a protagonista do espaço. Além disso, tem a questão da adaptação, razão por que é possível vê-las hoje por todo o bairro. “Quando elas florescem eu fico orgulhoso”, sorri Gilberto. A Av. Industriários está com o canteiro que divide a rua cheia delas. “Agora em todo o bairro eu já vejo margarida”, conta orgulhoso. Apesar do desejo de aumentar o número de canteiros, ele afirma que falta gente pra cuidar.
Já houve reuniões para organizar melhorias. “Acho que tinha 10 pessoas. Só que quando falei que a coisa tinha que ser prática para organizar, chamar o pessoal e ter o dia pra fazer, sugeriram o sábado”, contou, já lamentando. “No fim, só três pessoas vieram”. Hoje, tem um grupo no WhatsApp, e ele avisa quando pensa em fazer alguma intervenção. Ele conta que já teve algumas “contendas” com os vizinhos. Uma delas aconteceu quando plantou um pé de Manacá no Largo Elis Regina. A planta sumiu, e ele resolveu pôr uma placa no lugar, pedindo para o ladrão da flor devolver. A planta apareceu jogada num canteiro, junto de um bilhete que dizia que estava num lugar inadequado, perto de uma boca de lobo. “Eu peguei um pé de roseira, plantei no mesmo lugar, com outro bilhete”. Apesar disso, ele disse que foi “falta de tato” da pessoa, que provavelmente não sabia que manacá não cria raiz grande.
Flores Astrais
O Alim Pedro tem um ar emotivo: o barulho das árvores balançando as folhas, o canto dos diferentes pássaros e o próprio silêncio são, por si, uma espécie de prece. Todo o clima faz parecer que a gente está a ponto de descobrir que os deuses são as plantas e toda a natureza que se manifesta ali.
Por sinal, Justino Pereira, sentado numa enorme raiz de uma Figueira, junto dos seus cachorros, Petruco e Belinha, diz que gosta de ficar em silêncio no parque, enquanto os animais aproveitam o espaço. “Fico pensando em mudar alguma coisa, menos mudar o mundo, que ninguém muda nada”, conta enquanto ri.
Percebi aquele homem sentado, em silêncio, introspectivo, junto dos cachorros em vários momentos numa das idas ao parque. Olhava o horizonte em silêncio durante muito tempo. Para ele, mesmo ali é difícil não pensar em nada: “Pra ‘ficar no zero’ tem que treinar muito”. Apesar disso, gosta de ficar ao menos meia hora no espaço. “Fico poeta”, brincou. Ele mora no IAPI há cerca de 12 anos e diz que o parque é um refúgio para ele, que se sente incomodado com a bagunça da cidade e sonha em morar num lugar afastado. Apesar da angústia da capital, diz que ficar ali o faz pensar em como a natureza é vasta.
Já Gilberto encerrou a conversa contando sobre um outro objetivo dos jardins: “Meu sonho sempre foi criar, como a Holanda, que é das tulipas, Porto Alegre ser a das margaridas”, sorri com a ambição. Depois, continua: “Por isso que quando eu vejo que tem mais margaridas, por minha causa, eu fico contente! Porque eu acabei contribuindo, né?”
OLHAR DA
REPÓRTER
A pauta surgiu numa das minhas primeiras idas ao parque, já que havia me mudado para a região. Comentei com a turma sobre os jardins e sobre o ar sentimental do vaso de flores embaixo da árvore, além do sentimento de comunidade que o Gilberto também relatou. Procurar por ele foi uma missão árdua, por sinal, e consegui falar com ele apenas um dia antes da entrega do material. Apesar de ter o perfil marcado nas placas, ele próprio não acessa com frequência. Além de tudo, foi um excelente exercício de jornalismo literário ir ao parque e observar o que tinha potencial de virar história, num processo de depuração. Outro mote da pauta foi a ideia de resgatar uma imensa praça da capital em um espaço interessante que por vezes fica esquecida na rota de muitos frequentadores ou moradores de Porto Alegre.
QUE DESAFIA A
gravidade TREINAMENTO
gravidade
Texto Matheus Lima
A calistenia utiliza o peso do próprio corpo para realização dos movimentos, possibilitando a prática em qualquer lugar e momento
Uma manhã fria em Porto Alegre, aquele vento que passa pelo corpo transmitindo uma sensação térmica de dez graus, a cama oferecendo um conforto e temperatura perfeitos para ficar deitado, quase que suspirando ao ouvido: “mais cinco minutos”. Diante dessas condições, um jovem de 24 anos, com 1,62m, carregava dois pequenos blocos de madeira, os quais cabiam na palma de sua mão, um apoio para flexão, quatro elásticos vermelhos e um par de barras paralelas.
Matheus Yoshinaga Keil começa com uma simples flexão, quanto mais repetições, mais sentia tensão nos ombros e em ambos os braços. Esse é o início do movimento. Ao adquirir mais resistência, nessa mesma posição, empurra o chão para baixo ao mesmo tempo que eleva a parte superior do corpo e retrai as pernas, sustentando todo seu peso com os braços e apoio dos ombros. Esse é um dos movimentos da calistenia, método de treinamento de progressão gradativa voltada para alteração na execução de movimentos. E ela transforma vidas. “Treinar é nada mais do que comprometer a mudar a si mesmo, é uma revolução humana! Você entende que mudar é a partir do seu interior independente do externo (o mundo te obriga a ser forte) e isso te desenvolve como ser humano”, ressalta Matheus.
Com origem nas palavras gregas kalos (beleza) e sthenos (força), a técnica se baseia em princípios como disciplina e comprometimento. Ela utiliza o peso do próprio corpo como base para realização e masterização dos movimentos, contando com um nível de dificuldade progressivo. A calistenia pode ser treinada em grupo, mas não pode ser executada em conjunto.
Calistenia funcional
Conforme o profissional de educação física e autor do livro Treinamento Funcional sem Equipamentos: Calistenia, Autorresistência e Resistência Manual, Cauê La Scala Teixeira, essa prática cresceu consideravelmente no Brasil nos últimos anos, mas ainda é desconhecida pelo público em geral. “Se reparar, muitas academias, como forma de propaganda, descrevem a calistenia como movimentos ginásticos. Não é
a mesma coisa. Ela de fato auxilia na flexibilidade e resistência do corpo, mas são movimentos mais estáticos em relação à ginástica. A prática da calistenia traz aumento de força, resistência cardiorrespiratória e melhora da postura”, relata Cauê.
No Brasil, pode ser um método em ascensão, mas internacionalmente falando, a prática de movimentos utilizando o peso do próprio corpo já é renomada. No levantamento mais recente realizado pela American College of Sports Medicine (ACSM), a calistenia foi constatada como sendo a quinta tendência fitness mais utilizada, pois ela se enquadra no programa com métodos de exercícios intensos de altas repetições chamado Extreme Conditioning Programs (ECPs). Outra nomenclatura que a calistenia pode receber é de street workout, tendo em vista que é uma forma de treinamento que pode ser realizada na rua.
De acordo com outro título da bibliografia de Cauê Teixeira, HIIT Calistênico – Treinamento intervalado de alta intensidade com o peso do corpo, foram percebidas através de avaliações e atividades físicas os benefícios que esse método proporciona para os praticantes. “A ideia inicial era unir sessões de treinamento curtas alinhadas com a melhora da aptidão neuromuscular e cardiorrespiratória”. O HIIT Calistênico é um modelo de exercício em circuito que, diferente do habitual método de alta intensidade, também busca promover estímulos nos sistemas respiratórios e cardiovasculares para melhorar o condicionamento do usuário, demonstrando que a calistenia possui diferentes “facetas” no que diz respeito a métodos de treinamento.
Bruno Klering, praticante de calistenia e bodyweight training, viu nesse método um diferencial para sua vida. “Há cerca de cinco anos,
comecei a treinar crossfit, por conta do dinamismo e movimentos explosivos. Mas de dois anos para cá, encontrei na calistenia um equilíbrio para minha vida, abrangendo corpo e mente. Apesar de eles terem movimentos semelhantes, a forma de progressão do crossfit para calistenia difere bastante”. E exemplifica: “O one arm handstand envolve consciência corporal e força nos membros superiores, e durante a execução é apenas você conversando com você mesmo, quase como uma forma de meditação”. A parada de mão utilizando um braço é um movimento característico de nível alto, no qual o usuário inicia “plantando bananeira”, buscando o equilíbrio de ponta cabeça. Ao encontrar seu ponto gravitacional e manter a estabi -
lidade nessa mesma posição, retira-se um dos braços do chão e o coloca ao lado do corpo enquanto deixa as pernas alinhadas ao tronco, assim equilibrando todo seu peso com um único braço.
O impacto do treinamento na vida pessoal
Luis Mochizuki, professor e coordenador do curso de bacharelado em educação física e saúde da Universidade de São Paulo (USP), reconhece que a calistenia traz benefícios para a vida de seus praticantes. “Ao executar os movimentos e ter um avanço progressivo, esse processo auxilia na queima de gordura em efetividade total, pois se trabalham todas as áreas do corpo. Consequentemente, há diminuição no índice de massa gorda e um aumento no de massa magra, auxiliando na definição física e autoestima. Por se tratar de uma prática focada em grande parte no equilíbrio, ela também favorece o aumento na flexibilidade e equilíbrio corporal, contribuindo para o desenvolvimento da coordenação motora”, afirmo o professor. Buscar a melhor performance na calistenia exige uma consis-
Matheus
Keil
Matheus
Keil
tência que pode ser caracterizada como única, tendo em vista que é um esporte que se pratica sozinho.
“Não há ninguém além de ti mesmo(a) para te motivar, para te impulsionar para cima ou para dizer Não desiste! Um erro após o outro e uma sequência de movimentos fracassada são alguns dos percalços que encontrei quando decidi trilhar esse caminho. É como aquela cena no filme Creed 1, quando Adonis olha seu próprio reflexo no espelho e Rocky diz: esse é o seu maior inimigo”, relata Matheus. Como adentrou nesse estilo de vida durante a pandemia, o praticante começou a gravar vídeos para acompanhar seu progresso. E utilizando as redes sociais como veículos de divulgação, ele postava as gravações no Instagram e Facebook. O que iniciou como um projeto pessoal, acabou se tornando um divisor de águas em sua vida, pois seus curtos vídeos começaram a inspirar jovens que gostariam de ingressar nesse “mundo antigravitacional”.
A ideia de se tornar professor não começou com a calistenia. Instrutor de muay thai na Academia Leandro Bang em Porto Alegre há quatro anos, ele uniu as práticas de um método de treinamento livre com uma
arte marcial centenária. Dizem que trabalhar com o que se ama nos torna seres humanos mais completos, realizados. Ao sair de casa no final da manhã, com boa disposição e um estômago satisfeito, vestindo uma camiseta azul , uma calça de moletom preta, chinelo de dedo branco e uma mochila preta carregada de roupas reservas e equipamentos de treino, Matheus Yoshinaga Keil sobe a avenida perto de sua casa em direção ao trabalho. A caminhada é longa, a subida em algumas partes um pouco íngreme, mas nada disso incomoda. “Esse é o caminho do guerreiro. Você vai errar muitas e muitas vezes até conseguir, mas a quantidade de falhas não importa. Mas sim o quanto a sua força de vontade te permitirá ir para frente. Essa é a mentalidade”.
OLHAR DO
REPÓRTER
O fator que me levou a esse tema foi a familiaridade. Por estar inserido dentro desse mundo fitness voltado a um estilo de vida saudável, o assunto assumiu uma relevância que me senti na necessidade de expô-lo ao mundo. No que diz respeito a uma vida de treinos e práticas esportivas, há muitas opções por aí como academia, pilates, yoga, crossfit e várias outras. Escolhi falar sobre a calistenia por conta do sentimento de independência e liberdade que ela te passa durante sua execução. Foi ligeiramente complicado escrever sobre tal assunto em razão da adaptação dentro dos moldes do jornalismo literário, mas ao mesmo tempo divertido. Uma nova experiência agrega conhecimentos e vivências que tornam a nossa vida diferenciada, buscando sempre absorver o melhor das oportunidades e aproveitar o que os erros no caminho nos ensinam. Escrever sobre a calistenia foi uma experiência semelhante a sua prática, pois eu precisei me adaptar, insistir, persistir e não desistir para desenvolver esse tema de uma maneira acessível e agradável a todos, buscando uma novidade tanto para minha vida quanto para os leitores que dedicam um tempo de suas vidas para apreciar uma boa matéria.
Bruno
Klering
Jogadoras expõem as dificuldades que passam ao ter que lidar com a toxicidade e misoginia em jogos online
RETRATOS DA
Texto Sofia Padilha Gulart
Arquivo pessoal
Desde pequena, Manuela Mendes foi se envolvendo cada vez mais com os jogos online. Começou aos 8 e mantém o hobby até hoje, aos 23. Quando pequena, encantou-se por completo por esse novo mundo, cheio de coisas a serem descobertas, e logo foi conquistada. Mas, ao mesmo tempo que se envolvia cada vez mais com o novo hobby, passava a perceber algumas diferenças. Logo cedo ela descobriu um outro lado, que não era tão encantador assim. Foi no meio familiar mesmo onde percebeu pela primeira vez. A dificuldade para entrosar com os primos era demais, e ela sentia que a todo momento precisava convencê-los para que a incluíssem e levassem a sério durante as partidas.
Durante 14 longos anos adepta ao hobby, Manuela foi descobrindo alguns padrões e jeitos de evitar ser atacada nos jogos online: “Mudei meu nome nos jogos, do feminino pra um de gênero indefinido.”
Ainda assim, algumas agressões persistem. Antes da mudança, os assédios eram mais frequentes: “Perguntavam se eu era solteira e pediam meu instagram“. Isso além dos xingamentos e comentários carregados de misoginia: “Vai lavar a louça”, “Mulher na net”, entre outros. “Era comum eu ser criticada, já ouvi ameaças de morte e espancamento”, acrescenta.
“Sempre foi mais fácil ser aceita quando o feminino não vinha atrelado, mas mesmo assim, não acho que a neutralização dos nicknames seja a solução ideal”, relembra logo antes de comentar sobre os jogos com Voice Chat. “No momento que a mulher fala, a questão do nick neutro não importa mais.”
Em ambientes de predominância masculina, a misoginia torna-se comum, e as mulheres, que são atingidas pela depreciação alheia, ficam vulneráveis ao
sexismo. No meio dos jogos online, essas situações parecem ter sido normalizadas, e muitas vezes os agressores se divertem com tais comportamentos. “Me questionavam desde o começo, unicamente por ser mulher, então minha autoestima para videogames até hoje é muito baixa”, desabafa Manuela.
A jogadora cresceu tendo que se defender desses comportamentos, e por conta da toxicidade de outros participantes, passou a duvidar do seu desempenho e capacidade de se tornar uma boa praticante.
Mesmo depois de ter descoberto jeitos de desviar da maioria das agressões, ainda prefere se privar de certos jogos, pois sabe que alguns comportamentos se repetem em frequências nocivas, e momentos que deveriam ser tranquilos e de descontração, convertem-se em sufoco diversas vezes.
Visibilidade e reconhecimento
Com as câmeras desligadas, assim como microfones e iluminação, a streamer Hanna Carolina jogava mais uma partida de Valorant, sem grandes preocupações, como entregas para o canal, engajamento ou visualizações. Mas ao ligar o microfone para se comunicar com os outros jogadores, os xingamentos
A streamer Hanna Carolina conta que, ao saberem que é mulher, seus oponentes apresentam comportamentos violentos
começaram por um único motivo: “Descobriram que eu era mulher, e então começaram de grosseria porque achavam divertido.”
Os jogadores deixaram-se levar pela perversão, inundando-a em um mar de xingamentos e provocações. Quando a imodéstia toma conta das pessoas e o ego fala mais alto, a comunicação se torna difícil e as palavras, intragáveis. Diante dessa situação, já não era mais possível aproveitar o momento e escalar no jogo para que todos ganhassem como um time. A cada instante surgia uma nova ridicularização e diferentes incentivos dos outros jogadores para que
os insultos não parassem.
Mesmo sufocada por tantas palavras descomedidas, ela não se permitiu afundar. Reuniu fôlego e coragem para responder as ofensas. Usou aspereza e crueldade, agravadas pela revolta e cansaço reunidos, e sua contestação foi o ponto final. Os insultos cessaram e as vozes agressoras foram silenciadas, como se para eles, o ato de humilhar fosse interessante e divertido, mas apenas dentro de certas circunstâncias.
O feito de se envolver completamente e dedicar tempo aos jogos online e e-sports, com o intuito de conquistar um espaço acaba sendo bem mais fácil para os jogadores homens cisgênero. A compreensão de que eles não estão lidando com bots automatizados ou personagens que existem apenas quando o jogo está em execução é mais do que fundamental para que este cenário possa mudar.
Mesmo quando bem-sucedidas nas partidas, as jogadoras sempre correm o risco de se tornarem alvos de comentários inescrupulosos e ataques virtuais, que atingem muito além do cibernético. Os abusos podem transpassar a interface dos jogos e prejudicar a vida real.
A percepção da dor de outras mulheres fica ainda mais latente quando aflições são postas em pauta. “Às vezes eu penso que deve ser angustiante pra quem não consegue responder à altura, pra quem fica só ouvindo e aturando esse tipo de comportamento”, complementa Hanna. A solidão feminina nesses momentos, mesmo com a presença de outros jogadores, torna-se extremamente desestimulante: “Pra melhorar o espaço é preciso investir em times femininos, incentivar que as mulheres joguem juntas e se fortaleçam”.
OLHAR DA
REPÓRTER
Escrever uma matéria sobre a inclusão e o modo como as mulheres se sentem e são tratadas em jogos foi um processo delicado. Já tinha uma ideia do que poderia ser tratado e o que elas poderiam me dizer, mas acho que o maior desafio foi humanizar e transmitir os sentimentos de quem passa por esses episódios de misoginia e assédio, de modo que provocasse empatia e afinidade. Particularmente, sempre foi difícil de entender o porquê de tanto ódio e, em alguns casos, repulsa pela presença das mulheres nesses ambientes. Conversar com outras jogadoras que ainda se fazem presentes nesses meios é interessante principalmente pelas abordagens que cada uma, com suas individualidades e decisões singulares.
Arquivo pessoal / Hanna Carolina
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