CARTA AO LEITOR
Manifestação cultural
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Endereço: Avenida Unisinos, 950. São Leopoldo, RS. Cep: 93022-000. Telefone: (51) 3591.1122. Internet: www.unisinos.br. ADMINISTRAÇÃO REITOR: Marcelo Fernandes de Aquino VICE-REITOR: Aloysio Bohnen PRÓ-REITOR ACADÊMICO: Pedro Gilberto Gomes PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: Célio Pedro Wolfarth Ciências da Comunicação COORDENADOR
DO CURSO DE JORNALISMO:
Edelberto Behs
A revista Primeira Impressão é uma publicação da disciplina de Projeto Experimental em Jornalismo Gráfico, do Curso de Jornalismo da Unisinos Entre em Contato: FOTO DE VANESSA DI WAGNER
TELEFONE: (51) 3590.8466 E-MAIL: primeiraimpressao@icaro.unisinos.br. REDAÇÃO
S
e olharmos com um pouco de atenção os estandes das boas livrarias, constataremos que há um sem-número de títulos que exploram o tema futebol. É uma amostra que não carrega mais aquele ranço que punha o esporte bretão nos últimos lugares na escala de importância da intelectualidade, ou o confinava ao conceito de "política do pão e circo", típica dos governos militares. A globalização e suas lógicas de mercado, aliadas à carga simbólica que o futebol contém, tornaram esse esporte vitrine de grandes e pequenos, expulsando em definitivo o sectarismo. As histórias de racismo que impregnavam a sociedade e, em especial, o futebol no final do século XIX, cederam espaço a profissionais, que, desde sempre, garantiram o espetáculo dentro das quatro linhas. Por outro lado, o crescimento do esporte acabou provocando estrelismo e até corrupção por parte de alguns. Neste número, a Primeira Impressão entrou no clima do país e do mundo. Os textos deixam transparecer essa preocupação. Seus autores estavam com um olho na Copa e outro tentando enxergar tudo aquilo que pudesse ser entendido como correlato ao círculo do futebol: moda, comércio, arbitragem, crenças, mulheres "geraldinas" e mulheres de jogadores, torcidas e violência. São temáticas que atravessam outras tantas e, o que é interessante, percebidas pelos alunos. No conjunto, o grande círculo se fecha, dando o real sentido de quão importante é conhecer o futebol enquanto manifestação cultural.
Professores Editores Miro Bacin (mbacin@unisinos.br) Thaís Furtado (thaisf@unisinos.br) Reportagem e Edição Alunos das Turmas 23 e 63 (2006/1) - Aline Ana Malaszkiewicz, Aline Tyska, Amanda Zülke, Ana Paula Feyh, Ânderson Rosa, Andres Kalikoske, Ane Meira, Camila Arocha, Camila Borowsky, Cândida Lucca, Carine Sobé, Carine Schwingel, Carla Wendt, Charise Korpalski, Christian da Silva, Daiana Souza, Diana Haas, Diego de Carvalho, Elisa Barcellos, Fabiana Seferin, Fábio Sidrack, Fernanda Schmitz Santos, Greiciane Garbin Vidaletti, Guilherme Alix da Rosa, Guilherme Fernandes, Gustavo Braatz, Halder Ramos, Jaqueline Vargas, Jesiel Boschetti Saldanha, Jonas Scherer, Juliano Fontoura, Leandro Luz, Leandro Schallenberger, Lucas Colombo, Marcelo Bergter, Marcelo do Amaral, Marcio Stefani, Maria Luisa Belan, Marilene Junges, Patricia Fachin, Paulo Rogério de Souza, Rafael Geyger, Rafael Serra, Ramon Antoniazzi, Raulito Rodrigues, Ricardo Duarte, Roberta Gerhard Döring, Rogério Tons, Ronan Dannenberg, Rosana Martins, Sabrina dos Santos, Santelmo Marin, Sara Souza, Tatiana Vasco, Thaís Helena Baldasso, Vanessa Nascimento e Vanira Heck. PRODUÇÃO GRÁFICA E EDITORIAL Agência Experimental de Comunicação (AgexCOM) COORDENADORA: Thaís Furtado EVENTO
DE LANÇAMENTO:
DIAGRAMAÇÃO: MONITORIA: PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA:
AGRADECIMENTO: IMPRESSÃO:
estagiárias da Área de Relações Públicas Caroline Ávila e Michele Ávila e monitora Thaís Fontes, sob orientação da professora Nadege Lomando e da relações públicas Taís Flores da Motta. estagiários da Área de Jornalismo Giovani Paim e Patrícia Fachin, sob orientação do jornalista Marcelo Garcia (projeto gráfico). alunos Márcio Stefani (Turma 23) e Susiâni Silva (Turma 63). alunos Andres Kalikoske, Anna Carolina, Caio Schenini, Cândida Lucca, Denise Silveira, Guto Keller, Halder Ramos, Leonardo Remor, Marcelo do Amaral, Rafael Rech, Rita Coronel e Tiago Coelho. FGS Fotografias e VIP COMM. gráfica Maredi Publicidade:
Professores editores Miro Bacin Thaís Furtado
Os anúncios publicados nesta edição foram criados pelos estagiários da Área de Publicidade e Propaganda da AgexCOM Izadora Petersohn Baldissera, Fernando Togni, Juliano Kolbetz Moreira e Laura Larre Borges, sob orientação da professora Simone Cunha e da publicitária Haradia Moraes.
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ÍNDICE Paixão | 06 09 | Profissão História | 14 18 | Etnias Economia | 22 26 | Negócios Moda | 30 34 | Mulheres Identidade | 39 42 | Vestiário Crença | 46 50 | Arbitragem
65 | Relacionamento
Violência | 53
Jornalismo | 68
56 | Entrevista
71 | Rivalidade
Comportamento | 61
Alternativa | 76
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DENISE SILVEIRA
82 | Diversão
98 | Diversidade
Fanatismo | 86
Jornalismo Arte | 102
90 | Impedimento
106 | Impressões de Repórter
Sonho | 94
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PAIXÃO
Por que o futebol
fascina ta
O
FUTEBOL É APAIXONANTE PORQUE TUDO PODE
ACONTECER.
NINGUÉM
ASSISTE A UMA PARTIDA PARA VER
O JOGO E SIM PARA TORCER.
É
UMA TENSÃO PSÍQUICA
Texto de ELISA BARCELLOS e GUILHERME DA ROSA Foto de DENISE SILVEIRA
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PAIXÃO
F
utebol é um jogo esportivo de conjunto entre duas equipes, geralmente de 11 jogadores cada uma, que procuram levar à meta do adversário uma bola de couro. Esse é o significado do esporte no dicionário. No entanto, essa palavra quer dizer mais. Admiradores do futebol afirmam que ele também significa diversão, emoção, excitação, expectativa, disputa, realização, satisfação e prazer. "O futebol é fascinante", afirma João Henrique filho, torcedor fanático do Internacional desde os seus cinco anos de idade. Mas por que esse esporte fascina tanto? Por que tantos torcedores passam mal por causa de uma vitória ou derrota do seu time do coração? Por que o futebol é uma paixão nacional e não outro esporte? De acordo com Edison Gastaldo, antropólogo e professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Unisinos, o fascínio pelo futebol está ligado a dimensões econômicas, políticas, religiosas, competitivas e lúdicas. Além disso, é um esporte fácil de se praticar, proporcionando a reunião das pessoas e a interação entre elas. "O fascínio começa pela simplicidade do jogo, pois ele pode ser jogado num campinho, na praia, no meio da rua, com chinelos fazendo papel de goleira e até entre duas pessoas somente", comenta. Outro ponto que caracteriza o fascínio causado pelo futebol está presente na clássica pergunta: para qual time você torce? Esse é um questionamento feito entre familiares, amigos e colegas de trabalho. Segundo Gastaldo, o pertencimento clubístico, ou seja, a necessidade que a maioria possui de torcer por um time, torna-se um aspecto da identidade das pessoas que, geralmente, é mais estável e mais sólido do que profissão, carreira, casamento e religião. "Pertencer a um time é algo tão forte que as pessoas se sentem livres para mudar a sua vida em qualquer aspecto, mas não para trocar de time. Há uma recriminação social muito forte com esse tipo de leviandade, isso porque o futebol não é sério, ou seja, o campo semântico a que ele pertence é o do lazer", explica o antropólogo. Ele afirma, ainda, que esse pertencimento faz do time de futebol um outro que é parte de si mesmo. "As pessoas colocam o time como algo que joga em seu lugar, favorecendo a expressão de emoções ligadas à competição. Por isso é que ninguém gosta de empate", conclui. De acordo com o professor, o fato de, ao contrário de outros jogos, o placar do futebol ser baixo e poder mudar a qualquer momento do jogo faz com que as pessoas sintamse nas mãos do destino. "É nesse imponderável que reside a paixão pelo futebol", afirma. Outro fator levantado por ele diz respeito ao envolvimento afetivo profundo que o esporte causa nas pessoas. Devido a isso, se debocha, se briga, se mata e se morre. O antropólogo acredita que a mídia tem uma participação fundamental no processo de alimentação desse fascínio, pois os jogos de futebol são transmitidos pela televisão e pelo rádio a múltiplas vezes mais pessoas do que um estádio pode comportar. "O futebol profissional é um fenômeno de mídia, sem ela não haveria copa do mundo e nem campeonatos", enfatiza.
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Será que em tempos de Copa do Mundo esse fascínio cresce? "Não conheço uma família que não torça unida numa Copa", ressalta a psicóloga Cláudia Cardoso do Santos, formada pela PUC-RS e especializada em psicologia clínica de crianças, adolescentes e adultos pelo Instituto Wilfred Bion, localizado em Porto Alegre. De acordo com a psicóloga, o fascínio pelo futebol é institucionalizado e estimulado como uma regra familiar. Ela entende que esse esporte favorece uma confraternização entre as pessoas, causando um sentimento maior de união entre elas. Logo, esse sentimento se prolifera, principalmente, em tempos de Copa do Mundo, porque todos se tornam uma grande família. "Nesse período, nos tornamos todos iguais e, assim, podemos negar as diferenças, dando ênfase ao desejo do ser humano de viver em harmonia", comenta. Para ela, o momento de lazer que o futebol proporciona está diretamente relacionado com a conquista do prazer e da satisfação imediata que todas as pessoas buscam para se sentirem mais felizes. "Futebol é ginga e disputa corporal que causa excitação e adrenalina. Por isso, o futebol conquista com tanta facilidade", ressalta. O futebol é tão fascinante, segundo Cláudia, também pelo que se chama na psicologia clínica de comportamento transgeracional, quer dizer, o comportamento que se repete de geração à geração nas famílias. "Há crianças que já nascem marcadas pelo futebol, ou seja, já estão pré-determinadas a torcer por algum time. Isso é verificado por meio das roupas que usam ou pelas participações de nascimento nos jornais que possuem o emblema de um clube de futebol. Essa criança, por exemplo, já nasce sentindo amor pelo esporte devido à atitude dos pais", afirma. Um exemplo disso é o torcedor, fanático pelo Internacional de Porto Alegre, João Henrique Filho. "Quando a pessoa recebe incentivo da família e de amigos para praticar algum esporte e passa a gostar dele, neste momento, começa o caminho para o fascínio", diz ele. João Henrique tem 55 anos de idade e há 50 joga futebol. Quando criança, ele construía artesanalmente a sua própria bola. Elas eram feitas de meias sintéticas, enroladas várias vezes em torno de muitas folhas de jornal velho, que tinha em seu centro um pequeno pedaço de pedra, o qual dava o peso certo para a bola. O torcedor colorado conta que jogava futebol de pés descalços, na calçada da sua casa. "Quantas vezes tirei o tampo do dedo ao errar na bola e acertar a lajota da calçada. Mas, para ele, o ruim mesmo era esperar duas semanas para poder jogar novamente. "Que época boa! Era um futebol no qual o salário dos jogadores não era mais importante do que a camiseta do clube. "Hoje o futebol ficou quase que, totalmente, mercenário, mas mesmo assim ele ainda me fascina", confessa o torcedor. A posição de João Henrique Filho em relação ao seu encantamento pela prática demonstra que esse esporte conquista e fascina a ponto de as pessoas colocarem em primeiro plano, em detrimento de outros sentimentos, o encanto pelo futebol.
PROFISSÃO
No time do
coração TINGA E GALLATO,
COM COMPETÊNCIA
E JOGADAS DECISIVAS, CONQUISTAM A CONFIANÇA E O CARISMA DA TORCIDA Texto de FERNANDA SCHMITZ SANTOS e VANESSA NASCIMENTO Fotos de GUTO KELLER
U
m é goleiro, pronto pra impedir gols, o outro é volante, querendo marcar gols. Um é gremista, o outro, colorado. Rodrigo e Paulo César, ou melhor, Gallato e Tinga, apesar das diferenças gritantes têm muitas coisas em comum. Ambos são gaúchos, começaram sua carreira no Grêmio e jogam exatamente no time do coração. Rivais, dentro de campo chamam a atenção pela garra e pela admiração que provocam no torcedor. Fora de campo, chamam a atenção pelo profissionalismo e disciplina. Sonham com um futuro brilhante dentro do futebol, sem esquecer suas origens. O amor por um time não é exclusividade da torcida. Os jogadores também têm suas preferências, que muitas vezes ficam ocultas por uma questão profissional. Mas a dupla Gre-Nal conta com uma seleção de apaixonados. Tinga e Gallato são exemplos de jogadores que vestem a camiseta com amor ao clube que trabalham. Esse diferencial chama a atenção da platéia que assiste com orgulho o show do futebol. Em 2005, na final do Campeonato Brasileiro da Série B, o camisa número um do Tricolor salvou os seus companheiros no momento mais dramático da partida. Aos 57 minutos, quando o elenco comandado pelo treinador Mano Menezes já estava com quatro homens a menos em campo e o placar ainda apontava um perigoso 0 x 0, ele defendeu uma cobrança de pênalti, desperdiçada por Ademar. Rodrigo Gallato tornou-se, nesse jogo contra o Santa Cruz, um ídolo da torcida gremista, já que a defesa do pênalti
foi decisiva para colocar o Grêmio novamente na primeira divisão. "Para mim, é muito gratificante. Começaram a me reconhecer em função daquele dia e daquele pênalti. Se não fosse o pênalti, acho que seria um zero a zero e não seríamos campeões. Eu não estaria nesse nível que estou agora de reconhecimento da torcida." Gallato, como muitas crianças, sempre sonhou em ser jogador de futebol. E como um bom gremista, jogar no Grêmio era a sua meta. "O meu ídolo naquele tempo era o Danrley. Queria ser como ele, ganhar o que ele ganhou, representar para o Grêmio o que ele representou, então eu tinha o sonho de vestir a camisa do Grêmio." Sua história com o futebol começou aos 14 anos, quando o pai o inscrevia numa escolinha, chamada São José, de Porto Alegre. E foi exatamente em uma competição contra o seu time do coração que o goleiro foi descoberto e acabou entrando para o clube. "A gente nunca pode desistir dos nossos sonhos, eu deitava na cama para dormir e me imaginava entrando num estádio lotado e a torcida gritando o meu nome, como acontece hoje graças a Deus. Um sonho que eu consegui tornar realidade. Hoje eu sou o goleiro do Grêmio." Gallato acredita que o sucesso é conseqüência de um trabalho muito duro. "É esforço de todos os dias. Até os dias de descanso fazem parte do treinamento. Temos que recuperar as forças pra no outro dia estar bem. É vontade, trabalho e dedicação."
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PROFISSÃO O apoio da família também é fundamental, e Gallato tem de sobra. Isso porque a paixão pelo Grêmio foi herdada de seu pai, João Gallato. "Se estou olhando-o na televisão, não fico tão nervoso, já que estou visualizando. Mas se estou ouvindo pela rádio, fico muito nervoso, pois não vejo o que está acontecendo. Quando o jogo é aqui, eu e o resto da família sempre vamos assistir." Conta ainda, orgulhoso, que não importa o time que o filho vir a jogar futuramente. "Minha paixão pelo Grêmio não vai diminuir", diz. O goleiro jura que o fato de ser torcedor do tricolor não influencia em seu trabalho, já que, para o jogador, em primeiro lugar existe o lado profissional. "Acho que, no momento em que assinamos um contrato profissional, não podemos pensar que sempre vamos viver na mesma casa. Eu tenho a ambição de me estabilizar financeiramente. Não só eu, como também a minha família. A gente busca sempre mais, uma estabilidade que pode vir ou no Grêmio ou num clube fora do estado, ou quem sabe mesmo fora do país." O fato é que existe uma força e uma vontade muito grande dentro de campo. E isso Gallato nem contesta. Segundo ele, a força gremista vem antes de entrar no gramado. "Essa garra tu tens que ter dentro de ti mesmo. Junto dos teus companheiros, tem que ter uma união, um companheirismo, uma amizade. A gente não vem aqui no Grêmio, entra no vestiário, veste a camiseta e o calção e vai pro campo. A gente vem pra cá quase uma hora antes do treino para conversar. Para nós, a amizade está acima de tudo, te faz botar o coração na camiseta." E, quando o assunto é o grande rival gremista, Gallato mais uma vez mostra-se profissional, embora não esqueça o significado que a camisa vermelha tem em relação à tricolor. "Nunca posso dizer que não jogaria no Internacional. Tomara Deus que eu nunca jogue mesmo. Sempre sequei, sempre fui contra, mas a gente nunca pode dizer que não. Posso estar numa situação de dificuldade e a única porta que me abrir ser o Colorado. Entra aí a parte do profissional e fica a parte do torcedor, mas tomara eu que nunca atue naquele clube." Para o pai, também não é diferente. João afirma que, apesar da richa com o time adversário, não veria problemas em ver o filho representando o Internacional. "Se o Inter o comprar como profissional, ele tem que jogar. Eu torceria pra ele igual, mas não para o time. É a profissão dele, eu jamais diria pra ele não jogar." Paulo César Fonseca do Nascimento, por sua vez, já teve a experiência de jogar num time para qual não torcia. Tinga começou sua carreira em 1996, no Grêmio, maior rival do Internacional. Depois passou por clubes como Botafogo e Sporting Lisboa. Mas quando criança vestia a camisa vermelha e assistia aos jogos no estádio Beira Rio com o pai. Hoje, jogando pelo Internacional, dá o exemplo de que o bom filho à casa torna. "É, a minha história é meio complicada, mas eu sou colorado sim. Até os 14 anos, antes de jogar no Grêmio, eu era colorado, vinha com meu pai ao estádio. Depois de nove anos dentro do tricolor, acabei tendo um carinho especial pelo clube que me acolheu, mas hoje jogando no Internacional, é muito
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CONQUISTA: jogar no Grêmio era meta de Galatto
PROFISSÃO
SATISFAÇÃO: colorado desde criança, Tinga se sente realizado por jogar no Inter
bom poder dizer que sou Colorado." Tinga acredita que o lado profissional fala mais alto, mas hoje, jogar pelo Inter faz muita diferença. "Já joguei em Portugal, no Japão, no Rio, e sempre joguei da mesma forma, até porque isso é a nossa vida, nosso ganha-pão. Mas no Inter é diferente. A gente sabe que tem uma torcida por trás de tudo isso. E é claro que tem sentimentos envolvidos para chegar aqui." A paixão pelo clube veio de casa. A mãe, Maria Nadir Fonseca, conta que a família inteira torce pelo Internacional. "Todos na família são Colorados. Na verdade, ele sempre joga bem, mas o que parece é que ele fica mais à vontade. E se sentindo em casa no Inter. Isto indica realmente o time que ele torce." O volante do Internacional veio se chegando, fazendo gols, participando de jogadas decisivas. Mas o que realmente vem agradando à torcida colorada é sua força, sua garra e sua determinação dentro de campo. Hoje, ele é considerado um ídolo polivalente. Mas o jogador não pensa dessa maneira. "Eu nunca me vi assim. Acho incrível, mas acredito que todos os jogadores têm a sua representação perante o torcedor." Mas não tem como não se sentir orgulhoso diante de tanta fidelidade e admiração por parte do torcedor. "É muito bom, eu sempre tive esse objetivo. Claro que não pensava ter essa dimensão, que seria desse tamanho, mas tinha esse objetivo." Conta, ainda, que essa emoção do torcedor é a motivação para o trabalho. "E eu fico sempre satisfeito em saber do carinho e do apoio que o torcedor tem por mim. Isto é gratificante, é maior que qualquer coisa dentro da carreira. Em conseqüência disso, acabamos sendo reconhecidos também pelo clube, o que é muito bom." Em jogos importantes como o Gre-Nal por exemplo, fica evidente a sua vontade de jogar. "É, ele é um jogo especial porque é o clássico no Estado, que movimenta o povo todo. É sempre com inspiração, sempre com muita motivação que eu encaro." Nadir afirma ter ficado muito satisfeita em ver seu filho dentro de campo, agora, com a camiseta colorada. "Eu adorei, ele tem que jogar onde ele gosta e se sente bem. Mas não tem importância o time que ele jogue e sim que ele mostre seu profissionalismo", afirma. O jogador acredita que o trabalho e a vontade de crescer são a receita de um bom trabalho. "Tive a oportunidade de jogar um dia no profissional e, graças a Deus, consegui jogar bem. É assim que acontece. As oportunidades vêm e temos que estar preparados." A mãe, orgulhosa, confirma as palavras do filho. "É muito emocionante, não tem nem como explicar o que eu sinto. Não imaginava que ele ia chegar aonde chegou. Eu até duvidava. Aí ele ficava até tarde jogando e eu não dormia até ele voltar para casa. Ele dizia que ia me dar tudo através do futebol e conseguiu." Um é goleiro, pronto pra impedir gols, o outro é volante, querendo marcar gols. Um é gremista, o outro colorado. Gallato e Tinga, apesar das diferenças gritantes, realmente têm muito em comum. São jogadores que trabalham com profissionalismo, sem esquecer a origem que os motiva a jogar com competência e amor pelo time do coração.
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HISTÓRIA
multicor Racismo AUTORES
DIVERGEM SOBRE O
SURGIMENTO DO INTERNACIONAL COMO RESPOSTA A UM SUPOSTO RACISMO GREMISTA Texto de CARLA WENDT, JAQUELINE VARGAS e TATIANA VASCO Fotos ARQUIVO
O
jornalista Cláudio Dienstmann, estudioso do futebol mundial, possui 300 fotos do primeiro campeonato gaúcho vencido pelo Inter, em 1927. Analisando as imagens, um detalhe chama a atenção do pesquisador: 18 anos após sua fundação, não havia negros no time. Na ata de fundação do Inter, o texto afirmaria que o clube seria aberto a todos, independente de raça, religião, classe política, econômica e social. Porém, a ata desapareceu. Dienstmann chegou a procurar familiares dos fundadores e não obteve respostas desse documento. "Nunca se soube se foi realmente extraviado ou se deram um sumiço no livro para justificar a não contratação de negros e pobres pelo clube", supõe. O primeiro negro a vestir a camisa colorada foi Dirceu Alves, em 1928. Ele era atacante da Liga da Canela Preta, coordenada pela Prefeitura de Porto Alegre. Segundo Dienstmann, com a contratação de Alves, metade quadro social do Inter foi embora. O argumento era que Alves estava recebendo da Prefeitura para jogar, mas o jornalista acredita que o motivo foi o fato de ele ser negro. "Ele era humilde e necessitava realmente de ajuda. O que ele recebeu, na verdade, foi uma fatiota", salienta. Em seus dois livros Até a pé nós iremos e Meu coração é vermelho, que contam a história da dupla Gre-Nal, Ruy Carlos Ostermann afirma que o Grêmio seria um time de burgueses e brancos que não admitia jogadores negros e pobres. O Inter teria nascido para dar aos discriminados a oportunidade de jogar em um clube
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de futebol. Ostermann diz que o Grêmio de Foot-Ball Porto-Alegrense, fundado em 15 de setembro de 1903, por comerciantes filhos de imigrantes alemães e açorianos, submetia os candidatos a sócios a uma investigação, uma seleção elitista e racista. Os negros e os pobres teriam esperado seis anos pela inclusão ocorrida com a fundação do Sport Club Internacional, em 4 de abril de 1909. "O Inter surgiu como um contraponto dos excluídos", diz o sociólogo Antônio Mesquita Galvão, professor da Unisinos, com mais de 90 livros publicados. O Inter foi fundado pelos irmãos Poppe, paulistas que vieram morar na capital gaúcha. A maioria dos integrantes era de jovens universitários, filhos de fazendeiros, que iam morar na capital para estudar. O time chegou a ser apelidado de "Clube
dos Acadêmicos do Internacional". Dienstmann considera que, na época, deixar o interior e ir para a capital cursar o nível superior não era privilégio de qualquer um. Para ele, o clube aristocrático não era o Grêmio, mas o Inter. O futebol surgiu como esporte de elite, pois os fardamentos e acessórios utilizados pelos jogadores eram importados. Os negros, recém-libertos, não possuíam bens e propriedades, não tinham estudos e recebiam um salário pequeno. Que condições teriam de adquirir estes adereços e formar um time de futebol? "O problema maior era o econômico e não o racial", afirma Dienstmann. O pesquisador diz que o racismo não era uma questão exclusivamente ligada ao Grêmio e ao Inter, mas do futebol em si. Mais do que isso, é uma questão cultural, social e mundial. Vale lembrar que a Lei Áurea completava apenas 15 anos
GRÊMIO: até 1952, o time não admitia sócios ou jogadores negros
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HISTÓRIA quando o Grêmio foi fundado. Ora, depois de longos anos de escravidão não seria de repente que os brancos admitiriam a igualdade das raças, se até hoje, 118 anos após a abolição, o preconceito e a discriminação ainda existem fortemente. Se por racismo ou questões econômicas, o fato é que o Grêmio não admitiu sócios ou jogadores negros até 1952, véspera do seu cinqüentenário. Foi Saturnino Vanzelotti, então presidente, que decidiu quebrar a tradição e contratou Tesourinha, ex-jogador do Inter, mesmo contra um grande movimento de oposição dentro do clube. Uma das manifestações foi
INTER: a ata de fundação do clube, que admitia a contratação de negros, foi extraviada
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dos jornalistas Adil Borges Fortes e Amilton Chaves, que criaram o grupo "Gremistas Vigilantes". Argumentaram que Vanzelotti não teria consultado o Conselho Deliberativo do clube para efetuar a contratação. "O Tesourinha era uma bandeira como negro e colorado, e era preciso acabar com o fato do racismo no Grêmio com uma grande estrela do futebol", relata José Luiz Barreto, torcedor colorado e negro. "O negro só podia evoluir através do esporte, vinha de uma camada mais inferior, das periferias, das vilas, não tinha muita credencial para fazer um curso superior. Uma série de fatos sociais o impedia de evoluir", lembra.
O aposentado Carlos Alberto Loretto, 70 anos, recorda que tinha um primo que jogava no Grêmio e, um dia, levou o pai para assistir um jogo no Estádio da Baixada. "Como o pai era negro, não o deixaram entrar. Ele não deixou de ser gremista, mas nunca mais foi a um jogo", ressaltou. Loretto diz que já foi chamado de pobre por ser negro e colorado, mas garante que isso nunca o incomodou. A questão racial também foi enfrentada com bom humor pelo ex-jogador Vicente Rao, criador da primeira torcida organizada do Inter, a Camisa 12, que era vibrante, cheia de bandeiras, foguetes, serpentinas e sirenes. Um verdadeiro
carnaval feito pelo povão. A torcida gremista dizia que aquilo era "coisa de crioulo". Mas a moda pegou tanto que em pouco tempo os tricolores começaram a utilizar os mesmos acessórios. Rao não perdeu a oportunidade, e em um Gre-Nal na Timbaúva esperou os gremistas começarem a festa e ergueu uma faixa com a frase: "Imitando crioulo, hein!" Foi Rao também quem criou a expressão "Rolo Compressor", na década de 1940, quando o Internacional atravessava sua melhor fase. Contradições também marcam a história dos dois rivais. Ironicamente, o time gremista teve seu hino composto por um negro, Lupicínio Rodrigues, em 1953. Já o Inter, conforme Dienstmann, protagonizou pelo menos dois episódios de racismo. O primeiro em 1935, na decisão do Campeonato de Porto Alegre. O time precisava de um empate. Aos 42 minutos do segundo tempo o jogo estava em 0 a 0. Nos três últimos minutos o Grêmio fez dois gols e tornou-se campeão. O centroavante Cardeal, único negro do time, foi culpado pela derrota. "Que culpa pode ter um centroavante de um time de tomar dois gols nos últimos três minutos? Não o mandaram embora porque era culpado, mas porque era negro. O certo era tirar o goleiro", salienta o jornalista. Outro exemplo ocorreu em 1980, no jogo contra o Esportivo, em Bento Gonçalves. O árbitro Luiz Louruz, negro, teria cometido um engano prejudicando o Inter. Os jogadores colorados, inconformados, o chamaram publicamente de "macaco". O fato foi notícia em todos os jornais e o Inter, processado judicialmente. "A discriminação racial sempre existiu, decresceu um pouco em virtude de as pessoas naturalmente crescerem e evoluírem em seus pontos de vista. Hoje acontece ainda, mas em menor escala. No interior do Estado onde há muitas etnias o problema racial é mais acentuado. A socióloga Carmem Galvão acredita que o Gre-Nal, antes de ser uma disputa sócio-desportiva, sempre foi uma "luta de classes". De qualquer forma é a rivalidade e a paixão azul e vermelha que consegue movimentar um estado inteiro e reunir pobres, ricos, negros e brancos, no maior espetáculo do futebol gaúcho: o clássico Gre-Nal.
Liga da Canela Preta A Liga da Canela Preta era composta de vários times divididos hierarquicamente Havia o time dos lixeiros, dos entregadores de gás, dos garçons, dos coletores de impostos, de todos os departamentos da prefeitura. Os jogadores não eram assalariados, recebiam bonificações e melhores colocações no trabalho, uma espécie de pro-
moção. Ostermann afirma em seus livros que a Liga da Canela Preta era composta somente de negros e excluídos. Dienstmann contraria essa versão. Segundo ele, nem todos os jogadores eram negros, mas sim de classe econômica e social inferior. Eram excluídos por serem menos favorecidos, não por serem negros.
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ETNIAS
Marcas da
diferença O
FUTEBOL, POR SER UM AMBIENTE
DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL, REPRODUZ ATITUDES DE PRECONCEITO COMUNS NA SOCIEDADE
ETNIAS Texto de CARINE SCHWINGEL e ROGÉRIO TONS Fotos de RITA CORONEL
O
preconceito de cor, etnias e raça deixa marcas profundas há séculos. Atitudes são presenciadas a todo momento, em diferentes ambientes. Os estádios de futebol não ficam de fora. Sejam as pessoas brancas, negras, pobres ou ricas, o sentimento de impotência quando ocorre uma discriminação racial é grande. A historiadora e responsável pela educação afro nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul, Carmem Maria Junqueira Amora, explica que o que caracteriza preconceito de cor é a aversão que grupos ou indivíduos têm contra pessoas de pele diferente da sua. Carmem, que integra o Departamento Pedagógico da Secretaria Estadual da Educação, afirma que o tema é universal, enraizado nas culturas desde os tempos primordiais da existência humana, quando o negro foi considerado como um ser inferiorizado, sem alma, sem mente, incapaz de realizar tarefas onde houvesse necessidade de pensamento. Exemplo disso consta no livro O Dia em que Getúlio matou Allende e outras Novelas do Poder, de Flávio Tavares. A obra cita acontecimentos dos anos de 1950, quando "a visão da inferioridade do negro e da sua condição intrínseca de classe baixa e desprezível dominava ainda a sociedade brasileira como a principal cicatriz de atraso. Até mesmo no futebol onde parecia existir igualdade, havia clubes das capitais que não permitiam o ingresso de negros em sua equipe. Todo o Brasil tinha orgulho de não imitar os Estados Unidos na discriminação brutal e violenta contra os negros, na época, mas boa parte dos brasileiros brancos ricos ou pobres - envergonhava-se de mostrar em público seus eventuais amigos negros". Na era contemporânea, atitudes contra negros são explícitas. Mas isso se acentua com os excluídos. O pobre é tratado de forma diferenciada do não-pobre. "Na sociedade atual, existe uma casta formada de homens e mulheres negras que, por alcançarem determinado patamar cultural ou econômico, não são vistos como negros, e sim como um todo na sociedade. É o chamado branqueamento social, negros intelectuais ou ricos não são negros. Já o pobre é visto como negro, marginal, agressivo e violento, é excluído da sociedade, portanto, discriminado", explica a historiadora. O futebol, por englobar todos os segmentos da sociedade em um mesmo ambiente, é, segundo Carmem, um dos elementos formadores da identidade brasileira. "Casos de racismo ocorridos nos últimos tempos em Caxias do Sul, envolvendo uma partida de futebol, podem ser explicados pela forma como foi colonizada a região serrana do Rio Grande do Sul." (veja o destaque ao lado) Conforme a historiadora, no início do século XX, quando a Revolução Industrial começou a dar suporte à mão de obra imigrante, na indústria cafeeira, no centro-norte do país, a imigração alemã e italiana, pelo Rio Grande do Sul afora,
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formou grandes comunidades, empurrando a população negra para locais mais escondidos, onde se agrupavam e que hoje são cientificamente chamados de quilombos urbanos, assim como as comunidades quilombinas rurais. A professora diz que a impressão que passa é de que o Estado é um local habitado somente por brancos, loiros de olhos claros. Na Serra gaúcha, a população traz no seu bojo um aculturamento italiano ou alemão, onde o negro foi excluído de suas raízes, de sua negritude, de seu trabalho como construtor da sociedade. Os livros não contam a história dos negros, nas escolas nada é falado, e a sociedade negra gaúcha é invisível aos olhos do resto da nação e do exterior. Segundo a historiadora, o Rio Grande do Sul é um Estado do embranquecimento, portanto racista e preconceituoso. Muitos se chocam com esta afirmativa, mas o racismo gaúcho aí está, haja visto que poucas são as personalidades negras gaúchas com visibilidade. Com o avanço de novas teses sociológicas nas décadas de 1980 e 1990, surgiram métodos científicos estatísticos para descobrir micromecanismos de discriminação, em todos os segmentos e setores da sociedade. A professora os considera extremamente valiosos para os estudiosos, mas os livros que tratam do assunto são voltados somente para a classe universitária ou intelectualizada. Por isso, o Rio Grande do Sul é considerado um Estado sem negros, pois a brasilidade mostrada na mídia é a dos imigrantes.
Carmem relata que culturalmente o negro só é visto como aquele que pode ser um bom sambista ou jogador de futebol. Mas mesmo nos estádios o racismo aparece. O exgoleiro dos juniores do Inter César Lunardini, 29 anos, se emociona ao lembrar de um dos fatos que mais marcou a sua passagem pelo time. César conta que, num Gre-Nal, a torcida do Inter começou a xingar os próprios jogadores colorados de "negrões", "time de macacos" e "macacos sem-vergonha". Para ele, seria comum se essas palavras fossem ditas pelos torcedores adversários. Na época, segundo o ex-goleiro, o time era formado, em sua maioria, por jogadores de cor branca, como ele. Muitos não entenderam e, depois do jogo, comentaram a agressividade dos próprios torcedores. "A cada jogo ou treino, a situação ficava pior e temíamos que as atitudes fossem repetidas no jogo seguinte", conta. Ás vezes, nem a vitória livrava os jogadores. "Na época, não tinha nenhuma atitude por parte da direção do clube, ficava por isso mesmo. Era como se nada tivesse ocorrido." Segundo ele, nem o próprio técnico tocava no assunto, não defendia os jogadores e alguns entravam em campo irritados. Para César, se os dirigentes tivessem tomado alguma atitude desde o início, talvez a situação não teria tomado tamanha proporção. "Eu gostava de entrar em campo, mas temia quando alguma coisa errada acontecia. Todo o ser humano é passível de erro, e o nervosismo tomava conta de todos. Não sabíamos como agir." Em especial no futebol, os ânimos acirrados fazem com que os gestos e atitudes sejam impulsivos.
Campanha anti-racismo O jogador Antonio Carlos não esperava que a sua atitude em campo tomasse proporções tão grandes como ocorreu depois do jogo entre Internacional e Juventude, em fevereiro de 2006. O gesto racista contra o jogador do time adversário foi criticado por esportistas, colegas de profissão e público em geral. O árbitro do jogo protagonista das discussões, Leandro Vuaden, incluiu a atitude racista na súmula, ocasionando o afastamento do jogador por quatro jogos. "Não compactuo com isso e condeno qualquer pessoa ou jogador que manifestar sua contrariedade com um semelhante por causa de sua cor. Achei que isso nem existisse mais e não me lembro de ter presenciado um fato tão explícito assim", explica Vuaden. A amplitude do caso provocou o debate em todo o país e muitos refutaram o gesto. Com o objetivo de inibir, coibir ou, simplesmente, reduzir atitudes semelhantes, o mesmo juiz aderiu à campanha de combate ao racismo no futebol encabeçada por árbitros e Federação Gaúcha de Futebol. Vuaden explica que, em reunião após o jogo, foi decidido que em todas as partidas os árbitros seriam responsáveis pela disseminação da campanha, reunindo técnicos dos dois times, capitão e jogadores antes da bola rolar. Vuaden explica que a medida busca conscientizar os jogadores sobre a importância de manter em campo atitudes positivas como forma de dar exemplo aos torcedores. Além disso, o árbitro defende a punição de jogadores que tiverem qualquer atitude discriminatória. "Fora do campo, devem ser tomadas medidas severas para que este tipo de atitude não seja repetida. Infelizmente, hoje não existe qualquer menção no regulamento sobre racismo, apenas para jogadores que tiverem atitudes inconvenientes ao adversário." Apesar de ter sido registrada, ação semelhante em jogo entre Rio Grande e Pelotas, dois meses após o jogo em Caxias do Sul, Vuaden acredita que o racismo, pelo menos no futebol, vai chegar ao fim. "Sou voluntário para participar de campanhas com este fim." Afirma que desde que iniciou sua carreira como juiz presenciou diversas agressões verbais, em especial, racistas. "De alguma forma, jogadores utilizam palavras que sabem que vai ferir ao outro: negão, branquela, carioca. Falam aquilo que sabem que vai ofender na tentativa de prejudicar a performance do adversário. No calor da disputa, cada um tenta defender seu lado da forma que acha ser melhor. São atitudes lamentáveis, mas que sempre existiram. O jogador age com emoção, e para toda ação, existe uma reação." Vuaden nasceu em Roca Sales e reside atualmente em Estrela, cidades do Vale do Taquari. Começou apintando jogos amadores e foi se profissionalizando. Sua atuação foi exemplar pela comissão de arbitragem da Federação Gaúcha de Futebol no jogo entre Juventude e Internacional. JULHO/2006 PRIMEIRA IMPRESSÃO
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ECONOMIA
Comércio de
chuteiras O ESPORTE HÁ MUITO INVADE O MUNDO DOS NEGÓCIOS. BARES DE PORTO ALEGRE E REGIÃO METROPOLITANA CUSTOMIZAM SEUS AMBIENTES USANDO COMO TEMA CENTRAL MOTIVOS LIGADOS AO FUTEBOL Texto de CHARISE KORPALSKI e SARA SOUZA Fotos de RITA CORONEL
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A
paixão nacional não é jogar e assistir futebol. O brasileiro aprendeu que o esporte pode ser fonte de renda onde há outras paixões, como a cerveja bem gelada. Pensando assim, proprietários de bar vêm investindo alto na produção de cenários e serviços que dêem à clientela a identificação correta com o futebol. No Bar Biroska, Henrique Ghiraldello iniciou seu empreendimento com um investimento de R$ 5 mil. Aplicou somente em decoração. O bar é todo ornamentado
com elementos da Seleção como banners dos jogadores Roberto Carlos, Ronaldo, Ronaldinho e David Beckham. Inaugurado há pouco mais de dois anos, o bar passa pela segunda reforma, pois o espaço ficou pequeno demais para atender seus clientes. Segundo Ghiraldello, tudo começou com uma brincadeira na garagem, quando montou o bar. "Foi ficando legal e os clientes começaram a cobrar mais espaço. Agora a idéia é ampliar o local com as mesmas características inicias", diz. Uma das preocupações de Henrique foi planejar o JULHO/2006 PRIMEIRA IMPRESSÃO
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ECONOMIA
Pontos de encontro
e eu acabei resgatando a sua faatendimento com uma visão mília", conta. de consumidor e, para isso, Atento ao perfil de seus clientomou alguns cuidados com a tes, o comerciante procura higiene do estabelecimento, estar sempre bem informado socomo manter o banheiro bre futebol, afinal seus clientes sempre limpo, o ambiente Biroska Bar possuem como característica ir sempre organizado e o mais ao bar e conversar sobre tudo, interessante: uma parede de Rua: Araújo Viana, 146 - Morada do Vale I - Gravataí em especial, sobre as negociavidro que dá direto para a Fone: (51)3490.6754 ções dos clubes. cozinha foi construída para Horário de Funcionamento: 11h30min às 22h30min O movimento no bar é consque o cliente pudesse ver o Snoopy Bar tante durante todo o ano, mas o lanche sendo preparado. faturamento dobra, ou às vezes "A parte nova segue com Av. Protásio Alves, 1811 - Porto Alegre triplica em dia de jogo. Em algum o mesmo estilo de decoração, Fone: (51) 3330.2922 jogo importante como o da Selea idéia é conseguir mais mateHorário de Funcionamento: 16h, sem fechamento ção, também existe um outro rial com foco na Seleção Bradefinido fator que influência bastante sileira", afirma Ghiraldello. Mr. Magoo às pessoas ir ver às partidas no Para compor o ambiente de estabelecimento, o pensamento futebol o espaço possui dois Rua: Theodomiro Porto da Fonseca, 1875 - São Leopoldo comum entre os presentes, o seu pôsteres, um do Ronaldo "feFone: (51) 3592.4412 time ou a sua Seleção. nômeno" e outro do Roberto Horário de Funcionamento: 11h às 23h Carlos, que ocupam toda a parede. As mesas possuem FANÁTICO POR bandeiras do Brasil. NEGÓCIOS E O GRÊMIO Na entrada do Bar Biroska está exposta, em um manequim, a camiseta verde usada pelo goleiro Waldir PeRicardo Luiz Correa Pieretti, proprietário do Snoopy Bar e res, na Copa de 1982. Ao lado, um quadro, já judiado pe- comerciante, apaixonado por futebol e torcedor fanático do lo tempo, o qual registra a evolução do futebol nas suas Grêmio, possui o empreendimento desde 1983. diversas etapas, mostrando como era a primeira camiseta Conhecido de repórteres esportivos, Pieretti sempre soube e como está hoje, a primeira chuteira e os diversos mo- para quem torcer e em seu estabelecimento prestou uma singela delos de bolas. homenagem ao seu time do coração, colocando uma bandeira e Ghiraldello mostra com orgulho as réplicas de bolas um brasão do clube. expostas em um suporte que conserva com carinho. Há Pieretti na última decisão da Copa, abriu uma exceção abrinbolas que foram usadas em copas do mundo, campeona- do o bar na parte da manhã - horário que costuma estar fechatos Sul-Brasileiros, Brasileirão e Gauchão, além de uma do - para que seus clientes não ficassem prejudicados. "Os clienusada nos anos 30. Uma relíquia. Um dos pôsteres em tes mais assíduos sabem que compro os jogos da tv por asque David Beckham está com uma bola no pé, sua répli- sianatura, alguns ligam para ter certeza", afirma. ca encontra-se entre a coleção de Ghiraldello. Na decisão do Campeonato Brasileiro da Série B, na qual o Por ironia do destino, Ghiraldello não gostava de Grêmio foi campeão, Pieretti, amigos e vizinhos fecharam a futebol. Seus 15 anos de vendedor em uma loja de quadra para comemorar o título. A festa teve direito a caminhão artigos esportivos, despertou o faro para os negócios e execução do hino do clube. e um certo interesse pelo esporte. Nesse período O primo de Pieretti carrega uma homenagem que o pai fez conheceu representantes de marcas consagradas que hoje a ele: ganhou como complemento do nome a palavra "hexa", são seus parceiros. pois o primo nasceu no dia em que o time do coração do pai "Eu era empregado, mas tinha aquele feeling de foi hexacampeão. empresário, aí pensei: `o futebol tem um gancho bom para neO fascínio pelo time fez com que o proprietário criasse uma gócios, então o que fazer? vou tentar associar algo com o fute- situação para que quatro clientes que haviam entrado no estabol, que perdure por todo o ano`." belecimento não ficassem, pois estavam vestindo a camisa do A idéia de associar futebol e empreendimento deu tão certo adversário. "Neste último Gre-Nal, entraram quatro torcedores que Henrique ficou surpreso com o retorno dos clientes. do time adversário, eu não fiz questão de atender. Havia uma "Quando idealizei este bar, pensei no fanático por futebol e no mesa reservada para uns amigos, ai eles foram pegar a mesa rebebedor de cerveja, mas o perfil do meu cliente está mudando: servada, disse que já estava reservada e que cada um que tem mulher de torcedor que gosta de futebol, mas não tem am- sentasse teria que consumir R$ 10,00 cada um. Fiz de propósito biente para ir, então sabe que aqui dá para vir, já trazem os fi- para eles não ficarem", afirma Luiz. lhos sem problema de violência. O meu público era o torcedor Localizado na Protásio Alves, uma das avenidas mais mo24
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vimentadas de Porto Alegre, o bar possui freqüentadores do núcleo futebolístico como o árbitro Carlos Simon e Paulo Sant'anna. Futebol é uma grande fonte de fazer dinheiro no mundo inteiro e não poderia ser diferente para Ricardo, um exemplo são as partidas realizadas nos sábados à tarde, onde o movimento é nulo, o aumento no rendimento chega a cem por cento com as partidas, principalmente com os jogos da dupla Gre-Nal. "As pessoas querem se reunir em dia de jogo, querem dividir as emoções de ver seu time entrando em campo", é o que diz Cristian Haubert de Oliveira, 31, dono do Bar Mr. Magoo, em São Leopoldo. No negócio desde 2001, Cristian afirma que desde o primeiro momento em que pensou em abrir o bar, a idéia de fazer transmissões de jogos esteve sempre presente. Por ele gostar tanto de futebol, resolveu unir o útil ao agradável. Cristian transmite todos os jogos do Inter e do Grêmio, seja Gauchão, Campeonato Brasileiro, Libertadores ou amistoso. Ele distribuiu três televisores de 29 polegadas na área do bar. Duas comportam a parte interna do ambiente e uma a área externa. Cristian paga uma mensalidade de R$ 500,00 que lhe dá direito à transmissão de 40 jogos pelo sistema pay-per-view (canal fechado). "Já que estava assumindo a característica de um bar futebo-
lístico e a maioria do pessoal conheceu o bar através desta proposta, decidi investir pesado, em algo profissional mesmo". Em dia de jogo, o que é mais consumido no bar, primeiramente, é a cerveja, seguida de petiscos. Cristian afirma que praticamente sete engradados de cerveja são esvaziados entre cem pessoas, no mínimo. A maior parte dos freqüentadores do Mr. Magoo são homens e amigos de Cristian - "Vem gente de Sapucaia e até de Novo Hamburgo. Aqui em casa, como Cristian refere-se ao bar, apesar de eu ser colorado fanático, entra qualquer torcida. Ah, mas é claro que se Inter e Grêmio jogarem no mesmo dia e na mesma hora, a preferência é do Inter'', completou o dono do bar. Cristian faz parte da torcida organizada Camisa 12 e, antigamente, organizava ônibus para os jogos do Inter, mas hoje aboliu essa idéia, pois acredita que a violência entre torcidas aumentou muito, o que impede que esse deslocamento seja feito com tranqüilidade. Para a Copa do Mundo, a estrutura do bar permanece a mesma, os jogos da Seleção Brasileira são todos transmitidos no mesmo formato que o da dupla Gre-Nal. Cristian verifica uma única mudança, a de público - "Os meus amigos que freqüentam o bar, trazem os filhos e as esposas para acompanharem os jogos da seleção, afinal, Copa do Mundo é sempre um momento mais família".
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NEGÓCIOS
Paixão
consumista
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Nas ruas, o cenário verde e amae quatro em quaOPA DO UNDO ANIMA relo enfeita as vitrines, e a população tro anos uma onem clima de futebol. A eufoda verde amarela TORCEDORES E O COMÉRCIO respira ria contagia até mesmo aqueles que invade o cotidiase interessam pelo esporte. E no brasileiro. Isso acontece pela FATURA COM A EUFORIA DA não não poderia ser diferente. Em época paixão e idolatria que o de Copa do Mundo, os brasileiros povo tem pelo esporte mais MAIOR TORCIDA tornam-se um só. Esquecem raça, popular do mundo, e que, no Brasil, chegou pelos pés de um CAMPEONATO DO PLANETA cor, idade, classe social e se entregam por inteiro ao patriotismo. O objetiinglês e se consolidou com a vo é torcer pela Seleção. Mas quem magia dos dribles de Pelé, GarESQUENTA AS VENDAS dá pulos de alegria são os comerrincha, Ronaldinho Gaúcho. ciantes. Eles comemoram não só a Em ano de Copa do Mundo, todos os olhos estão vira- Texto de MARCELO BERGTER e PATRICIA FACHIN vitória nos gramados, mas uma goleada de lucros com o maior camdos para o Brasil. Em 2006, Foto de RAFAEL RECH peonato esportivo do planeta. De não seria diferente, até poracordo com pesquisas realizadas pela que o país geralmente é considerado favorito ao título. Em virtude disso, o comércio Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL), o aproveita para faturar. O futebol, por si só, já movimenta setor que mais fatura durante a Copa é o de eletroeletrôni200 bilhões de dólares por ano e cresce de 10 a 15% no cos. O produto mais procurado é o aparelho de tevê de plasma. Um sonho de consumo para muitos brasileiros, principeríodo do maior campeonato do planeta.
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palmente para os que optaram por acompanhar todos os lances pela telinha. Segundo o presidente da CDL, Vilson Noer, há indústrias na região metropolitana que projetaram um crescimento nas vendas entre 8 e 9% durante o campeonato. "A Copa do Mundo é um evento completamente atípico, diferenciado, porque tem toda uma geração de mídia e quase não precisa anunciar. É preciso só ter o produto e equipes de venda preparadas", afirma Noer. Para a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), a Copa do Mundo é um momento importante para o desempenho do setor eletroeletrônico. De acordo com a Eletros, os fabricantes de televisores incrementam as vendas por conta do campeonato. Para as empresas que previram se favorecer com o evento, a estimativa era de um aumento de até 10% nas vendas. "A Copa do Mundo é mais um estímulo para os consumidores das classes B e C comprarem os televisores de tela plana convencional, ao mesmo tempo em que as vendas de televisores de plasma e cristal líquido (LCD) tendem a aumentar junto ao segmento de maior poder aquisitivo", afirma Paulo Saab, presidente da Eletros. Ele lembra ainda que, em anos de Copa do Mundo, as vendas aumentam entre os meses de março a junho. Enquanto nos outros anos, o volume de vendas se concentra no quarto e quinto bimestre. "A Copa antecipa a demanda, que geralmente só ganharia impulso maior a partir de setembro", observa. Outro setor do comércio varejista que fatura bastante é o de confecções e lojas de produtos esportivos. Roupas nas cores da bandeira e com o logotipo da seleção estão em alta. Existe também um grande movimento em torno de produtos que são artigos de presentes e lembranças. Além de ter o povo mais apaixonado pelo futebol, o Brasil está classificado entre os dez países mais consumistas do mundo. Uma pesquisa realizada pelo ONU revela que os jovens brasileiros são os mais gastadores do planeta. Sete a cada dez jovens fazem compras regularmente. E é nessa geração que o comércio está de olho. Para abastecer essa população eufórica, seis meses antes do grande mundial, comerciantes enfeitaram as prateleiras nas cores verde e amarelo.
VENDA PARALELA Concorrente das lojas, os camelôs usam e abusam para chamar a atenção de quem passa. Barraquinhas montadas na rua Voluntários da Pátria, e na Rua dos Andradas, no Centro de Porto Alegre, formam um aglomerado nas cores da bandeira. Para Daniel*, vendedor ambulante há 18 anos, as vendas durante a Copa do Mundo se igualam a datas comemorativas como o Natal. Segundo ele, nesse período, as vendas aumentam em 200%. "Na época da copa, é preciso estar preparado. A gente ganha dinheiro que nem água." Solange*, camelô, também aproveita o ano da Copa para
aumentar seu orçamento. Para ela, o período da Copa sempre gera expectativas e esperança de um faturamento maior. Ela tem, há 20 anos, uma banquinha na rua José Montaury, esquina com a avenida Borges de Medeiros, e se dedica a vender pulseiras, brincos e acessórios para cabelo. "Eu só trabalho com as coisas que estão na moda. E, durante o torneio, a moda é Copa". A ambulante diz que as pessoas foram procurando os produtos aos poucos, e as vendas estavam diretamente relacionadas com o desempenho da Seleção. "Quando o Brasil ganhava, todo mundo queria comprar alguma coisa verde e amarela", afirma.
MERCADO PUBLICITÁRIO Alguns meses antes da Copa do Mundo, já era possível perceber a movimentação publicitária na tevê e nas lojas. As agências planejaram o ano esperando esse acontecimento que gera belas e criativas peças de publicidade, bem como, um aumento de faturamento para quem trabalha com comerciais. Segundo Cado Bottega, diretor de criação da Escala Comunicação e Marketing, a Copa faz com que os dividendos da empresa tenham um incremento de 5 a 10%. "Em ano de Copa do Mundo e eleições, estes investimentos concorrem com outras datas muito fortes: Dia das Mães e dos Namorados. É uma verba interessante a partir de R$ 500 mil". Bottega coloca que tevê e jornal são as principais mídias utilizadas pelos anunciantes nesse período. Além disso, ele garante que é um tema muito bom para campanhas. "Sem dúvida serve de inspiração até para campanhas internas", comenta. Conforme o diretor de criação da Agência Fire Multicom, Fernando Rosa, o período do torneio gera um maior fluxo de trabalho e ao mesmo tempo um desafio, porque, como a data já foi muito explorada, é necessário propor novas idéias e abordagens para que as propostas sejam bem-sucedidas e encontrem o seu espaço.
PAIXÃO GAÚCHA Os gramados têm sido um campo promissor para faturar com produtos personalizados de clubes de futebol. O licenciamento da marca se transformou em um dos principais ativos dos times, embora os clubes só tenham passado a ter uma visão mais profissional nos últimos 10 anos, quando começaram a comercializar o direito de uso da sua marca com várias empresas. Hoje, a proporção de produtos cresceu muito, chegando a ultrapassar 250 itens. Entre outras coisas, as lojas vendem além do tradicional uniforme do time, canecas, cuias, térmicas, lingeries. "Qualquer produto que tiver a logomarca do Grêmio vende. Tudo é comercializado", afirma João Brasilio Campus de Oliveira, gerente da loja Grêmio Mania no Olímpico há oito anos. Ele destaca que a ida do clube para segunda divisão teve um resultado inesperado nas vendas. "A queda do
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NEGÓCIOS
time pra Segundona acabou sendo benéfica em vários aspectos. As vendas do ano passado para este dobraram por causa desse fenômeno que foi a volta do Grêmio", exalta. Oliveira indica que o lançamento da camisa preta foi uma exigência do torcedor. "A camisa tricolor sempre bateu todos os recordes de vendas, mas, dessa vez, a preta está superando. Isso é um fato inédito." De acordo com Brasilio,
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em 2005, apenas a loja Grêmio Mania do Olímpico faturou pouco mais de 3 milhões de reais. Diferente do comércio em geral, as vendas de produtos dos clubes de futebol não dependem apenas de épocas como Natal ou Dia dos Namorados, mas dos resultados da equipe dentro de campo. Conforme Celso Oliveira do Erre, Gerente da Loja Inter Sport do Beira Rio há quatro
anos, a loja de clube de futebol tem a peculiaridade de estar presa ao desempenho do time. "A possibilidade de vencer o campeonato está acima de qualquer data comemorativa." Ele relata que, de 2004 para 2005, as vendas foram maiores, porque a performance do time foi melhor e constante. No primeiro trimestre de 2006, o faturamento na loja aumentou 70% em comparação com o mesmo pe-
ríodo do ano passado. Segundo Celso do Erre, a rivalidade é outro fator muito importante. Disputar uma final de campeonato com o rival, gera um crescimento significativo nas vendas. "O Gre-Nal muda tudo", afirma. (*) Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados
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MODA
Dos campos
para as vitrines O
CULTO À MODA ESPORTIVA
GANHA AS PASSARELAS E ACABA DOMINANDO NÃO SÓ OS ESTÁDIOS, MAS AS RUAS, FESTAS, EVENTOS... Texto de RONAN DANNENBERG e VANIRA HECK Fotos de RAFAEL RECH
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se julgar os fardamentos usados pelos jogadores há décadas anteriores, talvez pouco se imaginaria que hoje a moda esportiva estaria tão em voga. Camisetas apertadas, confeccionadas de tecidos que ofereciam de tudo, menos beleza e confortabilidade. Entretanto, a evolução é um item que não ficaria de fora do processo sócio-cultural que o futebol oferece nos quatro cantos do planeta. Uniformes belos, confortáveis, com tecidos feitos com a mais alta tecnologia, aliados às marcas que despontam no mercado e a identificação de muitas pessoas com o esporte mais cultuado no mundo fizeram das camisetas de clubes e seleções artigos que mesclam uma série de adjetivos, desde a paixão pelo esporte até o simples gosto pela estética das vestimentas. Seja a camisa 10 do Ronaldinho ou o uniforme pirata comprado no camelô da esquina, camiseta de futebol é um dos tantos objetos que estão nas diversas camadas da sociedade. Calça jeans e camisa do Barcelona. Esse foi o look do técnico de segurança do trabalho José Carlos Selbach Júnior na última balada que freqüentou. Algo diferente? Inovador? Simplesmente, segundo ele, fez sucesso entre os amigos. "Difícil alguém não curtir a camisa do Barcelona, é super bonita, moderna, almejada por muitos", conta ele. Já faz algum tempo que Júnior costuma desfilar pelos mais diversos lugares com suas camisas de times de futebol.
Um apaixonado pelo esporte, se diz orgulhoso ao poder sair pelas ruas com a camisa do seu clube do coração, Grêmio, a qual costuma usar mais com freqüência. O culto à moda esportiva, principalmente ligada ao futebol, é de agora. De acordo com a estilista Fernanda Isse, o chamado "sports wear" começou no início deste milênio. Devido ao grande sucesso da Nike, outras marcas iniciaram um processo que, de certa forma, pode ser encarado como protesto diante da hegemonia da Nike. Adidas e Puma, por exemplo, criaram novos conceitos de beleza e, atualmente, dominam grande parte do mercado. A estilista explica que o culto ao corpo também influenciou no uso massivo de roupas de características esportivas. "Deixaram de ser Helena, a bela, para ser Olímpia, a frígida", cita ela, referindo-se a mitologia grega. Assim, a freqüência em academias e demais atividades físicas fez com que as pessoas mesclassem a roupa para fazer ginástica com a que usam para o trabalho, devido principalmente ao corre-corre rotineiro. "A indústria percebeu isso e iniciou um processo de confecção de roupas que atendesse a essa demanda", diz Fernanda. Com isso, atletas de todo o mundo já não eram vistos tão somente como ídolos dos gramados. O processo industrial e capitalista tornou os jogadores produtos da indústria futebol. "O que os jogadores usavam virou produto. É uma transferência do que era esporte para realidade", explica a estilista.
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MODA
Com isso, as camisetas deixaram de ser meros uniformes para constituir em produtos extremamente estilizados. Foram confeccionados fardamentos que não tivessem uso no futebol profissional. A moda também tomou as ruas, com o desenvolvimento de camisetas que fossem usadas tanto na prática do esporte como no dia-a-dia. O custo de tamanha dedicação, porém, custou caro ao bolso dos consumidores. Ter a camiseta oficial de um Ronaldinho ou um David Beckham exige que o pagamento de preços que circulam entre R$ 200,00 e R$ 400,00. "Ter uma camiseta dessas virou sinônimo de status", afirma Fernanda. Com isso, o surgimentos de produtos do tipo "B" se intensificou. Tantos as malhas confeccionadas paralelamente com preços mais em conta, como as camisetas piratas encontradas principalmente em camelôs. Acabaram visadas em igual ou maior proporção. "Averiguando as condições sociais, aquele que compra a camiseta de R$ 200,00 e o outro que compra a de R$ 20,00 tem o mesmo sentimento", frisa a estilista. Nesse pretexto, o professor de Antropologia da Unisinos, Édison Luís Gastaldo, contesta que o uso massivo de camisetas de futebol esteja enquadrado na moda. Gastaldo realizou diversos trabalhos e pesquisas relacionados ao esporte inglês. Para ele, a relação que estabelece é oriunda de um processo econômico. "Um compassamento entre cultura e mercado. A cultura, no caso o futebol, assume forma de mercadoria", pondera. Em uma de suas experiências, Gastaldo relata que um repórter inglês o perguntou se o valor investido em David Beckham, então jogador do Manchester United, valia a expressiva centena milionária de dólares investidos em seu passe. "Respondi que sim", relata ele. "A expressão do repórter foi de espanto. 'Como assim, vale?', ele perguntou. Justifiquei que, se ele não merecesse, não pagavam. Ele geraria lucros ao time", conta. Com isso, Gastaldo vê a relação entre futebol e publicidade. Como Fernanda, ele pensa que os jogadores viram produtos. Contudo, inserir esse contexto na moda é encarado como uma relação a par. "Não se vê camisetas do Corinthians no Fashion Week", exemplifica. Para o professor, os atletas começam a representar valores, onde cada um deles conquista um diferente tipo de pessoa. "Difícil saber o porquê de uma pessoa querer comprar a camiseta do Zidane. Por ele cabecear bem, por saber cobrar faltas ou por ser, simplesmente, um craque. Isso é
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variável. A questão está ligada, sim, à identidade que se cria e ao consumo", aponta. Nisso, o comércio tem posição importante. Segundo o responsável pelas compras da loja Paquetá, Gilberto Mario Cardoso, uma boa parte dessa mania de desfilar com as camisetas dos clubes, começou com a velha rivalidade - "a famosa gangorra". O único motivo de felicidade do torcedor de um clube era a desgraça do outro, onde as pessoas tinham camisas de vários outros clubes. Outro ponto que o comprador destaca é fato de o Brasil ser um celeiro de craques. "Exportamos jogadores para diversos países o que faz com que torçamos ou simpatizamos por vários times", justifica. A porcentagem da venda das camisetas na rede Paquetá chega a representar 12% no faturamento. Os fornecedores de material esportivo estão em constantes pesquisas de novos materiais e design diferenciado, buscando cada vez mais desenvolver produtos que proporcionem um maior conforto e melhor desempenho dentro dos gramados. Isso se firma outro fator julgado extremamente importante para o consumo destes materiais. Cardoso ressalta que, além disso, os novos cortes e desenhos das camisas possibilitam uma maior diversidade de uso fora dos gramados. "Hoje já possuímos produtos direcionados para o público masculino, feminino e infantil, levando em consideração as diferenças físicas", explica. Segundo Cardoso, Grêmio, Inter, Barcelona, Milan e Real Madrid dominam as vendas no Rio Grande do Sul. O Barcelona desponta como o fardamento internacional mais vendido, graças ao melhor jogador do mundo, Ronaldinho Gaúcho, meio-campista da equipe catalã. Falando-se em clubes nacionais, a camisa do Grêmio foi a mais vendida no último semestre. "É importante ressaltar que o resultado dentro das quatro linhas influenciam diretamente os volumes de vendas. As conquistas mais recentes direcionam o consumo", justifica Cardoso. Levando em consideração que esse tipo de produto tem um preço alto e a renda do brasileiro não é das mais altas, há uma procura por camisetas alternativas. Porém a camisa de jogo oferece "status" perante o meio, ainda é a mais desejada. "Muitos querem mesmo é ter a camisa de jogo, a oficial, evitando produtos piratas, pois sabem que nestes casos, seu clube do coração não recebe nem um centavo", diz Cardoso.
MULHERES
Maria-chuteira, não!
Geraldina
GREMISTAS
E COLORADAS TROCAM OS PASSEIOS NO SHOPPING, AS
BALADAS E ATÉ SEUS NAMORADOS PELO AGITO E EMPURRA-EMPURRA DAS ARQUIBANCADAS Texto de GREICIANE GARBIN VIDALETTI e GUSTAVO NUNES BRAATZ Fotos de RITA CORONEL
MULHERES
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o início da tarde de sábado as meninas se arrumam. Prendem o cabelo, ajeitam a gola da camiseta, beijam a mãe e saem ao encontro das amigas. Engana-se quem acha que o grupo de quase 20 mulheres de classe média alta de Porto Alegre está a caminho de um dos shoppings da cidade. Elas vão ao estádio de futebol. Reunidas em frente ao Estádio Olímpico, uniformizadas com a camiseta do time, ensaiam os hinos da torcida organizada, conversam e debatem sobre futebol sem se importar com o grande número de torcedores à sua volta. "Somos as Geraldinas, um grupo de amigas que assistem a todos os jogos do Grêmio das Arquibancadas Inferiores do estádio,
conhecida como Geral, junto com a Alma Castelhana (torcida do Grêmio famosa por comemorar os gols ao estilo dos torcedores argentinos - descendo pelas arquibancadas, como se fosse uma avalanche). Andamos juntas, torcemos juntas e nos defendemos juntas", orgulha-se uma das integrantes mais antigas do grupo, Marcelle Engler Bridi, de 21 anos. Cada vez maior, a presença feminina nos estádios surpreende parentes, amigos e namorados das torcedoras, que não se intimidam nem balbuciam quando questionadas sobre o fanatismo e o amor ao clube. Delicadas, porém decididas, elas afirmam que a época em que futebol era só para homens já terminou há tempos. "Basta ir aos jogos para ver que a presença feminina é constante. Meu marido é colorado, por isto procuramos não conversar sobre nossos times para não resultar em brigas. Ele diz não entender o fato de eu freqüentar a Geral do Grêmio, mas procura respeitar as minhas vontades. No final, eu acredito que os opostos se atraem", afirma Diloá Dias Jardim, 30 anos, gremista desde criança e freqüentadora das arquibancadas há onze anos. Como em todo bom clássico de futebol, as torcedoras do Internacional, time rival do Grêmio, também não ficam para trás. Para Camila Ziliotto da Silva, de 16 anos, assistir aos jogos das Cadeiras Numeradas não tem a mínima graça. "A gente
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mãe, Ana Cirlei Santos da Silva, para acompanhá-la nas arquibancadas. "Vou com elas aos jogos não só porque também sou torcedora fanática do Inter, mas muito mais por medo de que algo aconteça. Por mais que o pessoal respeite as meninas lá no estádio, a gente sempre fica com receio de que ocorra alguma briga e elas possam se machucar. Me sinto mais segura e tranqüila indo aos jogos com elas. E me divirto também, é claro!", afirma Ana Cirlei com bom humor. Para a psicóloga Giulia Danieli Barbieri, esta participação dos familiares é fundamental. "É importante que os pais não discriminem o gosto da filha pelo futebol. Muitas vezes o esporte ajuda as jovens a
quer cantar, puxar os gritos de guerra e todo mundo fica em volta olhando para você como se aquilo fosse a coisa mais estranha do mundo. Olhar o jogo da Geral é bem mais emocionante", afirma. É com este e tantos outros argumentos que a colorada convence quem ainda teima em dizer que um estádio de futebol não é lugar para mulher. Apesar de terem plenas condições financeiras para freqüentar as cadeiras, local mais caro, porém mais calmo do estádio, Camila e sua amiga, Carolina de Castro Saraiva, de 18 anos, preferem o concreto duro e frio das arquibancadas. Em troca, ganham o direito de extravasarem os gritos, as músicas e toda a vibração pelo amor à camiseta. "O seu time do coração é como a sua melhor amiga. Você tem de estar junto a ela em todas as horas, em qualquer lugar", resume Carolina. A paixão das amigas pelo Inter é tamanha que mesmo sem integrarem nenhuma torcida organizada, elas têm presença garantida junto aos integrantes da Camisa 12, de onde assistem aos jogos no Beira-Rio. Nem mesmo quando o pai de Camila vai ao estádio, ela e a amiga Carolina deixam de assistir as partidas na Geral. "Ele sobe para as cadeiras e nós vamos para a Geral. Só nos encontramos novamente quando o jogo termina, na saída do estádio", conta Camila. Nos dias de jogos com uma grande presença de público, Camila ainda consegue arrastar a
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MULHERES sentirem-se aceitas no grupo, ou então a buscar a emoção e a diversão que elas não encontram em um simples passeio no shopping com as amigas, por exemplo. Além disso, pais que conversam sobre futebol com suas filhas conseguem uma maior aproximação por demonstrarem ter gostos em comum", explica a psicóloga.
ASSÉDIO? VIOLÊNCIA? SAI PRA LÁ! Quem costuma freqüentar os estádios de futebol no sul do país sabe que muitas vezes a grande massa masculina exalta-se com a presença feminina nas arquibancadas como se fosse a comemoração de um gol. Durante os jogos, meninas e mulheres são constantes alvos de adjetivos impublicáveis. As Geraldinas, porém, não se intimidam com o assédio masculino, que, na maioria das vezes, fica apenas em palavras. "Muitas gurias vão ao estádio com roupas desapropriadas e então os homens incomodam mesmo. Mas este não é o nosso caso. Ganhamos nosso espaço e nosso respeito na torcida, pois todos sabem o motivo de estarmos ali, que é torcer para o Grêmio da melhor forma que existe: cantando o jogo inteiro ao lado das amigas", afirma Marcelle. A opinião parece ser consenso no lado rival. "Não me lembro de nenhum garoto que chegasse agarrando ou nos desrespeitando. Acho que eles já se acostumaram com a gente", comenta a colorada Carolina. Acostumadas com um dos principais problemas que ocorrem nos estádios de futebol, as meninas soltam o verbo e não se constrangem ao falar sobre brigas e discriminações raciais. "As pessoas têm que ter a consciência de que vamos ao estádio para torcer, não para brigar. A mesma coisa acontece com o ra-
cismo, porque vivemos em uma sociedade democrática e com uma variedade racial imensa. Precisamos lembrar que ninguém é melhor do que ninguém", afirma a gremista Daiana de Castro Borges, de 20 anos. Quando o assunto é invasão de campo, porém, as idéias se dividem, e o fanatismo aflora nas torcedoras. "Sobre este assunto somos suspeitas para falar. No final do jogo em que o Grêmio ganhou o título da segunda divisão do Campeonato Brasileiro, no ano passado, eu e algumas das Geraldinas pulamos o fosso e entramos no campo para comemorar. Foi uma emoção inigualável", diverte-se Katherine Engler Bridi, 20 anos, que freqüenta o estádio Olímpico desde os 8 anos de idade. O fanatismo também aparece nas superstições. Para evitar uma derrota do time do coração, vale tudo. "Se o Grêmio perde, eu não assisto outros jogos com o mesmo brinco ou a mesma camiseta que eu estava vestindo naquele dia. Sei que é ridículo, mas acho que dá azar", confessa Marcelle. Já as amigas Lizandra Farias, 19 anos, e Camila Homem, 27, apelam para as santidades em busca de sorte. "Sempre rezo antes dos jogos e converso com meu falecido pai, que me ensinou a ser gremista", diz Camila. "E eu sempre faço o sinal da Cruz antes da partida começar. Não para o Grêmio ganhar, mas para Deus iluminar os nossos jogadores e protegê-los", completa Lizandra. Bonitas e vaidosas, as mulheres realmente ignoram o assédio masculino e não deixam de ir ao estádio bem arrumadas. Camiseta do time, óculos escuros, brincos, batom e calça jeans. Essa é a moda para os estádios, comentam as torcedoras dos dois times, com bom humor. "Faltam apenas alguns espelhos nos banheiros femininos dos estádios para nós retocarmos o batom e ajeitarmos o cabelo", finaliza Carolina.
IDENTIDADE
Gosto não se discute Texto de ALINE MALASZKIEWICZ e CAMILA AROCHA Foto de RITA CORONEL
E M ÉPOCA M UNDO, OS
DE
C OPA
DO
LARES BRASILEIROS
ESTÃO CHEIOS DE TORCEDORES FANÁTICOS PELA SELEÇÃO.
N EM TODOS. CONHEÇA PESSOAS QUE, MOVIDAS POR DIFERENTES RAZÕES, NÃO TORCERAM PARA O B RASIL NESTA COPA
O
s brasileiros Sidnei Ordakowski, Liege Selestrini Medeiros e Enrico Rosito têm algo em comum: nenhum deles torce para o Brasil, nem na Copa do Mundo, nem nunca. Estranho para alguns, muito normal para os três. Cada um tem os seus motivos para torcer para outro país. A mãe do aposentado Sidnei Ordakowski nasceu na Polônia e imigrou para o Brasil com cinco anos. Deixou como herança o amor e o respeito por tudo o que vem daquele país do Leste Europeu. Mais fanático por estatísticas do que por futebol, Sidnei gosta de lembrar das façanhas da Polônia em Copas do Mundo: "A seleção polonesa se classificou para a Copa do Mundo várias vezes, mas não tantas quanto o Brasil. Em 1938, deu Brasil e Polônia em um jogo da Copa. O Brasil ganhou com um escore de 6 a 5. Depois
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IDENTIDADE eles voltaram a jogar em 1974, quando a Polônia ficou em terceiro lugar e o Brasil em quarto." Sidnei lembra também que, naquele mesmo ano, os alemães deram um jeitinho de ganhar dos poloneses, seus inimigos de questões muito anteriores ao futebol. A Polônia foi invadida pelos alemães em 9 de setembro de 1939, dando início a mais cruel das guerras realizadas até hoje: a Segunda Guerra Mundial. Muitos poloneses morreram durante a ocupação nazista, que durou até meados de 1945. Até hoje, alguns guardam mágoa e rancor dos vizinhos alemães, e este sentimento, que foi passado para os descendentes, se transfere também quando o assunto é futebol. "A Polônia tinha perdido nas semi-finais para a Alemanha, por isso mesmo eu vou torcer para a Seleção Polonesa, para reparar um erro histórico. Tem até uma história que diz que os alemães arrumaram o campo para ganhar o jogo. Dizem que encheram com baldes de água a metade do campo em que os poloneses iam ficar no primeiro tempo pra dificultar." Sidnei continua, lembrando que certa vez quase arrumou confusão por não torcer para o Brasil. "Foi na Copa da Argentina. Aconteceu que os poloneses fizeram o primeiro gol e todos ficaram em silêncio, só eu estava alegre. Aí eu percebi que meus colegas estavam numa angústia, numa ânsia, quando a Seleção Brasileira empatou. Daí foi uma gritaria. No fim, o Brasil acabou ganhando, e a Polônia foi eliminada", lamenta. Se Sidnei optou pela Polônia por uma questão de descendência, para Liege Selestrine Medeiros o motivo de optar por outro time foi bem diferente. Torcedora fanática do Internacional, a bancária Liege foi descobrindo aos poucos o amor pelo futebol de outro país. Primeiro, a desilusão com o jogador que mais gostava. "Quando o Falcão saiu do Internacional, entendi que ele não tinha amor nenhum pelo time, que era apenas um negócio. Eu achava que os jogadores amavam o time que defendiam, mas vi que jogavam só por dinheiro mesmo." Daí veio a crise econômica, com o Plano Collor, uma tentativa de estabilização das economias do país e de derrubar a inflação, que acabou bloqueando a maior parte do dinheiro dos brasileiros que estavam em poupança, levando muita gente até mesmo à falência e provocando a estagnação do país. Esse foi o segundo e mais importante motivo que fez Liege a, praticamente, desistir do Brasil. A revolta e o sentimento de abandono em viver num país em crise levaram Liege a fazer um tratamento psiquiátrico por seis meses para entender o que estava acontecendo. "Revolta, esta é a palavra. Tive que me tratar, não acreditava o que estava acontecendo na minha vida. Todo o meu dinheiro estava na poupança, eu quase enlouqueci. Sempre soube da minha origem, mas só parei para refletir sobre isso quando comecei a me tratar. Parece que uma série de sentimentos novos em relação a Alemanha tomaram conta de mim." Tudo o que Liege sabia sobre aquele país tão distante eram as histórias contadas pelo seu avô, que, no momento que se instalou no Brasil fugindo da Segunda Guerra Mun-
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dial, trocou o sobrenome da família de Exschell para Selestrine. E o amor de Liege foi crescendo tanto que a filha Giovana, 9 anos, levanta e põe a mão no peito quando ouve o hino da Alemanha. O sonho da menina é ir conhecer o país. "Eu passei a andar com a bandeira da Alemanha no carro e dizer que esta é a bandeira que os meus filhos vão aprender a amar e respeitar", conta. Ela e a filha assistem a todos os jogos da Alemanha, principalmente na Copa do Mundo. "Eu torço pela Alemanha de coração. Não é um amor que veio dos meus pais, surgiu com a revolta e com a vergonha que passei a sentir do Brasil." Apesar de achar que o país anfitrião não vai ganhar, afirma que consegue ter a sua paixão respeitada pelo marido, que torce pelo Brasil. "Consegui convencê-lo dizendo: tenho descendência alemã e amo a Alemanha como país, como cultura, e tenho orgulho disso." Bem diferente de Sidnei e Liege, Enrico escolheu seu time por identificação. Filho de italianos, gremista e fanático pela Argentina. Esta é a melhor definição do contador Enrico Rosito. Tímido, logo entrega sua verdadeira paixão: "Eu acho bonito o futebol da Itália, assisto ao campeonato Italiano todos os domingos com meu pai, mas torço de verdade é para a Argentina." Seus olhos brilham quando relata como os torcedores argentinos comemoram os gols. "Sou louco pelo futebol e pela torcida Argentina, e o Grêmio tem uma torcida com alma castelhana. Por muitos anos, Enrico acompanhou o pai na sociedade Italiana para assistir às finais das copas do mundo. "Os Italianos gritam, berram, bebem vinho e comem muita pizza assistindo futebol. Lembro da Copa de 1982, quando a Itália ganhou do Brasil. Tinha uns caras revoltados, querendo invadir a sociedade por saber que lá tinha gente torcendo pela Itália". Então, por que a Argentina? "Pela garra, eles têm uma força única em campo. Já passei por duas copas do mundo no mesmo trabalho e tive que agüentar muitos colegas de cara feia com a minha torcida pela Argentina." Mas o que leva estes brasileiros a torcerem por um país que não é o seu de origem? Para a psicóloga Sandra Torossian, professora do curso de Psicologia da Unisinos, podem existir duas possibilidades. "No Brasil, não há um sentimento de identidade única, provavelmente em função de motivos históricos. A isso soma-se a imigração de pessoas de outros países que constituíram colônias nas quais mantêm-se os costumes e a língua de origem. Cria-se, assim, um sentimento de pertencimento aos país dos ancestrais. Somado a isso, existe uma imagem, enfatizada muitas vezes pela imprensa, de que o Brasil não vale nada, e que nada no país é sério. Então, por que torcer por este país?" Dida, Cafu, Juan, Lúcio e Roberto Carlos; Émerson, Zé Roberto, Kaká e Ronaldinho Gaúcho; Ronaldo e Adriano, Parreira e companhia. Nem esta escalação perfeita convenceu Sidnei, Liege e Enrico a mudar de idéia. Como diz o velho ditado, gosto é gosto e não se discute.
PAIXÃO POLONESA: Sidnei elegeu o país dos antepassados para torcer
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VESTIÁRIO
Bastidores
do espetáculo
SENTIMENTO: o segurança Fernandão une a paixão pelo clube com sua atividade profissional
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EQUIPE QUE NÃO ENTRA EM CAMPO,
MAS DEIXA TUDO EM ORDEM PARA QUE O TIME FAÇA A SUA PARTE Texto de ALINE TYSKA, GUILHERME FERNANDES e SANTELMO MARTIN Fotos de RAFAEL RECH
VESTIÁRIO
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eguranças, roupeiros, massagistas são alguns dos personagens que trabalham nos bastidores do futebol. São responsáveis que preparam os jogadores para brilharem dentro de campo. Até começar o jogo, tudo o que diz respeito à organização das ferramentas a serem usadas no combate, como chuteiras, calções, camisetas e meias, são devidamente organizadas pelos roupeiros. Profissão que há 32 anos Gentil Souza dos Passos exerce no Internacional, em Porto Alegre. Natural de Osório, Gentil procurou o clube aos 18 anos, não precisamente para trabalhar nesta função, mas para jogar no time do coração. "Vim para cá para ser jogador, mas na época o time era muito bom e eu não jogava assim tão bem, então resolvi desenvolver outro trabalho e torcer pelos jogadores", comenta ele, em frente ao vestiário do Inter que deslumbra de uma vista ao pôr-do-sol do rio Guaíba, na capital gaúcha. Se muitas pessoas acham complicado fazer uma simples mala para viajar em férias, imaginem-as tendo de arrumar quase meia tonelada de equipamentos, para que respondam a quaisquer eventualidades dos jogadores em jogos fora de casa, além de atender sessões ininterruptas de treinos. Assim, Gentil relata o freqüente trabalho que ele, e apenas mais um colega, realizam para os jogadores colorados em viagem, além de organizarem diariamente os uniformes para os treinos. O roupeiro é o primeiro a entrar no clube e o último a sair. "Chegamos às sete da manhã e preparamos os kits para os jogadores. Lá eles encontram todo o material para usar, como o calção, a camisa e a chuteira para os treinamentos", conta Gentil. "Tem muito trabalho, por isso temos que gostar daquilo que a gente faz e conviver com os jogadores. Cada um tem a sua mania, um gosta de um jeito, outro gosta de outro", completa. Gentil destaca, com brilho nos olhos, que um dos grandes prazeres da profissão é poder ter a oportunidade de conviver com seus ídolos em sua primeira casa que é o clube. "Eles passam por aqui, começam sua carreira, jogam pelo mundo e aquela amizade fica", disse. O roupeiro fala sobre os diálogos motivadores entre os jogadores e o time da equipe de apoio. "Parece que a gente vai junto para o gramado. Nós falamos que o dia é daquele jogador, que ele vai ganhar! E ele retribui dizendo que vai fazer um gol em nossa homenagem. É uma alegria muito grande", enfatiza Gentil. Nestas três décadas no Inter, o roupeiro viveu momentos importantes ao lado do time. Entretanto, nada foi mais emocionante do que presenciar o tri campeonato colorado em 1979. "A gente começou a campanha sem perder e foi assim até chegar ao título. Vínhamos de um péssimo Gauchão, e o Inter deu uma incrível volta por cima", salienta. Em 23 de dezembro daquele ano, o Inter conquistaria pela terceira vez o Campeonato Brasileiro, ganhando do Vasco da Gama. Quanto ao tradicional rival do Inter, Gentil lembra um
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episódio em que foi convidado a trabalhar como roupeiro no Grêmio. "Na época, meu pai disse que se eu entrasse lá (referindo-se ao estádio Olímpico), eu não entraria mais em casa! Agora só vou quando temos que trabalhar, do contrário, passo longe", finaliza.
GUARDIÕES DA BOLA Três homens que dividem uma única paixão: o Grêmio. E é do clube do bairro Azenha que eles provêm o sustento das suas famílias. Torcedores fanáticos, eles são os mais antigos funcionários do Departamento de Segurança do clube. Sempre nos arredores do Olímpico, eles executam funções diferentes. Podem até passar despercebidos em um ambiente onde os "holofotes" estão apontados para jogadores, comissão técnica e dirigentes. Mas não. Eles são notados por todos que fazem o futebol, sempre com o objetivo focado em garantir tranqüilidade para que o técnico possa trabalhar com a equipe. Dois deles trabalham muito próximos aos jogadores, acompanham os treinamentos e assistem a todos os jogos do local de trabalho. Mas um deles não. Acredite se quiser, ele trabalha há 18 anos no Grêmio e nunca assistiu a nenhum jogo do posto de trabalho. E como saber se o time do coração está ganhando ou perdendo? "Fico só no radinho", respondeu com uma simplicidade indescritível José Luiz Melo, ou como os colegas o chamam, apenas de "seu Melo". Ele tem 66 anos, é natural de Caçapava do Sul e um dos responsáveis pela segurança interna do clube. Em dias de jogos, seu Melo trabalha nas cabines de imprensa do estádio. Apesar de rotineiro, o trabalho dele é de fundamental importância, porque "lá dentro não pode fumar, não pode correr (nas cabines de imprensa). Porque se correr pode até tirar uma câmera do ar", afirma Melo. Ser torcedor e funcionário ao mesmo tempo não é nada simples. "A gente atravessa momentos difíceis. Quando o futebol está em crise, você sabe que tudo é monótono. E quando o futebol está em alta, tudo é ótimo", complementa. Fazendo parte dos bastidores do Grêmio desde 1984, seu Melo relembra um fato recente da história do clube. "Eu estava aqui nesse local (no Olímpico). Foi um sofrimento. Eu não tinha mais esperança. Não acreditava mais. Você vê, com sete homens dentro de campo, expulsão ali, expulsão aqui, uma injustiça, como todo mundo sabe que foi feito, isso foi um momento de glória", referindo-se ao sofrido jogo contra o time do Náutico na capital pernambucana, no dia 26 de Novembro do ano passado, quando o Grêmio ganhou o título da série B do Campeonato Brasileiro. O Pedrão e o Fernandão também sabem como é difícil separar a paixão pelo clube e a profissão. Os dois conhecem muito bem esse sentimento, até porque eles são os seguranças que acompanham o grupo de atletas nos jogos e nos treinamentos. Pedro Roberto Carvalho Gonçalves tem 54 anos, sendo os últimos 30 dedicados à sua segunda casa. Já
Luis Fernando Cardoso de Ramos, segurança há seis anos no Olímpico, segue os passos do colega mais antigo. Nascido na capital, Pedrão, pai de quatro filhos, entrou para o Grêmio em 1977, ano em que o time de Telê Santana quebrou uma seqüência do Inter de oito anos de conquista do Gaúchão. "Ganhamos aquele campeonato, e a direção disse que em time que ganha não se mexe e eu fui ficando. Estou aqui até hoje", conta. Na rotina do dia-a-dia, o segurança de um clube de futebol dificilmente acaba se envolvendo em brigas, seja com torcedores ou com policiais. Pedrão, às vezes, chega a fazer um trabalho psicológico quando encontra um torcedor mais alterado nos treinos. "Se é gremista, tem que ajudar", coloca enfaticamente o segurança, exatamente no momento em que alguns jogadores do grupo principal do Grêmio iam deixando o vestiário. Mas se existe uma coisa que os dois profissionais deixam muito claro é a excelente relação com os jogadores. Uma palavra de incentivo em horas decisivas pode ser fundamental. E essa amizade, segundo eles, cria raízes que ficam para sempre. De acordo com Pedrão, os jogadores que passaram pelo Grêmio durante a série B do Campeonato Brasileiro viraram torcedores de "carteirinha" do time. Ele ainda relembra um momento marcante do relacionamento entre ele e o craque Ronaldinho Gaúcho, que cresceu dentro do Olímpico, quando o irmão Assis era jogador do clube. "Eu acompanhei o Ronaldinho aqui, inclusive a primeira chuteira que ele usou, eu e o Assis fomos buscar lá em Santa Cruz. O menino era pequeno, e os caras deram uma chuteira pra ele usar", conclui. Mal sabiam que esse pequeno garotinho iria se tornar o melhor jogador de futebol do mundo.
TRABALHO PSICOLÓGICO: a arma do segurança pedrão contra a violência no futebol é a conversa
CRENÇA
AJUDA: o massagista Ubirajara da Silva pediu proteção para “desamarrar” o time do Sapucaiense
Patuรกs
e chuteiras
CRENÇA
A
INFLUÊNCIA DE DIFERENTES SUPERSTIÇÕES E RELIGIÕES NO FUTEBOL BRASILEIRO Texto de CÂNDIDA LUCCA e SABRINA DOS SANTOS Fotos de CÂNDIDA LUCCA
E
spada de Iansã no portão do vestiário. Nossa Senhora Aparecida circundada por velas. Papel ofício com nomes dos jogadores envolto por guia de Oxossi. Santinhos espalhados pelas paredes. Destas maneiras diversas, a fé é materializada no futebol do Grêmio Esportivo Sapucaienese, conforme a crença e a vivência de cada um. No universo futebolístico brasileiro, independente de time, atletas e torcedores associam o exercício esportivo à crença individual ou coletiva. No Sapucaiense é assim. A preparação para as partidas não consiste somente no fato de treinarem diariamente. No clube, a exemplo do corpo, o espírito também é exercitado. As preces são feitas aos gritos antes de cada jogo e complementam o esforço físico da semana, reforçando a auto-estima e a confiança do grupo. O técnico Irani Teixeira, contudo, acredita que a união entre os jogadores não deve ser trabalhada exclusivamente
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desta forma. Para ele, o ciclo de meditação é interrompido quando alguns atletas rezam diferente de outros. A idéia futura é modificar a forma de rezar: em silêncio, cada um pedirá proteção a sua maneira. "Se Deus é justo, irá favorecer os dois lados", complementa Teixeira. A oração, assim, deveria servir para o bom desenvolvimento no trabalho e a garantia do sustento, sem solicitar vitória. A crença está intrinsecamente ligada às díspares vivências. Logo, o respeito deve ser o imperativo. "Quem quer ser evangélico, é evangélico. Quem quer ser católico, que seja. Quem quer ser espírita, é espírita. Quem quer ser umbandista, que seja", prega Teixeira em sua sabedoria holística. Segundo Gilson Mesquita, auxiliar do técnico e participante da religião evangélica, a fé firme é o fundamento daquilo que não se vê e se crê. Em sua opinião, a pessoa deveria orar para os dois times. "Quem fez por merecer ou trabalhou mais será o vencedor", avalia Mesquita. Da mesma for-
ma, pensa Dejair Haubert, babalorixá há mais de 20 anos. "Usar o Sagrado por um benefício próprio é ser um pouco egoísta, porque se todas as pessoas têm a mesma crença, como é que o Santo vai julgar?" A capacidade da pessoa é que decidirá. O objetivo é de evitar os riscos físicos e imantar a pessoa de energia para atingir o êxito, porém não garante sucesso: "Senão todo Pai de Santo iria ganhar na Mega Sena", brinca Dejair. Jogo, no seu ponto de vista, não é assunto de Orixás. Além de cuidar das roupas e pertences dos jogadores do Sapucaiense, o trabalho de Cleber Braz Rodrigues é fortalecer o organismo do clube com relação à parte espiritual dos atletas, para que possam almejar seus objetivos sem se lesionarem. "Cada jogo é uma batalha", diz Cleber, também babalorixá, com 50 anos na religião africanista. "Uma guerra nas quatro linhas, sem prejudicar A ou B, mas defendendo-se e respeitando todos os adversários." Também de religião umbandista, o massagista Ubirajara Gonçalves da Silva acredita que o clube estava se empenhando e, mesmo assim, passava por momentos difíceis. "Pedi proteção para desamarrar o que estava amarrado", conta. O presidente do clube, José Luis Reche Cristianetti, católico, acredita que na oração, primeiramente, se pede a proteção da equipe e, num segundo momento, que se tenha um bom resultado durante as partidas. "Antes e depois dos jogos se reza o Pai-Nosso e a AveMaria com qualquer resultado", relata. Nossa Senhora Aparecida é a companheira em todos os jogos. A Santa é colocada numa mesa no vestiário, com velas acessas. Ali, fica virada para o campo do início ao fim do espetáculo desportivo. Também, sempre antes de entrarem em campo, participam de uma palestra da comissão técnica, debatendo os objetivos e como enfrentar cada adversário. Depois da conversa, a água benta trazida do Santuário Padre Reus é jogada nos atletas pela direção. Dia de Natal, dia do aniversário de Marcus Ribeiro, 24 anos, vocalista e guitarrista da banda de rock Eric Van Delic. Em meio às comemorações típicas que a
maioria das famílias brasileiras participa, no dia 25 de dezembro, Marcus está envolvido com outra questão. E não é com o seu aniversário. Há cinco anos, ele segue o mesmo ritual: ir até o portão de entrada do estádio Beira Rio e marcar o território, ou melhor, abençoar o local como ele mesmo diz. Torcedor fanático do Internacional, de Porto Alegre, Marcus vibra a cada jogo, não perde nenhuma partida do seu time, seja indo ao campo de futebol ou assistindo pela televisão. Mas, é na manhã do dia 25 que ele coloca toda a sua fé à tona pelo colorado: sobe de carro a rampa do Beira Rio, abre a porta e urina no portão da rampa do estádio. "Assim, eu mando boas energias para dar sorte ao Inter no ano que está por vir", acredita. Rodrigo Machado, 26 anos, é estudante de Jornalismo da Unisinos e é gremista desde que nasceu. O ritual do Gordo, como é chamado pelos amigos, é bastante curioso. "Eu sempre vou com a mesma camisa ao estádio e, quando a coisa está ruim, eu tiro ela e fico esfregando o brasão", explica. Ele conta que faz isso principalmente quando tem uma jogada decisiva, ou quando o jogo está desfavorável para o Grêmio. Em casa, o procedimento é diferente, mas a crença continua. Quando assiste ao jogo pela televisão, Gordo abaixa o volume da tevê e aumenta o do rádio. Se o Grêmio está jogando mal, ele muda de estação e, se o jogo está muito difícil, ele só escuta. "No ano passado, houve um pênalti contra o Grêmio, na final da segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Eu tava numas pilhas e disse que não ia olhar, só escutar. Não olhei e o jogador do Náutico, de Recife, errou o pênalti!", comemora Gordo. O goleiro defendeu, e o time foi campeão brasileiro da segunda divisão. O futebol é uma paixão nacional. Logo, agradecer, rezar e acreditar faz parte deste universo. A mobilização de energias diversas em prol da atividade desportiva mais popular do país está englobada por fenômenos maiores que caracterizam bem os brasileiros. Crer é um deles.
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ARBITRAGEM
Entre
tapas e beijos APITAR NA VÁRZEA NÃO É PARA QUALQUER UM. O MÍNIMO ERRO PODE RENDER AGRESSÕES, CORRERIAS E FUGAS MATO A DENTRO. MAS HÁ COMPENSAÇÕES: EM MUITOS CASOS, PODE TER O AFAGO DA TORCIDA Texto de CARINE SOBÉ, LEANDRO LUZ e MARILENE JUNGES Fotos de DENISE SILVEIRA
A
vida de um árbitro de futebol nos milhares campos de várzea espalhados pelo Brasil não é fácil. Encarada muitas vezes como um simples hobby ou uma necessidade, o fato é que a ética e a boa conduta estão acima de tudo para estes profissionais. A torcida vibra, xinga. Os jogadores, irritados, usam a violência. Mas eles estão ali, no campo, sempre a postos. Para se ter uma idéia, a arbitragem de uma partida do Estadual de Juvenis, competição que está no menor escalão das organizadas pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF), custa R$ 200,00. Em jogos do Campeonato Brasileiro, o juiz recebe R$ 2 mil. POR ACASO - Casado, pai de três filhos, pintor e juiz de várzea nos finais de semana, Valmir Martins Amaral, 38 anos, 30 do quais dedicados ao futebol. O início de sua história como árbitro aconteceu de uma maneira inusitada e o pegou desprevenido. "Eu estava olhando
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um jogo de futebol de salão quando um amigo, juiz, atirou o apito para mim e pediu para que ficasse no seu lugar", relembra. Foi o que bastou. Valmir criou gosto pela coisa. Fez cursos e hoje faz parte da Associação Municipal de Árbitros de Tabai e da Associação de Ligas Vale do Taquari, que pertence a Lajeado. VIOLÊNCIA - Valmir tem no seu álbum várias recordações. Algumas boas e, outras, nem tanto. Em um dos jogos que apitou, um dos torcedores ficou irritado e pediu para que encerrasse a partida, já que seu time estava vencendo de 7 a 0. Caso contrário, ele daria um tiro na bola. Valmir obedeceu e, depois, ficou imaginando o que o torcedor não teria feito se o time estivesse perdendo. Segundo Valmir, que reside em Taquari, a cidade é terceira mais violenta do Estado para se apitar jogos de várzea. Para ele, é uma realidade que tem um sentido duplo. Por um lado está a conquista de se apitar num lugar onde a violência é uma realidade e, assim, se superar a cada jogo. Mas, por um outro, está a tristeza de um cidadão que estima seu município e sofre com esta desagradável reputação. Mas boas lembranças também fazem parte deste álbum de recordações. Uma delas é o reconhecimento, a amizade e o carinho que se recebe das pessoas, até mesmo por parte dos torcedores dos times que perdem. "O futebol ensina. Já sofri agressão de um jogador ao marcar um pênalti. Hoje este atleta atua na arbitragem junto comigo. Tenho certeza que agora ele entende o que é ser um juiz", diz. Mário Cardoso Chaves, 39, o "Pingo", há seis entrou na arbitragem de várzea entendendo de futebol e com vontade de apitar. Em 2000, foi convidado por um amigo, árbitro, para apitar alguns amistosos. Ele percebeu que poderia unir a sua paixão com uma grana extra no final do mês. O primeiro passo foi encontrar um uniforme. O fardamento completo, de início, foi emprestado por um amigo que tinha pendurado o apito. Vestido de preto, Pingo, muda de fisionomia. Cara fechada, olhar altivo, tenta imitar o árbitro profissional Leonardo Gaciba. Seus colegas de fábrica de calçados não reconhecem o "Pingo extrovertido e brincalhão" e
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pai de três filhos, de 19, 14 e três anos. Para ele, é difícil conciliar dois empregos e família. A esposa Rosângela cobra sua presença em casa. Ele trabalha oito horas por dia, sai de casa antes das 6h e volta após às 18h. No final de semana separa o fardamento que o transforma em juiz de várzea. "Só de saber que vou apitar fico com um sorriso no rosto", conta. Mesmo triste com as faltas do marido em casa, a família compreende a paixão de Mário pelo futebol e pela a arbitragem. O porto seguro do árbitro é em casa, nos braços da esposa. Rosângela o incentiva a progredir, cobrando sua inscrição no curso que mais deseja fazer, o de árbitro de campeonatos de futsal da série B. O salário, que tem rumo certo, acaba adiando a tão sonhada formação. Pingo não quer deixar que o tempo leve seu sonho de continuar apitando. Seis anos de carreira como árbitro confirmam a sua paixão pela atividade. Nada o desanima, nem mesmo as agressões que já sofreu em campo. Muitos árbitros como Pingo e Valmir sonham em chegar onde os melhores estão, como Gaciba, Carlos Simon e Leandro Vuaden. Mesmo distante dos profissionalismo da arbitragem, os juízes que se sentirem prejudicados por atletas, agremiações e até mesmo pela imprensa, tem onde recorrer. O Sindicato dos Árbitros de Futebol do Rio Grande do Sul defende os homens do apito, seja através de uma nota, de seu Departamento Jurídico, ou esfera desportiva. "Isso independe de onde ele atua. Pode ser um árbitro da Fifa ou que atue nos campeonatos amadores", aponta o secretário-executivo do sindicato Carlos Castro. O slogam da atual diretoria da entidade resume a colocação do dirigente: "Sindicato para Todos". RECONHECIMENTO - Tramita na Câmara dos Deputados desde 2002 o Projeto de Lei (PL) 6405/2002 que visa regular a profissão de árbitro em todo o país. A idéia agrada aos árbitros. Atualmente o apitador é autônomo, e não tem vínculo empregatício com as ligas ou federações. Com uma possível aprovação do Projeto, os árbitros passarão a receber um salário fixo.
VIOLÊNCIA
Diversão X
pancadaria QUANDO
TORCEDORES TRANSFORMAM
OS ESTÁDIOS EM ARENA DE BRIGA
FGS FOTOGRAFIAS
Texto de MARIA LUIZA BELAN e THAÍS HELENA BALDASSO
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ANA CAROLINA
RAFAEL RECH
VIOLÊNCIA
MEDO: policiais tentam manter a ordem e oferecer segurança aos torcedores
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primeiro torcedor brasileiro que morreu por causa da guerra entre torcidas de times de futebol, Cléo Sostenes, era palmeirense e levou dois tiros. Quatro anos mais tarde, em 1992, morreu Rodrigo Gáspari, de 13 anos, atingido por uma bomba de fabricação caseira no campeonato paulista de juniores dentro do estádio Nicolau Alayon. Em Copas do Mundo, até hoje, a violência não chegou a esse nível. Mas a intolerância crescente nas torcidas organizadas levaram a Fifa a anunciar dois dias anti-racismo na Copa da Alemanha. Torcedores do Corinthians tentaram invadir o campo do Pacaembu após derrota para o time argentino River Plate e entraram em choque com a Polícia Militar, em maio deste ano. Ninguém saiu gravemente ferido, mas de novo a justiça cogitou voltar a proibição a torcidas organizadas, como aconteceu em 1995, após a morte de Márcio Gasparim, também no Pacaembu. Em 2003, o cronista esportivo José Domingos Susin presenciou um dos piores episódios de violência em estádio no Rio Grande do Sul, em Caxias do Sul. "O jogo era entre Juventude e Internacional no Alfredo Jaconi, uma disputa acirrada, mas sem incidentes maiores em campo ou nas arquibancadas até explodir uma mini-bomba caseira na cabeça de um torcedor. Foi uma correria", conta Susin, que também já foi dirigente de futebol. "Naquele dia mais gente poderia ter sofrido conseqüências graves. Depois de esvaziado o estádio, os torcedores do Juventude e do Inter se confrontaram nas ruas centrais de Caxias do Sul. Até torcedores do Grêmio participaram!", diz, espantado, o cronista. Ainda nas ruas na cidade serrana, torcedores do Juventude jogaram bombas nos colorados. Um policial militar que
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estava à paisana foi mutilado - um exemplo entre tantos outros feridos. Para Susin, a violência é fruto de diversos fatores, mas em comum há o largo consumo de drogas, fora e dentro das praças esportivas. "Hoje o que se constata é a participação generalizada de grupos que, pelo menos aparentemente, se preparam para verdadeiras operações de guerra, não só no interior dos estádios, mas até mesmo nas suas cercanias", diz Susin. "Grupos travestidos de torcidas organizadas, e muitas vezes subvencionados pelos próprios clubes, chegam ao absurdo de preparar artefatos explosivos para serem projetados contra adversários. Algo impensável em décadas passadas", testemunha o cronista. O comentarista esportivo da UCS TV Gladir Azambuja lembra que, na década de 1970, as torcidas dos estádios Beira Rio e Olímpico eram comportadas e até ingênuas nas suas manifestações. Os gritos e coreografias eram apenas para empolgar os demais torcedores e estimular jogadores em campo. Nos anos 1990, quando explodiram as primeiras cenas de violência no País, os torcedores iam para o estádio protestar e manifestar a revolta diante das desigualdades sociais, culturais e econômicas. As torcidas organizadas começaram a ir além da defesa do time do coração: queriam demarcar terreno e mantê-lo a qualquer custo, a ponto de ameaçar de morte o rival que tentasse tomá-lo. Azambuja diz que hoje qualquer ato vira fato heróico. Roubar uma camiseta, bandeira ou faixa do time rival confere status ao seu executor. Agendar e brigar no metrô antes de grandes jogos faz com que os grupos meçam forças e depois coloquem em suas galerias os dados vitoriosos dessas batalhas. "E quem não aceita acaba excluído do grupo", ressalta o comentarista esportivo. Para ele, as torcidas organizadas perderam a sua essên-
ANA CAROLINA
RAFAEL RECH
cia e se transformaram em um problema de segurança pública. "As torcidas cresceram e criaram poder. Agora parece impossível contê-las. Constituíram-se em organizações que se auto-marginalizam e oferecem um campo fértil para quem pensa em cometer atos ilícitos camuflados por camisetas que deveriam representar a face de um Brasil que é vencedor: o do futebol", afirma Azambuja. A violência ganhou os estádios à medida que grupos radicais e torcedores fanáticos encontraram nas arquibancadas de futebol um local onde se expressar anonimamente. Na Europa, o desemprego em alguns países, a migração de países menos desenvolvidos para a União Européia e as ações terroristas de grupos islâmicos são alguns dos combustíveis desse processo. Porém, em países como a Espanha e a Inglaterra, o cerco à violência é fechado. Torcedores precisam se identificar ao comprar ingressos, os assentos são numerados e há um circuito interno de tevê. Paulo Rodrigues, vice-presidente de marketing do Esporte Clube Juventude, conta sua experiência com a Mancha Verde, torcida organizada do clube. "Depois da proibição de 1995, a Mancha Verde está reorganizada, mas com disciplina e toda atenção da diretoria para não extrapolar do ato de torcer. O estádio deve ser um local de lazer. Não queremos violência. O Juventude tem feito muitas campanhas direcionadas à paz nos estádios, e estamos obtendo bons resultados", comenta o vice-presidente de marketing. O Clube instalou câmeras no estádio que auxiliam a Brigada Militar na fiscalização, diminuindo a violência em dias de jogo. "Depois dos atos de extrema violência, com mortes, os clubes e a polícia implantaram novas medidas, a fim de aumentar a fiscalização, coibir novos atos e exigir um compor-
tamento mais adequado do torcedor", diz Rodrigues. Para ele, futebol é paixão, na visão dos torcedores; e negócio, na opinião de dirigentes, atletas e funcionários. Por isso, muitas confusões acontecem, especialmente entre torcidas rivais. Diferenças em estádios, em dia de jogos, são normais, salienta Rodrigues. O problema é quando esta violência toma proporções alarmantes, afastando muita gente do campo. Às vezes, famílias inteiras. O torcedor do Juventude Ronaldo Corso concorda que as brigas, cada vez mais violentas nos estádios, afugenta torcedores, especialmente em disputa de clássicos. Por isso acredita que a comodidade de assistir uma partida de futebol pela televisão pode ser uma das soluções para não virar vítima das torcidas organizadas rivais. Para Ronaldo, os atos violentos são práticas de uma minoria, normalmente pertencente às torcidas organizadas. E eles exercem forte influência sobre o desempenho dos jogadores em campo. Sem falar nos xingamentos verbais, com os quais todo mundo é atingido: torcedor, imprensa e dirigentes. Dando mais um passo no longo caminho a percorrer, que inclui campanhas de conscientização, trabalho com a comunidade local, códigos de ética para os clubes e banimento de torcedores racistas, o Ministério dos Esportes criou a Comissão Paz no Esporte. Os objetivos são: disciplinar a atuação de torcidas organizadas durante os dias de jogos, evitando o acesso de grupos mais exaltados; modificar a estrutura dos estádios, com melhor sinalização, acesso, circulação, bilheterias; combater a ação de cambistas; controlar o movimento através de câmeras de vídeo; e identificar torcedores com cartões magnéticos. O estádio não pode virar clube de briga.
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ENTREVISTA
“Futebol é a
representação
ESSAS SÃO PALAVRAS DE DOIS INTELECTUAIS DO ESPORTE: DAVID COIMBRA E RUY CARLOS OSTERMANN Texto de ANDRES KALIKOSKE e LUCAS COLOMBO Fotos de ANDRES KALIKOSKE
F
utebol é, também, uma atividade intelectual. Pelo menos para duas figuras de destaque no jornalismo gaúcho: Ruy Carlos Ostermann e David Coimbra. Os dois são colunistas esportivos do jornal Zero Hora e, em seus textos, sempre habilmente redigidos, abordam o esporte mais adorado pelos brasileiros de um modo bastante peculiar. David e Ruy costumam relacionar as jogadas com fatos históricos, clássicos da Literatura ou teorias filosóficas. Em meio a Campeonato Brasileiro, Copa do Mundo, Ronaldinho, Grêmio e Inter, espaços para pensamentos de filósofos como Platão e Nietzsche, no caso de Ruy, e, no caso de David, citações de Dostoievski e reflexões sobre fatos do cotidiano, geralmente desencadeadas por um lance futebolístico mais polêmico. Formado em Filosofia, Ruy Carlos Ostermann já lecionou na UFRGS e foi Secretário Estadual da Educação, além de deputado estadual por dois mandatos. O professor, como é conhecido, iniciou sua carreira no rádio em 1962, já como jornalista esportivo, na Guaíba. Em 1966, cobriu sua primeira Copa do Mundo. Doze anos depois, ingressou na Rádio Gaúcha, onde atua até hoje, como comentarista esportivo e apresentador dos programas Sala de Redação e Gaúcha Entrevista. Sua coluna em Zero Hora é diária. Como escritor, publicou, entre vários outros livros, "Meu coração é vermelho" (1999) e "Até a pé nós iremos" (2000), que relatam, respectivamente, as histórias do Internacional e do Grêmio.
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David Coimbra, por sua vez, já passou pelas redações do Diário Catarinense, do Correio do Povo e da Rádio Guaíba. Na Zero Hora, entrou no início dos anos 1990. Saiu em 1993, para ser repórter especial do Jornal NH, e voltou em 1995, quando se tornou Editor de Esportes e, posteriormente, comentarista e cronista. Para falar de futebol, David baseia-se em livros, filmes e fatos corriqueiros, como conquistas e decepções amorosas, questões de trabalho e relacionamento entre amigos - temas que aborda sempre de modo bem-humorado e informal. Lançou, entre outros, a reunião de crônicas e contos "Crônica da Selvageria Ocidental" (2003), o romance "Canibais" (2004), e, em parceria com os também jornalistas Nico Noronha e Mario Marcos de Souza, o livro "A História dos Gre-Nais" (2004). Em uma pequena sala na Editoria de Esportes de ZH, alheios, por alguns instantes, à movimentação e aos trabalhos da redação, David e Ruy concederam uma entrevista conjunta à Primeira Impressão.
da
vida�
ENTREVISTA
"O futebol reproduz todas as questões da sociedade" David Coimbra Primeira Impressão - Professor, o senhor já comentou que, entre seus filósofos preferidos, estão Platão, Aristóteles, Nietzsche e Sartre. O senhor comprova algumas teorias destes pensadores assistindo a futebol? Ruy Carlos Ostermann - Inclua o Heráclito e o Walter Benjamin nesta lista (risos). Não exatamente comprovo teorias. Sempre se tem que fazer uma adaptação. Aliás, é nisto que está a relação entre cultura e futebol. Não há uma cultura do futebol expressa através de grandes pensadores, e sim momentos em que estas questões culturais aparecem como significativas e, de algum modo, elucidam o esporte. Se você considerar o Existencialismo de Sartre, por exemplo, verá que é a mesma proposta do jogador de futebol: ele só se afirma através de sua existência; as escolhas que ele tem que fazer são as únicas que pode fazer; o outro, que é o adversário, sempre é o grande problema de sua vida... P.I. - Sartre dizia: "O inferno são os outros"... Ruy - Pois é. No caso, um bom zagueiro é o inferno para um jogador... É possível fazer essas leituras e, assim, perceber que o futebol é uma representação da vida. P.I. - O senhor já foi professor universitário. Enfrentava preconceitos no meio acadêmico por ser comentarista esportivo? Ruy - Não, bem pelo contrário: até notava uma pequena inveja da maneira como eu lidava naturalmente com este assunto. Mas sempre houve, sim, uma depreciação do futebol em relação às grandes manifestações do pensamento. A verdade é que todo o mundo que analisa mais profundamente esta questão acaba se dando conta de que o futebol reproduz, de certa forma, a essencialidade da experiência humana. P.I. - David, você escreveu, em uma de suas crônicas,
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que, mesmo que as pessoas sejam diferentes entre si, ninguém é mais importante ou mais valioso do que o outro. Então, como você avalia estes casos de racismo no futebol, envolvendo jogadores e torcedores? David Coimbra - O racismo existe no futebol assim como existe em toda a sociedade. Se ocorre no futebol brasileiro, especificamente, é porque ocorre na nossa sociedade. O Brasil é um país miscigenado como nenhum outro: há brasileiros com aparência japonesa, alemã, africana... Qualquer pessoa, de qualquer aparência, pode ser brasileira. Esta é uma característica de povos colonizados pelos portugueses, que se miscigenam mais. Mesmo sendo um país miscigenado, o Brasil apresenta preconceito racial, sobretudo de origem social. O racismo é odiento em todas as circunstâncias, e também no esporte. Como disse o professor, futebol é a representação da vida, e isto é fascinante: em 90 minutos, é contada uma história, com drama, tragédia, comédia. O futebol reproduz todas estas questões da sociedade, e o racismo é uma delas. P.I. - Você já atuou em jornalismo político. A prática não é semelhante à do jornalismo esportivo, como, por exemplo, na questão da neutralidade? David - Quando eu entrei no esporte - sou editor há dez anos, mas antes fui repórter -, tinha uma idéia errada da área... Eu achava que poderia dizer para qual time eu torcia (risos). No Rio de Janeiro se diz, em São Paulo também, mas não se pode dizer... Falo por experiência própria. E nisto, o professor é um exemplo: uns dizem que ele é colorado, outros, que é gremista... Tu tens que te manter neutro, senão tu és 'malhado' por torcedor, dirigente, colega. Sempre digo o seguinte: se eu tivesse que escolher entre a desclassificação da Seleção Brasileira na Copa e um bom trabalho realizado por mim,
como jornalista, com certeza escolheria que o meu trabalho fosse bom. Nunca me arriscaria por causa de um entusiasmo esportivo. Eu sou "David Coimbra Futebol Clube" (risos)... P.I. - O David trabalha com jornalismo esportivo há mais de dez anos. O professor, desde a década de 1960. Com toda esta experiência, vocês ainda se surpreendem com o futebol, ou acreditam que "já viram tudo"? Ruy - Bah!... David - Em novembro do ano passado, nós estávamos assistindo ao jogo entre o Grêmio e o Náutico, e o professor disse uma frase que resumiu a partida: "Eu nunca tinha visto nada igual..." Eu até citei no meu comentário na TV... Isto que ele começou a trabalhar com esporte em 1962, quando eu nasci (risos). O professor já viu futebol mais do que qualquer outro e, mesmo assim, se surpreende. Sempre pode acontecer alguma coisa que a gente nunca viu. Ruy - O futebol tem uma característica: ele fascina também porque é 'irrepetível'. Ele tem uma determinação de espaço, relação de tempo e de número de participantes, circunstância de arbitragem, o público... Isto se reproduz sempre, mas o fenômeno em si, quando começa, tem sempre uma circunstância que escapa ao controle da observação e se introduz como uma novidade. É algo fascinante e surpreendente. P.I. - O escritor Luis Fernando Verissimo comentou, certa vez, que o futebol é, entre todos, o esporte com mais plasticidade, com mais estética visual - a bola, no gramado, vai for mando traços, vai compondo um desenho. Vocês concordam que o futebol é um esporte bonito? David - O futebol tem elementos que outros esportes não têm. Ele é aberto, ou seja, praticado num campo aberto. Tem contato físico e, além de tudo isso, exige esforço, velocidade e habilidade técnica. Tanto que um baixinho e magrinho pode se tornar um grande jogador. Pelé, por exemplo, tinha 1m73cm. Ruy - A primitividade do pé é muito interessante também. Certa vez, dei uma palestra sobre o fascínio do futebol a partir da bola. Expliquei que o pé tem seis lados: o bico, o calcanhar, o peito, a sola e os dois lados. Veja que instrumento notável que é o pé. É possível usálo de várias maneiras. O Ronaldinho, por exemplo, usa os seis lados do pé continuadamente. E a cada vez, ele obtém uma circunstância nova. Este é o fascínio de que o Verissimo falou. P.I. - Além de serem colunistas e adorarem futebol, o que mais vocês acham que têm em comum? David - Temos vários interesses em comum: literatura, cinema, viagens, gastronomia... Muita coisa, não é,
professor? Ruy - Muita. Eu acho que a gente gosta do futebol na medida em que não gosta apenas de futebol. No momento em que você tem uma relação toda prazerosa com o mundo, o futebol encaixa aí dentro, como uma das tantas manifestações da cultura popular e de uma revelação do indivíduo. Mas é um conjunto de coisas. Beber é algo formidável, se você bebe moderadamente, claro. É um prazer beber e conversar com os amigos. Ir ao cinema é outro prazer. Música é fascinante. Isto tudo é um encantamento com a vida, e o futebol encaixa como um dos encantamentos. Quem só gosta de futebol não gosta da vida. David - E é difícil ter afinidade com pessoas que só gostam de futebol. O modo como elas encaram o futebol é diferente. Até já falei isto para o professor: há certas discussões sobre futebol que se tornam superficiais e chatas. Conversar sobre o prazer do futebol, sobre o que significa o jogo, é outra coisa. Mas aquelas discussões provocativas de torcedor, de bar, não me atraem nem um pouco. P.I. - O futebol é um dos mais fortes elementos da identidade nacional brasileira. É possível associar o modo de jogar futebol à maneira de ser do povo brasileiro? Pode-se compreender o Brasil por meio de seu futebol? Ruy - Há muitas formas que se aproximam, sim, mas nem todas. Algumas são uma espécie de superação de uma realidade brincalhona e descompromissada do brasileiro, característica sobretudo do Rio de Janeiro. Eles são muito criativos, e as soluções que encontram sempre são mágicas. O futebol evoluiu também no sentido de ser uma competição. Tu tens que ser eficiente, capaz, fazer muitos gols. Isto trouxe uma contribuição pro Brasil que tem um lado sério - no sentido de ser cumpridor de suas obrigações, de estar no lugar certo, ser honesto. O futebol ensina isto. Tanto que os treinadores preferem os jogadores cumpridores de obrigações, que façam tudo direito. O futebol, sob muitos aspectos, é melhor do que a 'civilização' brasileira. Ele está sempre em competição, e a civilização brasileira, não. Esta representação da vida, que é o futebol, é feita sob condições muito severas de tempo e de circunstâncias de enfrentamento. Isto representa para a sociedade brasileira um tipo de compromisso com a realidade que nem sempre a gente encontra. Aí tem os desvios, como na política, por exemplo. David - E é impressionante como tudo funciona na Seleção Brasileira. Não só no campo: os assessores escolhem o melhor local para a seleção ficar, a comida funciona direito... É um sistema em que tudo funciona perfeitamente, sem atraso, sem erro, com os melhores profissionais e materiais. A medicina esportiva brasileira é a melhor do mundo. Os técnicos brasileiros são excelentes. Os jogadores são os melhores não só pela habilidade,
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ENTREVISTA
"Quem só gosta de futebol não gosta da vida" Ruy Carlos Ostermann mas também porque são muito bem preparados fisicamente. A Seleção Brasileira tem uma excelência que poucas áreas da sociedade brasileira têm. Ruy - Não o clube... David - Pois é. Certa vez, disseram: "o futebol brasileiro só evolui do túnel pra dentro do campo". Quando chega ao gabinete do clube, a história é outra. Ruy - Esta frase foi dita pelo técnico Flávio Costa, na década de 1950. Portanto, nós estamos convivendo com esta idéia há meio século. David - Os clubes são uma expressão do jeitinho brasileiro. Se a lei do futebol-empresa fosse seriamente cumprida, muitos clubes já teriam fechado. Há clubes que eu não sei como sobrevivem... P.I. - E a tese de que o brasileiro é um "homem cordial", elaborada por Sérgio Buarque de Hollanda, adaptase aos jogadores brasileiros? Ruy - Esta tese do Sérgio já está um pouco prejudicada, porque ele pensava num homem que encontraria solução para os principais impasses do processo civilizatório com humor, bom-senso, uma certa bonomia e, sobretudo, uma grande tolerância. E a História do Brasil, infelizmente, não comprova isto. Nossa sociedade é violenta, vivemos muitas situações desagradáveis. Há também, claro, cordialidades, mas a característica brasileira não é exatamente esta. P.I. - No Brasil, costuma-se "parar tudo" para acompanhar a Copa do Mundo. Tal comportamento seria um indício do poder do futebol? Que poder é este? David - Claro que sim. Não que as pessoas pensem isso, mas elas intuem que o futebol é a representação da vida. Lembro que, em 1986, cobri um jogo entre Criciúma e Vasco da Gama. O Criciúma vinha muito bem, até
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que, de uma hora pra outra, perdeu de dois a zero para o Vasco. Eu entrei no vestiário do Criciúma e fiz uma piada, e o Eroíno Machado, então preparador físico do time, me deu um xingão... E ele era meu amigo. Foi quando eu percebi a importância do futebol para quem trabalha com ele. Essas pessoas sabem o que uma vitória ou uma derrota significa para o torcedor, por exemplo. Quando o Grêmio ou o Inter são campeões, o torcedor é campeão também. Após a final da Copa de 2002, no Japão, eu peguei o metrô para ir ao hotel. Os japoneses super sérios, até que entrou um nissei, bêbado, dizendo: "eu sou campeão do mundo!..." E os japoneses olhando, mas até respeitando... Nestes momentos, então, o torcedor é campeão também. O futebol traz realização para as pessoas. Isto tem muito do poder do futebol. A 'eletricidade' que toma conta de Porto Alegre quando tem um Gre-Nal é impressionante. O asfalto treme, a vibração é fantástica. Ruy - Na cultura brasileira, isto é muito significativo. Um exemplo é o período em que surgiu a televisão no Brasil. A presentificação que a TV passou a oferecer matou um pouco do imaginário enlouquecido que as pessoas tinham, ouvindo apenas rádio. Tu tinhas que imaginar o que estava acontecendo. Era extraordinário. Por força disso, durante muito tempo o rádio teve uma dominação sobre as pessoas. Ele oferecia o aspecto mais fantástico, mais exultante de um espetáculo. E os ouvintes viviam este fascínio. Isto deu poder à relação do futebol com as pessoas. Hoje, por exemplo, como o David falou, as pessoas têm a realização mais satisfatória de suas vidas por meio do futebol. Muitas vezes, elas vão ao estádio e ficam tão contentes com o que viram que a vida delas fica feliz também. Quando saem, gradativamente vão tomando contato com a realidade, e a alegria fica para trás. Futebol é sonho, é fantasia.
COMPORTAMENTO
Jogo da UMA VEZ, NUM OUTONO
vida
QUALQUER, O DRAMATURGO
NELSON RODRIGUES DISSE QUE O
Texto de DAIANA SOUZA, FÁBIO SIDRACK e PAULO ROGÉRIO DE SOUZA quanFotos de DENISE SILVEIRA
volta do a noite é só FUTEBOL É UMA BATALHA VITAL DE para adultos. Não tem medo de nada, só de ser PAIXÕES E TRAGÉDIAS QUE MOVE A atropelado. Cursa a 2ª série do Ensino Fundamental e divide OJE PARA EXISTIR EXISTÊNCIA HUMANA uma casa, de uma peça "bem quadrada", com mais seis irmãos e sua mãe, PRECISAMOS JOGAR RINCAR TALVEZ que está doente. "Meu sonho é andar de avião, de trem, VIDA REALMENTE É SEJA POUCO ver minha avó em Curitiba e ter uma TV em casa para assistir a filmes. Gostaria também de ter UM BATALHA MAS SERÁ QUE uma bicicleta e de ser dançarino de funk, às vezes, eu NESSE JOGO VALE danço funk na vila", relata o guri de olhos perdidos e boca suja de óleo de galinha, que ganhou de uma senhora. TUDO No Centro o bom negócio é vender cinco balas de goma a R$ 1. Alan e seu fiel amigo Alison Manuel, 10, afirmam que saem no lucro, pois compram por R$ 50 centavos as cinco balas. Os garotos, ao que parece, não foram apresentados a Deus. Pelo menos não disseram que ele é amor. A galinha acaba e sobram ossos para todos os lados. Os dois meninos não sabem onde limpam as mãos, mas percebe-se que as calças que usam são boas o suficiente para absorver o óleo. A janta foi garantida. A existência de Alan e de seu amigo Alison é movida s tardes de outono poderiam ser mais animadas, o vento nem precisaria existir, assim os pelo amor às suas famílias. Agem como adultos, não tencasacos seriam dispensados. Nos carros, as ja- do dúvidas do seu papel no mundo. Não sonham em nelas dificilmente se abrem e as portas estão ser jogadores de futebol, preferem ser médico e policial. Jogam bola na escola e, quando dá tempo, no sempre trancadas. "Não é todo mundo que sabe fazer malabarismo. campinho na vila. Assistem jogos na casa do Preto, Ganho em media R$ 10 por dia. Dou R$ 5 para mi- um dos únicos que tem tevê na vila. "O Preto coloca a tevê na rua para todo munnha mãe e o restante jogo videogame. Aprendi malabarismo com os outros guris. Chego às do assistir", conclui Alan, enquanto espera o 18h na sinaleira da Benjamin Constant", diz apresentador Gugu escolher a carta que sua um garoto de 12 anos, magro, dentuço mãe mandou para o programa Domine morador da Vila dos Papeleiros, go Legal, para receberem uma ajuda especial, uma janela em Porto Alegre. Alan Nhoque sai ce- aber ta ou uma porta do de casa e destrancada.
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Malabarismo da esperança
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COMPORTAMENTO
Santos de Deus A
s ruas tranqüilas não deixam dúvidas que é uma tarde de sábado de inverno. O vento já assovia indicando a necessidade de casacos. Nas casas as janelas se fecham cedo. A porta só se abriria se a campainha tocasse. Tocou. Quando ela se abriu, pode-se ver do corredor longo uma televisão e quatro homens rindo. "Acolhemos 12 moradores, uns alcoólatras, alguns drogados e outros com problemas de saúde. Fazemos diversos tipos de terapia. Tentamos com o amor reconstruir a dignidade e auto-estima", diz um jovem, de 28 anos, com sorriso fácil, fala mansa e rosto escondido atrás de uma barba mal desenhada. Conforme relata o perfil dos moradores da Toca de Assis, no bairro Floresta, em Porto Alegre, o paulista Rodrigo da Silva vai se acalmando e conta que sua família não entendia porque ele largaria um emprego de analista administrativo e o sexto semestre de Contabilidade, para fazer uma loucura que mudaria sua vida. "Nesta corda chamada de síngulo, amarrada à minha cintura, estão minhas escolhas: castidade, obediência e pobreza. É claro que como homem em plena vitalidade, às vezes, olho para uma mulher e sinto atração. Mas nunca me vi casado", diz com os olhos fechados Emaús Maria Servo da Misericórdia, nome religioso do frei
guardião franciscano. A existência do frei é movida pelo amor a Deus, aos moradores de rua, à família que ficou em São Paulo e ao time de coração, o Santos. Os olhos brilham quando ele fala do time paulista. A paixão vai às alturas. "Quando jogo futebol perco o controle. Quero ficar com a bola e fazer o gol. Eu amo minha vocação e o que eu faço. Mas uma paixão, algo desequilibrado, superficial, impulsivo, possessivo e não controlado eu não tenho. Eu me descontrolo só pelo futebol, pelo meu Santos", confessa, assustado, o frei meio-campista. O ano de 2002 foi o ano da loucura. Primeiro, o Mundial da Coréia; depois, o Brasileirão com vitória do Santos sobre o Corinthians: "Era Copa do Mundo. Rezar naquele horário era loucura, mesmo que fosse o nosso momento de oração. Era uma luta, uma luta contra mim mesmo. Mas na grande final, não teve jeito: uns foram para a frente da tevê e outros rezar. Eu preferi assistir, acho que Deus não castiga por isso. Antes de se despedir, frei Emaú, que dorme num cobertor forrado no chão, em frente à capela, diz não acreditar ser apaixonado por futebol. Segundo ele, a conversa esclareceu seus sentimentos. A porta se fechou. Ficou a certeza que há paixão por Deus existe, mas Rodrigo não disfarça sua loucura por futebol.
Escolhas de sorte O
outono é sempre uma surpresa e ficamos a mercê do inesperado. "Comprei meu ingresso sem saber onde ficava o portão da torcida colorada. O cidadão que me ajudou, respondeu convicto, que a entrada era no portão 13, e lá fui eu fardado achando que esse número ia dar sorte", diz Giuliano Tizotti, de 34 anos, sobre Gre-Nal de 1991. A sorte parece escolher quem ela acompanha ao longo da vida No entanto, as escolhas sim, dependem de cada um. Mas como saber qual a esco-
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lha certa? "Quando vi estava no meio do azul, e do outro lado estava o meu vermelho. Achei que fosse morrer de tanto apanhar. Fiz uma opção errada", relata o publicitário que correu como nunca para voltar as suas escolhas de origem. A existência do Giuliano é movida pela sua paixão, equilibrada, pelo Internacional. O jovem morador de São Leopoldo é católico, conhece a história de Padre Réus, ama a publicidade e jamais seria político, mas jogador de fu-
tebol famoso com certeza. Graças a Deus, a suas pernas e ao seu amor pelo time do Beira Rio, Tizotti chegou vivo à torcida do colorado naquele dia. A comemoração foi como um gol. E ele sabe que fez uma loucura, inofensiva e sem custo. "Era uma onda azul correndo atrás de um vermelho desesperado para não apanhar", conclui, gargalhando. E para surpresa do Giuliano, naquele domingo de outono o placar do jogo foi 0 a 0. Será que foi o 13?
Vereador, mas sem exagero O
outono seria mais bonito se fosse azul. Será? Pois o cinza, às vezes, cansa. A porta estava aberta, mas essa porta sempre está aberta. Lá dentro até deve ter casacos para aplacar o vento. "Quando estava muito mal, passei em frente a uma igreja evangélica e li num cartaz que era para eu dar tudo o que tinha e que iria receber em dobro. Nem pensei, dei todo meu dinheiro que havia ganhado engraxando sapatos. Sai chorando e encontrei um brigadiano, que me pagou um cachorro quente e me arrumou um emprego de borracheiro", diz Alceu de Oliveira Rosa, 43 anos, o Brasinha, vereador de Porto Alegre. Quando deixou Três Passos, com 14 anos, não sabia que encontraria tanto frio pela frente. Morou oito meses na Praça Vicente, próximo à Ipiranga. Pai de três filhos, Brasinha tem certeza que recebeu muito mais do que deu à igreja. O emprego como borracheiro, sua segunda paixão, fez dele um empresário. "Minha primeiríssima paixão é Grêmio. O primeiro jogo que fui, um Gre-Nal, em 1979, eu tinha 17 anos, e perdemos por 3 a 1. Uma tristeza. Mas a certeza de que era gremista foi no histórico jogo em São Paulo, quando o Grêmio fez 1 a 0 diante do São Paulo, gol de Baltazar e ganhou o Brasileiro de 1981. Valeu todas as paixões. Daí em diante sou grêmio até morrer", relata o vereador que pintou sua sala na Câmara, na cores do tricolor. Brasinha não tem vício. Apenas o futebol, ou melhor, o Grêmio, que segue "até a pé", não importa onde vá. Sua paixão o fez comprar um caminhão exclusivamente para se-
guir o time. "Ando todos os dias com o caminhão tocando o hino do Grêmio nas ruas da cidade. Uma vez aluguei um trio elétrico, em Mato Grosso, quando o Grêmio foi jogar contra o Chapadão. Um dos dirigentes do time, vendo aquilo e achando ser outro apaixonado, ligou para mim e disse que eu havia perdido o posto de torcedor-símbolo. Pedi para eles olharem para cima do trio. Era eu abanando a bandeira tricolor”, conta o vereador, com olhos cheios de lágrimas, mas sem revelar o quanto gastou com essa loucura. A existência do borracheiro, que foi levado à Câmara por sua popularidade como o "homem do caminhão" e por ajudar às crianças pobres em datas festivas, é movida pela paixão ao Grêmio. Ele sabe que Deus é amor. É devoto de Padre Reus, para quem já fez duas promessas: que o Grêmio escapasse da Segundona e a outra para que o técnico Celso Roth fosse embora. Graças concedidas! Promessas pagas com caminhadas até o santuário de Padre Réus em São Leopoldo. Esse ano não foi diferente e o vereador pediu novamente aos céus: "Se o Grêmio ganhasse o Gre-Nal no gauchão, pintaria uma parte do morro da Glória de azul. O tricolor venceu, mas troquei o pagamento: farei uma bandeira gigante, de 150 X 100m, para tapar parte do morro de azul, para que todos possam tirar fotos. Isso será inédito". Brasinha é um "exagerado sem limites" que chora apenas pelo Grêmio e por seus familiares. Não mede esforços para estar com o Grêmio, onde ele estiver. E esse homem, eleito pelo povo, tem um sonho: "Voltar a Tóquio e sermos campões e até, quem sabe, fazermos um campeonato na lua". JULHO/2006 PRIMEIRA IMPRESSÃO
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COMPORTAMENTO
Paixão cega Q
ual será a cor do outono? Para Eliseu Santos, de 19 anos, morador da terra de Padre Réus, não importa se é cinza, azul ou vermelho. Na BR 116, onde trafega todos os dias para trabalhar em Canoas, o outono é sempre do mesmo jeito e tem sempre a mesma falta de cor. Exceto aos finais de semana, quando tem jogo do Grêmio, e aí, tudo fica realmente azul. " Eu e meus amigos alugamos uma Kombi, compramos cerveja e partimos rumo a Porto Alegre. No estádio a história é outra", diz o gremista. O rapaz, que tem sua existência movida por sua paixão cega pelo time da Azenha, mora com os pais. Trabalha como analista de suporte técnico e já foi criticado até pelo seu bom dia, que deveria ser mais entusiasmado. "Dentro da empresa você é o que seus chefes querem, no futebol sou eu mesmo, no estádio demonstramos nossa verdadeira alma", relata
empolgado. Travestido de torcedor apaixonado, já se envolveu em inúmeras confusões: derrubou portões de ferro, viajou pendurado num caminhão em plena rodovia federal comemorando um título, além de ter sido multado inúmeras vezes pelo seu condomínio pelas "gritarias" que faz sempre que o Internacional é derrotado. No momento de maior êxtase do futebol, Eliseu é levado pela avalanche, movimento típico da torcida Geral do Grêmio, no qual os torcedores rumam triunfantes em direção ao jogador que marcou o gol. Mas o clímax do jogo também é o de maior aflição para o jovem. Se perder o seu inseparável rádio de pilha, perde o seu olhar sobre o jogo. Mas a deficiência visual, presente desde o nascimento, não diminui um milímetro sua paixão. Até faz deboche: "qual é a utilidade de ver 22 homens fedorentos correndo atrás de uma bola?"
Placar do jogo F
rei Emaú não pôde acolher o Brasinha quando ele morou na rua, pois ainda não era religioso. Alan e Alison também não conhecem o frei, apesar de trabalharem no mesmo bairro. Brasinha até pode ter dado um carrinho de plástico a Alan no último Natal, mas o vereador não vai se lembrar. Eliseu nunca terá a oportunidade de ver a bandeira gigante que Brasinha mandou confeccionar. A mãe de Alan deve ter votado em Brasi-
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nha, que nem sabe que ela acredita mais no Gugu. Giuliano se esquece que ele é um homem de sorte. Frei Emaú, como intermediário de Deus, deveria rezar para que Brasinha tenha bons sonhos, e para que Alan e Alison tenham sonhos. E Nelson Rodrigues, de onde estiver, deve estar vendo que, hoje, cada um leva a vida e a existência que pode, seja com paixões ou tragédias. E que no jogo da vida vale tudo. Placar final: 0 X 0.
RELACIONAMENTO
As donas dos donos da bola
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RELACIONAMENTO
VIDA
DE MULHER DE
JOGADOR DE FUTEBOL NÃO É UM MAR DE ROSAS.
CIÚME,
AUSÊNCIA E DISTÂNCIA SÃO APENAS ALGUNS DOS
V
OBSTÁCULOS PELOS QUAIS não acompanhava muito. Semocê sai com um capre tive bronca de futebol e ra, se apaixona e ELAS TÊM QUE PASSAR achava que os jogadores eram descobre que ele é escravos desse esporte", avalia. jogador de futebol. Camile acha que seu comportaDe uma hora para outra, você mento tem a ver com ciúme fetem de aprender a lidar com fãs minino: "Os homens sempre histéricas, concentrações ou até Texto de AMANDA ZULKE e CAMILA BOROWSKY largam tudo por uma pelada mesmo com uma pelada de Fotos de RITA CORONEL com os amigos". domingo. Esta é a vida de muiCom a convivência, Camile tas meninas que casaram ou passou a aprender com Roger e que namoram jogadores. Juliana Coutinho, 25 anos, fisioterapeuta, namora Daniel a entender mais de futebol a se interessar pelo esporte. "Sei Carvalho, ex-jogador do Inter e atual destaque do time rus- até o que é um impedimento". Seu amor pelo jogador faz so PFC CSKA, de Moscou. Ano passado foi eleito o melhor dela uma assistente constante. Lê e vê tudo o que tem relado ano na Rússia. Os dois se conheceram um ano antes, em ção com o esporte: "Hoje, gosto de assistir aos jogos para 2004, quando ele estava no Brasil a passeio. Assim, o jeito depois dar ao Roger a minha opinião. Sinto que ele valoriza foi manter uma relação de amizade pela internet. Em de- isto, acha importante. Acompanho de perto as notícias sozembro daquele ano, quando mais uma vez retornou para o bre ele e o time". É claro que namorar um jogador famoso e reconhecido Brasil, rolou o namoro. "Hoje estamos juntos e muito felié tarefa nada fácil, principalmente quando pinta na área as zes", diz Juliana. Fernanda Santos, 22 anos, estudante de Jornalismo, na- tradicionais "marias-chuteira", fãs dos jogadores. Ficam ali, mora João Augusto dos Anjos da Silva Lima, mais conheci- não desgrudam enquanto não falam com seus ídolos. Juliado como Amexa, um velho conhecido de escola. A atenção na tira isso de letra: "Procuro não me preocupar. Fãs têm, dela por ele passou a ser outra quando João começou a aju- mas acho natural o fato de quererem tirar fotos, mandar dar a treinadora de Futsal do time que Fernanda jogava. cartas". Fernanda não passa por isso. Ela diz que o assédio Apesar de Amexa não ser um jogador famoso, foi o futebol não existe porque seu namorado, o Amexa, não é um joque acabou unindo o casal. E é por isso que ela nem se gador profissional. Depois de muito ciúme e estresse, Camile está bem mais preocupa quando Amexa diz que vai jogar com os amigos. "Não atrapalha porque eu adoro futebol. Como meu pai calma quanto às "marias-chuteira". "Tinha medo de ser consempre jogou, assim como meu irmão, já me acostumei. fundida com uma delas, por isso sempre fiz questão de Acho que o gosto pelo esporte até conta pontinhos a mais". manter a minha individualidade, trabalhar, estudar, ter a miJuliana, namorada de Daniel Carvalho, é o oposto de nha vida", lembra a esposa de Roger. Os jogadores, atualmente, têm o mesmo tipo de fama Fernanda. Não gosta de futebol: "Nunca olho, a não ser a Copa do Mundo. Não entendo nada, não sei o que é jogar que os artistas. "Ainda tem o fato de eu ser loira e o Roger bem ou jogar mal. Nunca fui a nenhum treino, só sei que é negro. Em Porto Alegre, onde não há muita circulação de bem 'puxado'. Sou fisioterapeuta, trato muitas lesões relacio- famosos, o foco é o jogador de futebol. Muitas pessoas olham para uma loira com um negro e logo associam a um nadas ao esporte", afirma. Camile Pasqualotto Lewczynski, 28 anos, mãe de Júlia jogador. As pessoas têm preconceito. Muitas vezes ouvi que e mulher do jogador Roger, ex-Grêmio e atual Fluminense, estava correndo um grande risco em namorar um jogador não morre de amores por futebol: "Nunca fui muito fã. por serem mulherengos e festeiros", diz. Se ela concorda com o grande público? "Na minha opiSou gremista porque meu pai é fanático. Eu torcia, mas 66
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nião, o que acontece é que os jogadores são públicos e todos sabem a todo momento onde estão, o que estão fazendo. O que não acontece com caras da mesma idade deles que são anônimos. Ou vai querer que eu acredite que um cara de 20 poucos anos que tem namorada não sai para beber e para baladas com seus amigos?". Depois de 11 anos juntos, Camile diz que hoje em dia não liga para estas coisas. Afirma que estão bem casados, têm uma filha e não precisam provar nada para ninguém. "Para mim, a felicidade no casamento deve ser regada a cada dia, para que sempre dê frutos. Quando namorávamos, além do medo de ser confundida com uma maria-chuteira, tinha verdadeira aversão a elas. Hoje eu sinto pena, pois uma pessoa que busca uma outra pela chuteira que ela calça, o carro que ela tem e a conta bancária é uma pessoa muito pobre de espírito". Camile tem ainda mais vantagens que as duas primeiras meninas, pois como ela é casada usufrui de algumas coisas que muitas pessoas sempre sonharam. "Os aspectos positivos acredito que ficam mais por conta da questão financeira. Podemos freqüentar bons lugares, viajar, possuir bens materiais. Ele já podia tudo isso aos 20 anos, quando poucos têm esta chance", diz. Também afirma que as desvantagens são muito maiores: "Não podemos programar muitas coisas, pois os horários de treino e jogos mudam a toda hora. Nos finais de semana, aniversários de parentes ou amigos, estou sempre sozinha. Os aniversários do jogador e dos filhos devem sempre ser comemorados antes ou depois, quase nunca dá para estar junto no dia certo", desabafa. Juliana e Camile concordam que a saudade é muito grande, mas que com o tempo acabaram se acostumando. Juliana contorna a saudade telefonando. "Estamos sempre no telefone, todo o dia, toda hora. O tempo passa muito rápido e, quando vejo, já estamos juntos de novo. Trabalho muito, o dia inteiro, e isso faz o tempo passar mais rápido também", diz. Camile diz que, como o número de concentrações e de viagens é grande, ela fica muito tempo só. No início sofria muito, achava horrível, não aproveitava. Com o passar dos anos, foi aprendendo a fazer as coisas sozinha e driblar a saudade, aproveitando ao máximo o tempo. "Tem o lado
bom da saudade, que é a volta. Às vezes ficamos dias sem nos ver e aquela saudade é sempre gostosa. Na hora do encontro todos os momentos são muito curtidos. O maior período que ficamos sem nos ver foi de dois meses, quando ele viajou para o Japão: estávamos mobiliando nossa casa, ele não pôde estar presente na minha formatura e até tivemos que casar por procuração para que eu pudesse morar com ele no Japão". Quando falam de futuro, cada uma diz saber muito bem o que quer. Juliana quer seguir sua carreira. "Estou sempre tentando me aperfeiçoar. Estudar é algo que eu sempre vou fazer, seja lá onde estiver", diz. Já Camile, que sabe muito bem que a vida de mulher de jogador não é nada fácil, faz seus planos junto ao marido. "É um pouco complicado se dedicar a uma profissão mudando de lugar a toda hora. Com filhos fica ainda mais complicado. A intenção do Roger quando parar de jogar é ser treinador e, se este sonho se concretizar, a nossa rotina permanecerá a mesma. Desta forma, pretendo aliar minha carreira à dele e quem sabe trabalhar com ele no futebol. Acredito que falte um pouco do "feeling" feminino neste meio".
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JORNALISMO
De antenas bem
ligadas
AMBOS COM MAIS DE 20 ANOS DEDICADOS AO JORNALISMO ESPORTIVO, HILTOR MOMBACH E HAROLDO DE SOUZA COMENTAM O FUTEBOL BRASILEIRO E MUNDIAL Texto de ROBERTA GERHARD e MARCIO STEFANI Fotos de CAIO SCHENINI
C
om o importante papel de transmitir informações e, acima de tudo, emoções, o jornalista Hiltor Mombach, 52 anos, e o nar rador esportivo Haroldo de Souza, 62 anos, relatam diariamente aos gaúchos, através do jornal Correio do Povo e da Rádio Guaíba, os acontecimentos da Copa do Mundo da Alemanha. Formado pela PUCRS em 1977, Hiltor Mombach começou sua carreira jornalística na Rádio Garibaldi, aos 15 anos. Em 1986, foi convidado a dirigir o jornalismo da TV Guaíba; mas como sua carreira foi sempre voltada para o esporte, aos 28 anos assumiu o cargo de editor de esportes do Correio do Povo. Hiltor conta que sua trajetória inclui a cobertura de campeonatos mundiais em diversas modalidades esportivas. Porém, há mais de 20 anos seu foco voltou-se para a cobertura das quatro últimas Copas do Mundo. Com um passado um pouco diferente de Hiltor, o narrador Haroldo de Souza vem fazendo história no Rio Grande do Sul há 32 anos. Nascido em Jacarezinho, no Paraná, estudou até a terceira série do Primário. O interesse pela comunicação ocorreu quando tinha 15 anos e participava da programação das rádios como "macaco de auditório". A carreira de fato iniciou-se na Rádio Castro. A chance: ler notícias. E de graça. Sua função entrava como "colaboração". Mas era o começo. Uma impulso para outros trabalhos, que incluem passagem por rádios do Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. E foi no estado gaúcho que ele mais se orgulha de empolgar as torcidas com uma narração vibrante: "Ser locutor não é uma profissão que se consiga nos bancos das universidades. É uma profissão que se nasce com ela, é dom", diz o narrador. A Copa da Alemanha foi a sua décima participação em Mundiais e espera estar em 2010, na Copa da África do Sul. Hiltor e Haroldo já participaram de inúmeras competições
mundo afora. Uma Copa do Mundo de futebol, entretanto, tem um outro sabor. "Cobrir Copas do Mundo é completamente diferente de cobrir Olimpíadas. Na Copa, os jogos são realizados em cidades distintas o que acaba causando um estresse muito grande", explica Haroldo. Na Olimpíada da Grécia, os horários acabaram favorecendo a equipe do jornal, que ficou em uma sede situada numa ilha. Com isso foi possível aproveitar alguns momentos de lazer à beira-mar. Na Copa a situação dos jornalistas é bem diferente. Na penúltima edição, realizada na Coréia e no Japão, a dificuldade estava em acompanhar a Seleção Brasileira, pois os jogos eram sempre em cidades diferentes: "Acordávamos em uma cidade na segunda-feira, íamos dormir e no outro dia tínhamos que estar trocando de cidade novamente porque a seleção ia jogar em outro lugar", lembra o jornalista. Na Alemanha, a história foi bem outra: "Se você fica no centro da Alemanha, que de um lado até o outro tem 800 quilômetros, chega a estar no máximo a 400 quilômetros de distância do local onde os jogos foram realizados. Com a facilidade do trem bala, em uma hora e meia dá tempo de chegar ao ponto, ver o jogo, fazer a matéria e voltar", ressalta Mombach. Outro fator que facilitou a vida dos comunicadores na Alemanha é que o Mundial foi realizado em um país europeu, onde o inglês é mais utilizado e os sistemas de comunicação são mais parecidos com os brasileiros. Haroldo diz não encontrar dificuldades para narrar uma Copa. Lamenta, contudo, nunca ter estudado o inglês. Mas logo emenda: "Para mim, a língua universal é o amor e, estamos conversados", afirma. "Nunca tive problemas com o idioma dos países pelos quais passei. Mesmo que a gente não fale a língua do país de origem, há o tradutor, os sinais, enfim uma infinidade de formas de se comunicar", comenta o narrador. A profissão, conforme Hiltor e Haroldo, possibilita o conhecimento de novas culturas: "Participar de uma competi-
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JORNALISMO
ção como uma Copa do Mundo não há dinheiro que pague. Ganhamos culturalmente porque viajamos muito, conhecemos diferentes povos, outros costumes e a emoção que nos acompanha permanentemente", conta Haroldo. Conhecido por seus posicionamentos incisivos e polêmicos, Hiltor Mombach acredita que as declarações do presidente da Fifa em relação ao Brasil sediar a Copa do Mundo em 2014, não passam de um "jogo". Ele considera que não é o Brasil que quer promover o Mundial, mas empresários brasileiros que visam o lucro: "Copa do Mundo é dinheiro. Não pensem que alguém organiza porque gosta do Brasil. Não, isso é grana; são milhões, milhões e milhões de reais ou de euros envolvidos", afirma. Haroldo, porém, é mais flexível e diz que a possibilidade de o Brasil sediar a Copa em 2014 é viável: "O Brasil tem plenas condições de sediá-la, devendo simplesmente adaptar seus estádios às exigências da Fifa". O narrador afirma que a condi-
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ção social do país deveria ser revista antes de se pensar em sediar uma Copa: "Deveríamos nos preocupar primeiro com os problemas de miséria, fome e a desigualdade que existe. Depois, sim, trazer esta competição". Hiltor Mombach rebate dizendo que para a periferia o futebol é algo "muito lindo". Ela não sabe que existe jogo de interesses, com manobras para que um time ganhe e outro perca. Para ele, futebol é uma relação de dinheiro, onde se compram juízes, presidente do tribunal, jogadores. "No ano passado o Brasil inteiro percebeu que o Corinthians não podia ter ganho o Campeonato Brasileiro. Quando não tinha espaço para ele conquistar o título inventaram do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) tirar ponto dos adversários e dar pontos para o Corinthians. Se não fosse assim, eles davam um jeito de outra forma, iam de qualquer forma roubar do Internacional lá escandalosamente. A indignação da população é momentânea, passa", finaliza.
VIPCOMM
RIVALIDADE
Na torcida
adversária
REPÓRTERES DA PRIMEIRA IMPRESSÃO CONTAM A EXPERIÊNCIA DE SE JUNTAR A TORCEDORES RIVAIS NA CASA DO INIMIGO Texto de HALDER RAMOS e RAFAEL GEYGER
LIÇÃO DE CASA: zagueiro Bolívar aprendeu com o pai a conviver com a paixão Gre-Nal
RIVALIDADE
N
HALDER RAMOS
o Rio Grande do Sul, o sujeito ou nasce gremista, ou colorado. Não há meio termo, como também não existe espaço para roupa azul em armário vermelho, ou de cores rubras em casa tricolor. E aí de quem presentear o pai com uma xícara que lembre o time adversário. Em terras gaúchas, todo colorado é anti-gremista e todo gremista é anti-colorado. O duro é ter de encarar um jogo na torcida adversária, ou trabalhar como cronista esportivo sem demonstrar emoção, ou ter que entrar em campo deixando o coração no vestiário. Fabian Guedes, o Bolívar, sabe bem do que se trata a rivalidade Gre-Nal. Zagueiro formado no Guarani, de Venâncio Aires, ele chegou ao Grêmio em 1998. Iniciou a carreira como lateral-direito, mas não foi aproveitado no elenco profissional gremista e, desde 2003, defende o Internacional. Hoje, é o xerife da zaga colorada. Aos 25 anos de idade, Bolívar levou para os gramados o nome do pai, que foi ídolo no Grêmio. Porém, o zagueiro diz que a família sabe ser colorada, apesar de todo o histórico ligado ao rival. "O pai já foi com a camisa do Inter acompanhar jogos meus", conta. Para Bolívar, com profissionalismo é possível lidar com a rivalidade, a ponto até de se sentir confortável para jogar novamente no lado azul. "Sou muito profissional. No fute-
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bol atual não é mais como antigamente, quando um jogador ficava dez, quinze anos no mesmo clube", acredita. No entanto, xerife da zaga colorada não esconde que a rivalidade é o que completa a sua carreira de jogador. "A sensação de jogar um Gre-Nal é inexplicável. O clássico mexe com o Rio Grande do Sul inteiro. Durante uma semana, o Rio Grande pára. Fico muito ansioso, não tem com o dizer que não", afirma. Bolívar trouxe de casa a paixão pela rivalidade Gre-Nal e colhe os louros das boas atuações junto à torcida. "A banda Maria do Relento vai gravar uma música em minha homenagem no próximo CD. Para um profissional, é gratificante. Esse reconhecimento da torcida não tem preço", orgulha-se o zagueiro. Quem não deve gostar da tal homenagem é a torcida gremista. Nada incomum, pois o Rio Grande não foi feito para o cultivo de dois amores, mas sim para alimentar a paixão pela dupla Gre-Nal. Rivalidade à flor da pele. Essa foi a experiência dos repórteres Halder Ramos, gremista, na torcida do Internacional, e Rafael Geyger, colorado, junto aos torcedores do Grêmio. Cada um esteve no estádio rival, assistindo a um jogo do maior adversário, e relatam as curiosidades de um dia sem precedentes.
O vira-casaca. Será? HALDER RAMOS
Tudo na minha vida sempre foi azul, minhas roupas, minha primeira bola.... Nada contra o vermelho, como não tenho também nada contra o amarelo, o verde ou o laranja. No entanto, o azul sempre me fascinou. Não sei se essa preferência acontece em função da opção pelo Grêmio ou se a opção pelo Grêmio decorre do gosto pelo azul. Não há como negar que colabora para essa preferência, o fato de meu pai ser gremista e um grande incentivador, e é neste ponto que quero chegar: meu pai. O que dirá ele se souber que estou indo para um jogo do Inter, vestindo a camisa do Inter, em uma van lotada de torcedores do Inter? Cercado por colorados eufóricos, que vez por outra me dão um "pedala Robinho", saio de Gramado, cidade onde moro, com destino ao estádio Beira-Rio. Não, não estou indo para um Gre-Nal, nem para nenhum jogo da Seleção Brasileira. Embarco para assistir a uma partida do Inter contra o Pumas, pela Copa Toyota Libertadores. Ruim de acreditar, não é? Como é bom sair do trabalho para assistir a um jogo do time do coração. Sei bem o que eles estão sentindo e que sensação boa. Com um gremista para cornetear viajando junto, então, melhor ainda. A opinião da jornalista esportiva Débora de Oliveira resume bem esse sentimento. "Me emociono em ver um estádio lotado, com os hinos, com a criatividade na arquibancada. A torcida que se move e não muda! O coração acelerado e empolgado! Isso é o principal, são eles que sabem o que a rivalidade significa. Claro que estou falando da rivalidade sadia, daquela que se limita a paixão. É dela que me orgulho", diz. No meu caso, apesar dos tapas na nuca, os colorados me tratam razoavelmente bem. Entre as exigências, estava a de vestir a camisa do Inter. Relutei, mas não tive escolha. Segundo Débora, que trabalha na rádio e na TV Bandeirantes, o sorriso é a chave para driblar a cobrança dos torcedores da dupla nas jornadas esportivas e foi o que fiz para não ter problemas na viagem. "No Grêmio, pensam que sou colorada, reclamam, me xingam horrores. No Inter, isso acontece menos, mas sempre tem os que gritam e me chamam de gremista! Não dá para discutir com torcedor. Ele é movido pela paixão, o futebol é sua grande alegria. Ele nunca vai encontrar os erros no seu time", destaca a jornalista. No rádio, toca insistentemente um CD promocional com os hinos dos grandes clubes de futebol brasileiro. Ou melhor, apenas a faixa 7 do CD, com o hino do Inter: Atenção! Cobrado escanteio para Figueroa, atirou de cabeça.... Goooooool do Internacional. O capitão Elias Figueroa de cabeça cumprimentou Raul!!! Agora um mar vermelho no Beira-rio... - Alô galera do Internacional! Aqui quem tá falando é o Valdomiro. Essa vai de coração!! - Glória do desporto nacional, ó Internacional...
Com o Valdomiro na cabeça, descemos a Serra até chegar em Porto Alegre: "Subi a Padre Cacique e fui pro BeiraRio... e só dá Inter... lêlêlêlêlêlêlê.... bota pra f...", cantavam enlouquecidos meus amigos na van. Chegamos ao Beira-Rio. Toda vez que fui ao estádio torcer, sempre vi meu time ganhar. Nesse mesmo local, vi o Brasil golear o Paraguai, até então, minha única experiência em território inimigo. No entanto, dessa vez os papéis estão invertidos. Com a camisa alvi-rubra, analiso torcedores esperançosos entrando no estádio. "Vai ser uma goleada, 4 a 0", diz um amigo... O sentimento parece unanimidade. Porém, com a bola rolando, não é o que se vê. No primeiro ataque do Pumas, cruzamento para área, o Clemer só assiste a bola passar, mas o atacante adversário não. Vai até o fim e rola para o companheiro que vêm de trás, gol do Pumas, 1 a 0. Silêncio total! O Inter controla o jogo, mas é o Pumas que faz o segundo. Falta na entrada da área, o contestado Clemer ajeita a barreira. O juiz apita e... Pumas 2 a 0. Silêncio! Dessa vez, um silêncio angustiante. Eu cheguei a me sentir mal! Como gremista, sempre gostei do Clemer, mas senti pena dos colorados, que não queriam crer no que estavam assistindo, que ficavam assustados toda vez que o Pumas chegava perto da área. Mesmo com o placar adverso, o Inter não se deixou abalar e, com apoio incansável da torcida, foi com tudo para o ataque. Ainda na primeira etapa, Michel descontou, 2 a 1. No segundo tempo, só deu colorado. O empate veio depois da falha do goleiro, que soltou a bola nos pés de Fernandão, 2 a 2. Poxa vida, bobear logo na frente dele? Como gremista nunca gostei do Fernandão, mas sempre quis ele no Grêmio. Tenho que confessar que torci para o Inter empatar, porque teria alguns quilômetros pela frente em companhia de doze colorados até chegar em casa. Por alguns instantes, fui torcedor do Inter, mas foi só até o empate. Infelizmente, o terceiro gol colorado não tardou. De novo ele, Fernandão, aparou o cruzamento de cabeça e deixou Gabiru livre para empurrar para as redes. Gooooooooooool do Inter!!! . E, novamente, um mar vermelho tomou conta do Gigante. Com o apito final do árbitro e a vitória garantida, o alívio foi geral, deles e meu. "Gostou do que viu? É uma máquina esse colorado, né? Vai mudar de time?", perguntavam meus amigos. Virar a casaca? Foi algo que nem me passou pela cabeça, afinal minha cor preferida sempre foi o azul. Tanto que, em campo colorado, estava vestindo bermuda verde. Detalhe que passou despercebido, mas que Débora considera importante para lidar com a rivalidade. "Tem que cuidar a roupa que usa", brinca. JULHO/2006 PRIMEIRA IMPRESSÃO
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Questão de azar RAFAEL GEYGER
Sempre fui o que na gíria futebolística se chama de péfrio. Sou do tipo que assistiu a quase todas as piores derrotas do time de coração. Mas sou um azarado incansável. Vi o meu Inter levar quatro gols do Juventude, jogando no Beira-Rio. Vi este mesmo Juventude se atrever a empatar uma partida que vinha sendo vencida por três a zero pelo colorado. Vi festas pernambucanas, paranaenses, paulistas, cariocas e mineiras no quintal da casa alvi-rubra. Com um histórico tão negativo, relutava por anos a voltar a um estádio para torcer. Foi assim até que uma oportunidade me pareceu tentadora: a de levar meu azar para a torcida adversária. Então, fui ao estádio Olímpico, a casa do rival Grêmio. Não tive dúvidas de que poderia torcer para o Grêmio e contar com minha falta de sorte. Lembrava bem da última vez que tinha assistido a uma partida de futebol. Foi no próprio Olímpico, uma semifinal de Copa do Brasil entre o favorito 15 de Campo Bom, para quem eu torceria na ocasião, e o "azarão" Santo André. Deu Santo André. Fácil, fácil. Não me sentia em casa ali. Se o estádio já me perturbara na época do jogo do 15, com o Grêmio, então, era um martírio. Quando você não está em casa, é normal se sentir inibido. Ainda mais vendo todo aquele movimento azul. Eu não gostava do que via e, a cada novo passo, aquilo aumentava. Mas um dia eu poderia voltar ao Olímpico como repórter e ter de trabalhar "imparcialmente". Foi esta experiência que viveu o jornalista Eduardo Pires, que, por quase dez anos, se dedicou ao radiojornalismo esportivo. Pires foi narrador, repórter e comentarista até 2004, quando deixou a Rádio Pampa, de Porto Alegre. Time do coração ele sempre teve, mas saía para o trabalho e deixava a paixão em casa. "A rivalidade é ótima para os torcedores e, principalmente, para quem trabalha no jornalismo esportivo. Claro que essa rivalidade jamais poderá influenciar o profissional. Quem está no meio é porque algum dia torceu para Grêmio ou para Inter. Mas quando se é profissional tem que esquecer, ou corre o risco de sucumbir na profissão", aconselha. Certo, Pires. Só que, para quem esqueceu o lado racional em casa, como eu, reagir assim é complicado. A proliferação dos azuis me cegava. Parado em frente ao portão, tive medo de ser reconhecido. E se alguém achasse que eu era gremista? Eu vestia azul, estava cercado de torcedores que vestiam azul, estava prestes a entrar em um estádio azul. O meu receio de ser chamado de gremista iria passar conforme o andamento do jogo, era a aposta de Pires. Ele
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ANNA CAROLINA
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falava com propriedade, pois se acostumou a ser classificado como colorado por gremistas, e como gremista por colorados. "E isso era superlegal", diverte-se. Legal, Pires? "Era sim, mas teve um dia que foi muito difícil, quando o Grêmio estava para cair, em 2003. Eu estava na sala de imprensa do Grêmio e, ao tentar sair, dei de cara com vários torcedores irados com todo mundo. Começaram a me xingar de todas as formas. Diziam que eu era colorado e que não iria sair vivo dali. Foi um sufoco", lembra. Pires tem razão, mais uma vez. Talvez a cor clubística não seja tão relevante.
Dois passos dentro do estádio, e eu já começava a me arrepender de ter entrado. Nunca iria me acostumar com aqueles gritos de "Grêmio, Grêmio!" Gritar junto, então, nem pensar. Pular, vibrar... que horror! A experiência na torcida rival é angustiante. Não via a hora do jogo começar e, quando ele começou, já rezava para ele acabar. Jogo chato, truncado, cheio de lero-leros, nhem-nhem-nhens e coisa e tal. Estádio vazio, torcida silenciosa... até a propaganda da Coca-Cola entre os rivais não é vermelha. Ao menos a salsicha do cachorro-quente não era azul. Um gol no primeiro tempo, outro no final do jogo, 2 a 0 Grêmio contra o Veranópolis. Mas não houve emoção alguma
de minha parte. Só a decepção do resultado. Fruto da minha falta de sorte? Creio que não. Até porque vi que este negócio de ser ou não pé-frio é relativo. A experiência profissional de Pires lhe deu a mesma lição. Ele recorda de várias passagens em que foi xingado pelo torcedor, e outras em que teve até o nome gritado com louvor. "O torcedor sempre tem razão, é como um cliente. Afinal de contas, é passional. Num dia, ele vaia, no outro, aplaude. Os mesmos torcedores que me xingaram no episódio do Olímpico, falaram que eu era pé-quente depois de uma vitória na semana seguinte. O segredo é jamais ir para o combate com a torcida. Eles sempre terão a razão", diz.
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ALTERNATIVA
Não tem tu,
vai tu mesmo
ALTERNATIVA
QUEM
GOSTA DE FUTEBOL NÃO SE
APERTA.
SE
NÃO HÁ UMA
QUADRA-MODELO, SERVE MESMO O MEIO DA RUA.
O
IMPORTANTE
É JOGAR E SE DIVERTIR
Texto de CHRISTIAN DA SILVA, JESIEL BOSCHETTI SALDANHA e RAFAEL SERRA Fotos de DENISE SILVEIRA
O
gosto pelo esporte não escolhe terreno. A máxima é desde sempre levada ao pé da letra por jovens que jogam futebol na rua em todo o mundo. No Brasil, ninguém se aperta. Pintou vontade, tem sempre um espaço garantido. Não importa o clima: frio, calor, sol ou chuva. O que vale é o prazer da disputa. Até na divisão do espaço com pedestres ou automóveis se tira vantagem, podendo ser o momento de ensaiar uma jogada em gol. As razões para a escolha do local variam da proximidade de casa à falta de um local melhor para uma pelada. Mas o certo é que o jogo sai de qualquer jeito. Cada garoto já passou por isso e as histórias são muitas, como a do pessoal que há pelo menos seis anos todo o final de semana bate uma bolinha na rua Humberto de Campos, no bairro Rio Branco, em Canoas, na Grande Porto Alegre. A quadra tem 15m de comprimento por sete de largura. As goleiras são de ferro, com rede de aproximadamente 1m quadrado cada. Os times são formados por três jogadores, e as disputas acontecem sem tempo determinado: quem faz dois gols, vence e permanece em quadra. Durante as partidas, acontece de tudo: a bola sai do
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ALTERNATIVA controle dos pés e cai num pequeno valo próximo à quadra; uma pessoa quer passar pelo meio dos jogadores e a partida tem de parar; a vizinhança, que não gosta da algazarra, ameaça processar a gurizada. Mas isso é o de menos diante das marcas que muitos guris trazem nos cotovelos e joelhos, causados por tombos no asfalto. Cada falta mais dura, é uma cicatriz para contar. Os jogos na Humberto de Campos já ganharam a atenção de muitos outros moradores. Até quem já não é dali, dá uma chegada para arrumar um lugar em um dos times. Luciano Accorsi, 32 anos, há três anos longe do bairro, volta sempre que pode: "É o melhor lugar para jogar. A gente se conhece e tem segurança".
RONALDINHO DA MEDIANEIRA Em Porto Alegre, na Doutor Dias da Cruz, no bairro Medianeira, desde os anos 80, vizinhos se reúnem para um futebol na rua. Ao invés do gramado, paralelepípedos e asfalto. Como sempre, o tempo é marcado pelos automóveis e pedestres. Os anos se passaram e a tradição se manteve. Lucas, 11, Jonatas 13, Roger 12 e Fábio 10 têm a tarefa de levar adiante a tradicional "pelada da Dias da Cruz". Segundo eles, o mais difícil não é o jogo, mas os "adversários" naturais: "Temos de parar a todo o momento, pois passa muito carro aqui. O piso é muito irregular e os vizinhos incomodam", relata Jonatas, conhecido como o "Ronaldinho da Medianeira". A rua tem uma parte íngreme, mas o jogo ocorre na parte plana. O fluxo de veículos não é o problema, mas a descida faz com que eles cheguem na "quadra" com velocidade. Contudo, um olho na bola e outro no movimento têm garantido "atropelamento zero". Os garotos não conseguem entender o porquê da implicância dos vizinhos. . "Apenas jogamos futebol, não incomodamos ninguém, eles chegaram a chamar a polícia", lembra Lucas. Ele explica que os vizinhos ficam chateados por causa do barulho e quando a bola cai no pátio das casas, ah!, aí o bicho pega. Mesmo com todos estes obstáculos, a diversão é garantida. Havia época que campeonatos eram organizados. José Vicente, 46, funcionário público, lembra da premiação: "Uma vez o campeão ganhou uma caixa de cerveja e o perdedor pagou o churrasco", recorda Vicente, que de vez em quando bate uma bolinha com a gurizada.
FOLGA "PELADA" A tarde está quente. Bola no centro. Duas equipes em busca da vitória. Cada lance é disputado como se fosse uma decisão de campeonato. Na verdade, não é nenhuma decisão, não é final de semana e, muito menos são pro-
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fissionais de futebol. O campo é um terreno baldio, que logo será um condomínio, e os jogadores ganham menos que os ronaldos da vida. Eles são operários da construção civil, responsáveis por erguer mais uma obra. O pedreiro Sílvio Ferreira, 32, é o legítimo zagueiro viril. Quando larga o carrinho de mão e sai para a folga, se transforma. Chega com pinta de cherifão da área no "Maracanã" improvisado, na rua Atibaia, em Gravataí, na Grande Porto Alegre. Sílvio já perdeu as contas de quantas obras fez. E de
quantas "janelinhas" tomou. "O que vale é o momento de descontração nesses dias de estresse", justifica. A única testemunha é um milheiro de tijolos empilhados logo ali. Os times se formam, obedecendo o critério "gremista" e "colorado". Foi-se o tempo que o pessoal era dividido com e os sem-camisa. "Preferimos assim, todos descamisados", brinca Sílvio. São três ou quatro por equipe. Os jogos são a sobremesa do grupo. "Nós comemos, tiramos uma sesta para 'baixar' a comida e depois vamos à disputa", lembra Fernando Moura, 16, um dos tricolores presentes.
CAMPO Um andaime e doia sacos de cimento servem como goleiras. A bola foi comprada em um supermercado e o responsável por ela não esquece de trazê-la. É tão lembrada quanto a marmita na saída de casa ou do adiantamento antes do final do mês. Quem ganha ou perde, não tem importância. Entre pás, enxadas e colheres de pedreiros, os trabalhadores querem é se divertir, para afastar um pouco as inquietações do dia-adia, assim como o cimento impregnado em suas botas.
DIVERSÃO
Troca de 82
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botões
NOSTALGIA: Karam guarda até hoje o jogo de sua infância
A
FEBRE QUE NOS ANOS REBELDES FAZIA OS MENINOS SE SENTIREM
CRAQUES NÃO CEDEU.
AGORA,
NÃO AO REDOR DE UMA MESA E SIM
APERTANDO OUTROS BOTÕES NA INTENÇÃO DO GOL Texto de JONAS SCHERER e ROSANA MARTINS Fotos de TIAGO COELHO JULHO/2006 PRIMEIRA IMPRESSÃO
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DIVERSÃO
Q
uem foi menino nas décadas de 1960 e 1970 e curtia futebol de botão pode identificar-se com os termos estrelão, puxadores, panelinhas, um toque, ou ainda toque-toque. Hoje, a meninada continua curtindo brinquedos e jogos ligados ao esporte que é paixão nacional, mas os termos usados são outros. Assim como os botões. Nintendo, Playstation 1, Playstation 2, vídeo, controle.A febre que nos anos rebeldes fazia a gurizada suar ao redor de uma mesa, não cedeu. Ela atravessou décadas e mantém em alta a temperatura dos guris. Agora, não tocando botões atrás da ficha e sim apertando outros botões na intenção do gol. O músico Cláudio Karam, 44 anos, era menino no final dos anos 60. A sensibilidade dos dedos ao dedilhar as cordas do violão ainda é a mesma do tempo de guri. Naquela época, não tocava cordas. Usava essa habilidade para tocar a palheta nos botões de futebol de mesa. "No Natal de 1969, eu e meu irmão ganhamos alguns botões puxadores, aqueles feitos de acrílico e não os famigerados panelinhas de plástico. Jogávamos no chão, ainda sem
o advento do estrelão, que era uma mesa de jogo produzida pela Estrela. Passamos do chão para a mesa da sala, nos campeonatos com os guris do bairro, até chegarmos a uma mesa mais apropriada, feita sob medida por um carpinteiro." O músico discorda de uma das máximas dos jogadores de futebol de mesa. A de que o melhor troféu dos botonistas são os amigos que ele conquista. Para Karam, não era bem assim. "Acho mais fácil perder amigos do que ganhar", relata. Ele levava a sério a brincadeira. "Mais tarde, vieram os colegas de escola, muitos torneios, fazendo rodízio na casa dos jogadores. Havia troca-troca de botões, grandes clássicos com muita rivalidade e, modéstia à parte, se na regra de um toque, onde cada um joga uma vez, era difícil de me ganhar, no toque-toque, ir jogando até errar, eu era quase imbatível!", orgulha-se Karam. Realmente, bastante dedicado à modalidade, chegou a ter mais de duzentos botões. "Eu mesmo confeccionava os goleiros com aquele joguinho de encaixar, que se chamava Poli. Eram de três camadas e nove furinhos. Recortava os nomes dos jogadores da revista Placar e os
colava com durex em cada botão." O tempo foi passando, os interesses mudando. "Troquei quase a metade dos meus botões por um disco do Pink Floyd", conta com certa nostalgia. Mas a paixão ficou adormecida. "Ainda tenho guardado botões numa caixa de charutos que meu pai trazia da Tabacaria 33. De vez em quando, eu a pego, abro, cheiro, converso com o meu ponta-de-lança goleador e a fecho." Diferente é a história de outro amante do futebol de mesa. O professor e escritor Luís Augusto Fischer nasceu em 1958 e começou a jogar por volta dos oito anos de idade. Para ele, as amizades cultivadas durante a infância, através do jogo de botão de mesa, eram especiais, pois, segundo ele, o jogo propiciava um certo nível de sofisticação da imaginação. "Era preciso imaginar a personalidade dos botões, imaginar suas virtudes, que de vez em quando correspondiam a características físicas deles. Por exemplo, se o botão levantava a bolinha ou não, se era pequeno e leve ou não. Um amigo do meu irmão, com quem cheguei a jogar, bolou toda uma torcida na arquibancada, papel picado na
AGILIDADE: José aprimora as jogadas no videogame
entrada em campo e até o barulho de uma torcida de estádio, que ele tinha gravado de um disco e reproduzido várias vezes, de forma que dava uma sensação realmente inventiva. Por aí, se pode ver que o botão induzia a amizades talvez mais imaginativas", ressalta. Na adolescência, Fischer chegou a dar sua coleção para um primo mais jovem, acreditava que não iria mais jogar. Engano. "Eu, meu irmão e meu cunhado, e mais uns primos, todos Fischer, recomeçamos a jogar freneticamente, quase todos os sábados, por uns anos, lá por 1985 até 1995, mais ou menos. E, agora, eu continuo jogando, mas bem menos, especialmente na praia." O futebol de mesa atualmente é reconhecido pelo Conselho Nacional de Desportos (CND) como uma categoria esportiva. Existem associações, ligas e a Federação Paulista de Futebol de Mesa. Muitos sites na internet trocam notícias dos botonistas e as novidades do esporte. Aparentemente os botonistas de hoje, em número, são mais adultos do que crianças ou adolescentes. Muitos deles são remanecentes jogadores, meninos dos anos 1960 e 1970. A Tabacaria Mimo, na rua Fernando Machado, no Centro de Porto Alegre, é famosa por fornecer todos os aparatos necessários para o futebol de mesa. Hoje, porém, são outros os botões que estão nas mãos dos meninos. O futebol no vídeo-game exige rapidez no raciocínio e destreza dos dedos para apertar botões do controle no momento certo. José Eduardo Morales, 11 anos, é um destes meninos. "De manhã, tomo café e jogo futebol no vídeo game. De tarde, eu vou para o
colégio. De noite faço os temas e jogo mais." Segundo José, ele joga cerca de duas horas por dia. Já sua mãe afirma que é muito mais que isso. Prova de que quando se faz o que se gosta, não se vê o tempo passar. "Meus pais ficam dizendo para eu jogar menos e estudar mais", queixa-se. José cultiva amizades. Para ele, é melhor ter um parceiro para jogar, mas sozinho também é bem divertido. "Quando estou sozinho, jogo do mesmo jeito. Gosto mais de jogar futebol no vídeo do que jogar na rua de verdade. Comecei jogando em um Nintendo, depois ganhei um Playstation 1, agora estou com um Playstation 2, relata o garoto, que já está antenado no próximo modelo. "Já existe o Playstation 3, está à venda só em São Paulo." A tecnologia voa neste campo. Parece que a gurizada sente-se sempre defasada. A tela do vídeo game parece tão real com a atualização computadorizada que a sensação é de que tudo é de verdade. "Eu fico olhando os jogadores e me sinto eles, parece que sou eu que tô ali jogando", conta José. Seu amigo e vizinho Vinícius Rodrigues Medeiros, 10 anos, é o companheiro mais assíduo nas partidas. Como Vinícius tem a versão 1 do Playstation, preferem jogar na casa de José. Assim como no futebol de mesa, o jogo no vídeo-game também vira vício. No entanto, ele é um pouco mais solitário e estático. Talvez pela vida agitada, os meninos não têm tanto tempo para os encontros. Para o professor e filósofo Daniel Mittmann, a mudança do jogo de mesa para o futebol no vídeo-game
não é uma coisa nem boa, nem ruim. Ela é uma decorrência da evolução social que nos cerca. "Em termos de sociedade, de mudanças sociais e tecnológicas, que de certa forma andam sempre juntas, a preferência pelos vídeo-games por parte dos mais novos é quase que inevitável", ressalta. Para Mittmann, os games podem estimular o individualismo, já que é possível jogar sozinho. Isso, no entanto, faz parte de uma cultura atual. "Em progressões cada vez mais velozes, as novas gerações jovens têm contato com um leque radicalmente diferente em termos de lazer, e isso sim é fruto do desenvolvimento tecnológico no entretenimento", destaca o filósofo, lembrando que as relações sociais não estão decaindo em função disso. "O laço social nunca foi dependente do suporte de lazer. Não é o aparato que utilizamos que vai definir, fundamentalmente, a interação social," conclui. Seguindo o curso natural da vida e a evolução tecnológica, estão aí novos botões. Certamente, surgirão ainda outros para integração da meninada, ou mesmo para curtirem uma diversão solitária, sempre com o objetivo de curtir as vibrações dos jogos referentes ao esporte que tanto encanta. O futebol. JULHO/2006 PRIMEIRA IMPRESSÃO
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FANATISMO
Duelo de
fãs
GUERREIROS: Vinicius e Bruno disputam para saber quem é o mais aficionado pelo seu time
FANATISMO
FUTEBOL
É APENAS UM ESPORTE.
SERÁ? PARA
O GREMISTA
BRUNO E O VIDAS. ELES
VINICIUS, A PAIXÃO EXTRAPOLA E PAUTA SUAS RESPIRAM, COMEM E BEBEM APENAS GRÊMIO E INTERNACIONAL
COLORADO
Texto de JULIANO FONTOURA e RICARDO DUARTE Fotos de LEONARDO REMOR
S
exta-feira, véspera do Gre-Nal 364, primeiro jogo da decisão do Campeonato Gaúcho de 2006. Seria um dia como qualquer outro, não para Bruno Thomaz Marques Nascimento, 21 anos, e Vinicius Mayer, 20 anos. Eles fazem parte das torcidas mais fanáticas que acompanham Grêmio e Internacional, a Geral do Grêmio e a Guarda Colorada. Não haveria melhores torcedores para falar sobre algo que faz parte do mundo do futebol: o fanatismo. A noite em Porto Alegre estava calma, com uma brisa dos deuses, ideal para realizar uma entrevista sem muito estresse. O local escolhido foi um posto de gasolina que fica na esquina das avenidas Erico Verissimo e Ipiranga. O primeiro a chegar foi Bruno, o gremista, logicamente vestindo a camiseta tricolor, junto com um boné da Argentina e uma mochila a tiracolo. Facilmente o identificamos e demos a primeira cutucada. Afirmamos que o colorado não achava que teria alguém mais fanático do que ele. A resposta veio rápida: - Então vamos ver. Não demorou muito e chegou Vinicius, o colorado, também conhecido como Boy, vestindo uma jaqueta do Internacional por cima da camiseta colorada. Trazia também junto às costas uma mochila. Fizemos as apresentações e a pergunta polêmica: seria ele menos fanático que o gremista? A resposta: - Acho difícil. Um sorriso de deboche tomou conta do rosto de Bruno. Nesse momento, começou a ter forma o Gre-Nal do fanatismo. Ficou claro que ninguém ali aceitaria perder para o maior rival e, com certeza, os dois teriam argumentos suficientes para se sobrepor ao outro, e isso é o que iríamos ver. Mas a gente precisava primeiro saber por que eles se achavam fanáticos. Bruno tomou a palavra e enfatizou que não se considerava fanático, isso quem afirmavam eram os outros. Talvez essa pergunta o tenha feito analisar tudo que já fez em nome da paixão pelo clube: viagens para outros estados, carreatas em títulos, jogos inesquecíveis tanto pelo placar quanto pelo momento histórico do Grêmio e o endereço onde Bruno reside em Porto Alegre: um apartamento de frente ao estádio Olímpico. Chegou inclusive a afirmar que jamais namoraria uma colorada. A diferença de cores não o faria suportar o relacionamento. E, para completar, afirmou: "O Grêmio é minha vida, se ele não existisse eu seria apenas mais um humilde na multidão." Enquanto o gremista dava seu relato, o colorado permanecia irrequieto, pedindo a palavra antes que Bruno terminasse. Nota-
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va-se um ar de rivalidade, misturado ao cheiro de gasolina que exalava do posto. Foi, então, a vez de Vinicius falar. Ele partiu concluindo que é viciado pelo Inter devido a tudo que se submeteu pelo clube: de família gremista, suportou a pressão na infância e sempre acompanhou os jogos, protestou nas horas ruins, vibrou e incentivou nas horas boas, vivenciou a ansiedade antes das partidas, a loucura na comemoração de títulos. Em ambos os casos, notava-se um brilho nos olhos enquanto falavam, a euforia em descrever com palavras seu amor incondicional ao time de futebol. No quesito auto-análise de fanatismo, os torcedores provaram que a diferença é sutil e o sentimentalismo toma proporções que os fazem perder a noção entre esporte e realidade. Então o gremista pediu novamente a palavra. Disse o Bruno que, quando o Grêmio caiu para a segunda divisão, ficou ainda mais motivado para torcer. Esta é a pior lembrança do torcedor em relação ao clube. Hoje ele avalia como importante tudo o que aconteceu no ano passado, do inferno à glória em subir à divisão de elite. Mas ele se empolgou mesmo ao falar do último jogo do Grêmio na segunda divisão, no qual o Tricolor venceu o Náutico de forma extraordinária com sete jogadores em campo e foi campeão da Série B. Bruno recorda sua emoção: - Me escorreram duas lágrimas, mas me contive, quando olhei para os lados e vi meus amigos chorando, chorei junto. Vinicius traz uma história parecida ao narrar a emoção que sentiu ao ver o Inter reverter uma situação em que se encontrava em desvantagem: no Gre-Nal que decidia o Campeonato Gaúcho de 1997. O favoritismo era gremista, devido aos títulos que acumulara no ano anterior. Pois o Inter venceu por 1x0 e se sagrou campeão. Boy jamais esquece o silêncio que se fez na área destinada a torcida gremista no Beira-Rio. É com desgosto, porém, que relembra seu pior momento como torcedor: o Gre-Nal vencido pelo Grêmio no Brasileirão de 2003. No sentimento do torcedor, aquele jogo mandaria o adversário para a Segundona e asseguraria a vaga do Inter na Libertadores. Com a vitória tricolor por 1x0, deu início à superação da equipe gremista que culminou em novas vitórias em seqüência e a fez escapar da queda. Por fim, o Inter não conseguiu confirmar sua vaga na competição mais importante da América do Sul. Nesse momento, Bruno resolveu abrir sua mochila. De den-
tro saíram várias camisetas do Grêmio. Algumas compradas, outras recebidas por jogadores e até uma que ele vestia quando tinha 4 anos. O colorado olhou a cena e não se conteve. Tirou a mochila das costas e mostrou o seu arsenal de camisas coloradas autografadas e algumas recebidas de jogadores, enquanto contava a história de cada uma delas. O relato de um era acompanhado pelo olhar atento do outro. A cada situação contada pelo gremista, o colorado recordava de outra e pedia a palavra com pressa para não deixar escapar a lembrança. Um dos momentos marcantes foi quando ambos concordaram na resposta a uma pergunta simples: o que os faria deixar de acompanhar um jogo decisivo do seu time? O bate pronto: o caixão. Nem mesmo o momento do nascimento de um filho teria forças suficientes para barrá-los em ir ao estádio torcer. Motivo? "A sensação de ver meu time ser campeão é indescritível, eu vivo para ver estes momentos", afirmou Vinicius, com a concordância de Bruno. Ao final da conversa, ambos desejaram-se boa sorte no confronto do dia seguinte, onde tanto os clubes quanto suas torcidas mediriam forças para ver quem é o maior do Rio Grande do Sul. Após dizer boa sorte e com um sorriso sarcástico, Boy reiterou: "Vocês vão precisar." Essa mensagem foi recebida por apenas um sorriso maroto de Bruno. E, cada um para seu lado, os dois seguiram como guerreiros prontos para encarar a batalha. Mas, por um momento e por uma causa nobre, se uniram e esqueceram as adversidades clubísticas para exibirem seu amor ao clube. Definitivamente, tanto Bruno quanto Vinícius mostraram que são fanáticos de carteirinha.
Perigos do fanatismo O fanatismo de Vinicius e Bruno não passou de um debate amistoso, mas o fanatismo pode ser tornar perigoso em alguns casos. A psicóloga Simone Beatriz da Silva, de São Leopoldo, afirma que pode ocorrer influência dos afetos sobre a reflexão consciente, fazendo com que o pensamento se fixe obsessivamente num discurso carregado de enorme carga afetiva, uma relação de fuga da realidade. "É aí que o fanático pode tornar-se perigoso", conclui a psicóloga. Porém, no caso específico dos dois torcedores, este receio perde força, uma vez que tanto no caso do colorado Boy quanto do gremista Bruno, o sentimento é demonstrado de forma mais positiva. Mesmo assim, Simone retruca: "O fanático pode desprezar a individualidade alheia, acreditando estar de posse da verdade; tem certeza e isto lhe basta."
IMPEDIMENTO
Paixão
platônica ESTAR DISTANTE DO ESPETÁCULO NÃO É MOTIVO PARA DEIXAR DE EXPRESSAR O AMOR AO CLUBE.
LONGE
DAS
ARQUIBANCADAS, OU NEM TANTO, QUEM TRABALHA NO HORÁRIO DOS JOGOS SEMPRE DÁ UM JEITO DE TORCER
Texto de ÂNDERSON SANTOS DA ROSA e MARCELO DO AMARAL Fotos de MARCELO DO AMARAL
V
isualize uma multidão retumbando gritos de apoio em refrões improvisados, que recordam o amor incondicional ao time do coração. A rede do adversário balançando a poucos metros, inflamando os fiéis e apaixonados torcedores que agradecem aos deuses do futebol a glória alcançada, invadindo o arco adversário: o gol. O atacante vem até a arquibancada aos gritos, ostentando o emblema do time e mirando a torcida com um olhar que agradece o apoio da massa. É possível escutar nitidamente os gritos do goleador no campo, que desencadeia entre os torcedores uma euforia impossível de ser medida. Tudo belo, tudo poético. O êxtase coletivo. Agora, imirja em outros contextos. Enquanto as bandeiras tremulam e corações incendeiam os templos do esporte bretão, mesas são servidas nos bares da vida, lojas funcionam a todo vapor e policiais fazem a segurança, inclusive, no estádio onde acontece o embate futebolístico. Profissionais que compartilham da mesma paixão, o futebol, mas figuram como coadjuvantes na torcida e apreciam os jogos à medida que suas tarefas permitem. Os excluídos da festa, que não estão diante da televisão sentados no sofá de casa e nem extravasam a alegria nas arquibancadas. Desfrutam apenas de passagens por rádios e telões, onde pescam rapidamente o placar e alguns detalhes do clima da partida. JULHO/2006 PRIMEIRA IMPRESSÃO
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IMPEDIMENTO NÃO PODE VER, MAS TEM QUE SABER "Quando estou trabalhando é meio difícil de prestar atenção no jogo". Mas na hora que o cliente pede, um prognóstico da partida deve estar na ponta da língua. Essa é a rotina de Eleandro Bonassina, garçom de uma Churrascaria, em São Leopoldo. E gremista, porém, só nas horas vagas: "Aqui dentro eu sou neutro". As piadas acontecem entre os colegas de bandeja até o jogo começar ou os clientes aparecerem. "Se o cliente é mais chegado da casa e brinca, a gente também brinca". Em primeiro lugar está o atendimento ao público e é feito o possível para mantê-lo informado. Uma televisão colocada estrategicamente na parede do salão onde estão as mesas ajuda tanto funcionários como traz lucro à churrascaria, que tem picos de movimento nos horários dos confrontos futebolísticos. O problema aparece quando o jogo não é transmitido em canais abertos. "A gente tem um rádio ao lado da churrasqueira para manter toda equipe a par dos últimos lances das partidas", relata Bonassina. Quanto está o jogo? Pergunte ao garçom.
CADA UM COM O SEU FARDAMENTO José Renato é um sujeito boa praça, do tipo que você teria o maior prazer em convidar para um churrasco na sua casa ao meio-dia de domingo. Considera-se um homem antigo, daqueles que ainda chamam festa de baile. Há 23 anos na Brigada Militar, ele é um incentivador do esporte, principalmente do futebol. Aliás, nosso atleta está lesionado, culpa de um choque contra a trave. "Eu sou goleiro, sabe como é", tenta explicar. Filho de pai gremista e mãe colorada, tem três filhos. E fala alto. "Eu tenho mania de gritar, sou gritão", diverte-se. Desde o início da carreira, José Renato trabalha em eventos esportivos. Cabe a ele a revista dos torcedores que adentram ao estádio. Orgulhoso das funções que exerce, diz torcer pela brigada, pela segurança. "Por trabalhar no Batalhão, não tenho o privilégio de torcer pelo meu time. Eu vou curtir no outro dia quando está dando o lance na tv", afirma. Mas será que não tem jeito nem de dar uma olhadinha? Nosso amigo parece um tanto desconfiado. "Durante o jogo, não tem como olhar", afirma. As inúmeras vezes em que a Brigada Militar foi alvo de críticas deixaram este porto-alegrense ressabiado. Ele mede palavras, preocupado com a imagem da instituição. "A torcida é contra quem está fardado", justifica-se. Mas, como já observamos, José Renato é um camarada da paz. Da mesma forma que conta seus causos por esta vida, cobra por mais trabalhos de conscientização com os torcedores. Até mesmo de bons costumes, já que as mulheres também freqüentam os estádios, explica. Aos poucos, vai adquirindo confiança e dá algumas dicas. "O olho da brigada é 180 graus, tu tens que estar olhando para todos os lados. Claro que, nessa passagem, tu dá 92
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JOGO: profissionais driblam dificuldades para acompnanhar seus times do coração
uma olhadinha", entrega. É, mas muitas destas olhadinhas acabam presenciando gols. Se for para a alegria da torcida do Inter ("Quem é que sempre segura a barra? A mãe, né!"), ele até curte. "E quando tu tá no meio da torcida adversária? 'Aí tu diz: bá, nos...'" e solta um palavrão, para logo cair na gargalhada. Tudo em alto e bom som. Como se estivéssemos na minha casa ou na sua, entre amigos, comendo um churrasco e tomando uma cerveja gelada.
TRABALHO ERRADO NO LUGAR CERTO Aquilo que parece perfeito aos olhos, nem sempre condiz com a realidade. "A gente tem um rádio, mas com o barulho da torcida dá para ter uma noção do que está acontecendo", relata Anderson Schardosim Martins, 21 anos. Ironicamente, Anderson é atendente na loja de produtos do Grêmio, localizada sob as arquibancadas do estádio Olímpico, e compartilha da mesma paixão que move os torcedores que estão sobre sua cabeça. Durante as partidas em que o tricolor gaúcho recebe um adversário, pouca coisa muda na rotina do vendedor gremista. "Antes do jogo a loja fica lotada". Depois do furor consumista que antecede os embates, os souvenires são deixados de lado pelos clientes e Anderson permanece na loja. Uma força do gerente faz o trabalho ganhar características tentadoras. "Quando não tem ninguém na loja, o gerente deixa ir até o Portão 1 (de acesso às arquibancadas sociais do estádio), onde subo nas grades para ficar dando uma olhada", relata. É a glória, uma chance de sentir o clima da partida, porém, com algumas ressalvas. "Dá para enxergar 75% do jogo, porque o pessoal fica passando na frente". O momento torcedor dura 15 minutos e logo o lado comercial volta à tona. Independente do resultado, a loja fica aberta 40 minutos após o final da partida. E Anderson se conforma: "Não tem como chegar muito perto, é triste".
DE CANTINHO DE OLHO “Eram mais ou menos 45 minutos do segundo tempo. No campo, uma falta. Falta daquelas que ele gosta. Ronaldinho bateu e a bola foi... O que eu pensei? Vou procurar onde está o goleiro. Tentei ver através da barreira. Olhei por baixo, entre as pernas dos jogadores. Lembro que vi o Hiran dando dois passos para a direita. A criança raspou no corpo de um zagueiro
SOBRE FUTEBOL E CINEMA No estádio, a torcida vibra, aplaude, grita, emocionase. Durante 90 minutos, jogadores transformam-se em artistas. Amados, odiados, são taxados de heróis e vilões. Técnicos viram diretores, posicionando astros e coadjuvantes em locais estratégicos. Isso sem falar nas dezenas, talvez centenas, de figurantes. Todos em busca de um final feliz. Enquanto isso, Juliano Corrêa prepara-se para iniciar a projeção de mais um filme numa tarde ensolarada de domingo. Funcionário de um cinema, é ele o responsável pela montagem e desmontagem das películas. Na tela de trezentos metros quadrados, nada de futebol. Ele resignase com a situação. "Aquele nervosismo e tu tens que ficar assistindo filme". Como aquele atacante que aplica um balãozinho no zagueiro e chuta a bola pro fundo das redes, Juliano também desenvolveu sua técnica para acompanhar os jogos do Internacional, o time do coração. "A gente coloca o radinho ali dentro do armário e dá uma escutada de vez em quando", revela. Mas os bons jogadores não podem ser dependentes apenas de chutes de longa distância ou jogadas pelas pontas. Também é preciso ser versátil, fugir da marcação e achar os espaços em campo. "Às vezes, um vai no banheiro, coloca o radinho e fica uns dez minutos escutando", revela ele. Bela tática. O pior é que, mesmo jogando em casa, Juliano também sente a pressão da torcida adversária. Único colorado entre os quatro funcionários da projeção, a corneta rola solta quando consegue uma folga para ir ao estádio mas o time decepciona. Então, teria sido melhor nem assistir o jogo de perto, não é? "Ah, eu acho que eu preferia ir no jogo mesmo", diverte-se para logo complementar. "Olhar assim não é a mesma coisa, estar lá torcendo, suando a camiseta". Tudo para não queimar o filme com o chefe que não gosta de futebol. Golaço.
e foi para a esquerda. Neste momento eu vi o goleiro parado e pensei: essa bola já era!”. Breno Roberto da Costa Silva, policial militar e colorado. Ele estava de serviço no dia 20 de junho de 1999, quando Ronaldinho Gaúcho se deu melhor no duelo com o então goleiro do Inter, Hiran. Pior mesmo foi agüentar a corneta dos colegas de trabalho depois da derrota por 1 a 0.
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SONHO
Quero ser o
Ronaldinho MENINOS
CARENTES
BUSCAM O SUCESSO POR MEIO DO FUTEBOL Texto de ANA PAULA FEYH e FABIANA SEFERIN Fotos de TIAGO COELHO
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o Brasil, cada vez mais, o futebol é visto como alternativa para uma vida melhor, principalmente nas comunidades carentes, onde a perspectiva de estudos e de ter uma profissão bem remunerada é menor. O sonho de se tornar rico e famoso, trabalhando no que mais se gosta, faz com que muitos meninos de classe baixa sigam a carreira de jogador ou, pelo menos, tentem seguir em algum clube. Indicados por professores ou descobertos por olheiros, eles se esforçam o máximo que podem. Não perdem os treinos, seguem com disciplina as regras impostas e, ainda, conseguem arranjar forças para auxiliar na remuneração da casa. As crianças que participam das escolinhas chegam empolgadas para treinar, tentam se destacar das demais e chamar a atenção do treinador. Estão apenas aprendendo a chutar, mas já têm até uma torcida: seus amiguinhos que assistem e gritam do lado de fora. Comentários como "aquele é o Ronaldinho Gaúcho" e "esse é o fenômeno" são comuns entre os que se espelham nos jogadores profissionais. Enquanto um menino tem só um pé do tênis, outro joga descalço. E quando se pergunta quem quer ser jogador de futebol, um "eu" coletivo se estende como se fosse eco. Meninos-adolescentes que usam as mesmas meias todos os dias, o mesmo par de chuteiras, e economizam dinheiro para pagar as passagens de ônibus. Tudo isso para conseguir dar continuidade à promissora carreira, que lhes aguarda, pelo menos em seus sonhos. Vindo de uma família de classe baixa, com pais que não
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medem esforços para tornar seu sonho realidade, o estudante da 4ª série do ensino fundamental Moabe da Silva de Souza treina há três anos na Escolinha de Futebol do Clube Beira Mar, em Tramandaí. O menino leva uma vida sem luxos, dedicada exclusivamente aos estudos e ao futebol. Diariamente, acorda cedo, toma um café da manhã simples e se dirige à escola municipal da cidade onde reside, Atlântida Sul. Durante três tardes por semana, acompanhado de sua mãe, caminha três quilômetros sobre a areia da praia, muitas vezes açoitado pelo vento Nordestão, típico de litoral, até chegar ao ponto de ônibus, de onde parte até Tramandaí, local onde ocorrem seus treinos. Dificuldades sempre estiveram presentes na vida de Moabe. A falta de dinheiro muitas vezes ameaçou o menino de abdicar de seu sonho de ser jogador de futebol profissional. Segundo a mãe, Maria da Silva de Souza, no primeiro ano de escolinha, para pagar a mensalidade, foi necessário reduzir os gastos com comida e, ainda, pedir o auxílio da prefeitura para o transporte. "Se não tivéssemos ganhado esta ajuda do prefeito, jamais conseguiríamos colocar nosso filho único no futebol", conta. Apesar de todo o empenho dos pais, no ano de 2004, Moabe precisou ficar longe dos campos. Com falta de serviço, o pai, que é pintor, e a mãe, que trabalha como diarista, não tiveram condições de bancar todos os gastos. Entretanto, este fato não deve mais se repetir, já que, de acordo com o treinador do Clube Beira Mar, Fábio André Pereira, ele é um menino que vale investir. Para isso, o clube detém bolsas que amparam os jogadores sem condições para pagar a escolinha. Com seus 1,65 m de altura e 48 quilos, o menino, que treina com a camisa 9 da Seleção Brasileira, sonha em ser como Ronaldinho Gaúcho. Ele joga em duas funções, zagueiro e lateral esquerda. A cada treino, demonstra ter nascido para o esporte. "Ele antecipa as jogadas e possuiu uma excelente lateralidade", conta Fábio. Nem sempre foi assim. Segundo o treinador, no início, Moabe não sabia chutar a bola direito, possuía pouca agilidade e coordenação motora. Era rotulado pelos seus colegas como "ruim-de-bola". Apesar disto, nunca desistiu. Seu esforço foi
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SONHO tanto, que hoje ele faz parte da equipe principal do clube na categoria Mirinzinho. No ano passado, o time foi campeão do Campeonato Municipal Categoria Sub-12. Além disso, Moabe foi um dos únicos, entre os mais de 70 meninos, a ser convidado para fazer testes no Grêmio durante um campeonato que participou em Osório, em 2005. Sua mãe conta que não o autorizou a participar dos treinos devido à sua idade. "Ele tinha apenas 9 anos e é muito apegado a mim. Não sei se conseguiria ficar tanto tempo longe da família." A dificuldade financeira é um fato comum na maioria dos clubes do país. Segundo o treinador de goleiro do Juniores do Grêmio, Ivan de Brito Soares, o nível social das famílias dos garotos é muito parecido. Eles são geralmente de classe média a baixa. "Raramente, um menino vem de casa com uma estrutura estabilizada, ou seja, eles dependem do êxito no futebol para melhorar de vida", conta. De acordo com o coordenador da escolinha de futebol do Esporte Clube Novo Hamburgo (ECNH), Fabiano Daitx, dificilmente as crianças têm dinheiro para pagar o ônibus, por isso é mais fácil criar centros próximo às suas residências e oportunizar a muitas crianças carentes a prática do futebol, como é o caso do projeto Nosso Nóia. A escolinha acontece no campo do Esporte Clube Santo Afonso, em Novo Hamburgo, e permite que, em média, 70 meninos, entre 6 e 13 anos, possam treinar gratuitamente com orientação dos professores. "Iniciativas como esta são importantes para dar chance às crianças que não
têm oportunidade nenhuma", explica. Fabiano acredita que através do futebol é possível auxiliar na formação de seres humanos mais honestos. Assim como Moabe, inúmeros meninos jogam futebol na esperança de um dia se tornarem grandes jogadores. Poucos conseguem alcançar esse sonho, como aconteceu com Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Nazário, jogadores de classe média baixa, porém donos de um indiscutível talento precoce que logo despertou a atenção de seus treinadores. Fabiano Daitx diz que é muito difícil traçar um perfil da criança que poderá jogar profissionalmente, pois são muitos os fatores que influenciam. Se a criança tiver muita persistência, tem maiores chances de vencer nesse meio. Muitas crianças quando não conseguem alcançar seus objetivos se tornam adultos frustrados. Segundo a psicoterapeuta de Tramandaí Berenice Araújo, as pessoas não podem se deixar levar pelas frustrações, pois isso só irá prejudicar a sua vida. "Tudo tem o seu momento, nunca devemos desistir do nosso sonho. As crianças têm que saber que a vida é feita de perdas e ganhos", explica. De acordo com Berenice, o importante é a pessoa se sentir realizada na função que exerce, independente de ela ser ou não um jogador de futebol. "Quando nos sentimos autorealizados, esquecemos todas as nossas frustrações. Meninos persistentes têm a chave do sucesso." define. Moabe parece estar no caminho certo pois, recentemente, foi convidado para participar de um projeto criado pelo Inter.
DIFICULDADE: para pagar a mensalidade da escolinha de futebol, a família de Moabe reduziu gastos com comida
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DIVERSIDADE
IMPROVISO: ginรกsio de futebol vazio cede espaรงo para o hรณquei
Horror pelo futebol
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MILHÕES EM AÇÃO.
É
O PAÍS DO FUTEBOL.
NA
CONTRAMÃO DA
MASSA, QUE TORCE ENCANTADA PELOS CRAQUES E PELA A MAGIA DO ESPORTE, ALGUNS BRASILEIROS FOGEM DA BOLA Texto de ANE MEIRA e LEANDRO SCHALLENBERGER Fotos de TIAGO COELHO
Um no gol, três na linha
M
ais uma noite na casa da família Trindade. O pai, Loreni, os filhos adolescentes Jonatas, Jefferson e Jover, e a avó, Dona Exçelsa, estão na sala, diante da televisão assistindo a mais um jogo decisivo do Internacional pela Copa Libertadores da América. Nota-se a ausência de um membro da família. A mãe, Elisabete Leal Dornelles, procura distrair-se com outros afazeres, com a televisão do quarto ou com o companheiro de horas solitárias, o computador. Futebol, nem pensar.
Ela diz compreender a devoção do marido e dos filhos ao esporte, perdoando o atraso para a sagrada hora do almoço de domingo, como os demais compromissos familiares, relegados a segundo plano. Sagrado é o futebol. Os garotos jogam desde pequenos, estimulados por Loreni. Ele se diz amante do futebol há muito tempo, relatando fugas de casa quando criança para assistir às peleias varzeanas campos afora. Hoje, afirma viver a mesma situação com os meninos. Com a companhia deles, passou a ser mais ativo ainda na causa futebolística. Zagueiro nato, Loreni diz que lesões, pancadas e fraturas não são respeitadas por amor ao esporte, e que só não joga se for barrado por um médico. Os meninos concordam e apóiam o pai.
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DIVERSIDADE Elisabete tem uma equipe formada dentro de casa. Um no gol e três na linha, como sentencia Jefferson. Eles já saem de casa armando esquemas táticos para jogar. Além de jogarem distribuídos por várias categorias no Clube Paineiras, em Canoas, eles fazem parte de outros times esporadicamente, participando de campeonatos. Os treinos durante a semana fazem parte da rotina dos meninos tanto quanto as demais tarefas, como o estudo e a organização do quarto, enfaticamente ordenados pela mãe. Nada mais restou para Elisabete senão desenvolver um hobbie: fazer da internet um refúgio do "planeta bola" em que é obrigada a viver. Inclusive, para consolar a esposa, Loreni comprou um computador melhor, com mais recursos. A televisão 34 polegadas na sala, exclusiva para assistir aos canais de transmissão de esportes, também foi motivo de discussão, já que Elisabete exigiu um aparelho televisor à altura para ver suas novelas e filmes, sozinha, como sempre. Nem a sogra, Dona Exçelsa, a acompanha. A matriarca é colorada fanática e prefere assistir futebol com o filho e com os netos. Elisabete jura permanecer passiva, mas os boleiros da casa revelam que nem sempre foi assim. Certa feita, ela manifestou toda a sua fúria contra o futebol. Loreni, na iminência das férias, quebrou o pé dois dias antes de partirem, cancelando a temporada de praia. A fratura ocorreu durante mais uma de suas partidas de futebol. Elisabete não quis conversa, partiu para a ação. Jogou a televisão no chão e arremessou um ventilador contra a parede para exprimir sua revolta. Encabulada com a história, Elisabete confirma, apontando as marcas da queda no aparelho como provas da ira de uma mãe de família enlouquecida. Sem hesitar, culpa a bola como motivo de desavenças familiares. Ela conta que observa indiferente a devoção de outras esposas dos vizinhos-atletas e os recursos por elas utilizados como passatempo - horas a fio de bate-papo e chá com bolo, relegadas aos cantos dos campos ou quadras. Elisabete admite a possibilidade de ir a um estádio um dia, mas somente para fazer turismo local. E nada mais.
Bola fora No Brasil, o amor pelo futebol se manifesta precocemente. Milhares de garotos sonham em ser craques dos gramados, torcem fervorosamente por seus times, vivem com a bola nos pés e na cabeça. Mas quando o amor pelo futebol não se manifesta, nota-se também muito cedo. Gustavo Sidney Araújo Borges, de 9 anos, diferente de outros meninos da mesma idade, ignora a bola. Os pais, Suellen e Augusto Borges, até o matricularam em uma escolinha de futebol, no centro de Canoas, mas logo notaram que a atividade não o empolgou. Gustavo prefere o fascinante mundo virtual da tela do microcomputador, onde não precisa ficar ofegante para mostrar seu potencial. Chega a dispensar um hit entre os game maníacos, o Fifa 2006, jogo que simula um campeonato de futebol.
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O menino esperto de olhos azuis e bochechas rosadas relata que os colegas de escola já se mostram indiferentes quanto à sua opção. Cansaram de convidá-lo para integrar um time, quase sempre empurrando-o para o gol. Ele dá de ombros quando perguntado se é colorado ou gremista, escolha que os meninos gaúchos são impelidos a fazer pelas famílias antes mesmo de aprender a andar. Desdenha do Grêmio e do Internacional, assumindo que um dia chegou a declarar-se colorado, mas somente porque gostava da cor vermelha. Ele confessa que sofre um pouco por se manter alheio ao esporte. Fica de fora de brincadeiras ao não acompanhar os amigos boleiros. Mas não se preocupa com isso, dizendo que ainda prefere o computador, com o qual pratica o inglês e faz novas amizades. Quando crescer, Gustavo quer ser artista plástico. Uma feliz opção em relação a tantos outros que escolhem um caminho incerto ao querer simplesmente ser artista no gramado.
Diferença Tarde ensolarada de domingo, ginásio do Centro Recreativo da Associação dos Ferroviários, no bairro Humaitá, em Porto Alegre. De um lado, um gramado repleto de pessoas vibrando com a partida de futebol que acontece. De outro, um ginásio mal iluminado e silencioso. Lá estão cerca de oito rapazes preparados para começar mais um jogo-treino. São os Blades, time de hóquei in line. Jovens que ali reunidos provam que há como se manter alheio ao futebol, ironicamente numa tarde de domingo. Lennon Costa, treinador e atacante do time, afirma que nunca gostou de futebol, e, pela falta de habilidade comprovada nas vezes em que se arriscou a jogar, procurou esportes alternativos desde cedo. Aos 13 anos começou a patinar e jogar hóquei na rua, com tacos de fabricação própria e com bolinha de tênis, junto com o amigo Cristiano Schmitz, atual capitão do time. Assim, em 2004, junto a outros desgarrados que nutriam a mesma simpatia pelo hóquei - e que não raramente fugiam do futebol - formaram a equipe. A precariedade da quadra, a dificuldade em encontrar os caros materiais esportivos e um bom patrocínio são empecilhos que não os incomoda. Não raramente importados, os equipamentos chegam a R$ 5 mil para o goleiro. O improviso impera quando a perfeição não pode ser atingida. Se o futebol dificilmente cede espaço para outros esportes que já tenham alguma tradição no país, o que dizer do hóquei. Cristiano admite que o fácil acesso às pessoas beneficia o futebol, e que todo o investimento que o esporte recebe é algo sócio-político e histórico, desfavorecendo outros esportes. Lennon destaca que o fato de estarem ali reunidos remete à importância social de qualquer esporte. Eles encontraram no hóquei uma forma de se divertir e unir-se com os amigos. Quase sem querer desafiam a onipresença do futebol.
Nós odiamos No site de relacionamentos Orkut também é possível encontrar ilhas de refugiados do futebol, manifestando o pavor pelo esporte. Mais precisamente 186 comunidades de língua portuguesa, onde pessoas dialogam sobre o seu gosto peculiar. Na comunidade "Eu Odeio futebol ®", os 34.142 odiadores chamam o nobre esporte de "ópio do povo" e ponderam sobre o sentimento comum em 60 tópicos. Dá pra encontrar ódio por diversos motivos: políticos, pessoais, pela extrema importância atribuída, por ocupar ho-
ras nas grades de programação dos canais de televisão sobretudo no domingo - ou, simplesmente, porque acham monótono. É o caso da comunidade "Odeio o futebol do meu namorado!", com 1.529 participantes, onde garotas cansadas de serem trocadas pelas peladas de várzea se consolam mutuamente. Os casos acima descritos provam, acima de tudo, que as diferenças existem e que por mais difícil que seja, é possível fugir dos domínios do esporte que talvez, no Brasil, tenha tantos adeptos, fanáticos e praticantes quanto o catolicismo - o futebol.
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VITTORIA O CÉU BRILHA COM SUA LUMINOSIDADE NOTURNA, APRESENTANDO UMA LUA INOCENTE E ESTRELAS DE SUTIS CONTORNOS. NUNCA O CÉU ESTEVE TÃO POÉTICO, ORIGINAL E PODEROSO, BRILHANDO APENAS PARA AQUELES QUE O PERSEGUEM. OS CEGOS ASSISTEM TELEVISÃO. OS VIDENTES PROCURAM VIDÊNCIA. O QUE NUNCA É VISTO É VISTO, POR POUCOS
Texto e imagens de DIEGO DE CARVALHO e RAMON ANTONIAZZI
A
ntonin Artaud compôs manifestos líricos e violentos em louvor à transgressão subjetiva e social, para destruir e recriar a arte da cultura ocidental. Willian Burroughs injetou um pouco de tudo em suas veias ressecadas, para criar métodos e loucuras textuais, em contraposição à insipidez do cânone literário. Jim Morrison refugiouse em uma banheira de hotel parisiense, para dar fim a um ciclo de produção-autodestruição-transcendência que renovou a música e o comportamento de inúmeras gerações. Godard agrediu com violência criativa a caretice pró-holywoodiana, possibilitando ao cinema o retorno a sua função política e artística. Nietszche declarou a morte de Deus, para aqueles que haviam o
matado, tornando a possibilidade de uma eternidade metafísica, em um sofisma velho e decadente. Rimbaud compôs a maior obra da literatura, em um só golpe, e, logo após, escondeu-se na África, para ser descoberto por estudantes franceses que o conclamaram o maior poeta da história. Além de uma hipersensibilidade oriunda de uma saúde frágil e extraordinária e o contato com um tipo de insanidade que transcendeu à genialidade, sabes por que todos esses autores tornaram-se grandes mestres? Depois te falo. Uma pausa. Uma quebra textual. Um suspiro. O delírio adormece e o jornalismo abre os olhos. Qual jornalismo? "O outro" do jornalismo. Um gato com apenas três patas corre em direção a algo que apenas
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JORNALISMO ARTE ele reconhece a existência. Ratos saem de canos de escoamento e seguem apressadamente para uma rua vazia. A rua vazia associa-se a outra rua vazia, e a outra, e a outra, compondo milhões de ruas vazias que fazem parte da arquitetura de um país: amado Brasil. Ninguém nas ruas. Os ratos se perguntam: "Onde estarão os humanos?". Gritos vindos de janelas fechadas, que impedem a entrada do brilho lunar, são a resposta. A nação inteira está em frente à televisão, assistindo um ritual sagrado, talvez mais sagrado que Deus, a Virgem ou o sexo: A final da copa do mundo. Sim, a copa do mundo de futebol, o reflexo da essência humana simbolizada por rapazes de coxas salientes e canelas finas que seguem uma esfera de couro, rumo a uma metafórica glória. Uma bola, duas traves, 22 jovens e uma vitória falaciosa. Doce ironia. Uma piada tão compreensível que poucos compreendem. A beleza da copa se distorce e reflete-se em seu duplo, em seu exterior. As ruas libertas da fauna humana tornam-se um refúgio. Amorino e Bibi refugiam-se do tédio do ritual futebolístico, em pontos que antes eram preenchidos pela multidão. Amorino, 22 anos, jovem, belo e desregrado. Bibi, 19 anos, jovem, bela e ousada. Ambos ovacionam a liberdade nas ruas vazias. Amorino fuma sozinho um cigarro, parado em uma esquina: "Saí de casa, pois nunca suportei futebol". Ele percebe a metrópole com um novo olhar. Olhos de raios-X abertos a novas experimentações. Alguns policiais passam rapidamente, esquecidos de suas funções, sonhando com a vitória do time brasileiro. Pombos aterrissam junto a flores que desabrocham em um pequeno jardim não-linear. Dois mendigos esticam seus pescoços magros, em uma janela, sonhando com as delícias da vida burguesa. Bibi solitária acende um baseado: "Nunca pensei na possibilidade de fazer a cabeça tão perto do centro, em plena avenida". O fluxo de fumaça percorre seu corpo, atingindo canais de prazer. Ao pensar em toda a celebração da copa, sorri para si. Um sorriso malicioso, cheio de sarcasmo e sutileza próprio de uma bela e quase-inocente lady. De repente, um grito seco associa-se a outro grito seco, transformando-se em um estrondo claustrofóbico. Logo após, rojões espocam conjuntamente a buzinas e apitos, como uma estranha sinfonia. O Brasil fez um gol. O caminho da glória apresenta-se a nação. Bibi, após queimar o baseado, coloca um cigarro mentolado entre os lábios, e assusta-se por ter acabado o fluido de seu isqueiro. Ela avista Amorino: "Vi aquele garoto com os cabelos caindo na cara e lhe pedi fogo". Amorino educadamente acende o cigarro de Bibi. Ambos se encaram. Uma pausa que gera o reconhecimento. Em um ato reflexo, sentam-se na calçada. "Quantos anos tu tens?" "Tu gostas de cinema? "Tu faz biologia? Eu faço letras." "Qual é o teu autor preferido?" "Gosto das peças de Caio
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Fernando." "Sou apaixonada por Placebo." "Bibi, lindo nome" "Sinto já te conhecer de algum lugar." "Eu Também. Tu és linda, demais. Posso te beijar?". Um beijo longo. Línguas brincando em bocas repletas de saliva e prazer. Os dois corpos em contatos recíprocos. A dança dos lábios. A dança dos toques preliminares. A vida muito além de uma mera expectativa infantil, revelando-se menos dolorosa, menos envelhecida, menos inflexível e implacável. A vida preenchendo-se de vida. Amorino e Bibi ficam abraçados por alguns minutos, em uma erótica troca de odores e sensações. Alguns cães brincam com suas parceiras, entre restos de ferro e concreto. Um automóvel carrega um jovem de olhar brilhante que canta uma melodia em louvor a falta de destino. O céu brilha com sua luminosidade noturna, apresentando uma lua inocente e estrelas de sutis contornos. Nunca o céu esteve tão poético, original e poderoso, brilhando apenas para aqueles que o perseguem. Os cegos assistem televisão. Os videntes procuram vidência. O que nunca é visto é visto, por poucos. Um garoto deita sua cabeça no colo de sua amada que chora interiormente por reconhecer o amor. Garotos púberes abraçam-se, reconhecendo a fraternidade e algo mais. O insano encara-se no espelho e percebe a beleza da insanidade. Pequenos ladrões saltitam entre carros, apoderando-se daquilo que deveria ser seu. Muito longe dali, um eremita felicita-se por reconhecer a verdade, mas mantém-se calado, pois ele sabe que a verdade nunca deverá ser contada. Amorino convida Bibi para ir ao seu apartamento. Em algumas frações de horas, ambos nus, falam pela primeira vez em suas vidas: Eu te amo. As ruas aglomeram uma multidão de seres que se embriagam de cerveja e cantam gritos de vitória. O Brasil ganhou a copa e o amor será esquecido conjuntamente a liberdade até que se reconheça que a vitória possui uma face única e especial. Outra pausa. Outro suspiro. O delírio recomeça. Miró criou uma paleta de cores singulares, para compor abstrações lúdicas, dando ao lirismo da arte mais criatividade. Kerouac perdeu-se em devaneios na estrada com vagabundos que transbordavam beatitude, para dar à liberdade uma face mais poética. Deleuze lutou contra a organização fascista imposta pelo organismo, em cantos filosóficodançarinos que vangloriaram o Corpo sem Órgãos. Surrealistas envolveram-se com o cinema, a poesia, a pintura e inúmeras manifestações artísticas, tornando as teorias de Freud um objeto de criatividade sem limites. Charlie Parker desenvolveu um estilo de improvisação, em seu surrado saxofone, que superou os grandes mestres da música erudita. Robert Crumb deu uma nova roupagem aos quadrinhos, tornando-o uma expressão artística, política de forte expressão. Sabes por que todos esse autores tornaram-se grandes mestres? Simplesmente, por que nunca gostaram de futebol.
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IMPRESSÕES D E R E P Ó RT E R
LEONARDO REMOR
Por que o futebol fascina tanto?
Elisa Barcellos e Guilherme da Rosa
Futebol. Palavrinha mágica que, para milhares de pessoas, pode significar emoção, devoção, alegria, diversão, vício, lazer e muitas outras coisas. O fato é que ninguém passa indifirente por ele. Existem as pessoas que não gostam de futebol, mas a maioria absoluta gosta, adora, ama, ou até é fanática pelo esporte. Diante dessa constatação, ficam as perguntas: por que isso acontece? Por que o futebol fascina tanto? Para responder a essas indagações, nos emocionamos com o depoimento fervoroso de uma pessoa apaixonada por futebol. Nos surpreendemos e aprendemos com a ótica de um antropólogo que desenvolveu uma tese de doutorado sobre futebol. Com a visão de uma psicóloga, buscamos compreender como as questões emocionais e psíquicas são decisivas para o desenvolvimento desse fascínio. Para nós, foi estimulante e interessante buscar explicações na perspectiva de entender os motivos pelos quais o futebol fascina tanto as pessoas. (página 06)
No time do coração
Fernanda Schmitz Santos e Vanessa Nascimento
Escrever para a revista Primeira Impressão, com o tema voltado para o universo do futebol, foi incrível. Poder passar pelo processo de produção e de desenvolvimento do trabalho, agora pronto, foi realmente gratificante, já que nos possibilitou muito crescimento, organização e força de vontade para chegar ao resultado final. Após seis meses, estamos com o sentimento de missão cumprida. Conseguimos atingir a nossa meta sem precisar sequer alterar a nossa idéia principal. Para realizar esse trabalho, foi preciso acreditar em nós mesmas. Nos estádios, tivemos que impor a nossa vontade de ser profissionais, já que tentavam nos confundir com tietes, marias-chuteiras, ou qualquer outra coisa fútil que ronda o universo feminino. É, realmente, impressio108
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D E
R E P Ó R T E R CAIO SCHENINI
I M P R E S S Õ E S
nante o preconceito. Ele existe. Mas não tem problema. Devagar, com vontade, futuramente com competência, a gente conquista o nosso espaço. O resultado já está aí. O material está pronto e isso não tem preço! (página 9)
R a cis m o m u l t i c o r
Carla Wendt, Jaqueline Vargas e Tatiana Vasco
Fazer a reportagem para a Primeira Impressão foi uma experiência inesquecível. Depois de algumas semanas de persistência, conseguimos a nossa primeira credencial de imprensa, que nos permitiu a entrada no Beira Rio para assistirmos à final do Campeonato Gaúcho. Lá estávamos as três: uma colorada e duas gremistas. O detalhe é que só conseguimos entrar na grande torcida do Internacional. De qualquer forma foi enriquecedora a experiência adquirida. Dividimos o espaço com jornalistas profissionais e tivemos acesso a todo estádio, inclusive ao campo. Com certeza foi um marco para nossa carreira. Sem falar no desafio de três mulheres escreverem sobre futebol. (página 14)
Marcas da diferença
Carine Schwingel e Rogério Tons
Falar sobre racismo sempre é um desafio. É um assunto polêmico e incita diversas atitudes de qualquer pessoa que for convidada a emitir uma opinião. Muitos condenam as atitudes, mas também fazem, até, inconscientemente. O problema é antigo, mas tomou proporções maiores depois da atitude do jogador do Juventude Antônio Carlos contra o atleta Jeovânio, do Grêmio. O árbitro da partida, Leandro Vuaden, fez uma observação na súmula com o objetivo de punir o jogador. Ele entende que a falta de punição é um dos principais motivos para que isto continue acontecendo nos dias atuais. Deixou transparecer sua crença de que, um dia, as agressões morais e físicas vão deixar de existir. Pelo menos no que se refere à cor da pele.
IDENTIFICAÇÃO: a repórter Fernanda Santos é apaixonada pelo tema futebol
Uma das entrevistadas, a historiadora e responsável pela educação afro nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul, Carmem Maria Junqueira Amora, tem na pele a marca do sofrimento. Diz que, por diversas vezes, presenciou atitudes racistas. Gosta de falar sobre o assunto e admite que por diversas vezes quis "engrossar" quando percebia um olhar diferente, uma cara feia ou até palavras de baixo calão para amigos, familiares e, em especial, filhos. A impressão que nos passa é de que o racismo é condenável. Então, questiona-se, como isso continua acontecendo? Todos os entrevistados na matéria foram incisivos ao condenar a atitude, assim como grande parte da população. Foram unânimes em afirmar que atitudes racistas são uma falta de respeito e um retrocesso que abala não só aos jogadores, brancos ou negros, mas a raça humana num contexto geral, e que vai além do mundo do futebol. (página 18)
Comércio de chuteiras
Charise Korpalski e Sara Souza
Nossa primeira sugestão de pauta foi superdifícil. Escolhemos fazer sobre a vida após o futebol, pessoas que deixaram o futebol por algum
Pai xão consumista
Marcelo Bergter e Patricia Fachin
Todos sabem, que o futebol movimenta valores estratosféricos, tanto em campo, como fora dele. Em vista disso, ao ter que escolher uma pauta para a revista, pensamos imediatamente nas vendas que competições como a Copa do Mundo podem gerar no comércio do Estado, uma vez que grandes campeonatos têm a capacidade de fomentar o sentimento patriótico na população. O consumo de produtos verde e amarelo durante os meses preparatórios da Copa foi grande, mas, durante os jogos, o amor e a idolatria pelo time cresceram, o que fez o comércio deslanchar. Ao realizar as entrevistas, comprovamos que o futebol é um esporte que fatura valores inacreditáveis. Para os torcedores mais apaixonados, o suvenir do clube é tão importante quanto a camisa oficial. E por isso a cada ano surgem mais e mais objetos com a logomarca dos clubes de futebol. A maioria dos entrevistados não causou problemas. Afinal, eram fontes oficiais, e os dados estão na mídia constantemente. Porém, quando resolve-
mos recolher informações e depoimento de camelôs no Centro de Porto Alegre, nos deparamos com a total falta de cooperação desses indivíduos. Todos olhavam com desconfiança e simplesmente se negavam fornecer a entrevista. Mas precisávamos recolher os depoimentos, afinal, mesmo ilegais, eles formam uma parcela considerável do comércio brasileiro, e a mais procurada pela população em épocas como a Copa e Natal. Para isso, a utilização de técnicas de persuasão sempre é bem-vinda nessas ocasiões. Enfim, esse exercício foi interessante pelo assunto abordado, e prática de entrevistar fontes obscuras, que não podem ser identificadas. Seria muita pretensão nossa, mas nos sentimos como Robert Redford obtendo informações do Garganta Profunda. (página 26)
quatro linhas. A moda anda de mãos dadas com o futebol, ainda mais com o crescimento de marcas e da popularidade do esporte em todo o planeta. Conseguimos não só falar superficialmente da moda que vem dos gramados, praticamente óbvia, mas analisarmos com especialistas de onde veio toda essa mania. Como alunos, acabamos tendo como obstáculos principais nossos empregos, que tomavam um grande tempo, e a dificuldade de encontrar ou agendar fontes. Mesmo com a correria e com algumas aulas que acabamos faltando, nos satisfizemos com o trabalho e acabamos por aprender um pouco mais sobre o universo futebolístico, que engloba não somente 22 homens em campo, mas uma paixão que atrai todos os segmentos. Inclusive a moda. (página 30)
Dos campos para a vitrine
Maria-cchuteira, não! Geraldina.
Vanira Heck e Ronan Dannenberg
Greiciane Garbin Vidaletti e Gustavo Nunes Braatz
O tema para esta revista nos agradou de imediato. Falar de futebol para a dupla traz sorrisos, mais pelo gosto do que pelo conhecimento do esporte em si. Resolvemos misturar o bate-bola com a moda. E deu certo. Vimos que o comércio está mais do que nunca vinculado às
Quando soubemos que tínhamos que produzir uma reportagem a quatro mãos, nossa primeira preocupação foi como conciliar diferentes estilos de texto e idéias. Mas então vieram o tema central da revista, a nossa pauta e a cooperação das nossas fontes, fatores essenciais para que
RITA CORONEL
motivo e como eles vivem atualmente. Nossa maior dificuldade foi encontrar personagens dispostos a falar sobre o assunto. Em reunião com o Miro, já desesperadas, pois não conseguimos nada e só tínhamos uma semana para conseguir nova pauta e entregar, chegamos ao nosso tema. No início achamos chato, pois nenhuma de nós gostava muito de futebol. No desenvolver da pauta, fomos nos envolvendo de tal maneira que acabamos fãs do esporte. Nossos cases foram fantásticos, pois nos forneceram todas as informações necessárias para fazer o trabalho da melhor maneira possível. Atenciosos, empenhados e acima de tudo bem informados sobre o tema desenvolvido. Gostaríamos de deixar nossos agradecimentos para todos que contribuíram para o desenvolvimento do nosso trabalho. (página 22)
REPÓRTER: Gustavo Braatz de olho no jogo
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I M P R E S S Õ E S chegássemos a um consenso. Também, pudera: somos tão fanáticos por futebol quanto nossos entrevistados. Ou, melhor, nossas entrevistadas. Sim, porque queríamos fugir do óbvio. E não é sempre que se lê sobre mulheres que trocam qualquer sessão no cabeleireiro ou passeio no shopping pelas arquibancadas de um estádio. Era isso. Pauta escolhida. Bloco, caneta e gravador em punho, fomos aos estádios em situações, no mínimo, inusitadas. Numa delas, ficamos sem poder acompanhar o jogo do nosso time do coração e, na outra, tivemos de vibrar em meio à torcida rival. Sempre de costas para o gramado, de olho em nossas entrevistadas. Tudo isso para escrever sobre futebol, sem assistir a um minuto de jogo sequer. (página 34)
Gos to não se discute
Aline Malaszkiewicz e Camila Arocha
Quando pensamos a pauta, achamos que seria fácil encontrar fontes dispostas a falar sobre torcer para outra seleção que não o Brasil. Principalmente no Vale dos Sinos, por causa das colonizações e origens. Que nada! Ninguém queria assumir não ser torcedor da seleção, até que encontramos o Sidnei, a Liege e o Enrico. O Sidnei, um polaco típico, aceitou de imediato e até pensou numa boa comemoração caso a Polônia vencesse: muita vodca e comida polonesa. A Liege, torcedora da Alemanha, teve a história mais surpreendente. É interessante notar como as pessoas associam o Brasil ao futebol, a ponto de trocar de seleção por problemas do país. E o tímido Enrico, que não queria ser fotografado de forma alguma e ainda não se decidiu pela Itália de seu pai ou a Argentina de alma castelhana. O mais interessante foi conversar com três pessoas que conseguiram abordar de forma totalmente distinta a pauta que produzimos. Valeu a pena por notar que futebol é mais que 110
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R E P Ó R T E R
nacionalismo, é gosto que não se discute! (página 39)
Bas ti do res do espetáculo
Aline Tyska, Guilherme Santos e Santelmo Marin
O assunto central da revista foi então escolhido: futebol. A turma se dividira e os trabalhos de definição de pauta e coleta de dados assim começavam. No trio foi logo decidido que deveríamos falar de pessoas que não entram em campo, que não são conhecidos pela maioria dos torcedores, porém fazem a diferença em um time campeão. Assim surgiu a pauta: vamos, então, conhecer a história de massagistas, roupeiros e seguranças dos dois principais times do Estado! Começamos a conhecer personagens do Grêmio. O primeiro não foi difícil de encontrar, estava de olho no treino dos titulares, ao mesmo tempo em que afastava meninos que queriam se aproximar dos jogadores: o segurança Pedrão. Homem de poucas palavras e olhar firme, respondia rapidamente às perguntas sem parar com o trabalho, mas aos poucos foi nos contando o dia-a-dia da profissão. Após, conhecemos um colega de Pedrão e, logo depois, fomos conhecer outro personagem, só que no Internacional. O massagista Gentil mostrou orgulho de campeão ao relatar seus 30 anos no Inter. Em frente ao vestiário do clube, no final do treino, o massagista, muito bem humorado, não tinha apenas uma história para contar, eram inúmeras. Com um belo pôr-do-sol no rio Guaíba, decidimos que já estávamos ricos de material para nossa matéria. Selecionamos alguns relatos, mas tenham certeza, nossos personagens têm ainda muitas histórias para contar! (página 42)
Patuás e chuteiras
Cândida Lucca e Sabrina Bochi dos Santos
Conceitos e pré-conceitos estavam enraizados em nossas mentes ao pisar no estádio de futebol do Grêmio Es-
portivo Sapucaienese. A idéia inicial era entrevistar o diretor do clube Aimoré, de São Leopoldo, pois, segundo nossas fontes, eles faziam visitas regulares ao Santuário Padre Reus. Mas a rotina religiosa deles havia mudado. Encontramos então o time Sapucaiense e adentramos em um território totalmente curioso para nós. Quando entrevistamos os dois meninos torcedores, também nos encantamos com o valor que as pessoas davam ao futebol. Gostamos do caminho que escolhemos para a matéria, pois nenhuma de nós simpatiza com o futebol. Claro que entendemos a dimensão desta paixão nacional e até sentimos orgulho pelo nosso país ser o número um no esporte. Mas não nos identificamos particularmente com o tema. Logo pensamos em uma maneira criativa para falar deste universo. A fé foi a escolhida. Num país onde a maioria das pessoas é oficialmente católica, encontramos uma miscelânea de religiões e crenças que não passa despercebida nesta relação com o futebol. (página 46)
Entre tapas e beijos
Carine Sobé, Leandro Luz e Marilene Junges
Depois de conversar com diversos árbitros e dirigentes de entidades ligadas aos "homens do apito", podemos afirmar que nossas impressões mudaram. Antes, os juízes eram por nós condenados, pois não tínhamos conhecimento do lado desta profissão tão importante para a condução de um grande espetáculo que movimentxa milhões de pessoas - e de reais, dólares ou euros - como o futebol. Sempre vimos a arbitragem com outros olhos. Olhos críticos, sempre a procura do erro para despejar críticas e xingamentos a estes profissionais. Ainda mais agora, quando tivemos o desprazer de assistir um Campeonato Brasileiro recheado de trapalhadas e roubalheiras por parte de um certo Edílson Pereira de Carvalho. Aliás, esse nome substituiu as lembranças às mães dos árbitros nos estádiosbrasileiros. Agora o coro é "Edílson, Edílson", ao invés do tradicional...Ah, você sabe o que
queremos dizer! Essa mudança de concepção, o respeito ao árbitro, homem comum, pai de família, apaixonado por futebol como muitos brasileiros, só nos faz crer que esses profissionais - ou mesmo amadores, como Pingo e Valmir, árbitros de várzea que entrevistamos para nossa reportagem, na maioria das vezes, não merecem levar tanta pedrada e tanta porrada de comentaristas e torcedores. (página 50)
D i ver s ã o X P a n c a d a r i a
Maria Luiza Belan e Thaís Helena Baldasso
“F ute bol é a representação da vida”
Andres Kalikoske e Lucas Colombo
Ao optarmos por fazer uma entrevista com os jornalistas esportivos David Coimbra e Ruy Carlos
Oster mann, pensamos não apenas em ouvir as grandes histórias, que, certamente, eles teriam para contar. Gostaríamos, também, de explorar reações compartilhadas pelos dois, que levam uma vida agitada, em que o esporte se confunde com o próprio cotidiano. Além disso, queríamos provar, por meio das palavras deles, que futebol pode ser também uma atividade intelectual, mesmo que, para algumas pessoas, isto seja improvável. Acreditamos que conseguimos fazer este gol. Como a idéia era reunir os dois para a entrevista, tivemos de negociar bastante, já que a agenda de David e Ruy raramente coincide. Mas a entrevista enfim aconteceu, e na própria redação do jornal Zero Hora, onde trabalham. A conversa foi descontraída e com conteúdo eclético. O resultado pode ser conferido aqui: futebol misturado com Jean-Paul Sartre, Sérgio Buarque de Hollanda, reflexões sobre identidade brasileira e discussão de problemas sociais. Este time é forte. (página 56)
CAIO SCHENINI
É realmente uma pena que o esporte favorito dos brasileiros tenha se transformado também em um campo de batalha. Programa tradicional das tardes de domingo com a família e momento de encontro com amigos, as partidas de futebol vêm surpreendendo os torcedores mais clássicos. O divertimento não está provocando somente risadas, mas medo. Nos surpreendemos ouvindo as histórias
dos comentaristas, dos cronistas esportivos, dos torcedores. E passamos a acompanhar as partidas de futebol atentamente, para entender como a paixão fervorosa por este esporte pode levar os torcedores ao fanatismo. Como podem esquecer que as discussões nos estádios e fora deles, prejudica não só o andamento dos jogos, mas até mesmo o desempenho dos jogadores. Todos querem sentir a emoção, o frio na barriga, o coração pulsando, mas vendo seu time entrar em campo; e não correndo amedrontados pelas ruas sendo vítimas da violência escancarada. Todos querem a paz nos estádios. Nós, a oportunidade de realizarmos esta matéria no futuro pelo motivo contrário: o bom comportamento dos torcedores. (página 53)
NA REDAÇÃO: os diagramadores Patricia Fachin e Giovani Paim finalizam a revista
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I M P R E S S Ã O Jogo da vida
Paulo Rogerio de Souza, Fábio Sidrack e Daiana Souza
R E P Ó R T E R
amarelos, operadores da bolsa, deputados, negros, desempregados, professores, iletrados, brancos, intelectuais. É isso que pretendemos trazer à tona: algumas lições de união. (página 61)
As donas dos donos da bola
Amanda Zulke e Camila Borowsky
Elas são geralmente lindas e bem sucedidas. Felizes? Às vezes; nem sempre. Passar aniversários sozinhas, Dia dos Namorados, comemorações com os filhos, isso tudo só. O que Fernanda, Juliana e Camile têm em comum? Elas são mulheres e namoradas de jogadores de futebol. Elas são as donas dos donos da bola. Fernanda é namorada de um jogador de final de semana, aquele que faz tudo pelo hobby, Juliana tem seu namorado vivendo em Moscou, onde joga em um grande time. Ela se contenta em conversar com ele pelo telefone. Camile não namora mais, já
é casada, quando as responsabilidades se multiplicam. Encontramos dados sobre as três mulheres depois de alguma pesquisa e conversas com colegas. A Camile, mulher do Roger, encontramos no Jornal Zero Hora, onde havia um link do site do jogador em que comentavam algumas coisas que Camile dizia de negativo sobre ser mulher de jogador de futebol. Com ela, todo o processo da entrevista foi mais difícil, pois está morando no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que foi a mais complicada das entrevistas, Camile foi muito acessível. Realmente tivemos um bom entrosamento e a comunicação foi rápida. Ganhamos uma amiga. Camile, além de ser uma pessoa conhecida, por ser mulher de quem é, consegue ser muito simpática e conquistou as duas repórteres. Descobrimos que revista é uma delícia de ser feita quando nos entregamos de corpo e alma, conhecendo novas pessoas e dedicando-nos ao melhor. Se você conseguir atingir es-
LEONARDO REMOR
Estabelecer critérios para a paixão alheia é uma tarefa muito complicada, para dizer o mínimo. Moradores de rua que se degladiam pela sobrevivência, políticos pouco conscientes de seus reais compromissos, adolescentes que buscam a identificação através da paixão pelo esporte imaginário: aos poucos, percebe-se que nenhum torcedor permanece inalterado quando assuntos sagrados de seu clube são postos em xeque. Morando no Brasil (e, ainda por cima, em época de Copa do Mundo), a "batalha vital de paixões" preconizada por Nélson Rodrigues é mais palpável que as sucessivas crises econômicas. Depois de uma dificuldade inicial, percebemos que os torcedores passivos, ou "normais", constituem uma irrisória minoria. Estamos lidando com o esporte que já cessou guerras, que traz lições de respeito mútuo, que une miseráveis,
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OBSERVADORES: os repóreteres Juliano Fontoura e Ricardo Duarte acompanham o duelo dos fãs
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te objetivo, você terá uma grande matéria. (página 65)
De antenas bem ligadas
Marcio Stfani e Roberta Gerhard
Duas entrevistas e uma Primeira Impressão. Com o pressuposto de conhecer o outro lado da profissão, percorremos a história de dois ícones da comunicação gaúcha: um do jornal e o outro do rádio. A escolha dos entrevistados deu-se através do passado dos mesmos ligado ao futebol e principalmente pelas andanças que a Copa do Mundo possibilita. Hiltor Mombach e Haroldo de Souza, nossos personagens, por meio desta entrevista, mostraram-nos o quanto que a profissão de jornalista e locutor pode ser gratificante, abrindo vastos caminhos de conhecimentos e culturas. Para tanto, chegar onde estão Hiltor e Haroldo hoje, nos exigirão muita dedicação e suor, fatores necessários para passar pelas dificuldades que a vida profissional nos colocará. (página 68)
Na torcida adversária
Halder Ramos e Rafael Geyger
Quando elaboramos a pauta para a reportagem, tínhamos em mente que o mais difícil seria mesmo acompanhar um jogo do adversário, em meio à torcida rival, no campo do inimigo. Grande engano! Claro, a experiência em terras adversárias não foi nada confortável. No entanto, o mais trabalhoso foi entrevistar o Bolívar, zagueiro do Inter, com histórico profissional diretamente ligado ao Grêmio e onde seu pai foi destaque no passado. Com a rotina de treinos, jogos, concentrações e com a falta de interesse da assessoria de imprensa do Inter, talvez até uma entrevista com o Ronaldinho Gaúcho fosse mais fácil. Bom, também não vamos exagerar! Mas podemos dizer que conversar com o Bolívar foi tão complicado quanto ganhar uma disputa aérea contra ele.
O contato com o jogador só aconteceu aos 45 minutos do segundo tempo. Porém, mesmo com todos os contratempos, o bate-papo com o atleta foi importante para ilustrar a reportagem. Com simplicidade, o zagueiro contou o começo complicado da carreira no Grêmio e a oportunidade que está tendo no time titular do maior rival. Bolívar é um dos tantos exemplos vitoriosos do futebol. Desacreditado no tricolor, o jogador deu a volta por cima e, hoje, vive o melhor momento na carreira jogando no Inter. (página 71)
Não tem tu, vai tu mesmo
Josiel Saldanha, Rafael Serra e Christian da Silva
Ao fazer a reportagem sobre futebol em lugares inusitados, descobrimos os craques obreiros e as peladas de final de semana, na rua mesmo. Foi legal perceber o orgulho de ver a arte do futebol, que era praticado por eles, em reconhecimento numa revista. O mais interessante de tudo foi que, apesar de não ser a rua ou o canteiro de obras o local ideal para uma partida de futebol, o jogo rolava com vontade e garra. A disputa era feroz, como se realmente estivesse valendo algum título. Encontrar as fontes também não foi difícil. A partir do boca-a-boca entre amigos e vizinhos, se descobre fácil: "Olha, eu acho que tem um pessoal que joga na hora do almoço", ou "ali na rua de trás tem uma gurizada que joga sempre", diziam. Valeu a pena, até mesmo durante a hora da reportagem, quando vibramos com um gol bonito, ou uma jogada bem feita. Deu pra perceber que não somos os únicos que jogamos 'bola' em campos tão diferentes. (página 76)
Tro ca de botões
Jonas Scherer e Rosana Martins
O assunto decidido, as fontes sendo entrevistadas, o texto em confecção. Nós fizemos isso durante to-
do o curso de Jornalismo. Não foi diferente nessa empreitada: cuidadosamente se pensou nos tópicos e processos de abordagem. "Quase rotineiro", comentamos, no início, nas primeiras semanas. Primeiras cinco, ou seis, é verdade. Qual não foi a nossa surpresa quando, num súbito suspiro, pegamo-nos ner vosos e apreensivos durante o restante do processo. Era a angústia da publicação, da consciência de que o fruto de nossas conversas, fotografias e escrevinhações seriam veiculadas na Primeira Impr essão. Diferente. Tantas reportagens e textos, mas nenhum para revista. Nos embalos da Copa, a angústia advinha também da escolha de algo que pretendíamos não convencional: o choque de gerações, o contraste de botões, de relações de práticas culturais que, mesmo presentes constantemente, apontavam para um passado que, outrossim, despontava em nostalgia. Como se um botão fosse apertado, ao lembrar do que antes era um usual passatempo. (página 82)
Due lo de fãs
Juliano Fontoura e Ricardo Duarte
Quando decidimos falar com dois torcedores fanáticos por Grêmio e Internacional, pensamos em entrevistar um de cada vez. Algo simples em que mostrássemos os dois lados fanáticos com suas particularidades bem separadas. Porém achamos que a matéria ficaria sem um ponto que chamasse atenção. Então resolvemos defrontar os dois torcedores em um local neutro. Na semana da entrevista, ficamos imaginando como seria o encontro. Pelas nossas cabeças passava até a possibilidade de uma briga, que já havíamos combinado de não separar caso ocorresse. No fim, o que aconteceu foi uma disputa sadia entre dois torcedores rivais. Tanto que o único problema enfrentado era o fim da fita de gravação que estava próximo, sendo que nenhum dos dois estava disposto a deixar as últimas palavras para o riJULHO/2006 PRIMEIRA IMPRESSÃO
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val. Para esse caso, usamos um corte seco, um "chega, tá bom". Quando encerramos, os dois nem falaram mais conosco, apenas se dirigiam um ao outro para tentar provar entre eles qual era o mais fanático. Achamos que deu empate. (página 86)
Pai xão platônica
Anderson Santos da Rosa e Marcelo Amaral
A verdade é que poderíamos ser as personagens de nossa própria história. Ao lado de policiais, garçons, ambulantes e toda a sorte de infelizes que não podem acompanhar seus clubes do coração, também os jornalistas padecem deste mal. Enquanto os jogadores vestem suas armaduras de guerra, popularmente conhecidas como uniformes, percorremos as redondezas do estádio em busca de causos e contos. Como o motivo principal de nossa aventura parece bem encaminhado, cresce o nervosismo e a ansiedade. Vaias e foguetes anunciam a entrada dos times no gramado enquanto continuamos à margem do espetáculo. Neste momento, ninguém tem mais pressa que nós. Cadê aquele cambista que entrevistamos antes? (página 90)
Que ro ser Ronaldinho
Ana Paula Feyh e Fabiana Seferin
Escrever uma matéria de 7000 caracteres não e uma tarefa fácil, exige tempo e dedicação. Escolhemos este tema por termos conhecimento de que muitos jogadores profissionais, antes de alcançarem o sucesso, passaram por inúmeras dificuldades financeiras e, mesmo assim, nunca desistiram do seu sonho. Entretanto, este fato não se detém apenas aos esportistas, mas também a diversas outras profissões, que em busca da realização profissional se esforçam o máximo que podem, se privando de diversas coisas. Enfim, quando ficou decidido que o tema central da revis114
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ta deveria circundar pelo mundo do futebol, optamos por focar a situação de meninos carentes que buscam através do futebol sua ascenção profissional. Encontrar uma pessoa que se enquadrasse dentro deste perfil não foi difícil, já que basta olharmos atentamente para qualquer campinho de futebol para encontrarmos meninos que vivem esta realidade. Enfim, no decorrer da nossa coleta de dados, tivemos que, por diversas vezes, mudar o rumo da nossa entrevista, pois as histórias mudavam de forma e fugiam da pauta. Escutando as histórias destes meninos, muitas vezes nos emocionamos e tentamos passar para a revista o que vimos e sentimos. (página 94)
H or r o r p e l o f u t e b o l
Ane Meira e Leandro Schallemberg
Na pátria de chuteiras, a bola é majestade e tem à sua disposição 180 milhões de súditos. Vírgula! Essa é a tradicional generalização do brazilian way of life. Brasileiros que não gostam de futebol, assim como aqueles que abominam carnaval e até a cerveja gelada são desconsiderados e não têm voz. Para eles, futebol não se discute, porque não é importante, porque outras coisas na vida têm mais valor do que um jogo. É justo! Ao pensarmos naquela que viria a ser nossa pauta, não queríamos algo diferente do caminho dos comuns, e sim apresentar um lado do assunto que nunca é reconhecido. Pessoas que simplesmente possuem um ponto de vista diferenciado. É o que acontece com nossa dupla, onde curiosamente ocorre de a menina ser superligada em futebol e de o menino não ser tão ligado assim. É a diversidade possível, óbvia, necessária. Fomos felizes em encontrar entrevistados que, mesmo em tempos de Copa do Mundo, admitem que se manter indiferentes ao futebol é possível. Os queridos Trindades, o esperto Gustavo e os destemidos Blades nos mostram que viver a vida cada um do seu jeito é o que conta! Então, divirtam-se com a reportagem, curtam a revista e sejam felizes! (página 98)
Vit to ria
Diego de Carvalho e Ramon Antoniazzi
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como bronze que soa, ou como címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que eu tivesse toda a fé, aponto de transportar montanhas, se não tiver amor, não sou nada. O amor se rejubila com a verdade, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eusou conhecido. Por hora subsistem a fé, a esperança e o amor - as três. Porém, a maior delas é o amor. (1 Corintios 13) (página 102)
CAIO SCHENINI
I M P R E S S Ã O
ATENÇÃO: o monitor Marcio Stfani faz as últimas revisões