TST Rodrigo Hammer’s
The Sound Tribune
Ginger
Baker
A R U C U O L a Muito além d De como o Maior Baterista da História do Rock sobreviveu às polêmicas e de como o Rock sobreviveu a ele
Número 002 - 06/01/2019 - 12/01/2019
O DIABO NICK MASON Com a palavra
“Ginger Baker foi uma enorme influência para mim. Eu não estaria aqui se não fosse por ele. Só de ouvi-lo tocar com o Cream, bem no começo. Lembro quando se apresentaram na Regent Street Polytechnic (n. do t. escola técnica de Londres). As cortinas se abriram e lá estava aquele baterista na frente do palco, no meio, com os bumbos duplos. Pensei na hora: ‘Caramba, isso aí só pode ser incrível.’ Aquela noite me transformou, só de pensar em seguir o mesmo caminho. Sempre que podia, assistia ao Cream. Lembro de ver Ginger tocar Toad (o solo de bateria). Adorava o estilo dele – e ainda adoro. Acho que há coisas que ele fazia, simplesmente únicas. Da mesma forma que obviamente Mitch Mitchell era o cara para o Jimi Hendrix Experience, é óbvio que Ginger significava o mesmo para o Cream. Coisas como a introdução de N.S.U. – onde ele demarca claramente seu posto na banda. Aquele sentimento do cara certo na banda certa em termos de feeling. Nos Beatles, por exemplo, Ginger Baker não teria acontecido. Tecnicamente como baterista, como ele era? Muito bom. A única pessoa que chegou a criticálo, foi Buddy Rich – e Buddy Rich detonava a tudo e a todos. Ginger é um grande músico. Se o estilo dele transparece no meu? Gostaria que sim. Se alguém me dissesse ‘Você soa um pouco como Ginger Baker’, eu agradeceria. Se é verdade que repórteres de Música têm medo de entrevistá-lo? Claro. Ele sempre foi incrível para mim, mas também pode ser ao mesmo tempo extremamente imprevisível. Quem é mais intimidador? Ele ou Roger Waters? Eu diria que Ginger, realmente, porque há um certo ar de mistério que o acompanha. Eu estava no Roundhouse para o show de homenagem a Jack Bruce onde ele tocou (em 2015). Ele não chegou a ir aos ensaios, então colocaram outro baterista de reserva para assumir, caso fosse necessário. Assim que Ginger subiu ao palco, tocou só um número e se mandou. E aí vi que era algo ‘tipicamente Ginger’, claro.”
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EM FIGURA DE GENTE
Cruzando desertos, comprando pôneis raros, fazendo e perdendo fortunas, influenciando gerações e gerações de músicos... a história de Ginger Baker é muito mais que aquela do “Maior Baterista de Rock de Todos os Tempos”.
S
Texto - Mick Wall Tradução e Adaptação - Rodrigo Hammer
e você conhece Ginger quanto a (Keith) Moonie: “Não Baker apenas como “o ba- aguentaria nem 10 quilômetros terista do Cream”, simples- para ver um show dos Rolling mente não o conhece. Tudo bem, Stones.” Ginger Baker é o cara que odiava até foi no trio que ele se mesmo a própria tornou o primeiro superbanda, jurando que star da História do Rock nunca tocaria com ela no instrumento, o de novo, mesmo deprimeiro a tocar um solo pois de ter cumprido mais extenso (em Toad, sete shows na reunião do álbum de estreia de 2005. Mas por ‘Fresh Cream’) e conque? “Fizemos e solidar o arquétipo do pronto.” baterista de Rock como Baker também se cele“o loucaço barra-pebrizara por sada atrás do jogar as baquepalco”. Mas não “A única pessoa que tas na cabeça foi bem por aí chegou a criticá-lo, de Jack Bruce onde a má fama foi Buddy Rich - e durante alguns de Baker se consolidou. Ele tam- Buddy Rich detonava shows, sair do kit e partir pra bém é o cara a tudo e a todos.” porrada com famoso por de- NICK MASON ele durante alsancar alguns colegas de instrumento. Segundo guns outros, e até mesmo demitir Ginger, “(John) Bonham tinha téc- o baixista certa vez, quando ainda nica, mas não podia sacudir nem tocavam no Graham Bond Organium saco de bosta.” O mesmo zation.
Na fase do Cream: longe da definição de “Flower Power”
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Baker, Bruce e Clapton nos dias de glória do Cream: as incontáveis brigas com o segundo, levaram à dissolução do power trio Bruce chegou a me confessar pouco antes de sua morte: “Ginger Baker teve a ideia de formar o Cream com Eric Clapton, mas Clapton retrucou: ‘Tá, posso tocar com você, mas com Jack Bruce como baixista e vocal.’ Aí, Baker respondeu que ok, não havia problema. O que ele não contou a Eric, é que da última vez que tinha se encontrado comigo, me apontara uma faca e me avisara que da próxima vez que a gente se topasse, a faca estaria me esperando.” Poucas horas antes da morte do baixista, em 2014, ele daria o troco ao ligar para Baker: “Estou morrendo, Ginger. Fodase.” E bateu o telefone. Musicalmente, como Neil Peart chegou a pontuar um dia, “era um revolucionário... Fincou a estaca no limite de onde a bateria de Rock deve estar. Reproduzi a abordagem dele em termos de ritmo – o som duro, direto, percussivo que
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fazia, era super inovador. Todo baterista de Rock, desde então, foi influenciado por Ginger – mesmo que não saiba disso.” Peter Edward Baker nasceu em Londres, a 9 de Agosto de 1939, filho de um pedreiro que tinha sido morto durante a II Guerra Mundial quando Ginger contava apenas quatro anos. Na adolescência, chegou a ser um ciclista habilidoso, tencionando fazer o Tour de France, pedalando como louco, quilômetro a quilômetro, até o dia em que um táxi bateu em sua bicicleta, esmagando-a. Então numa festa, pouco depois do acidente, sentou-se num kit de bateria – detonando no instrumento como se já tocasse há muito tempo. “O chimbau, o bumbo, os pratos... eu não sei como, mas conseguia tocar aquilo tudo,” recordava-se. Baker encarou a primeira apresentação profissional aos 17
anos, numa banda de Traditional Jazz. Passou então o final dos anos 1950 perambulando com as feras da época pelo Soho, pegando os macetes com a lenda da bateria de Jazz Phil Seamen. Foi também o primeiro a incursionar pelo que se conhece atualmente por “World Rhythms”, onde o Jazz sincopado se combinou à polirritmia africana – e à heroína. Em 1962 substituiu o colega Charlie Watts no Alexis Korner’s Blues Incorporated, onde encontrou o tecladista Graham Bond, o saxofonista Dick Heckstall-Smith e o baixista Jack Bruce, todos já conceituados. Decidindo tornar-se mais “comercial” e faturar alguma grana, formaram o Graham Bond Organization, grupo de R&B que logo seria considerado um dos mais quentes daquela cena e que também incluía um jovem guitarrista virtuoso de nome John McLaughlin.
Fato é, que o GBO também pisava fundo na loucura. Muito fumo, muito ego, mas tocavam demais. O tipo de banda que podia transformar cançonetas Pop como I Saw Her Standing There em verdadeiras odisseias de ácido. Então, Bond convenceu Baker a dispensar Bruce, fazendo com que o projeto de tintas Proto-Prog e Fusion “antes de seu tempo” se esfacelasse. Anos mais tarde, Bond seria atropelado por um trem, morrendo entre rumores de envolvimento com Magia Negra. Baker, por sua vez, teria sua parcela de karma negativo quando Clapton insistiu para que se juntasse ao Cream. Seguiu-se a história da primeira superbanda, Sunshine of Your Love, 15 milhões de álbuns vendidos, o primeiro duplo platinado de todos os tempos (‘Wheels of Fire’), até o show de despedida no Royal Albert Hall. “Eu e meu irmão costumávamos ouvir aqueles discos do Cream, tentando copiar o som que eles faziam”, recordar-se-ia Alex Van Halen tempos depois, assim como todo mundo que já sonhava em montar uma banda de Rock à época. Baker, por outro lado, não estava nem aí para isso. “As pessoas ficam dizendo que o Cream deu origem ao Heavy Metal”, declarou certa vez à Rolling Stone. “Se fosse o caso, teríamos parido um aborto.” Após o trio se dissolver, formou com Clapton o Blind Faith, outro supergrupo junto a Steve Winwood, do Traffic, lançando um dos álbuns mais vendidos de 1969, repleto de Soul, Country, Folk, Blues e Jazz ou o que mais surgisse dali. O Faith poderia até ter desencadeado outra revolução musical, mas Clapton pulou fora ao constatar que Baker rapidamente estava cada vez mais se afundando na heroína. “Olhei nos olhos dele e vi que não restava dúvida de que tinha retornado ao vício”, escreve em sua autobiografia.
Apesar disso, Baker sustenta ainda hoje que estava “limpo” na fase “Blind Faith”, em que pesem as naturais desconfianças. “Só chapei mesmo, no fim da tour americana”, declarou, acrescentando: “Era uma pessoa má naquela época. Eric só queria se afastar de mim.” Assim como todo mundo. Prestes a morrer de overdose após ingerir speedball (n. do t. coquetel de cocaína com heroína) na mesma noite do falecimento de Jimi Hendrix, Baker voou de volta a Londres e dirigiu – sim, dirigiu – até a Nigéria. Na capital, Lagos, abriu o primeiro estúdio de 16 canais, entrando em excursão com o superstar local Fela Kuti, apresentando-se para multidões de 150 mil pessoas e tornando-se famoso país adentro como “Oyinbo”, o baterista branco de Kuti. Houve, também, recaídas esporádicas no mainstream do Rock nos anos 1970, primeiro na liderança do Ginger Baker’s Air Force – projeto de formação flutuante com mais de 18 músicos que incluía Winwood, Danny Laine, Alan White, Rick Grech e Phil Seamen – responsável por dois álbuns na linha Fusion. Ao grupo,
seguiu-se o Baker Gurvitz Army, mais voltado aos admiradores de Cream e Robin Trower. Lançaram, assim, três discos, nenhum realmente um hit.
BEWARE OF MR. BAKER
O aviso proferido pelos vizinhos de Ginger Baker no seu autoexílio africano “cuidado com Mr. Baker”serviu de título ao excelente documentário de Jay Bulger lançado em 2012. Ali, o controverso músico é mostrado em toda a sua excentricidade, culminando com a bengalada que desfere no próprio Bulger ao tentar entrevistá-lo. De quebra, a carreira do Cream, bem como dos projetos capitaneados por Baker desde os primórdios, merecem destaque. Filmaço.
Auge da Swin gin’ London , de mau hum or no Cream
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Com o projeto Ginger Baker’s Air Force, amealhando trocados e colecionando desafetos
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Entretanto, Baker continuou fazendo o que gostava, residindo num rancho de oliveiras na Itália no início dos anos 1980 e jogando polo. Tornouse, por isso mesmo, membro do Lagos Polo Club, formado por integrantes brancos, onde oficiais da guarda ditatorial nigeriana se abrigavam. Baker acabou sendo expulso, ao escalar um time de negros da própria Nigéria que acabou por derrotar a equipe branca. Topei com Ginger rapidamente em 1980, quando chegou a ser o novo baterista do Hawkwind para o qual eu estava fazendo assessoria de imprensa. Lembro de ir ao backstage numa noite, pedir para que atendesse a um jornalista do Melody Maker que demonstrara interesse em encontrá-lo. “Foda-se”, respondeu. “Ah, mas ele diz que já se encontrou com você uma vez e que lhe conhece.” “Foda-se, seu merda. Já disse que não conheço jornalista nenhum. E nem quero conhecer.”
Em 1986, John Lydon conseguiu convidar Baker para que tocasse no excelente ‘Album’, do Public Image Ltd. (que também conta com Steve Vai na guitarra), e em 1992 em ‘Sunrise of The Sufferbus’, do Masters of Reality. Depois disso o baterista fundou o Ginger Baker Trio, de curta duração. Além disso, formou outro power trio, o BBM, espécie de segunda versão do Cream junto a Gary Moore e – por incrível que pareça – Jack Bruce. Então, contra todas as previsões, em 2005 o Cream reuniu-se e tocou em quatro shows com os antigos companheiros no Royal Albert Hall e mais três no Madison Square Garden. Todos mostraram um baterista repaginado, de extremo talento, solidez e ousadia. O projeto desmoronou quando Baker e Bruce, mais uma vez, se engalfinharam num palco em Nova York. Pelo caminho restaram quatro casamentos, três filhos, vários casos e uma autobiografia intitulada Hell-
raiser. Nos últimos anos ele começou a perder a audição – no que culpa Jack Bruce pelos anos de exposição aos altíssimos amplificadores do baixista. Certa feita, recordou-se de um dos shows de reunião do Cream: “Jack estava tocando tremendamente alto. E ainda gritava para mim, dizendo que eu é que estava. No palco – em frente a todo mundo! Aí, Eric ficou puto com a gente.” Anteriormente às cirurgias de coração em 2016 que acabaram deixando-o bastante debilitado para voltar a tocar, chegou a excursionar com uma nova banda, o Ginger Baker’s Jazz Confusion que lançou um disco, ‘Why?’, em 2014. “Deus está me castigando por minhas fraquezas ao me manter vivo e com o máximo de dor que pode me dar”, declarou. Mesmo sempre tendo dito que “odiava o Rock ‘n’ Roll”, é ainda hoje o maior baterista de Rock (e Jazz) vivo. É só perguntar aos outros.
GINGER BAKER EM 4 DISCOS
‘DISRAELI GEARS’ Cream (1967)
Após uma modorrenta estreia calcada em Blues, o Cream deslanchou para o sucesso com um álbum que merecidamente pertence ao “zeitgeist” iluminado de 1967. O que isso quer dizer? Simplesmente, que o power trio dos power trios legara uma obra-prima atemporal, recheada de passagens instrumentais antológicas nas quais Baker se supera.
‘BLIND FAITH’ Blind Faith (1969)
Um dos primeiros “super grupos” da história, o Blind Faith não poderia deixar de contar com o “Maior Baterista de Rock de Todos os Tempos”. Da capa genial aos arranjos sofisticados, o disco contém uma seleção de clássicos imediatos, como a belíssima Presence of The Lord e a arrasadora abertura Had To Cry Today. Obrigatório em qualquer coleção.
‘BAKER GURVITZ ARMY’ Baker Gurvitz Army (1974)
De produção ambiciosa, o primeiro BGA mostrou que o ex-Cream não havia perdido a pegada repetida na formação de Power Trio junto aos irmãos Adrian (guitarra/vocal) e Paul Gurvitz (baixo), o nível de desempenho pelo qual se celebrizara. Baker seexcede em faixas que demonstram virtuosismo além do esperado, Um grande trabalho.
‘LEVITATION’ Hawkwind (1980)
No álbum em que o Hawkwind “pega pesado” com um som rápido e encorpado, Baker tem papel fundamental, mostrando-se capaz de acompanhar Dave Brock e cia. A passagem pela banda durou apenas o disco, mas provou que o baterista transitava com a mesma facilidade pelo proto-Metal que então já rondava pelo final da década de 1970.
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TST The Sound Tribune
P - Rodrigo Hammer Curta e compartilhe